Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

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Rui Penha GUIA DE DIREITOS REAIS EM TIMOR- LESTE Sumários desenvolvidos das aulas ministradas ao III Cursode Magistrados e Defensores Públicos no CFJ 2008/2009 Tribunal de Recurso CFJ - Centro de Formação Jurídica 2012

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Rui Penha

GUIA DE DIREITOS REAIS EM TIMOR-

LESTE

Sumários desenvolvidos das aulas ministradas ao III Cursode

Magistrados e Defensores Públicos no CFJ 2008/2009

Tribunal de Recurso CFJ - Centro de Formação Jurídica

2012

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Ficha Técnica:

Título: Guia de Direitos Reais em Timor-Leste

Autor: Rui Penha

Edição: Tribunal de Recurso/Centro de Formação Jurídica

Dili, Junho de 2012

Tiragem:

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DIREITOS REAIS1

I – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS

1. Definição

Direito real é o poder que se exerce sobre uma coisa e que se

traduz na possibilidade de exigir de todos os outros indivíduos o respeito

do exercício desses poderes sobre a coisa.2

Ana Prata define o direito real como “um direito subjectivo que

recai directamente sobre as coisas ou realidades a elas juridicamente

assimiladas, conferindo ao seu titular poderes sobre elas e o direito de

exigir de todos os outros uma atitude de respeito pela utilização que

delas faça, de acordo com os poderes que o direito lhe confere”.3

No plano interno o direito real caracteriza-se pelo tipo de

poderes que podem ser exercidos sobre a coisa. Por exemplo, direitos

reais de gozo ou de garantia.4

No plano externo o direito real caracteriza-se pelo poder de

exigir dos outros a obrigação passiva universal, o respeito pelo direito

em concreto, nomeadamente, os direitos de propriedade, de usufruto, de

servidão, de aforamento. Os direitos reais têm eficácia erga omnes. Ou

1 O presente texto segue as regras do acordo ortográfico aprovado para adesão pela

Resolução do Parlamento Nacional nº 14/2009, de 6 de Maio, mantendo-se, no entanto,

a redação constante dos textos reproduzidos. 2 Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 15, a propósito da origem histórica da

expressão refere que a mesma deriva da figura actio in rem que se dirigia contra uma

coisa, por contraposição à actio in persona que se dirigia contra uma pessoa. 3 Prata, Dicionário Jurídico, 2005, pág. 439.

4 Nos direitos reais de gozo as coisas objecto do direito são afectadas a que os seus

titulares retirem delas utilidades, será o caso do direito de propriedade. Nos direitos

reais de garantia as coisas objeto do direito são afetadas a que os seus titulares possam

obter o cumprimento de uma obrigação, pelo valor dessas coisas ou pelos seus

rendimentos, com preferência sobre os demais credores dos titulares dessas coisas,

como acontece com a hipoteca (Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 19).

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seja, os direitos reais individuais são impostos a todos os indivíduos, que

têm que os respeitar.5

Assim, Carvalho Fernandes conclui que é adequado defini-lo

como “o poder jurídico absoluto, atribuído a uma pessoa determinada

para a realização de interesses jurídico-privados, mediante o

aproveitamento imediato de utilidades de uma coisa corpórea”.6

Rui Pinto sublinha a necessidade de definição do direito real

através das suas características próprias, para concluir que “o direito real

é uma situação jurídica activa através da qual se faz a afectação de

coisas de modo inerente aos interesses de uma pessoa individualmente

considerada”.7

Já Rui Pinto Duarte critica a própria definição de direito real,

concluindo que não há uma definição que possa caracterizar todos os

direitos reais, uma vez que a definição de direito real foi construída a

partir do direito de propriedade, mas a mesma não se adequa a todos os

outros direitos reais.8

5 Dispenso-me da análise das várias teorias sobre a natureza dos direitos reais

(nomeadamente as teorias clássica ou realista e moderna ou personalista) e recomendo

sobre o assunto a leitura da monografia de Diana Gomes Carvalhinho, Direitos Reais:

Noções Gerais, in “Revista Jus Navigandi”, ano 10, nº 739, Teresina (Brasil), 14 Julho

2005 (igualmente acessível em www.juspodivm.com.br), na qual refere: “Existem,

pelo menos, duas formas radicalmente opostas de conceber os direitos reais e de

contrapô-los aos direitos pessoais: a teoria clássica ou realista e a teoria moderna ou

personalista. Em síntese, para a teoria clássica ou realista, os direitos reais devem ser

vistos como um poder direto e imediato sobre a coisa, enquanto os direitos pessoais

traduzem uma relação entre pessoas, tendo por objeto uma prestação. Por outro lado,

os defensores da teoria moderna ou personalista sustentam, basicamente, que o direito

real não reflete relação entre uma pessoa e uma coisa, mas, sim, relação entre uma

pessoa e todas as demais”. 6 Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 48.

7 Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, págs. 47-57.

8 Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 323.

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2. Princípios característicos dos direitos reais

São características fundamentais dos direitos reais: eficácia

absoluta, inerência, sequela, preferência, tipicidade, transmissibilidade,

elasticidade, publicidade, e consensualidade.9

2.1 Princípio da eficácia absoluta

Como resulta da própria definição do direito de propriedade, a

principal característica dos direitos reais é a sua eficácia absoluta.10

Quer isto dizer que os direitos reais são oponíveis erga omnes,

atribuindo ao seu titular o poder de exercê-los em face de quem quer que

seja e, em contrapartida, impondo a todas as pessoas, indistintamente

consideradas, o dever de respeitar o seu exercício.11

A posição do titular estabelece-se com a coisa objeto do seu

direito, sendo independente de quaisquer outras pessoas. O titular do

direito pode exigir o seu respeito de todas e quaisquer outras pessoas.

Ou seja, conforme acentua José de Oliveira Ascensão, “tem uma posição

independente, um poder no seio da ordem jurídica”.12

Os direitos reais são absolutos não porque não sofram quaisquer

restrições, mas porque obrigam toda a sociedade a um dever de

abstenção, o dever de não perturbar o seu exercício por parte do sujeito

ativo (o titular do direito).

Sobre esta matéria estabelece o art. 572º do Código Civil

Indonésio (CCI)13

que se presume que a propriedade está livre de

9 Não é obviamente uma enumeração completa ou sequer comummente aceite, a

essencialidade das características dos direitos reais é apresentada de forma diversa por

diversos autores. 10

Este não é contudo entendimento unânime, conforme Menezes Cordeiro, Direitos

Reais, 1993, págs. 302 a 311. 11

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 44. Veja-se ainda Fernandes, Lições de

Direitos Reais, 2007, pág. 54. 12

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 613. 13

Forma como se referirá sempre o Código Civil Indonésio recebido como legislação

nacional timorense nos termos das disposições conjugadas dos arts. 165º da

Constituição da RDTL, 3º, nº 1, do Regulamento da Untaet nº 1/1999, e 1º da Lei nº

2/2002, este com a interpretação expressa pelo art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de

Dezembro. O regime jurídico indonésio iniciou a sua vigência no território nacional

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qualquer reclamação. Um indivíduo que reclame algum direito sobre os

bens de outro indivíduo será obrigado a provar o direito que invoca.14

Por sua vez, estabelece o art. 1227º do Código Civil de Timor-

Leste15

que, o proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos

de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos

limites da lei e com observância das restrições por ela impostas.

2.2 Princípio da inerência

A inerência é uma consequência da eficácia absoluta dos direitos

reais, e traduz-se na aderência do direito real à coisa que constitui seu

objeto, justificando, em última análise, a oponibilidade erga omnes. Ou

seja, a coisa continua a ser objeto do mesmo direito real, ainda que se

verifique a sua transmissão, independentemente do número que vezes

que ocorra tal transmissão.

Salienta José de Oliveira Ascensão, “O fenómeno é muito

significativo no que diz respeito aos direitos reais menores, que

como consequência natural da integração naquele país, iniciando-se a sua vigência de

facto com a invasão, ou, pelo menos a constituição do primeiro do governo provisório

de Timor-Leste em 17 de Dezembro de 1975, tendo sido formalizada a integração do

território de Timor-Leste na Indonésia através da declaração do Presidente da

República da Indonésia de 17 de Julho de 1976. Por acórdão do Tribunal de Recurso

de 26-2-2013, processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha, decidiu-se

que O art. 4º das normas revocatórias que antecedem o articulado da Lei Agrária

Indonésia nº 5/1960, revoga expressamente o Livro II do CCI, mas apenas na parte

referente ao solo, água e recursos naturais, ou seja, apenas na parte respeitante ao

domínio público do Estado. Quanto ao resto a revogação só se concretizou

tacitamente, ou seja, na medida em que tenha havido regulamentação diversa da que

existia anteriormente. 14

“Tiap-tiap hak milik harus dianggap bebas adanya. Barangsiapa membeberkan hak

atas kebendaan milik orang lain, harus membuktikan hak itu”, da versão em inglês,

“Article 572. Each property shall be presumed to be free of any claim. An individual

who claims any right to another individual’s assets, shall be obliged to prove that

right”. 15

Aprovado pela Lei nº 10/2011, de 14 de Setembro, com entrada em vigor a 12 de

Março (art. 19º da Lei), a que se passará a referir apenas como Código Civil.

Relativamente ao direito sobre bens imóveis, apenas tem aplicação o novo Código

“após o reconhecimento ou atribuição dos primeiros títulos de direito da RDTL” (art.

3º da Lei).

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subsistem íntegros, não obstante toda a disposição efectuada pelo titular

do direito real maior”.16

Por exemplo, o titular do direito de superfície sobre um imóvel

mantém o seu direito inalterado, mesmo que se verifiquem várias

transmissões do direito de propriedade sobre o imóvel objeto do seu

direito. Igualmente, o usufruto mantém-se ainda que o proprietário de

raiz aliene o seu direito de propriedade, etc.

2.3 Princípio da sequela (Direito de sequela ou de

seguimento)

A sequela é uma prerrogativa, característica ou faculdade dos

direitos reais, igualmente resultante do seu carácter absoluto.

O direito segue a coisa, persegue-a, acompanha-a, podendo

fazer-se valer seja qual for a situação em que a coisa se encontre. Ou

seja, ainda que outra pessoa se aproprie da coisa, o titular do direito real

pode sempre exercer sobre a coisa os poderes correspondentes ao seu

direito.17

No caso de alguém furtar um bem imóvel, o seu proprietário não

deixa de poder exigir a sua devolução de quem o venha a adquirir e

deter. A hipoteca mantém-se inalterada ainda que o devedor venda o

imóvel dado de garantia.

16

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 50. 17

A este propósito veja-se o art. 621º do CCI (“Setiap pemegang besit suatu barang tak

bergerak, dapat minta kepada pengadilan negeri di daerah tempat barang itu terletak,

untuk dinyatakan sebagai pemiliknya. Ketentuan-ketentuan perundang-undangan

tentang hukum acara perdata mengatur cara mengajukan permintaan demikian”, na

versão em inglês: “Any individual may have his property title to immovable assets,

which he owns, acknowledged by the court of justice, within whose legal jurisdiction

the assets are located”). Veja-se igualmente o art. 1234º, nº 1, do Código Civil: “O

proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o

reconhecimento do seu direito de propriedade”.

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2.4 Princípio da preferência (Direito de preferência ou de

prevalência)

Traduz-se na circunstância de os direitos reais constituídos sobre

uma coisa prevalecerem sobre os direitos de crédito incidentes sobre

essa coisa e sobre os direitos reais posteriormente constituídos sobre a

mesma coisa, que se revelem total ou parcialmente incompatíveis com o

inicial.18

Por exemplo, um direito real de garantia, como seja uma

hipoteca, permite ao seu titular obter o pagamento do crédito garantido

por tal direito em primeiro lugar, em prejuízo de um credor que não

tenha o seu crédito garantido por um direito semelhante. Igualmente a

primeira hipoteca, ou seja registada em primeiro lugar,19

confere ao seu

titular prevalência sobre o credor detentor de hipoteca registada

posteriormente.

Trata-se igualmente de característica resultante do carácter

absoluto dos direitos reais.

2.5 Princípio da tipicidade

Os direitos reais estão sujeitos ao princípio da tipicidade ou do

numerus clausus. Ou seja, não podem existir outros direitos reais para

além daqueles que estão tipificados na lei, nem podem ser criados pelos

particulares direitos reais com conteúdo diferente dos que estão

legalmente regulados.

Dessa forma percebemos que um direito real é um direito

tipificado normativamente, isto é, para que um direito se qualifique

como real, antes de tudo ele tem que estar elencado na lei, delimitado

legalmente.

Assim, os tipos de direitos reais e respetivos conteúdos devem

encontrar-se pré-determinados e descritos na lei.

18

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 62. 19

Importa referir que no caso de hipotecas sobre imóveis o registo é constitutivo do

direito – art. 621º do Código Civil: “A hipoteca deve ser registada, sob pena de não

produzir efeitos, mesmo em relação às partes”.

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O princípio da tipicidade está expressamente consagrado no

artigo 1228º do Código Civil.20

Já o CCI,21

à semelhança da generalidade dos sistemas jurídicos

da altura não consagra expressamente este princípio, sendo seguro,

porém, que se regulam de forma expressa todos os direitos reais

considerados admissíveis pelo ordenamento jurídico.22

Esta preocupação

é ainda mais evidente na Lei Agrária de 1960,23

conforme se pode ver da

redação dada ao artigo 16º, nº 1.24

2.6 Princípio da especialidade

Os direitos reais devem ter por objeto coisas individualizadas,

coisas determinadas. Acrescenta o artigo 1224º do Código Civil, que só

as coisas corpóreas, móveis ou imóveis, podem ser objeto do direito de

propriedade regulado no Código.25

Por outro lado, o direito real que incide sobre uma coisa é

diferente do direito real, ainda que porventura igual, que incida sobre

outra coisa.

O facto de o direito dever incidir sobre uma coisa determinada

não impede que, por exemplo, possa incidir sobre uma universalidade.26

Acentuam Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “Está visto que as coisas

colectivas, revistam elas a fisionomia de coisas compostas ou de

universalidade de facto, são compatíveis como objecto de direitos reais,

20

Artigo 1228º (Numerus clausus): 1. Não é permitida a constituição, com carácter

real, de restrições ao direito de propriedade ou de figuras parcelares deste direito senão

nos casos previstos na lei; toda a restrição resultante de negócio jurídico, que não

esteja nestas condições, tem natureza obrigacional. 21

Toda a restante legislação indonésia a que se faça referência neste texto é legislação

recebida internamente nos termos das disposições legais referidas na nota 7. 22

Veja-se o art. 528º do CCI. 23

Lei nº 5 de 1960 (UUPA) (Undang Undang No. 5 Tahun 1960 Tentang: Peraturan

Dasar Pokok-pokok Agraria). 24

“Hak-hak atas tanah sebagai yang dimaksud dalam pasal 4 ayat (1) ialah …” (Na

versão em inglês: “The rights on land as meant in paragraph (1) of Article 4 are as

follows …”). 25

No mesmo sentido o artigo 519º do CCI. 26

A definição das coisas compostas será efectuada infra a propósito da distinção das

coisas.

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com a ideia de que estes têm de ter como objecto uma coisa certa e

determinada. Isto, porque a universalidade ou a coisa composta são –

elas próprias – uma forma de determinação ou de individualização”.27

2.7 Princípio da transmissibilidade

Como qualquer direito patrimonial o direito real é transmissível.

Significa isto que a ligação entre o direito e o seu titular é cindível, pode

ser quebrada por vontade do titular ou por outra causa. Esta

característica traduz no fundo a alienabilidade e a hereditabilidade dos

direitos reais.28

Característica que se encontra particularmente acentuada no CCI

que inclui as normas relativas às sucessões por morte no seu Livro

Dois,29

que tem por título Coisas, e que regula apenas a matéria

respeitante aos direitos reais e a sucessões.30

2.8 Princípio da elasticidade

No caso dos direitos reais onerados ou limitados (por exemplo

por usufruto, servidão, hipoteca), a extinção do direito real menor faz

expandir o direito real principal, reconstituindo-se a propriedade plena

do direito. Conforme referem Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “sempre

que estamos perante um direito real limitado, concorrem dois direitos

sobre o mesmo objecto: o direito de propriedade e o direito real limitado

a certas utilidades da coisa”; há uma concorrência de direitos.31

Assim,

se o direito real menor se extinguir, há uma imediata restauração da

propriedade plena do direito de propriedade.32

27

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 100. 28

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 103 e 104. 29

Capítulos XII a XVIII, arts. 830º a 1130º. 30

A este propósito veja-se ainda o art. 20º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia (UUPA)

(“Hak milik dapat beralih dan dialihkan kepada pihak lain”, na versão em inglês: “A

Hak milik can change hands and be transferred to other parties”). 31

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 113 e 114. 32

Veja-se o art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia (UUPA) (“Hak milik adalah hak

turun-menurun, terkuat dan terpenuh yang dapat dipunyai orang atas tanah”, na versão

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2.9 Princípio da publicidade33

A constituição ou transferência de um direito real deve ser

efetuada de forma pública, de modo a ser conhecida de todas as

pessoas.34

Esta necessidade de publicidade implica a obrigação do uso de

forma especial (a escritura pública) para a celebração dos contratos que

impliquem a constituição ou disposição de direitos sobre imóveis,

nomeadamente a sua alienação (art. 617º do CCI35

e art. 808º do Código

Civil36

).37

Relativamente ao registo dos atos de oneração ou disposição

sobre bens imóveis o Código Civil não lhe atribui efeito constitutivo,

pelo que os atos efetuados com observância do formalismo legal

produzem imediatamente efeitos jurídicos.38

Ou seja, o adquirente passa

em inglês: “A Hak milik (right of ownership) is the inheritable right, the strongest and

fullest right on land which one can hold”. 33

Sobre a questão do princípio da publicidade nos direitos reais veja-se André Gonçalo

Dias Pereira, A Característica da Inércia dos Direitos Reais: brevíssima Reflexão sobre

o Princípio da Publicidade, 2008, págs. 13-30. 34

Embora a questão do registo das situações jurídicas e das transmissões dos bens se

tenha colocado essencialmente relativamente aos bens imóveis, existem bens móveis,

nomeadamente, os veículos automóveis, relativamente aos quais a questão da

necessidade do registo se tem colocado. 35

“Semua akta penjualan, penghibahan, pembagian, pembebanan atau

pemindahtanganan barang tak bergerak harus dibuat dalam bentuk otentik, atas

ancaman kebatalan”, na versão em inglês: “All deeds, by virtue of which immovable

assets are disposed of, bequeathed, distributed, encumbered, or transferred, shall be

rendered invalid unless drawn up in an authentic form”. 36

“O contrato de compra e venda de bens imóveis só é válido se for celebrado por

escritura pública”. 37

Nos termos do art. 15º do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, Regularização da

Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não Disputados, “são revogadas todas as

normas de direito indonésio actualmente em vigor em Timor-Leste que regulem a

forma de transmissão de direitos reais, quando aplicáveis aos bens imóveis já sujeitos

ao procedimento de registo, previsto neste diploma”. 38

Importa contudo ter presente que, normalmente, a precedência do registo pode ter

consequências jurídicas importantes, devido ao princípio da protecção de terceiros de

boa fé, no caso de nova alienação de imóvel por quem já havia alienado o mesmo

anteriormente a outrem.

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a ser proprietário do imóvel, independentemente da entrega do imóvel

ou do registo.39

O CCI impõe um regime de efeito constitutivo do registo ao

determinar que a transferência do direito efetuada por escritura pública

só se efetiva com o registo da mesma.40

Mais exige que a prova da

venda só possa ser efetuada mediante certidão do registo,41

assim se

reforçando o princípio da publicidade do ato.42

A mesma preocupação de publicidade resulta ainda do disposto

no art. 19º da Lei Agrária Indonésia.43

Porém, por se tratar de uma

norma programática dirigida ao próprio Governo da República da

Indonésia, não se afigura que a mesma tenha aplicação na RDTL.

O art. 15º do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,

Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não

Disputados, veio revogar as normas de direito indonésio atualmente em

vigor em Timor-Leste que regulem a forma de transmissão de direitos

39

Princípio da consensualidade (a constituição e transmissão dos direitos reais

resultam do contrato, não sendo exigida a tradição da coisa). 40

Art. 616º “Penyerahan atau penunjukan barang tak bergerak dilakukan dengan

pengumuman akta yang bersangkutan dengan cara seperti yang ditentukan dalam pasal

620” (“The delivery or order of immovable assets shall be effected by publication of

the deed, in the manner stipulated in article 620”). 41

“Tiap petikan dalam bentuk biasa dari rol atau daftar kantor lelang, guna

membuktikan penjualan barang yang diselenggarakan dengan perantaraan kantor

tersebut menurut peraturan yang telah ada atau yang akan diadakan, dianggap sebagai

akta otentik” (“Evidence of the sale of the assets shall be in the form of excerpts from

the roll or registers of the auction department in the customary format effected with the

assistance of the aforementioned department”) (art. 617º); “Dengan mengindahkan

ketentuan-ketentuan yang tercantum dalam tiga pasal yang lalu, pengumuman

termaksud di atas dilakukan dengan memindahkan salinan otentik yang lengkap dari

akta otentik atau surat keputusan hakim ke kantor penyimpan hipotek di lingkungan

tempat barang tak bergerak yang harus diserahkan itu berada, dan dengan

mendaftarkan salinan ini dalam daftar yang telah ditentukan” (“the public notification

shall take place:- by submitting to the office of the registrar of the mortgages within

whose area the immovable assets to be delivered or ordered are located, an authentic

and complete copy of the authentic deed or of the judgment, and by the recording of

the copy in the register designated thereto”) (art. 620º). 42

O mesmo se aplica aos casos previstos nos arts. 617º a 619º ainda do CCI. 43

“Untuk menjamin kepastian hukum oleh Pemerintah diadakan pendaftaran tanah

diseluruh wilayah”, na versão em inglês: “To guarantee legal certainty, the

Government is to implement land registration throughout the whole territory …”.

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reais, quando aplicáveis aos bens imóveis já sujeitos ao procedimento de

registo, previsto neste diploma. Ou seja, uma vez efetuado o registo nos

termos do diploma em questão, não importa mais averiguar se o titular

inscrito adquiriu o direito mediante escritura pública ou por outra forma,

valendo apenas o registo efetuado nos termos de tal diploma. Tem assim

tal registo efeito constitutivo, independentemente de qualquer título que

lhe esteja subjacente.44

A obrigação da escritura pública, embora não do registo,

encontra-se ainda consagrada no Regime Jurídico do Notariado

(Decreto-Lei nº 3/2004, de 4 de Fevereiro), nos termos do disposto no

seu art. 37º, nº 2, al. a).

Igualmente a proposta de Lei de Regime Especial Para a

Definição da Titularidade dos Bens Imóveis (mais conhecida como

Projecto de Nova Lei das Terras),45

ainda em apreciação pelo

Parlamento Nacional, manifesta iguais preocupações de publicidade

(além do reconhecimento ou atribuição de direitos).46

3. O registo

O registo predial é forma de expressão máxima do princípio da

publicidade supra referido.

O registo permite conhecer a situação exata dos bens imóveis,

nomeadamente a titularidade do direito de propriedade e encargos que

possam onerar o direito, para que o potencial adquirente do bem tenha

conhecimento exato de todos.47

No dizer de Oliveira Ascensão, “teve-se sobretudo em vista

evitar a possível existência de ónus ocultos, que entravariam a

circulação dos bens”.48

44

Sobre esta questão veja-se análise do diploma em causa infra. 45

Termos em se passará a designar tal projeto. 46

“A presente lei estabelece o regime especial para a definição da titularidade

imobiliária por meio do reconhecimento e da atribuição de primeiros direitos de

propriedade de bens imóveis da República Democrática de Timor-Leste” (art. 1º, nº 1). 47

Veja-se o preâmbulo do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, Regularização da

Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não Disputados. 48

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 333.

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Daí que o registo sempre tenha sido entendido como necessário

para que o seu beneficiário possa opor o direito a terceiros.49

Ou seja, o

fim do registo é manifestar o estado jurídico da propriedade.50

O registo faz-se mediante a descrição do prédio, para sua

identificação, e a inscrição de todos os atos que o possam afetar (como

as escrituras de compra e venda do mesmo, doações, constituição de

usufruto, de servidões, hipotecas, etc.).51

Relativamente aos atos praticados no período da colonização

portuguesa ou ocupação indonésia a questão não se coloca, sendo

obrigatória a formalidade da escritura pública.52

Quanto ao registo, nos

termos do art. 949º do Código Civil Português de 1867, entre outros,

estavam sujeitos a registo “as transmissões de propriedade immovel, por

título gratuito ou oneroso” (§ 4º).53

O registo, tal como se veio a manter posteriormente (enquanto

vigorou a legislação portuguesa), visava apenas dar publicidade ao ato e

não tinha natureza constitutiva. Assim, se António vendesse, por

49

Ou seja, ainda que o registo não seja constitutivo, o registo faz com quem contrata

com base no mesmo e regista o seu direito seja protegido relativamente a situações

jurídicas, nomeadamente anteriores transmissões do imóvel ou constituição de ónus

sobre o mesmo, que não se encontrem devidamente registados. 50

Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 1870, pág. 442. 51

De acordo com o estabelecido no art. 2º, als. g) e h), do Decreto-lei nº 12/2008, de

30 de Abril (Estatuto Orgânico do Ministério da Justiça), são atribuições do Ministério

da Justiça: organizar e prestar serviços de administração e cadastro de bens imóveis em

todo o território nacional, promover as medidas de implementação necessárias à gestão

do património imobiliário do Estado e estabelecer e garantir os serviços de registo e de

notariado. 52

Art. 875º do Código Civil Português de 1966, e o art. 617º do CCI. No âmbito do

Código Civil Português de 1867, a compra e venda e a doação de bens imóveis teria

que ser realizada mediante escritura pública, ou, pelo menos, mediante escrito

particular, no caso de imóveis com valor inferior a cinquenta mil réis (para a compra e

venda o art. 1590º e para as doações o art. 1459). 53

O Código Civil Português de 1867 (conhecido por Código Civil de Seabra) vigorava

em todo o território de Portugal, incluindo as chamadas províncias ultramarinas, onde

se incluía Timor-Leste, desde 18 de Novembro de 1869, conforme o art. 1º do Decreto

de 18 de Novembro de 1869, que determinou a sua aplicação imediata a todo o

território ultramarino, independentemente da sua publicação nos Boletins Oficiais dos

diversos territórios (art. 2º).

Page 15: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

15

escritura pública de compra e venda, um prédio a Bernardo, ainda que

este não registasse tal aquisição do direito, podia sempre impor o

mesmo contrato ao António, uma vez que este se encontrava vinculado

pelo contrato celebrado, não podendo opor-se António invocando o

facto de no registo estar ainda inscrito como titular do direito de

propriedade.

Porém, se António vendesse de novo o mesmo prédio a Carlos,

procedendo este ao registo da sua aquisição, sem que o Bernardo o

fizesse antes, então o Carlos poderia opor ao Bernardo o registo para

ficar ele com o prédio. É que, quando adquiriu o prédio, por imposição

do princípio da publicidade, tudo se passou como se António fosse o

dono do mesmo. Resta a Bernardo exigir uma indemnização a António

por ter alienado o prédio que lhe havia vendido a ele.

Ou seja, relativamente a terceiros os títulos sujeitos a registo só

produzem efeitos desde que sejam efetivamente registados (art. 951º do

Código Civil de Seabra).54

Este regime manteve-se inalterado após a entrada em vigor do

Código Civil Português de 196655

(que veio substituir o Código de

Seabra), conforme resulta dos arts. 2º, 7º, nº 1, e 9º, nº 1, do Código de

Registo Predial Português de 1967, aprovado pelo Decreto-Lei nº

47.611, de 28-3-1967.56

Os terceiros de boa fé, com o título de aquisição do seu direito

devidamente registado, beneficiavam ainda de proteção no caso de

declaração de nulidade ou anulação do negócio jurídico respeitante ao

bem imóvel por si adquirido e registado, celebrado antes da sua

aquisição, nos termos do art. 291º, nº 1, do Código Civil Português de

54

Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 870, pág. 388. O art. 1549º do

mesmo Código Civil de Seabra determinava igualmente, a propósito da compra e

venda, que em relação a terceiro, a venda, sendo de bens immobiliarios, só produzirá

effeito, desde que for registada. 55

Aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 344, de 25 de Novembro de 1966, e tornado

aplicável nas então províncias ultramarinas (designadamente em Timor-Leste), a partir

de 1 de Janeiro de 1968, conforme o art. 2º, nº 1, da Portaria do Ministério do Ultramar

nº 22.869, de 4-9-1967. 56

Alterado pelo Decreto-Lei nº 49.053, de 12-6-1969.

Page 16: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

16

1966.57

Por exemplo, se Bernardo viesse invocar a nulidade de contrato,

ou anulação de contrato de compra e venda que celebrara com António,

se este já tivesse vendido a Carlos, que desconhecia o alegado vício,

tendo adquirido o bem com base no que constava do registo, a

declaração de nulidade ou a anulação do primeiro negócio não

prejudicaria o seu direito, sem prejuízo da possibilidade de ainda se

fazer valer o vício do negócio mediante o registo da ação no prazo de

três anos (nº 2 do referido artigo).58

Ou seja, a proteção do terceiro só se

verifica se a aquisição por este ocorrer decorridos três anos sobre a

transmissão anterior, ou se a ação a pedir a declaração de nulidade ou

anulação do negócio inicial não for registada em tal prazo.

Nos termos do art. 8º do aludido Código de Registo Predial

Português de 1967, o registo definitivo constituía presunção de que o

direito definitivamente registado pertencia à pessoa em nome da qual

estava registado.

O CCI vai ainda mais longe, impondo o efeito constitutivo do

registo e exigindo certidão do registo da venda ou outro tipo de

transmissão ou constituição de ónus ou encargos sobre imóveis, para

prova dos mesmos (art. 617º).59

Conforme disposto do art. 23º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia, o

direito de propriedade (hak milik), toda e qualquer transferência

57

Artigo 291º (Inoponibilidade da nulidade e da anulação): 1. A declaração de

nulidade ou a anulação do negócio jurídico que respeite a bens imóveis, ou a bens

móveis sujeitos a registo, não prejudica os direitos adquiridos sobre os mesmos bens, a

título oneroso, por terceiro de boa fé, se o registo da aquisição for anterior ao registo da

acção de nulidade ou anulação ou ao registo do acordo entre as partes acerca da

invalidade do negócio. 2. Os direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a

acção for proposta e registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio.

3. É considerado de boa fé o terceiro adquirente que no momento da aquisição

desconhecia, sem culpa, o vício do negócio nulo ou anulável. 58

O nº 2 do art. 291º do Código Civil Português de 1966 tem a seguinte redacção: Os

direitos de terceiro não são, todavia, reconhecidos, se a acção for proposta e registada

dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio. 59

Nos termos do art. 578º, nº 1, do CPC, “Quando a lei exigir, como forma da

declaração negocial, documento autêntico, autenticado ou particular, não pode este ser

substituído por outro meio de prova ou por outro documento que não seja de força

probatória superior”.

Page 17: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

17

afetando tal direito, a anulação (ou declaração de nulidade) do mesmo a

constituição de ónus sobre o direito tem que ser registado.60

A Lei Agrária Indonésia, sem referir a presunção, vem dizer que

o registo serve como forte meio (ou ‘instrument’) de prova (art. 23º, nº

2).61

Ou seja, a legislação indonésia igualmente estabelece uma

verdadeira presunção, uma vez que confere à certidão do registo um

valor probatório superior aos restantes meios de prova, o que implica

que quem pretenda por em causa o facto registado terá o ónus de

demonstrar a sua inexistência (ou diversa configuração), como se de

uma verdadeira inversão do ónus de prova se tratasse.

O problema que se tem colocado em Timor-Leste consiste em

determinar a solução a dar aos casos das transações jurídicas tendo por

objeto bens imóveis durante o período em que não havia notários

nacionais e tendo em consideração a inexistência de registo predial

(situação que ainda não se encontra resolvida).

Uma das soluções mais frequente foi a celebração de contratos

escritos com a chancela de um ou mais advogados, que assim

procuravam dar alguma certeza jurídica ao ato de transmissão do direito

sobre bens imóveis. Mas também se verificaram muitas transmissões de

imóveis por mero escrito particular ou por acordo verbal.

Com respeito por entendimento diverso, afigura-se não se poder

atribuir a tais atos a eficácia jurídica pretendida, ou seja, a virtualidade

de operarem a transmissão do direito sobre o bem imóvel, ou a

constituição de qualquer ónus sobre o mesmo. De facto, não se afigura

que a situação excecional própria da construção, ou reconstrução, das

infraestruturas jurídicas nacionais possa permitir a omissão de

60

“Hak milik, demikian pula setiap peralihan, hapusnya dan pembebanannya dengan

hak-hak lain harus didaftarkan menurut ketentuan-ketentuan yang dimaksud dalam

pasal 19” (na versão em inglês: “A hak milik, every transfer affecting a hak milik, the

nullification of a hak milik, and the encumbering of a hak milik with other rights must

be registered in accordance with the provisions referred to in Article 19”). 61

“Pendaftaran termaksud dalam ayat (1) merupakan alat pembuktian yang kuat

mengenai hapusnya hak milik serta sahnya peralihan dan pembebanan hak tersebut”

(na versão em inglês: “The registration referred to in paragraph (1) shall serve as a

strong instrument of evidence concerning the nullification of a hak milik and

concerning the validity of the transfers and encumbrances affecting the said right”).

Page 18: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

18

formalidades consideradas essenciais pela generalidade dos

ordenamentos jurídicos.

Mais, não se pode ignorar a reafirmação da obrigação da

celebração mediante escritura pública dos atos que importem

reconhecimento, constituição, aquisição, modificação, divisão ou

extinção dos direitos de propriedade, usufruto, uso e habitação,

enfiteuse, superfície ou de servidão sobre coisas imóveis, consagrada no

art. 37º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado (Decreto-Lei nº

3/2004, de 4 de Fevereiro).62

Ou seja, o próprio legislador nacional

entendeu não atribuir relevância jurídica à aludida situação.

Como meio de obstar a esta situação, o já referido Decreto-Lei nº

27/2011, de 6 de Julho, Regularização da Titularidade de Bens Imóveis

em Casos Não Disputados, veio proceder à inscrição registral com efeito

constitutivo dos imóveis em nome de quem demonstre ser titular de um

direito sobre o mesmo, independentemente da validade formal de

qualquer título que lhe esteja subjacente.63

Para além destes efeitos do registo nos termos do Decreto-Lei nº

27/2011, de 6 de Julho, não deixam tais contratos de produzir efeitos

jurídicos, seja como meio de transmissão da posse sobre os imóveis,64

nos termos do art. 543º do CCI65

, seja como facto gerador de obrigações

entre as partes contratantes.

4. Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho

Conforme já referido, o Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,

Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não

Disputados, pretendeu estabelecer o regime para o reconhecimento do

direito de propriedade sobre bens imóveis não disputados, para efeitos

de registo.

62

Este diploma entrou em vigor no dia 7 de Março de 2004 (art. 79º). 63

Diploma que se analisará infra, no capítulo 4. 64

Situação que se analisará infra aquando do estudo da posse. No Código Civil veja-se

o art. 1178º (Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título diverso da

sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor). 65

Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso (TR) de 8 de Junho de 2010, processo nº

05/Agravo/Cível/2009/TR, relator Rui Penha.

Page 19: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

19

Trata-se de vir finalmente regular uma situação de aquisição

formalmente inválida do direito de propriedade, na sequência das

circunstâncias supra referidas, bem como de proceder à inscrição dos

imóveis transacionáveis entre particulares e, sempre que possível, fixar

o primeiro titular do direito.66

A restrição dos efeitos do diploma ao registo é essencial, uma

vez que resulta do teor do Decreto-Lei em causa que a inscrição registral

nele prevista, não prejudica os interesses de terceiros, não intervenientes

no processo, que assim podem fazer valer um direito real próprio,

incompatível com o registo, conforme expresso no art. 8º, nº 3, do

diploma em causa. Isto é, aliás, consequência do disposto no art. 4º, nº 2,

que estabelece uma mera presunção do direito a favor do titular inscrito,

como é norma do direito registral.

Mais claramente, o proprietário do imóvel que não tenha

intervindo no processo de registo previsto no diploma pode sempre fazer

valer o seu direito de propriedade contra a pessoa inscrita como titular

do direito no registo lavrado nos termos da aludida lei.

Contudo, parecendo contrariar o referido, o art. 15º do Decreto-

Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, determina: “São revogadas todas as

normas de direito indonésio actualmente em vigor em Timor-Leste que

regulem a forma de transmissão de direitos reais, quando aplicáveis aos

bens imóveis já sujeitos ao procedimento de registo, previsto neste

diploma”. Ou seja, o legislador parece ter pretendido desta forma

resolver o problema resultante de transmissões formalmente inválidas do

direito, regularizando a situação através da atribuição de efeitos

constitutivos ao registo lavrado nos termos do diploma,

independentemente da validade formal da aquisição do direito pelo

titular inscrito em resultado do processo em causa.

Afigura-se, no entanto que, conforme referido supra, o particular

cujo direito de propriedade, ou outro, venha a ser lesado com o registo

em causa poderá sempre67

invocar a nulidade da transmissão,

nomeadamente em tribunal. Efetivamente, importa lembrar que art. 37º,

nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado obriga à celebração de

escritura pública para a transmissão ou oneração de direito reais sobre

66

Veja-se o nº 2 do art. 1º, bem como o art. 3º. 67

A todo o tempo, como se lê no art. 8º, nº 3.

Page 20: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

20

imóveis, norma que não se encontra abrangida pelo referido art. 15º do

Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho.

Em conclusão, não obstante o disposto no aludido art. 15º do

Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho, a titularidade do direito inscrito

tem fins meramente de registo, estabelecendo mera presunção da

titularidade do direito, a qual poderá sempre ser ilidida em tribunal por

qualquer particular cujo direito possa estar em oposição com o teor do

registo.68

5. Função social (questão da nacionalidade)

Nos termos do art. 54º, nº 2, da Constituição da RDTL, a

propriedade privada não deve ser usada em prejuízo da sua função

social.

A este propósito refere-se no preâmbulo da Lei nº 1/2003, de 10

de Março (Regime Jurídico dos Bens Imóveis) “a Constituição da

República Democrática de Timor-Leste estabelece, no seu artigo 54°, os

princípios gerais relativos à propriedade privada, reconhecendo

inequivocamente esse direito e referindo que ela deve ter uma função

social e que só cidadãos nacionais têm direito à propriedade privada da

terra”.

Usando a expressão de Oliveira Ascensão, “os direitos reais são

outorgados para a realização do sujeito, que os deve exercer em

benefício social”.69

Expressões da função social do direito são todas as

limitações legais que são impostas ao exercício absoluto do direito de

propriedade (a propriedade ilimitada). Daí que o Código Civil reflita a

limitação do direito através da figura do abuso de direito70

(art. 325º).71

68

Art. 518º, nº 2, do CPC. 69

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 191. “A função pessoal que o direito real

prossegue deve realizar também uma função social” (Pinto, Direitos Reais de

Moçambique, 2006, pág. 171). 70

Posição criticada por José de Oliveira Ascensão, que defende uma definição

legislativa expressa sobre a matéria (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 193 e

194). 71

“É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os

limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico

desse direito”.

Page 21: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

21

Embora no CCI não se encontre igualmente norma expressando

claramente a função social dos direitos reais, esta encontra-se fortemente

vincada na Lei Agrária Indonésia de 1960, que lhe atribui carácter

verdadeiramente sagrado.72

Assim, encontra-se expressamente

consagrado no art. 6º da Lei a função social dos direitos sobre a terra.73

Manifestação desta função social do direito de propriedade

encontra-se no nº 4 do mencionado art. 54º da Constituição, ao

preceituar que só os cidadãos nacionais têm direito à propriedade

privada da terra.74

A questão da exigência da nacionalidade para a titularidade do

direito de propriedade plena75

vigorava já no território nacional, por

aplicação dos arts. 9º, nº 1, e 21º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia,

devidamente adaptada à RDTL.76

Como consequência, encontram-se os Tribunais impedidos de

julgar ações judiciais no sentido de ser reconhecido o direito de

propriedade a um cidadão estrangeiro.

72

Art. 1º, nº 2 (“Seluruh bumi, air dan ruang angkasa, termasuk kekayaan alam yang

terkandung didalamnya dalam wilayah Republik Indonesia, sebagai karunia Tuhan

Yang Maha Esa adalah bumi, air dan ruang angkasa bangsa Indonesia dan merupakan

kekayaan nasional”, ou, na versão em inglês: “All the earth, water, and airspace,

including the natural resources contained therein, which exist within the territory of the

Republic of Indonesia as gifts from the Only One God, are the Indonesian nation’s

earth, water, and airspace and constitute the nation’s wealth”). 73

“Semua hak atas tanah mempunyai fungsi social” (“All land rights have a social

function”). 74

Veja-se o art. 4º, nº 1, do Projecto de Nova Lei das Terras. 75

Os expatriados podem apenas ser titulares do direito de uso, conforme Elucidation of

Act No. 5 of 1960 Re Basic Provisions Concerning The Fundamentals of Agrarian

Affairs, ponto II (5) (Orang-orang asing dapat mempunyai tanah dengan hak pakai

yang luasnya terbatas) (“Expatriates can only have a hak pakai (right of use) to land of

limited dimensions”). 76

Assim, a questão coloca-se hoje relativamente aos cidadãos indonésios (os quais

podiam ser proprietários de bens imóveis no território de Timor-Leste antes da

independência nacional e deixaram agora de ter tal possibilidade). Com relevância

sobre este assunto veja-se ainda o Regulamento da UNATET nº 2000/27, sobre a

proibição temporária de transacções de terras em Timor-Leste por cidadãos indonésios

não habitualmente residentes em Timor-Leste e por empresas indonésias.

Page 22: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

22

O Tribunal de Recurso tem entendido que não se trata de saber

se quem invoca o direito de propriedade possui ou não documento de

identificação emitido pelas autoridades de Timor-Leste, o que será

necessário exclusivamente para a nacionalidade adquirida, mas apenas

se o pretenso proprietário preenche os requisitos legais para poder

invocar a nacionalidade originária, conforme disposto nos arts. 3º, nº 2 e

3, da Constituição, e no art. 8º, nº 1 e 2, da Lei da Nacionalidade (Lei nº

9/2002).77

Como salientado nos mesmos acórdãos, a questão da

nacionalidade de quem invoca o direito de propriedade é considerada

condição para a procedência da pretensão, e não um pressuposto

processual.78

No acórdão de 2-2-2010, o Tribunal de Recurso concluiu ser

possível a titularidade do direito de propriedade sobre um imóvel a

cidadão estrangeiro se casado com um nacional timorense, desde que tal

imóvel esteja abrangido pela comunhão de bens resultante do

casamento.79

No acórdão de 16-6-2009,80

o Tribunal de Recurso decidiu que

“o art. 54º, nº 4, da CRDTL (…) dispõe sobre a propriedade privada da

terra e não quanto à posse ou propriedade do prédio nela incorporado”, o

que permite a conclusão que a aludida proibição não tem aplicação aos

77

Acórdãos do TR de 10-3-2010, processo nº 23/2001, e processo nº 12/2009, ambos

relatados por José Luís da Goia. 78

Tratando-se de condição para a procedência da pretensão, e não mero facto

impeditivo do direito, o respectivo ónus de prova impende sobre quem invoca o direito

e não sobre a parte contrária (art. 510º, nº 1, do CPC). 79

Escreveu-se em tal acórdão (processo nº 07/2009, relator José Luís da Goia)

“embora o autor não possa ele mesmo ser titular do direito de propriedade sobre o

terreno dos autos, nada obsta a que se considere o direito adquirido pela sua mulher

através do casamento com o autor. É certo que o autor beneficia indirectamente de tal

direito da cidadã nacional sua mulher, por força do mesmo regime. Porém, o direito

passa a pertencer a esta, pelo que nunca o autor poderá beneficiar do direito de

propriedade, por exemplo, em caso de divórcio”. Contrariamente ao que se escreveu,

por manifesto lapso, em tal acórdão, nos termos do art. 35º da Lei Indonésia nº 1/74, o

regime supletivo de bens no casamento é o regime de comunhão de adquiridos, pelo

que, salvo convenção antenupcial que estabeleça outro regime, só pode haver

comunhão (e a doutrina exposta no acórdão só é válida) para os casos em que os bens

são adquiridos durante o casamento. 80

Processo nº 06/2003, relator José Luís da Goia.

Page 23: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

23

casos de prédios urbanos. Com todo o respeito discordo de tal posição,

embora possa parecer ser esse o entendimento que resulta ainda da Lei

Agrária Indonésia.

Como se verá infra (V), a construção ligada materialmente ao

prédio com carácter de permanência constitui parte integrante do

imóvel.81

Sendo assim, quer a construção, quer o solo onde a mesma é

implantada, perdem a sua individualidade e passa a haver coisa única.

Daí que se conclua que o prédio ainda está abrangido pela proibição da

norma constitucional, uma vez que ele inclui o terreno onde foi

implantado.

É certo que alguma doutrina entende ser possível a existência de

um direito de propriedade sobre uma construção, distinto do direito de

propriedade sobre o terreno, nas situações de direito de superfície.82

Porém, como se verá, os cidadãos estrangeiros não podiam

sequer ser titulares do direito de superfície, sobre prédios urbanos, ou

seja edifícios,83

pelo que, por maioria da razão, não podiam ser titulares

do direito de propriedade sobre o mesmo tipo de bens.

Por outro lado, embora com a entrada em vigor do Código Civil

de Timor-Leste se tenha por tacitamente revogada a legislação indonésia

referida84

e, consequentemente, não se verifique agora a proibição legal

de os cidadãos estrangeiros serem titulares do direito real de superfície,

ainda estamos a falar de um direito distinto do direito de propriedade.85

Relativamente às pessoas coletivas, nomeadamente sociedades

comerciais, resulta do art. 21º, nº 2, da Lei Agrária, que a possibilidade

de aquisição do direito de propriedade, ainda que para sociedades

constituídas exclusivamente por pessoas singulares nacionais, está

81

Vejam-se os arts. 195º, nº 3, do Código Civil e 500º do CCI. Veja-se ainda o art. 1º,

nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março, Regime Jurídico dos Bens Imóveis (I Parte:

Titularidade de Bens Imóveis). 82

Este assunto sera abordado adiante a propósito da análise do direito de superfície. 83

Art. 36º, nº 1, da Lei Agrária de 1960 (UUPA). 84

Nomeadamente a Lei Agrária. 85

Como se verá a propósito da análise do direito de superfície.

Page 24: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

24

dependente de regulamentação governamental, de determinação do

governo ou de ato administrativo86

(art. 22º, nº 2).87

O Projecto da Nova

Lei das Terras, resolvendo a questão, consagra expressamente a

possibilidade do direito de propriedade a pessoas coletivas constituídas

exclusivamente por cidadãos nacionais (art. 7º, nº 1), prevendo

igualmente o direito de superfície para as demais pessoas coletivas,

nomeadamente constituídas por estrangeiros ou com sede no estrangeiro

(art. 7º, nº 2). Com a revogação da lei indonésia que regulava esta

matéria, não se vê qualquer tipo de impedimento a que as pessoas

86

Conforme Elucidation of Act No. 5 of 1960 Re Basic Provisions Concerning The

Fundamentals of Agrarian Affairs, ponto II (5) (Demikian juga pada dasarnya badan-

badan hukum tidak dapat mempunyai hak milik (pasal 21 ayat 2). Adapun

pertimbangan untuk (pada dasarnya) melarang badan-badan hukum mempunyai hak

milik atas tanah, ialah karena badan-badan hukum tidak perlu mempunyai hak milik

tetapi cukup hak-hak lainnya, asal saja ada jaminan-jaminan yang cukup bagi

keperluan-keperluannya yang khusus (hak guna-usaha, hak gunabangunan, hak pakai

menurut pasal 28, 35 dan 41) (“corporate bodies basically cannot have a right of

ownership [Article 21(2)] on the consideration that that corporate bodies do not need to

have a right of ownership but another right will do for them as long as it is equipped

with an adequate guarantee for the fulfillment of their specific requirements (e.g. hak

guna-usaha, hak guna-bangunan, or hak pakai according to Articles 28, 35, and 41)”). 87

Contra parece pronunciar-se o Relatório Sobre os Resultados de Pesquisa,

Recomendações Políticas para a Lei Sobre os Direitos de Terra e Restituição de Título,

embora entenda ser desejável clarificação legislativa, nos termos do qual “o artigo 54,

parágrafo 4 do Constituição não excluiria pessoas jurídicas ou sociedades comerciais

de Timor-Leste. Este ponto de vista é compartilhado pelos oficiais seniores do governo

e membros do parlamento que foram consultados pelo LLP, assim como os

participantes na mesa redonda do dia 30 de Junho de 2004 sobre direitos de terras.

Praticamente todos os grupos de trabalho na mesa redonda concordaram que as

entidades legais de Timor-Leste devem poder ser titulares de propriedade perfeita. As

seguintes sugestões foram feitas nesta consideração: As sociedades comerciais

Timorenses e outras pessoas jurídicas devem ter direito a possuir terra. A Lei deve

esclarecer a definição de ‘nacionais’ e ‘cidadãos’. A nacionalidade de Timor-Leste

numa sociedade comercial deve ser determinada por um capital mínimo (de 50-60%)

empreendido por pessoas de Timor-Leste. Isto permitiria a participação de investidores

estrangeiros em sociedades comerciais de Timor-Leste. Se uma sociedade comercial

declara falência, toda a terra que for possuída por ela deve reverter para o estado”.

Afigura-se, porém, como vem sendo comum, que este entendimento ignorava o

sistema jurídico existente naquele momento em Timor-Leste, como seja a aludida Lei

Agrária (que era legislação nacional timorense), e que regulava de forma que se afigura

clara esta matéria.

Page 25: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

25

coletivas nacionais possam ser titulares do direito de propriedade sobre

imóveis.

Importa ainda considerar que, nos termos do art. 1º, al a), do

Regulamento nº 2000/27 da UNTAET, qualquer contrato ou acordo

celebrado por um cidadão da Indonésia que habitualmente não resida em

Timor Leste para vender qualquer interesse ou direito relativo a terra no

território de Timor Leste, não produz qualquer efeito.

Conforme decidido no acórdão do Tribunal de Recurso de 10-

3-2010: “A ratio legis do Regulamento em questão afigura-se evidente.

Tratava-se então de impedir que nacionais indonésios, sem qualquer

ligação a Timor Leste, pudessem beneficiar da situação de ocupação do

território que se verificava antes da independência. A referência a

cidadãos da Indonésia não habitualmente residentes em Timor Leste tem

precisamente esse significado. Assim, a venda de imóveis por cidadãos

da Indonésia que habitualmente residissem em Timor Leste já não se

encontra abrangida pela cominação prevista no referido art. 1º do

Regulamento em causa”.88

A Lei Agrária Indonésia (UUPA), como já se viu, ia ainda mais

longe, ao impedir a aquisição (ou titularidade) do direito de superfície,

quer sobre terreno agrícola, quer sobre prédio urbano a pessoas

singulares que não fossem nacionais, ou mesmo a pessoas coletivas

(nomeadamente sociedades comerciais) que não estivessem

reconhecidas segundo a legislação nacional, ou domiciliadas em

território nacional.89

88

Processo nº 12/2009, relator José Luís da Goia. Decidiu-se ainda no mesmo acórdão

que “tratando-se de facto impeditivo do direito invocado pelo autor, impende sobre o

réu o ónus de prova da verificação dos requisitos constantes do referido Regulamento,

nos termos do art. 510º, nº 2, do CPC”. 89

Arts. 30º, nº 1, (Yang dapat mempunyai hak guna-usaha ialah. a. warga-negara

Indonesia; b. badan hukum yang didirikan menurut hukum Indonesia dan

berkedudukan di Indonesia) e 36º, nº 1 (Yang dapat mempunyai hak guna-bangunan

ialah a. warga-negara Indonesia; b. badan hukum yang didirikan menurut hukum

Indonesia dan berkedudukan di Indonesia) (na versão em inglês: “Those eligible for a

Page 26: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

26

A questão que se colocava consistia em saber se esta condição

também teria aplicação na RDTL, face à redação menos restritiva da

própria Constituição. Ou seja, se a legislação ordinária indonésia,

recebida no sistema jurídico nacional, podia estabelecer restrições à

titularidade de direitos ainda mais amplas que aquela que resulta do

texto constitucional.

Afigura-se que a resposta terá que ser positiva. Efetivamente, a

Constituição estabelece expressamente que “Todo o indivíduo tem

direito a propriedade privada, podendo transmiti-la em vida e por morte,

nos termos da lei”.90

Sendo assim, a Lei Fundamental acolhe as

restrições constantes da Lei ordinária relativas à limitação da

titularidade do direito de propriedade, nomeadamente da lei que já

existia anteriormente e que a Constituição acolheu,91

como a aludida Lei

Agrária Indonésia (UUPA).

Ora, se o titular do direito de propriedade só podia dele dispor

nos termos da lei, então a disposição dos direitos reais menores sobre os

imóveis, como seja o direito de superfície, também não podiam ser

constituídos contra a disposição legal supra referida,92

pelo que os

cidadãos estrangeiros e as pessoas coletivas (nomeadamente sociedades

comerciais) que não estivessem reconhecidas segundo a legislação

nacional, ou domiciliadas em território nacional, não podiam sequer ser

titulares daquele direito.93

hak guna … are as follows: a. Indonesian citizens, and b. bodies corporate incorporated

under Indonesian law and domiciled in Indonesia”). 90

Art. 54º, nº 1. 91

Art. 165º. 92

O que pode ter sérias repercussões ao nível do investimento estrangeiro, tão

necessário no estado actual de construção do novo país da RDTL. Efetivamente fica

vedado o uso do mecanismo legal mais adequado para a hipótese de alguém construir

nomeadamente infraestruturas turísticas ou de outra natureza, uma vez que os restantes

mecanismos jurídicos não asseguram de forma tão eficaz a possibilidade de uso das

mesmas pelo período mínimo necessário à recuperação do investimento feito. 93

Porém, o art. 55º, nº 2, da Lei Agrária (UUPA), prevê a possibilidade de,

excepcionalmente, o Estado poder conceder o direito de superfície sobre bens do seu

domínio a empresas estrangeiras, que não preencham os requisitos dos aludidos arts.

30º, nº 1, e 36º, nº 1, desde que tal seja considerado necessário no ato que o autoriza

(Hak guna-usaha dan hak guna-bangunan hanya terbuka kemungkinannya untuk

diberikan kepada badan-badan hukum yang untuk sebagian atau seluruhnya bermodal

asing, jika hal itu diperlukan oleh Undang-undang yang mengatur pembangunan

Page 27: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

27

Com a entrada em vigor do Código Civil de Timor-Leste a

legislação de origem indonésia que impõe as aludidas restrições terá que

se considerar revogada, subsistindo apenas a limitação constitucional.

Com esta questão está ainda relacionada a do direito de

propriedade, uso e posse útil das terras, que, nos termos do art. 141º da

Constituição serão regulados por lei.

6. As coisas

Diz-se coisa tudo aquilo que pode ser objeto de relações

jurídicas.94

Consideram-se fora do comércio jurídico todas as coisas que não

podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no

domínio público e as que são, por sua natureza, insuscetíveis de

apropriação individual (art. 193º, nº 2, do Código Civil. Veja-se os arts.

519º a 526º do CCI).

As coisas são imóveis ou móveis, simples ou compostas,

fungíveis ou não fungíveis, consumíveis ou não consumíveis, divisíveis

ou indivisíveis, principais ou acessórias, presentes ou futuras (art. 194º

do Código Civil).95

São coisas imóveis os prédios rústicos e urbanos, as águas, as

árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao

solo, os direitos inerentes aos imóveis e as partes integrantes dos prédios

rústicos e urbanos (art. 195º, nº 1, do Código Civil).96

nasional semesta berencana) (na versão em inglês: “The possibility for the granting of

a hak guna-usaha and hak guna-bangunan to corporate bodies whose capital is partly

or wholly foreign is open only in the case where it is deemed necessary to grant such

rights to such corporate bodies in the light of an act which regulates pembangunan

nasional semesta berencana (well-planned total, national development)”). 94

Art. 193º, nº 1, do Código Civil. Para o CCI são coisas os bens ou direitos que

podem ser objecto de propriedade (art. 499º). Veja-se igualmente os arts. 527º e 528º

do CCI. 95

Para o CCI as coisas são tangíveis ou não tangíveis (art. 503º) e móveis ou imóveis

(art. 504º). Os bens móveis podem ainda dividir-se em consumíveis e não consumíveis,

definindo-se os consumíveis como aqueles que desaparecem devido ao uso (art. 505º). 96

Veja-se os arts. 500º e 506º a 508º do CCI. Particularmente significativa é a

descrição constante dos arts. 506º e 507º do CCI, da qual resulta evidente, por um lado,

Page 28: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

28

Entende-se por prédio rústico uma parte delimitada do solo e as

construções nele existentes que não tenham autonomia económica.97

São

partes componentes dos prédios rústicos as construções que não tenham

autonomia económica, tais como as adegas, os celeiros, as construções

destinadas às alfaias agrícolas.

O prédio rústico abrange também o espaço aéreo e o subsolo

correspondentes. Nos termos do art 1266º, nº 1, do Código Civil, a

propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo correspondente à

superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não

esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico. Igual é a

redação do art. 571º do CCI e, de forma ainda mais impressiva, o art. 4º,

nº 2, da Lei Agrária Indonésia.98

Entende-se por prédio urbano qualquer edifício incorporado no

solo com os terrenos que lhe sirvam de logradouro (art. 195º, nº 2, do

Código Civil). Edifício incorporado é aquele que se encontra unido ou

ligado ao solo, fixado nele com carácter de permanência por alicerces,

colunas, estacas ou qualquer outro meio.99

Uma casa desmontável não é

prédio urbano. Integram o prédio urbano os pátios ou os quintais dos

edifícios.100

o princípio da ligação ao solo como distintivo da classificação do bem como imóvel,

por outro lado, o princípio da universalidade de certas coisas, como sejam as fábricas,

que, por serem imóveis (devido ao facto de estarem instaladas em construções

permanentemente fixadas no solo) transmitem tal qualidade de bem imóvel aos bens

móveis que as equipam. Veja-se ainda o art. 1º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março,

Regime Jurídico dos Bens Imóveis (I Parte: Titularidade de Bens Imóveis). 97

Art. 195º, nº 2, do Código Civil. O CCI não estabelece a distinção entre prédios

rústicos e prédios urbanos. 98

“Hak-hak atas tanah yang dimaksud dalam ayat (1) pasal ini member wewenang

untuk mempergunakan tanah yang bersangkutan, demikian pula tubuh bumi dan air

serta ruang yang ada diatasnya, sekedar diperlukan untuk kepentingan yang langsung

berhubungan dengan penggunaan tanah itu dalam batas-batas menurut Undang-undang

ini dan peraturan-peraturan hukum lain yang lebih tinggi” (na versão em inglês: “The

land rights referred to in paragraph (1) of this article confers authority to use the land

in question as well as the mass of the earth and the water existing under its surface and

the space above it to a point which is essentially required to allow for the fulfillment of

the interests that are directly related to the use of the land in question, such a point

being within the limits imposed by this Act and by other legislation of higher levels”. 99

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 23. 100

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 131.

Page 29: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

29

É parte integrante toda a coisa móvel ligada materialmente ao

prédio com carácter de permanência.101

São partes integrantes dos

prédios rústicos os muros de vedação ou os engenhos para tirar água.

São partes integrantes dos prédios urbanos as instalações elétricas ou os

para-raios e os elevadores.

Para o Código Civil (art. 196º, nº 1) são móveis todas as

restantes coisas, ou seja, a definição de coisa móvel acha-se por

exclusão de partes. Serão móveis as coisas que não sejam caracterizadas

pela lei como imóveis. Por exemplo, a energia elétrica é coisa móvel e,

como tal, a sua subtração fraudulenta integra o crime de furto.

Nos termos do CCI, são coisas móveis aquelas que são movíveis

ou podem ser movidas (art. 509º CCI).102

A base da distinção entre

coisas móveis e imóveis é a circunstância de poderem ou não ser

transportadas de um para outro lugar sem se deteriorarem.

Importa aqui fazer uma breve referência às benfeitorias,

incluídas no mesmo subtítulo II do Código Civil, que trata das coisas e

que aqui temos estado a analisar.

Para o Código Civil consideram-se benfeitorias todas as

despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa (art. 207º, nº 1).

Assim, constituem benfeitorias não só as obras necessárias à

conservação da coisa, como pintar, substituir telhado danificado,

substituir janelas quebradas, mas também todas as obras que melhorem

o prédio, como a construção de casas de banho em casas onde não

existiam, ou a construção de uma piscina.

As benfeitorias são necessárias, úteis ou voluptuárias (art. 207º,

nº 2, do Código Civil).

São benfeitorias necessárias as que têm por fim evitar a perda,

destruição ou deterioração da coisa (art. 207º, nº 3, do Código Civil).

Por exemplo: a substituição de um telhado que tenha as telhas partidas

101

Art. 195º, nº 3, do Código Civil e 500º do CCI. 102

Nos arts. 509º a 518º do CCI encontramos depois a descrição de várias coisas

concretas que o Código considera como móveis. Esta descrição não deve, porém, ser

considerada taxativa, podendo obviamente existir inúmeras outras coisas móveis, para

além das descritas nas referidas disposições legais.

Page 30: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

30

(se o telhado não for substituído, não só não se pode usar devidamente a

casa, como a entrada da água das chuvas vai estragar todo o imóvel); a

substituição de janelas com a madeira apodrecida ou vidros partidos, a

reconstrução de uma parede que, pela ação do tempo ameaça ruir.

São benfeitorias úteis as que, não sendo indispensáveis para a

sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor (art. 207º, nº 3, do

Código Civil). Por exemplo: a construção de casa de banho numa casa

que não tinha (trata-se de um melhoramento que beneficia o uso da casa

e, consequentemente, aumenta o seu valor); a colocação de um sistema

central de ar condicionado; etc. Já se podem colocar dúvidas

relativamente à construção de uma piscina (porém, se da mesma resultar

um aumento considerável do valor do imóvel deve considerar-se

benfeitoria útil).

São benfeitorias voluptuárias as que, não sendo indispensáveis

para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem apenas para

o recreio do benfeitoriante (art. 207º, nº 3, do Código Civil). Será o caso

de alguém que gosta de ter peixes e constrói um lago para os mesmos no

logradouro da casa, ou a colocação de estátuas dispendiosas num jardim,

etc. (desde que não aumentem o valor do imóvel).

O CCI não contém uma definição legal de benfeitorias, nem as

caracteriza, sendo certo, porém, que se refere às mesmas em várias

disposições relativas aos direitos reais sobre imóveis. Por exemplo, o

direito do possuidor a indemnização por benfeitorias necessárias

realizadas no imóvel que possuía, quer se encontre de boa-fé ou de má-

fé, no caso de ter de o entregar ao seu proprietário (arts. 575º e 579º do

CCI).103

Também, pode surpreender-se claramente a distinção entre as

reparações necessárias à manutenção do imóvel,104

ou seja, benfeitorias

103

“Selanjutnya la berhak menuntut kembali segala biaya yang telah harus dikeluarkan

guna menyelamatkan dan demi kepentingan barang tersebut”, na versão em inglês:

“expenditures necessary for the maintenance and benefit of the assets”. O CCI apenas

exclui o direito a indemnização por benfeitorias necessárias ao possuidor que tenha

adquirido a posse por meios violentos (art. 580º). 104

“…guna menyerahkan kembali dan memperbaiki”, na versão em inglês: “expenses

for the maintenance of the assets”.

Page 31: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

31

necessárias (art. 578º), ou reparações no interesse do imóvel105

(art.

578º) assim como reparações para utilidade e melhoramento da

aparência do imóvel106

(art. 581º do CCI).107

Por outro lado o CCI estabelece ainda uma distinção entre

reparações para o fim de manutenção e as reparações maiores no art.

793º, estas últimas exemplificadas no art. 794º, ambos do CCI.108

105

“…segala biaya dan pengeluaran yang telah dikeluarkannya guna memelihara

kebendaan”, na versão em inglês: “expenses for the interest of the assets”. 106

“…segala pengeluaran yang bermanfaat guna kebendaan itu atan guna

menghiasinya”, na versão em inglês: “expenses in respect of utility and improvement

in appearance”. 107

Importa considerar, contudo, que as reparações para melhorar a utilidade do imóvel

podem integrar o conceito de benfeitorias úteis do Código Civil. 108

“Yang harus dianggap sebagai perbaikan besar adalah: perbaikan akan kerusakan

bemt pada tembok dan langit-langit; perbaikan balok-balok dan atap seluruhnya;

seluruh perbaikan tanggul dan tanggul kecil bangunan pengairan, demikian pula

tembok penyangga dan tembok batas; Segala perbaikan tainnya harus dianggap sebagai

perbaikan biasa”, na versão em inglês: “Major repairs include the following: repairs to

big walls and arched roofs; repairs to beams and entire roofs; the total repair of dikes,

wharf's, plastered waterworks, including supporting and boundary walls. All other

repairs shall be regarded as regular maintenance”.

Page 32: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

32

Page 33: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

33

II – POSSE

1. Definição

Posse é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma

correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro

direito real (art. 1171º do Código Civil),109

ou seja, a posse é

interpretada como a detenção ou uso de bens que um indivíduo, por si

ou através de outra pessoa, tem em seu poder, como se tivesse o

correspondente direito (art. 529º do CCI).110

Para Ricardo Gomes da Silva, “A posse consiste numa relação

de pessoa e coisa, fundada na vontade do possuidor, criando mera

relação de fato, é a exteriorização do direito de propriedade. A

propriedade é a relação entre a pessoa e a coisa, que assenta na vontade

objetiva da lei, implicando um poder jurídico e criando uma relação de

direito”.111

109

Trata-se de redacção identica há do art. 1251º do Código Civil Português de 1966,

que vigorou em Timor Leste até à implementação do regime jurídico indonésio. No

mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o poder que se

manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de

propriedade ou de qualquer outro direito real).

Veja-se igualmente o art 9º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras (A posse, para

efeitos desta lei, é o uso ou a possibilidade efectiva de uso do bem imóvel para fins de

habitação, cultivo, negócio, construção, ou para qualquer outra actividade que requeira

a utilização física do bem imóvel). 110

“Yang dimaksudkan kedudukan Berkuasa ialah, kedudukan seseorang suatu

kebendaan, baik dengan diri sendiri, maupun dengan perantaraan orang lain, dan yang

mempertahankan atau menikmatinya selaku orang yang memiliki kebendaan itu”, na

versão em inglês: “Possession is interpreted as the holding or enjoyment of assets,

which an individual, either in person or through another person, has within his power,

as if he has actual title thereto”.

Já o Código Civil de Seabra continha uma concepção mais abrangente, incluindo na

sua definição aqueles que se passaram a considerar-se meros detentores, conforme art.

474º (“diz-se posse a retenção ou fruição de qualquer cousa ou direito”). Porém, logo

acrescenta no seu § 1º que “os actos facultativos ou de mera tolerância não constituem

posse”. Também o CCI parece reflectir a possibilidade de definição da mera detenção

como posse (posse imediata), no seu art. 1959º. 111

Silva, Direito das Coisas – Posse.

Page 34: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

34

A posse pode referir-se ao direito de propriedade (o possuidor

age como se fosse o dono do prédio), ou relativamente a qualquer outro

direito real de gozo (aqui o possuidor atua como se fosse titular do

respetivo direito, como por exemplo como titular de um direito de

servidão, de superfície, de usufruto, etc.).112

A situação comum, como é

do conhecimento geral, é o exercício de posse correspondente ao direito

de propriedade.113

No entanto, a posse de um estrangeiro sobre um bem imóvel,

atenta a limitação resultante da nacionalidade supra analisada não

poderá ser considerada como referente ao direito de propriedade, nem o

podia ser em relação ao direito de superfície até à entrada em vigor do

novo Código Civil.114

Estão excluídos de posse os direitos reais de garantia (por

exemplo a hipoteca) e os direitos reais de aquisição (por exemplo o

direito de preferência) por se tratar de direitos não duradouros. O direito

real de garantia, ou os direitos reais de aquisição, exercem-se de uma só

vez, não podendo existir nestes casos o exercício de poderes de facto

sobre a coisa.

Igualmente são insuscetíveis de posse as chamadas coisas

incorpóreas. Efetivamente, a posse pressupõe a prática de atos

(determinados), o que impede que possa incidir sobre bens que não

sejam objetivamente palpáveis, como os direitos de autor ou os direitos

industriais.115

112

É no seu domínio que se verifica a posse, quer no direito de propriedade, quer

também, por exemplo, com a servidão, ou o usufruto. 113

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 178. “A lei protege todo aquele que age

sobre a coisa como se fosse o proprietário, explorando-a, dando-lhe o destino para que

economicamente foi feita. Em geral, quem assim atua é o proprietário, de modo que,

protegendo o possuidor, quase sempre o legislador está protegendo o proprietário”

(Silva, Direito das Coisas – Posse). 114

Título I, IV. Com a revogação da Lei Agrária Indonésia, através da revogação tácita

resultante da entrada em vigor do Código Civil de TL, nada obsta a que se reconheça a

possibilidade da titularidade do direito de superfície a um estrangeiro. 115

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 65.

Page 35: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

35

Já o estabelecimento comercial, enquanto universalidade de

facto, pode ser objeto de posse.116

A posse pode coincidir com o direito respetivo (posse causal).

Por exemplo, o proprietário de uma casa que nela reside é

simultaneamente possuidor e proprietário. Igualmente no caso de o

proprietário ter a casa arrendada e receber as rendas correspondentes, é

proprietário e possuidor, uma vez que o arrendatário é mero detentor, o

proprietário exerce a posse por intermédio deste.

Porém, a posse pode não coincidir com o direito respetivo (posse

formal). Por exemplo, um lavrador que começa a cultivar o terreno

vizinho, fazendo-o de forma reiterada, sem qualquer autorização do

respetivo proprietário, afirmando a sua intenção de se comportar como

dono do terreno, colhendo os frutos. Neste caso o direito de propriedade

continua a ser do vizinho (dono do terreno), mas a posse passou a ser

exercida pelo aludido lavrador. Da mesma forma, alguém que tenha

furtado ou achado um objeto que pertença a outra pessoa passa a exercer

a posse sobre tal objeto, que continua a pertencer a outro. Ainda no caso

de alguém adquirir por contrato um prédio de uma pessoa que não é seu

proprietário e passa a ocupar o mesmo, em consequência de tal contrato,

passa a exercer a posse, mas o prédio continua a pertencer a outra

pessoa.

Os bens de domínio público também não podem ser objeto de

posse, uma vez que se encontram excluídos do comércio jurídico (art.

193º, nº 2, do Código Civil.117

Vejam-se os arts. 537º e 520º a 525º do

CCI).

116

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 64-65. Sobre o conceito de

estabelecimento comercial veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 26-1-2011,

processo nº 05/Cível/2010/TR, relator Rui Penha. 117

Contra, para as situações em que “um sujeito exerce uma actuação correspondente a

um direito que englobe poderes de facto sobre uma coisa e a lei não exclua essa

consequência”, Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 70-71.

Page 36: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

36

2. Elementos da posse

2.1 Considerações gerais

A posse é caracterizada por dois elementos, o corpus ou domínio

de facto sobre a coisa, traduzido no exercício efetivo de poderes

materiais sobre ela ou a possibilidade física desse exercício, e o animus,

consubstanciado na intenção de exercer sobre a coisa, como seu titular,

o direito real correspondente àquele domínio.118

Elemento material – corpus – que se traduz nos atos materiais

praticados sobre a coisa, com o exercício de certos poderes sobre a coisa

(art. 529º do CCI).119

Conforme salienta Oliveira Ascensão, “na origem de toda a

situação jurídica posse há sempre uma actuação de facto, que é

inclusivamente uma actuação material. A tutela jurídica é sempre

subsequente à verificação de uma dada realidade de facto”. Contudo,

não se exige contacto material com a coisa, podendo tal atuação de facto

ser efetuada por outra pessoa, em nome do possuidor, ou até nem existir,

verificando-se apenas a sua possibilidade, conforme visto supra.120

Elemento psicológico – animus – que se traduz na intenção de o

exercente se comportar como titular do direito real correspondente aos

atos que pratica (art. 538º do CCI).121

118

Art. 1173º do Código Civil. 119

Seguiu-se a teoria subjectiva de Savigny (A posse é o poder de dispor fisicamente

da coisa, com ânimo de considerá-la sua e defendê-la contra a intervenção de outrem.

Encontram-se, assim, na posse dois elementos: um elemento material, o corpus, que é

representado pelo poder físico sobre a coisa; e, um elemento intelectual, o animus, ou

seja, o propósito de ter a coisa como sua, isto é, o animus rem sibi habendi, e os dois

elementos são indispensáveis para que se caracterize a posse, pois se faltar o corpus,

inexiste relação de fato entre a pessoa e a coisa; e, se faltar o animus, não existe posse,

mas mera detenção) em detrimento da teoria objetiva de Ihering (Considera que a

posse é a condição do exercício da propriedade. Critica veementemente Savigny, para

ele a distinção entre corpus e animus é irrelevante, pois a noção de animus já se

encontra na de corpus, sendo a maneira como o proprietário age em face da coisa de

que é possuidor) – Silva, Direito das Coisas – Posse. 120

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 80 e 83. 121

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 84 e 85. Veja-se o art. 12º do Projecto

da Nova Lei das Terras.

Page 37: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

37

O facto de a lei exigir o corpus e o animus para efeito de haver

posse implica que o possuidor tenha de provar a existência dos dois

elementos.122

A prova do animus resulta, no entanto, de uma presunção,

isto é, o exercício do primeiro faz presumir a existência do segundo.123

A relação possessória é relação material permanente e duradoura

e daí que os factos que a integram tenham que ser exercidos de forma a

poder concluir-se que aquele que os pratica pretende exercer sobre a

coisa um poder permanente.124

Porém, a posse mantém-se enquanto haja a possibilidade de

continuar a atuação correspondente ao exercício do direito, a relação da

pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica

necessariamente que ela se traduza em atos materiais (art. 1179º, nº 1,

do Código Civil e art. 542º do CCI).

Nesta perspetiva, há corpus enquanto a coisa estiver submetida à

vontade do sujeito em termos de ele poder, querendo, renovar a atuação

material sobre ela.

2.2 Posse pessoal ou por intermédio de outrem

A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por

intermédio de outrem (art. 1172º, nº 1, do Código Civil e arts. 529º e

540º do CCI).125

Em caso de dúvida presume-se que a posse é daquele que exerce

o poder de facto (art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º do CCI).

122

Art. 510º, nº 1, do CPC. 123

Art. 1179º, nº 2, do Código Civil. Veja-se Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971,

pág. 191. 124

Esta presunção da existência do animus só pode ser ilidida pela demonstração de

que os actos praticados são por sua natureza insusceptíveis de conduzir à posse – são

actos facultativos ou são actos de mera tolerância (Rodrigues, A Posse, 1996, págs.

192-195). 125

Ainda no mesmo sentido o art. 6º, nº 2, da Lei nº 1/2003, de 10 de Março (posse é o

poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do

direito de propriedade ou de qualquer outro direito real, podendo a posse ser exercida

pelo titular do direito ou por intermédio de outrem) e o art. 9º, nº 2, do Projecto da

Nova Lei das Terras (A posse tanto pode ser exercida pessoalmente como por

intermédio de outrem).

Page 38: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

38

Posse em nome de outrem é aquela que sendo exercida por uma pessoa é

juridicamente imputável a outra.126

A presunção do art. 1172º, nº 2, do Código Civil só funciona em

caso de dúvida e não quando se trate de uma situação definida, que

exclui a titularidade do direito invocado. Já o art. 534º do CCI contém

uma verdadeira presunção que terá de ser afastada por prova do

contrário (art. 518º, nº 1 e 2, do Código de Processo Civil [CPC]).127

A posse mantém-se enquanto durar a atuação correspondente ao

direito ou a possibilidade de a continuar (art. 1177º, nº 1, do Código

Civil e art. 1957º do CCI). Enquanto a coisa estiver submetida à vontade

do sujeito, de tal modo que este possa renovar a atuação material sobre

ela, querendo, há corpus.128

Nesta perspetiva, há corpus enquanto a

coisa estiver submetida à vontade do sujeito em termos de ele poder,

querendo, renovar a atuação material sobre ela.

Presume-se que a posse continua em nome de quem a começou

(art. 1177º, nº 2, do Código Civil e art. 535º do CCI). Ou seja, no caso

de um possuidor consentir o uso da coisa por outra pessoa, ainda se

entende que é o primeiro o possuidor da coisa.

Para além de se presumir que a posse continua em nome de

quem a começou, ela mantém-se enquanto durar a atuação

correspondente ao exercício do direito ou a possibilidade de a continuar.

Para que a posse se conserve não é necessária a continuidade do seu

exercício, basta que, uma vez principiada a atuação correspondente ao

exercício do direito haja a possibilidade de a continuar. A relação da

pessoa com a coisa legalmente exigida para o efeito não implica

necessariamente que ela se traduza em atos materiais.

2.3 Sucessão e acessão na posse

Por morte do possuidor, a posse continua nos seus sucessores

126

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 557. 127

Veja-se ainda o disposto no art. 1174º do Código Civil e os arts. 529º e 540º do

CCI. O Código de Processo Civil, que se passará a designar por CPC, foi aprovado

pelo Decreto-Lei nº 1/2006, de 21 de Fevereiro, tendo entrado em vigor no dia seguinte

(art. 5º). 128

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 89.

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39

desde o momento da morte, independentemente da apreensão material

da coisa (art. 1176º do Código Civil e art. 541º do CCI).

O Código Civil, não enquadra a sucessão da posse nos meios de

aquisição de posse (art. 1183º). Estamos perante uma demonstração do

princípio de que a posse não depende da apreensão material da coisa.

Conforme José de Oliveira Ascensão, “Os herdeiros têm posse

independentemente do conhecimento da morte do de cujus, ou do facto

designativo, ou até da existência do bem. Quer dizer que aqui, mesmo

sem corpus nem animus, a lei atribui aos herdeiros a protecção

possessória”.129

A posse do sucessor forma um todo com a do de cujus,

havendo só alteração subjetiva.130

Aquele que houver sucedido na posse de outrem por título

diverso da sucessão por morte pode juntar à sua a posse do antecessor

(art. 1177º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e 1958º do CCI).

Se, porém, a posse do antecessor for de natureza diferente da

posse do adquirente, a acessão só se dará dentro dos limites daquela que

tem menor âmbito (art. 1177º, nº 2, do Código Civil). Assim, por

exemplo, no caso de acessão, se a posse do antecessor for de má fé, o

adquirente só poderá invocar a acessão da posse, ou seja, a posse desde

o seu início por parte daquele, com as mesmas características de má fé.

Se o novo possuidor passou a usufruir o bem de boa fé, então poderá

invocar tal característica da posse (posse de boa fé) mas apenas a partir

do momento em ele mesmo adquiriu a posse.

A acessão é possível apenas na aquisição derivada e é

facultativa, isto é, o adquirente pode invocar apenas a sua posse, a do

seu antecessor ou as duas conjuntas. Só é admissível em relação a

posses consecutivas.131

A acessão de posses pressupõe a existência de

um vínculo jurídico por via do qual a posse haja sido regularmente

transmitida a quem a invoca atualmente.

A separação que se verifica, quer no CCI, quer no Código

129

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 78. 130

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 103. 131

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 103.

Page 40: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

40

Civil,132

entre a sucessão por morte e a acessão por transmissão da posse

leva a concluir que o sucessor por morte do possuidor não pode invocar

a diferente característica da sua posse. Assim, enquanto o adquirente da

posse por transmissão do possuidor pode invocar tanto a posse do

transmitente como apenas a sua, essa faculdade está vedada ao sucessor

na posse.

Por exemplo, se alguém adquirir por transmissão entre vivos a

posse, pode invocar a posse do transmitente (nomeadamente da pessoa

que lhe vendeu o imóvel), designadamente para contagem do prazo de

usucapião (ou prescrição aquisitiva). Mas, como se viu, se invocar a

posse do transmitente a sua posse terá as mesmas características que

tinha na pessoa do transmitente. Assim, se o transmitente era possuidor

de má fé, ao invocar a posse deste o adquirente passa a ser também

possuidor de má fé.

Ora, se o adquirente obteve o imóvel (ou o bem em causa) de

boa fé, no convencimento que a mesma efetivamente pertencia ao

transmitente, assim ignorando que lesava o direito de outrem, pode

então invocar a boa fé da sua posse, a qual apenas se considerará como

iniciada quando ele adquiriu o bem e não desde o início da posse pelo

transmitente.133

Ao distinguir a sucessão por morte da acessão na posse por

transmissão entre vivos, considerando que na primeira o sucessor passa

a ocupar o lugar do de cujus mantendo a posse exatamente as mesmas

características, o legislador terá querido retirar esta possibilidade ao

sucessor. Ou seja, se a posse do de cujus era de má fé, esta característica

mantém-se após a transmissão, não podendo o sucessor invocar a sua

ignorância de violação do direito de outrem (a boa fé) quando sucedeu

ao de cujus.134

Por outro lado, se a posse do de cujus era de boa fé, a

característica da boa fé da posse mantém-se ainda que o herdeiro tenha

132

O que também ocorria no âmbito dos Códigos Portugueses de 1867 e de 1966

(respetivamente arts. 482º, § 2º, e 483º do primeiro e arts. 1255º e 1256º do segundo). 133

O adquirente pode ter todo o interesse em invocar apenas a sua posse porque a lei

trata de forma menos favorável o possuidor de má fé. No âmbito do CCI, como se

verá, o possuidor de má fé nem sequer pode adquirir o bem por usucapião (arts. 549º e

1963º). 134

Aliás, como se viu, a sucessão opera automaticamente, não precisando o sucessor

sequer de invocar a posse do de cujus que se mantém na mesma.

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41

conhecimento que a mesma viola o direito de outrem, não obstante o

disposto no art. 1190º, nº 1, do Código Civil135

(deixa de poder

beneficiar da proteção do possuidor de boa fé relativamente aos frutos

da coisa objeto da posse).

2.4 Posse precária

São havidos como meros detentores ou possuidores precários:

(a) os que exercem o poder de facto sobre a coisa, mas sem intenção de

agir como beneficiários do direito; (b) os que simplesmente se

aproveitam da tolerância do titular do direito; (c) os representantes ou

mandatários do possuidor e, de um modo geral, todos os que possuem

em nome de outrem (art. 1173º do Código Civil e art. 1959º do CCI.

Veja-se ainda o art. 556º do CCI).136

A detenção engloba as situações em que, embora haja exercício

de facto, não se constitui a relação jurídica de posse.137

Há detenção nos

casos em que o exercício é desacompanhado da intenção de agir como

beneficiário do direito, a posse em nome de outrem, e quando alguém

exerce indevidamente poderes sobre coisa do domínio público.138

Na simples detenção ou posse precária, o sujeito exerce os

poderes correspondentes ao direito (corpus) mas não os exerce como se

fora titular dele (animus) e, por isso, este estado de coisas, por mais

tempo que dure, não pode conduzir à aquisição do direito, de que o

135

Contra Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 103º, Coimbra

Editora, Coimbra, 1970, pág. 539. 136

A doutrina brasileira distingue a posse em direta e indireta. “Diz-se indireta a posse

quando o seu titular, afastando de si por sua própria vontade a detenção da coisa,

continua a exercê-la imediatamente após haver transferido a outrem a posse direta.

Assim, a lei reconhecendo o possuidor direto e o possuidor indireto, dá a ambos a

possibilidade de recorrer aos interditos (ações) para proteger sua posição ante terceiros,

além de conceder-lhes tais remédios possessórios um contra o outro, se necessário for”

(Silva, Direito das Coisas – Posse). Também o CCI, no seu art. 1959º, faz referência a

pessoas que “possuem em nome de outra pessoa”, porém, não se pode retirar daqui que

o CCI aceite a distinção supra referida, uma vez que exclui expressamente os

detentores precários dos meios de defesa da posse (art. 556º). Veja-se ainda os arts. 9º,

nº 3, e 10º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras. 137

Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 13-7-2010, processo nº

07/CÍVEL/2007/TR, relator Rui Penha. 138

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 89 e 90.

Page 42: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

42

interessado não se apresenta como beneficiário.139

O instituto jurídico da posse não se confunde com a ocupação

material da coisa. A situação jurídica de posse é, naturalmente, diversa

da de mera detenção e a distinção tem essencialmente a ver com o

animus envolvente. Trata-se de situações em que uma pessoa exerce um

poder de facto sobre uma coisa sem a intenção de exercer o direito real

correspondente. Noutra perspetiva, o caso de uma pessoa que exerce

poderes de facto sobre uma coisa no interesse de outrem, com base em

negócio jurídico ou na lei, não podendo adquirir a posse verdadeira e

própria (ou seja em nome próprio) sem inversão do título da posse.140

Já os atos de mera tolerância são atos praticados com o

consentimento, expresso ou tácito, do titular do direito real mas sem que

este pretenda atribuir um direito ao beneficiário.

Com a sua tolerância o titular do direito apenas quer significar

que não fará oposição, que não reagirá contra os atos incompatíveis ou

contrastantes do seu direito. Mas não quer limitar este: o seu direito

conserva toda a licitude de onde deriva que o autor da tolerância se

reserva a faculdade de, em qualquer momento, pôr fim à atividade

tolerada.141

Por exemplo, o locatário e o promitente-comprador são meros

detentores. Nestes casos, quem é possuidor é o senhorio ou o

promitente-vendedor. A entrega da coisa ao arrendatário ou ao

promitente-comprador resulta do contrato celebrado, através do qual não

se transfere qualquer direito, nem a aparência do mesmo.142

Contudo, como já se referiu, presume-se que a posse é daquele

139

Telles, revista O Direito, 1989 (Janeiro-Março), pág. 650. 140

Instituto que se analisará infra. 141

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 70. 142

Veja-se, por exemplo, a própria definição de arrendamento (arts. 953º e 954º do

Código Civil). Sendo elemento essencial a cedência pelo senhorio do gozo temporário

de um imóvel, tal implica a obrigação do inquilino da sua restituição, findo o contrato.

Assim, a detenção e fruição do imóvel é feita em nome do senhorio, que pode ser mero

possuidor e não proprietário. A detenção e uso do imóvel pelo inquilino é meramente

precária e resulta do próprio contrato de arrendamento, não da intenção de usar o

mesmo como se fosse seu dono. A menos que o arrendatário proceda à inversão do

título de posse, nos termos a analisar infra. Sobre este ponto a disposição expressa do

art. 9º, nº 3, do Projecto da Nova Lei das Terras.

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43

que exerce o poder de facto (art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º

do CCI). Havendo corpus há, em princípio, posse,143

exceto se a causa

da situação a desvalorizar para mera detenção.144

3. Caracteres da posse

A posse pode ser titulada ou não titulada, de boa ou de má fé,

pacífica ou violenta, pública ou oculta (art. 1178º do Código Civil.145

Art. 541º do CCI: a posse pode ser de boa fé ou de má fé).

3.1 Posse titulada e posse não titulada

Diz-se titulada a posse fundada em qualquer modo legítimo de

aquisição, independentemente, quer do direito do transmitente, quer da

validade substancial do negócio jurídico (art. 1179º, nº 1, do Código

Civil e art. 1964º do CCI). Ou seja, o negócio jurídico é em princípio

adequado para que se proceda à transferência do direito, embora careça

de validade substancial (por exemplo, por o vendedor não ser o dono do

prédio).

Os vícios formais, como a falta de escritura pública quando a

mesma é exigida, conduzem à falta de título, contrariamente ao que

acontece com os vícios de natureza substantiva, nomeadamente a falta

do direito de quem declarou transmitir o mesmo, ou os vícios

substanciais do negócio.146

O nº 1 do art. 1179º do Código Civil esclarece que nem a falta do

direito do transmitente, nem a falta de validade substancial do negócio

143

Art. 1172º, nº 2, do Código Civil e art. 534º do CCI. 144

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 93. 145

O Projecto da Nova Lei das Terras acrescenta ainda a definição de posse duradoura

(“Para efeitos deste diploma, posse duradoura é a que transcorre ininterruptamente por

pelo menos vinte anos”). Porém, como já se referiu, o conceito de posse pressupõe o

exercício, ou possibilidade de exercício, do poder de facto sobre o imóvel, de forma

ininterrupta, ou seja, sem o ínterim de uma posse diferente, pelo que a aludida

definição se apresenta redundante. Trata-se, contudo, de classificação consagrada

igualmente no Código Civil Português de 1867, art. 522º (“Posse continua é a que não

tem sido interrompida”). 146

Art. 1964º do CCI.

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44

jurídico excluem o título. A contrario, temos de admitir que a falta de

validade formal impede que se fale de título.147

Isto é o que resulta

expressamente do disposto no art. 1964º do CCI.

A posse titulada relativa ao direito de propriedade, ou qualquer

outro direito enunciado no 617º do CCI, só pode ser provada mediante a

apresentação de certidão de escritura pública da qual resulte a mesma,

uma vez que só por esta forma o direito se poderia adquirir.148

Se a

posse só é titulada se for adquirida mediante título formalmente válido

(a escritura pública), quem não apresentar certidão da escritura pública

não pode invocar a posse titulada. Ou seja, a posse relativa a um direito

de propriedade resultante da aquisição por mero escrito particular é

posse não titulada.

Ainda que a escritura pública que está na origem da aquisição da

posse, possa ser anulada por incapacidade, erro, dolo, ou coação, a posse

não deixa de ser titulada.149

No caso de a coisa pertencer a pessoa diversa do vendedor

(venda de coisa alheia) o regime é diverso da anulação, mas a posse

continua a ser titulada.150

Neste caso o negócio é nulo,151

mas tal

nulidade vigora apenas entre as partes contratantes, sendo ineficaz

relativamente ao proprietário da coisa. Consequentemente, o

proprietário não tem que pedir a anulação do contrato, limitando-se a

agir como se o mesmo não existisse.152

A existência do título pressupõe a transmissão da posse, pelo que

só pode ocorrer posse titulada nos casos de aquisição derivada da

mesma.

O título não se presume, devendo a sua existência ser provada

147

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 96. 148

Art. 578º, nº 1, do CPC. Embora a 2ª parte do art. 617º do CCI exija a apresentação

de certidão do registo para prova da transmissão do direito de propriedade (resultado

do efeito constitutivo do registo já analisado supra), para efeitos de título de posse

basta a apresentação da escritura pública, como claramente resulta do art. 1964º do

CCI. 149

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 199. 150

Sobre a venda de bens alheios veja-se Cunha, Venda de Bens Alheios, Revista da

Ordem dos Advogados de Portugal, 1987, págs. 421-472. 151

Arts. 626º do Código Civil e 1471º do CCI. O contrato pode, porém, validar-se. 152

Cunha, Venda de Bens Alheios, 1987, pág. 464.

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45

por aquele que o invoca (art. 1179º, nº 2, do Código Civil).153

3.2 Posse de boa fé e posse de má fé

A posse diz-se de boa fé, quando o possuidor ignorava, ao

adquiri-la, que lesava o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código

Civil e art. 531º do CCI).154

A posse titulada presume-se de boa fé, e a não titulada, de má fé

(art. 1180º, nº 2, do Código Civil).

Já para o CCI a posse presume-se sempre de boa fé, impendendo

o ónus de prova da má fé sobre quem a alega (arts. 533º e 1965º).155

Será suficiente se a boa fé existir aquando da aquisição da posse (art.

1966º do CCI).

A posse adquirida por violência é sempre considerada de má fé,

mesmo quando seja titulada (art. 1180º, nº 3, do Código Civil).156

A ignorância a que a lei se reporta envolve, em regra, a

convicção do exercício de um direito próprio, adquirido por título

válido, sendo o momento relevante para o efeito o da aquisição da posse,

seja por apreensão da coisa, seja por tradição material ou simbólica.

Sendo assim, não deve considerar-se de boa fé quem, embora não

sabendo que viola o direito de outra pessoa, também não tem a mínima

preocupação em saber se viola ou não.157

A posse é de má fé se o possuidor estava consciente que os bens

153

Art. 510º, nº 1, do CPC. 154

O momento relevante para aferir as características da posse (boa ou má fé, violenta

ou pacífica, etc.) é o momento da constituição ou início da posse. Assim, se ao adquirir

a posse o possuidor ignorava legitimamente que lesava o direito de outra pessoa, a

posse mantém-se de boa fé, ainda que venha mais tarde a conhecer que lesava o direito

de outrem, sem prejuízo do disposto nos arts. 361º, al. a), do CPC, 1190º, nº 1, do

Código Civil e 532º do CCI. 155

Conforme os arts. 512º, nº 1, e 518º, nº 1 e 2, do CPC. 156

Embora o CCI não o diga expressamente, é evidente que também considera tal

posse como de má fé, sendo certo que penaliza severamente o possuidor que tenha

obtido a posse com violência, não lhe reconhecendo sequer os direitos que reconheceu

ao possuidor de má fé, conforme resulta dos arts. 557º, 563º, 568º e 580º do CCI. 157

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 98-99, referindo ainda Menezes

Cordeiro, in Boa Fé, vol. I, § 16.

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46

na sua posse pertenciam a outrem (art. 532º do CCI).

Não está de má fé quem ignore a existência do direito que está

lesando, desde que não tivesse qualquer obrigação de o conhecer. É de

boa fé a posse que não sendo, na sua origem violenta, se tenha

constituído pensando o possuidor: a) que tinha ele próprio o direito; b)

que ninguém tinha direito algum sobre a coisa.158

Segundo Pires de lima e Antunes Varela, “sendo a posse

adquirida por intermédio de um representante, é na pessoa deste que

deve existir a boa fé, salvo se na constituição da posse tiver sido

decisiva a vontade do representado, ou este tiver de má fé. É a doutrina

do [art. 250º do Código Civil]. Assim, por exemplo, se um procurador é

encarregado de administrar uma herança alheia e se apropria de um

prédio na convicção errada de que ele pertence à mesma herança, a

posse é de boa fé. Se, porém, o procurador recebeu instruções

específicas para se apropriar daquele prédio, é já na pessoa do

representado que cabe verificar-se a boa fé”.159

3.3 Posse pacífica e posse violenta

Posse pacífica é a que foi adquirida sem violência (art. 1181º, nº

1, do Código Civil).160

Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor

usou de coação física, ou de coação moral nos termos do artigo 246º161

(art. 1181º, nº 2, do Código Civil).162

A violência tanto pode ser exercida sobre as pessoas como sobre

a própria coisa, nomeadamente quando adquirida por meio de

arrombamento.

158

Cordeiro, Direito Reais, 1993, pág. 437. 159

Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 55. 160

Veja-se o art. 15º, nº 1, do Projecto da Nova Lei das Terras. 161

O art. 246º do Código Civil define a coacção moral. 162

Como já se referiu, o CCI não define a posse violenta, mas refere-se a ela em vários

dos seus preceitos, retirando ao possuidor todos os eventuais direitos resultantes da

posse. Afigura-se que têm plena aplicação as considerações doutrinárias expostas a

propósito do regime relativo à posse violenta no âmbito do Código Civil. Veja-se o art.

15º, nº 2, do Projecto da Nova Lei das Terras.

Page 47: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

47

A posse que começou violenta será juridicamente considerada

violenta mesmo que cesse a violência. Já não é violenta a posse que

começou sem coação (física ou moral), muito embora a sua manutenção

possa resultar de atos de violência repetida por parte do possuidor (veja-

se o art. 536º do CCI).163

Ou seja, se o possuidor começou a usufruir da

coisa de forma pacífica, sem usar de violência contra ninguém, mas

depois se opõe de forma violenta a que o anterior possuidor reassuma os

poderes sobre a coisa, a posse não é violenta. Pelo contrário, se o

possuidor ocupou o imóvel de forma violenta (com uso de coação física,

ou de coação moral, conforme definido supra), mas depois passa a fruir

o bem sem oposição do anterior possuidor, ainda assim a posse é

juridicamente considerada violenta.

3.4 Posse pública e posse oculta

Posse pública é a que se exerce de modo a poder ser conhecida

pelos interessados (art. 1182º do Código Civil).

A publicidade derivada da posse limita-se a noticiar, a dar a

conhecer ao público, a existência de um direito real.164

Posse oculta é definida tendo em atenção, não o momento

constitutivo, mas o próprio exercício. É relevante se o possuidor dá a

conhecer ou não o exercício da posse, não se a adquiriu sub-

repticiamente.

A posse oculta é verdadeira posse, mas é preterida pela melhor

posse do possuidor esbulhado, ou seja, o anterior possuidor, cuja posse é

afetada pela posse oculta, não chega a perder a posse, por a posse oculta

não ser conhecida.165

Assim, aquele que esconde a posse não pode opor

a mesma ao possuidor esbulhado ou ao proprietário, mas já a pode opor

a outra pessoa que pretenda impedir a sua posse.

163

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 100. 164

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 406. 165

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 101.

Page 48: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

48

3.5 Posse efetiva e posse civil

Oliveira Ascensão166

acrescentou ainda a posse efetiva e a posse

civil ao elenco característico da posse. Posse efetiva é a que tem

correspondência na situação de facto e posse civil a que não tem essa

correspondência. Como exemplo, apresenta o caso do possuidor

esbulhado, que mantém a posse durante um ano após o esbulho

(conforme os arts. 1187º, nº 1, al. d), do Código Civil e 545º, nº 1, do

CCI). Esta posse é meramente civil, porquanto a posse efetiva passou a

pertencer ao esbulhador.

4. Aquisição da posse

A posse adquire-se:

a) Pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais

correspondentes ao exercício do direito (art. 1183º, al. a), do Código

Civil e art. 538º do CCI);

b) Pela tradição material ou simbólica da coisa, efetuada pelo

anterior possuidor (art. 1183º, al. b), do Código Civil e art. 543º do

CCI);

c) Por constituto possessório (art. 1183º, al. c), do Código Civil e

art. 574º do CCI);

d) Por inversão do título da posse (art. 1183º, al. d), do Código

Civil e art. 535º do CCI).

A aquisição da posse pode ser originária ou derivada, no

primeiro caso por apossamento ou inversão do título e, no segundo, por

tradição, sucessão ou constituto possessório.

4.1 Apossamento

Entre outros meios, a posse adquire-se pela prática reiterada,

com publicidade dos atos materiais correspondentes ao exercício do

direito.

O apossamento traduz-se na aquisição unilateral da posse por via

166

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 102 e 103.

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49

do exercício de um poder de facto, ou seja, pela prática reiterada, com

publicidade, de atos materiais correspondentes ao exercício do direito,

conforme o referido art. 1183º, al. a), do Código Civil. Trata-se de uma

forma de aquisição originária da posse, porquanto a mesma não deriva

da posse anterior de outra pessoa.

É necessário que se pratiquem atos de intensidade suficiente para

se poder afirmar que o sujeito colocou a coisa debaixo do seu poder

(como refere Oliveira Ascensão, “prática reiterada de actos materiais

correspondentes ao exercício do direito”).167

Precisamente porque na origem da posse está a atuação material

sobre a coisa e não um negócio jurídico, podem adquirir a posse os

incapazes, com exceção dos que padecem de anomalia psíquica.168

Os menores desprovidos do uso da razão só podem adquirir por

usucapião, por eles próprios, o direito de propriedade ou outro direito

real de gozo relativo às coisas suscetíveis de ocupação.169

No mais,

nomeadamente em relação aos bens imóveis, adquirem por usucapião

por intermédio dos seus representantes legais. Os menores com

capacidade de entender e de querer podem obter em seu proveito a

produção de todos os efeitos prescricionais aquisitivos permitidos na

lei.170

Ou seja, podem adquirir o direito correspondente ao exercício da

posse por usucapião.

167

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 81. 168

Art. 1188º do Código Civil (“Podem adquirir posse todos os que têm uso da razão, e

ainda os que o não têm, relativamente às coisas susceptíveis de ocupação”), e art. 539º

do CCI (“Orang gila tidak dapat memperoleh besit untuk diri sendiri. Anak belum

dewasa dan wanita bersuami, dengan melakukan perbuatan tersebut di atas, dapat

memperoleh besit atas suatu barang”, na versão em inglês: “Individuals who are insane

cannot acquire possession for themselves. Minors may acquire possession of assets in

the manner set out above”). 169

Isto significa que não podem adquirir por usucapião o direito de propriedade ou

qualquer outro direito real sobre imóveis, uma vez que estes não são susceptíveis de

aquisição por ocupação. 170

Sousa e Matias, Da Incapacidade Jurídica de Menores, 1983, pág. 113.

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50

4.2 Tradição da coisa

A tradição da coisa consubstancia-se na transferência voluntária

da posse entre vivos, em regra quando a transmissão da situação jurídica

e da situação de facto coincidem, o que ocorre quando há entrega da

coisa. Trata-se da forma específica de transferência voluntária da posse

entre vivos.171

O contrato de compra e venda não cria o domínio, pois apenas o

transmite, não sendo de invocar como facto integrativo da posse. O

essencial é que os atos aquisitivos se dirijam ao estabelecimento de uma

relação duradoura com a coisa, não bastando um contrato fugaz,

passageiro.172

Juntamente com a sucessão na posse por morte do anterior

possuidor, a tradição trata-se de um caso de acessão da posse. Contudo,

no caso da tradição, a acessão é facultativa, uma vez que o novo

possuidor pode invocar a posse do antecessor, somando a deste à sua, ou

não, limitando-se a invocar apenas a sua posse, desde o memento da

transmissão.173

Por exemplo, como já se viu, se a posse do antecessor

for de má fé, o novo possuidor pode ter interesse em invocar apenas a

sua posse, no caso de esta ser de boa fé, dado que se acrescer a posse do

antecessor a sua posse será igualmente considerada como posse de má fé

(art. 1176º, nº 2, do Código Civil e arts. 536º e 541º do CCI).

4.3 Constituto possessório

Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir

esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para

o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a

coisa (art. 1184º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e 574º do CCI).

Se o detentor da coisa, à data do negócio translativo do direito,

for um terceiro, não deixa de considerar-se igualmente transferida a

posse, ainda que essa detenção haja de continuar (art. 1184º, nº 2, do

171

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 114 (“Aí, a transmissão da situação

jurídica acompanha a transferência da situação de facto: o antigo possuidor demite-se

da sua situação, em que ingressa o novo possuidor. Há então uma entrega”). 172

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 97. 173

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 115.

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51

Código Civil). Por exemplo, no caso de o proprietário de um prédio

arrendado o transmitir por contrato de compra e venda a outra pessoa,

esta passa a ser possuidora do mesmo, ainda que se mantenha o contrato

de arrendamento e consequentemente a detenção do imóvel pelo

arrendatário.174

Para José de Oliveira Ascensão175

são pressupostos do constituto

possessório: a) a transmissão do direito real relativo à coisa a que a

posse se refere; b) pelo possuidor; c) sem haver entrega.

O que se pretende é atribuir a posse ao adquirente do direito de

propriedade, ainda que a coisa não lhe seja entregue materialmente. O

anterior proprietário, ou outra pessoa, mantém a detenção da coisa, mas

a lei passa a considerar o adquirente como possuidor da mesma.

O exercício do constituto possessório terá que ser efetuado

mediante ação declarativa de condenação, com processo comum.176

Não

existindo processo especial para o caso, a ação aproxima-se muito da

ação de reivindicação de propriedade.177

A ação só improcederá se o

terceiro detentor provar que tem melhor posse do que aquela que resulta

do constituto possessório, ou seja a posse do adquirente do direito de

propriedade. Tal situação ocorrerá no caso de o anterior proprietário não

ser já o possuidor da coisa que vendeu.

Para o mesmo autor, embora os artigos em causa (quer no

Código Civil, quer no CCI) refiram apenas o direito de propriedade,

“deve-se entender a referência à propriedade num sentido amplo e

proteger deste modo todos os direitos reais que conferem posse, pois

então são idênticas as razões de decidir”.178

4.4 Inversão do título de posse

A inversão do título da posse pode dar-se por oposição do

174

Conforme art. 988º do Código Civil e art. do CCI. 175

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 116. 176

Arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC. Não tem relevância para o caso a

discussão doutrinária sobre a característica de tal ação (ação real ou possessória). 177

Sobre o assunto veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 118-119. 178

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 120, citando também Manuel

Rodrigues, “A Posse”, nº 89.

Page 52: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

52

detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía ou por ato de

terceiro capaz de transferir a posse (art. 1185º do Código Civil e arts.

1960º e 1961º do CCI).179

Qualquer detentor pode adquirir a posse opondo-se ao titular do

direito sobre a coisa detida, seja qual for a razão da existência da mera

detenção.180

Não há inversão do título quando, depois de se extinguir a

relação jurídica que originou a detenção, por exemplo mandato ou

depósito, a coisa continua em poder do detentor apenas porque o

respetivo titular não exigiu a sua restituição.181

Aqui a detenção da coisa

está condicionada pelo título que lhe deu origem, daí a necessidade de

inversão do título.182

A cedência da posse propriamente dita sobre uma coisa

pressupõe a celebração de algum negócio jurídico que tenha por objeto

mediato a referida transferência, como é o caso, por exemplo, dos

contratos de alienação do direito de propriedade ou de constituição de

direitos reais. Não sendo a traditio realizada em consequência de um ato

de alienação do direito de propriedade, tendo em vista a sua futura

alienação, não se pode concluir pelo animus correspondente a um direito

real nem concluir pela inversão do título.

Traditio brevi mani consiste em o possuidor e detentor

substituírem o negócio jurídico ou o facto que deu origem à detenção,

por um novo negócio jurídico, em virtude do qual a relação material até

ali existente entre o detentor e o objeto passa a ser uma relação

possessória. Por exemplo, no caso de arrendamento, um terceiro, que

invoca ser ele o proprietário do imóvel, e o arrendatário celebram um

contrato nos termos do qual este adquire o direito de propriedade sobre o

imóvel. Passa o inquilino a ser possuidor do imóvel, ainda que o

179

Vejam-se ainda os arts. 535º, 536º e 1959º do CCI. 180

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 667. 181

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 98. 182

A inversão do título da posse, oposição categórica, de modo a sobrepor-se à

aparência representada pelo título, tem de traduzir-se em actos positivos (materiais ou

jurídicos) inequívocos (reveladores que o detentor quer, a partir da oposição, actuar

como se tivesse sobre a coisa o direito real que, até então, considerava pertencente a

outrem) e praticados na presença ou com o consentimento daquele a quem os actos se

opõem (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 29-10-2009, processo

nº 151/2001.S1, relator Pereira da Silva, in www.dgsi.pt/jstj).

Page 53: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

53

contrato em causa seja formalmente inválido, designadamente por ter

sido celebrado verbalmente ou mediante mero escrito particular.183

Já, a modificação da situação da posse, em que o mero detentor

passa a ser verdadeiro possuidor, implica uma atuação positiva daquele,

traduzida na inversão do título de posse, ou, do lado do proprietário,

uma situação de abandono dos seus poderes de proprietário, consentindo

que sejam exercidos pelo detentor.184

Porque a inversão do título da posse ocorre quando o detentor se

opõe àquele em cujo nome possuía,185

essa oposição tem de traduzir-se

em atos positivos e inequívocos praticados pelo oponente.186

Ou seja,

não basta que o detentor passe a considerar-se possuidor, é necessário

que manifeste em atos materiais sobre a coisa o exercício

correspondente ao direito (nomeadamente de propriedade) e que afirme

de forma clara e inequívoca essa sua intenção perante o possuidor

anterior, em nome de quem detinha a coisa.187

5. Perda da posse

O possuidor perde a posse:

183

Art. 1961º do CCI. 184

Art. 544º do CCI (“Orang kehilangan besit, sekalipun tanpa kehendak untuk

menyerahkannya pada orang lain, bila barang yang dikuasainya ditinggalkannya secara

nyata”, na versão em inglês: “An individual shall forfeit the possession,

notwithstanding the absence of intent to assign the assets to another person, if the

individual clearly abandons such”). 185

Art. 1960º do CCI. 186

Neste sentido o art. 536º do CCI (“Orang kehilangan besit, sekalipun tanpa

kehendak untuk menyerahkannya pada orang lain, bila barang yang dikuasainya

ditinggalkannya secara nyata”, na versão em inglês: “An individual cannot, due to his

intent, or due to the passage of time, change the origin and the basis of his personal

possession”).

Veja-se Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 668, e Mesquita, Direitos Reais, 1984,

pág. 98. 187

“Oposição do detentor do direito contra aquele em cujo nome possuía” (art. 1185º

do Código Civil). No mesmo sentido os aludidos arts. 535º e 536º do CCI. “A oposição

tem de ser categórica, de modo a sobrepor-se à aparência que era representada pelo

título. Por exemplo, o usufrutuário declara peremptoriamente que é ele quem é o

proprietário, que só por engano agira a título de usufrutuário, e faz saber ao

proprietário a sua oposição” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 92).

Page 54: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

54

a) Pelo abandono (art. 1187º, nº 1, al. a) do Código Civil e art.

544º do CCI);

b) Pela perda ou destruição material da coisa ou por esta ser

posta fora do comércio (art. 1187º, nº 1, al. b), do Código Civil e arts.

545º, nº 2, e 546º do CCI);

c) Pela cedência (art. 1187º, nº 1, al. c), do Código Civil e art.

543º do CCI);

d) Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo

possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano (art.

1187º, nº 1, al. d), do Código Civil e arts. 545º, nº 1, e 1978º do CCI).

5.1 Abandono

Como já se referiu supra a posse não implica necessariamente a

detenção material da coisa. Assim, a perda da posse pelo abandono só

ocorre quando o possuidor, intencionalmente, se afasta do bem com o

fim de se privar de sua disponibilidade física e de não mais exercer

sobre ela quaisquer atos possessórios. A perda da posse pelo abandono

deverá ser exteriorizada de maneira que não existam dúvidas que o

possuidor efetivamente pretende abandonar a coisa, ou seja, não

pretende manter a res.188

O referido abandono implica necessariamente a extinção do

corpus e do animus da posse por virtude de ato material

intencionalmente dirigido à rejeição da posse ou da coisa possuída, não

se confundindo com a simples inação do titular que não cuida da

coisa.189

Há pois uma atuação voluntária, que diferencia estas situações

das de mera inércia do titular, que não leva por si à perda da posse.190

Assentando a posse no corpus, ou seja num efetivo e existente

controlo material de uma coisa nos termos de um direito, ela extingue-se

quando o possuidor, por sua vontade ou sem ela, deixa de ter esse

controlo material. O abandono só extingue a posse havendo perda do

188

Coisa. 189

Acórdão da Relação de Lisboa de 9-3-2010, processo nº 28/05.4TBVLS.L1-1,

relatora Ana Grácio, in www.dgsi.pt/jtrl. 190

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 122.

Page 55: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

55

corpus, o possuidor quebra o controlo material que tinha sobre a coisa,

deixando de o exercer por opção própria.191

O abandono pressupõe um ato material, praticado

intencionalmente, de rejeição da coisa, pelo que a perda de posse, pelo

abandono, está diretamente conexionada com a intenção de “atirar a

coisa fora da esfera de atuação material do titular da posse”.192

5.2 Perda ou destruição material da coisa

A perda da coisa refere-se aos bens móveis e dá-se quando for

absolutamente impossível encontrá-la, de modo que não se possa mais

utilizar a coisa economicamente.

A destruição da coisa decorre de evento natural ou fortuito, de

ato do próprio possuidor ou de terceiro. É preciso que se inutilize a coisa

definitivamente, impossibilitando o exercício do poder de utilizar

economicamente o bem por parte do possuidor, pois a sua simples

danificação não implica a perda da posse.

Em ambos os casos o corpus tornou-se impossível. Trata-se de

uma situação em que a impossibilidade de exercício do corpus é

definitiva e não meramente provisória.

Enquanto na perda da coisa, a posse extingue-se pelo simples

desaparecimento do poder de facto independentemente da vontade,193

no

caso do abandono basta que se largue a coisa, isto é, que não se exerça

mais qualquer atividade sobre ela, conscientemente.

A perda da posse pela inalienabilidade da coisa ocorre quando a

coisa for colocada fora do comércio por motivo de ordem pública, de

moralidade, de higiene ou de segurança coletiva, não podendo, assim,

ser possuída porque é impossível exercer, com exclusividade, os poderes

inerentes ao domínio. Integra esta situação a expropriação da coisa por

utilidade pública. Neste caso, a coisa, ou o bem imóvel, passa a integrar

o domínio público, pelo que passam a estar excluídos do comércio

191

Vieira, Direitos Reais, 2008, págs. 605 e 606. 192

Acórdão da Relação do Porto de 11-10-1994, processo nº 9341240, relator Araújo

de Barros, in www.dgsi.pt/jtrp. 193

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 777.

Page 56: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

56

jurídico, sendo assim insuscetíveis de posse (art. 193º, nº 2, do Código

Civil e os arts. 537º e 520º a 525º do CCI).

5.3 Cedência

A tradição, além de meio de aquisição da posse pode acarretar a

sua extinção, é uma perda por transferência. Trata-se, pois, de perda de

posse relacionada com as formas de aquisição derivada (tradição e

constituto possessório). Neste caso haverá perda da posse para quem

transmite o bem, pela demissão do seu corpus e do animus, ou só deste

último.

A lei não prevê a morte do possuidor como forma de extinção da

posse, porquanto esta não se extingue transmitindo-se para o seu

sucessor.

5.4 Nova posse

A perda da posse pela existência da posse de outrem verifica-se

quando o primeiro possuidor, por inércia, deixa decorrer o prazo de ano

e dia, depois de ter sido turbado ou esbulhado no exercício da sua posse

por outra pessoa, ainda que contra a sua vontade. Esta inércia acarreta a

perda da sua posse, dando lugar a uma nova posse em favor de outrem.

A nova posse de outrem conta-se desde o seu início, se foi

tomada publicamente, ou desde que é conhecida do esbulhado, se foi

tomada ocultamente; sendo adquirida por violência, só se conta a partir

da data em que termine a violência (art. 1187º, nº 2, do Código Civil e

art. 565º do CCI).194

O possuidor perde a posse logo que sobre a mesma coisa se

constitua nova posse incompatível com a primeira a favor de outra

pessoa. Antes do aludido decurso do ano, a posse anterior prevalece

sobre a nova posse. Mas no caso do apossamento de outrem, mesmo que

contra a vontade do possuidor inicial, este perde a posse em

consequência de aquele novo possuidor manter a nova posse por mais de

194

Veja-se o art. 1202º do Código Civil e o art. 558º do CCI.

Page 57: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

57

um ano, ou seja, pelo menos, um ano e um dia.195

Sobre a mesma coisa não podem incidir posses incompatíveis,

com exceção da situação acima referida.196

Sendo que, o primeiro

possuidor goza da faculdade de, no prazo de um ano, recuperar a sua

posse.197

6. Efeitos da posse

6.1 Presunção da titularidade do direito

O possuidor goza da presunção da titularidade do direito exceto

se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao

início da posse (art. 1188º, nº 1, do Código Civil e arts. 548º, nº 1, e

549º, nº 1, do CCI).198

Ao estatuir que a posse confere a presunção da titularidade do

direito, a lei presume que quem está na posse da coisa é titular do direito

correspondente aos atos que pratica sobre ela. Face a esta presunção,

surgindo uma situação de dúvida, esta é superada em termos favoráveis

ao possuidor.199

Assim, a posse anterior ao registo de qualquer direito

195

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 124. 196

José de Oliveira Ascensão (Direito Civil – Reais, 2000, pág. 124) defende que “o

esbulhador tem logo, nos termos gerais, uma verdadeira posse, resultante do seu

apossamento. Podem por isso existir posses em conflito actual. O critério de

preferência é-nos dado pela antiguidade de mais de um ano”. Acrescenta de seguida:

“Interessa-nos sobretudo acentuar que sobre a mesma coisa podem existir posses

contraditórias. A autonomia relativa que a posse foi atingindo, em relação à situação de

facto de que nasceu, permite que se constitua sobre uma coisa uma nova posse, sem

que isso signifique necessariamente a destruição da posse anterior” (pág. 126). 197

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 110. 198

Protege-se a posse porque ela é a exteriorização do domínio, pois o possuidor é o

proprietário presuntivo. Tal proteção é conferida através de ações possessórias.

Enquanto a ação reivindicatória é a propriedade na ofensiva, a ação possessória é a

propriedade na defensiva. Desse modo, a proteção possessória é um complemento à

defesa da propriedade, pois através dela, na maioria das vezes, vai o proprietário ficar

dispensado da prova de seu domínio (Silva, Direito das Coisas – Pose). 199

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204.

Page 58: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

58

sobre a coisa ilide a presunção de propriedade resultante do registo.200

Em caso de dúvida a lei faz presumir a posse naquele que exerce

o poder de facto sobre a coisa. José de Oliveira Ascensão salienta que

esta presunção, porque se baseia numa aparência, só funciona quando o

sujeito se apoderou faticamente da coisa. Por exemplo, uma posse

meramente jurídica, como a resultante de constituto possessório, não dá

presunção de titularidade.201

Por força do disposto neste artigo, é de presumir que quem está

na posse de uma coisa é titular do direito correspondente aos atos que

pratica sobre ela. Assim, provado o elemento material da posse e dele

decorrendo, por força dessa presunção, o elemento moral, compete à

parte contrária ilidir essa presunção, sob pena de ser reconhecido o

direito respetivo.

Esta presunção é aplicável tanto para a posse de boa fé como

para a posse de má fé (arts. 548º, nº 1, e 549º, nº 1, do CCI). Importa

aqui lembrar que a posse não titulada se presume de má fé (art. 1180º, nº

2, do Código Civil). Justificando este preceito escrevem Álvaro Moreira

e Carlos Fraga, “é que, de facto, pode ser difícil ou impossível provar

directamente por uma cadeia ininterrupta de transmissões a titularidade

do direito”.202

6.2 Responsabilidade do possuidor

O possuidor de boa fé só responde pela perda ou deterioração da

coisa se tiver procedido com culpa (art. 1189º do Código Civil e art.

574º do CCI).

O possuidor de má fé responde pela perda ou deterioração da

coisa nos termos da responsabilidade pelo risco por mora do devedor

200

Conforme se viu já, o registo faz presumir a titularidade do direito inscrito (arts. 8º

do Código de Registo Predial Português de 1967 e 23º, nº 2, da Lei Agrária Indonésia).

Esta presunção cede perante posse anterior ao registo. 201

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 106. Acrescenta o autor, “não tem que

ser posse efectiva, tal como é reclamada pela usucapião, mas é uma posse que tem de

se manifestar por uma actuação fáctica sobre a coisa”. 202

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204.

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59

(art. 741º do Código Civil).203

Ou seja, o possuidor de má fé é

responsável pela perda ou deterioração da coisa, mesmo que estes factos

lhe não sejam imputáveis, a menos que demonstre que os danos sempre

teriam ocorrido ainda que não tivesse existido a sua posse (art. 579º, nº

2, do CCI).

6.3 Frutos

O possuidor de boa fé faz seus os frutos naturais percebidos204

até ao dia em que souber que está a lesar com a sua posse o direito de

outrem, bem como os frutos civis correspondentes ao mesmo período

(art. 1190º, nº 1, do Código Civil e art. 548º, nº 3, do CCI).205

Se ao tempo em que cessa a boa fé estiverem pendentes frutos

naturais, é o titular obrigado a indemnizar o possuidor pelas despesas de

cultura, sementes ou matérias-primas e, em geral, de todas as despesas

de produção, desde que não sejam superiores ao valor dos frutos que

vierem a ser colhidos (art. 1190º, nº 2, do Código Civil e art. 576º do

CCI)206

. O possuidor de boa fé tem que restituir os frutos após cessar a

boa fé. Mas, tendo ele pago as despesas relativas às plantações ou obras,

das quais resultam os aludidos frutos (sementes, obras, que não sejam

enquadráveis na definição de benfeitorias, aquisição de água para rega,

etc.), e estando de boa fé na altura de tal investimento, deve deduzir tais

encargos na restituição dos frutos resultantes do investimento feito.

Caso o valor do investimento seja superior ao valor dos frutos, não

pode, porém, exigir a diferença, mas nada terá que pagar.

203

1. Pelo facto de estar em mora, o devedor torna-se responsável pelo prejuízo que o

credor tiver em consequência da perda ou deterioração daquilo que deveria entregar,

mesmo que estes factos lhe não sejam imputáveis. 2. Fica, porém, salva ao devedor a

possibilidade de provar que o credor teria sofrido igualmente os danos se a obrigação

tivesse sido cumprida em tempo. 204

Recebidos. 205

Veja-se ainda o art. 575º do CCI. 206

Cessa a boa fé com a citação do possuidor em ação de restituição de posse ou de

reivindicação contra o possuidor atual, conforme art. 361º, al. a), do CPC (no mesmo

sentido o art. 532º do CCI e o art. 1190º, nº 2, do Código Civil). Como se viu, a posse é

de boa fé quando quem a exerce ignora que lesa o direito de outra pessoa. Assim, se o

autor vem invocar algum direito sobre o bem possuído, após a citação o possuidor não

pode mais ignorar que outra pessoa se arroga direitos sobre o mesmo bem. Daí que

cesse a boa fé do possuidor.

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60

Se o possuidor tiver alienado frutos antes da colheita e antes de

cessar a boa fé, a alienação subsiste mas o produto da colheita (o

dinheiro recebido) pertence ao titular do direito real sobre a coisa,

deduzida a indemnização a que o parágrafo anterior se refere (art. 1190º,

nº 3, do Código Civil).207

A justificação do preceito resulta do facto de a

alienação dos frutos poder ser efetuada antes da colheita dos mesmos.

O possuidor de má fé deve restituir os frutos que a coisa

produziu até ao termo da posse e responde, além disso, pelo valor

daqueles que um proprietário diligente poderia ter obtido (art. 1191º do

Código Civil e art. 549º, nº 2, do CCI).208

O possuidor de má fé comete

um acto ilícito que obriga a indemnizar, designadamente a restituir os

frutos que a coisa produziu, ou podia produzir. Conforme salienta José

de Oliveira Ascensão, daqui resulta que só o possuidor de boa fé goza

do direito de fruição da coisa, estando o mesmo vedado ao possuidor de

má fé.209

Se os frutos percipiendos210

excederem os frutos produzidos pela

coisa, o proprietário pode exigir ainda ao possuidor a soma

correspondente a esse excesso. Se o possuidor não for diligente e não

explorar devidamente o imóvel, quando o podia fazer, então responde

também por tal omissão. O proprietário pode ainda exigir a diferença em

relação aos frutos que ele próprio, em concreto, poderia obter.

A partir do momento em que a ação de reivindicação for

proposta pelo reivindicante, o possuidor fica na situação de possuidor de

má fé.211

Poderá continuar a ter a convicção de que possui justamente,

mas essa convicção é inoperante.212

6.4 Encargos

Os encargos com a coisa são pagos pelo titular do direito e pelo

207

O mesmo resulta do disposto no art. 576º do CCI. 208

Vejam-se ainda os arts. 559º e 579º, nº 1, do CCI. 209

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 107. 210

Os frutos que um proprietário diligente poderia ter obtido. 211

Cessa a boa fé da posse quando contra o possuidor for intentada ação de restituição

do imóvel ou de reivindicação (arts. 361º, al. a), do CPC, 532º do CCI e 1190º, nº 1, do

Código Civil). 212

Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 350.

Page 61: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

61

possuidor, na medida dos direitos de cada um deles sobre os frutos no

período a que respeitam os encargos (art. 1192º do Código Civil e arts.

575º e 579º, nº 1, do CCI).213

Daqui resulta que os encargos serão

suportados pelo possuidor, até à interposição da ação para entrega do

imóvel. Aliás, o pagamento dos encargos constitui manifestação da

posse, do uso do imóvel como titular do direito.

Trata-se aqui apenas de encargos e não de benfeitorias. Trata-se

de despesas correntes inerentes ao uso da coisa, como, por exemplo, os

impostos ou os foros.

6.5 Benfeitorias214

Tanto o possuidor de boa fé como o de má fé têm direito a ser

indemnizados das benfeitorias necessárias que hajam feito, e bem assim

a levantar as benfeitorias úteis realizadas, desde que o possam fazer sem

detrimento da coisa (art. 1193º, nº 1, do Código Civil e arts. 575º e 579º,

nº 1, do CCI). Excetua-se no CCI o caso da posse adquirida por

violência (art. 580º). O direito de indemnização por benfeitorias

pressupõe e exige a posse em nome próprio.

Quando, para evitar o detrimento da coisa, não haja lugar ao

levantamento das benfeitorias, o titular do direito compensará o

possuidor pelo valor delas, calculado segundo as regras do

enriquecimento sem causa (art. 1193º, nº 2, do Código Civil).

O possuidor goza do direito de retenção sobre a coisa pelo valor

das benfeitorias necessárias efetuadas (art. 688º do Código Civil e art.

575º, 2ª parte, do CCI).215

O pedido de indemnização de benfeitorias que não podem

levantar-se sem detrimento da coisa destina-se a evitar um

enriquecimento sem causa à custa do possuidor que é obrigado a

entregar a coisa. Assim, o valor da indemnização não deve exceder o

valor dos melhoramentos efetuados.

213

Conforme referido no ponto anterior. 214

Sobre o conceito e características das benfeitorias veja-se supra o Título I, Capítulo

V. 215

Porém, o CCI refere apenas o possuidor de boa fé.

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62

O possuidor de boa fé tem direito a levantar as benfeitorias

voluptuárias, não se dando detrimento da coisa; no caso contrário, não

pode levantá-las nem receber o valor delas (art. 1195º, nº 1, do Código

Civil e art. 581º do CCI). No entanto, para José de Oliveira Ascensão,

parece dever entender-se que o possuidor de boa fé poderá sempre

levantar as benfeitorias voluptuárias, desde que repare as deteriorações

causadas na coisa.216

O possuidor de má fé perde, em qualquer caso, as benfeitorias

voluptuárias que haja feito (art. 1195º, nº 2, do Código Civil).

A obrigação de indemnização por benfeitorias é suscetível de

compensação quando exista a responsabilidade do possuidor por

deteriorações na coisa (art. 1194º do Código Civil). Ou seja, o titular do

direito que reivindique a coisa do possuidor terá que indemnizar este

pelas benfeitorias feitas, mas pode deduzir a tal valor aquilo que o

possuidor tiver que pagar por deteriorações da coisa pelas quais seja

responsável.

6.5 Usucapião

A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de

gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo

disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício

corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião, ou prescrição

aquisitiva (arte. 1207º do Código Civil e artes. 548º, nº 2, 1946º e 1955º

do CUCI).

Dada a sua importância tratar-se-á autonomamente esta matéria

infra.217

7. Defesa da posse

7.1 Ações possessórias

Existem os seguintes meios de defesa judicial da posse, previstos

nos arts. 1196º a 1206º do Código Civil: ação de prevenção, ação de

216

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 109. 217

Ponto 8.

Page 63: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

63

manutenção, ação de restituição, ação de restituição no caso de esbulho

violento e embargos de terceiro. Para além destes meios, existem ainda

os meios de defesa da posse de carácter extrajudicial, ou seja a ação

direta e a legítima defesa, previstos nos arts. 327º e 328º do Código

Civil. No entanto, o recurso ao tribunal constitui o meio de defesa

normal do possuidor esbulhado.218

Um dos efeitos relevantes da posse traduz-se nos respetivos

meios de defesa, as chamadas ações possessórias. A posse confere a

possibilidade de vir a juízo requerer determinadas providências para sua

defesa, mediante as chamadas ações possessórias. Podemos, assim, falar

de um contencioso possessório para designar o conjunto dessas ações,

por oposição ao contencioso petitório, representado fundamentalmente

pelas ações destinadas a defender a propriedade e não a posse. As ações

possessórias são, genericamente, ações destinadas a defender a posse

contra atos que a ameacem ou que a lesem. São estas a ação de

prevenção, a ação de manutenção, as ações de restituição da posse e os

embargos de terceiro.219

7.2 Ação de manutenção da posse

Se o possuidor tiver justo receio de ser perturbado ou esbulhado

por outrem, será o autor da ameaça, a requerimento do ameaçado,

intimado para se abster de lhe fazer agravo, sob pena de multa e

responsabilidade pelo prejuízo que causar (art. 1196º do Código

Civil).220

Para a aplicação da ação de prevenção é necessário, além de uma

situação de posse, que esta não tenha sido lesada e que tenham ocorrido

factos de que seja legítimo inferir estar o possuidor sob ameaça séria de

ser perturbado ou esbulhado (trata-se pois de uma ação antecipatória). A

expressão justo receio destina-se a inculcar a ideia de que não basta um

receio mais ou menos vago, os atos atribuídos ao réu hão-de ter o

carácter de ameaças positivas e capazes de se traduzir em vias de

218

Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 24. 219

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 207 e 208. 220

Não existe disposição semelhante no CCI.

Page 64: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

64

facto.221

O meio adequado para a ação de prevenção será a providência

cautelar não especificada dos arts. 305º a 316º do CPC. Efetivamente, se

a ameaça é séria, como exige o artigo, então o recurso ao processo

declarativo comum não acautela o direito do possuidor ameaçado,

devido à natural demora do mesmo. Isto não invalida, obviamente, que o

possuidor tenha que intentar posteriormente ação declarativa, sob pena

de caducidade da providência, nos termos dos arts. 307º, nº 1, e 313º, nº

1, al. a), do CPC.222

7.3 Restituição de posse

O possuidor que for perturbado ou esbulhado pode manter a

posse ou recuperá-la por sua própria força e autoridade, nos termos do

artigo 327º (do Código Civil), ou recorrer ao tribunal para que este lhe

mantenha ou restitua a posse (art. 1197º do Código Civil e arts. 550º,

551º e 566º do CCI).

A manutenção da posse tem lugar quando o possuidor não foi

esbulhado da coisa, mas houve mera perturbação da sua posse. Havendo

esbulho, o meio adequado é a restituição.

Conforme salientado por Manuel Rodrigues, “Há esbulho

sempre que alguém for privado do exercício da retenção ou fruição do

objecto possuído, ou da possibilidade de o continuar. O esbulho pode ser

parcial, verificar-se só em relação a uma parte do objecto, como quando

alguém se apropria de uma parte de um prédio rústico possuído por

outrem, murando-a por exemplo”.223

Daí que não ocorra esbulho, mas

antes mera turbação da posse, quando os atos de terceiro apenas

dificultam o exercício do poder de facto inerente à posse, que assim se

mantém na esfera do possuidor.224

No esbulho, o terceiro não permite

que o possuidor atue sobre a coisa que até então possuía, dela ficando o

221

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 835. 222

A acção principal segue a forma de acção declarativa de condenação com processo

comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC (Almeida, Restituição de Posse e

Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 30). 223

Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 363. 224

Cordeiro, A Posse, 2005, pág. 146.

Page 65: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

65

último desapossado e impedido de exercer toda e qualquer fruição.225

O ato de esbulho consiste no facto de o possuidor ficar privado

do exercício ou da possibilidade de exercício dos poderes

correspondentes à sua posse.226

Daí que não haja esbulho quando os atos

de terceiro apenas dificultam o exercício dos poderes do possuidor.

O recurso à ação direta e à legítima defesa (arts. 327º e 328º do

Código Civil) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes

requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios

coercivos normais, nomeadamente aos tribunais; b) violação efetiva ou

eminente do direito; c) racionalidade dos meios utilizados.

Quanto ao segundo requisito, há ação direta quando existe uma

agressão do interesse do titular já finda ou consumada e existe legítima

defesa quando essa agressão é atual, portanto já iniciada mas ainda não

consumada.

Quando não se verificar situação de esbulho violento, o

possuidor ainda assim pode recorrer ao tribunal, usando a providência

cautelar de embargo de obra nova, se, por exemplo, o esbulhador

construir um muro que impeça a posse, ou pode usar os meios cautelares

comuns ou a ação declarativa comum.

No caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou

esbulhado será mantido na posse ou esta será restituída ao mesmo

enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito (art.

1198º, nº 1, do Código Civil e arts. 561º e 562º do CCI). Ou seja,

enquanto estiver pendente ação para decidir a questão da titularidade do

direito e até decisão da mesma. Para isso deve o possuidor esbulhado

recorrer a uma providência cautelar comum dos arts. 307º a 312º do

CPC.

Se a posse não tiver mais de um ano, o possuidor só pode ser

mantido ou restituído contra quem não tiver melhor posse (art. 1198º, nº

2, do Código Civil e art. 561º do CCI). É melhor posse a que for

225

Veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 1-12-2011, processo nº

11/Cível/Agravo/2011/TR, relator Rui Penha. 226

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 126.

Page 66: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

66

titulada; na falta de título, a mais antiga; e, se tiverem igual antiguidade,

a posse atual (art. 1198º, nº 3, do Código Civil).

Só é plenamente protegido pelas ações de manutenção e de

restituição da posse o possuidor cuja posse é superior a um ano, ou seja,

que detenha a posse chamada de ano e dia. Tal possuidor pode sempre,

provada que seja a posse de ano e dia, obter a manutenção ou restituição

da posse, não sendo admitida a contraparte a provar que tem melhor

posse. Só depois é que se irá discutir se a posse é ou não legítima.227

Não existindo processo especial para a situação do constituto

possessório previsto no art. 1184º, nº 1, do Código Civil e arts. 543º e

574º do CCI, o mesmo deve ser exercido através de ação declarativa de

condenação, com processo comum, nos termos gerais.

Saliente-se que as ações mencionadas não são aplicáveis à defesa

das servidões não aparentes, salvo quando a posse se funde em título

provindo do proprietário do prédio serviente ou de quem lho transmitiu

(art. 1200º do Código Civil e arts. 552º e 553º do CCI). Não pode haver

posse nas chamadas servidões não aparentes, porquanto os atos

correspondentes ao conteúdo das servidões não aparentes são

normalmente atos de tolerância do proprietário da coisa.

7.4 Restituição provisória de posse

O possuidor que for esbulhado com violência tem o direito de ser

restituído provisoriamente à sua posse, sem audiência do esbulhador.228

No caso de esbulho violento, pode o possuidor pedir que seja

restituído provisoriamente à sua posse, alegando os factos que

constituem a posse, o esbulho e a violência (art. 317º do CPC e art. 563º

do CCI).

São requisitos específicos da providência:

- esbulho, ou seja a retirada total ou parcial da posse de um bem;

- a violência, ou seja que a retirada do bem ocorra com utilização

227

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 210. 228

Veja-se os arts. 1199º do Código Civil e 563º do CCI.

Page 67: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

67

de força.229

Assim, ficam dispensados certos requisitos gerais como sejam o

receio de lesão grave ou o prejuízo com a demora da entrega do bem.

Ou seja, “o autor não carece de alegar e provar que corre um risco, que é

exposto à ameaça de um dano jurídico com a demora da posse,

bastando-lhe alegar e provar os pressupostos desta acção cautelar”.230

Quanto à posse, como é característico das providências

cautelares, basta demostrar a mera probabilidade da sua existência.

Basta ao autor demonstrar que “é, aparentemente, titular do direito que

invoca”.231

A violência poderá ser contra a pessoa ou contra a coisa. Por

exemplo, constitui caso de violência contra a coisa arrombar a porta de

uma casa e substituir a fechadura.

Considera-se violenta a posse quando, para obtê-la, o possuidor

usou de coação física ou de coação moral (art. 1181º, nº 2, do Código

Civil). A coação moral, na hipótese de esbulho, ocorre quando o

possuidor da coisa é forçado à sua privação pelo receio de um mal de

que foi ilicitamente ameaçado. A coação física supõe completa ausência

de vontade por parte daquele a quem a posse foi usurpada.232

Coação

física é aquela em que através do recurso à força física, se anula e exclui

totalmente a liberdade exterior do coacto, conduzindo à completa

ausência de vontade do mesmo e colocando-o numa situação de

impossibilidade material de agir.

No silêncio da lei, a doutrina portuguesa233

, a propósito de

disposição semelhante, têm-se dividido quanto à questão de saber se a

violência para efeitos de caracterizar o esbulho como de violento tem de

recair sobre pessoas, ou se também pode recair sobre coisas.

O entendimento maioritário da doutrina vai no sentido de que,

para efeitos do deferimento do procedimento cautelar de restituição

229

Isto é, o ato de retirar a posse ao requerente é não consentido. 230

Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 120. 231

Almeida, Restituição de Posse e Ocupação de Imóveis, 1986, pág. 120. 232

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. I, 1987, pág. 23. 233

A jurisprudência estrangeira, nomeadamente a portuguesa, tem o efeito de doutrina.

Só se pode falar verdadeiramente em jurisprudência quando se trata de decisões

proferidas pelos tribunais nacionais de Timor-Leste.

Page 68: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

68

provisória de posse, tanto é admissível que a violência tenha sido

exercida sobre as pessoas, ou sobre as coisas, mas neste caso, só releva

se tiver por fim intimidar o possuidor, o que só poderá ocorrer sobre as

coisas que constituem obstáculo ao esbulho e não sobre a própria coisa,

objeto da posse.234

Porém, esta violência tem que se reportar ao momento do

esbulho, o que logo resulta da expressão esbulhado com violência e não

a momento posterior, em que já depois do aludido esbulho o esbulhador

se opõe com violência à restauração por parte do possuidor235

.

A violência contra as coisas só releva se se pretender por via dela

intimidar, direta ou indiretamente, a vítima da mesma, sendo

irrelevantes os meros atos materiais de danificação ou destruição inaptos

para afetar o possuidor em termos psicológicos.

O possuidor tem que intentar posteriormente ação declarativa,

sob pena de caducidade da providência, nos termos dos arts. 307º, nº 1, e

313º, nº 1, al. a), do CPC.

7.5 A ação de manutenção ou de restituição da posse

A ação de manutenção da posse segue a forma de processo

declarativo de condenação e pode ser intentada pelo perturbado ou pelos

seus herdeiros, mas apenas contra o perturbador, salva a ação de

indemnização contra os herdeiros deste (art. 1201º, nº 1, do Código

Civil).

A ação de restituição de posse pode ser intentada pelo esbulhado

ou pelos seus herdeiros, não só contra o esbulhador ou seus herdeiros,

mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do

esbulho (art. 1201º, nº 2, do Código Civil). O que ressalta deste artigo é

que a ação de restituição não pode ser intentada contra quem esteja na

posse da coisa de boa fé.

234

Reis, Código de Processo Civil Português Anotado, vol. I, 2004, pág. 670. 235

Trata-se de situação semelhante à que ocorre com a aquisição da posse por meio de

violência (ver Capítulo III, al. c). Aliás o esbulho pode consistir na aquisição de uma

nova posse, pelo que se justifica a aplicação dos mesmos princípios. Neste sentido o

acórdão do Tribunal de Recurso de 7-7-2011, Processo nº 06/Cível/Agravo/2011/TR,

relator Rui Penha.

Page 69: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

69

A ação de manutenção, bem como as de restituição da posse,

caducam, se não forem intentadas dentro do ano subsequente ao facto da

turbação ou do esbulho, ou ao conhecimento dele quando tenha sido

praticado a ocultas (art. 1202º do Código Civil e arts. 558º e 565º do

CCI). Ambos os preceitos, do Código Civil e do CCI, referem-se a prazo

de caducidade, como é expresso no primeiro caso.236

Se os vários atos de perturbação são complementares uns dos

outros por se dirigirem a um mesmo fim e se deles resulta a constituição

como possuidor de uma pessoa contrária, o prazo de um ano conta-se a

partir do primeiro desses atos. Se os vários atos de perturbação, mesmo

que sejam de natureza idêntica, têm autonomia e não envolvem a perda

da posse, o prazo ocorre separadamente em relação a cada um deles.237

É havido como nunca perturbado ou esbulhado o que foi

mantido na sua posse ou a ela foi restituído judicialmente (art. 1203º do

Código Civil e art. 560º do CCI). É assim indiferente a posse do

esbulhador, uma vez que sobre a mesma coisa não podem haver duas

posses plenas.

O possuidor mantido ou restituído tem direito a ser indemnizado

do prejuízo que haja sofrido em consequência da turbação ou do esbulho

(art. 1204º, nº 1, do Código Civil e arts. 568º e 576º a 581º do CCI). A

restituição da posse é feita à custa do esbulhador e no lugar do esbulho

(art. 1204º, nº 2, do Código Civil). Só depois de mantido ou restituído

236

Prata, Dicionário Jurídico, 2005, pág. 179. Caducidade é a extinção não retroativa

de efeitos jurídicos em virtude da verificação de um facto jurídico stricto sensu, isto é,

independentemente de qualquer manifestação de vontade. Como forma extintiva dos

direitos, a caducidade opera quando o direito não é exercido dentro de um dado prazo

fixado por lei ou convenção. O termo do prazo de caducidade opera com o simples

instaurar da ação (art. 322º, nº 1, do Código Civil). O prazo de caducidade atinente ao

processo, não se suspende nem se interrompe senão nos casos em que a lei que regula

cada situação concreta o admite (art. 319º do Código Civil). O prazo de caducidade, se

a lei não fixar outra data, começa a correr no momento em que o direito puder

legalmente ser exercido (art. 322º, nº 1, do Código Civil). No caso de um facto

continuado, o prazo só se inicia a partir do momento em que cessa esse facto. 237

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 130. Por exemplo, se o possuidor de um prédio

vizinho começa por cultivar uma parte do prédio do esbulhado e depois constrói um

muro separando a parte do prédio que ocupou do restante prédio do esbulhado, o prazo

inicia-se com o primeiro ato (o cultivo do terreno alheio). Diferentemente, se o vizinho

ocupa apenas temporariamente parte do terreno do esbulhado para pastar o seu gado, o

prazo é distinto em relação a cada uma destas ocupações, correndo separadamente.

Page 70: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

70

pode o possuidor exigir ao turbador ou esbulhador que o indemnize.

7.6 Embargos de terceiro

O possuidor cuja posse for ofendida por diligência ordenada

judicialmente, por exemplo uma penhora em ação executiva, pode

defender a sua posse mediante embargos de terceiro, nos termos

definidos na lei de processo (art. 1205º do Código Civil). Nos termos do

disposto no artigo 286º do CPC, se qualquer ato judicialmente ordenado

de apreensão ou entrega de bens ofender a posse ou qualquer direito

incompatível com a realização ou o âmbito da diligência, de que seja

titular quem não é parte na causa, pode o lesado fazê-lo valer, deduzindo

embargos de terceiro.

Ou seja, os embargos de terceiro visam restituir ao possuidor ou

titular de outro direito real a coisa que lhe foi retirada por ato judicial, de

apreensão ou entrega de bens, desde que o mesmo não tenha sido parte

na causa. Permite-se, deste modo, que os direitos substanciais atingidos

ilegalmente pela penhora ou ato de apreensão judicial de bens possam

ser invocados, desde logo, pelo lesado no próprio processo em que a

diligência ofensiva teve lugar.

São, pois, requisitos essenciais da atendibilidade dos embargos

de terceiro que o embargante tenha a posição de terceiro, isto é, que não

tenha intervindo no processo ou no ato jurídico de que emana a

diligência judicial, nem represente quem foi condenado no processo, ou

quem no ato se obrigue, e que tenha a posse ou direito sobre a coisa que

a diligência de penhora fez apreender, incompatível com a mesma.

O embargante não necessita de provar a sua propriedade sobre os

bens que considera indevidamente apreendidos, é bastante a prova da

sua posse. Já a prova de que ele, embora possuidor, não é proprietário e

de que os bens podem ser executados incumbe ao credor.238

7.7 Composse

Cada um dos compossuidores, seja qual for a parte que lhe cabe,

238

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 129. Conforme o art. 510º, nº 2, do CPC.

Page 71: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

71

pode usar contra terceiro dos meios supra referidos, quer para defesa da

própria posse, quer para defesa da posse comum, sem que ao terceiro

seja lícito opor-lhe que ela não lhe pertence por inteiro (art. 1206º, nº 1,

do Código Civil).239

Já nas relações entre compossuidores não é

permitido o exercício da ação de manutenção (art. 1206º, nº 2, do

Código Civil).

8. Usucapião240

8.1 Definição

Conforme já se referiu, a posse do direito de propriedade ou de

outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta

ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a

cujo exercício corresponde a sua atuação: é o que se chama usucapião,

ou prescrição aquisitiva ou positiva (art. 1207º do Código Civil241

e arts.

548º, nº 2, 1946º e 1955º do CCI)242

.

A verificação da usucapião depende de dois elementos: a posse e

o decurso de certo período de tempo variável. O tempo necessário varia

consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, a característica da

239

Ou seja, não se verifica a situação de litisconsórcio necessário prevista no art. 31º

do CPC, pelo que apenas um dos compossuidores tem legitimidade para intentar acção

ou providência para manutenção ou restituição da posse. 240

No estudo da usucapião tomar-se-á em consideração o regime previsto no Código

Civil Português de 1867 e no Código Civil Português de 1966, por terem manifesto

interesse na apreciação concreta das situações que se colocam, para além, como é

evidente do regime do CCI e do Código Civil de Timor-Leste. Importa ter em conta

que grande parte das situações de posse que possam legitimar a invocação da

usucapião se iniciou ainda no âmbito do Código Civil Português de 1867, sobretudo

tendo em consideração o escasso período de vigência no território nacional de Timor-

Leste do Código Civil Português de 1966. 241

Igual o art. 1287º do Código Civil Português de 1966. O CCI denomina este

instituto como de prescrição aquisitiva (designação frequente na doutrina

internacional) e regula o mesmo precisamente no capítulo relativo à prescrição

(Capítulo VII, do Livro IV, Secção 2), embora também se lhe refira no capítulo que

aborda a posse (Capítulo II, do Livro II). No mesmo sentido o Código Civil Português

de 1867, que designa a situação de prescrição positiva no seu art. 505º. Por

contraponto à prescrição extintiva, ou negativa, que extingue o direito do credor, aqui a

prescrição cria, ou faz nascer um direito novo na esfera do seu beneficiário. 242

Veja-se Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 112.

Page 72: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

72

posse, ou o regime jurídico aplicável. Para conduzir à usucapião a posse

tem de revestir sempre duas características: pública e pacífica. Os

restantes caracteres (boa ou má-fé, titulada ou não titulada, etc.) influem

apenas no prazo.

O art. 517º do Código Civil Português de 1867 estipulava que “a

posse para o effeito da prescripção deve ser: 1º Titulada;243

2º De boa

fé;244

3º Pacifica;245

4º Continua;246

5º Publica”. 247

O Código Civil Português de 1966 continha regime semelhante

ao do atual Código Civil de Timor-Leste (art. 1287º). Ou seja a posse,

para efeitos de usucapião pode ser de boa ou má fé, titulada ou não

titulada.

Importa salientar, contudo, que no CCI a posse de má fé não

confere direito à aquisição por usucapião ou, como se diz naquele

código, por prescrição aquisitiva. Assim, no âmbito do CCI, para além

de pública e pacífica, a posse tem que ser de boa fé.

243

“É posse titulada a que a que se funda em justo titulo; e diz-se justo titulo qualquer

modo legtimo de adquirir, independentemente do direito do transmitente” (art. 518º). 244

“Posse de boa fé é aquella que procede de titulo cujos vicios não são conhecidos do

possuidor. Posse de má fé é a que se dá na hipothese inversa” (art. 476º). Assim, para

que a posse fosse de boa fé, no âmbito do Código Civil Portguês de 1867, seria sempre

necessário que fosse titulada, não podia haver boa fé sem título (Ferreira, Codigo Civil

Portuguez Anotado, vol. II, 1870, págs. 12-13). O que suscita alguma dificuldade é a

circunstância de, por um lado, a posse se presumir de boa fé (art. 478º), sendo certo

que o título não se presume, tendo a sua existência que ser provada por quem o invoca

(art. 519º). A solução desta aparente contradição é apresentada por José Dias Ferreira:

“A boa fé não se presume sem existir título, por que a boa fé consiste em se

desconhecer os vícios do título”. Ou seja o que se presume é que o título não padece de

vícios, mas quem invoca a boa fé na posse tem sempre que invocar e provar a

existência do título. Como se verá adiante, não quer dizer que a prescrição não

produzisse efeitos no caso de posse não titulada e, consequentemente, de má fé,

conforme se pode verificar da leitura do art. 529º do Código Civil de Seabra. 245

“Posse pacifica é a que se adquire sem violência” (art. 521º). 246

“Posse continua é a que não tem sido interrompida” (art. 522º). 247

“Posse publica diz-se aquella que foi devidamente registada, ou tem sido exercida

de modo que pode ser conhecida dos interessados” (art. 523º). O registo seria normal

na posse de boa fé, uma vez que a mesma teria que ser titulada.

Page 73: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

73

O instituto jurídico da posse, para efeitos de usucapião, não se

confunde com a ocupação material da coisa. É necessário, como já se

analisou supra, que essa ocupação revista em si mesma as características

próprias do direito correspondente. É esta manifestação do direito que

conduz à sua aquisição com o decorrer do tempo e não a mera ocupação

da coisa. O que se visa com a prescrição, seja ela aquisitiva ou extintiva,

é a segurança jurídica, a proteção do interesse social em estabelecer

harmonia, justiça e segurança, dando fim a litígios e evitando que estes

fiquem por tempo indefinido à disposição de alguém, se lhe fosse

permitido muitos anos depois vir reclamar um direito seu que se perdeu

no tempo, com a consequente dificuldade de reconstituição das provas

que até poderão ter deixado de existir.248

Esta é uma forma originária de aquisição do direito de

propriedade e aquela que o ordenamento jurídico considera a mais

relevante, pelo que requer que a posse tenha especiais características,

que de algum modo a tornem digna do direito a que conduz.249

Invocada a usucapião, os seus efeitos retrotraem-se à data do

248

“A posse como caminho para a dominialidade é a posse stricto sensu e não a posse

precária … a posse na sua força jurísgena aspira ao direito, tende a converter-se em

direito. Daí que o ordenamento não somente a proteja, como a reconheça como um

caminho para a dominialidade, reconstituindo-se através dela a própria ordenação

definitiva. O que nela se homenageia é menos a posse em si do que o direito que a

mesma indicia, que é a prefiguração do direito a cujo título se possui. Donde a

exigência, em qualquer sistema possessório de uma posse em nome próprio, de uma

intenção de domínio – e uma intenção que não deixe dúvidas sobre a sua

autenticidade” (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 20-9-2005,

processo nº 05A1773, relator Fernandes Magalhães, in www.dgsi.pt/jstj). Acrescenta-

se no acórdão, ainda do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, de 30-9-2004, “A

situação jurídica de posse é, naturalmente, diversa da de mera detenção e a distinção

tem essencialmente a ver com o animus envolvente. Trata-se de situações em que uma

pessoa exerce um poder de facto sobre uma coisa sem a intenção de exercer o direito

real correspondente ou, noutra perspectiva, de pessoa que, com base em negócio

jurídico ou na lei, exerce poderes de facto sobre uma coisa no interesse de outrem, caso

em que não adquire a posse verdadeira e própria, ou seja, em nome próprio, sem

inversão do título da posse” (processo nº 04B2894, relator Salvador da Costa, in

www.dgsi.pt/jstj). 249

Carvalho, Introdução à Posse, 1989/1990, pág. 67.

Page 74: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

74

início da posse (art. 1208º do Código Civil e art. 1957º do CCI).250

É

como se o direito existisse desde o início da posse. Como se houvesse

coincidência inicial. Em contrapartida, morre o direito de propriedade

anterior.251

A usucapião aproveita a todos os que podem adquirir (art. 1209º,

nº 1, do Código Civil e arts. 538º do CCI).252

Assim, os incapazes

podem adquirir por usucapião, tanto por si como por intermédio das

pessoas que legalmente os representam (art. 1209º, nº 2, do Código Civil

e arts. 539º do CCI).253

Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para

si, por usucapião, o direito possuído, exceto achando-se invertido o

título da posse; mas, neste caso, o tempo necessário para a usucapião só

começa a correr desde a inversão do título, conforme referido supra (art.

1210º do Código Civil e art. 1959º do CCI).254

Vejam-se ainda os arts.

1173º, 1183º, al. d), e 1185º do Código Civil e o arts. 535º, 536º e 556º

do CCI.

A usucapião por um compossuidor relativamente ao objeto da

posse comum aproveita igualmente aos demais compossuidores (art.

1211º do Código Civil).

São aplicáveis à usucapião, com as necessárias adaptações, as

disposições relativas à suspensão e interrupção da prescrição, bem como

o preceituado nos artigos 291º (nulidade dos negócios que modifiquem o

250

Art. 1288º do Código Civil Português de 1966. 251

Carvalho, Teoria Geral do Direito Civil, 1981, pág. 154 (“Quando falamos de

decadência do direito como forma de extinção objectiva referimo-nos aos casos em

que um direito morre por formação de um direito incompatível, que prevalece sobre

ele. É o que se passa na usucapião”). 252

Art. 1289º do Código Civil Português de 1966 e art. 510º do Código Civil

Português de 1867. 253

Porém, só podem adquirir por si os bens susceptíveis de aquisição por ocupação,

isto é, bens móveis. “Em vista da letra do Codigo póde sustentar-se que para adquirir a

posse são competentes até os menores, comtanto que tenha uso de rasão, ao passo que

para adquiri a propriedade pela prescripção são incompetentes os menores, ainda que

tenham uso de rasão” (Ferreira, Codigo Civil Portuguez Anotado, vol. II, 1870, pág.

15), mas podem adquirir por intermédios dos seus representantes legais (art. 507º do

Código Civil Português de 1867 e art. 1289º, nº 2, do Código Civil Português de 1966). 254

Art. 1290º do Código Civil Português de 1966 e art. 480º do Código Civil

Português de 1867.

Page 75: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

75

prazo de usucapião), 293º (possibilidade de renúncia à usucapião apenas

depois de decorrido o respetivo prazo), 294º (necessidade de invocação

da usucapião pelo beneficiário) e 296º (possibilidade de invocação da

usucapião por terceiros) todos do Código Civil (art. 1212º do Código

Civil e art. 1946º do CCI). Como já se referiu, estamos no âmbito da

prescrição aquisitiva, que não deixa de ser um caso de prescrição.

8.2 Usucapião de imóveis

Não podem adquirir-se por usucapião: a) As servidões prediais

não aparentes; b) Os direitos de uso e de habitação (art. 1213º do Código

Civil e arts. 552º e 556º do CCI).255

Conforme se viu supra, a posse para

poder conduzir à aquisição do direito por usucapião tem de ser pública e

pacífica, pelo que as servidões não aparentes estão excluídas, uma vez

que não são públicas, não são conhecidas das pessoas. Desconhecendo-

se o exercício dos atos materiais de posse não se pode atribuir relevância

jurídica aos mesmos.256

255

Não existe disposição expressa de proibição da aquisição por usucapião do direito

de uso e ocupação, mas ela parece resultar evidente do regime previsto nos seus arts.

818º a 829º, em especial do art. 827º. Para Alfredo Moraes de Almeida também o

aforamento não era suscetível de aquisição por usucapião no âmbito do Código Civil

Português de 1867, em virtude de a mesma não estar incluída nas formas de

constituição previstas no art. 1655º (Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito

Civil Portuguez, 1898, pág. 64). Já o Código Civil Português de 1966 prevê a

usucapião como forma de constituição do aforamento no seu artigo 1497º. 256

Veja-se igualmente o art. 1438º, nº 1, do Código Civil e o art. 699º do CCI. Art.

678º do CCI (“Pengabdian pekarangan tampak atau tidak tampak. Pengabdian

pekarangan tampak adalah yang ada tanda-tanda lahiriahnya, seperti pintu, jendela,

pipa air dan lain-lain semacam itu. Pengabdian pekarangan tidak tampak adalah yang

tidak ada tanda-tanda lahiriah mengenai adanya, seperti larangan membangun di atas

pekarangan, membangun lebih tinggi dari ketinggian tertentu, hak menggembalakan

ternak dan lain-lainnya yang memerlukan suatu perbuatan manusiana”, versão em

inglês: “Visible servitudes are those that are physically apparent such as a door, a

window, a water pipe and other such similar objects. Invisible servitudes are those

whose existence is imperceptible, such as the prohibition against building on a plot of

land, or against building above a certain height, the right to graze cattle and other

matters that require human involvement”). Art. 1438º, nº 2, do Código Civil,

“Consideram-se não aparentes as servidões que não se revelam por sinais visíveis e

permanentes”.

Page 76: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

76

Quanto ao direito de uso e habitação esta impossibilidade está

relacionada com a sua natureza. O direito de habitação tem a natureza de

afetação de satisfação de necessidades pessoais. O direito de habitação

abrange o usus e o fructus, mas apenas na medida das necessidades

pessoais do seu titular e da sua família. Este direito tem de se entender

somente como abrangendo o morador usuário, tem de se pautar pelas

suas necessidades pessoais, contrariamente ao usufruto em que a fruição

e o uso são ilimitados.257

A usucapião, como qualquer outra situação de prescrição, não é

de conhecimento oficioso, pelo que tem necessariamente que ser

invocada pela pessoa a quem aproveita (art. 294º do Código Civil,258

aqui aplicável por remissão do art. 1212º, e art. 1950º do CCI).259

A questão que se coloca neste caso é a de saber se o direito de

propriedade, adquirido por usucapião, pode ser invocado por quem já

não é possuidor, mas foi possuidor do imóvel durante o prazo necessário

para a sua verificação, tendo entretanto sido esbulhado pelo possuidor

atual.

Afigura-se que não, salvo o caso do esbulho violento. Isto resulta

expressamente dos arts. 1955º e 1978º do CCI,260

mas também do art.

257

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 420. 258

O tribunal não pode suprir, de ofício, a prescrição; esta necessita, para ser eficaz, de

ser invocada, judicial ou extrajudicialmente, por aquele a quem aproveita, pelo seu

representante ou, tratando-se de incapaz, pelo Ministério Público. 259

“Hakim, karena jabatannya, tidak boleh menggunakan kedaluwarsa”, na versão em

inglês: “The judge may not, officially, apply the means of prescription”. 260

“Untuk memperoleh hak milik atas sesuatu dengan upaya kedaluwarsa, seseorang

harus bertindak sebagai pemilik sesuatu itu dengan menguasainya secara terus-

menerus dan tidak terputus-putus, secara terbuka di hadapan umum, dan secara tegas”,

na versão em inglês: “To acquire ownership of property by means of prescription, an

individual must have continuous, uninterrupted, open and unequivocal possession”

(art. 1955º) e “Kedaluwarsa dicegah bila pemanfaatan barang itu dirampas selama

lebih dari satu tahun dari tangan orang yang menguasainya, baik oleh pemiliknya

semula maupun oleh pihak ketiga”, em inglês:“Prescription shall be precluded if the

owner, within a period of more than one year, has been denied the enjoyment of a

matter, either by the previous owner, or by a third party” (art. 1978º). Lembre-se que a

posse se perde através da posse de outrem por período superior a um ano (art. 545º, nº

1, do CCI).

Page 77: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

77

1207º do Código Civil. Conforme é acentuado por José de Oliveira

Ascensão, a posse prescricional é necessariamente uma posse efetiva, o

que pressupõe um exercício atual do poder de facto sobre a coisa.261

Porém, para o mesmo autor, o possuidor causal262

poderá invocar

a usucapião como forma de aquisição originária, se não tiver título

bastante ou tiver perdido este.263

Conforme acentua Rui Pinto, “não se

perceberia que o possuidor formal ganhasse com a invocação da

usucapião e o possuidor causal, legítimo, não a pudesse invocar, ficando

cingido ao título”.264

A invocação da usucapião tanto pode ocorrer judicial como

extrajudicialmente.265

O que quer dizer que o possuidor que pretenda

invocar a usucapião não tem que intentar ação judicial para esse efeito,

mas terá que a invocar, nomeadamente perante o atual possuidor, no

caso de ter sido esbulhado.266

A invocação extrajudicial da usucapião

pode ser feita de qualquer forma,267

embora assuma particular relevância

a escritura pública.268

Para o Código Civil, se a posse tiver sido constituída com

violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a

contar-se desde que cesse a violência ou a posse se torne pública (art.

1217º do Código Civil)269

. O que significa que o possuidor esbulhado

ainda pode invocar a usucapião (judicial ou extrajudicialmente) até um

ano após ter cessado a violência, ainda que não exerça poder de facto

261

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 297-298. Não tem, no entanto, que ser

exercida pessoalmente pelo possuidor, podendo sê-lo por interposta pessoa. 262

A pessoa que tem um título de propriedade mas não a posse. 263

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 94-95 e 104. 264

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 547. 265

Judicialmente pode ser invocada, por exemplo, em acção de reivindicação, ou em

defesa por excepção na acção contra si intentada. 266

Art. 294º do Código Civil e art. 1950º do CCI. 267

Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág. 295. 268

A este propósito veja-se a escritura de justificação notarial, prevista nos arts. 72º-A

e 73º-A do Regime Jurídico do Notariado, aprovado pelo Decreto-Lei nº 3/2004, de 4

de Fevereiro, introduzidos pelo Decreto-Lei nº 24/2009, de 26 de Agosto. 269

No caso de posse oculta, ela só assume relevância jurídica depois de se tornar

pública. Quanto à posse violenta, ela não perde a sua característica de “posse violenta”,

mesmo cessando a violência, mas pode a mesma conduzir à verificação da prescrição

aquisitiva (ou usucapião), desde que decorra o prazo da posse de má fé a contar da data

da cessação da violência.

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78

sobre o imóvel.270

No âmbito do CCI, porém, no caso de o possuidor ter sido

esbulhado com violência a sua posse mantém-se sem limite de prazo (ou

seja o primitivo possuidor nunca perde a posse, embora perca o domínio

sobre a coisa), ainda que cesse a violência, pelo que pode a todo o tempo

invocar a prescrição, enquanto se mantiver a posse do esbulhador com

violência.271

A prescrição pode ser invocada judicialmente mesmo em sede de

recurso (art. 1951º do CCI). Importa, porém, ter presente que a citação

do réu possuidor para ação de reivindicação da propriedade do imóvel

que ele possui interrompe o prazo prescricional (art. 314º, nº 1, do

Código Civil e art. 1980º do CCI).

8.3 Prazos de usucapião

1. Código Civil Português de 1867

A matéria encontrava-se regulada nos arts. 526º a 529º nos

seguintes termos:

No caso de registo da mera posse o prazo era de cinco anos (art.

526º, § 1º). A mera posse só podia ser registada se existisse sentença,

transitada em julgado, que declarasse que o autor possuía o imóvel de

forma pública pacífica e contínua há mais de cinco anos (art. 524º do

Código Civil Português de 1867). Só depois do trânsito da sentença se

poderia proceder ao registo da mera posse, mediante certidão da mesma,

ocorrendo a prescrição (ou usucapião) decorrido o prazo de cinco anos,

agora sobre a data do registo. O que na prática resulta que o prazo seria

sempre superior a dez anos a contar da data do início da posse.

Havendo registo do título de aquisição, o prazo de usucapião era

de dez anos, igualmente a contar da data do registo (art. 526º, § 2º).

Importa aqui lembrar que apenas a posse titulada era considerada de boa

fé para o Código Civil Português de 1867. Pressupondo igualmente que

o título fosse formalmente válido, ou, não o sendo, desconhecendo o

possuidor os vícios do mesmo (art. 476º). Existindo título o mais natural

270

Conforme o art. 1187º, nº 1, al. d), do Código Civil. 271

Arts. 568º e 536º do CCI.

Page 79: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

79

seria que se procedesse ao registo do mesmo.

No caso de a sentença de mera posse ou do título de aquisição

sofrerem de qualquer vício, nomeadamente que os tornasse nulos ou

anuláveis (aqui se incluindo o vício de forma do título), mas mesmo

assim tivessem sido registados, então a prescrição positiva, ou

aquisitiva, ocorreria passados dez anos sobre os prazos referidos

anteriormente, mesmo que o possuidor conhecesse de tais vícios, ou

seja, ainda que se verificasse má fé do possuidor (art. 527º).272

Não existindo registo da posse ou do título, no caso da posse de

boa fé (que, lembre-se, pressupõe sempre a existência de um título), o

prazo de usucapião era de quinze anos (art. 528º).273

E no caso de má fé

o prazo era de trinta anos (art. 529º).274

2. Código Civil Português de 1966

Nos termos do Código Civil Português de 1966 a usucapião

ocorria do seguinte modo:

Havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião teria

lugar: a) Quando a posse, sendo de boa fé, tivesse durado por dez anos,

contados desde a data do registo; ou b) Quando a posse, ainda que de má

fé, tivesse durado quinze anos, contados da mesma data (art. 1294º).275

Se o possuidor dispusesse de título, ainda que substancialmente

inválido, por exemplo por o vendedor não ser o proprietário do imóvel,

a aquisição do direito por usucapião poderia ocorrer decorridos dez anos

sobre a data do registo, se o possuidor ignorava que lesava o direito de

272

Este preceito relembra ainda a necessidade da inversão do título da posse para que o

detentor do imóvel em nome de outrem possa invocar a posse, a qual só se inicial com

tal inversão. 273

Trata-se aqui do caso de o possuidor ter um título e não proceder ao registo do

mesmo. Repare-se que o prazo é aqui inferior ao que resulta da posse com registo do

título mas com má fé do possuidor (que seria de pelo menos vinte anos, nos termos dos

arts. 526º e 527º). 274

Está aqui incluída a situação de posse sem qualquer título, independentemente de o

possuidor conhecer ou não que viola o direito de outrem. O que distingue a posse de

boa fé da de má fé é a existência ou inexistência do título. 275

Lembre-se que o título tem que ser formalmente válido, embora possa ser

substancialmente inválido (art. 1259º).

Page 80: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

80

outrem (art. 1260º, nº 1), nomeadamente por ignorar a invalidade

substancial do título, ou decorridos quinze anos ainda que conhecesse

que lesava o direito de outrem. A publicidade resultante do registo

justifica esta especial proteção da posse titulada.

Se não existisse título, podia ainda ocorrer registo da mera posse

nos termos referidos supra.276

Neste caso (registo de mera posse), a

usucapião podia dar-se decorridos cinco anos, contados desde a data do

registo, se fosse de boa fé277

(art. 1295º, nº 1, al. a)), ou decorridos dez

anos, a contar da mesma data, ainda que não fosse de boa fé278

(art.

1295º, nº 1, al. b)).

Não havendo registo, quer do título (ainda que este existisse),

quer da mera posse (ainda que existisse sentença declarando-a), a

usucapião só podia ocorrer decorridos quinze anos, se a posse fosse de

boa fé, ou vinte anos, se fosse de má fé (art. 1296º).

Se a posse tivesse sido constituída com violência ou tomada

ocultamente, os prazos da usucapião só começavam a contar-se desde

que cessasse a violência ou a posse se tornasse pública (art. 1297º).

3. Código Civil Indonésio (CCI)279

Ao abrigo deste regime, os prazos de prescrição ocorrem nos

276

Mais uma vez o registo da mera posse tem de ser precedido de sentença passada em

julgado, na qual se reconheça que o possuidor tem possuído pacífica e publicamente

por tempo não inferior a cinco anos (art. 1295º, nº 2, do Código Civil Português de

1966). 277

Com ignorância de lesar o direito de outrem. 278

Ainda que com conhecimento de lesar o direito de outrem. 279

Embora se utilize esta expressão por ser comum entre os juristas nacionais e por

facilidade de compreensão do objecto, importa não esquecer que o CCI, na versão que

vigorava a 25 de Outubro de 1999, constitui legislação nacional, por ter sido recebida

internamente pela Constituição e pela lei ordinária nos termos referidos no Título I,

Capítulo II, al. f), nota 13. Pelo que verdadeiramente falamos do Código Civil

Timorense (nem faz sentido referir que a legislação aplicada em território nacional é

estrangeira, embora tal possa ocorrer segundo as normas de direito internacional

privado). Assim, falamos de legislação timorense que como tal deve ser considerada e

respeitada e que não coincide necessariamente com a legislação vigente no território da

indonésia, uma vez que as alterações ocorridas após a aludida data de 25 de Outubro de

1999 na legislação indonésia não se aplicam em Timor-Leste.

Page 81: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

81

seguintes termos: a) decorridos vinte anos para o possuidor e boa fé que

tenha um título legítimo de aquisição; ou b) decorridos trinta anos para

os restantes possuidores de boa fé (art. 1963º do CCI). Também será de

trinta anos o prazo de prescrição para a posse titulada, no caso de o

título ser formalmente inválido (art. 1964º do CCI).

Como já se referiu, presume-se a existência de boa fé na posse

(art. 1965º do CCI), sendo ainda suficiente que a boa fé exista aquando

da aquisição da posse (art. 1966º do CCI), pelo que pode haver má fé

posterior (no sentido de se vir a tomar conhecimento da violação do

direito de outrem) sem que seja afetado o direito de prescrição.

O CCI não prevê a hipótese de registo da mera posse.280

Mas,

como é óbvio, pode haver registo do título que confere a posse. Como já

se referiu, sendo o título formalmente válido, em princípio nada obstará

a que se proceda ao registo do mesmo, salvo se ocorrer violação do trato

sucessivo do registo.281

O CCI, porém, não dá qualquer tipo de

privilégio ao registo desta posse titulada, mantendo-se o prazo de vinte

anos, independentemente do registo.

No CCI o possuidor de má fé não pode adquirir por usucapião

(art. 549º do CCI).282

Por maioria de razão, não se permite a aquisição

do direito no caso da posse constituída com violência, ainda que a

mesma violência venha a cessar (arts. 536º e 568º do CCI).

4. O Código Civil de Timor-Leste

O regime é em tudo semelhante ao que vigorava no âmbito do

Código Civil Português de 1966.

Assim, havendo título de aquisição e registo deste, a usucapião

tem lugar:

a) Quando a posse, sendo de boa fé, tiver durado por dez anos,

contados desde a data do registo;

280

Ou seja, para efeitos de determinar se a posse é titulada não exige o CCI o registo,

embora o exija, como se viu, para a transmissão válida do direito de propriedade. 281

Por exemplo a pessoa que consta como vendedora na escritura pública de compra e

venda não ser a que consta como titular do direito de propriedade no registo. 282

A boa fé traduz-se na ignorância de violar direito de outra pessoa (art. 531º do

CCI).

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82

b) Quando a posse, ainda que de má fé, houver durado quinze

anos, contados da mesma data (art. 1214º do Código Civil).283

O título, relembra-se, tem que ser formalmente válido (ou seja,

no caso dos imóveis, tem de se tratar de uma escritura pública), embora

possa ser substancialmente inválido (art. 1181º do Código Civil).

Não havendo registo do título de aquisição, mas registo da mera

posse, a usucapião tem lugar:

a) Se a posse tiver continuado por cinco anos, contados desde a

data do registo, e for de boa fé;

b) Se a posse tiver continuado por dez anos, a contar da mesma

data, ainda que não seja de boa fé (art. 1215º, nº 1, do Código Civil).

Conforme se referiu já nos outros casos em que se previa o

registo da mera posse, este registo só pode ocorrer em vista de sentença

passada em julgado, na qual se reconheça que o possuidor tem posse

pacífica e publica por tempo não inferior a cinco anos (art. 1215º, nº 2,

do Código Civil).284

Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só

pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte

anos, se for de má fé (art. 1216º do Código Civil).

Se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada

ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde que

cesse a violência ou a posse se torne pública (art. 1217º do Código

Civil).

8.4 Acessão na posse

A acessão, bem como a sucessão na posse podem ser

determinantes na verificação do prazo da prescrição aquisitiva, ou

usucapião. Esta situação já foi analisada supra, no Título II, Capítulo II,

c), para onde se remete.

283

Também aqui a boa fé se traduz na ignorância de violar direito de outra pessoa (art.

1182º, nº 1). 284

Valem aqui as considerações tecidas anteriormente sobre a matéria.

Page 83: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

83

8.5 Contagem dos prazos no caso de sucessão de leis

Esta matéria é de particular relevância, uma vez que os cidadãos

nacionais timorenses estão sujeitos a quatro regimes jurídicos distintos

durante um período inferior a meio século.

Sobre este assunto estabelece o art. 288º, nº 1, do Código Civil,

que a lei que estabelecer, para qualquer efeito, um prazo mais curto do

que o fixado na lei anterior é também aplicável aos prazos que já

estiverem em curso, mas o prazo só se conta a partir da entrada em vigor

da nova lei, a não ser que, segundo a lei antiga, falte menos tempo para

o prazo se completar.

Mais estabelece o nº 2 do mesmo artigo que a lei que fixar um

prazo mais longo é igualmente aplicável aos prazos que já estejam em

curso, mas computar-se-á neles todo o tempo decorrido desde o seu

momento inicial.285

A prescrição é sempre um instituto de direito substantivo, não

podendo ter aplicação uma norma que fixa prazo de prescrição mais

reduzido aos casos que antecedem a sua entrada em vigor (art. 11º do

Código Civil). Ou seja, a parte não pode ser surpreendida por uma

norma nova que venha reduzir o prazo de prescrição, e que dessa forma

o impeça definitivamente de vir a exercer o seu direito.

Importa aqui analisar a questão controversa do regime aplicável

em Timor-Leste na sequência da invasão indonésia.

Por acórdão do Tribunal de Recurso de 15-7-2003286

, fixou-se

a doutrina que “juridicamente a administração indonésia, bem como

a legislação indonésia, nunca vigoraram validamente no território de

Timor-Leste”, assim se concluindo que a legislação que sempre

vigorara em Timor-Leste era a legislação portuguesa (“A legislação

vigente em Timor-Leste antes de 25 de Outubro de 1999 só podia ser

aquela que, de acordo com os princípios do direito internacional,

estava legitimamente em vigor nesse território”). A decisão teve voto

285

O Código Civil Português de 1966 continha regime idêntico no seu art. 297º. Já o

CCI não contém disposição semelhante, embora se entenda que devem aqui valer os

mesmos princípios. 286

Processo 18/2003/TR, relator Cláudio Ximenes.

Page 84: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

84

de vencido da juíza Jacinta Correia da Costa, a qual entendia que a

legislação indonésia passara a vigorar no território de Timor-Leste

após a invasão do território pela República da Indonésia.

Aquela posição foi exaustivamente reafirmada pelo Tribunal

de Recurso nos acórdãos que se seguiram, sempre com voto de

vencido da juíza Jacinta Correia da Costa,287

até à publicação da Lei

nº 10/2003, de 10 de Dezembro, sobre a interpretação do art. 1º da Lei

nº 2/2002, de 7 de Agosto. Com esta interpretação legal terminou a

querela jurisprudencial ficando definitivamente assente que a legislação

a considerar como legislação aplicável no território de Timor-Leste era a

legislação indonésia. Alude o referido art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10

de Dezembro, a toda a legislação indonésia que era aplicada e vigorava

de facto em Timor-Leste, antes do dia 25 de Outubro de 1999.

Como é sabido a Indonésia invadiu Timor-Leste em 7 de

Dezembro de 1975. Em 17 de Dezembro de 1975, as autoridades

indonésias constituíram um governo provisório de Timor-Leste. Porém,

só em 17 de Julho de 1976 foi emitida a declaração do Presidente de

República da Indonésia que integrou o território de Timor-Leste na

República da Indonésia.

287

A título meramente exemplificativo acórdão de 18-7-2003 (processo 2/2002, relator

Cláudio Ximenes), acórdão de 18-7-2003 (processo 10/2003, relator José Maria

Calvário Antunes), acórdão de 18-7-2003 (processo 13/2002, relator Cláudio

Ximenes), acórdão de 23-7-2003 (processo 12/2003, relator José Maria Calvário

Antunes), acórdão de 23-7-2003 (processo 11/2002, relator Cláudio Ximenes), acórdão

de 12-8-2003 (processo 30/2001, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 12-8-2003

(processo 11/2001, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 11-9-2003 (processo 1-

A/2002, relator Cláudio Ximenes), acórdão de 2-10-2003 (processo 2/2003, relator

José Maria Calvário Antunes), acórdão de 10-10-2003 (processo 20/2001, relator José

Maria Calvário Antunes), acórdão de 16-10-2003 (processo 31/2001, relator José

Maria Calvário Antunes), acórdão de 11-11-2003 (processo 10/2002, relator José

Maria Calvário Antunes), acórdão de 17-11-2003 (processo 54/2003, relator José

Maria Calvário Antunes), acórdão de 17-11-2003 (processo 8/2003, relator José Maria

Calvário Antunes), acórdão de 18-11-2003 (processo 30/2003, relator José Maria

Calvário Antunes), acórdão de 18-11-2003 (processo 8/2002, relator José Maria

Calvário Antunes), acórdão de 21-11-2003 (processo 17/2002, relator Cláudio

Ximenes), acórdão de 18-11-2003 (processo 30/2003, relator José Maria Calvário

Antunes) e acórdão de 10-12-2003 (processo 45/2003, relator José Maria Calvário

Antunes).

Page 85: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

85

A primeira questão que se coloca consiste em saber se a

legislação indonésia é apenas considerada como legislação timorense

após a data de 25 de Outubro de 1999, ou se a mesma deve ser

considerada como legislação igualmente aplicável no território antes de

tal data, e portanto relevante para apreciação das questões jurídicas

relativas ao período que a antecede.

Afigura-se evidente que a intenção do legislador foi

precisamente conferir relevância à legislação indonésia, validando a

aplicação da mesma durante o período da ocupação. Neste sentido

pronunciou-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 1 de Junho de

2012,288

no qual se esclareceu serem de particular relevância razões de

segurança jurídica. Importa não esquecer que inúmeros actos jurídicos

foram praticados ao abrigo da legislação indonésia, cuja validade

poderia passar a ser questionada se prevalecesse o entendimento

maioritário deste Tribunal de Recurso.

A segunda questão consiste em saber a partir de que data se deve

considerar a vigência da legislação indonésia no território de Timor-

Leste. Nos termos do art. 1º, nº 2, da Constituição, o dia 28 de

Novembro de 1975 é o dia da Proclamação da Independência da

República Democrática de Timor-Leste, o que significa que o regime

jurídico aplicável no território nacional será aquele que o legislador

nacional definir. Não por virtude da ocupação ilegal do território pela

República da Indonésia, mas sim por decisão soberana do Estado

timorense. Conforme decidido no aludido acórdão, o que o art. 165º da

Constituição e o art. 1º da Lei nº 2/2002, de 7 de Agosto, na

interpretação dada pela Lei nº 10/2003, de 10 de Dezembro, fizeram

foi … determinar qual é a legislação nacional, que deve considerar-

se vigorar no território nacional desde a data da proclamação da

independência, a que se seguiu imediatamente as ocupação de facto

pelas forças indonésias. E essa opção recaiu sobre a legislação que

vigorava no território da República da Indonésia até 25 de Outubro de

1999.

Ainda que não se sufrague este entendimento, a referência à

288

Processo nº 05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.

Page 86: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

86

vigência de facto feita no referido art. 1º da Lei nº 10/2003, de 10 de

Dezembro, sempre levará à conclusão que se tem por vigente o

regime jurídico indonésio no território de Timor-Leste, pelo menos

desde a data da constituição do governo provisório de Timor-Leste em

17 de Dezembro de 1975.

Concluiu, assim, o referido acórdão que é legislação timorense a

legislação indonésia (ou melhor dizendo de origem indonésia), com as

diversas alterações produzidas até 25 de Outubro de 1999 (o que, como

já se referiu, se entende por ser esse o regime que regulou as relações

jurídicas do território nacional até tal data), permanecendo este regime

em vigor após 25 de Outubro de 1999, mas na versão vigente a tal data.

A legislação identificada nas disposições referidas não é legislação

indonésia (actualmente a legislação indonésia será diferente da que

existia naquele país em 25 de Outubro de 1999), mas sim legislação

timorense, através da sua recepção por órgão de soberania nacional.

8.6 Alguns casos de eventual aquisição do direito de

propriedade por usucapião

1. Posse de boa fé (necessariamente titulada)289

, iniciada antes de

1 de Janeiro de 1968:

Havendo registo do título de aquisição, o prazo de usucapião é

de dez anos, a contar da data do registo (art. 526º, § 2º, do Código Civil

Português de 1867).

Este prazo (de dez anos) foi mantido pelo Código Civil

Português de 1966, a partir de 1-1-1968 (art. 1294º do Código Civil

Português de 1966), pelo que nenhuma alteração se verificaria com a

sucessão de leis. O prazo seria sempre de dez anos a contar da data do

registo do título.290

A questão complica-se no caso de à data da entrada em vigor do

CCI o prazo prescricional ainda não ter decorrido. O que acontece se o

título de posse tiver sido registado entre 17-12-1965 e 31-12-1967. Uma

289

Art. 476º do Código Civil Português de 1987. 290

Sendo o prazo idêntico tudo se passa como se não houvesse alteração. O art. 297º

do Código Civil Português de 1966 apenas regula os casos em que o prazo passa a ser

diferente, precisamente porque mantendo-se nada se altera em termos do seu cômputo.

Page 87: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

87

vez que o regime jurídico indonésio se iniciou, conforme visto, em 17-

12-1975, não teria decorrido o aludido prazo de dez anos previsto, quer

no Código Civil Português de 1966, quer no Código anterior a este (o

Código Civil Português de 1867).

Neste caso, o prazo a considerar passaria a ser de vinte anos,

conforme previsto no CCI, no seu art. 1963º, embora se contasse desde a

data da posse titulada e não desde o registo do título, uma vez que por

este novo regime o registo deixou de ter relevância para a determinação

do prazo de prescrição aquisitiva.

2. Posse de má fé (ou seja, não titulada)291

, iniciada antes de 1 de

Janeiro de 1968:

Neste caso o prazo de posse para efeitos de usucapião era de

trinta anos.

No entanto, com a entrada em vigor do Código Civil Português

de 1966, em 1 de Janeiro de 1968, aquela posse de má fé poderia passar

a ser considerada de boa fé, uma vez que, ainda que o possuidor não

tivesse o título que o Código anterior exigia para que se considerasse a

posse de boa fé, agora, ao abrigo do novo regime, bastaria que o

possuidor ignorasse, aquando da aquisição da posse, que lesava o direito

de outra pessoa (art. 1260º, nº 1, do Código Civil Português de 1966).

Assim, o prazo de usucapião para esta posse de boa fé passaria a ser de

apenas quinze anos (art. 1296º).

Porém, o novo prazo para a posse de boa fé (qualificação que

nasceu com a entrada em vigor do novo Código) terá que se contar

somente a partir de 1-1-1968.292

E, uma vez que o Código Civil

Português de 1966 apenas esteve em vigor em Timor-Leste por escassos

oito anos (de 1-1-1968 a 17-12-1975), a usucapião nunca se teria

verificado durante tal período, por ser período temporal inferior a quinze

291

Art. 476º do Código Civil Português de 1987. A posse titulada também era

considerada de má fé se o possuidor conhecesse os vícios substanciais do título, como

por exemplo se conhecesse que quem lhe transmitira o imóvel não era o seu

proprietário (embora aqui, e no caso de haver registo do título, o prazo fosse inferior,

conforme referido supra em c). 292

Sobre o assunto veja-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 3-3-2011, processo nº

07/Cível/2005/TR, relator Rui Penha.

Page 88: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

88

anos.

Posteriormente, com entrada em vigor do novo regime do CCI, o

prazo de posse para a verificação da prescrição aquisitiva passou a ser

novamente de trinta anos (art. 1963º do CCI). Assim, na hipótese de se

ter conservado a posse, e considerando que o prazo de usucapião

começou a contar somente em 1 de Janeiro de 1968, com a entrada em

vigor do Código Civil Português de 1966, só nessa altura a posse passou

a ser tida como de boa fé, pelo que a usucapião apenas poderia verificar-

se em 2-1-1998.293

Daqui resulta que, se o possuidor tiver posse não titulada e

souber que a sua posse viola o direito de outra pessoa, então a posse será

sempre considerada de má fé, pelo que o prazo terá que se verificar

sempre antes da entrada em vigor do CCI, uma vez que o CCI não

reconhece a posse de má fé para efeitos de prescrição aquisitiva, ou

usucapião.

A curta vigência do Código Civil Português de 1966 não

permitiu a aplicação do prazo ali previsto (o prazo era de vinte anos, nos

termos do art. 1296º, no entanto o Código vigorou apenas por nove anos

e meio).294

Então o prazo para que se pudesse considerar verificada a

usucapião teria que terminar antes da entrada em vigor do CCI,

contando-se desde a data do início da posse. Efetivamente, com a

entrada em vigor do CCI deixou de se poder considerar a posse de má fé

para efeitos de aquisição do direito.

3. Posse de boa fé295

no âmbito do Código Civil Português de

1966, entre 1 de Janeiro de 1968 e o início da vigência do regime

jurídico indonésio a 17 de Dezembro de 1975:

Dado o escasso período de vigência do Código, como se viu,

nunca se poderia verificar o decurso do prazo nele previsto necessário

293

Lembre-se que pelo CCI a posse de má fé não permitiria a verificação da usucapião. 294

Importa recordar que o novo prazo, por ser inferior, só se iniciaria com a entrada em

vigor do Código (art. 297º, nº 1, do Código Civil Português de 1966). 295

Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1260º, nº 1, do Código Civil

Português de 1966).

Page 89: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

89

para que pudesse ocorrer a usucapião de um bem imóvel.296

Ou seja,

com a posterior entrada em vigor do CCI, o prazo a considerar será

sempre o previsto neste Código, isto é, trinta anos a contar do início da

posse. Como já se viu,297

o prazo mais curto do Código Civil Português

de 1966 só se inicia com a entrada em vigor do Código,298

e este vigou

por tempo inferior ao prazo necessário para ocorrência da usucapião,

pelo que neste caso o prazo novo do CCI aplica-se, contando-se a partir

do início da posse.

4. Posse de má fé299

no âmbito do Código Civil Português de

1966, iniciada entre 1 de Janeiro de 1968 e a integração do território na

Indonésia em 17 de Dezembro de 1975:

No âmbito do Código Civil Português de 1966 o possuidor de

má fé poderia adquirir o direito por usucapião, desde que decorridos

vinte anos a contar do início da posse (art. 1296º). No entanto, com a

entrada em vigor do CCI, a usucapião deixou de ser reconhecida

relativamente à posse de má fé. Como aquele prazo de vinte anos é mais

longo que o período de vigência do Código Civil Português de 1966, a

usucapião nunca poderia ter ocorrido.

5. Posse de boa fé,300

no âmbito do CCI,301

ou seja, iniciada após

17 de Dezembro de 1975:

Nenhuma complexidade se verifica neste caso.302

Se a posse for

296

A menos que se tratasse de uma mera posse registada (art. 1295º, nº 1, al. a), do

Código Civil Português de 1966). 297

Capítulo 8.5. 298

1 de Janeiro de 1968. 299

Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1260º, nº 1, do Código Civil

Português de 1966). 300

Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 531º do CCI). 301

Como já se referiu, o CCI não admite a possibilidade de aquisição do direito de

propriedade por prescrição aquisitiva no caso de posse de má fé, pelo que tal hipótese

não será considerada. 302

Relembra-se que só a posse de boa fé (e nunca a de má fé) é susceptível de conduzir

à aquisição do direito por prescrição aquisitiva.

Page 90: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

90

titulada303

o prazo será de vinte anos, a contar do seu início, e se não for

titulada será de trinta anos.

6. Posse de boa fé304

iniciada durante a vigência do CCI, mas

cujo termo se verifica após a entrada em vigor do Código Civil para

Timor-Leste.

Para a hipótese mais comum de ausência de título e de registo, o

Código Civil prevê um prazo de prescrição de quinze anos, para que se

possa invocar a usucapião (art. 1216º). Como se viu, no âmbito do CCI

tal prazo é de trinta anos (art. 1963º).

Assim, por aplicação da regra do art. 288º, nº 1, ainda do Código

Civil, devem contar-se dois prazos: um prazo de trinta anos a contar do

início da posse (prazo do CCI) e um prazo de quinze anos a contar da

data de entrada em vigor do Código Civil. A prescrição aquisitiva, ou

usucapião, ocorrerá na data em que primeiro terminar qualquer dos

aludidos prazos.

Por exemplo: supondo que o Código Civil, na parte relativa aos

imóveis, entra igualmente em vigor em 12-3-2012 e que a posse se

iniciou em 3-5-2000.

Teremos primeiro que considerar o prazo de trinta anos previsto

no art. 1973º do CCI, pelo que a prescrição ocorreria em 4-5-2030 (30

anos + 3-5-2000).

Seguidamente considera-se o novo prazo de quinze anos a contar

da entrada em vigor do Código Civil, pelo qual o termo do prazo se

verificará em 13-3-2027 (15 anos + 2012).305

A usucapião verificar-se-á na data mais próxima, ou recente, 12-

3-2027, aplicando-se assim o novo regime.

303

Mais uma vez, para ser titulada a posse tem que fundar-se num título formalmente

válido (art. 1964º do CCI). 304

Com ignorância de violar o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código Civil). 305

O novo prazo nunca terminará antes de decorridos os quinze anos sobre a data de

início da vigência do novo Código.

Page 91: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

91

7. Posse de má fé306

iniciada durante a vigência do CCI.

O Código Civil de Timor-Leste prevê a possibilidade de

aquisição do direito sobre o imóvel correspondente à posse, ainda que

esta seja de má fé (art. 1216º),307

sendo o prazo de vinte anos. Uma vez

que o CCI excluía tal possibilidade no seu regime para o possuidor de

má fé, o prazo só se inicia com a entrada em vigor do novo Código.

8. Aforamento:308

O alvará de aforamento concedido pela administração colonial

portuguesa tem sido invocado com frequência, junto dos tribunais

judiciais, como forma de aquisição do direito de propriedade.

Sobre este assunto pronunciou-se o Tribunal de Recurso no

acórdão de 23 de Setembro de 2010,309

concluindo que o alvará de

aforamento não constitui meio de aquisição do direito de propriedade

sobre o imóvel.

A questão que interessa apreciar, também analisada naquele

acórdão, consiste em saber da possibilidade de aquisição do direito de

propriedade mediante usucapião em consequência do alvará de

aforamento.

Conforme se afirma no referido acórdão, citando a sentença

ali em apreciação, “o aforamento, também designado por aprazamento

ou enfiteuse, consiste no desmembramento do direito de propriedade em

dois domínios, directo e útil, dando lugar ao pagamento de um foro pelo

titular do domínio útil ao senhorio, ou titular do domínio directo”.

Embora o aforamento se aproxime muito do direito de propriedade o

enfiteuta possui apenas o chamado domínio útil, com poder jurídico

306

Com consciência de se violar o direito de outrem (art. 1180º, nº 1, do Código Civil). 307

Admite-se mesmo a usucapião nos casos de posse adquirida por violência (art.

1217º), iniciando-se o prazo após o termo da violência (art. 1187º, nº 2, do Código

Civil). 308

O aforamento, também conhecido por emprazamento ou enfiteuse, será aqui

analisado apenas na perspectiva da sua relevância para efeitos de usucapião, deixando

o estudo, ainda que breve, do instituto para momento posterior. 309

Processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha. No mesmo sentido

pronunciou-se igualmente o já referido acórdão de 1 de Junho de 2012, processo nº

05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha.

Page 92: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

92

sobre coisa de outrem, podendo usufruir do bem de forma completa,

aliená-lo a título oneroso ou gratuito, transmitir o mesmo por sucessão

hereditária. No entanto, o senhorio mantém sempre o domínio direto,

pelo que não se pode considerar que o enfiteuta (ou foreiro) seja o

proprietário do imóvel.

Ainda assim, a aquisição do direito de propriedade por usucapião

pode ocorrer, mas apenas nas hipóteses em que tenha ocorrido inversão

do título.310

Ou seja, o foreiro deixa de se comportar como tal (como

mero foreiro) passando a agir como proprietário, fazendo-o por forma a

tornar tal intenção conhecida do senhorio, o titular do domínio direto.

O alvará de aforamento era concedido pela administração

colonial portuguesa e o domínio direto pertencia ao Estado Português,

pelo que transmitiu-se para o Estado Indonésio após a integração do

território nacional na República da Indonésia. Sendo assim, coloca-se a

questão de saber quando se poderia verificar a inversão do título da

posse.

Tirando alguma situação excecional a inversão só poderia ser

invocada com a derrocada da administração colonial, ocorrida na

sequência da invasão de Timor-Leste pelas forças indonésias a 7-12-

1975. Efetivamente, deixando de haver titular do domínio útil, poderia

considerar-se assim invertido o título da posse.

Porém, o regime jurídico indonésio não admitiu tal

possibilidade. Confrontado com a necessidade de resolver uma realidade

jurídica que não tinha consagração no seu próprio ordenamento

jurídico,311

o Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de

31 de Março de 1991, procedeu à conversão do direito de aforamento de

terreno urbano concedido pela administração colonial portuguesa em

direito de uso de estruturas (Hak Guna-Bangunan) por um período de

310

O titular do alvará de aforamento detém posse apenas sobre o domínio útil e não

sobre o domínio directo, pelo que é possuidor apenas daquele e não deste, não podendo

adquiri o direito de propriedade plena, a menos que tenha ocorrido inversão do título

de posse (veja-se o Título II, Capítulo I, supra). 311

Uma vez que o CCI não previa a figura do aforamento e o mesmo encontrava-se

excluído da Lei Agrária de 1960, no art. 3º, nº 2.

Page 93: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

93

vinte anos.312

Como se pode constatar, ainda que se pudesse aceitar a aludida

inversão do título de posse, a conversão do aforamento, com a

consequente extinção do mesmo, ocorreu antes de terminado o prazo de

prescrição aquisitiva previsto no art. 1963º do CCI. Assim, não se pode

considerar a aquisição do direito de propriedade sobre um imóvel, por

usucapião, na sequência de um alvará de aforamento concedido pela

administração colonial portuguesa, a menos que o possuidor demonstre

a inversão do título da posse acorrida com antecedência superior a trinta

anos sobre o referido Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de

1991.

9. Contrato-promessa de compra e venda:

Esta matéria tem particular interesse, uma vez que a celebração

do contrato-promessa de compra e venda de imóvel é frequentemente

utilizada como forma de contornar as dificuldades de realização da

escritura pública, por não haver notários oficiais em número suficiente e

com a necessária abrangência territorial, e dadas as dificuldades do

registo.

Contrato-promessa é o contrato mediante o qual as partes apenas

se obrigam a celebrar certo contrato (art. 345º, nº 1, do Código Civil).313

No contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel a única

obrigação dos contraentes consiste na celebração futura de um outro

contrato (de compra e venda de imóvel). É, pois, óbvia a conclusão de

que o contrato-promessa de compra e venda não tem a virtualidade de

transmitir o direito de propriedade para o promitente-comprador, uma

vez que apenas obriga o promitente vendedor a proceder futuramente a

tal transferência através do contrato prometido, a escritura pública de

312

O “direito de uso de estruturas” encontra-se regulado na secção V (arts. 35º a 40º)

da Lei de Bases Agrária (UNDANG-UNDANG POKOK AGRARIA – UUPA), aprovada

pela Lei nº 5 de 1960. 313

Este tipo contratual não se encontra especialmente regulado no CCI mas é

obviamente admissível com base no princípio da liberdade contratual, consagrado,

entre outros, nos arts. 1233º, 1234º e 1313º do CCI. Como se pode ver embora não

exista uma disposição específica relativamente à liberdade contratual, ela está bem

patente em toda a parte relativa às obrigações contratuais no CCI.

Page 94: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

94

compra e venda do aludido imóvel, sendo ainda seguro que nunca

poderia operar a transmissão do direito se não for observada a forma

exigida pela lei.314

A questão coloca-se relativamente à admissibilidade de

usucapião no caso, muito frequente, de se entregar o imóvel ao

promitente-comprador, que o passa a fruir, aquando da celebração do

contrato-promessa. Esta forma contratual, como já se referiu, tem sido

utilizada como meio de contornar a dificuldade de realização da compra

e venda de imóveis mediante o formalismo estabelecido na lei.

Nestes casos, uma vez que para o contrato-promessa de compra e

venda de imóveis o CCI não prevê qualquer forma especial,315

usa-se a

forma de contrato celebrado por escrito particular, nomeadamente com

intervenção de um ou mais advogados, que as partes têm o cuidado de

apelidar de contrato-promessa de compra e venda, para transmitir o

imóvel ao promitente-comprador, o qual paga na forma de sinal316

o

valor correspondente à totalidade do preço ao promitente-vendedor.

A discussão doutrinal levantada em redor desta questão começa

na determinação se o promitente-comprador é possuidor, ou se será

mero detentor. Usufruindo do imóvel na sequência de um contrato

promessa, deve considerar-se o promitente-comprador mero detentor,

uma vez que usufrui o imóvel por mera tolerância do promitente-

vendedor e não por que se considere já proprietário do mesmo, sabendo

o promitente-comprador que só com a celebração do contrato definitivo

(ou prometido) se tornará proprietário.317

314

Veja-se supra o Título I, Capítulo III, a propósito do registo. 315

O Código Civil prevê que, no caso de promessa de compra e venda de bens

imóveis, o contrato seja celebrado por escrito (art. 345º, nº 2), prevendo-se ainda um

formalismo mais apertado no caso da promessa de compra e venda de edifícios ou

fracção autónoma do mesmo (art. 345º, nº 3), formalismo ainda mais difícil de

concretizar em Timor-Leste que a celebração da própria escritura. 316

Designação que se dá ao valor que o promitente-comprador entrega ao promitente

vendedor como antecipação do preço, e que constitui garantia do cumprimento do

contrato (arts. 376º e 377º do Código Civil). 317

Neste sentido Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 2003, pág. 48, e Antunes

Varela, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 124º, Coimbra: Coimbra

Editora, 1991, pág. 347 (“os poderes que o promitente-comprador exerce de facto

sobre a coisa, sabendo que ela ainda não foi comprada, não são os correspondentes ao

Page 95: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

95

Porém, se na sequência do contrato-promessa se verifica a

entrega do imóvel acompanhada de um sinal equivalente à totalidade do

preço, existe um verdadeiro contrato de compra e venda do imóvel, que

apenas carece de futura formalização de acordo com as exigências

legais, tendo a doutrina vindo a aceitar que, nestes casos, o promitente-

comprador passa a exercer posse sobre o imóvel.318

Embora não se trate de posse titulada,319

será, em princípio,

posse de boa fé, podendo verificar-se a usucapião assim que decorrido o

decurso do respetivo prazo, conforme analisado supra. Acresce que, se o

promitente-vendedor era possuidor de boa fé, o contrato-promessa

poderá constituir igualmente meio para transmissão de tal posse, pelo

que o promitente-comprador poderá beneficiar do prazo da posse

daquele.320

10. Propriedade resolúvel:

Os contratos de venda de casas em propriedade resolúvel pelo

Estado (também conhecidos por renda resolúvel) encontravam-se

consagrados no art. 2º do Decreto-Lei nº 23 052, de 23 de Setembro de

1933,321

como forma de providenciar habitações económicas para as

pessoas economicamente mais desfavorecidas.322

Também no art. 2171º do Código Civil Português de 1867

(Código de Seabra) a propriedade resolúvel encontrava-se prevista como

a propriedade que, “conforme o título da sua constituição, está sujeita a

ser revogada, independentemente da vontade do proprietário”. No

Código Civil Português de 1966 esta é definida como propriedade sob

condição (art. 1307º, nº 1).323

O nº 3 do art. 1307º remetia o regime do

direito do proprietário-adquirente, mas os correspondentes ao direito de crédito do

promitente adquirente, perante o promitente-alienante ou transmitente”). 318

Vaz Serra, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 109º, Coimbra: Coimbra

Editora, 1976-1977, pág. 347, Antunes Varela, in Revista de Legislação e

Jurisprudência, ano 124º, Coimbra: Coimbra Editora, 1991, pág. 348, e Prata, O

Contrato-Promessa e o seu Regime Civil, 2006, pág. 832. 319

Art. 1964º do CCI e art. 1179º, nº 1, do Código Civil. 320

Arts. 543º e 1958º do CCI e arts. 1176º e 1208º do Código Civil. 321

Publicado no então Diário do Governo [de Portugal], I Série, nº 217. 322

O diploma tinha a epígrafe “Casas Económicas”. 323

Veja-se o art. 1227º, nº 1, do Código Civil.

Page 96: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

96

direito de propriedade resolúvel para os arts. 272º a 277º do mesmo

diploma, ou seja, para o regime das condições resolutivas.324

Daí que se

entenda que os contratos de renda resolúvel sejam celebrados sob

condição resolutiva.

A condição resolutiva consistia na falta de pagamento das

prestações por parte do adquirente. A atribuição das casas era feita nos

termos do art. 34º do Decreto-Lei nº 23:052, através de um contrato de

compra e venda de propriedade resolutiva, contra o pagamento de 240

prestações mensais, adquirindo o comprador a propriedade plena com o

pagamento da última prestação (art. 36º). Nos termos do art. 35º do

mesmo diploma, com a celebração do contrato o comprador adquiria a

posse do imóvel.

Assim, deve o titular do direito de propriedade resolúvel ser

considerado possuidor de boa fé, com posse titulada.325

8.7 Usucapião de móveis326

Os direitos reais sobre coisas móveis sujeitas a registo adquirem-

se por usucapião, nos termos seguintes (art. 1218º do Código Civil): a)

Havendo título de aquisição e registo deste, quando a posse tiver durado

dois anos, estando o possuidor de boa fé, ou quatro anos, se estiver de

má fé; 327

b) Não havendo registo, quando a posse tiver durado dez anos,

independentemente da boa fé do possuidor e da existência de título.

A usucapião de coisas não sujeitas a registo dá-se quando a

posse, de boa fé e fundada em justo título, tiver durado três anos, ou

quando independentemente da boa fé e de título tiver durado seis anos

324

Conforme o art. 1228º do Código Civil. 325

Arts. 476º do Código Civil Português de 1867 e 1259º, nº 1, e 1260º, nº 1, do

Código Civil Português de 1966 (veja-se supra Capítulo III, deste Título II). 326

Por manifestamente assumir menor relevância, faz-se apenas breve referência à

usucapião de bens móveis. Analisar-se-á apenas o regime do CCI, e o previsto no

Código Civil de Timor-Leste, uma vez que os prazos previstos não justificam a análise

dos diplomas que vigoraram anteriormente. 327

Será o caso da compra de um carro, com registo da aquisição, não pertencendo o

mesmo à pessoa que o vendeu. Não se conhecem casos de registo de outros móveis

(que não os veículos automóveis), sem prejuízo do registo dos títulos de valores

mobiliários.

Page 97: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

97

(art. 1219º do Código Civil). É aplicável à usucapião de móveis o

disposto no artigo 1217º, ou seja, nos casos de posse violenta ou oculta

os prazos só se iniciam com o termo da violência ou a publicidade da

posse (art. 1220º, nº 1, do Código Civil).

Quem exigir de uma pessoa a coisa móvel cuja posse lhe fora

retirada, tendo esta pessoa comprado a mesma coisa de boa fé a

comerciante que negocie coisas semelhantes ou do mesmo género é

obrigado a restituir o preço que o adquirente tiver dado por ela, mas

goza do direito de regresso contra aquele que culposamente deu causa

ao prejuízo (art. 1221º do Código Civil). Veja-se, no mesmo sentido, o

art. 582º do CCI. Assim, exemplificando, se alguém compra numa loja

de antiguidades uma estatueta, ignorando que o objeto adquirido

pertence a um terceiro e que tal objeto foi perdido, furtado ou vendido

ao comerciante por quem erroneamente julgava ter legitimidade para o

fazer, ainda nestes casos, corre o comprador do objeto o risco de este

mais tarde lhe ser exigido pelo verdadeiro proprietário.

A lei tenta, porém, temperar um pouco esta desproporção da boa

fé ao atribuir ao adquirente a possibilidade de exigir do reivindicante a

restituição do preço, concedendo a este um direito de regresso contra

quem é responsável pela colocação da coisa no comércio, contra a

vontade do seu proprietário. Portanto, a boa fé não constitui um

obstáculo ao exercício do direito de sequela, mesmo naquele caso

particular de a coisa móvel objeto da reivindicação ter sido adquirida a

comerciante.328

Relativamente ao CCI não estão previstos prazos especiais de

prescrição para a aquisição de móveis. Assim, são aqui aplicáveis os

mesmos prazos já referidos para a aquisição por prescrição aquisitiva

dos bens imóveis.

328

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 56 e 57.

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98

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99

III – DIREITO DE PROPRIEDADE

1. Definição

O proprietário goza de modo pleno e exclusivo dos direitos de

uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem, dentro dos

limites da lei e com observância das restrições por ela impostas (art.

1225º do Código Civil).

Propriedade é o direito de ter livre aproveitamento da coisa e

dispor dela de modo absoluto, desde que um indivíduo não viole as leis

e ordens públicas emanadas das autoridades, no uso de tais bens, e desde

que não interfira com os direitos dos outros indivíduos (art. 570º do

CCI).329

Por seu lado a Constituição da RDTL estipula que todo o

indivíduo tem direito à propriedade privada, podendo transmiti-la em

vida e por morte, nos termos da lei, embora só os cidadãos nacionais

tenham direito à propriedade privada da terra (art. 54º, nº 1 e 4, da

Constituição).

O direito de propriedade é um direito absoluto do qual resulta a

exclusividade reconhecida ao proprietário.330

A propriedade é

329

“Hak milik adalah hak untuk menikmati suatu barang secara leluasa dan untuk

berbuat terhadap barang itu secara bebas sepenuhnya, asalkan tidak bertentangan

dengan undang-undang atau peraturan umum yang ditetapkan oleh kuasa yang

berwenang dan asal tidak mengganggu hakhak orang lain; kesemuanya itu tidak

mengurangi kemungkinan pencabutan hak demi kepentingan umum dan Penggantian

kerugian yang pantas, berdasarkan ketentuan-ketentuan perundang-undangan”, na

versão em inglês: “Ownership is the right to have free enjoyment of property and to

dispose thereof absolutely, provided that an individual does not violate the laws of the

public ordinances stipulated by those who have been granted authority to do so, in the

course of using such assets, and provided that an individual does not interfere with

other individuals rights”. 330

Esta é a definição resultante do art. 20º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia de 1960

(“Hak milik adalah hak turun-menurun, terkuat dan terpenuh yang dapat dipunyai

orang atas tanahna”, versão em inglês: “A Hak milik (right of ownership) is the

inheritable right, the strongest and fullest right on land which one can hold”).

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100

comummente qualificada como o direito real máximo, o modelo de

todos os outros direitos reais.331

Dá-se o nome de fruição ao aproveitamento dos frutos e

produtos de uma coisa, seja dos frutos materiais, seja dos frutos

jurídicos (rendas ou juros ou outro tipo de rendimento). Entende-se por

disposição a forma de exercício dum direito que implica a sua alteração

ou perda, absoluta ou relativa. Há duas classificações possíveis do

conceito de disposição: disposição total e disposição parcial; disposição

material e disposição jurídica.332

Para José de Oliveira Ascensão “a propriedade é o direito real

que outorga a universalidade dos poderes que à coisa se podem

referir”.333

A propriedade tem, porém, igualmente uma função social, que

frequentemente determina a limitação daquele direito absoluto (art. 54º,

nº 2, da Constituição da RDTL. Vejam-se os citados arts. 570º do CCI e

1225º do Código Civil).334

O direito de propriedade deve ser exercido

dentro dos limites impostos, por um lado, pela boa fé, pelos bons

costumes e pelo fim social e económico e, por outro lado, pelas

restrições, quer de interesse privado, quer de interesse público que a lei

expressamente consagra.335

Não é permitida a constituição, com carácter real, de restrições

ao direito de propriedade ou figuras parcelares deste direito senão nos

casos previstos na lei (art. 1226º do Código Civil). Trata-se de um dos

princípios gerais dos direitos reais (o numerus clausus, ou princípio da

331

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 441. “O direito de propriedade é o

molde jurídico onde se vaza o poder humano de usar, de gozar, ou de dispor dos bens

de forma plena” (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 217). 332

Mendes, Teoria Geral da Relação Jurídica, vol. II, 1978, pág. 40. 333

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 448. 334

“Na propriedade é onde o Direito subjetivo atua, de tal forma que na própria

definição da propriedade verifica-se que se trata de uma definição onde o direito do

proprietário exclui todos os demais, “erga ommes”; então, por excluir todos os demais

ele é o senhor absoluto da propriedade. É necessário, então, admitirmos o conceito da

socialidade do direito para que possamos ter as condições necessárias para a

convivência em sociedade” (Ribeiro, Direito Das Coisas – Principais Modificações). 335

Gomes, Comentário ao Novo Regime de Licenciamento de Obras, 1971, pág. 22.

Sobre a função social do direito de propriedade veja-se o escrito supra (Título I,

Capítulo IV).

Page 101: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

101

tipicidade). A lei não permite que sejam constituídos direitos reais que

ela própria não preveja.336

Ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito

de propriedade senão nos casos fixados na lei, sendo sempre devida

indemnização adequada ao proprietário ou aos titulares dos outros

direitos reais afetados (arts. 1229º e 1231º do Código Civil. No mesmo

sentido o art. 570º do CCI e art. 54º da Constituição da RDTL).337

O que

se prevê aqui é a possibilidade de intervenção do Estado no direito de

propriedade privada, por meio de privação forçada da propriedade,

nomeadamente por expropriação por utilidade pública.338

Veja-se o art.

18º da Lei Agrária Indonésia de 1960.339

2. Conteúdo do direito de propriedade (propriedade de

imóveis)

2.1. Conteúdo

A propriedade dos imóveis abrange o espaço aéreo

correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles

se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio

jurídico (art. 1264º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 571º do CCI e o

art. 1º, nº 4 a 6 da Lei Agrária Indonésia de 1960).

O proprietário não pode, todavia, proibir os atos de terceiro que,

pela altura ou profundidade a que têm lugar, não haja interesse em

336

Veja-se o Título I, Capítulo II, e). 337

Sobre a vertente constitucional do direito de propriedade veja-se Canotilho e

Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007, págs. 799-805. 338

Canotilho e Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007,

págs. 805-810. 339

“Untuk kepentingan umum, termasuk kepentingan bangsa dan Negara serta

kepentingan bersama dari rakyat, hak-hak atas tanah dapat dicabut, dengan memberi

ganti kerugian yang layak dan menurut cara yang diatur dengan Undang-undang”, na

versão em inglês: “In the interests of the public as well as of the nation and of the state

and in the collective interests of the people, land rights can be revoked by providing

appropriate compensation and in accordance with the procedure which is to be

stipulated by way of an Act”.

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102

impedir (art. 1264º, nº 2, do Código Civil).340

2.2. Limitações ao direito de propriedade:

O fundamento das limitações ao direito de propriedade encontra-

se no primado do interesse coletivo ou público sobre o individual e na

função social da propriedade, visando proteger o interesse público social

e os demais interesses privados, considerado em relação à necessidade

social de coexistência pacífica.

A natureza das limitações de direito privado é de obrigação

propter rem, porque tanto o devedor (o proprietário) como o credor (o

que beneficia das limitações) são titulares de um direito real, os direitos

incidem sobre a mesma coisa, mas não são oponíveis erga omnes, uma

vez que não interessam a terceiros.341

Efetivamente, um dos

componentes do direito de propriedade é o direito de usar e fruir os bens

de que se é proprietário podendo, por isso, o proprietário utilizar o seu

prédio até aos limites da sua confinância com os prédios vizinhos.342

As limitações de direito privado ao direito de propriedade são,

pois, restrições resultantes de relações de vizinhança, pelo que as

limitações apenas interessam e dizem respeito aos vizinhos. Segundo

Pires de Lima e Antunes Varela, elas visam “regular os conflitos de

interesses que surgem entre vizinhos, em consequência de solidariedade

dos seus direitos, ou seja, em virtude da impossibilidade de serem uns

exercidos plenamente sem afectação dos direitos dos vizinhos”.343

Acrescenta-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de

Portugal de 20-10-1987, “No entanto, apesar dos reflexos da natureza

absoluta do direito de propriedade emanada do direito romano, o certo é

340

Designadamente, não pode impedir que os aviões comerciais sobrevoem a sua

propriedade. Sobre o assunto o art. 2º da Lei Agrária Indonésia defere ao Estado a

possibilidade de criação de limites legais ao direito de propriedade, nomeadamente

relativamente ao subsolo e ao espaço aéreo. 341

Veja-se supra o Capítulo IV do Título I. Veja-se sobre a matéria da limitação do

direito de propriedade Barbosa e Filho, Compreendendo os novos limites à

propriedade, uma análise do art. 1228 do Código Civil brasileiro. 342

Canotilho e Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 2007,

págs. 804-805. 343

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, págs. 94 e 95.

Page 103: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

103

que o seu exercício está sujeito a restrições ou limitações quer de

interesse público, quer de interesse privado. É assim que as limitações

impostas ao direito de construir, em benefício da navegação aérea são

determinados pelo interesse público, enquanto a proibição de abrir

portas ou janelas a menos de metro e meio do prédio vizinho, tem a sua

justificação no interesse particular do dono do prédio vizinho”.344

As obrigações de direito público são normalmente encontradas

em legislação autónoma (não no Código Civil) e visam salvaguardar

essencialmente o interesse público.345

Estes limites são gerais porque

são comuns a todos os imóveis, todos estão sujeitos a suportar os limites

impostos pela administração pública em defesa do interesse público.

Já as limitações ao direito de propriedade baseadas no interesse

privado visam o propósito de coexistência harmónica e pacífica de

direitos, que podem ser conflituantes, entre vizinhos. Fundam-se no

próprio interesse do titular do bem ou de terceiro, a quem este pretende

beneficiar, não afetando, dessa forma, a extensão do exercício do direito

de propriedade como direito absoluto. Caracterizam-se por dizerem

respeito apenas aos direitos de propriedade sobre prédios vizinhos

(bilateralidade), em função da relação que a situação de vizinhança

impõe, aplicando-se a ambos (vínculo recíproco).

Nessa medida, o direito de vizinhança impõe limitações à

propriedade individual mediante normas jurídicas que visam conciliar os

interesses de proprietários vizinhos, reduzindo os poderes inerentes ao

domínio de modo a regular a convivência social (art. 625º do CCI). Ou

seja, ambos cedem no seu direito na medida necessária à convivência

entre eles. Por haver contiguidade entre prédios, o proprietário não é

livre de fazer tudo aquilo que se compreenderia num ilimitado jus

344

In “Boletim do Ministério da Justiça de Portugal”, nº 370, Lisboa, 1987, pág. 553. 345

Contam-se entre estas as restrições à construção constantes de planos directores

(ordenamento do território), que visam harmonizar a possibilidade de construção pelos

privados, por forma a evitar a ocupação irracional e irreversível da terra,

designadamente criando zonas habitacionais e zonas de serviços ou industriais

diferenciadas, estipulando limites de construção, por exemplo em altura, bem como as

chamadas servidões públicas (ou servidões administrativas), como seja a proibição de

se poder construir demasiado perto da estrada, por forma a poder no futuro proceder ao

alargamento da mesma.

Page 104: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

104

utendi, abutendi e fruendi,346

têm de estabelecer-se restrições derivadas

da necessidade de coexistência.347

Assim, identifica a lei as seguintes limitações:

a) Emissão de fumo:

O proprietário de um imóvel pode opor-se à, fuligem, vapores,

cheiros, calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros

quaisquer factos semelhantes, provenientes de prédio vizinho, sempre

que tais factos importem um prejuízo substancial para o uso do imóvel

ou não resultem da utilização normal do prédio de que emanam (art.

1266º do Código Civil. No mesmo sentido, veja-se o art. 655º do

CCI).348

Os dois requisitos, prejuízo substancial para o uso do imóvel e

que as emissões não resultem da utilização normal do prédio de que

emanam, são cumulativos.349

O direito de oposição subsiste mesmo que a atividade de onde

resultam as emissões haja sido autorizada por entidade pública.350

No

346

Direito de uso, abuso (no sentido de uso pleno e ilimitado, incluindo de disposição e

até de destruição) e de fruição da coisa. 347

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 204. 348

“Barangsiapa menyuruh menggali sebuah sumur, selokan atau kakus ditempat yang

berdekatan dengan tembok batas milik bersama atau bukan milik bersama, atau hendak

mendirikan pipa asap, tempat perapian dapur atau tempat masak di tempat yang

demikian, atau membuat kandang, tempat rabuk, gudang, gudang garam, tempat

penyimpan bahan keras atau bangunan yang merugikan dan membahayakan, maka ia

wajib membuat jarak antara tembok dengan bangunan tersebut sebagaimana ditetapkan

dalam peraturan khusus atau menurut kebiasaan tentang hal itu, ataupun ia wajib

mengusahakan bangunan itu sedemikian rupa menurut peraturan dan kebiasaan yang

ditentukan untuk itu agar tidak menimbulkan kerugian bagi pekarangan-pekarangan

yang berdekatan”, na versão em inglês: “An individual, who, within the area

surrounding a communal or non-communal wall, has had a well, sewer, or outhouse

dug, intends to install a chimney, a fireplace, an oven or furnace, intends to build a

stable or fertilizer container, or build a salt storehouse or warehouse, or install a

storage place of corrosive material, or intends to build other harmful or dangerous

constructions, shall be required to leave or create space in the manner described in the

special ordinances or customs in that regard, or to carry out constructions as required

by the regulations and customs, in order to prevent any damage which may be caused

to the neighboring plots of land”. 349

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 426. 350

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 142.

Page 105: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

105

entender de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, este preceito aplica-se a

quaisquer vizinhos e não apenas ao vizinho contíguo (ao do lado).351

Assim, para Rui Pinto, para efeitos do normativo em causa, um prédio

situado na margem esquerda de um rio é vizinho de outro situado na

margem direita do rio.352

A Constituição concede maior proteção aos direitos, liberdades e

garantias de que aos direitos económicos, sociais e culturais e há uma

ordem decrescente de consistência, de proteção jurídica, de densidade

subjetiva daqueles direitos para estes.353

Assim, por exemplo, no caso de

colisão ou conflito de direitos fundamentais devem prevalecer os

direitos de personalidade (art. 326º do Código Civil). Daí que o direito a

não sofrer as perturbações referidas nos arts. 1266º do Código Civil e

655º do CCI prevaleça sobre o direito de propriedade ou o direito de

desenvolver qualquer indústria na propriedade, ainda que licenciada

administrativamente.

b) Obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas

ou perigosas:

O proprietário não pode construir nem manter no seu prédio

quaisquer obras, instalações ou depósitos de substâncias corrosivas ou

perigosas, se for de recear que possam ter sobre o prédio vizinho efeitos

nocivos não permitidos por lei (art. 1267º, nº 1, do Código Civil.354

Veja-se de novo o art. 655º do CCI). Trata-se aqui de um perigo

meramente presumido, contrariamente ao que acontece nos casos do art.

1266º do Código Civil (art. 655º do CCI), fuligem, vapores, cheiros,

calor ou ruídos, bem como à produção de trepidações e a outros

quaisquer factos semelhantes, que exigem o dano efetivo.

351

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 244, nota 53. 352

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 208. 353

Veja-se J.J. Gomes Canotilho, in Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 125º,

Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pág. 293; Miranda, Manual de Direito

Constitucional, vol. IV, 1996, pág. 135; Vaz Serra, in Revista de Legislação e

Jurisprudência, ano 103º, Coimbra: Coimbra Editora, 1970, pág. 378; Sá, Abuso do

Direito, 2005, pág. 528; e Jorge, Ensaio Sobre os Pressupostos da Responsabilidade

Civil, 1999, pág. 201. 354

Trata-se de norma preventiva. Não tem que se verificar já um dano efectivo, mas

apenas a sua possibilidade (Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 597).

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Se as obras, instalações ou depósitos tiverem sido autorizados

por entidade pública competente, ou tiverem sido observadas as

condições especiais prescritas na lei para a construção ou manutenção

deles, a sua inutilização só é admitida a partir do momento em que o

prejuízo se torne efetivo (art. 1267º, nº 2, do Código Civil). Segundo

Rui Pinto, “presume-se que a existência da instalação não assume perigo

significativo, sendo o mesmo inferior às vantagens económicas

associadas à respectiva exploração”.355

Neste caso só se pode proibir a

atividade se afinal se verificar o dano efetivo. É devida, em qualquer dos

casos, indemnização pelo prejuízo sofrido (art. 1267º, nº 3, do Código

Civil).356

c) Minas, poços e escavações

O proprietário tem a faculdade de abrir no seu prédio minas ou

poços e fazer escavações, desde que não prive os prédios vizinhos do

apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra

(art. 1268º, nº 1, do Código Civil). Mais uma vez, consideram-se, não

penas os prédios contíguos, mas todos os que se encontrem na

proximidade, ou vizinhança.

O direito de construir constitui prerrogativa inerente da

propriedade, o direito que possui o seu titular de construir no seu terreno

o que quiser, ressalvados os direitos dos vizinhos e os regulamentos

administrativos.357

Logo que venham a sofrer danos com as obras feitas, os

proprietários vizinhos serão indemnizados pelo autor das obras, mesmo

que tenham sido tomadas as precauções julgadas necessárias (art. 1268º,

nº 2, do Código Civil e art. 1369º do CCI).358

Trata-se, portanto, de

responsabilidade civil objetiva, prevista no art. 433º do Código Civil

(art. 1369º do CCI), uma vez que a responsabilidade existe

355

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 212. 356

Trata-se de uma hipótese de responsabilidade pelo risco, pelo que a obrigação de

indemnização se verifica independentemente de culpa do proprietário (arts. 433º a 444º

do Código Civil). 357

Talvez por isso o CCI não o refira expressamente. 358

Mais uma vez, a obrigação de indemnizar existe independentemente de culpa (arts.

433º a 444º do Código Civil).

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independentemente de culpa do proprietário.

Se qualquer edifício ou outra obra oferecer perigo de ruir, no

todo ou em parte, e do desmoronamento puderem resultar danos para o

prédio vizinho, é lícito ao dono deste exigir da pessoa responsável pelos

danos359

as providências necessárias para eliminar o perigo (art. 1270º

do Código Civil e art. 654º do CCI).360

Ou seja, o proprietário do prédio

vizinho pode tomar providências com vista à prevenção dos danos

previsíveis, antes que os mesmos ocorram.

d) Passagem forçada momentânea:

Se, para reparar algum edifício ou construção, for indispensável

levantar andaime, colocar objetos sobre prédio alheio, fazer passar por

ele os materiais para a obra ou praticar outros atos análogos, é o dono do

prédio obrigado a consentir nesses atos (art. 1269º, nº 1, do Código

Civil, igual ao art. 651º do CCI).361

No caso de o dono do prédio vizinho recursar a passagem, o

direito pode ser exercido através da instauração de uma providência

cautelar não especificada prevista nos arts. 305º a 312º do CPC. Ou seja,

se o titular do direito for impedido de aceder ao prédio vizinho, pode

intentar procedimento cautelar não especificado por forma a poder

exercer o mesmo. Trata-se de um caso em que o procedimento cautelar

não é dependente de uma ação judicial posterior, dado que, uma vez

garantido o acesso, o seu interesse encontra-se satisfeito, pelo que não

terá o titular do direito interesse em intentar a ação correspondente.

É igualmente permitido o acesso a prédio alheio a quem pretenda

apoderar-se de coisas suas que acidentalmente nele se encontrem; no

entanto, o proprietário pode impedir o acesso, entregando a coisa ao seu

359

A pessoa responsável é o proprietário ou possuidor do edifício (art. 426º do Código

Civil). 360

Se o perigo de ruína ou desmoronamento resultar de obra nova pode-se recorrer ao

procedimento cautelar de embargo de obra nova, dos arts. 334º a 339º do CPC. 361

Note-se que não se está aqui perante qualquer servidão. Não é uma servidão que se

constitui, mas somente uma passagem momentânea, embora forçada (Moreira e Fraga,

Direitos Reais, 1971, pág. 245).

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108

dono (art. 1269º, nº 2, do Código Civil).362

Em qualquer dos casos, o

proprietário do prédio tem direito a ser indemnizado do prejuízo sofrido

(art. 1269º, nº 3, do Código Civil).363

e) Águas, terras e entulhos

Os prédios inferiores estão sujeitos a receber as águas que,

naturalmente e sem obra do homem, decorrem dos prédios superiores,

assim como a terra e entulhos que elas arrastam na sua corrente (art.

1271º, nº 1, do Código Civil, conforme também o art. 626º do CCI). Ou

seja, quando exista um terreno inclinado, o proprietário da parte inferior

do terreno não pode instalar um dique contra o qual a água de torrente

natural ou da chuva fique retida, uma vez que isso prejudicaria o

proprietário do terreno superior, que ficaria alagado, e constituiria assim

uma limitação do direito deste.364

Nem o dono do prédio inferior pode fazer obras que estorvem o

escoamento (que impeçam o curso das águas), nem o dono do prédio

superior obras capazes de o agravar (que aumentem o caudal das águas),

sem prejuízo da possibilidade de constituição da servidão legal de

escoamento, nos casos em que é admitida (art. 1271º, nº 2, do Código

Civil. e o art. 626º do CCI). Deve permitir-se que os terrenos recebam

ou escoem as águas naturalmente, sem que as mesmas sejam retidas.

Porém, pode o proprietário do terreno fazer obra que dirija as águas de

forma menos prejudicial para o seu terreno.365

No caso de terem sido efetuadas obras num terreno para conter

as águas, em benefício desse terreno e dos terrenos vizinhos, ou quando

seja necessário efetuar obras novas para desviar o curso das águas com a

mesma finalidade de benefício de todos os terrenos vizinhos, ou seja,

362

Por exemplo, o proprietário tem que tolerar a passagem momentânea de alguém que

precisa ir buscar uma coisa sua que acidentalmente se encontre na propriedade

daquele, como um animal que para lá fugiu, ou uma coisa que para lá caiu (Moreira e

Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 245). 363

“É uma obrigação de indemnizar fundada no sacrifício ou facto lícito” Pinto,

Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 221 – nota 357. 364

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 246. 365

Acórdão da Relação de Lisboa de 9-11-1979, Colectânea de Jurisprudência, ano IV,

tomo 5º, Coimbra: Casa do Juiz, 1979, pág. 1597, citado por Neto, Código Civil

Anotado, 1993, pág. 897.

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109

para evitar prejuízos nos terrenos, o dono do prédio onde existam essas

obras defensivas, ou onde seja necessário efetuá-las, é obrigado a fazer

reparos ou as obras necessárias, ou, não querendo ele fazê-las, a tolerar

que os donos dos prédios que sofram danos ou estejam expostos a danos

iminentes as façam, sem que o dono do referido prédio sofra prejuízo

com isso (art. 1272º, nº 1, do Código Civil).366

O mesmo acontece

sempre que seja necessário retirar de algum prédio materiais cuja

acumulação ou queda estorve o curso das águas com prejuízo ou risco

de terceiro (art. 1272º, nº 2, do Código Civil). Também neste caso, o

dono do prédio deve retirar os materiais que impedem o normal curso

das águas, ou terá que consentir que os vizinhos prejudicados com essa

situação entrem no seu prédio para os retirar.

Todos os proprietários que participam do benefício das obras são

obrigados a contribuir para as despesas delas, em proporção do seu

interesse, sem prejuízo da responsabilidade que recaia sobre o autor dos

danos (art. 1272º, nº 3, do Código Civil).

f) Direito de demarcação

O proprietário de um prédio pode obrigar os donos dos prédios

confinantes a concorrerem para a demarcação das estremas entre o seu

prédio e os deles (art. 1273º do Código Civil e art. 630º-A do CCI).

Embora não possa obrigar os seus vizinhos a proceder à demarcação,

estes têm obrigação de pagar uma parte dos gastos com a construção dos

muros ou outra forma que tenha sido utilizada para o efeito, na

proporção em que a construção confinar com o seu prédio.

Segundo António Carvalho Martins, “A demarcação é a

operação material de colocar marcos ou sinais exteriores permanentes e

visíveis, que assinalem diversos pontos da linha divisória entre dois

prédios contíguos, sendo lícito também aproveitar para o mesmo fim

sinais naturais já existentes, tais como um rochedo, um combro, uma

árvore, na qual podem ser gravadas as iniciais de um dos

proprietários”.367

366

O proprietário só está obrigado a tolerar que os proprietários dos prédios vizinhos

façam as obras na sua propriedade se não as fizer ele mesmo. 367

Martins, Demarcação, 1999, págs. 17-18.

Page 110: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

110

A principal função do direito de demarcação está na definição

das estremas dos prédios vizinhos, assim se conferindo maior segurança

e certeza na extensão dos direitos de cada um. Daí a sua relevância aqui

reconhecida pela lei, que assim fomenta a demarcação.

No caso de os proprietários vizinhos não acordarem na definição

das estremas dos respetivos prédios deverão recorrer ao Tribunal para o

efeito.368

O art. 1274º do Código Civil fixa o modo como se procede à

demarcação.369

Segundo António Carvalho Martins, a ação de

demarcação não tem natureza real, mas apenas pessoal, sendo a causa de

pedir complexa e constituída pela existência da propriedade confinante e

incerta relativamente às estremas.370

“Com a demarcação, não está em

causa a constituição, o reconhecimento, a aquisição ou a modificação de

um direito”.371

A forma de processo será ação declarativa de condenação, com

processo comum (arts. 3º, nº 2, al. a), e 347º, nº 2, do CPC), tendo

particular relevância a prova pericial como um dos meios probatórios

utilizáveis.372

O direito de demarcação é imprescritível, sem prejuízo dos

direitos adquiridos por usucapião (art. 1275º do Código Civil). Por se

tratar de uma faculdade inerente ao direito de propriedade, fazendo parte

do seu conteúdo legal, não se pode extinguir pelo não uso da mesma.373

g) Direito da tapagem

Na sequência do referido direito de demarcação, também pode o

368

Quem intentar uma acção de demarcação tem que alegar: a) que é proprietário de

um prédio confinante com outro pertencente ao demandado; b) que não está definida a

linha divisória entre o seu prédio e o confinante (acórdão da Relação de Lisboa de 23-

10-1968, citado por Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 898). 369

Não existe no CPC processo especial de demarcação, pelo que o mesmo deve seguir

a forma comum (art. 347º, nº 2, do CPC). 370

Martins, Demarcação, 1999, pág. 20 (“Por ela não se pretende a declaração de

qualquer direito real, ou da sua amplitude, mas unicamente obter que se precisem as

estremas de prédios confinantes”). 371

Martins, Demarcação, 1999, pág. 23. 372

Martins, Demarcação, 1999, pág. 59. 373

Martins, Demarcação, 1999, pág. 70.

Page 111: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

111

proprietário, a todo o tempo, murar, valar, rodear de sebes o seu prédio,

ou tapá-lo de qualquer modo (art. 1276º do Código Civil e art. 631º do

CCI). No que se refere ao direito de tapagem, o proprietário tem direito

a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio urbano ou

rural, para que possa proteger, dentro dos seus limites, a exclusividade

de seu domínio, desde que observe as disposições regulamentares e não

cause dano ao vizinho.

Como já se viu, a construção de muros de tapagem não pode

impedir o normal fluxo das águas que decorrem dos prédios superiores,

pelo que, ao proceder à tapagem do seu prédio, deve o proprietário

respeitar o direito do vizinho previsto no art. 1271º, nº 1, do Código

Civil e art. 626º do CCI,374

sob pena de o proprietário que procede à

construção responder pelos prejuízos que cause ao vizinho.

h) Construções e edificações

O proprietário que no seu prédio levantar edifício ou outra

construção não pode abrir nela janelas ou portas que deitem diretamente

sobre o prédio vizinho sem deixar entre este e cada uma das obras o

intervalo de metro e meio (art. 1280º, nº 1, do Código Civil. Vejam-se

os arts. 647º a 650º do CCI).

Janelas são as aberturas que, não sendo portas e estando

niveladas com as paredes (contrariamente às varandas que se projetam

para a frente delas), têm em qualquer das suas dimensões mais de quinze

centímetros e por função, além de assegurar a entrada de luz e ar,

facultar vistas.

Igual restrição é aplicável às varandas, terraços, eirados ou obras

semelhantes, quando sejam servidos de parapeitos de altura inferior a

metro e meio em toda a sua extensão ou parte dela (art. 1280º, nº 2, do

Código Civil e art. 647º do CCI). Porém, se os dois prédios forem

oblíquos entre si, a distância de metro e meio conta-se

perpendicularmente do prédio para onde deitam as vistas até à

construção ou edifício novamente levantado; mas, se a obliquidade for

além de quarenta e cinco graus, não tem aplicação a restrição imposta ao

proprietário (art. 1280º, nº 3, do Código Civil). Efetivamente, se o

374

Escoamento das águas que provenham do prédio superior.

Page 112: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

112

prédio não se encontra frente ao outro, mas ao seu lado (obliquamente),

não faz sentido a restrição.

As restrições do artigo precedente não são aplicáveis a prédios

separados entre si por estrada, caminho, rua, travessa ou outra passagem

por terreno do domínio público (art. 1281º do Código Civil). Não se

impede a abertura de portas e janelas para uma estrada ou rua, ainda que

esta tenha uma largura inferior à referida no art. 1280º, nº 1, do Código

Civil.

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, “Começam somente

os prejuízos a ser atendíveis, se existir um parapeito, porque, neste caso,

tal como numa janela, a pessoa pode debruçar-se, ocupando

parcialmente o prédio alheio, e arremessar com facilidade objectos para

dentro dele: a devassa começa a tomar aspectos mais graves”.375

“Isso

quer dizer, que não são propriamente as vistas que interessam, mas o

devassamento, ou, melhor, a possível ocupação do terreno vizinho.

Basta que no parapeito duma janela ou dum terraço, a pessoa se debruce,

numa atitude natural, ou estenda um braço, para que haja violação do

direito de propriedade alheia, e é isso o que importa evitar”.376

Estas restrições são uma manifestação do conteúdo do direito de

propriedade previsto no art. 1264º, nº 1, do Código Civil e art. 571º do

CCI. Contrariamente ao que possa parecer da expressão legal direito de

vistas, o que está em causa não é o direito de poder ver sobre o prédio

vizinho, mas sim a proibição de não se poder debruçar sobre o mesmo,

assim se violando os aludidos preceitos, no sentido em que se invade a

propriedade do vizinho, ainda que em altura.377

Portanto, não se consideram abrangidos pelas restrições da lei as

frestas, seteiras ou óculos para luz e ar, embora o vizinho possa levantar

a todo o tempo a sua casa ou contramuro, vedando tais aberturas (art.

1283º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 645º do CCI). Efetivamente,

sendo o fundamento da proibição impedir que as pessoas se debrucem

375

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 196. 376

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, citando a “Revista

de Legislação e Jurisprudência”, ano 99º, pág. 240. 377

Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 906, citando a “Revista de Legislação e

Jurisprudência”, ano 99º, pág. 239.

Page 113: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

113

sobre o prédio, assim invadindo o mesmo, as aberturas que não

permitem que alguém se debruce sobre o prédio não estão abrangidas

pela proibição. Pelos mesmos motivos, as frestas, seteiras ou óculos para

luz e ar devem situar-se pelo menos a um metro e oitenta centímetros de

altura, a contar do solo ou do sobrado, e não devem ter, numa das suas

dimensões, mais de quinze centímetros; a altura de um metro e oitenta

centímetros respeita a ambos os lados da parede ou muro onde essas

aberturas se encontram (art. 1283º, nº 2, do Código Civil e art. 646º do

CCI).

A existência de janelas, portas, varandas, terraços, eirados ou

obras semelhantes, em contravenção do disposto na lei, pode importar,

nos termos gerais, a constituição da servidão de vistas por usucapião

(art. 1282º, nº 1, do Código Civil e 1946º e 1963º do CCI). Constituída a

servidão de vistas, por usucapião ou outro título, ao proprietário vizinho

só é permitido levantar edifício ou outra construção no seu prédio desde

que deixe entre o novo edifício (ou outra construção que ele edificar) e o

edifício ou obra já edificados no prédio vizinho o espaço mínimo de

metro e meio, correspondente à extensão destas obras (art. 1282º, nº 2,

do Código Civil).378

Ou seja, se um proprietário constrói um edifício

junto à estrema do seu prédio confinando com o prédio vizinho e nela

abre janelas dando para este, se mantiver esta situação pelo prazo legal

de usucapião, fica o proprietário do prédio vizinho impedido de

construir junto à estrema do seu prédio, uma vez que assim iria tapar as

janelas do prédio ali existente e o proprietário que construiu aquele

prédio adquiriu, por usucapião, o direito de conservar tais janelas,

embora as tenha aberto em violação do art. 1280º, nº 1, do Código Civil.

O embargo de obra nova, previsto nos arts. 334º a 339º do CPC

pode ser utilizado como meio de oposição à violação do direito de

vistas.379

378

O que importa para a constituição desta servidão é a existência de obras (ou seja,

das janelas, varandas ou outras aberturas) e não a utilização. Por outro lado, a servidão

mantém-se ainda que se proceda à demolição da construção para sua reconstrução

(Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 154). 379

Não de deve, porém, esquecer a necessidade de interposição da acção declarativa

competente no prazo de 30 dias após a notificação do decretamento judicial do

embargo (arts. 307º, nº 1, e 313º, nº 1, al. a), do CPC).

Page 114: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

114

i) Estilicídio

O proprietário deve edificar de modo que a beira do telhado ou

outra cobertura não goteje sobre o prédio vizinho, deixando um

intervalo mínimo de meio metro entre o prédio e a beira, se de outro

modo não puder evitá-lo (art. 1285º, nº 1, do Código Civil e art. 652º do

CCI).380

No entanto, pode construir-se a menos de meio metro se se

canalizar as águas por meio de algeroz. Mais uma vez pretende-se

impedir a invasão de propriedade alheia, agora mediante águas que

resultem de edifício construído no prédio.

Constituída por qualquer título a servidão de estilicídio, o

proprietário do prédio serviente não pode levantar edifício ou construção

que impeça o escoamento das águas, devendo realizar as obras

necessárias para que o escoamento se faça sobre o seu prédio, sem

prejuízo para o prédio dominante (art. 1285º, nº 2, do Código Civil).381

Por exemplo, se o beirado de um telhado deita diretamente as águas das

chuvas para o prédio vizinho por tempo suficiente para a constituição de

tal direito (de deitar as águas sobre o prédio vizinho) por usucapião,

então o vizinho terá que aceitar tal situação, ficando impedido de

construir de modo a impedir ou dificultar que as águas escorram para o

seu prédio.

j) Plantação de árvores e arbustos

É lícita a plantação de árvores e arbustos até à linha divisória dos

prédios;382

contudo o dono do prédio vizinho pode arrancar e cortar as

raízes que se introduzirem no seu terreno e o tronco ou ramos que sobre

ele penderem, desde que o dono da árvore o não faça dentro do prazo de

três dias, depois de lhe ser solicitado, judicial ou extrajudicialmente,

380

Uma vez observado o espaço previsto na lei já o proprietário do prédio vizinho é

obrigado a aceitar o escoamento natural das águas para o seu prédio, nos termos dos

arts. 1271º, nº 1, do Código Civil e 626º do CCI (Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág.

157). 381

Também pode ser constituída servidão de estilicídio nos termos já referidos para a

constituição de servidões por usucapião ou acordo (Moreira e Fraga, Direitos Reais,

1971, pág. 247). 382

Mais uma vez, sendo o direito de propriedade um direito de uso e abuso da coisa

objecto do mesmo, pode o proprietário usar a coisa até ao seu limite.

Page 115: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

115

para o fazer (art. 1286º, nº 1, do Código Civil e art. 666º do CCI).

No caso de as raízes, troncos ou ramos passarem ao prédio alheio

e os seus titulares não os arrancarem no prazo de três dias, depois de

instados judicial ou extrajudicialmente para o efeito, pode o vizinho

prejudicado fazê-lo pelas suas próprias mãos, mas os ramos, troncos ou

raízes cortados continuam a pertencer ao dono do prédio vizinho,

devendo ser-lhe devolvidos.383

O poder assim conferido ao dono do

prédio vizinho configura a legitimação do recurso à autotutela do seu

direito de propriedade, depois de solicitação feita ao dono das árvores e

do não cumprimento por este do seu dever de impedir que aquelas

causem danos ao prédio vizinho.384

O vizinho prejudicado com a invasão das raízes e ramos das

árvores não tem o direito a pedir ao dono das mesmas qualquer

indemnização, nomeadamente a destinada a compensar os danos

causados por essa invasão no seu prédio.385

O proprietário de árvore ou arbusto contíguo a prédio de outrem

ou com ele confinante pode exigir que o dono do prédio lhe permita

fazer a apanha dos frutos, que não seja possível fazer do seu lado; mas é

responsável pelo prejuízo que com a apanha vier a causar (art. 1287º do

Código Civil). No caso de os ramos de uma árvore penderem sobre o

prédio vizinho o proprietário deste apenas pode exigir que os mesmos

sejam cortados, nos termos já referidos, mas os frutos continuam a

pertencer ao dono do prédio onde está implantada a árvore.386

Daí que

este tenha o direito de entrar no prédio vizinho para colher tais frutos.

Não é adquirível por prescrição (usucapião) o direito de deitar

ramos, tronco ou raízes sobre o prédio vizinho.

383

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 159, e Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág.

606. 384

Acórdão da Relação do Porto de 9-3-2010, apelação nº 2899/05.5TBOAZ.P1, da 2ª

Secção, relatora Sílvia Pires, acessível em www.dgsi.pt/jtrp. 385

Pires de Lima, in Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 95º, págs. 367-368,

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 230, Justo,

Direitos Reais, 2007, pág. 247, e jurisprudência portuguesa citada no referido acórdão

da Relação do Porto de 9-3-2010. 386

Como já se referiu, as árvores fazem parte integrante do prédio onde estão

implantadas.

Page 116: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

116

2.3. Paredes e muros de meação

Por parede ou muro deve entender-se qualquer construção com

pedra com consistência, bem como construções de tijolo, adobe ou taipa,

estando excluídas as vedações de madeira, arame, ou sebes vivas ou

mortas.387

O proprietário de prédio confinante com parede ou muro alheio

(ou seja, com parede ou muro edificado pelo proprietário do prédio

vizinho na estrema divisória dos dois prédios) pode adquirir nele

comunhão, no todo ou em parte, quer quanto à sua extensão, quer

quanto à sua altura, pagando metade do seu valor e metade do valor do

solo sobre que estiver construído (art. 1290º, nº 1, do Código Civil).388

Trata-se aqui do direito do proprietário confinante a comunhão forçada,

uma forma de transferência coactiva ou expropriação por utilidade

particular, que se traduz no exercício de um direito potestativo.389

O

CCI prevê, em contrário, que nenhum muro se possa tornar comum sem

o consentimento do seu proprietário (art. 640º do CCI).

Se um proprietário quiser murar o seu prédio, sem o acordo e

contribuição do vizinho, terá que construir o muro no interior do seu

prédio (sem ocupar o prédio vizinho), mas o proprietário do prédio

confinante só pode adquiri a compropriedade, ou comunhão, sobre o

muro, pagando metade do valor deste e do terreno do vizinho onde o

mesmo foi construído. No dizer de Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “Há

aqui uma expropriação forçada de metade do muro no interesse do

proprietário confinante”.390

387

Rodrigues, A Posse, 1996, pág. 370. Ainda Martins, Paredes e muros de meação,

1999, pág. 21. 388

Trata-se de uma comunhão forçada do muro ou parede, uma vez que o proprietário

que a construiu não pode opor-se à aquisição da comunhão pelo proprietário do prédio

vizinho. Este goza, portanto, de um direito potestativo à aquisição da comunhão no

muro. 389

Martins, Paredes e muros de meação, 1999, págs. 28 a 31. No mesmo sentido Pinto,

Direitos Reais de Moçambique, 2006, págs. 199-200. 390

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 248.

Importa relembrar que o CCI não prevê esta comunhão forçada, pelo que o muro ficará

sempre propriedade de quem o construiu, a menos que este aceite a comunhão. Assim,

o proprietário do prédio confinante, não pode usar o muro, pelo que, se pretender

construir junto à extrema dos prédios, terá que construir um novo muro paralelo ao que

já existe pertencente ao vizinho.

Page 117: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

117

Porém, a comunhão forçada só existe relativamente ao muro

construído na estrema dos prédios confinantes. Se um proprietário

construiu o muro dentro do seu terreno mas ainda afastado da

estrema,391

o muro apenas a ele pertence e não poderá haver comunhão

forçada, uma vez que, a existir a comunhão forçada, o vizinho iria

adquirir uma parte do terreno do outro prédio, fora de qualquer previsão

legal.392

A parede ou muro divisório entre dois edifícios presume-se

comum em toda a sua altura, sendo os edifícios iguais, e até à altura do

inferior, se o não forem (art. 1291º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art.

633º do CCI). Se um dos prédios for mais alto que o outro, o muro

presume-se comum até à altura do mais baixo e, daí para cima,

pertencerá apenas ao prédio mais alto.393

Os muros entre prédios rústicos, ou entre pátios e quintais de

prédios urbanos, presumem-se igualmente comuns, não havendo sinal

em contrário (art. 1291º, nº 2, do Código Civil).394

São sinais que excluem a presunção de comunhão: a) A

existência de espigão em ladeira só para um lado;395

b) Haver no muro,

só de um lado, cachorros de pedra salientes encravados em toda a

largura dele; c) Não estar o prédio contíguo igualmente murado pelos

outros lados (art. 1291º, nº 3, do Código Civil. Veja-se o art. 634º do

CCI).

No caso da existência de espigão em ladeira só para um lado

(alínea a), presume-se que o muro pertence ao prédio para cujo lado se

inclina a ladeira; nos outros casos, àquele de cujo lado se encontrem as

construções ou sinais mencionados, ou seja cachorros de pedra salientes

391

Por exemplo, quando constrói uma casa afastada um metro e meio do terreno do

vizinho, em observância dos arts. 1280º, nº 1, do Código Civil e 647º a 650º do CCI,

não pode o vizinho pretender usar essa construção como divisória e obter comunhão na

parede da casa. 392

Martins, Paredes e muros de meação, 1999, pág. 35. 393

Em relação à parte que excede a altura do prédio inferior existe uma presunção de

propriedade exclusiva do dono do prédio mais alto (Martins, Paredes e muros de

meação, 1999, pág. 45). 394

Trata-se de uma presunção legal ilidível nos termos do art. 518º, nº 2, do CPC. 395

Inclinação do topo do muro para o lado do presumido proprietário.

Page 118: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

118

encravados em toda a largura dele (art. 1291º, nº 4, do Código Civil).

Trata-se de construções ou outros elementos inseridos no muro,

nomeadamente para suportar telhados ou beirais, que levam a presumir

que quem as edificou será o dono do muro. Daí que, se o muro sustentar

em toda a sua largura qualquer construção que esteja só de um dos

lados, presume-se do mesmo modo que ele pertence exclusivamente ao

dono da construção (art. 1291º, nº 5, do Código Civil).

O proprietário a quem pertença em comum alguma parede ou

muro não pode abrir nele janelas ou frestas, nem fazer outra alteração,

sem consentimento do seu consorte (art. 1286º, nº 1, do Código Civil.396

Veja-se o art. 644º do CCI). Trata-se de consequência da comunhão. Se

o muro é comum a abertura de janelas ou frestas necessita do

consentimento do outro proprietário do muro. No caso de o muro

pertencer apenas a um dos proprietários, estaremos perante um caso de

uma edificação ou construção, sendo a proibição resultante da aplicação

do art. 1280º, nº 1, do Código Civil (ou dos arts. 647º a 650º do CCI).

Qualquer dos consortes tem, no entanto, a faculdade de edificar

sobre a parede ou muro comum e de introduzir nele traves ou barrotes,

contanto que não ultrapasse o meio da parede ou do muro (art. 1293º, nº

1, do Código Civil. No mesmo sentido o art. 636º do CCI). Mas, se a

parede ou muro tiver espessura inferior a meio metro, não tem lugar a

restrição (art. 1286º, nº 1, do Código Civil). Ou seja, se a parede ou

muro tiver espessura inferior a meio metro pode a introdução de traves

ou barrotes ultrapassar o meio da parede ou do muro, uma vez que não

teria sustentação suficiente se fosse imposto o aludido limite.

Já o art. 641º do CCI impedia, nos casos em que o muro fosse

comum, nos termos do disposto no art. 640º do CCI (ou seja, no caso de

comunhão com o consentimento do proprietário), que algum consorte

pudesse abrir buracos ou construir contra o muro comum, sem

consentimento do outro. Segundo o regime do CCI cada um dos

proprietários de prédios confinantes devia murar o seu prédio, dentro

dos limites do mesmo, apenas sendo admissível a comunhão do muro no

caso de ele ser edificado em conjunto pelos proprietários na linha

396

O direito a manter janelas ou frestas no muro comum pode, porém, ser adquirido

por prescrição (usucapião), nos termos gerais já analisados a propósito das construções

e edificações.

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119

divisória, ou se o proprietário que o edificou consentisse na comunhão,

com ou sem retribuição, ficando assim excluída a possibilidade da

comunhão forçada prevista no novo Código Civil.

A qualquer dos consortes, ou comproprietários do muro, é

permitido alterar a parede ou muro comum, contanto que o faça à sua

custa, ficando a seu cargo todas as despesas de conservação da parte

alterada (art. 1294º, nº 1, do Código Civil e art. 637º, primeira parte, do

CCI).397

Como é óbvio, se a parede ou muro não estiver em estado de

aguentar o alçamento, o consorte que pretender levantá-lo tem de

reconstruí-lo por inteiro à sua custa e, se quiser aumentar-lhe a

espessura, é o espaço para isso necessário tomado do seu lado (art.

1294º, nº 2, do Código Civil e art. 637º, segunda parte, do CCI). O

proprietário que não precise de aumentar ou alterar o muro não pode ser

obrigado a contribuir para tal obra da iniciativa do seu vizinho.

Contudo, para adquirir comunhão na parte aumentada, o que

pode fazer mediante a já analisada comunhão forçada, nomeadamente

para poder dele usufruir, o consorte que não tiver contribuído para o

alçamento terá que pagar metade do valor dessa parte e, no caso de

aumento de espessura, também metade do valor do solo correspondente

a esse aumento (art. 1294º, nº 3, do Código Civil e art. 639º do CCI).

A reparação ou reconstrução da parede ou muro comum é feita

por conta dos consortes, em proporção das suas partes (art. 1295º, nº 1,

do Código Civil e art. 635º do CCI). O muro comum pode beneficiar de

maneira diversa os prédios vizinhos, como acontece no caso de servirem

de parede a construções de altura diferente, o que justifica que os

encargos com a reparação ou reconstrução possam ser diferentes. Já no

caso de o muro ser de simplesmente de vedação, a despesa é dividida

pelos consortes em partes iguais (art. 1295º, nº 2, do Código Civil), uma

vez que aqui o benefício é igual para ambos os prédios.

Se, porém, algum dos consortes tirar do muro proveito que não

397

O alçamento é uma faculdade discricionária, mas não podem, com ele, serem

prejudicadas servidões que um comproprietário do muro tenha adquirido relativamente

ao mesmo (Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 171).

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120

seja comum ao outro, ou seja, um tirar proveito além da vedação, a

despesa é rateada entre eles em proporção do proveito que cada um tirar

(art. 1295º, nº 3, do Código Civil). Será o caso de construir um anexo ou

alpendre aproveitando o muro.

Se a ruína do muro provier de facto do qual só um dos consortes

tire proveito, só o beneficiário é obrigado a reconstruí-lo ou repará-lo

(art. 1295º, nº 4, do Código Civil e art. 641º do CCI). Se a ruína resultar

de aproveitamento que um dos vizinhos faça do muro, obviamente só ele

será responsável pela sua reparação.

É sempre facultado ao consorte eximir-se dos encargos de

reparação ou reconstrução da parede ou muro, renunciando ao seu

direito de comunhão na parede ou muro nos termos dos nºs 1 e 2 do

artigo 1331º (art. 1295º, nº 5, do Código Civil e art. 635º do CCI).398

Trata-se de regra própria da compropriedade, no caso de um

comproprietário entender que os encargos com a coisa são excessivos

terá que renunciar ao direito de propriedade sobre o muro para se poder

eximir a comparticipar nos referidos encargos.

3. Defesa da propriedade

O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor

ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a

consequente restituição do que lhe pertence (art. 1232º, nº 1, do Código

Civil e art. 574º do CCI). Havendo reconhecimento do direito de

propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei

(art. 1232º, nº 2, do Código Civil).

398

Art. 1331º, nº 1, do Código Civil, os comproprietários devem contribuir, em

proporção das respectivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou

fruição da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo

renunciando ao seu direito. No caso, o comproprietário do muro terá que renunciar ao

seu direito, passando o muro a pertencer apenas àquele que suportou os custos da

reparação do muro.

Page 121: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

121

A ação de reivindicação trata-se, nas palavras de Alberto dos

Reis, de “uma acção destinada a fazer valer um direito real sobre um

prédio”. 399

Conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 19 de

Março de 1975, “A causa de pedir nas acções de reivindicação, ou seja,

o facto jurídico de que deriva o direito real só pode ser constituído pela

alegação de uma das formas de adquirir”.400

Esta forma de aquisição do direito terá que ser uma forma

originária de aquisição, nomeadamente a prescrição aquisitiva (ou

usucapião), não bastando a invocação de uma forma derivada de

aquisição do direito real, como o contrato de compra e venda (art. 377º,

nº 4, 2ª parte, do CPC). Assim, terá o autor na ação de reivindicação que

provar que o alienante do prédio era efetivamente proprietário do

mesmo, com base numa forma originária de aquisição.401

Conforme referido no acórdão da Relação de Lisboa de 1-6-

2010, “A acção de reivindicação tem por fim o reconhecimento do

direito de propriedade a quem dele se arroga contra qualquer possuidor

ou detentor e a consequente restituição da coisa ao seu proprietário.

Trata-se, por conseguinte, de uma acção real. E a causa de pedir nesta

399

Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 63º, nº 2404, Coimbra: Coimbra

Editora, 1930/1931, pág. 362. 400

Sumariado no Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 244, Lisboa, 1975,

pág. 177. 401

Das diversas formas de aquisição de imóveis previstas no art. 584º do CCI, acessão,

prescrição aquisitiva (ou usucapião), sucessão legal ou testamentária, ou outro título de

transmissão do direito pelo seu titular (como sejam a compra e venda ou a doação), só

as duas primeiras são formas de aquisição originária. Porém, só a acessão natural pode

constituir meio de aquisição do direito de propriedade sobre imóveis, dado que a

acessão industrial não é reconhecida como tal pelo CCI como forma de aquisição de tal

direito, conforme resulta evidente do disposto nos arts. 600º e 601º do CCI. Assim,

basicamente, só a prescrição aquisitiva, ou usucapião, prevista nos arts. 548º, nº 2,

1946º e 1955º do CCI, constitui forma de aquisição originária do direito de

propriedade sobre imóveis. As restantes formas de aquisição (com excepção da acessão

natural, repete-se) são meramente derivadas (acórdão do Tribunal de Recurso de 14-4-

2011, processo nº 03/Cível/Agravo/2011/TR, relator Rui Penha).

No mesmo sentido acórdão da Relação de Lisboa de 19-3-1975 (sumariado no Boletim

do Ministério da Justiça nº 246, pág. 177, citado por Neto, Código de Processo Civil

[Português] Anotado, 1997, pág. 543) “a transmissão não é fonte de direitos, mas meio

de os transferir, caso existam”.

Page 122: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

122

espécie de acções implica a alegação do facto jurídico de que deriva o

direito real invocado, o que, segundo a teoria da substanciação

perfilhada pela generalidade da doutrina e da jurisprudência, requer a

alegação da aquisição originária, que não meramente derivada, daquele

direito real, nomeadamente por virtude de usucapião, acessão ou

ocupação”.402

Porém, no caso de o autor beneficiar da presunção do direito de

propriedade resultante do registo, em conformidade com o disposto nos

arts. 617º e 620º do CCI e art. 23º, nº 1, da Lei Agrária Indonésia de

1960 (Lei nº 5 de 1960 (UUPA) Undang Undang No. 5 Tahun 1960

Tentang: Peraturan Dasar Pokok-pokok Agraria), não terá que alegar a

aludida aquisição originária.403

O mesmo ocorrerá na sequência dos

registos efetuados ao abrigo do Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho,

Regularização da Titularidade de Bens Imóveis em Casos Não

Disputados.

Importa lembrar que a presunção do direito de propriedade

resultante do registo cede perante a presunção idêntica atribuída ao

possuidor, a menos que o registo da titularidade do direito seja anterior

ao início da posse (art. 1188º, nº 1, do Código Civil e arts. 548º, nº 1, e

549º, nº 1, do CCI).404

Deste modo, se o autor numa ação de

reivindicação invoca o registo posterior à data do início da posse do réu,

terá que alegar e provar a aquisição originária do direito.405

402

Acórdão da Relação de Lisboa de 1-6-2010, processo nº 405/07.6TVLSB.L1-7,

relator Tomé Gomes, acessível em www.dgsi.pt/jtrl (ainda citado no mesmo acórdão

do TR).

Ainda no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 8-

2-2011, processo nº 12/09 9T2STC.E1.S1, relator Sebastião Póvoas, www.dgsi.pt/jstj,

e o acórdão do Tribunal Supremo de Moçambique de 31-3-2008, processo nº 70/2001,

relator Luís Filipe Sacramento, publicado no Boletim de República [de Moçambique],

III Série, nº 5, Suplemento, de 4-2-2010. 403

Referido acórdão do TR de 14-4-2011. 404

O efeito presuntivo resultante da posse “tem como limite o registo: se existir, a

favor de outrem, registo anterior ao início da posse, esta não gera a presunção da

titularidade do direito a que corresponde” (Duarte, Curso de Direitos Reais, 2007, pág.

292. 405

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 205.

Page 123: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

123

Entende-se no acórdão da Relação de Coimbra de 30-5-1990

que, “a causa de pedir nas acções de reivindicação é de natureza

complexa, compreendendo tanto o acto ou facto jurídico de que deriva o

direito de propriedade dos autores, como a ocupação abusiva do prédio

pelo réu. Para o triunfo da acção deve, portanto, o autor convencer de

que é o proprietário do prédio com base em factos alegados e que o

mesmo se acha abusivamente ocupado pelo réu”.406

Porém, na sequência da definição legal de causa de pedir do art.

377º, nº 4, do CPC, a essência da ação de reivindicação é a afirmação e

o reconhecimento do direito de propriedade. Portanto, a causa de pedir é

o ato ou facto jurídico em que o autor se baseia para alegar que tal

direito lhe pertence.407

Neste sentido esclarece Carvalho Fernandes que

o pedido tem um ponto principal e outro secundário: “o principal é o

reconhecimento de direito de propriedade; o secundário, o de restituição

da coisa reivindicada. Na verdade, a condenação do réu na restituição da

coisa constitui, na própria letra da lei, uma consequência da procedência

daquele pedido”, conforme o art. 1232º, nº 2, do Código Civil.408

No entanto, sempre terá o autor que alegar e provar que o réu

praticou um facto ilícito ofensivo do seu direito. De facto, nas ações de

condenação é indispensável, para além do facto constitutivo do direito,

que o autor alegue o facto ofensivo do mesmo, embora a causa de pedir

continue a ser o facto jurídico de que procede o direito real. O facto

ilícito praticado pelo réu aparece como condição para a condenação

pedida: a restituição da coisa que pertence ao autor409

.

406

In Boletim do Ministério da Justiça de Portugal, nº 397, Lisboa, 1990, pág. 572. No

mesmo sentido Gonçalves, Tratado de Direito Civil, vol. 14º, 1957, pág. 928, e os

acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 4-7-1972 e de 28-10-1975, da

Relação de Lisboa de 14 de Julho de 1981 e da Relação do Porto de 16 de Março de

1989 e da Relação de Coimbra de 30 de Maio de 1990, todos in Boletim do Ministério

da Justiça de Portugal, Lisboa, nº 2l9, 1972, pág. 176, nº 250, 1975, pág. 179, nº 315,

1989, pág. 307, e nº 385, 1990, pág. 603, respectivamente. 407

Acórdão da Relação de Évora de 2-12-1983, in “Colectânea de Jurisprudência”, ano

VIII, tomo 5º, Coimbra: Casa do Juiz, 1983, pág. 274. 408

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 272. 409

Citado acórdão da Relação de Lisboa de 2-12-1983. No mesmo sentido Moreira e

Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 92, e os acórdãos da Relação do Porto de 30-1-1979 e

da Relação de Évora de 26-1-1989, in Boletim do Ministério da Justiça de Portugal,

Lisboa, respectivamente nº 284, 1979, pág. 286, e nº 383, 1989, pág. 632, e da Relação

Page 124: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

124

Não estamos, contudo, perante uma cumulação de pedidos, tal

como a define o art. 352º do CPC. Tal pretensão, como maioritariamente

vem defendendo a doutrina e a jurisprudência, não traduz uma

cumulação real, mas uma cumulação aparente de pedidos.410

Em sentido

contrário, porém, parece pronunciar-se Oliveira Ascensão.411

Seguindo Alberto dos Reis: “A cumulação é aparente. Sob o

ponto de vista substancial o pedido é um só. A acção de reivindicação é

uma acção de condenação, mas toda a condenação pressupõe uma

apreciação prévia de natureza declarativa. De maneira que, ao pedir-se o

reconhecimento do direito de propriedade (efeito declarativo) e a

condenação na entrega (efeito executivo), não se formulam dois pedidos

substancialmente distintos, unicamente se indicam as duas espécies de

actividade que o tribunal tem de desenvolver para atingir o fim último

da acção”.412

Sem prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião, a ação de

reivindicação não prescreve pelo decurso do tempo (art. 1234º do

Código Civil). O direito de reivindicar é uma manifestação da sequela,

uma manifestação do conteúdo do direito real, e a propriedade, como

aliás outros direitos reais, é imprescritível, não se extinguindo, portanto,

por prescrição extintiva.413

É admitida a defesa da propriedade por meio de ação direta, nos

termos do artigo 327º (art. 1235º do Código Civil).414

de Évora de 19-7-1979, in “Colectânea de Jurisprudência”, ano IV, tomo 3º, Coimbra:

Casa do Juiz, pág. 1327. 410

Acórdão de Relação de Coimbra de 3-4-1984, in “Colectânea de Jurisprudência”,

ano IX, tomo 2º, Coimbra: Casa do Juiz, pág. 51. 411

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 419-420. Veja-se igualmente o acórdão

da Relação do Porto de 16-1-2012, processo nº 158/03.7TBBTC.P1, relator Augusto

de Carvalho, in www.dgsi.pt/jtrp. 412

Reis, Comentário ao Código de Processo Civil Português”, vol. III, 1944, pág. 148. 413

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 92. 414

Veja-se supra o Título II, Capítulo 7.3 (O recurso à ação direta e à legítima defesa

(arts. 327º e 328º do Código Civil) pressupõe a verificação cumulativa dos seguintes

requisitos: a) impossibilidade de recurso, em tempo útil, aos meios coercivos normais,

nomeadamente aos tribunais; b) violação efetiva ou eminente do direito; c)

racionalidade dos meios utilizados).

Page 125: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

125

4. Aquisição da propriedade

4.1. Formas de aquisição do direito de propriedade

O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por

morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei

(art. 1237º, nº 1, do Código Civil e art. 584º do CCI).

Não se trata de enumeração taxativa, pelo que podem existir

outros meios de aquisição da propriedade. O contrato e a sucessão por

morte não constituem verdadeiramente modos de aquisição do direito de

propriedade, mas sim formas de transmissão do mesmo. Daí que, no que

respeita aos bens imóveis, se considerem apenas a usucapião e a acessão

como formas de aquisição originária do direito, enquanto os modos de

transmissão do mesmo são denominados formas de aquisição

derivada.415

4.2. Ocupação

Segundo Carvalho Fernandes, a ocupação dá-se pela apreensão

material de coisas (móveis) sem dono.416

Compreendem-se aqui as

coisas que nunca tiveram dono, ou que foram abandonadas pelo anterior

dono.

A ocupação constitui forma de aquisição do direito de

propriedade mas apenas de coisas móveis. Assim, podem ser adquiridos

por ocupação os animais e outras coisas móveis que nunca tiveram

dono, ou foram abandonados, perdidos ou escondidos pelos seus

proprietários, salvas as restrições constantes dos artigos seguintes ao art.

1239º do Código Civil (no mesmo sentido o art. 574º do CCI).

O princípio básico que resulta dos arts. 1239º a 1244º do Código

Civil é que a pessoa que encontrar um bem móvel cujo dono seja

conhecido deve entregar a mesma a este, ou avisá-lo que a achou. Caso

contrário (se o dono for desconhecido), pode ficar com ela.

Os bens móveis do domínio privado do Estado, que forem

abandonados, podem ser adquiridos por ocupação.

415

Veja-se sobre esta matéria o já referido acórdão do Tribunal de Recurso de 14-4-

2011. 416

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 330.

Page 126: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

126

4.3. Acessão

Dá-se a acessão, quando com uma coisa que é propriedade de

alguém se une e incorpora outra coisa que lhe não pertencia (art. 1245º

do Código Civil e art. 588º do CCI). Salienta Rui Pinto que o instituto

da acessão visa regular as situações em que “dois bens pertencentes a

diferentes donos são, em resultado das forças da natureza ou por acto

humano, ligados ou unidos de modo que a sua separação lhes seria

danosa”.417

Para Oliveira Ascensão “a acessão repousa pois

necessariamente numa determinada situação material, que é a resultante

da união de duas coisas pertencentes a dono diverso”.418

A acessão diz-se natural, quando resulta exclusivamente das

forças da natureza; dá-se a acessão industrial, quando, por facto do

homem, se confundem objetos pertencentes a diversos donos, ou quando

alguém aplica o trabalho próprio a matéria pertencente a outrem,

confundindo o resultado desse trabalho com propriedade alheia (art.

1246º, nº 1, do Código Civil). No dizer de Carvalho Fernandes, “se a

união ou incorporação resultarem exclusivamente da ação de forças da

natureza, a acessão diz-se natural; se há intervenção de facto humano,

ainda que este não seja a sua causa única, a acessão diz-se industrial”.419

A acessão natural é sempre imobiliária. Já a acessão industrial é

mobiliária ou imobiliária, conforme a natureza das coisas (art. 1246º, nº

2, do Código Civil). Será imobiliária se ocorrer a junção de bens a um

imóvel, será móvel que ocorrer a junção de coisas móveis a outra coisa

móvel.

Importa lembrar que constitui benfeitoria o melhoramento de

obra ou plantação já existente e acessão a obra ou plantação nova,

incluindo a acrescentada. Se num terreno existe alguma construção, ela

pode ser objeto de benfeitoria. Porém, se não existia lá qualquer edifício,

o que se construir constitui acessão e não benfeitoria.

A acessão dá-se pela mera união das coisas. Assim, o momento

de aquisição por acessão é o da união das coisas. Porém, a aquisição por

acessão normalmente não é, normalmente, automática, dependendo da

417

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 307. 418

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 302. 419

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 336.

Page 127: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

127

manifestação de vontade do beneficiário nesse sentido.

4.3.1. Acessão natural

Pertence ao dono da coisa tudo o que a esta acrescer por efeito

da natureza (art. 1247º do Código Civil. Veja-se no mesmo sentido o art.

588º do CCI).

Aqui a acessão natural não é uma aquisição potestativa; não

depende de manifestação de vontade de um beneficiário, dá-se pela

mera união das coisas.420

Por aluvião entende-se a deslocação lenta e gradual de terras de

um prédio para outro, seja por ação das águas, seja por ação do vento,

Segundo Rui Pinto, “No aluvião há um depósito lento, continuado e

imperceptível, enquanto a avulsão é um depósito súbito único e

perceptível”.421

Assim, pertence aos donos dos prédios confinantes com

quaisquer correntes de água tudo o que, por ação das águas, se lhes unir

ou neles for depositado, sucessiva e impercetivelmente (art. 1248º, nº 1,

do Código Civil). E o mesmo regime é aplicável ao terreno que

insensivelmente se for deslocando, por ação das águas, de uma das

margens para outra, ou de um prédio superior para outro inferior, sem

que o proprietário do terreno perdido possa invocar direitos sobre ele

(art. 1248º, nº 2, do Código Civil. Vejam-se os arts. 595º a 598º do CCI,

que precisam diversas situações de aluvião).

Efetivamente, porque a deslocação se faz lentamente, de forma

quase impercetível, não é possível o proprietário do terreno que fica sem

as terras exigir a restituição das mesmas ao proprietário do prédio que as

recebe. Assim, a acessão, no aluvião, opera imediatamente e

automaticamente: constituindo-se o direito real sobre a coisa assim que

se verifiquem os factos naturais pressupostos do seu funcionamento,

independentemente da vontade do adquirente.422

420

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 721. 421

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 312. 422

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 717.

Page 128: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

128

Se, por ação natural e violenta (avulsão), a corrente arrancar

quaisquer plantas ou levar qualquer objeto ou porção conhecida de

terreno, e arrojar essas coisas para prédio alheio, o dono delas tem o

direito de exigir que lhe sejam entregues, contanto que o faça dentro de

seis meses, se antes não foi notificado para fazer a remoção dessas

coisas no prazo que tiver sido fixado judicialmente (art. 1249º, nº 1, do

Código Civil).423

A expressão conhecida significa que o objeto deve ser

individualizável.424

Ou seja, a porção de terra que foi deslocada de um

terreno para o outro tem que ser passível de identificação,

autonomizável. Só assim se poderá proceder à sua remoção.

Não se fazendo a remoção nos referidos prazos, passam as terras,

e respetivas implantações se for o caso, a pertencer ao prédio que

acrescentaram, o prédio que as recebeu (art. 1249º, nº 2, do Código

Civil. No mesmo sentido a segunda parte do art. 599º do CCI). Só não

será assim se o proprietário do terreno que ficou sem as terras intentar

ação para obter a sua restituição, por o proprietário do prédio que as

recebeu não as entregar sem intervenção do tribunal. Ou seja, na avulsão

a aquisição opera-se diferida e automaticamente, passando as terras e

implantações a integrar o prédio que as recebeu, apenas se o proprietário

do terreno que ficou sem elas não exigir a sua devolução nos prazos

referidos na lei ou fixado pelo tribunal.425

Relativamente ao leito dos rios, se a corrente mudar de direção,

abandonando o leito antigo, os proprietários deste conservam o direito

que tinham sobre ele, e o dono do prédio invadido conserva igualmente

a propriedade do terreno ocupado de novo pela corrente (art. 1250º, nº 1,

do Código Civil). Ou seja, a propriedade conserva-se nos exatos termos

em que se encontrava antes. Simplesmente o dono do terreno por onde

corria o rio passa a ser proprietário de terreno seco, enquanto o dono do

423

Veja-se o art. 599º do CCI que para a situação de avulsão estabelece o mesmo

regime, mas fixa o prazo de três anos para que o dono das terras, plantas ou outros

objetos deslocados os exija do dono do terreno que os recebeu. 424

José de Oliveira Ascensão, Revista “Scientia Iuridica – Revista de Direito

Comparado Português e Brasileiro”, tomo 22º, Universidade de Braga, 1973, pág. 327. 425

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 718.

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129

terreno por onde passa a correr o rio tem o seu terreno ocupado pelo

mesmo. Se a corrente se dividir em dois ramos ou braços, sem que o

leito antigo seja abandonado, é ainda aplicável o mesmo regime (art.

1250º, nº 2, do Código Civil).

Diferente era o regime para a mesma situação previsto no CCI.

Nos termos do art. 592º do CCI, os donos dos terrenos que passaram a

ser ocupados pelo leito do rio têm direito a ocupar os terrenos deixados

pelo mesmo, na mesma proporção dos terrenos que tinham, como forma

de compensação. Porém, a inundação temporária não confere quaisquer

direitos (art. 593º do CCI. Veja-se ainda o art. 594º do CCI).

As ilhas ou mouchões que se formem nas correntes de água

pertencem ao dono da parte do leito ocupado (art. 1251º, nº 1, do

Código Civil. Veja-se o art. 590º do CCI). Tal como visto

anteriormente, não há alteração da propriedade. Porém, se as ilhas ou

mouchões se formarem por avulsão, o proprietário do terreno onde a

diminuição haja ocorrido goza do direito de remoção nas condições

prescritas pelo já referido artigo 1249º (art. 1251º, nº 2, do Código

Civil). Este regime é ainda aplicável aos lagos e lagoas, quando aí

ocorrerem situações semelhantes (art. 1252º do Código Civil).426

4.3.2. Acessão industrial mobiliária

Se alguém, de boa fé, unir ou confundir (ou seja, juntar) objeto

seu com objeto alheio, de modo que a separação deles não seja possível

ou, sendo-o, dela resulte prejuízo para alguma das partes, o dono

daquele que for de maior valor faz seu o objeto adjunto, desde que

indemnize o dono do outro ou lhe entregue coisa equivalente (art. 1253º,

nº 1, do Código Civil).427

Assim, se um dono de um carro usa peças de

426

Para Rui Pinto nenhuma destas situações se traduz em verdadeira acessão. Há

apenas uma modificação do objecto da propriedade (Pinto, Direitos Reais de

Moçambique, 2006, pág. 315). Em sentido contrário parece pronunciar-se Carvalho

(Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 338). Efectivamente, pode haver por

avulsão a incorporação de imóveis, nomeadamente árvores ainda implantadas no solo,

que serão identificáveis e cuja devolução poderá ser exigida. 427

Conforme salienta Oliveira Ascensão, embora a lei fale em união e confusão, não

vale a pena distingui-las, uma vez que as trata da mesma maneira (Ascensão, Direito

Civil – Reais, 2000, pág. 304).

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130

outra pessoa na reconstrução do motor do seu carro, pensando

erradamente que as mesmas lhe foram dadas para esse efeito, verifica-se

a confusão de ambas as coisas, o motor do carro e as peças que nele

foram incorporadas, ficando ele com o motor e as peças, se o motor tiver

valor superior às peças que foram usadas, indemnizando o dono das

peças.428

O regime assenta na boa fé de quem provocou a união. Se quem

procede à união ou confusão está de boa fé, o dono da coisa que tiver

maior valor fica com o objeto novo resultante da junção, indemnizando

o outro. Se está de má fé, a vantagem será sempre do dono da outra

coisa.429

Assim, se ambas as coisas forem de igual valor e os donos não

acordarem sobre qual haja de ficar com ela, abrir-se-á entre eles

licitação, adjudicando-se o objeto licitado àquele que maior valor

oferecer por ele, ficando obrigado a pagar ao outro metade do valor da

adjudicação (art. 1253º, nº 2, do Código Civil). Se os interessados não

quiserem licitar, será vendida a coisa e cada um deles ficará com a parte

que deva pertencer-lhe do produto da venda (art. 1253º, nº 3, do Código

Civil).

Em qualquer dos casos, o autor da confusão é obrigado a ficar

com a coisa adjunta, ainda que seja de maior valor, se o dono dela

preferir a respetiva indemnização (art. 1253º, nº 4, do Código Civil). Ou

seja, o autor da junção fica sempre com o resultado da adjunção,

independentemente do valor das coisas, se a outra parte preferir a

indemnização.

O CCI prevê a acessão industrial mobiliária no art. 606º,

estipulando que a coisa passa a pertencer a quem procede à

incorporação, independentemente do valor, desde que pague os

materiais utilizados e indemnize o primitivo dono da coisa. Veja-se

ainda o art. 608º do CCI.

Se a união ou confusão tiver sido feita de má fé e a coisa alheia

428

No caso da união é possível identificar o objecto incorporado, ou junto, no caso da

confusão essa identificação torna-se impossível. 429

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 304.

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131

puder ser separada sem padecer detrimento, será esta restituída a seu

dono, sem prejuízo do direito que este tem de ser indemnizado pelo

dano sofrido (art. 1254º, nº 1, do Código Civil. Veja-se o art. 609º do

CCI, o qual tem aplicação também nos casos de acessão de boa fé).

Se, porém, a coisa não puder ser separada sem padecer

detrimento, deve o autor da união ou confusão restituir o valor da coisa e

indemnizar o seu dono, quando este não prefira ficar com ambas as

coisas adjuntas e pagar ao autor da união ou confusão o valor que for

calculado segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1254º, nº

2, do Código Civil).

Se a adjunção430

ou confusão se operar casualmente e as coisas

adjuntas ou confundidas não puderem separar-se sem detrimento de

alguma delas, ficam pertencendo ao dono da mais valiosa, que pagará o

valor da outra; mas se este não quiser fazê-lo, assiste idêntico direito ao

dono da menos valiosa (art. 1255º, nº 1, do Código Civil).

Se nenhum deles quiser ficar com a coisa, será esta vendida, e

cada um deles haverá a parte do preço que lhe pertencer (art. 1255º, nº 2,

do Código Civil). Se ambas as coisas forem de igual valor, observar-se-á

o disposto nos números 2 e 3 do artigo 1253º, licitação ou venda da

coisa (art. 1255º, nº 3, do Código Civil).

Nos termos do disposto no art. 607º do CCI, se a adjunção ou

confusão se operar casualmente e as coisas adjuntas ou confundidas não

puderem separar-se sem detrimento de alguma delas, fica o novo objeto

pertencendo em conjunto a todos os donos dos materiais, na proporção

do valor do material de cada um.

Dá-se especificação quando alguém, pelo seu trabalho, dá nova

forma a coisa móvel pertencente a outrem, de tal modo que ela não

poderá ser restituída à forma primitiva, ou não o pode ser sem perda do

430

A adjunção é a junção de bens móveis feitas casualmente, embora sempre com

intervenção do homem. Por exemplo, H inadevertidamente, deixa cair o conteúdo de

uma lata de tinta numa lata com tinta de outra pessoa (Pinto, Direitos Reais de

Moçambique, 2006, pág. 321).

Page 132: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

132

seu valor pela especificação.431

Será o caso de um pintor, convencido de

ter para tal autorização, fazer uma nova pintura sobre uma tela que já

continha uma outra pintura anteriormente.

Neste caso, o autor da especificação fica com a coisa

transformada, se ela não puder ser restituída à primitiva forma ou não

puder sê-lo sem perda do valor criado pela especificação. Porém, no

caso de a coisa poder ser restituída à forma original, embora com perda

do valor resultante da especificação, o dono da matéria pode ficar com a

coisa, se o valor da especificação não exceder o da matéria (art. 1256º,

nº 1, do Código Civil). Em ambos os casos, o que ficar com a coisa é

obrigado a indemnizar o outro do valor que lhe pertencer (art. 1256º, nº

2, do Código Civil).

A especificação de boa fé, quando a coisa não possa ser

restituída à forma primitiva sem perda do valor acrescentado, confere a

titularidade da coisa resultante ao trabalhador ou ao dono da coisa

anterior, consoante o valor aditado seja ou não superior ao valor da coisa

e podendo o dono da coisa, no último caso, preferir a indemnização, a

que se encontrará sempre obrigada a parte que adquirir.432

Se a especificação tiver sido feita de má fé, será a coisa

especificada restituída a seu dono no estado em que se encontrar, com

indemnização dos danos, sem que o dono seja obrigado a indemnizar o

autor da obra (especificador), se o valor da especificação não tiver

aumentado em mais de um terço o valor da coisa especificada. Se o

aumento for superior a um terço, deve o dono da coisa pagar o que

exceder o dito terço (art. 1257º do Código Civil).

A especificação de má fé confere a titularidade da coisa

transformada ao titular da coisa primitiva, independentemente do valor

acrescentado. O autor da especificação será indemnizado, mas apenas se

o acréscimo de valor for superior em um terço ao valor da coisa e na

medida em que exceda esse terço.433

Se uma nova pitura tiver maior

valor do que a que estava pintada na tela, sabendo o pintor que não

431

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 435. 432

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 725. 433

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 725.

Page 133: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

133

estava autorizado a fazer a nova pintura e que a tela pertencia a outra

pessoa, o dono da tela fica com a nova pintura e só terá que indemnizar

o pintor se o valor da nova pintura exceder um terço do valor que tinha a

pintura que anteriormente se encontrava na mesma tela, e apenas na

parte em que exceder. Mais terá o dono da tela direito a uma

indemnização pelos prejuízos que possa ter sofrido.

Constituem casos de especificação a escrita, a pintura, o

desenho, a fotografia, a impressão, a gravura e outros atos semelhantes,

feitos com utilização de materiais alheios (art. 1258º do Código Civil).

4.3.3. Acessão industrial imobiliária

Seguindo a definição de Rui Pinto, “na acessão industrial

imobiliária assiste-se a uma incorporação voluntária pelo agente de

coisa móvel, sua ou alheia, em coisa imóvel”.434

A acessão industrial imobiliária constitui uma forma de

aquisição da propriedade sobre um imóvel (trata-se de uma forma de

aquisição originária). No entanto, como se verá, não era assim para o

CCI, no qual a acessão industrial imobiliária não constituía forma de

aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel.

É discutida a questão de saber se a aquisição do direito de

propriedade em virtude da acessão industrial imobiliária é automática ou

depende de manifestação de vontade nesse sentido. Assim, para Oliveira

Ascensão a acessão tem carácter potestativo, ou seja, existe um direito

ou faculdade concedido ao seu beneficiário, que ele pode ou não

exercer.435

Já Rui Pinto entende que, pelo menos em certas situações, a

acessão se dá por mero efeito da união das coisas, exemplifica com a

acessão industrial imobiliária em que o valor acrescentado pela acessão

é inferior ao valor do prédio antes da mesma.436

Aquele que em terreno seu construir obra ou fizer sementeira ou

plantação com materiais, sementes ou plantas alheias adquire os

materiais, sementes ou plantas que utilizou, pagando o respetivo valor,

434

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 322. 435

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 308. 436

Pinto, Direitos Reais de Moçambique, 2006, pág. 339-341.

Page 134: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

134

além da indemnização a que haja lugar (art. 1259º do Código Civil).437

Esta disposição é semelhante à do art. 602º do CCI, o qual acrescenta

que o dono dos materiais utilizados pelo dono do terreno não pode pedir

a remoção desses materiais.

São elementos constitutivos da acessão: a construção de uma

obra, a sua implantação em terreno alheio, a formação de um todo único

entre o terreno e a obra, o valor de um e outro e a boa fé na conduta do

autor da obra.

Há acessão quando se altera substancialmente a coisa, através de

uma nova construção ou plantação, quando há uma transformação, e

benfeitoria quando se verifica um simples melhoramento de uma

edificação já existente.

Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele

fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou

plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o

valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade

dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou

plantações (art. 1260º, nº 1, do Código Civil).438

Ou seja, por exemplo,

se uma pessoa construir uma casa num terreno pertencente a outra

pessoa, estando convencido que o terreno lhe pertence a ele (boa fé), e o

terreno com a casa tiver um valor superior ao dobro do valor do terreno

antes da construção (sendo portanto o valor acrescentado pela

construção superior ao valor anterior do terreno), fica essa pessoa com o

direito de adquirir a propriedade sobre o imóvel (terreno e casa

incorporada), pagando ao dono do terreno o valor que este tinha

anteriormente. Neste caso só se verifica a aquisição do direito se o autor

da acessão manifestar esse desejo e pagar a indemnização

correspondente ao valor inicial do terreno.439

437

A expressão terreno deve ser entendida como prédio alheio e, consequentemente, a

obra pode ser levada a cabo num prédio rústico ou urbano (acórdão do Supremo

Tribunal de Justiça de Portugal de 17-3-1998, in “Colectânea de Jurisprudência –

Acórdãos do STJ”, ano VI, tomo I, Casa do Juiz, Coimbra, 1998, pág. 136). 438

No mesmo sentido o art. 2306º do Código Civil Português de 1867 e o art. 1340º do

Código Civil Português de 1966. 439

Como se viu, trata-se de um direito potestativo do autor da acessão.

Page 135: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

135

Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo

dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no nº 2 do

artigo 1253º (art. 1260º, nº 2, do Código Civil). Se o valor acrescentado

for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do

terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham

ao tempo da incorporação (art. 1260º, nº 3, do Código Civil).

Só há acessão se houver boa fé. Entende-se que houve boa fé, se

o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era

alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno (art.

1260º, nº 4, do Código Civil).

No caso de a obra, sementeira ou plantação ter sido feita de má

fé, tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o

terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do autor dela, ou,

se o preferir, o direito de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo

valor que for fixado segundo as regras do enriquecimento sem causa

(art. 1261º do Código Civil).

Quando as obras, sementeiras ou plantações sejam feitas em

terreno alheio com materiais, sementes ou plantas alheias (quer o

terreno, quer os materiais de construção, as plantas ou sementes

pertencem a pessoas diferentes de quem faz a plantação ou construção),

o dono dos materiais de construção, sementes ou plantas pode adquirir o

direito de propriedade sobre o terreno, ou ser indemnizado pelo seu

valor, nos mesmos termos fixados no artigo 1260º para o caso de

construção de um imóvel, ainda que haja má fé do autor da construção

ou plantação. Ou seja, mesmo que o autor da construção ou plantação

soubesse que o terreno não lhe pertencia, o dono dos materiais não pode

ser responsabilizado pela construção ou plantação feita por aquele, uma

vez que não foi ele quem procedeu à construção e plantação e

desconhecia que o terreno fosse alheio (art. 1262º, nº 1, do Código

Civil).

Mas se tiver agido com culpa, se por alguma forma induziu

quem fez a construção ou plantação (estando este de boa fé) a fazê-la

sabendo que o terreno não lhe pertencia a si, nem a quem fez a

construção ou plantação, é-lhe aplicável mesmo regime que resultaria de

ser ele próprio a fazer a construção ou plantação, mas de má fé. Ou seja,

tem o dono do terreno o direito de exigir que seja desfeita e que o

Page 136: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

136

terreno seja restituído ao seu primitivo estado à custa do dono dos

materiais de construção, plantas ou sementes, ou, se o preferir, o direito

de ficar com a obra, sementeira ou plantação pelo valor que for fixado

segundo as regras do enriquecimento sem causa (art. 1262º, nº 2, do

Código Civil). Se o dono dos materiais de construção, sementes ou

plantas e a pessoa que fez a plantação estiverem os dois de má fé, é

solidária a responsabilidade de ambos, e a divisão do enriquecimento é

feita em proporção do valor dos materiais, sementes ou plantas e da

mão-de-obra. Neste caso, o dono dos materiais de construção, sementes

ou plantas induz ou aceita que a pessoa que faz a construção ou a

plantação o faça em terreno que sabe ser alheio, e este faz a construção

ou plantação sabendo igualmente que o terreno é alheio. Daí a

responsabilidade solidária de ambos.

Quando na construção de um edifício em terreno próprio se

ocupe, de boa fé, uma parcela de terreno alheio, o construtor pode

adquirir a propriedade do terreno ocupado, se tiverem decorrido três

meses a contar do início da ocupação, sem oposição do proprietário,

pagando o valor do terreno e reparando o prejuízo causado,

designadamente o resultante da depreciação eventual do terreno restante

(art. 1263º, nº 1, do Código Civil). O mesmo regime se aplica

relativamente ao titular de qualquer outro direito real (art. 1263º, nº 2,

do Código Civil).

Diferente, como já se referiu, era o regime previsto no CCI.

Assim, se alguém erigisse construção usando os seus próprios materiais

em terreno pertencente a outro indivíduo o dono do terreno podia ficar

com a construção para si (art. 603º do CCI). Se quem erigisse a

construção estivesse de boa fé o dono do terreno podia optar entre

reembolsar o valor dos materiais de construção e salários pagos a quem

construiu, ou pagar uma soma monetária equivalente ao acréscimo do

valor introduzido pela construção no terreno (art. 604º do CCI).

Ou seja, conforme resulta evidente do disposto nestes artigos e

nos arts. 600º e 601º do CCI, no âmbito deste regime, quem procedesse

à implantação de imóveis ou culturas em terreno alheio nunca poderia

por essa via adquirir o direito de propriedade sobre o terreno, ainda que

tivesse agido de boa fé.

Page 137: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

137

Se alguém erigisse construção usando os seus próprios materiais

em terreno pertencente a outro indivíduo, agindo de má fé, o dono do

terreno podia ficar com a construção para si, ou exigir que esta fosse

removida por quem procedera à construção, a expensas deste, o qual

ainda teria que indemnizar o dono do terreno por eventuais outros

prejuízos resultantes da construção (art. 603º do CCI). Porém, se o dono

do terreno optasse por ficar com a construção ou as culturas, teria que

compensar os custos dos materiais empregues e dos salários pagos, sem

poder optar pelo valor acrescentado do terreno (art. 603º do CCI).

Em conclusão, o CCI não prevê a acessão industrial imobiliária

como forma de aquisição da propriedade, contrariamente ao que sucede

com o Código Civil Timorense. Ora, para aferir a possibilidade de

aquisição do direito com base na acessão importa considerar o regime

vigente à data da construção ou sementeira (art. 11º, nº 1, do Código

Civil). Assim, se esta ocorreu já no âmbito de vigência do Código Civil,

é possível a aquisição da propriedade nos termos supra referidos, caso

contrário, tem aplicação o regime do CCI, que impede tal

possibilidade.440

4.4. Direitos concedidos pela administração colonial

portuguesa

4.4.1. Alvará de propriedade perfeita

Recuando ao período das descobertas e da conquista de

territórios pelo Reino de Portugal, do ponto de vista internacional

(naquela época), a descoberta e a conquista legitimam a soberania e as

terras passam assim a pertencer à Coroa que delas dispõe livremente.441

Relativamente ao regime jurídico interno todo o território

pertencia ao Rei, à Coroa (Bula Romanus Pontifex), e mais tarde ao

Estado Colonial.442

440

No caso de uma construção, deve considerar-se a data em que a mesma foi

concluída. 441

Caetano, História do Direito Português, 2000, pág. 526. 442

Decreto de 13 de Agosto de 1832 e a Carta de Lei de 9 de Maio de 1901.

Page 138: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

138

Os alvarás de propriedade perfeita, embora raros,443

constituem

títulos de concessão originária do direito de propriedade, do Estado

Colonial Português para os particulares que deles beneficiaram.444

Os alvarás de propriedade perfeita foram transformados em

direito de propriedade (Hak Milik), nos termos do art. 2º, nº 1, do

Regulamento Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março

de 1991.445

4.4.2. Alvará de propriedade indígena

Os alvarás de propriedade indígena traduzem-se no

reconhecimento do direito de propriedade já titulado por indivíduos

originários das colónias.446

Porém, conforme referido, o Estado colonial português não

deixou nunca de considerar que as terras atribuídas por meio dos alvarás

de propriedade indígena continuavam a pertencer-lhe, reconhecendo-se

apenas ao titular do alvará a possibilidade de ocupar e fruir a terra, sem

qualquer contrapartida, mas não se atribuindo ao mesmo o direito de

propriedade.

Precisamente porque a situação não era clara, existindo a ideia

dos titulares de alvará de propriedade indígena que os mesmos eram

proprietários da terra,447

o Governador da Província de Timor veio

expressamente declarar que apenas o Estado Colonial Português era

proprietário da terra, com exceção dos casos de propriedade perfeita,

443

Relatório da missão de trabalho em Timor-Leste de equipa técnica do Instituto dos

Registos e do Notariado do Ministério da Justiça de Portugal. 444

Neste sentido o acórdão do Tribunal de Recurso de 24-5-2011, processo nº

06/Cível/2011/TR, relator Rui Penha. 445

A questão é aqui abordada apenas relativamente aos cidadãos de nacionalidade

indonésia, que na altura incluía os cidadãos timorenses, uma vez que relativamente aos

estrangeiros a conversão foi feita para outros tipos de direitos reais (menores), ou para

relações contratuais. 446

Sobre esta matéria veja-se Sousa, Administração Colonial, 1914, págs. 215-216

(“antigamente não se reconheciam direitos de propriedade aos indígenas; as suas terras

eram res nullius. Porem, mais tarde, razões de justiça e motivos de ordem politica

levaram os povos colonisadores a mudar de orientação”). 447

Veja-se a referida Carta de Lei de 9 de Maio de 1901 e o Diploma Legislativo nº

718, publicado no Boletim Oficial de Timor nº 18, de 7 de Maio de 1966.

Page 139: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

139

através da Portaria do Governo da Província nº 193, de 27 de Julho de

1914,448

“a ninguém é reconhecida a propriedade perfeita dos terrenos,

sejam os proprietários nacionais ou estrangeiros, indigenas ou não

indigenas”, acrescentando “aos indigenas é reconhecido o direito de

aforamento dos terrenos que usufruem e habitam independentemente da

adjudicação em hasta pública” (art. 11º), direito de aforamento que

resulta da conversão dos títulos anteriores (§ 1º do art. 11º).

Esta conversão dos alvarás de propriedade indígena em

aforamento veio a ser confirmada pelo Diploma Legislativo nº 719, de 7

de Maio de 1966.449

Assim, não podem invocar os titulares de alvará de

propriedade indígena o direito de propriedade sobre a terra, apenas com

base no mesmo,450

conforme se verá de seguida.

4.4.3. Aforamento451

O Estado Português conferiu igualmente, em maior número,

alvarás de aforamento, que também podiam ser designados alvará de

propriedade foreira.452

O aforamento foi considerado o instrumento jurídico mais

adequado, ao tempo, para levar a cabo a ocupação efetiva da terra

com fins produtivos, garantindo, em simultâneo, que se mantinha a

titularidade do direito de propriedade no Estado colonizador,

conforme referido supra.453

448

Publicada no Boletim Oficial de Timor nº 34 de 1914. 449

Publicado no Boletim Oficial de Timor nº 18, de 7 de Maio de 1966. 450

Já poderão invocar os direitos inerentes à ocupação da terra, nomeadamente a

aquisição do direito por usucapião. 451

A questão merece análise nesta sede, independentemente da caracterização que se

vier a fazer deste tipo de direito real menor infra, porque se tem constatado a invocação

da atribuição de alvará de aforamento pela administração colonial portuguesa, como

uma forma de aquisição do direito de propriedade plena sobre imóveis. 452

O sistema de aforamento era entendido como o ideal para concessão de terras nas

colónias (Ramos e Sousa, Administração Colonial, 1914, pág. 317). 453

“Nascida a emphyteuse, como contrato juridico, da necessidade a que os

proprietarios chegaram de não poderem por si proprios cultivarem os seus extensos

predios, por falta de braços e de capitaes moveis que n’elles empregassem, deixando-

Page 140: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

140

Efetivamente, o aforamento, também designado por

emprazamento ou enfiteuse, consiste no desmembramento do direito de

propriedade em dois domínios, direto e útil, dando lugar ao pagamento

de um foro pelo titular do domínio útil ao senhorio, ou titular do

domínio direto (arts. 1653º do Código Civil Português de 1987 e 1491º,

nº 1, do Código Civil Português de 1966).454

Na enfiteuse, o proprietário transfere ao enfiteuta o jus utendi, o

jus fruendi e, inclusive, o jus disponendi. Daí que parte dos

doutrinadores considere o enfiteuta também um proprietário, sendo

certo, porém, que maioritariamente se entende na doutrina que não o

é.455

Segundo José de Oliveira Ascensão, “Toda a constituição de um

direito real menor implica, não uma transferência de poderes do

proprietário para outrem, mas a constituição ex novo desses poderes na

cabeça do novo titular, e simultaneamente a limitação da propriedade

por um dever que soluciona o conflito entre os direitos sobrepostos. E

isto é, afinal, a oneração”.456

No sentido de o titular do domínio direto

manter para si o direito de propriedade pronunciou-se igualmente

Alfredo de Morais Almeida, acrescentando: “o direito de propriedade do

senhorio directo como que se conserva latente, ... revivendo e

recuperando todo o seu vigor logo que as circumstancias o

reclamem”.457

Na jurisprudência portuguesa tem-se defendido mesmo que a

concessão por aforamento de terrenos nas antigas Províncias

Ultramarinas de Portugal, é figura diferente e mais complexa que a

enfiteuse. Na concessão por aforamento compete ao senhorio direto

os assim converter em extensos matagaes bravios; ella é, pois, como que um recurso

desesperado, o ultimo, de que os mesmos proprietarios lançaram mão para valorisar os

seus vastos territorios, visto elles por si sós não o poderem fazer, nem encontrarem

arrendatários que, nas condições ordinarias tomassem conta d’elles” (Almeida, Da

Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 55). 454

Sobre esta matéria pronunciou-se o acórdão do Tribunal de Recurso de 3-8-2010,

processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha, que aqui se seguiu. 455

Veja-se Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág.

55 456

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 279. 457

Almeida, Da Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 57.

Page 141: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

141

fiscalizar a atividade do foreiro sobre o aproveitamento de modo a

saber-se se este é feito de acordo com o programa delineado.458

Coloca-se a questão de saber se os titulares de alvarás de

aforamento não adquiriram o direito de propriedade perfeita sobre os

prédios objeto do aforamento, face à extinção legal dos aforamentos

rurais e urbanos operada pelo legislador português, respetivamente

através do Decreto-Lei [do Governo de Portugal] nº 195-A/76, de 16 de

Março (extinção do aforamento de prédios rústicos), e do Decreto-Lei

[do Governo de Portugal] nº 233/76, de 2 de Abril (extinção do

aforamento de prédios urbanos). Efetivamente, em ambos os casos, o

foreiro (ou seja, o titular do alvará de aforamento) adquiriu o direito de

propriedade plena sobre os prédios objeto do aforamento com a extinção

deste, conforme arts. 1º, nº 1, e 1º, nº 2, dos referidos diplomas,

respetivamente.

Porém, como já se referiu, no acórdão do Tribunal de Recurso de

1-6-2012459

concluiu-se que os aludidos diploma não tiveram aplicação

no território de Timor-Leste em virtude de naquelas datas o

ordenamento jurídico português já não vigorar no território nacional.

O CCI não regulava o aforamento, uma vez que o instituto que

mais se aproximava do aforamento tinha duração limitada, não sendo

perpétuo, com a designação de direito de ocupação por arrendamento

de longa duração,460

previsto nos arts. 720º a 736º, sendo o seu regime

mais próximo do arrendamento.461

Assim, nos termos do art. 3º, nº 2, do Regulamento

Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991, sobre

a conversão dos direitos de propriedade sobre imóveis na Província de

Timor Leste de acordo com a Lei de Bases Agrária, o direito de

aforamento de terreno urbano foi convertido em direito de uso de

458

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa nº 0061321, de 29 Setembro 1992, in

vlex.pt. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa

nº 0059011, de 26 Maio 1992, igualmente in vlex.pt. 459

Processo nº 05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha. 460

“Hak Guna Usaha (erfpacht)”. 461

Sendo certo, porém, que o mesmo é regulado na parte relativa aos direitos reais. A

enfiteuse também era regulada na parte relativa aos direitos reais no Código Civil

Português de 1996 (arts. 1491º a 1523º), mas era regulado na parte relativa aos

contratos no Código Civil Português de 1867 (arts. 1653º a 1705º).

Page 142: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

142

estruturas462

por um período de vinte anos.463

Este facto veio reforçar

ainda mais a natureza de direito real menor do aforamento,

aproximando-o agora ao direito de superfície consagrado nos arts. 711º

a 719º do CCI. O direito de superfície é entendido como um direito

autónomo – a se – próximo do direito de propriedade, mas que não se

confunde com este.464

Assim se concluiu no acórdão do Tribunal de Recurso de 3-8-

2010:465

“se é certo que o beneficiário do aforamento pode usar o prédio

como seu, também é certo que ele não adquiriu o direito de propriedade

plena sobre o mesmo”.466

Este alvará de aforamento só poderia converter-se em

propriedade mediante remissão do foro, nos termos do art. 1511º do

Código Civil Português de 1966, casos em que era emitido o competente

alvará de propriedade.467

4.4.4. Renda resolúvel

O direito de propriedade resolúvel encontrava-se previsto no art.

2171º do Código Civil Português de 1867 (Código de Seabra) como o

que, “conforme o título da sua constituição, está sujeita a ser revogada,

independentemente da vontade do proprietario”.

No Código Civil Português de 1966 o mesmo é definido como

propriedade sob condição (art. 1307º, nº 1).468

O nº 3 do art. 1307º

remetia o regime do direito de propriedade resolúvel para os arts. 272º a

277º do mesmo diploma, ou seja, para o regime das condições

462

“Hak Guna Bangunan”. 463

O “direito de uso de estruturas” (Hak Guna-Bangunan) encontra-se regulado na

secção V (arts. 35º a 40º) da Lei de Bases Agrária (UNDANG-UNDANG POKOK

AGRARIA – UUPA), aprovada pela Lei nº 5 de 1960. 464

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 431. 465

Processo nº 01/Cível/Apelação/2009/TR. 466

No mesmo sentido o mencionado acórdão de 1-6-2012, processo nº

05/Cível/Apelação/2012/TR, relator Rui Penha. 467

Relatório da missão de trabalho em Timor-Leste de equipa técnica do Instituto dos

Registos e do Notariado do Ministério da Justiça de Portugal. 468

Veja-se o art. 1227º, nº 1, do Código Civil.

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143

resolutivas.469

Daí que se entenda que os contratos de renda resolúvel

sejam celebrados sob condição resolutiva.

Conforme se refere na sentença proferida pelo juiz João Felgar, a

10-11-2009,470

“o regime em causa [de concessão de terrenos para

construção em regime de renda resolúvel] foi amplamente utilizado pelo

Estado português a partir da década de 30 na construção subsidiada de

imóveis (Decreto Lei nº 23052, de 23 de Setembro de 1933).

Encarregando-se o Estado do financiamento da construção através da

constituição de fundos, alienava os imóveis entretanto construídos sendo

o respetivo preço pago em prestações mensais. Enquanto decorresse o

prazo de pagamento, a propriedade do imóvel estava sujeita a uma série

de limitações (nomeadamente, não podia ser sujeito a posteriores

alienações, tanto mais que nem sequer estava registado a favor do

adquirente; as benfeitorias careciam de autorização prévia, etc.). Caso o

pagamento não viesse a completar-se, haveria lugar a um despejo do

adquirente (desalojado por mandato, de acordo com a expressão

empregue pelo legislador) e à perda das prestações pagas, havendo lugar

à rescisão do contrato.

“Em Timor Leste, enquanto colónia portuguesa, foi constituído o

Fundo das Habitações Económicas pelo Decreto nº 46602, de 20 de

Outubro de 1965, com a especial função de promover a construção de

casas económicas em regime de propriedade resolúvel nos termos do DL

nº 23 052, cujo funcionamento veio a ser regulado pela Portaria nº 3848,

de 6 de Fevereiro de 1966”.

Sendo o regime o de transmissão do direito sob condição

resolutiva impõe-se a prova da verificação do pagamento integral do

preço para que o titular do direito possa invocar o direito de propriedade

sobre o imóvel.471

Porém, se o titular do direito faleceu antes de se

469

Conforme o art. 1228º do Código Civil. 470

Processo nº 42/CIVEL/2009/TD.DIL, do Tribunal Distrital de Dili. 471

Acórdão do Tribunal de Recurso de 30-3-2009, processo nº 57/2003, relator José

Luís da Goia (“Embora os efeitos do contrato celebrado, sob condição resolutiva -

propriedade resolúvel - se produzam logo aquando da conclusão do negócio, uma vez

que o direito de propriedade sob condição resolutiva tem o conteúdo normal do direito

de propriedade, é certo que nestes contratos realizados sob condição resolutiva, como

são aqueles denominados de contrato de atribuição de moradia económica celebrados

ao abrigo do disposto no Decreto Lei nº 23 052, de 23 de Setembro de 1933, em

Page 144: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

144

concluir o pagamento, o direito de propriedade consolidava-se na pessoa

dos seus herdeiros, cessando a obrigação de pagamento das prestações

em falta, conforme disposto no art. 25º, § 4º, da Portaria nº 3 848,

publicada no Boletim Oficial de Timor nº 5, de 5 de Fevereiro de 1966.

4.4.5. Alvará de arrendamento

O contrato de arrendamento encontrava-se definido nos arts.

1022º e 1023º do Código Civil Português de 1966, como aquele pelo

qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário

de um imóvel, mediante retribuição (renda). A mesma definição

encontrava-se no Código Civil Português de 1867 (arts. 1595º e

1596º).472

O alvará de arrendamento consubstancia um contrato de

arrendamento com o Estado colonial português, pelo que apenas confere

ao seu titular (arrendatário, ou inquilino), o direito ao uso e fruição do

imóvel, por tempo limitado. Sendo assim, não pode constituir meio de

aquisição do imóvel, nem confere posse ao arrendatário.473

Os alvarás de arrendamento conferidos pela Administração

Colonial Portuguesa foram convertidos em direito de uso (Hak Pakai),

pelo período de 10 anos pelo art. 4º, nº 2, do Regulamento

Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991,

5. Transmissão do direito de propriedade sobre imóveis474

A transmissão do direito de propriedade sobre imóveis, bem

como a constituição, transmissão ou alteração de qualquer outro direito

real sobre imóveis, tem que ser efetuada por escritura pública (art. 809º

princípio, a plena propriedade do prédio objecto do contrato, apenas se transmite com

o pagamento da última prestação da renda mensal”). 472

Art. 1595º: “Dá-se contrato de locação, quando alguem traspassa a outrem, por

certo tempo, e mediante certa retribuição, o uso e fruição de certa coisa”. Art. 1596º:

“A locação diz-se arrendamento quando versa sobre cousa immovel”. 473

Conforme referido supra (Título II, Capítulo II, als. b) e d), o arrendatário é mero

detentor, não possuidor, sendo possuidor o senhorio, no caso o Estado, que exerce a

posse por intermédio do arrendatário. 474

Esta matéria foi já objecto de estudo supra no título I, capítulos 2 (al. h) e 3.

Page 145: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

145

do Código Civil e arts. 617º e 613º do CCI). No mesmo sentido, o art.

37º, nº 2, al. a), do Regime Jurídico do Notariado (Decreto-Lei nº

3/2004, de 4 de Fevereiro) estabelece a obrigação da celebração dos

referidos negócios por escritura pública. A falta de observância desta

forma determina a nulidade do contrato (art. 211º do Código Civil e art.

617º do CCI).

Contrariamente ao que ocorre no Código Civil, o CCI prescrevia

a natureza constitutiva do registo dos atos de transmissão, constituição

ou alteração de direitos reais (arts. 616º, 617º e 620º do CCI), o que

significa que tais atos, como seja a compra e venda de imóveis só

poderão produzir efeitos após o registo.475

Ou seja, enquanto no âmbito do CCI é obrigatório o registo dos

atos referidos para que os mesmos possam produzir os seus efeitos, o

novo Código Civil basta-se com a obrigação de celebração dos negócios

por escritura pública, produzindo eles os seus efeitos mesmo que não se

proceda ao respetivo registo, que assim é facultativo.476

475

Por isso a prova dos contratos de transmissão, constituição ou alteração de direitos

reais só pode ser feita mediante certidão do registo em vez de mera certidão da

escritura pública do contrato (art. 617º, 2ª parte, do CCI). 476

O mesmo regime vigorava no âmbito do Código Civil Português de 1867 (art.

1590º), podendo, porém, a venda ser feita por escrito particular se o imóvel tivesse

valor inferior a cinquenta mil réis, e no âmbito do Código Civil Portugês de 1966 (art.

875º do). No entanto, o negócio só produzia efeitos em relação a terceiros após o

registo (art. 1549º do Código Civil Português de 1867 e art. 7º, nº 1, do Código de

Registo Predial Português aprovado pelo Decreto-Lei nº 47 611, de 28 de Março de

1967). Ou seja, o negócio produzia efeitos entre os contraentes (vendedor e

comprador), mas só poderia ser oposto a outras pessoas após o registo.

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146

Page 147: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

147

IV – COMPROPRIEDADE

1. Definição

Existe compropriedade, ou propriedade em comum, quando duas

ou mais pessoas são simultaneamente titulares do direito de propriedade

sobre a mesma coisa (art. 1323º, nº 1, do Código Civil).477

A doutrina divide-se relativamente à natureza jurídica da

compropriedade.

a) A doutrina tradicional entende a compropriedade como a

coexistência dos direitos de cada um dos comproprietários sobre uma

quota ideal do bem (cada um dos comproprietários tem direito a uma

fração do bem, mas esta não é especificada, é meramente ideal, só com a

divisão a mesma pode ser determinada);478

b) Para outra, existem diversos direitos de propriedade,

individuais, sobre o mesmo objeto, que se limitam reciprocamente;479

c) Finalmente, para outra, existe um único direito com vários

titulares.480

Afigura-se que a lei seguiu a primeira das apontadas posições:481

cada um dos direitos em concurso incide sobre a coisa comum, embora

não se refira a parte específica da mesma.482

Os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa

477

Determinado direito pode pertencer a vários indivíduos ao mesmo tempo, caso em

que se configura a comunhão. Se recair tal comunhão sobre um direito de propriedade

tem-se o condomínio ou compropriedade. Um estado anormal da propriedade; uma vez

que, tradicionalmente, a propriedade pressupõe assenhoreamento de um bem com

exclusão de qualquer outro sujeito, a existência de uma co-titularidade importa uma

anormalização da sua estrutura. 478

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 255, citando Manuel Rodrigues. 479

Luís Pinto Coelho, segundo Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 257. No

mesmo sentido Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 271 (“Na comunhão

encontramos uma pluralidade de direitos da mesma espécie, que recaem sobre idêntica

coisa”). 480

Henrique Mesquita, segundo Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 255. 481

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 256-257. 482

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 350.

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148

comum são qualitativamente iguais, embora possam ser

quantitativamente diferentes;483

as quotas presumem-se, todavia,

quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título

constitutivo (art. 1323º, nº 1, do Código Civil).

As regras da compropriedade são aplicáveis, com as necessárias

adaptações, à comunhão de quaisquer outros direitos, sem prejuízo do

disposto especialmente para cada um deles (art. 1324º do Código Civil).

A aplicação das regras da compropriedade à comunhão de quaisquer

outros direitos tem importância, designadamente para efeitos de direito

de preferência.484

Daqui resulta, por exemplo, que o direito de

preferência, próprio da compropriedade, também se aplica aos casos de

contitularidade do direito de usufruto, de servidão, ou de qualquer outro

direito real.

Não existia no CCI regulamentação autónoma da

compropriedade, pelo que se deve usar o regime resultante da aplicação

das regras da propriedade e da distribuição e divisão de herança, por

analogia (art. 573º do CCI).

Para se poder falar em comunhão é necessário que os diversos

direitos (dos diferentes proprietários) que incidem sobre a mesma coisa

sejam idênticos, isto é, que sejam qualitativamente iguais. Podem ser, no

entanto, quantitativamente diferentes, no sentido de as respetivas

afetações implicarem diferentes percentagens das utilidades e valor da

coisa.485

Ou seja, todos têm que ser proprietários, sem limitações

especiais para algum deles, mas um pode ter, por exemplo, uma quota

de 75% da propriedade comum e o outro ter apenas os restantes 25%; as

quotas de cada comproprietário podem ser diferentes.

483

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 266 (“ao contrário do que acontece nas

outras hipóteses de sobreposição de direitos reais, as posições do vários participantes

são qualitativamente idênticas. Não se deduza daí que também são quantitativamente

idênticas. Pode a repartição quantitativa ter-se feito de modo a que a um pertença 1/6,

a outro 1/3, a outro 1/2 ... Intervém assim uma noção de quota”). 484

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 252. 485

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág. 621.

Page 149: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

149

Compropriedade é diferente da herança indivisa.486

No caso de

herança indivisa o direito de propriedade é apenas um, o da própria

herança enquanto património autónomo. Só após a aceitação da herança

os bens que a integram poderão passar a pertencer em compropriedade a

vários herdeiros.487

Também se distingue a compropriedade da sociedade, uma vez

que esta pressupõe uma atividade económica que não seja de mera

fruição, ao passo que a compropriedade é uma atividade de mera

fruição.488

Os comproprietários exercem, em conjunto, todos os direitos que

pertencem ao proprietário singular e participam separadamente nas

vantagens e encargos da coisa na proporção das suas quotas (art. 1325º,

nº 1, do Código Civil). Cada consorte pode reivindicar de terceiro a

coisa comum, sem que a este terceiro seja lícito opor-lhe que ela lhe não

pertence por inteiro (art. 1325º, nº 2, do Código Civil).489

Ou seja, o

comproprietário tem legitimidade para intentar uma ação de

reivindicação contra outra pessoa (que não seja igualmente

comproprietário), sem necessidade de intervenção dos restantes titulares

do direito.490

486

No CCI a herança só permanece indivisa no caso de se desconhecerem os herdeiros,

ou não haja acordo sobre quem tenha tal qualidade, caso em que a herança é colocada

sob custódia judicial (art. 833º do CCI). Assim, logo que seja seja aberta a herança, os

bens do de cujus passam a ser titulados em compropriedade pelos seus herdeiros. 487

Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 936, citando os acórdãos da Relação de

Coimbra de 26-6-1968 e da Relação de Lisboa de 1-3-1973, respectivamente na

Revista dos Tribunais, ano 88º, pág. 95, e sumariado no Boletim do Ministério da

Justiça de Portugal, nº 235, pág. 346. 488

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 254. 489

No âmbito do CCI (art. 834º), o herdeiro pode exigir a restituição da totalidade dos

bens da herança de qualquer pessoa que não seja herdeiro, mas só pode exigir a sua

quota se os bens estiverem na posse de outros ou outros herdeiros. Parece, assim, que o

CCI segue a doutrina de que a compropriedade é constituída por direitos individuais

convergentes sobre os mesmos bens. Porém, não se compreende como se pode

conseguir a entrega de uma quota em caso de compropriedade sem se proceder à

divisão para partilha. 490

Ou seja, não se verifica aqui o litisconsórcio necessário previsto no art. 31º do CPC.

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150

2. Direitos e encargos do comproprietário

Na falta de acordo sobre o uso da coisa comum, a qualquer dos

comproprietários é lícito servir-se dela, contanto que a não empregue

para fim diferente daquele a que a coisa se destina e não prive os outros

consortes do uso a que igualmente têm direito (art. 1326º, nº 1, do

Código Civil).

O uso da coisa comum por um dos comproprietários não

constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se

tiver havido inversão do título (art. 1326º, nº 2, do Código Civil).491

Ou seja, se um comproprietário possuir as partes dos outros,

pode adquirir essas partes por usucapião, mas apenas se, relativamente a

elas, inverter o título de possuidor em nome alheio. Até à inversão do

título, o comproprietário que possua a totalidade do prédio é possuidor

em nome alheio da parte que exceder a sua quota.492

A inversão do título

de posse, entre eles, apenas se poderá dar por oposição de um ao outro

dos contitulares, ou do uso por um contra o uso que o outro pretendesse

fazer da coisa.

O estado de facto criado pela divisão feita pelos

comproprietários sem escritura ou ato público pode converter-se em

estado de direito, mediante usucapião, se cada um dos comproprietários

tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que ficou a pertencer-lhe

na divisão e tal posse se revestir dos requisitos legais.493

É o caso, muito

comum, de partilha de herança meramente informal, que podem conferir

o direito a uma parte determinada do imóvel que integrava a herança,

devido ao decurso do tempo.

491

Conforme supra (Título II, Capítulo IV, al. d), para que o comproprietário possa

invocar a posse para efeitos da aquisição do direito de propriedade sobre a totalidade

do direito, terá que primeiro proceder à inversão do título de posse, nos termos dos

arts. 1185º do Código Civil e 1960º e 1961º do CCI. 492

“Há aqui uma aplicação dos princípios gerais: enquanto não houver inversão do

título, a posse de cada um mede-se pelo título que possui” (Ascensão, Direito Civil –

Reais, 2000, pág. 267). 493

Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 939.

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151

3. Administração da coisa

É aplicável aos comproprietários, com as necessárias adaptações,

o disposto no artigo 916º, relativo à administração das sociedades civis

(art. 1327º, nº 1, do Código Civil). Nos termos do art. 916º, nº 1, do

Código Civil, na falta de convenção em contrário, todos os

comproprietários têm igual poder para administrar.

Pertencendo a administração a todos ou apenas a alguns deles,

qualquer dos comproprietários tem o direito de se opor ao ato que outro

pretenda realizar, cabendo à maioria decidir sobre o mérito da oposição

(art. 916º, nº 2, do Código Civil). O conflito é resolvido pela recíproca

limitação no exercício dos direitos concorrentes, de modo a chegar-se a

uma situação de paralelismo das vantagens e sacrifícios.494

Pertencendo a administração a todos os comproprietários em

conjunto, entende-se, em caso de dúvida, que as deliberações podem ser

tomadas por maioria (art. 916º, nº 3, do Código Civil). Salvo estipulação

noutro sentido, considera-se tomada por maioria a deliberação que reúna

os sufrágios de mais de metade dos comproprietários (art. 916º, nº 4, do

Código Civil). Contudo, para que se verifique a maioria dos consortes

exigida por lei, é necessário que eles representem, pelo menos, metade

do valor total das quotas (art. 1327º, nº 1, do Código Civil).

Não basta uma maioria pessoal de votos, é necessário que essa

maioria represente também a maioria das quotas. Ou seja, as maiorias

referidas nestas disposições legais são constituídas simultaneamente

pela maioria dos votos (dos comproprietários), mas esta tem que

constituir também a maioria das quotas.495

Por exemplo se um

comproprietário possui 60% do direito sobre o bem e mais quatro têm

10% cada um, o que tem a quota maior tem que votar a decisão, sob

pena de ter que se recorrer ao tribunal para dirimir a questão.496

Ainda que para a administração em geral, ou para determinada

494

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, págs. 265-266. 495

Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 940, e Cordeiro, Direitos Reais, 1993, pág.

624. 496

“Exige-se pois uma maioria ponderada” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000,

pág. 268).

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152

categoria de atos, seja exigido o assentimento de todos os

comproprietários, ou da maioria deles, a qualquer deles é lícito praticar

os atos urgentes da administração destinados a evitar um dano iminente

(art. 916º, nº 5, do Código Civil). É possível cada comproprietário

praticar atos de administração isoladamente. A cada comunheiro é lícito

praticar atos de administração, enquanto não houver oposição dos

restantes.

Os comproprietários podem deliberar, por maioria a forma de

administração da coisa. Se o não fizerem aplicam-se as regras que

supletivamente regem sobre a administração das sociedades (art. 916º do

Código Civil).

Quando não seja possível formar a maioria legal, a qualquer dos

consortes é lícito recorrer ao tribunal, que decidirá segundo juízos de

equidade (art. 1327º, nº 2, do Código Civil).

Os atos realizados pelo comproprietário contra a oposição da

maioria legal dos consortes são anuláveis e tornam o autor responsável

pelo prejuízo a que der causa (art. 1327º, nº 3, do Código Civil).

4. Disposição e oneração da quota

O comproprietário pode dispor de toda a sua quota na comunhão

ou de parte dela, mas não pode, sem consentimento dos restantes

consortes, alienar nem onerar parte especificada da coisa comum (art.

1328º, nº 1, do Código Civil).497

A disposição ou oneração de parte

especificada sem o consentimento dos consortes é havida como

disposição ou oneração de coisa alheia (art. 1328º, nº 2, do Código

Civil).

Tal como acontece no caso de venda de coisa alheia, sendo

embora a mesma anulável na relação entre o comprador e o vendedor,

no caso de venda ou arrendamento da totalidade da coisa por um dos

comproprietários, sem o consentimento dos restantes, o negócio é

ineficaz em relação a estes, pelo que os mesmos não têm que tomar

497

Tratando-se a compropriedade de um direito de propriedade sobre uma quota ideal,

não pode o compropietário dispor daquilo de que não é proprietário, uma determinada

parte individual do bem comum.

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153

qualquer atitude no sentido de o declarar, apenas tendo que se comportar

como se o negócio não existisse.

Segundo Vaz Serra, “Os aforismos res inter alios acta aliis non

prodest nec nocet e nemo plus júris transferre potest quam ipse habet,

são também aplicáveis à venda, feita por um dos comproprietários, da

coisa ou de parte especificada dela, sem consentimento dos outros, dado

que essa venda representa venda de coisa alheia no que se refere aos

direitos de compropriedade ou de quotas dos demais comproprietários:

ao dispor de coisa comum ou de parte determinada desta, o

comproprietário dispõe, não apenas do seu direito sobre a coisa, mas

também dos direitos dos outros sobre ela. Há aí, portanto, no que

respeita ao direito deles, uma venda ou disposição de coisa alheia.

“Consequentemente, essa venda é ineficaz em relação aos

consortes que nela não consentiram, tal como é ineficaz em relação ao

versus dominus a venda de coisa totalmente sua em que ele não

consinta. Resulta daí que esses consortes não precisam de fazer anular o

contrato podendo comportar-se como se ele não tivesse sido

celebrado”.498

No entanto, o contrato de compra e venda de coisa

comum por apenas um dos comproprietários pode ser convertido, pelas

partes contratantes, num contrato de compra e venda da quota do

vendedor na coisa comum.

A disposição da quota está sujeita à forma exigida para a

disposição da coisa (art. 1328º, nº 3, do Código Civil). Assim, no caso

de venda de quota referente a bem imóvel, a mesma tem que ser

celebrada por escritura pública (art. 809º do Código Civil).499

O consentimento dos restantes comproprietários terá que ser

prestado pela mesma forma exigida para o negócio, ou seja, por

escritura pública se for o caso de venda da quota referente a um bem

imóvel. O consentimento pode ser anterior, contemporâneo ou mesmo

posterior ao negócio.

498

In “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 103º, pág. 56, citado por Neto,

Código Civil Anotado, 1993, pág. 941. 499

No mesmo sentido os arts. 617º e 618º do CCI.

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154

5. Direito de preferência

O comproprietário goza do direito de preferência e tem o

primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em

cumprimento, a estranhos da quota de qualquer dos seus consortes (art.

1329º, nº 1, do Código Civil). Para José de Oliveira ascensão, “O direito

de preferência atribui a um sujeito a prioridade na aquisição, em caso de

alienação ou oneração realizada pelo titular actual de um direito real”.500

Complementam Álvaro Moreira e Carlos Fraga que, “O direito real de

preferência confere a pessoas em certas situações a possibilidade de

adquirirem uma coisa, no caso de o proprietário dela a pretender alienar

e o preferente estar disposto a pagar por ela a mesma importância que o

terceiro adquirente se propõe pagar. É, portanto, o direito de fazer suas

certas coisas, dando o valor pelo qual se projecta negociar a coisa”.501

Como resulta do texto legal, a preferência só se verifica no caso de

venda a estranhos na comunhão, assim, no caso de venda a um outro

comproprietário, os restantes comproprietários não gozam de tal

direito.502

O direito de preferência só vale para os negócios onerosos, e não

para os negócios gratuitos, pelo que não pode haver preferência, como é

evidente, no caso de doação de bens.503

O direito de preferência tem a natureza de um direito real de

aquisição.504

No caso do direito de preferência conferido ao

comproprietário, estamos perante um caso de preferência legal.505

O titular do direito de preferência pode renunciar ao mesmo

antecipadamente.

É aplicável à preferência do comproprietário, com as adaptações

500

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 571. 501

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 138. 502

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 333. 503

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 263. 504

Sobre a natureza do direito de preferência Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000,

págs. 574-576. 505

O direito de preferência pode ter a natureza negocial, resultando de cláusula

testamentária (art. 2098º do Código Civil), ou de pacto de preferência (arts. 349º a 358º

do Código Civil). As preferências legais são típicas, no sentido de terem de estar

especialmente previstas na lei.

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155

convenientes, o disposto nos artigos 351º a 353º506

(art. 1329º, nº 2, do

Código Civil).

Assim, querendo vender a coisa que é objeto da preferência, o

obrigado deve comunicar ao titular do direito o projeto de venda e as

cláusulas do respetivo contrato (art. 351º, nº 1, do Código Civil). O

Código não estipula qualquer exigência de forma para a comunicação,

pelo que se deve considerar válida qualquer forma que dê a conhecer ao

titular do direito de preferência os aludidos elementos do negócio

projetado.507

O obrigado à preferência, ou seja, o vendedor, deve comunicar

ao titular do direito o projeto de venda com as cláusulas essenciais

correspondentes e que são determinativas e condicionantes da vontade

do titular em preferir ou não, nomeadamente a identificação do

comprador e o preço.508

Significa isto que, quer no caso de projeto de

venda, quer no caso de venda consumada, o titular do direito tem sempre

que conhecer os elementos ou cláusulas essenciais do negócio realizado

ou projetado porque só assim poderá formar a sua vontade com pleno

conhecimento de causa.

Só depois dessa comunicação se pode constatar se o preferente

renunciou ou não ao direito de que era titular. Efetivamente, recebida a

comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito

dias, sob pena de caducidade (art. 351º, nº 2, do Código Civil).509

506

Normas que regulam a preferência convencional (estabelecida mediante contrato). 507

Não é, portanto, exigida a forma escrita, podendo fazer-se a mesma verbalmente

(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 577). Porém, uma vez que é o alienante

que tem o ónus de prova da comunicação (art. 510º, nº 2, do CPC), deve este adoptar

um meio de comunicação que lhe permita a prova do mesmo (se a comunicação for

verbal, deve o vendedor fazer-se acompanhar de pessoas que possam testemunhar a

mesma). 508

A identificação do comprador é considerado elemento essencial para determinar a

vontade do titular do direito em preferir, uma vez que tendo o mesmo que partilhar a

propriedade sobre o bem com este, a pessoa em causa pode assumir particular

relevância atenta a própria natureza da compropriedade. 509

A caducidade não precisa ser alegada pelo beneficiário, uma vez que neste caso é de

conhecimento oficioso, por se tratar de norma de ordem pública (324º, nº 1, do Código

Civil). Neste sentido Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano

103º, pág. 298, e contra Vaz Serra, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano

78º, pág. 182, ambos citados por Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 947.

Page 156: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

156

Estamos perante uma declaração unilateral de vontade, recetícia,

e que produz efeitos a partir do momento em que chega à esfera do

conhecimento do destinatário ainda que este dela não tome

conhecimento efetivamente (art. 215º do Código Civil).

Estes factos (conhecimento dos elementos completos da venda e

inércia continuada e por tempo determinado, que conduz à caducidade

do direito) são factos extintivos que como tal têm que ser provados pelo

vendedor (art. 510º, nº 2, do CPC).

A comunicação da venda ou do projeto de venda, se não contiver

todos os elementos essenciais do negócio, omitindo ou adulterando

cláusulas essenciais que constam dele, tem a mesma consequência da

omissão do obrigado à preferência na comunicação ao titular do direito

da venda ou do projeto de venda. Neste caso, se o obrigado à preferência

vier a vender a terceiros o prédio que devia dar de preferência, o titular

do direito pode exercê-lo nos seis meses seguintes à data em que teve

conhecimento completo dessas mesmas cláusulas essenciais do contrato

que condicionam a vontade do preferente em exercer ou não o direito

(art. 1330º, nº 1, do Código Civil).

Se o obrigado quiser vender a coisa juntamente com outra ou

outras, por um preço global, pode o direito ser exercido em relação

àquela pelo preço que proporcionalmente lhe for atribuído, sendo lícito,

porém, ao obrigado exigir que a preferência abranja todas as restantes,

se estas não forem separáveis sem prejuízo apreciável (art. 352º, nº 1, do

Código Civil). Se o obrigado receber de terceiro a promessa de uma

prestação acessória que o titular do direito de preferência não possa

satisfazer, será essa prestação compensada em dinheiro; não sendo

avaliável em dinheiro, é excluída a preferência, salvo se for lícito

presumir que, mesmo sem a prestação estipulada, a venda não deixaria

de ser efetuada, ou que a prestação foi convencionada para afastar a

preferência (art. 353º, nº 1, do Código Civil). Se a prestação acessória

tiver sido convencionada para afastar a preferência, o preferente não é

obrigado a satisfazê-la, mesmo que ela seja avaliável em dinheiro (art.

353º, nº 2, do Código Civil).

Sendo dois ou mais os preferentes, a quota alienada é adjudicada

a todos, na proporção das suas quotas (art. 1329º, nº 3, do Código Civil).

Page 157: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

157

6. Ação de preferência

O comproprietário a quem se não dê conhecimento da venda ou

da dação em cumprimento tem o direito de haver para si a quota

alienada,510

mediante ação judicial, contanto que o requeira dentro do

prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos

elementos essenciais da alienação, e deposite o preço devido nos 15 dias

seguintes à propositura da ação (art. 1330º, nº 1, do Código Civil).511

Por força do disposto no art. 289º, nº 2, do Código Civil, tal prazo só

pode ser entendido como prazo de caducidade.

Nos termos do disposto no art. 319º, ainda do Código Civil, o

prazo de caducidade não se suspende nem se interrompe, o que significa

que a única forma de evitar a caducidade é praticar o ato dentro do prazo

fixado.512

Assim, para obstar à caducidade basta à parte intentar a ação

dentro do prazo estipulado, não tendo que se preocupar se os réus serão

ou não citados ainda no decurso de tal prazo.513

O direito de preferência só nasce com a aquisição efetiva do

prédio e não com a comunicação da intenção da mesma, ou com o

contrato-promessa respetivo. A referida comunicação apenas serve para

concluir pela prévia renúncia ao exercício do direito.514

A procedência de uma ação de preferência tem como

consequência necessária uma modificação subjetiva no negócio que

justificou o exercício do respetivo direito. Modificação subjetiva, com

eficácia ex tunc, por concretamente colocar o preferente na posição que

510

“Se a alienação tiver sido realizada fora das condições legais manifesta-se então o

direito real” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 577). O titular do direito de

preferência (o preferente), através do exercício do direito de preferência, pode ficar

com o bem alienante, reembolsando o comprador pelo preço por ele pago na aquisição

de tal bem. 511

A ação de preferência segue a forma de ação declarativa de condenação, com

processo comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 2, do CPC), com as especialidades

referidas no art. 1330º do Código Civil (embora aqui se encontre elementos próprios

das acções constitutivas). 512

Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, vol. II, 1995, pág. 571. 513

Já o prazo de prescrição só se interrompe com a citação do réu, conforme o art.

314º, nº 1, do Código Civil, sem prejuízo do disposto no nº 2, do mesmo artigo.

Veja-se no mesmo sentido os arts. 1979º e 1980º do CCI. 514

Mesquita, Obrigações Reais e Ónus Reais, 2003, pág. 225, e in “Revista de

Legislação e Jurisprudência”, ano 126º, Coimbra: Coimbra Editora, 1992, pág. 62.

Page 158: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

158

inicialmente detinha o adquirente da coisa.515

O direito de preferência não envolve a obrigação de contratar,

mas apenas a de, querendo a pessoa contratar, escolher certa pessoa (o

preferente) antes de qualquer outra, em igualdade de circunstâncias com

a sua contraparte.516

A preferência pressupõe a concorrência ou colisão de direitos

opostos ou inconciliáveis sobre a mesma coisa, sendo o do preferente

superior.517

A ação deve ser posta pelo menos contra o adquirente da coisa,

mas há quem entenda que se deve demandar o adquirente e o alienante,

que estava obrigado a dar a preferência.518

Certo é, porém, que,

produzindo a preferência apenas uma substituição da posição do

comprador o vendedor não tem verdadeiramente interesse na ação, pelo

que não se poderá considerar que a sua falta constitua motivo de

ilegitimidade (conforme art. 29º do CPC).519

O direito de preferência e a respetiva ação não são prejudicados

pela modificação ou distrate da alienação, ainda que estes efeitos

resultem de confissão ou transação judicial (art. 1330º, nº 2, do Código

Civil).

7. Benfeitorias necessárias

Os comproprietários devem contribuir, em proporção das

respetivas quotas, para as despesas necessárias à conservação ou fruição

da coisa comum, sem prejuízo da faculdade de se eximirem do encargo

renunciando ao seu direito (art. 1331º, nº 1, do Código Civil). No caso

de um comproprietário entender que os encargos com a coisa são

515

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, pág. 380. 516

Antunes Varela, in “Revista de Legislação e Jurisprudência”, ano 115º, Coimbra:

Coimbra Editora, 1983, pág. 274. 517

Acordão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal de 18 de Janeiro de 1979, in

“Boletim do Ministério da Justiça de Portugal”, nº 283, Lisboa, 1979, pág. 279. Veja-

se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 576 (a preferência está ou pode estar

“relacionada com um conflito de direitos reais que ela, por liquidação, vai

solucionar”). 518

Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 578. 519

Ou seja, não se está perante um caso de litisconsórcio necessário do art 31º do CPC.

Page 159: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

159

excessivos terá que renunciar ao direito de propriedade sobre o imóvel.

Caso contrário terá que comparticipar nos mesmos.

A renúncia, porém, não é válida sem o consentimento dos

restantes consortes, quando a despesa tenha sido anteriormente aprovada

pelo interessado, e é revogável sempre que as despesas previstas não

venham a realizar-se (art. 1331º, nº 2, do Código Civil).

A renúncia do comproprietário está sujeita à forma prescrita para

a doação e aproveita a todos os consortes, na proporção das respetivas

quotas (art. 1331º, nº 3, do Código Civil). A renúncia relativa ao direito

de compropriedade sobre coisa imóvel só será válida se for celebrada

por escritura pública (art. 881º, nº 1, do Código Civil).520

As obrigações referidas neste artigo quanto às despesas de

conservação ou fruição da coisa comum constituem exemplo típico de

obrigações propter rem ou ob rem, isto é, de obrigações impostas, em

atenção a certa coisa, a quem for titular desta. Assim, dada a conexão

funcional existente entre a obrigação e o direito real, a pessoa do

obrigado é determinada através da titularidade da coisa: é obrigado

quem for titular do direito real. Como a obrigação existe por causa da

res, ao obrigado é concedida a faculdade de se libertar dela, renunciando

ao seu direito real (abandono liberatório).521

Se o comproprietário obrigado renunciar ao seu direito, quem

adquire a quota são os outros comproprietários. Trata-se de uma espécie

de compensação para o encargo acrescido que eles têm nas despesas de

conservação ou nas benfeitorias necessárias.

8. Extinção da compropriedade

8.1. Direito de exigir a divisão

Nenhum dos comproprietários é obrigado a permanecer na

indivisão, salvo quando se houver convencionado que a coisa se

conserve indivisa (art. 1332º, nº 1, do Código Civil).522

O prazo fixado para a indivisão da coisa não excederá cinco

520

Conforme o art. 211º do Código Civil. 521

Varela, Das Obrigações em Geral, vol. II, 1993, pág. 151. 522

A este propósito veja-se o art. 1066º do CCI, com redacção semelhante.

Page 160: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

160

anos; mas é lícito renovar este prazo, uma ou mais vezes, por nova

convenção (art. 1332º, nº 2, do Código Civil).523

Trata-se de uma

exceção ao princípio contido no número 1 do art. 1332º.524

A

indivisibilidade pode constar do negócio de aquisição do bem,

acordando todos os comproprietários que não se poderá proceder à

divisão durante um determinado prazo, ou pode ser fixada em

testamento.

A cláusula de indivisão vale em relação a terceiros, mas deve ser

registada para tal efeito, se a compropriedade respeitar a coisas imóveis

ou a coisas móveis sujeitas a registo (art. 1332º, nº 3, do Código Civil).

O registo é necessário para que a cláusula possa ser oposta a terceiros.

Assim, na ausência de registo, o terceiro que tenha adquirido a quota

pode exigir a divisão.

8.2. Processo da divisão

A divisão é feita amigavelmente ou nos termos da lei do

processo (art. 1333º, nº 1, do Código Civil). Ou seja, a divisão pode ser

efetuada por via negocial (amigavelmente), ou por meio de ação

judicial, quando os interessados não chegaram a um entendimento.

A ação judicial deve seguir a forma de ação declarativa de

condenação, com processo comum (arts. 3º, nº 2, al. b), e 347º, nº 1, do

CPC).525

Deve, porém, comprovado o direito do autor e citados os réus,

depois de proferido o despacho saneador,526

proceder-se a conferência

entre as partes, para se tentar obter a divisão amigável (art. 400º, nº 2, do

CPC), seguindo-se sorteio se os bens tiverem igual valor ou licitações,

após o que se proferirá sentença adjudicando-se os quinhões respetivos a

um dos comproprietários e condenando-se os obrigados a pagar tornas

523

O mesmo prazo é fixado no aludido art. 1066º do CCI. 524

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 266. 525

Neste caso a prova deverá consistir apenas na determinação dos interessados, caso

isso tenha sido questionado, na verificação da divisibilidade ou indivisibilidade do bem

e no apuramento dos factos necessários a que se proceda à divisão à formação de

quinhões, ou para se decidir pela indivisibilidade do bem. Neste caso, antes de

proferida a sentença, deverá ainda o juiz realizar uma diligência para sorteio das

fracções. 526

Independentemente da conciliação prevista no art. 385º do CPC.

Page 161: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

161

no seu pagamento.

Tratando-se de bem indivisível, procede-se então a licitações

para determinar para quem fica o bem, após o que se proferirá sentença

adjudicando-se o bem a um dos comproprietários e condenando-se este a

pagar o preço devido aos restantes.

A divisão amigável está sujeita à forma exigida para a alienação

onerosa da coisa (art. 1333º, nº 2, do Código Civil). Assim, no caso da

divisão por via negocial de bem imóvel, a mesma tem que ser realizada

por escritura pública.527

Como já se referiu, o estado de facto criado pela divisão feita

pelos comproprietários sem escritura ou auto público pode converter-se

em estado de direito, pelo princípio da usucapião, se cada um dos

comproprietários tiver exercido posse exclusiva sobre o quinhão que

ficou a pertencer-lhe na divisão e tal posse se revestir dos requisitos

legais.528

Por exemplo, se dois ou mais herdeiros de um terreno

procedem à divisão informal do mesmo (sem celebração de qualquer

escritura pública) e passam a usar cada um uma parte determinada do

aludido terreno, ainda formalmente indiviso, decorrido o prazo de

usucapião de imóveis, passam a ser proprietários da porção de terreno

que cada um ocupa.

527

Arts. 809º e 211º do Código Civil. 528

Neto, Código Civil Anotado, 1993, pág. 964.

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163

V – PROPRIEDADE HORIZONTAL

1. Definição

As frações de que um edifício se compõe, em condições de

constituírem unidades independentes, podem pertencer a proprietários

diversos em regime de propriedade horizontal (art. 1334º do Código

Civil). Há propriedade horizontal quando as frações autónomas

componentes de um prédio pertençam a proprietários diferentes. Esses

proprietários diversos são chamados de condóminos. Cada condómino é

proprietário exclusivo da sua fração e comproprietário das partes

comuns do prédio (art. 1340º, nº 1, do Código Civil).

Atualmente, isto tem uma importância maior, especialmente nos

grandes centros urbanos que crescem verticalmente, e com o acentuar

dessa tendência também se acentua a importância da propriedade

horizontal.

Os requisitos da propriedade horizontal são assim de ordem

material e referem-se ao objeto:

a) Uma construção organizada de modo a que o edifício possa

ser fracionado e em que as frações resultantes possam ser autónomas e

independentes entre si. Autónomas no sentido de cada uma delas ser

autossuficiente para o fim a que se destina; independentes por cada uma

delas dever garantir a necessária privacidade para o fim a que se

destina;529

b) O edifício, para além de ser fracionado em partes com as

características indicadas, tem que ter partes comuns.530

Não há

propriedade horizontal sem que existam partes comuns e frações

529

Nos termos do art. 1335º do Código Civil, “só podem ser objecto de propriedade

horizontal as fracções autónomas que, além de constituírem unidades independentes,

sejam distintas e isoladas entre si, com saída própria para uma parte comum do prédio

ou para a via pública”.

Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 462. 530

“A propriedade horizontal supõe que não há autonomia estrutural das várias

fracções, na medida em que fazem parte do mesmo objecto unitário, e que

funcionalmente haja utilização de coisas comuns – escadas, ascensores, canalizações,

etc. (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 273).

Page 164: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

164

autónomas.

O que caracteriza a propriedade horizontal e constitui razão de

ser do respetivo regime é o facto de as frações independentes fazerem

parte de um edifício de estrutura unitária.531

Não existe no CCI regulamentação autónoma para a propriedade

horizontal.

2. Modos de constituição da propriedade horizontal

Encontram-se previstos no art. 1337º, nº 1, do Código Civil, e

são negócio jurídico, usucapião ou decisão judicial proferida em ação de

divisão de coisa comum ou em processo de inventário.

2.1 Usucapião

Pode dar-se quando, num prédio com todas as características

necessárias para a propriedade horizontal, se verifique uma situação de

posse sobre as partes autonomizáveis do mesmo.532

2.2 Decisão judicial

Havendo um edifício em compropriedade, um dos meios de

proceder à sua divisão, em ação de divisão de coisa comum, é a

constituição de uma propriedade horizontal, desde que, em termos

materiais, se verifiquem os requisitos da propriedade horizontal.

Também pode haver constituição da propriedade horizontal em processo

de partilhas. Até porque a instituição da propriedade horizontal é a única

forma que se conhece para dividir um prédio urbano, um edifício.533

531

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 271. 532

Assim, por exemplo, num prédio com quatro fracções autonomizáveis, cada uma

delas é ocupada por uma família, com o animus de proprietário apenas dessa fracção,

pelo prazo correspondente à prescrição aquisitiva do direito de propriedade sobre

imóveis. 533

“Figure-se que dois indivíduos são co-herdeiros de um proprietário de um prédio,

cada um deles tendo direito a uma quota ideal; em vez de um deles ficar com o prédio

e o outro receber tornas, decidem fazer a divisão submetendo o prédio ao regime de

Page 165: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

165

A decisão judicial de constituição de propriedade horizontal deve

ser pedida por uma das partes.534

2.3 Negócio jurídico

Neste caso pode acontecer uma de duas situações:

1º - Existir um prédio já construído cujo proprietário decide

submetê-lo por qualquer razão, ao regime da propriedade horizontal.

Para tanto, há que celebrar um título constitutivo que consiste numa

escritura que o notário lavrará com base no documento que a entidade

competente para verificar os requisitos materiais da propriedade

horizontal atesta.535

A partir do momento de celebração do título constitutivo, as

frações autónomas estão aptas para serem adquiridas.

O direito pleno e exclusivo do proprietário do edifício altera-se,

já que as vicissitudes da coisa afetam o direito. Então, deixa de existir

um direito de propriedade para passarem a existir vários direitos de

propriedade, tantos, quantas as frações autónomas existentes.

O fracionamento do edifício implica automaticamente o

fracionamento do direito, o que significa que, ainda que haja um só

proprietário, existem vários direitos de propriedade, tantos quantas as

frações autónomas.

2º - Edifícios construídos tendo em vista a aplicação desde o

início do regime da propriedade horizontal. Neste caso, a constituição da

propriedade horizontal só surge a partir do momento em que o edifício

está em condições de cumprir o fim a que se destina.

propriedade horizontal, porque se verificam os requisitos respectivos e cada um deles

fica com um certo número de unidades equivalentes às do outro; fazem a divisão

criando o regime de propriedade horizontal” (Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971,

pág. 279). 534

Princípios do impulso processual (art. 7º do CPC) e do dispositivo em processo civil

(art. 220º do CPC). 535

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 275.

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166

3. Conteúdo obrigatório do ato de constituição da

propriedade horizontal

O art. 1338º do Código Civil indica os aspetos que têm que

constar obrigatoriamente do título constitutivo:

- Identificação derivada das várias frações autónomas;

- Valor de cada fração relativamente ao todo, determinado em

percentagem ou permilagem.

O título constitutivo tem ainda que indicar qual o fim que se

destina a propriedade horizontal.

A fração autónoma é objeto de um direito de propriedade

exclusiva, enquanto as partes comuns são objeto de compropriedade.

A expressão propriedade horizontal designa um regime jurídico

que vai dar lugar à figura do condómino. Por força da realidade material,

o direito de condómino tem uma estrutura bipartida e complexa, porque

engloba, como já se viu:

a) Um direito de propriedade exclusiva sobre a fração autónoma;

b) Um direito de compropriedade sobre as partes comuns.

O condómino não tem dois direitos, tem um único direito que

possui esta estrutura complexa, ou seja, o direito do condómino é

integrado por dois direitos que se fundem para dar origem a um direito

diferente. Nesta fusão, ambos os direitos perdem algumas das

características que lhe são fundamentais, quando considerados

isoladamente.536

Por isso, o direito de propriedade, além das limitações normais

da propriedade em geral, encontra-se neste caso também limitado por

outras limitações constantes do art. 1342º do Código Civil, sendo a

principal, a limitação pelo fim específico a que a coisa se destina;

Também a compropriedade sofre alterações importantes, visto

536

Sobre a natureza do regime da propriedade horizontal veja-se Ascensão, Direito

Civil – Reais, 2000, págs. 463-464, e Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, págs. 273-

274.

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167

que se trata de uma compropriedade forçada, no sentido de que, aqui, a

regra é a impossibilidade de divisão. Além disso, os condóminos não

gozam do direito de preferência na aquisição.537

Frequentemente, o título constitutivo não identifica quais as

partes comuns. Porém, tudo aquilo que não seja devidamente

especificado no título como fração autónoma considera-se parte comum

e, como tal, pode ser usado por todos. Existe ainda a possibilidade de

consignar, no título constitutivo, a utilização exclusiva de uma parte

comum por uma fração autónoma.

As partes comuns encontram-se definidas pelo art. 1341º do

Código Civil538

e, nem todas as partes comuns têm a mesma natureza:

- Há partes obrigatoriamente comuns (nº 1);

- Há partes presumidamente comuns (nº 2).

Face a esta disposição, o título constitutivo que especifica

alguma das partes obrigatoriamente comuns como inteirando

(integrando) uma fração autónoma, será nulo quanto a tal indicação. No

entanto, o título constitutivo pode afetar uma destas partes

obrigatoriamente comuns ao uso exclusivo de um titular de uma fração

autónoma. Aquela parte do prédio continua a ser comum, embora seja

utilizada exclusivamente por um condómino.539

No que concerne às

partes obrigatoriamente comuns, nenhum dos condóminos pode negar-

se ao pagamento dos encargos de conservação e fruição.

Já relativamente às partes presumidamente comuns, o título

constitutivo pode identificar qualquer destas partes como parte

integrante de uma fração autónoma.

537

Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 464. 538

“São necessariamente comuns o solo e tudo o que constitui a estrutura do prédio, a

cobertura, as entradas e passagens que não sejam de uso exclusivo de um dos

condóminos e as instalações gerais de água, electricidade, aquecimento e semelhantes”

(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 462). 539

Por exemplo, é usual que o proprietário do último andar de um prédio possa usar o

terraço do mesmo quando a casa dá directamente para tal terraço.

Page 168: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

168

4. Administração das partes comuns na propriedade

horizontal

Conforme referido por Álvaro Moreira e Carlos Fraga, “É

necessária a existência de uma estrutura adequada à prática dos actos de

administração dessas partes comuns”.540

As partes comuns de um edifício em propriedade horizontal são

administradas por dois órgãos, a saber:

- A assembleia dos condóminos;

- A administração dos condóminos.

Da assembleia dos condóminos fazem parte todos aqueles que

são proprietários de uma fração autónoma e as decisões desta assembleia

são tomadas validamente segundo três tipos de maiorias:

- Em regra, maioria simples;

- Para deliberar sobre inovações, maioria qualificada – art. 1346º

do Código Civil;

- Para modificar o título constitutivo, unanimidade – art. 1339º

do Código Civil;

- Para dispor de uma parte comum exige-se também a

unanimidade e isto porque a disposição de uma parte comum implica a

alteração do título constitutivo.

5. Extinção do Condomínio

A extinção da propriedade horizontal pode dar-se por força de

três circunstâncias distintas:

- A destruição do edifício (prevista no art. 1349º do Código

Civil). Aqui a extinção corresponde à conversão por efeito do

desaparecimento do edifício, do regime de propriedade horizontal para a

compropriedade normal do terreno e dos materiais que tenham

subsistido.

540

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 284. “A matéria da administração das

partes comuns traz problemas complexos, que não permitem abandoná-la às regras

normais da comunhão” (Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 466).

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169

- A concentração das propriedades singulares nas mãos de uma

só pessoa. A concentração não implica a extinção automática da

propriedade horizontal, podendo o proprietário único do prédio manter o

regime para o caso, por exemplo, de pretender vender mais tarde as

frações tal como existiam. Para que se extinga a propriedade horizontal

é necessário que expressamente seja manifestada essa intenção no

próprio título de concentração ou cancelamento, no registo predial, da

inscrição do título constitutivo.

- Expropriação do edifício por utilidade pública. Se o edifício

sujeito ao regime de propriedade horizontal for expropriado por

utilidade pública, extingue-se a propriedade horizontal, uma vez que o

prédio fica afeto ao fim público que provocou a expropriação.

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171

VI – PROPRIEDADE DAS ÁGUAS

1. Classificação das águas

As águas são classificadas na lei como públicas ou particulares.

As primeiras estão sujeitas ao regime estabelecido em leis especiais e as

segundas às disposições do Código Civil, nos artigos 1305º e seguintes.

Sobre esta matéria importa ter em consideração o disposto no art.

139º da Constituição da RDTL, o qual determina no seu nº 1: “Os

recursos do solo, do subsolo, das águas territoriais, da plataforma

continental e da zona económica exclusiva, que são vitais para a

economia, são propriedade do Estado e devem ser utilizados de uma

forma justa e igualitária, de acordo com o interesse nacional”.541

Por

outro lado são ainda evidentes as preocupações ambientais relativas à

utilização da água542

consagradas no nº 3 do aludido preceito

constitucional.543

Nestes termos, a ideia de desenvolvimento integrado, harmónico

e sustentável surge como o resultado de um equilíbrio necessário entre

as políticas de crescimento económico e social e a conservação da

Natureza.544

1. São particulares:

a) As águas que nascerem em prédio particular e as pluviais que

nele caírem, enquanto não transpuserem os limites do mesmo prédio ou

daquele para onde o dono dele as tiver conduzido, e ainda as que,

ultrapassando esses limites e correndo por prédios particulares, forem

consumidas antes de se lançarem no mar ou em outra água pública;

b) As águas subterrâneas existentes em prédios particulares;

541

Veja-se os arts. 521º e 522º do CCI. 542

Água que a própria constituição considera um recurso natural essencial ao

desenvolvimento nacional. 543

“O aproveitamento dos recursos naturais deve manter o equilíbrio ecológico e evitar

a destruição de ecossistemas”. 544

Masseno, Da disciplina jurídica dos recursos hidroagrícolas em Portugal, 1996, pág.

26.

Page 172: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

172

c) Os lagos e lagoas existentes dentro de um prédio particular,

quando não sejam alimentados por corrente pública;

d) As águas originariamente públicas que tenham entrado no

domínio privado até 21 de Março de 1868, por preocupação, doação

régia ou concessão;

e) As águas públicas concedidas perpetuamente para regas ou

melhoramentos agrícolas;

f) As águas subterrâneas existentes em terrenos públicos,

municipais ou de freguesia, exploradas mediante licença e destinadas a

regas ou melhoramentos agrícolas (art. 1306º, nº 1, do Código Civil).

A preocupação consistia na ocupação de coisas da Coroa, da

Nação ou do Estado, ou seja, de águas públicas e não de águas

particulares.545

Quer dizer que, no que respeita às águas, preocupação

define-se como a apropriação de águas do domínio público por um

particular.

Por outro lado, à derivação da água da corrente não navegável

nem flutuável para fins particulares, chamava-se presa.546

A presa

consiste no desvio de um curso de água por um particular para uso da

mesma.

Guilherme Moreira salienta que, “A presa de água, juridicamente

pode representar ou não uma servidão, conforme a derivação da água é

feita ou não em prédio alheio e em proveito de outro prédio,

considerando-se a presa como o próprio facto da derivação, e

relacionando-se esta derivação com o uso da água que, sem solução de

continuidade, é conduzida para o prédio ou local em que se aproveita, a

presa e o aqueduto547

formam um todo”.548

545

Costa, Propriedade das águas das Correntes não Navegáveis nem Flutuáveis, 1978,

pág. 5. 546

Represa para retenção e aproveitamento das águas. 547

Encanamento por onde se leva a água, sobre arcadas ou sob a plataforma das vias de

comunicação, de um ponto para outro (Grande Dicionário Universal da Língua

Portuguesa, versão em formato eletrónico). 548

Moreira, As Águas no Direito Civil Português, vol. I, 1960, págs. 173-174.

Page 173: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

173

No domínio do direito anterior ao Código Civil Português de

Seabra, mais precisamente até 21 de Março de 1868, era lícito a

qualquer particular, se outro o não tivesse feito antes, apropriar-se para

fins agrícolas ou fabris das águas de uma corrente não navegável ou

flutuável, mediante a construção de obras permanentes de captação e

derivação; a isto chama-se direito de preocupação.

Na medida dessa apropriação, verificava-se uma desafetação do

uso público das águas apropriadas, tornando-se estas particulares, tendo

os direitos resultantes da preocupação sido salvaguardados,

sucessivamente, pelo Código Civil Português de Seabra (art. 438º),

Decreto nº 5787-IIII, de 10 de Maio de 1919 – Lei das Águas (art. 33º) e

Código Civil Português de 1966 (art. 1386º, nº 1, al. d).

Por isso que, adquirido por preocupação o direito de propriedade

sobre determinadas águas, passou tal direito a poder ser alvo de qualquer

negócio jurídico translativo daquela ou de usucapião nos termos gerais.

Não estando fixado o volume das águas referidas nas alíneas d),

e) e f), do art. 1306º, nº 1, entender-se-á que há direito apenas ao caudal

necessário para o fim a que as mesmas se destinam (art. 1306º, nº 2, do

Código Civil. Veja-se o art. 629º do CCI). Ou seja, pretende-se

assegurar um uso equitativo (equilibrado e justo) da água por todos os

proprietários que dela possam aproveitar. Todos os aproveitamentos que

não envolvam atos materiais que excedam o limite fixado mantêm-se

livres tanto no que respeita ao domínio público hídrico como às águas

particulares.549

São ainda classificadas como águas particulares:

a) Os poços, galerias, canais, levadas, aquedutos, reservatórios,

albufeiras e demais obras destinadas à captação, derivação ou

armazenamento de águas públicas ou particulares;

b) O leito ou álveo das correntes não navegáveis nem flutuáveis

que atravessam terrenos particulares (art. 1307º, nº 1, do Código Civil.

Veja-se o art. 591º do CCI).

549

Masseno, Da disciplina jurídica dos recursos hidroagrícolas em Portugal, 1996, pág.

39.

Page 174: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

174

Entende-se por leito ou álveo a porção do terreno que a água

cobre sem transbordar para o solo natural, habitualmente enxuto (art.

1307º, nº 3, do Código Civil). Quando a corrente passa entre dois

prédios, pertence a cada proprietário o terreno compreendido entre a

linha marginal e a linha média do leito ou álveo (ou seja, entre a

margem e o meio do leito do rio), incluindo aqui o direito às ilhas ou

mouchões formados no leito do rio, nos termos do disposto no artigo

1251º (art. 1307º, nº 3, do Código Civil). As faces ou rampas e os

capelos dos cômoros550

, valados, tapadas, muros de terra, alvenaria ou

enrocamentos erguidos sobre a superfície natural do solo marginal não

pertencem ao leito ou álveo da corrente, mas fazem parte da margem

(art. 1307º, nº 4, do Código Civil).

Em casos urgentes de incêndio ou calamidade pública, as

autoridades administrativas podem, sem forma de processo nem

indemnização prévia, ordenar a utilização imediata de quaisquer águas

particulares necessárias para conter ou evitar os danos (art. 1308º, nº 1,

do Código Civil). Se da utilização da água resultarem danos apreciáveis,

têm os lesados direito a indemnização, paga por aqueles em benefício de

quem a água foi utilizada (art. 1307º, nº 2, do Código Civil). Apenas no

caso de se verificarem danos apreciáveis para o dono da água haverá

lugar a indemnização.

O dono do prédio onde haja alguma fonte ou nascente de água

pode servir-se dela e dispor do seu uso livremente, ressalvadas as

restrições previstas na lei e os direitos que terceiro haja adquirido ao uso

da água por título justo (art. 1309º do Código Civil).

Veja-se o art. 627º do CCI, o qual consagra o mesmo princípio,

sem prejuízo dos direitos adquiridos pelos proprietários dos terrenos

situados a jusante, conforme disposto no art. 626º do mesmo diploma.

550

Pequena elevação de terreno, combro, outeiro, cabeço, socalco (Grande Dicionário

Universal da Língua Portuguesa, versão em formato eletrónico).

Page 175: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

175

Considera-se título justo de aquisição da água das fontes e

nascentes, conforme os casos, qualquer meio legítimo de adquirir a

propriedade de coisas imóveis ou de constituir servidões (art. 1310º, nº

1, do Código Civil). A usucapião, porém, só é atendida quando for

acompanhada da construção de obras, visíveis e permanentes, no prédio

onde exista a fonte ou nascente, que revelem a captação e a posse da

água nesse prédio; sobre o significado das obras é admitida qualquer

espécie de prova (art. 1310º, nº 2, do Código Civil).

Em caso de divisão ou partilha de prédios sem intervenção de

terceiro, a aquisição do direito de servidão nos termos do artigo 1440º

não depende da existência de sinais reveladores da destinação do antigo

proprietário (art. 1310º, nº 3, do Código Civil).

Os donos dos prédios para onde se derivam as águas vertentes de

qualquer fonte ou nascente podem eventualmente aproveitá-las nesses

prédios; mas a privação desse uso por efeito de novo aproveitamento

que faça o proprietário da fonte ou nascente não constitui violação de

direito (art. 1311º do Código Civil. Veja-se o art. 627º do CCI).

Ao proprietário da fonte ou nascente não é lícito mudar o seu

curso costumado, se os habitantes de uma povoação ou casal há mais de

cinco anos se abastecerem dela ou das suas águas vertentes para gastos

domésticos (art. 1312º, nº 1, do Código Civil).551

Se os habitantes da

povoação ou casal não houverem adquirido por título justo o uso das

águas, o proprietário tem direito a indemnização, que será paga,

conforme os casos, pela respetiva junta de freguesia552

ou pelo dono do

casal (art. 1312º, nº 2, do Código Civil. Veja-se o art. 628º do CCI).

Neste artigo é imposta uma restrição à faculdade de

aproveitamento e disposição da água de fonte ou nascente. A restrição

consiste na obrigação do proprietário da fonte ou nascente não impedir

ou dificultar o aproveitamento que venha sendo feito há mais de cinco

anos. A obrigação de não mudar o curso costumado da água só existe

quando, por essa forma, se prejudiquem os beneficiários da restrição, e

551

Entende-se por povoação um agregado de casas formando um lugar ou aldeia.

Entende-se por casal o lugar formado por uma só casa. 552

A junta de freguesia é uma autarquia local, nomalmente constituída por um

povoado, não prevista ainda na legislação nacional timorense.

Page 176: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

176

tal não se verifica se estes se aproveitam das águas no local onde

nascem. Quando o abastecimento se faça na corrente formada por essas

águas, a obrigação negativa só deverá abranger o caudal de que os

habitantes da povoação ou casal careçam; quanto ao excedente há

liberdade para o proprietário. Ou seja, o proprietário pode desviar o

curso da água, mas terá que manter no curso que existia anteriormente a

água necessária à satisfação das necessidades dos beneficiários. Esta

limitação abrange igualmente o curso subterrâneo da água.553

Este artigo, porque limitativo do direito de propriedade, tem que

ser interpretado restritivamente.

As mesmas regras são aplicadas, com as necessárias adaptações,

às águas pluviais referidas na alínea a) do nº 1 do artigo 1308º e às águas

dos lagos e lagoas compreendidas na alínea c) do mesmo número (art.

1313º do Código Civil).

É lícito ao proprietário procurar águas subterrâneas no seu

prédio, por meio de poços ordinários ou artesianos, minas ou quaisquer

escavações, contanto que não prejudique direitos que terceiro haja

adquirido por título justo (art. 1314º, nº 1, do Código Civil). Assim, não

pode o proprietário fazer por esse meio alterar ou diminuir as águas de

fonte ou reservatório destinadas ao uso público (art. 1316º do Código

Civil). Fora esta situação, a diminuição do caudal de qualquer água

pública ou particular, em consequência da exploração de água

subterrânea, não constitui violação de direitos de terceiro, exceto se a

captação se fizer por meio de infiltrações provocadas e não naturais (art.

1314º, nº 2, do Código Civil).

As infiltrações provocadas, não naturais, são as que as que

artificialmente causam o desvio das águas que se encontram ou passam

à superfície ou no subsolo do prédio vizinho, indo para além daquelas

que atinjam naturalmente o prédio do captante e onde o problema das

infiltrações se não põe.

Tal como se verifica para as águas das fontes e nascentes,

também se consideram títulos justos de aquisição das águas subterrâneas

qualquer meio legítimo de adquirir a propriedade de coisas imóveis ou

553

Mesquita, Direitos Reais, 1984, pág. 216.

Page 177: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

177

de constituir servidões, conforme os casos (art. 1315º, nº 1, do Código

Civil). A simples atribuição a terceiro do direito de explorar águas

subterrâneas não importa para o proprietário a impossibilidade de usar

do mesmo direito, a menos que tal resulte claramente do título (art.

1315º, nº 2, do Código Civil).

Devem ser criados por legislação administrativa mecanismos de

controlo do aproveitamento das águas subterrâneas, sujeitando a sua

captação a licenciamento.

2. Condomínio das águas

Pertencendo a água a dois ou mais utilizadores, todos devem

contribuir para as despesas necessárias ao conveniente aproveitamento

dela, na proporção do seu uso, podendo para esse fim executar-se as

obras necessárias e fazer-se os trabalhos de pesquisa indispensáveis,

quando se reconheça haver perda ou diminuição de volume ou caudal

(art. 1318º, nº 1, do Código Civil). O coutente não pode eximir-se do

encargo, renunciando ao seu direito em benefício dos outros coutentes,

contra a vontade destes (art. 1318º, nº 2, do Código Civil).

A divisão das águas comuns, quando deva realizar-se e se nada

estiver escrito sobre o assunto no respetivo título, é feita em proporção

da superfície de terreno que cada um precisa regar e das necessidades e

natureza da cultura dos terrenos a regar. Pode repartir-se o caudal ou o

tempo da utilização da água, como mais convier ao seu bom

aproveitamento (art. 1319º do Código Civil. Veja-se o art. 630º do CCI).

O artigo deve ser interpretado extensivamente de forma a abarcar todos

os direitos ao uso de águas, nomeadamente por servidão.

As águas fruídas em comum que, por costume seguido há mais

de vinte anos, estiveram divididas ou subordinadas a um regime estável

e normal de distribuição continuam a ser aproveitadas por essa forma,

sem nova divisão (art. 1320º, nº 1, do Código Civil).554

554

Trata-se de uma situação de relevância jurídica do costume, nos termos do art. 2º do

Código Civil (“Os usos costumeiros são juridicamente atendíveis quando a lei o

determine”).

Page 178: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

178

A obrigatoriedade do costume impõe-se também aos coutentes

que não sejam donos da água, sem prejuízo dos direitos do proprietário,

que pode a todo tempo desviá-la ou reivindicá-la, se estiver a ser

aproveitada por quem não tem nem adquiriu direito a ela (art. 1320º, nº

2, do Código Civil).

O costume na divisão de águas respeita aos costumes de facto,

aos modos como em cada localidade ou aldeia se procede ao

aproveitamento das águas

Consideram-se abolidos no aproveitamento das águas o costume

de as utilizar pelo sistema de torna-torna555

ou outros semelhantes,

mediante os quais a água pertença ao primeiro ocupante, sem outra

norma de distribuição que não seja o arbítrio; as águas que assim tenham

sido utilizadas consideram-se indivisas para todos os efeitos (art. 1321º,

nº 1, do Código Civil).

Consideram-se igualmente abolidos os costumes de romper ou

esvaziar os açudes e diques construídos superiormente, retirando deles

água para ser utilizada em prédios ou engenhos situados inferiormente

que não têm direito a tal aproveitamento; se existir direito ao

aproveitamento, consideram-se as águas indivisas (art. 1321º, nº 2, do

Código Civil).

Sempre que dos títulos não resulte outro sentido, entende-se por

uso contínuo o de todos os instantes; por uso diário, o de vinte e quatro

horas a contar da meia-noite; por uso diurno ou noturno, o que medeia

entre o nascer e o pôr-do-sol ou vice-versa, por uso semanal, o que

principia ao meio-dia de domingo e termina à mesma hora em igual dia

da semana seguinte; por uso estival, o que começa em 1 de Abril e

termina em 1 de Outubro seguinte; por uso hibernal, o que corresponde

aos outros meses do ano (art. 1322º do Código Civil).

555

O sistema do torna-torna quer dizer que em teoria a primeira pessoa a chegar pode

desviar todo o caudal para o seu campo, pelo tempo que quiser (Emmanuel Salesse, Os

que “sabiam” e os que “andam baralhados”: funcionamento técnico e social de um

regadio, in Revista Etnográfica, Vol. VII (1), 2003, págs. 33-61 (pág. 39).

Page 179: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

179

VI – BREVE REFERÊNCIA A ALGUNS DIREITOS

REAIS MENORES

1. Usufruto

Usufruto é o direito de gozar temporária e plenamente uma coisa

ou direito alheio, sem alterar a sua forma ou substância (art. 1362º do

Código Civil. Veja-se o art. 756º do CCI).

O usufruto pressupõe sempre um concurso de direitos, o

concurso com o direito de propriedade. O proprietário de raiz556

fica

com o seu direito diminuído (do usus e do frutus), ficando esses direitos

de usar e fruir o imóvel a pertencer ao usufrutuário.557

O usufrutuário tem a totalidade do gozo da coisa, com exceção

da possibilidade de alteração da forma ou substância do seu objeto.558

O usufruto é sempre temporário, nunca podendo exceder a vida

do usufrutuário (art. 1366º do Código Civil. Conforme ainda os arts.

807º e seguintes do CCI).

Tanto o proprietário como o usufrutuário podem alienar o seu

direito a terceiros, mas ambos ficam obrigados a preservar a coisa, já

que o direito do outro pressupõe a sua existência no estado em que

encontrava na altura da constituição do usufruto. Assim, o usufruto

constitui um direito real sobre coisa alheia, um direito real integrado

pelas faculdades de uso e fruição de uma coisa que, na verdade, pertence

a outra pessoa.559

2. Uso e habitação

O direito de uso consiste na faculdade de se servir de certa coisa

alheia e haver os respetivos frutos, na medida das necessidades, quer do

titular, quer da sua família (art. 1470º, nº 1, do Código Civil). Quando

556

Ou nua propriedade (nua porque fica despojada dos direitos referidos). 557

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 351. 558

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 470. 559

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 352-353.

Page 180: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

180

este direito se refere a casa de morada, chama-se direito de habitação

(art. 1470º, nº 2, do Código Civil. Veja-se o art. 821º do CCI).

Contrariamente ao usufruto, em que o uso e perceção dos frutos

do bem não têm qualquer limitação, estamos aqui perante um caso em

que os mesmos estão limitados às necessidades do seu titular e respetiva

família. Assim, o direito de habitação não inclui a possibilidade de

arrendar o imóvel, contrariamente ao que acontece com o

usufrutuário.560

Trata-se de direitos destinados apenas à satisfação de

necessidades pessoais.

Importa lembrar aqui que os alvarás de arrendamento do tempo

colonial português foram convertidos em direito de uso, pelo período de

dez anos, pelo art. 4º do Regulamento Governamental Indonésio nº 18

de 1991, de 31 de Março de 199. O direito de uso encontrava-se

definido em moldes diferentes dos previstos no Código Civil no art. 41º

da Lei Agrária Indonésia.561

3. Direito de superfície

O direito de superfície consiste na faculdade de construir ou

manter, perpétua ou temporariamente, uma obra em terreno alheio, ou

de nele fazer ou manter plantações (art. 1414º do Código Civil. Veja-se

o art. 711º e seguintes do CCI, bem como os arts. 35º e seguintes da Lei

560

Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 418. 561

“Hak pakai adalah hak untuk menggunakan dan/atau memungut hasil dari tanah

yang dikuasai langsung oleh Negara atau tanah milik orang lain, yang memberi

wewenang dan kewajiban yang ditentukan dalam keputusan pemberiannya oleh

pejabat yang berwenang memberikannya atau dalam perjanjian dengan pemilik

tanahnya, yang bukan perjanjian sewa-menyewa atau perjanjian pengolahan tanah,

segala sesuatu asal tidak bertentangan dengan jiwa dan ketentuanketentuan Undang-

undang ini”, na versão em inglês: “A hak pakai is a right to use, and/or to collect

produce from, land directly controlled by the State or land owned by another

individual (tanah milik) which grants authority and obligations as determined in the

relevant right-granting decree by the official who is authorized to grant it or as

determined in the agreement with the owner of the land, where the agreement is not a

land-lease agreement (perjanjian seqa-menyewa) or land-exploitation agreement, given

that everything is possible as long as it does not contradict the spirit and provisions of

this Act”.

Page 181: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

181

Agrária Indonésia).

Segundo José de Oliveira Ascensão, “a superfície pode ser

simplesmente definida como o direito real de ter coisa própria

incorporada em terreno alheio”.562

Importa aqui relembrar o escrito supra relativamente à

impossibilidade de existência autónoma do solo e de uma construção

sobre ele edificada. Segundo Pires e Lima e Antunes Varela, o

superficiário é proprietário da obra ou da plantação e tem um direito real

de gozo autónomo sobre o terreno onde foi plantada ou edificada a coisa

objeto do direito de superfície.563

Já para Oliveira Ascensão, a situação do superficiário é

composta por dois direitos reais: o direito de plantar ou construir em

terreno alheio e o direito de propriedade sobre a coisa plantada ou

construída.564

Acrescenta, contudo, que nenhum destes direitos é

constante, para concluir que o direito do superficiário é um direito

composto.

Ou seja, não se pode concluir que o superficiário é verdadeiro

proprietário de um imóvel.

O direito de superfície constitui um direito a construir em terreno

alheio e fruir de tal construção, com alguma autonomia relativamente ao

solo, mas não constitui direito de propriedade distinto da construção

relativamente ao solo. Isto parece resultar evidente do disposto no art.

1428º do Código Civil, não obstante o mesmo referir que o proprietário

do solo adquire a propriedade da obra ou das plantações. Mais claro é o

art. 715º do CCI que refere que o proprietário do imóvel adquire a posse

sobre as construções ou plantações.

Assim, Menezes Cordeiro entende que o direito de superfície

562

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 525. O implante tanto pode ser um

edifício como uma plantação. 563

Lima e Varela, Código Civil Português Anotado, vol. III, 1987, págs. 588-590. No

mesmo sentido Moreira e Fraga, Direitos Reais, 1971, pág. 117. 564

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 532-533. Também o mesmo autor em O

direito de superfície referente a plantações, na revista Scientia Iuridica. Ano XXI,

Braga, 1972, págs. 365-380.

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182

sobre uma obra ou plantação não é um direito de propriedade, porque

não é nem exclusivo nem pleno, tratando-se de um direito real autónomo

(é um direito real complexo).565

Acrescenta Carvalho Fernandes que,

por lhe faltar exclusividade, o direito de superfície é um direito real a se,

próximo da propriedade, mas distinto desta.566

O direito de superfície pode ter particular interesse para as

situações em que um estrangeiro pretende construir uma casa em

território nacional, ou uma empresa estrangeira pretenda construir uma

fábrica, quer o terreno seja privado, quer seja público.567

Por esta forma

podem os estrangeiros investir em território nacional, construindo casas

ou fábricas, que poderão usar por período de tempo limitado e que

passarão a ser propriedade do proprietário do solo findo o prazo

estipulado no contrato.

Finalmente lembra-se que art. 3º do Regulamento

Governamental Indonésio nº 18 de 1991, de 31 de Março de 1991,

converteu em direito de superfície (hak guna-usaha ou hak guna-

bangunan) tal como definidos nos arts. 28º a 40º da Lei Agrária

Indonésia, os imóveis objeto de alvarás de aforamento concedidos pelas

autoridades coloniais portuguesas.

4. Servidões prediais

Servidão predial é o encargo imposto num prédio em proveito

exclusivo de outro prédio pertencente a dono diferente; diz-se serviente

o prédio sujeito à servidão e dominante o que dela beneficia (art. 1433º

do Código Civil. Veja-se o art. 674º do CCI).

Servidão é o direito real que permite aumentar as utilidades que

um direito real de gozo sobre um imóvel proporciona, mediante uma

restrição correlativa de um direito de gozo sobre um imóvel vizinho. A

servidão pressupõe necessariamente dois imóveis, entre os quais se

565

Cordeiro, Direitos Reais, 1993, págs. 714-716. 566

Fernandes, Lições de Direitos Reais, 2007, pág. 431. Veja-se ainda Duarte, Curso

de Direitos Reais, 2007, pág. 183. 567

Embora a Lei Agrária Indonésia também vede o direito de superfície a estrangeiros

(art. 36º), com a entrada em vigor do Código Civil, deve considerar-se tal restrição

revogada, assim cessando a proibição.

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183

estabelece uma relação que beneficia um deles à custa do outro.568

A servidão é real e não pessoal. Diz respeito aos prédios, o

dominante e o serviente, e não às pessoas dos seus titulares (art. 1435º,

nº 1, do Código). Assim, a alteração na titularidade dos prédios não

afeta a servidão.569

As servidões prediais podem ser constituídas por contrato,

testamento, usucapião ou destinação do pai de família, esta nos termos

do art. 1439º do Código Civil, e na falta de constituição voluntária,

podem ser constituídas por sentença judicial ou por decisão

administrativa, conforme os casos (art. 1437º do Código Civil. Veja-se

os arts. 695º a 702º do CCI).

5. Aforamento

Importa, para melhor clarificação do que foi exposto supra,

definir, embora sumariamente o aforamento, designação que a enfiteuse

recebeu nas províncias ultramarinas portuguesas, incluindo Timor-Leste,

durante o domínio colonial.

Conforme José de Oliveira Ascensão, “a enfiteuse, aforamento

ou emprazamento tem de característico provocar o aparecimento de dois

domínios, denominados directo e útil. Ao titular do domínio directo dá-

se o nome de senhorio ou senhorio directo, ao titular do domínio útil, o

de foreiro ou enfiteuta.

“O domínio útil conferia ao foreiro o direito de uso e fruição do

prédio, constituir ou extinguir servidões, alienar ou onerar o seu

domínio, entre vivos ou por morte, preferir na venda ou dação em

pagamento do domínio directo, obter a redução do foro ou encampar o

prazo, e remir o foro.

“Por sua vez, o titular do domínio útil tinha essencialmente o

direito a receber o foro”.570

Concluiu, pois, José de Oliveira Ascensão que se estaria perante

568

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 488. 569

Esta ideia está claramente vincada no art. 674º do CCI. 570

Veja-se Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 646.

Page 184: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

184

uma situação de comunhão irregular, ou de propriedade dividida.571

Na designação de Lafayette Pereira, “a enfiteuse, instituto cuja

origem remonta aos gregos, é o direito real de tirar da coisa alheia todas

as utilidades e vantagens que ela encerra, e de empregá-la nos mesteres

a que por sua natureza se presta, sem destruir-lhe a substância, e com a

obrigação de pagar ao proprietário uma certa renda anual.572

“Na enfiteuse, o proprietário transfere ao enfiteuta o jus utendi, o

jus fruendi e, inclusive, o jus disponendi. Isso porque o enfiteuta pode

também alienar seus direitos, mesmo sem a anuência do senhorio, e

dispõe do direito de sequela, podendo reivindicar a coisa de quem quer

que seja. Tão fortes são essas características que parte dos doutrinadores

consideram o enfiteuta também um proprietário,573

sendo certo, porém,

que maioritariamente se entende na doutrina que não o é. Fruto de uma

realidade social, o aforamento constitui uma ocupação de imóvel não

explorado gerando benefícios tanto ao ocupante quanto ao proprietário”.

Como já se referiu supra, não se pode considerar o enfiteuta

como proprietário. A enfiteuse “é um direito real sobre coisa imóvel

alheia: retira-se da coisa todas as suas utilidades e vantagens, com a

obrigação de pagamento ao proprietário de certa quantia anual”.574

Ou

seja, seguindo Maria Helena Diniz: O senhorio direto é o titular do

domínio direto ou iminente. É aquele que tem a propriedade do imóvel

aforado e está dele afastado, não tendo a posse direta. 575

571

Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 648. 572

Pereira, Direito das Coisas, vol. 1º, 1943, pág. 456. 573

“Assim, em face da vastidão de poderes conferidos ao titular do domínio útil, o

mesmo passou a ser considerado pela doutrina como verdadeiro proprietário”

(Ascensão, Direito Civil – Reais, 2000, pág. 646). 574

Acórdão deste Tribunal de Recurso de 24 de Novembro de 2009, proferido no

âmbito do processo nº 01/2002, relator Cláudio Ximenes. Veja-se Almeida, Da

Emphyteuse no Moderno Direito Civil Portuguez, 1898, pág. 57. 575

Maria Helena Diniz, Código Civil [Brasileiro] Anotado, 1ª edição, São Paulo:

Saraiva, 1995, anotação ao art. 678º. “O direito do enfiteuta -direito real sobre coisa

alheia -ainda que tão amplo, como vimos já, ainda que tão forte a ponto de poder se

converter em domínio pelo pagamento do resgate, conforme veremos adiante, não se

identifica, jamais, com o direito garantido ao senhorio direto” (Gisewa Maria

Fernandes Novaes Hironaka, Enfiteuse (instituto em extinção), in Revista do Instituto

Page 185: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

185

Acresce que, na jurisprudência portuguesa tem-se defendido que

a concessão por aforamento de terrenos nas antigas Províncias

Ultramarinas de Portugal, é figura diferente e mais complexa que a

enfiteuse. Na concessão por aforamento compete ao senhorio direto

fiscalizar a atividade do foreiro sobre o aproveitamento de modo a

saber-se se este é feito de acordo com o programa delineado.576

Ou seja, entende-se que o proprietário seria sempre e apenas o

Estado Português.

Com a integração de Timor-Leste no Estado da Indonésia surgiu

a situação peculiar de se manterem direitos reais (resultantes do

aforamento) que não tinham consagração legal no regime jurídico

indonésio,577

em clara violação do princípio da tipicidade dos direitos

reais, ou do numerus clausus. Daí, para além das outras situações ali

previstas, a necessidade do Regulamento Governamental Indonésio nº

18 de 1991, de 31 de Março de 1991.

Com a promulgação deste diploma não subsistiram mais dúvidas

relativamente à natureza real menor do direito de aforamento, tal como

concedido no território de Timor-Leste, pelo que se terá que concluir

que o mesmo não conferiu qualquer direito de propriedade perfeita aos

seus titulares.578

de Pesquisas e Estudos, Faculdade de Direito de Bauru, nº 21, Vila Falcão (Brasil):

ITE, p. 37-47, 1998, pág. 41). 576

Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 29 Setembro 1992, processo nº

0061321, in vlex.pt. No mesmo sentido, entre outros, o acórdão do Tribunal da

Relação de Lisboa nº 0059011, de 26 Maio 1992, no mesmo sítio. 577

Quer no CCI, quer na Lei Agrária Indonésia de 1960. 578

Referido acórdão do Tribunal de Recurso de 23 de Setembro de 2010, processo nº

01/Cível/Apelação/2009/TR, relator Rui Penha.

Page 186: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

186

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Page 191: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

191

ÍNDÍCE

I – DEFINIÇÕES E CARACTERÍSTICAS

1. Definição 3

2. Princípios característicos dos direitos reais 5

2.1 Princípio da eficácia absoluta 5

2.2 Princípio da inerência 6

2.3 Princípio da sequela 7

2.4 Princípio da preferência 8

2.5 Princípio da tipicidade 8

2.6 Princípio da especialidade 9

2.7 Princípio da transmissibilidade 10

2.8 Princípio da elasticidade 10

2.9 Princípio da publicidade 11

3. O registo 13

4. Decreto-Lei nº 27/2011, de 6 de Julho 18

5. Função social (questão da nacionalidade) 20

6. As coisas 27

II – POSSE

1. Definição 33

2. Elementos da posse 36

2.1 Considerações gerais 36

2.2 Posse pessoal ou por intermédio de outrem 37

2.3 Sucessão e acessão na posse 38

2.4 Posse precária 41

3. Caracteres da posse 43

3.1 Posse titulada e posse não titulada 43

Page 192: Guia de direitos reais em Timor-Leste (Desembargador Rui Penha)

192

3.2 Posse de boa fé e posse de má fé 45

3.3 Posse pacífica e posse violenta 46

3.4 Posse pública e posse oculta 47

3.5 Posse efectiva e posse civil 48

4. Aquisição da posse 48

4.1 Empossamento 48

4.2 Tradição da coisa 50

4.3 Constituto possessório 50

4.4 Inversão do título de posse 51

5. Perda da posse 53

5.1 Abandono 54

5.2 Perda ou destruição material da coisa 55

5.3 Cedência 56

5.4 Nova posse 56

6. Efeitos da posse 57

6.1 Presunção da titularidade do direito 57

6.2 Responsabilidade do possuidor 58

6.3 Frutos 59

6.4 Encargos 60

6.5 Benfeitorias 61

6.5 Usucapião 62

7. Defesa da posse 62

7.1 Acções possessórias 62

7.2 Acção de manutenção da posse 63

7.3 Restituição de posse 64

7.4 Restituição provisória de posse 66

7.5 A acção de manutenção ou de restituição da posse 67

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193

7.6 Embargos de terceiro 70

7.7 Composse 70

8. Usucapião 71

8.1 Definição 71

8.2 Usucapião de imóveis 75

8.3 Prazos de usucapião 78

8.4 Acessão na posse 82

8.5 Contagem dos prazos no caso de sucessão de leis 83

8.6 Alguns casos de eventual aquisição do direito de

propriedade por usucapião 86

8.7 Usucapião de móveis 96

III – DIREITO DE PROPRIEDADE

1. Definição e conteúdo 99

2. Conteúdo do direito de propriedade (imóveis) 101

2.1. Conteúdo 101

2.2. Limitações ao direito de propriedade 102

2.3. Paredes e muros de meação 116

3. Defesa da propriedade 120

4. Aquisição da propriedade 125

4.1. Formas de aquisição do direito de propriedade 125

4.2. Ocupação 125

4.3. Acessão 126

4.3.1. Acessão natural 127

4.3.2. Acessão industrial mobiliária 129

4.3.3. Acessão industrial imobiliária 133

4.4. Direitos concedidos pela administração colonial

portuguesa 137

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4.4.1. Alvará de propriedade perfeita 137

4.4.2. Alvará de propriedade indígena 138

4.4.3. Aforamento 139

4.4.4. Renda resolúvel 142

4.4.5. Alvará de arrendamento 144

5. Transmissão do direito de propriedade sobre imóveis 144

IV – COMPROPRIEDADE

1. Definição 147

2. Direitos e encargos do comproprietário 150

3. Administração da coisa 151

4. Disposição e oneração da quota 152

5. Direito de preferência 154

6. Acção de preferência 157

7. Benfeitorias necessárias 158

8. Extinção da compropriedade 159

8.1. Direito de exigir a divisão 159

8.2. Processo da divisão 160

V – PROPRIEDADE HORIZONTAL

1. Definição 163

2. Modos de constituição da propriedade horizontal 164

2.1 Usucapião 164

2.2 Decisão judicial 164

2.3 Negócio jurídico 165

3. Conteúdo obrigatório do acto de constituição 166

4. Administração das partes comuns 168

5. Extinção do Condomínio 168

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195

VI – PROPRIEDADE DAS ÁGUAS

1. Classificação das águas 171

2. Condomínio das águas 177

VII – BREVE REFERÊNCIA A ALGUNS DIREITOS REAIS

MENORES

1. Usufruto 179

2. Uso e habitação 179

3. Direito de superfície 180

4. Servidões prediais 182

5. Aforamento 183

BIBLIOGRAFIA 187

ÍNDICE 191