GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

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r ...• I Revolta da Vacina; O povo contra Oswaldo Cruz. Ano 2/ 13 R$ 6,80 novembro 2004 UMA PUBLICAÇÃO EDITADA PELA BIBLIOTECA NACIONAL

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r ...•

I Revolta da Vacina; O povo contra Oswaldo Cruz.

Ano 2 / nº 13 R$ 6,80

novembro 2004

UMA PUBLICAÇÃO

EDITADA PELA

BIBLIOTECA NACIONAL

Page 2: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História
Page 3: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

izinhos e parceiros comerciais no Merco­

,ul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai

foram protagonistas do mais sangrento

conflito do continente. Ao longo de seis

~e 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil

orreram nos quatro países. À exceção da

-a. que chegou a cobrar impostos sobre os'":toSenviados para as tropas aliadas, as na-

.. idas sofreram conseqüências econômicas

Brasil enterrou nos campos de b~talha um

total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos

de orçamento imperial, resultando num déficit pú­

blico que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas

próximas páginas, Nossa História leva o leitor de vol­

ta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as

origens do conflito, a extrema brutalidade das bata­

lhas, a polêmica participação de negros e mulheres,

a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali$­

tas dos países envolvidos sobre uma guerra que mar­cou dali em diante a história de um continente.

Combate naval do

RiachueJo. pintura de

De Martino feita em

1870, exposta no

Museu Histórico

Nacional do Rio de

janeiro

Page 4: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

izinhos e parceiros comerciais no Merco­

sul, Brasil, Paraguai, Argentina e Uruguai

foram protagonistas do mais sangrentoconflito do continente. Ao longo de seis

ElOS, entre 1864 e 1870, aproximadamente 130 mil

• ~5soas morreram nos quatro países. À exceção da

_crgentina, que chegou a cobrar impostos sobre os

__primentos enviados para as tropas aliadas, as na­~ões envolvidas sofreram conseqüências econômicas

.l~ozes. O Brasil enterrou nos campos dégltalha um

total de 614 mil contos de réis, o equivalente a 11 anos

de orçamento imperial, resultando num déficit pú­blico que se arrastaria pelos vinte anos seguintes. Nas

próximas páginas, Nossa História leva o leitor de vol­

ta à guerra que devastou o Cone Sul, mostrando as

origens do conflito, a extrema brutalidade das bata­

lhas, a polêmica participação de negros e mulheres,

a visão dos livros e, em especial, o olhar de especiali\­tas dos países envolvidos sobre uma guerra que mar'!""cou dali em diante a história de um continente.

Combate naval do

Riachuelo, pintura de

De Martino feita em

1870. exposta no

Museu Históríco

Nacional do Rio de

Page 5: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

.ú....V.RM.ILRO 2004 18

~ Francisco Doratioto

Nova luz sobre a Guerra do ParaguaiEstudos recentes mostram que as origens do conflito

podem também estar no processo de consolidação

dos Estados Nacionais no Rio da Prata} contrariando a idéia

de que a guerra foi uma resposta à ação da Inglaterra

Solano López em

lirografia de 1870:

tradicionalmente visto

como o líder de uma

nação desenvolvida, o

ditador paraguaio era

animado pela sede de

poder

Buenos Aires em uma

pintura da primeira

metade do século XIX,

pouco antes da

unificação do país sob

a República Argentina:

a consolidação dos

Estados Nacionais na

região está na raiz da

Guerra do Paraguai

rada por Francisco Solano López, governante auto­

ritário mas preocupado com o bem-estar do seu po­

vo. Nada mais distante da realidade. O Paraguai ti-nha uma economia agrícola, atrasada; nela

havia escravidão africana, embora di­

minuta, e López era movido apenaspela lógica de todos os ditadores, a

de se manter no poder. Outro mi­

to que caiu por terra foi a supos­

ta rivalidade do Paraguai com os

ingleses. Vai contra a lógica his­

tórica responsabilizar o imperia­lismo inglês pelo desencadear da

guerra. Na realidade, o governo

paraguaio mantinha boas relações

com a Inglaterra, onde, desde o finaldos anos 1850, contratou técnicos,

com a finalidade de modernizar suas ins-

talações militares. Era, sim, o Império do

Brasil que tinha atritos com a Inglaterra, com a qualrompeu relações diplomáticas em maio de 1863.

Elas somente foram restabelecidas, após recuo do

51partir da década de 1970, ganhou espaço

a interpretação de que o imperialismo

inglês foi a causa da Guerra do Paraguai,deflagrada em dezembro de

1864. Segundo essa vertente, o trono bri-

tânico teria utilizado o Império do

Brasil e a Argentina para destruir um

suposto modelo de desenvolvimen­

to paraguaio, industrializante, au­

tônomo, que não se submetia aos

mandos e desmandos da potênciade então. Estudos desenvolvidos a

partir da década de 1980, porém,

revelam um panorama bastante

distinto. As origens do conflito,

mostram eles, se encontram no pro­

cesso de construção e consolidação dosEstados Nacionais no Rio. da Prata e não

nas pressões externas dos ingleses. Os avanços

historiográficos mostram também como o quadro po­lítico que se desenhara às vésperas da Guerra do

Paraguai aproximou ideologicamente, pela primeiravez na História, o Brasil e a Argentina.

A interpretação imperialista apresentava a socie­

dade paraguaia do pré-guerra como avançada, lide-

Page 6: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

19 NOVEMBRO 2004

'N

11"

Area litigiosa entreArgentina e Paraguai

Area litigiosa entreBrasil e Paraguai

Atuais fronteirasentre os países

Máxima extensão do

controle paraguaio

# Batalha

~ Avanço das tropasparaguaias

BRASIL

URUGUAI

BOLlVIA

~mbá ~:Y".·Coxin!.y.lbuquerque 'orte COlmbra .

• Miranda

Chaco ~ ~NIOaqUe

Território declarado =- JJ.

argentino pelo Tratadoda Tríplice Aliança

.- -lãg~n~" •~ -;. ::/' ,:..-:"Dourados- bO .,

PARAGUAI ~ Cerro Corát:S ' •• _ •••

Cl.. I"'~--•.......... o I

""' .•. ~ ,, •• I

• Assunção "" _"~t}::ltororó I: \'~~. ' ,1 "t \

; Aval , .) Q/ II .• Aj\()./, ~ I,.Hum3lta. par •• /. ,,0

RIO •••.'" ••••••• ~.. - -,- tl" .. -

-cõrrientes- -~ ~/" ,',;lSãoBorja

Jataí~ ••~ ..-'~taqui,,~ .I ,- UrugualanaI \

I \ , \r ' ••-=I = ,III

ARGENTINA'~~

~~i'o

Montevidéu~'

BuenosAires.~ •

colorado, de oposição a Berro, se organizasse militar-

mente na capital argentina e invadisse, em março de1863, o Uruguai, iniciando uma guerra civil.

Frente a essa situação, o presidente Berro buscou

criar um novo equilíbrio de forças no Prata, com oestabelecimento do eixo Montevidéu-Assunção, aoqual poderiam se associar as províncias argentinas

dissidentes do governo central. Chefes políticos des­

tas, principalmente Justo José Urquiza, governador

::mo britânico, em setembro de 1865, meses após~,jo do conflito.

~ busca de modernizar o Paraguai, Solano Ló­

-- -",ntou ampliar a inserção do país no comércio

-~acional, exportando produtos primários para

-~r as libras esterlinas que viabilizariam seu proje-Para tanto, necessitava de um porto marítimo,

_e não podia ser o de Buenos Aires, antiga capital

rual, inclusive do Paraguai. Isso porque os gover­-·-tes argentinos resistiam em conceder facilidades--31erciais à nação vizinha. Restava como alternati-

-'..para a ampliação do comércio exterior, o porto de.• antevidéu, no Uruguai.

.-\.situação política no Uruguai é particularmenteportante para entender o desencadear da Guerra do

?araguai. Em 1861, o presidente uruguaio Bernardo3crro, do partido blanco, se recusou a renovar com o

3rasil o Tratado de Comércio e Navegação, assinado

;':;n 1851. Com essa medida, reduziu a dependência do:"-ruguai em relação ao Império brasileiro. Ao mesmo

-empo, instituiu um imposto sobre as exportações de

gado em pé para o Rio Grande do Sul, atingindo os

i.:lteresses de estancieiros gaúchos, com propriedades:10 país. Por outro lado, o cenário político do Rio daPrata ganhou um novo Estado Nacional em 1862, com

o surgimento da República Argentina. A nação nasce50b a liderança da burguesia de Buenos Aires, tendo

Bartolomeu Mitre como presidente. A primeira tare­

ia de Mitre era consolidar a República. Mas, para is-

o, precisava neutralizar a oposição federalista, prin­cipalmente das províncias de Corrientes e Entre Rios,

impedindo-as de contar com qualquer tipo de apoio

externo. 'tlas, porem, com autor'1zaçào 00 governouruguaio, utilizavam o porto de Montevidéu paraeu comércio, escapando do controle alfandegário de

Buenos Aires. Mitre permitiu, então, que o partido

lte auto­

I seu po­

aguai ti­Ida; nelabora di­

) apenasldores, autro mi­

a supos­i com os

gica his­

imperia­adear da

governorelações

ie o final

técnicos,

suas ms­

pério dolm a qualde 1863.

recuo do

•• r

j Fevereiro• Iniciada mobilização_~militar no Paraguai.

~-•.-.

25 de maio

O Império do Brasil

rompe relações

diplomáticas com a

Grã-Bretanha.

6 de setembro

Paraguai alerta Mitre

que o apoio argentino a

Flores tem efeito

"desastroso" sobre os

interesses paraguaios.

~ 19 de marçoVenâncio Flores,junto com

outros colorado5, inicia

"" rebelião contra o governo

\Q do uruguaio Bernardo

~ Berro, do Partido Blanco..'

torna~se o primeiro

presidente d': República

Argentina após sua

unificação.

~ 10 de setembro

Fr~clsco~Solano Lópezassume o governo

paraguaio após a morte do

pai, Carlos Antonio López.

.----------' .

Cronologia

Page 7: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

13 de abrilApós Mirre não

permitira

passagem de

tropas paraguaias

por território

argentino para

invasão d~ R~Grande do Sul,

López declara

guerra à Argentina .

~ 2 á4 de janeiroI Forças paraguaias ocupam

Miranda, Dourados,

~ Nioaque e Corumbá, no

~ Mato Grosso.

~

Para piorar o quadro de tensão no Rioda Prata, Souza Neto, representando os

fazendeiros gaúchos instalados no

Uruguai, se apresentou às autorida­des do Rio de Janeiro para denun­

ciar como "abusos" as medidas poli­

ciais tomadas por autoridades uru­

guaias contra cidadãos brasileirosque apoiavam os colorados. A essa al-

tura, o mandato presidencial de Berro

já havia terminado, em março de 1864.A chefia do Executivo uruguaio, porém,

continuava nas mãos do partido blanco, com

Atanásio Cruz Aguirre. Souza Neto não fez por

menos: solicitou a intervenção do Império no

Uruguai. Foram três as razões do governo brasileiro

para ceder às pressões dos fazendeiros do Sul.

Primeiro, para não ser acusado de omisso. Depois,

porque queria evitar que a Argentina colhesse, sozi­nha, os frutos de uma vitória colorada. E, por fim, pa­

ra desviar a atenção popular de problemas internos.Desenhava-se uma nova realidade no Rio da Prata,

para a qual, após décadas de desencontros, conver­

giam os interesses do Império do Brasil e da Argen­tina. Para ambos interessava a vitória dos colorados e

havia, pela primeira vez, no liberalismo, identidade

ideológica entre os governos brasileiro e argentino.Bartolomeu Mitre era favorável à livre navegação bra­

sileira dos rios platinas, de vital importância para a in­

tegridade territorial do Império, já que a província do

Mato Grosso, isolada por terra, mantinha contato como Rio de Janeiro por meio dos rios Paraguai e Paraná.

Além disso, como primeiro presidente da Argentina,

interessava a Mitre a estabilidade política regional, que

certamente contribuiria para a consolidação da Repú­

blica. Foi por isso que ele trabalhou para que seu país

r 28 de dezembro

Forças paraguaiastomam o Fone Coimbra,

no Mato Grosso.

12 de novembroSolano López ordena a

apreensão, próxima a

Assunção, do vapor

brasileiro Marquês de

Olinda, que levava o novo

presidente da província deMato 'Grosso.

12 de outubroDepois do rompimento

do governo b/anca de

Aguirre com o Império e

do governo paraguaio

avisar que uma

intervenção militar do

Império no Uruguai seria

"atentatória ao equilíbrio

dos Estados do Prata",

tropas brasileiras

entram no Uruguai.

de Entre Rios, mantinham, por sua vez,

estreitas relações com Solano López.

Foi apostando na consolidação desse

novo eixo político que o presidente

uruguaio enviou Octávio Lápido,

do partido blanco, a Assunção, on- ,de deveria oficializar uma aliança

com o Paraguai. Embora o acordo

não tenha sido selado, o governo pa­

raguaio passou a apoiar o presidentedo Uruguai. Por duas vezes, em setem­bro e em dezembro de 1863, Solano

López advertiu Mitre sobre o apoio argen­

tino - que era real- ao general Venâncio Flores,líder da rebelião colorada, de oposição a Berro. Em

ambas as ocasiões, o governo argentino negou a acu­

sação, dizendo-se neutro. Mas na segunda negativa,em fevereiro de 1864, Mitre, para repelir as veladas

ameaças paraguaias, acrescentou que a Argentina

poderia adotar outra postura, insinuando o fim daneutralidade e, portanto, o apoio aberto a Flores.

~ 4de agostoApós àenúncias de Souza

em de que o governo

b/anm no Uruguai

desrespei:2va direitos dos

fazendeIroS gaÚchos ali

instalados, governo. brasileiro :~:>õe

ultimo.tum ao ..:r-.,

sobpenade-~

. militar do Impe"'C..I

o apoio do presidente

argentino Bartolomeu

Mirre (abaixo, reunido

com o seu estado­

maior em Tuiuti) ao

líder da oposição

uruguaia Venâncio

Flores (ao lado)

motivou ameaças do

governo paraguaio em

1863

GENERAL D. BARTHOLOMt MITRE COM SEO ESTADO A1AIOR ... 1869

:NOVJi·'\'1.BRO 2004 20

Page 8: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

io no Rio

ltando os

ados no

mtorida­

a denun­

idas poli­ldes uru­

'fasileiros

A essa al­de Berro

, de 1864.

), porém,mco,com

o fez por

pério nobrasileiro

do Sul.

). Depois,~sse,SOZl­

,r fim, pa­nternos.

I da Prata,

5, conver­

ia Argen­%rados e

dentidade

argentino.

~açãobra­paraam­wíncia do

ntato com

e Paraná.

i\rgentina,

:ional, queI da Repú­

le seu país

e o Brasil substituíssem a rivalidade pela cooperação.

Assim, em abril de 1864, ao assumir a representaçãodiplomática argentina no Rio de Janeiro, José

Mármol trazia instruções do chanceler de seu país,Rufino de Elizalde, para "associar com o Brasil os in­

teresses" do governo de Buenos Aires. Essa aliançanão se estabeleceu de imediato, sendo construída'

gradativamente, nos meses seguintes, como respostaaos problemas comuns dos dois países no Prata.

Paraguai e Uruguai de um lado. Brasil e Argentina

de outro. Estava armado o contexto geopolítico no

qual se desenrolaria a Guerra do Paraguai, deixando

claro o peso dos problemas internos do Rio da Prata

no desencadear do conflito. Nesse contexto, o Impé­rio enviou, em abril de 1864, o conselheiro José

Antônio Saraiva como ministro plenipotenciário em

missão especial ao Uruguai, acompanhado por na­

vios de guerra comandados pelo vice-almirante Ta­

mandaré. O objetivo declarado da missão era o de

proteger os direitos dos brasileiros residentes no

país. Mas, na realidade, o que se desenhava era a pre­

paração para uma intervenção militar.No Uruguai, Saraiva se convenceu de que poderia

tentar a via da negociação para afastar do governo

uruguaio ministros b/ancas que se opunhamaos interesses brasileiros, substituindo-os

por políticos c%rados. Acordo nesse sen­tido foi assinado em Puntas deI Rosário,

em 18 de junho de 1864, com repre­

sentantes desses dois partidos, porSaraiva, juntamente com o chanceler

argentino Rufino de Elizalde e o re­

presentante britânico em Buenos

Aires, Edward Thornton, pois a conti­

nuidade da guerra civil prejudicava ocomércio inglês.

21_NOV.h.M ..BRO 2004

D. Pedro II em Porto

Alegre com farda de

general, em 1865. No

ano anterior, antes do

início da guerra, o

Império enviou ao

Uruguai o conselheiro

Saraiva (abaixo: em

litografia de 1853)

para intervir em um

conflito, motivo

alegado pelo Paraguai

para a ação militar

contra o Brasil

,de abriliÓsMitre não

rmitira

ssagem de

Ipas paraguaiasIr território

~entino pararasàodo Rio

anded; 5;71,

pezdeelara

erra à Argentina.

~ l°de maio~rg,entina, Brasile Uruguaiassinam o Tratado da

Tríplice Aliança, contra o

governo de Solano López.

• • •

11 dejunhoBatalha do Riachuelo, na

qual a esquadra imperialdestrói a marinha

paraguaia.

16 de abrilTropas aliadas iniciam

invasão ao Paraguai com

o objetivo de tomar

Humaitá, epicentro dosistema defensivo

paragu~o.

22 de setembro

Aliados atacam posição

fortificada paraguaia de

Curupaiti e sofrem a maior

derrota da guerra.

paralisando seu avanço porcerca de um ano.

Março e maioQuatro mil soldadosbrasileiros morrem em

epidemia de cólera que sealastrou entre os aliados.

Em maio a epidemia

atinge o lado paraguaio.

Page 9: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

com o exército paraguaio pelo Rio Grande do Sul,

que foi invadido em junho de 1865.

O que López não esperava é que o novo presiden­

te do Uruguai, Tomás Villalba - sucessor de Aguirre

- fosse ceder às pressões de dentro e de fora do país.

Com o apoio do governo da Argentina, o ex-chanceler

conservador do Império, José Maria da Silva Para­

nhos, novo enviado do governo imperial em missão

especial ao Prata, conseguiu obter a rendição da capi-

tal uruguaia e selar, em 20 de fevereiro,o Protocolo de Paz de Villa Unión.Atendendo aos interesses de Brasil e

Argentina, um colarado - o general

Venâncio Flores - chegava ao poder.

Em uma ação que seria fatal para

os seus objetivos militares no Prata,

Solano López invadiu, em 13 de abril

de 1865, a província de Corrientes.

Sonhava ser recebido pelos federalistas

argentinos como um libertador. Mas

tudo o que conseguiu foi permitir que o presidente

Mitre formalizasse um acordo com o Império doBrasil, o que, em outras circunstâncias, teria levado

a um levante popular no interior argentino, que eraantibrasileiro. Em maio de 1865, foi assinado o

Tratado da Tríplice Aliança, entre Argentina, Brasile Uruguai. Entre outras medidas, o documento de­

terminava que a guerra somente terminaria com

a saída de Solano López do poder. Estabelecia,também, o desmantelamento das fortalezas

paraguaias que impediam a livre navega­ção pelos rios do Prata e definia as frontei­

ras do Paraguai com o Brasil e a Argentina,

cabendo a esses os territórios em litígio.

Pouco depois, em novembro de1865, Rufino de Elizalde escreveu a José

Frustrou-se o projetovisionário de

substituir

a rivalidade

argentino-brasileira

pela cooperação

Esse documento, porém, foi rejeitado pelo presi­

dente Aguirre. Foi então que Saraiva apresentou um

ultimatum exigindo a punição dos funcionários uru­

guaios supostamente responsáveis por agressões a bra­

sileiros. Outra recusa, advertia ele, teria como resposta

a ação militar do Império contra o Uruguai. O Para­

guai protestou contra a eventual ocupação territorial

de seu aliado. Mas em 12 de setembro, tropas brasilei­

ras cruzaram a fronteira do Uruguai e, no mês seguin­te, o vice-almirante Tamandaré assi-

nou o Acordo de Santa Lúcia com o ge­neral Venâncio Flores, finalmente es­

tabelecendo a cooperação militar en­

tre os colarados e as forças brasileiras.

Solano López respondeu, em no­

vembro, a essa iniciativa do Império,

mandando aprisionar o vapor brasi­leiro Marquês de Olinda. No mês se-

guinte, ordenou a invasão do Mato

Grosso, ocupando o território em

disputa com o Brasil. O ditador estava informado,

por espiões, que essa província estava indefesa, bem

como sobre a fraqueza militar do Império. Planejava,após garantir a sua retaguarda, derrotar as forças bra­

sileiras que ali se encontravam, passando, para tanto,

NüVoÓ-M_BAO 2004 22

o jornal paraguaio fiCentine/a ironiza

autoridades brasileiras,

vistas como macacos

"em conferência

secreta". Da direita

para a esq uerda, o

marechal Polidoro, o

Imperador e o

visconde de

Tamandaré. Este

último assinou o

acordo de cooperação

militar com os

c%rados uruguaios

em outubro de 1864

2S de julhoer.:r~ em HUmait3.

~ 14 de agostoEmcarta ao lTÚlÚslro áGuerra, CalCas ~:: ­

do corc-:o O

~ 27 de dezembroÀ vistado exéráto

aliado. 5o'ano lópez5>".•••.

~ 10 de janeiroI Tropasbrasileirascomandadas por.Hermesda Fonseca

ocupam Assunção.que estavadeserta.

$00•••••

Page 10: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

: do Sul,

)residen­

: Aguirre

i do país.:hancelerlva Para­

n missão

) da capi­fevereiro,a Unión.

~Brasil e

) general

iOpoder.'atal para00 Prata,3 de abril)rrientes.

deralistas

idor. Mas

,residente

lpério doia levado

), que erasinado o

na, Brasilnento de­

lana com

;tabelecia,fortalezas

e navega­IS frantei­

úgentina,~mlitígio.mbra de

veu a José

_-"ntônio Saraiva que se iniciava, entre a Argentina e

Brasil, uma aliança "que lançará profundas raízes

?ara o bem de nossos países e de nossos vizinhos".?ara Elizalde, vencido o Paraguai, deveriam ser assi­nados novos acordos entre os dois países, com o ob­

:etivo "de fazermos uma aliança perpétua, baseada

na justiça e na razão, que há de ser abençoada pornossos filhos".

Vale destacar o importante papel que a diploma-

ia imperial teve durante a Guerra do Paraguai. No

plano militar, garantiu, na Europa, o fornecimentode armamento. No plano político, conteve a tentati­va dos Estados Unidos de intermediarem uma paz

que seria favorável a Solano López. Os diplomatasbrasileiros não obtiveram sucesso, porém, quer no

Velho Continente, quer na América, em neutralizar

a simpatia de intelectuais e políticos pelo Paraguai.

A grande frustração fica por conta da vitória daala conservadora na definição das relações entre

Brasil e Argentina no pós-guerra. Ocupada Assun­

ção por tropas brasileiras, em janeiro de 1869, oPartido Conservador, que retomara ao poder no

Império em agosto do ano anterior, retomou sua

tradicional política de contenção da influência ar­

gentina no Rio da Prata. Por outra lado, DomingoFaustino Sarmiento, um inimigo da aliança com o

Brasil, foi eleito presidente da Argentina.

A diplomacia imperial passou então a trabalhar pa­

ra garantir que, terminada a guerra - o que ocorreucom a morte de Solano López em 1870 -, o Paraguai

permanecesse independente e não perdesse todo o ter­ritório do Chaco para a Argentina, como determinava

o Tratado da Tríplice Aliança. As relações brasileiro-ar­

gentinas se tornaram tensas, principalmente em 1872,

quando o Império assinou o acordo de paz em separa­do com o Paraguai, o que era proibido pelo Tratado.

Frustrou-se, assim, o projeto visionário de Mitre, Sa­

raiva e Elizalde e alguns outros políticos de substituir

a rivalidade argentino-brasileira pela cooperação. m

FRANCISCO DORATIOTO é professor /10 Curso de Relações

Internacionais da Universidade Católica de Brasília e autor de

Maldita Guerra; nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo:

Companhia das Letras, 2002.

t:M B RO 2004

Para saber mais

IZECKSOHN, Vitoe O

cerne da discórdia; a

Guerra do Paraguai e o

núcleo profissional do

Exército. Rio de Janeiro:

E-papers, 2002.

MEN EZES, Alfredo da

Mota. Guerra do

Paraguai; como

construímos o conflíto.

São Paulo: Contexto;

Cuiabá: Editora da

UFMT, 1998.

TORAL, André. Imagens

em desordem; a

iconografía da Guerra do

ParaguQ/ (1864-1870). São

Paulo: Humanltas, 2001.

No alto da página:

Bandeira do Brasil

tremulando no palácio

de López em

Assunção, tomado

pelas tropas imperiais

em 1869

~ 25 de novembroJurada a

OCo~.pri~

~ 20 de junhoGoverno provisório do

raraguai aceita os termosdo Tratado da Tríplice

Aliança. -

."

1° de marçoSolano lópez é alcançado

pelas tropas brasileiras emCerro Corá, ferido com

uma lança pelo caboFrancisco lacerda e morto

com um tiro de fuzil.

r 2 de junho

o visconde do Rio Branco

e o chanceler argentino

autorizam a organiz~ç~~ Ide um governo provlsono

paraguaio. Q•••••

CIO

~

23 de marçoDepois de concedida a

demissão do cargo decomandante-em-chefe a

Caxias, o imperador lheconcede o único titulo de

duque do Império. No dia

seguinte o conde O'Eu énomeado comandante

,das forças brasileiras no

raraguai, mesmo contrasua vontade.

sfde;fevereiro~P6s desmaiar em missana catedral de Assunção,

Caxias parte para o Rio de

Janeir.o, onde chega

I ànÔnimo, sem nenhuma

recepção .

lejaneiro>asbrasileiras

,andadas por,"es da Fonseca

pam Assunção,estava deserta.

Page 11: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

Geografia, logística e tecnologia. Três fatores combinados

explicam por que a guerra foi particularmente sangrenta

e se estendeu por seis longos anos

o Bonalume Neto

esafioca~.

•ce

2004 24

,Trlp

olhando-se fotos aéreas ou imagens de satélite. A re­

gião quente e úmida facilitava o alastramento de

doenças. Uma epidemia de cólera em 1866-1867

atrasou em muito as operações militares da aliança.

A geografia afetava diretamente a logística, isto é,

a arte de suprir os exércitos com o necessário para ocombate eficaz, basicamente comida, uniformes, ar­

mas e munições. Mas o teatro de operações era dis­

tante do Brasil e as tropas, equipamentos e supri­

mentos precisavam ser transportados primeiro por

via marítima e depois fluvial. As operações militaresocorriam assim em torno do rio, e demoravam.

A tecnologia também contribuiu para definir a

guerra. A revolução industrial do século XIX criou ar­

mamentos com maior poder de fogo e fatais, além de

inovações que facilitaram a logística - como navios a

vapor e ferrovias - ou as comunicações (no caso, o te­légrafo). Apesar de as armas serem modernas, nem

SI1 inda hoje a região dos combates no

sul do Paraguai é de difícil acesso. Nãohá boas estradas e a navegação fluvial

permanece o modo mais seguro de se

chegar em alguns locais do conflito. Naquela época,

o rio Paraguai era o grande caminho para se chegar

ao país. E o terreno, em grande parte pantanoso, so­mado ao desconhecimento sobre o território inimi­

go, dificultava a ação dos aliados brasileiros, argen­

tinos e uruguaios. Como o Paraguai vivia em isola­

mento, e mesmo os vizinhos o conheciam pouco, os

invasores não contavam nem com mapas eficientes

e o ataque era feito, literalmente, de forma tateante.Comuns no sul daquele país, os terrenos alagadi­

ços (ou esteros) eram os procurados pelos para­guaios como linhas de defesa: perto desses fossos

naturais atacar era ainda mais difícil. Até hoje é pos-

sível ver o traçado das antigas trincheiras na região

Exército do Paraguai

dispara contra as

tropas da Tríplice

Aliança em 1866, em

detalhe do óleo

Trinchera de Curupaytí,

de Cándido López. No

ano seguinte, as forças

paraguaias já estavam

isoladas, forçadas ao

improviso, como a

construção do canhão

fi Cristiano (página ao

lado) com os sinos das

igrejas de Assunção. A

arma de guerra se

encontra hoje no Rio

de Janeiro

Page 12: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

25 1-004-

lópez mandou seus

generais atacaremos aliados. Travou-se

então em Tuiuti, em

24 de maio de 1866,

a maior batalha

campal da Américalatina

Para saber mais

CERQUEIRA, Oionísio.

Reminiscências da cam­

panha do Paraguai. Rio

de Janeiro: Biblioreca

do Exérciw, 1980.

CARDOZO, Efraím

Breve Historia Dei

Paraguay. Buenos Aires:

Ediwrial Universitaria,

1965.

BURTON, Richard F.

Cartas dos campos de

batalha do Paraguai. Rio

de Janeiro: Biblioreca

do Exérciro, 1997.

FRAGOSO, Augusro

Tasso. História da guerra

entre a tríplice aliança e

o Paragua/. (Cinco volu­

mes). Rio de Janeiro:

Biblioreca do Exérciro,

1956.

Universiry of Texas ar

Ausrin, 1979.

WILLlAMS, John Hoyr.

The R/se And Fali Of The

Paraguayan Republic,

1800-1870. USA: The

Filme

Sylvio Back. A Guerra do

Brasil. Globo Vídeo,

1987.

Os paraguaios avançaram em vanas frentes ­uma estratégia temerária, pois dividia as forças dis­

poníveis. Em dezembro de 1864 começa a invasãodo Mato Grosso. Outra coluna de tropas entra na

Argentina em março de 1865 e captura, em abril, acidade de Corrientes. Uma terceira coluna vai para o

Rio Grande do Sul, tomando Uruguaiana em 5 de

agosto de 1865. Nessa primeira fase da guerra acon­tece uma das batalhas mais decisivas do contlito: em

um trecho do rio Paraná, ao sul de Corrientes, a es­

quadra paraguaia perde a Batalha Naval do Ria­chuelo, em 11 de junho de 1865. Apesar de a guerra

ter prosseguido mais cinco anos, pode-se dizer queela foi definida então. Com o controle brasileiro do

rio, o Paraguai ficou bloqueado e sem possibilidadede receber armas e auxílio do exterior.

ão demorou muito para que os principais avan­

ços paraguaios fossem contidos. De setembro a no­

vembro de 1865, a contra-ofensiva aliada obrigou asforças paraguaias a se retirarem ao

longo do rio Paraná. Parte de Mato

Grosso continuou sob a ocupação dos

paraguaios, indicando a dificuldade de

acesso à região por terra (uma das rei­

vindicações brasileiras no Tratado da

Tríplice Aliança era justamente ter oacesso tluviallivre até Mato Grosso).

Em maio e junho de 1867, uma expe­

dição militar brasileira em MatoGrosso fracassou, fato conhecido co­

mo a Retirada da Laguna.

Como não se conquista uma guer­

ra apenas na defensiva, López mandou seus generaisatacarem os aliados quando eles ainda estavam se ins­

talando em território paraguaio. Travou-se então emTuiuti, em 24 de maio de 1866, a maior batalha cam­

pal da América Latina. Os paraguaios tentaram um

ataque-surpresa, mas faltou coordenação entre as di­

versas colunas. Os números ainda geram debates, masaparentemente 23 mil paraguaios atacaram 35 mil

aliados - há autores no Paraguai que falam em "52

mil" aliados. Os paraguaios teriam perdido 12 mil ho­

mens, dos quais 6 mil mortos. Esta batalha tem parti­cular importância para a místicainterna do Exército brasileiro,

pois nela atuaram destacada­mente três combatentes que de­

pois se tornariam patronos de ar­mas: Manuel Luís Osório, da cavalaria;

Antônio Sampaio, morto então, da infan­taria; e Emílio Luís Mallet, da artilharia.

os militares, dos dois lados do contlito, sa­

--mo aproveitar todo o seu potencial. Ou, pior

subestimavam seu efeito em formações densas

êados avançando lado a lado em sólidas linhas.- Guerra Civil Americana (1861-1865) entram

a pela primeira vez navios couraçados com--- de ferro, movidos a vapor e com canhões ca­

~~S de disparar granadas explosivas, bem mais

.':'::'rososque os do começo do século. O avanço

rio Paraguai foi possível somente após a enco­

pela Marinha brasileira de navios couraça­modernos, alguns dos quais construídos no

~nal de Marinha do Rio de Janeiro.

_. guerra pode ser dividida em quatro períodos.rimeiro, a ofensiva paraguaia em 1865, até ser

___lida pelos aliados. Segue-se a invasão do territó­

;-,araguaio em abril de 1866, e a luta concentra­em um pequeno trecho do país devido ao blo­

_elO provocado pela Fortaleza de Humaitá. A ter­':::.rafase, de mais movimento, acon-

~-e após a queda de Humaitá em

" até a tomada de Assunção, em

9. E a campanha final de guerri­

-a que só termina com a morte deano López em 1870.

O primeiro ato de guerra ocorreu

12 de novembro de 1864, quando

':inpez, em represália à intervenção do

~rasil na guerra civil uruguaia, manda

,:'risionar o navio a vapor brasileiro

•. farquês de Olinda, assim que este par­de Assunção. Os paraguaios ini-

.:laIT1 então sua ofensiva, amparados em forças arma­

numericamente superiores às dos países vizinhos._ião há consenso entre os historiadores sobre o núme-

de combatentes, de perdas, e mesmo da população

':os países. O Exército do Paraguai no início da guerraLeriaentre 28 mil e 57 mil homens (mais reservas de

:::> mil a 28 mil homens). O Exército do Império bra­'leiro em 1863 contava com cerca de 16 mil soldados

::'oficiais. Os argentinos, com 25 mil a 30 mil homens,

::nas apenas a metade poderia ser usada externamente

o resto era mantido de prontidão para impedir revol-

separatistas internas). E o Uruguai com 5 mil com­

atentes. Obviamente, o potencial de mobilização mi­

;.tar da Tríplice Aliança era bem maior: o Brasil com

~:>milhões de habitantes, a Argentina com 1,5 milhão

e o Uruguai com perto de 300 mil. Há autores da épo­

ca que estimaram a população paraguaia em até 1 mi-ão de pessoas, mas pesquisas modernas apontam

u.m número bem menor, 400 mil.

télite. A re­lmento de

1866-1867

da aliança.;tica, isto é,

ário para oformes, ar­5es era dis­

os e supn-

melro pores militaresIravam.

Ia definir aIX criou ar­

~is, além deo navIOSa

Page 13: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

SQ\'E\IBRO 2004 26

Acampamento Br/ilzdeiro

nu Ilill :!~ ti,' SI'I.·udlrll de' I~lili.

t\litlc cl(,:Il'fLl)(~\-oJ 111\ S'llItllH\. ~t(H.d"'hL\ 'lt~·jll J

{~.~

·L~,

OE CURUPAITYATAQUE

Baltria"

~~ i!ll 111I. ~ \11 I~ iJI I~

TENENTf-CORONEl AUC\J<;TO FRANCI<;CO CURt;PAIT"( hS68

Esquema do ataque à

fortaleza paraguaía de

Curupaiti, onde a

Tríplice Aliança sofreu

sua maior derrota, em

setembro de 1866. É

possivel notar a

formação das tropas

(em blocos maciços), o

posicionamento dos

canhões paraguaios, a

presença dos

couraçados e o

terreno pantanoso,

que dificultou a

movimentação militar

Page 14: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

27 x

'-Ilt,

ç

_ Ias o avanço pelo rio também era difícil devido

fortificações paraguaias, e foi em frente à de

"::..::rupaitique os aliados tiveram seu maior revés,~ setembro de 1866, com perto de 4 mil baixas,

~-Lre mortos e feridos. Navios também corriam

.:-'a\'es riscos e não só de canhões atirando à quei­-:;!-roupa - o novíssimo couraçado Rio de Janeiro

-:mdou diante das baterias paraguaias, em Curuzu,

bater em uma mina explosiva.Essa necessidade vital de dominar o rio Paraguai

=-- clara quando se vê o esforço da Marinha em se

_.:;uipar com navios modernos. Os couraçados bra­-eiros estavam entre os mais modernos navios de

=_erra da época, embora fossem de dimensões mais

iaptadas ao combate em rios do que em oceanos.

- ram comprados oito no exterior e nove construídos-o Arsenal de Marinha da Corte, no Rio de Janeiro.

O principal obstáculo era a Fortaleza de Humaitá,mada em uma curva do rio, que selava "hermetica­

::::ente" a passagem fluvial, segundo o hidrógrafo- ::!JlcêsAmedée Ernest Mouchez, que estivera no 10­

.=:':': antes da guerra. Para passar ali, só mesmo navios

::.cndados com grossas chapas de ferro. Como trin­

'--eiras e pântanos barravam o acesso por terra, ape­

-.2S em 5 de agosto de 1868 os aliados ocuparam-:::maitá, depois que a Marinha do Brasil empregou

uraçados e o exército aliado iniciou uma "marcha

-=-e danco", isto é, ultrapassou a fortaleza pelo leste.

L.-ma das clássicas fotos da guerra mostra, em

::illIlaitá, a bateria de canhões protegidos por casa­--Ias conhecidas como "Londres". E mesmo bate­

".25 não cobertas por pedra eram poderosas, pois a

~roteção de terra tinha a vantagem de absorver o ti­-~ dos canhões, seja reduzindo o efeito das explo-

-5 ou impedindo que as granadas estourassem.;="c fator, combinado com a pouca familiaridade

:.= muitos artilheiros brasileiros com as espoletas

:"" novas granadas, fez com que muitas não explo­.::-- 'm e fossem pegas pelos paraguaios para arre-

_5sar contra seus antigos proprietários.

=...ogono começo da guerra, o argentino Bartolo­-=:1 .\Iitre foi escolhido comandante-em-chefe das

:-.:asaliadas, mas a escolha desagradou os militares

::-asileiros, eternamente desconfiados da Argentina.

- .;::1 o aumento dos problemas internos da Argen­

:. e a gradual preponderância das tropas brasileiras

'guerra, Mitre é substituído por um brasileiro, oquês Luís Alves de Lima e Silva, futuro duque de

. , que em 13 de janeiro de'1868 assume o co--'-cio aliado. Quebrada a dura noz que era Humaitá,

~dos puderam prosseguir. Em dezembro de 1868,

BATE. CADÃVERES PARAGUAIOS. 1866

Caxias vence os paraguaios na série de batalhas co­nhecida como a "dezembrada"; Itororó, Avaí, Lomas

Valentinas e Angostura. Caxias, aliás, teve participa­

ção fundamental na guerra, não só como estrategis­ta e tático, mas também na reorganização e treina­mento do Exército brasileiro, que passou de uma

força desmoralizada (inclusive pelo alto índice de

doenças) a uma máquina de guerra eficaz. E não fal­

tou coragem pessoal ao futuro patrono do Exército,notadamente no episódio do arroio Itororó, quan­

do se arriscou à frente das tropas e conseguiu, pelo

seu exemplo, reanimá-Ias até a vitória.

López consegue escapar do cerco em Lomas

Valentinas - um caso polêmico, pois há quem afirme

que Caxias teria facilitado sua fuga por conta decontatos mútuos na maçonaria -, e vai se refugiar na

cordilheira, ao leste de Assunção. No mês seguinte,janeiro de 1869, Caxias ocupa Assunção, considera a

guerra terminada, se retira do teatro de operações, eé substituído pelo genro do imperador, o conde D'Eu.

O último grande conflito ocorre em agosto de1869, conhecido como Batalha de Acosta Nu ou

Batalha de Campo Grande. Só em 10 de março de

1870, depois de uma longa caçada, López foi mortoem Cerro Corá pelos brasileiros. O resultado da lou­

cura de López foi trágico para o Paraguai. Estudos

feitos por Thomas L. Whigham, da Universidade da

Geórgia (EUA), e Barbara Potthast, da Universidadede Bielefeld (Alemanha), com base em documentos

inéditos de um censo populacional feito em 1870,

indicam que 70% da população do país morreram

na guerra, principalmente de fome e de doenças. m

RICARDO BONALUME NETO éjornalista, repórter da Folha

de S. Paulo.

Cadáveres

fotografados em

Tuiuti, em 1866, após a

maior batalha campal

da América Latina.

Estima-se que 70% da

população paraguaia

tenha morri do

durante a guerra, a

maioria por causa de

doenças e fome

Page 15: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

vergonhosos e que altamente depõem contra nosso

Exército': Em sua opinião estes fatos se deviam à in­

trodução do elemento servil nas fileiras, com "seus

maléficos resultados por meio dos exemplos imorais, e

de todo contrários à disciplina e subordinação, dados

constantemente por homens que não compreendem o

que é pátria, sociedade e família, e que se consideram

é m carta confidencial ao ministro dos

Negócios da Guerra, datada de 13 de de­

zembro de 1869, o marquês de Caxias, co­

mandante-em-chefe das forças militares

brasileiras no Paraguai, depois de louvar feitos de bra­

vura praticados pela tropa brasileira e por seus oficiais,

lamentava ter que relatar que assistira a "muitos atos

Para os estrangeiros, o Brasil tinha um exército de

escravos, o que estava longe de representar a verdade

0.200+_28

~ Ricardo Salles

Negros guerreiros

Membros do 24°

Corpo de Voluntários

da Pátria da Bahia,

formado

exclusivamente de

soldados e oficiais

negros, mas não

escravos: os zuavos.

Detalhe do quadro

Vista do interior da

fortaleza de Curuzu

tomada de montante,

20 de setembro de

1866, de Cándido

lópez

Page 16: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

~2_004

brasileiro foi

29

Combatentes

fotografados após o

conflito, entre os quais

o cabo Francisco

Lacerda, ou "Chico

Diabo" (de pé, terceiro

da esquerda para a

direita), que teria

matado Solano López:

a presença de negros e

mulatos do lado

como escravos

interpretada de forma

preconceituosa,

considerando todos

EXCURSÃO AO PARAGUAI

Ia data, 3.897, ou 5,49% do total, eram libertos. O Re­

latório, entretanto, assumia que o mapa era incomple­

to por falta de dados de algumas províncias e que onúmero de libertos deveria ser maior. Entretanto, não

há por que acreditar que este número tenha sido supe­

rior a 10% do contingente enviado ao Paraguai. Dife­

rentes investigações sobre o assunto, examinando do­

cumentação de recrutamento em províncias que maisenviaram soldados para a guerra, como Rio Grandedo Sul, Bahia e Rio de Janeiro, confirmam esta afirma­

ção. Mais ainda, sabemos pelas atas dereuniões do Conselho de Estado, reali­

zadas na virada dos anos de 1866 para1867, que foi considerada e, em segui­da, descartada a alternativa de se liber­

tarem escravos em massa para atender

às necessidades da guerra. Segundo amaioria dos conselheiros, a medida se­

ria de difícil execução, muito onerosa

aos cofres do Estado, já que os donos

dos cativos teriam que ser indeniza­

dos, e poderia vir a colocar em perigoa ordem pública. Por tudo isso, o Conselho recomen­

dou que a libertação de cativos para a guerra fosse rea­lizada de forma controlada.

E é exatamente neste ponto que o "Mapa" forne­

ce elementos para se desfazer um segundo equívoco:

o de que escravos foram libertados para substituirseus senhores nas fileiras. Os 3.897 libertos arrolados

no "Mapa" estão divididos em cinco categorias: da

Nação (267); da Casa imperial (67); dos Conventos

(95); da Conta do governo (1.806); Gratuitos (753)

e Substitutos (889). Escravos da Nação eram os afri-

compravam escravos

para irem à guerra

em seus lugares

Para evitar a

convocação, pessoas

remediadas pagavamsubstitutos ou

ainda escravos que apenas mudaram de senhor ...".Caxias se referia aos libertos, isto é, escravos recém-li­

Jertados por seus senhores, no caso com a finalidadede servir no Exército em campanha no Paraguai.

A participação de libertos na Guerra do Paraguai émIl dos assuntos mais falados e mais deturpados de

nossa história. Depois de um longo período em que

:oi simplesmente ignorada, a partir dos anos 70 do sé­;:ulo XX,sua presença na guerra passou a ganhar gran-

e destaque. Nesta época, consolidou-se uma imagem

o exército imperial como composto majoritariamen­

êe por negros escravos, libertados para fazer a guerrae seus senhores. Estes, diante da convocação militar,

~eriam optado por enviar seus cativos para a guerra.?or um lado, o silêncio e mesmo acobertamento da

_>articipaçãode libertos na guerra realizados pela me­:nória oficial, sobretudo militar, com seus heróis e mo­

:cIumentos grandiosos. Por outro, baseada em teste­

;nunhos preconceituosos e racistas de paraguaios, ar­

5entinos, europeus e mesmo de brasileiros, a críticaiácil e sensacionalista de uma versão alternativa que

5êcontenta em ridicularizar a nossa história, sempre

. ta como farsa. Duas versões opostas, mas que

.:onduzem a um mesmo resultado cruel: um povo

5êm história, ou com uma história envergonhada.

Logo de início, um primeiro equívoco desta memó­

:ia perversa a ser desfeito: como a grande maioria dossoldados brasileiros era composta por negros e mes­

:icos, portanto eram todos escravos.

:::na relação simplificada que esconde

.:::n enorme preconceito, ainda pre­5-.."J1teno senso comum e em inúmeros

::=:rtoshistoriográficos, que equiparam

:::egros a escravos. Em 1867, no auge

a guerra e do recrutamento, os escra­

"os eram 12,4% da população, en­

0lanto que negros e mestiços livres re­

:cresentavam 52,5% deste total. Assim,não há por que assumir, como fizeram

?araguaios, argentinos e testemunhas

=strangeiras, que os soldados brasileiros, por serem em

_a maioria negros, eram escravos. E os cativos liber­

--dos para compor as fileiras do Exército que tanto in­

:omodavam Caxias? Não seriam uma comprovação

c:_ tese de que escravos libertos por seus senhores

--mporiam a maioria da tropa que fez a guerra?Um "Mapa dos libertos que têm assentado praça

.:.zsdeo começo da guerra': realizado em abril de 1868,

~e consta do Relatório da Repartição dos Negócios da

:;~a, pode lançar alguma luz sobre o assunto. Dos

-~.9-!3 indivíduos enviados para o Paraguai até aque-

:Ta nosso

am à in­om "seus

1lll0ralS, e

ão,dadoseendemonsideram

Page 17: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

cio e angariar algum prestígio a seus donos por seu

ato patriótico de contribuição ao esforço de guerra.

Prestígio que também buscavam os senhores queofereciam seus escravos como Voluntários da Pátria,

sem requerer qualquer contrapartida financeira, co­

mo podemos observar na rubrica dos Gratuitos.É na categoria dos Substitutos, pouco menos de

um quarto do total, que podemos encontrar os escra­

vos libertados para fazerem a guerra de seus senhores.Esta rubrica continha claramente o caso dos indiví­

duos que, convocados para a guerra, enviaram umsubstituto em seu lugar, prática comum na época, no

Brasil e em outros países. Não era raro pagar um in­divíduo livre como substituto para o serviço militar,

inclusive e talvez principalmente nos períodos de

guerra. Na sociedade escravista brasileira, poderia ser

mais barato comprar um escravo para este fim, ainda

que os documentos também revelem o caso de subs­

titutos pagos. É duvidoso, no entanto, que os que as­sim agiram fossem filhos de fazendeiros, como quer o

senso comum, querendo escapar de suas obrigações

militares. Famílias ricas dispunham de meios mate­

riais e de prestígio social mais do que suficientes para

evitar que seus filhos fossem à guerra como simples

recrutas. O mais provável é que se tratasse de pessoas

pobres e remediadas, muitas delas pequenos proprie­

tários de escravos, que não tiveram outro recurso pa­

ra evitar a ida aos campos de batalha.Finalmente, houve um número indeterminado

de escravos fugidos que se engajaram como homens

livres, buscando, assim, se assegurar de que não se­

riam reconduzidos ao cativeiro, já que, uma vez

aceitos pelo Exército, o governo não permitia sua

re-escravização. Mesmo que tivesse que indenizar

seus antigos senhores.A verdade é que o esforço de guerra foi imenso.

Entre 150 e 200 mil homens foram mobilizados, um

em cada vinte homens, se levarmos em conta somen­

te aqueles em condições de alistamento, isto é, entre

15 e 39 anos de idade. Em relação à população cati­

va, um em cada grupo de cem escravos do país foi

alistado, se estimarmos em 10% das tropas o núme­

ro de libertos enviados para a guerra. As conseqüên­cias sociais deste fato ainda não foram de todo anali­

sadas pelos historiadores, principalmente quando

consideramos que o recrutamento, além daqueles es­cravos que foram libertos especificamente para a

guerra, incidiu fortemente sobre os habitantes mais

pobres, em sua maior parte negros e mestiços, mui­

tos dos quais também libertos, que mantinham rela­

ções sociais as mais diversas com a população cativa.

~~,-

canos trazidos ilegalmente para o país depois da

proibÍ<;:ão do tráfico internacional de escravos em1850 e apreendidos pelo governo, que os mantinha­e a seus descendentes - sob sua custódia. Formal­

mente livres, na prática eram o que a própria desig­

nação deixava transparecer, escravos da Nação. Tra­

balhavam em obras públicas, eram alugados a parti­culares e, em 1867, prestaram seu último serviço à

Nação, indo morrer e matar no Paraguai. Escravos

dos conventos pertenciam a estas instituições, for­

malmente subordinados ao Estado imperial, e que

libertaram seus cativos para a guerra. A categoria

Conta do governo, com a maior parcela de libertos

enviados para a guerra, representava os escravos li­

bertados por seus donos mediante indenização, par­

te em dinheiro, parte em títulos públicos.Libertar escravos fujões, insubmissos ou doentes

(ainda que as autoridades militares devessem recusar

recrutas sem boas condições físicas) para a guerra

mediante indenização, mesmo que parcialmente em

títulos públicos, poderia representar um bom negó-

--- ----....

REVISTA SEMANA fLW5TRADA. RIO DE JANEIRO, 11/11/1866

No alto, escravo é

libertado e enviado

para a frente de

batalha no Paraguai: a

medida dava prestígio

social ao seu ex­

senhor. No outro

desenho da Semana

lI/u5trada, casal de

negros do Rio de

Janeiro se

apresentando para

lutar inspirados no

patriotismo dos

zuavos baianos

BR-O 2004- 3 o

Page 18: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

or seu

~erra.

es quePátria,

xa, ca­as.

nas de

5 escra­

nhares.

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am um

laca, nawn m­

militar,

ldas deleria ser

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Ite para aantes maisl .ças, mUl-ham rela­

çãa cativa.

.~ VILOf Izeebol'rl

Recrutas da pátriaIcó, Ceará, 1866. A multidãa cerca a delegacia. Entre eles, pequenas agricultares, funcianá­

rias públicos e autoridades lacais, incluinda a Juiz de Paz e um subdelegada. Exigem a "Iiber­

taçãa" de um maradar da vila que havia sida "capturada para recruta". Pauco tempa depais, ata­

..:am a prédia, matam dais saldadas, ferem o chefe de polícia, libertam a recruta e desfilam em triunfa pelas ruas.u d'Alha, Pernambuco, 1867. Um grupa de mais de duzentas hamens armadas .ocupa a cadeia pública, libertan­

da 31 recrutas e ta das as demais presas que ali se achavam. Em ambas as casas as recrutadas haviam sida aprisia­

"adas para serem enviadas aa Exército, cam a intuito de servir na Guerra da Paraguai.

Recrutar para a Exército fai sempre um problema na Brasil imperial. Durante bÇ>aparte da sécula XIX,farças Ia·

cais e um sistema de isenções legais impediam a alistamento. O pequena Exército imperial centrava sua açãa sabre

aqueles que nãa contavam cam nenhuma proteçãa: desacupadas, migrantes, criminasas, órfãas e desempregadas.

Mas a ataque aa territória brasileiro sem prévia declaraçãa de guerra gerou muita indignaçãa e um farte senti­

"1enta de patriatisma. Para aproveitar a espantânea mabilizaçãa popular em torna da alistamenta, um decreto

mperial, em 7 de janeiro de 1865, cria as corpas de Valuntárias da Pátria, coma parte de uma estratégia para tor­

ar a Exército um espaça aceitável para brasileiros de todas as classes. A perspectiva de uma guerra curta mativara

a maiaria das valuntárias, além das pramessas de terras, empregas públicos e pensões.

Cam a prolangamenta da luta e as muitas dificuldades, a estada de espírito fai mudanda. O principal faca de con-

itos acanteceu com a designaçãa de Guardas Nacianais para a Exército.Ser membro da Guarda Nacianal ainda era,

"a década de 1860, um símbala de status e uma das melhares desculpas para escapar aa recrutamento. Além dissa, a

:>resrígiode chefes lacais era assaciada à proteçãa que poderiam proparcianar. Aa transferir corpas da Guarda para a

/ront externa e subardiná-Ias aa Exército,a governa imperial interferia diretamente na autoridade desses hamens.

Cam a participaçãa de três segmentas distintas - Voluntárias da Pátria, Exércita de linha e Guardas Nacianais

esignadas -, a situaçãa militar se tornau favarável aa Impéria a partir de 1868. Par essa épaca, a libertaçãa de es­

cravas para a alistamenta, com indenização aas danas, já se tornara uma palítica .oficial,e durante as últimas três

anas da guerra cerca de 10 mil libertas preencheram as fileiras na Exército. A crise estava encerrada, mas a tema

::lermaneceria em debate até a aprovaçãa da alistamento .obrigatória em 1916.

~ ') R IZEC KSO H N é professor de História na Universidade Federal do Rio de Janeiro e autor de O cerne da discórdia. A

-Juerra da PaTaguai e a núclea prafissianal da Exércita. Rio de Janeiro: E-papers, 2002.

"O Pader Maderadar

fazenda seleçãa de

farçadas para

metamarfaseá-Ias e

defensares da pátria

charge publicada no

semanário Bahla

lllustrada em sete

de 1867: recruta

militar era caso

polícia

Page 19: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

meiro dever cívico de cidadãos do Império: a defesa

da pátria. A sociedade passara por uma experiência

única de mobilização de recursos materiais, mas

'principalmente humanos e ideológicos que abalaria

sua estrutura social hierarquizada e traria conse­qüências diretas para a crise da escravidão e do Im- ~

pério, abrindo caminho para o movimento abolicio­

nista que tomou conta dos corações e mentes de es­cravos, libertos e pessoas livres na década de 1880.

É esta memória da guerra, que não deixou ape­

nas vestígios estáticos nos nomes de logradourospúblicos em nossas cidades, no bronze frio dos mo­numentos ou mesmo nas referências em obras de li­

teratura e teatro, que é importante resgatar. Uma

memória viva, sofrida e vivida, que se perpetuou

em cantigas folclóricas, em ditos populares, comoos recolhidos por Manoel Querino, ele mesmo um

negro recrutado para a guerra e que, mais tarde, setornou grande folclorista:

Sou soldado da Pátria aguerrida

muito embora nascido na paz

nasci livre, qual águia no ninho

ser escravo outra vez, não me aprazo CI

RI CA RD o SA LLES é professor na Universidade Estadual do Rio

de Janeiro (UERJ) e na Universidade Federal do Estado do Rio de

Janeiro (Uni-Rio) e autor de Guerra do Paraguai. Memórias e

imagens. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional, 2003.

A guerra equiparou todos - ex-escravos libertos, es­

cravos fugitivos, substitutos pagos, recrutas do Exér­

cito e da Guarda Nacional, brancos, negros e mesti­ços pobres, jovens patriotas de classe média e de fa­mílias abastadas - como Voluntários da Pátria.

O Rio Grande do Sul foi a província que mais

combatentes mandou para o Paraguai, 34 mil solda­

dos, 17% de sua população masculina. Localizada emárea fronteiriça, contava com uma estrutura militar,

baseada na organização de corpos da Guarda Nacio­nal, mais permanente. Por isso o número de Volun­

tários da Pátria foi relativamente pequeno, 3.200 sol­dados. A Bahia enviou pouco mais de 15 mil solda­

dos, em torno de 2% de sua população masculina,um percentual semelhante à média nacional. Nove

mil deles eram Voluntários da Pátria, majoritaria­mente negros e mestiços, sendo os libertos algo em

torno de 10% do contingente mobilizado. A Corte,

coração político e cultural do Império, enviou

11.461 soldados, ou 8% de sua população masculi­na. Destes, 2.482 eram libertos, 22% do total!

Depois da guerra, a sociedade imperial escravista

não seria mais a mesma. O governo tivera que con­tar pesadamente com o concurso de setores sociais

antes excluídos da cidadania restrita: negros e mesti­

ços livres e mesmo com uma parcela simbólica e so­cialmente significativa de escravos. Já então libertos

e, mais importante e inusitado, cumprindo o pri-

SOUSA, Jorge Prata de.

Escravidão ou morte. Os

escravos brasileiros na

Guerra do Paraguai. Rio

de Janeiro:

Mauadl ADESA, 1996.

IZECKSOHN, Viwr. O

cerne da discórdia. A

Guerra do Paraguai e o

núcleo profissional do

Exército. Rio de Janeiro:

E-papers, 2002.

NOY.E.M:BRO 2004 3.2

KRAAY. Hendrick.

"Escravidão, cidadania e

serviço militar na

mobilização brasileira

para a Guerra do

Paraguai': in Estudos

Afro-Asiáticos, n. 33,

setem bro de 1998.

Para saber mais

No alto: Voluntários

da Pátria retomam do

Paraguai e são

recebidos com festa

em 1870, no traço

inconfundível de

Angelo Agostini. Após

o esforço de guerra,

homens pobres e ex­

escravos tiveram uma

nova inserção na

sociedade brasileira

Page 20: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

do viajante hoje, erguido à margem da Rodovia Avia­

dores deI Chaco que vai do aeroporto internacional

até Assunção, rende homenagem àquelas mulheres.

Entre as pessoas que abandonaram Assunção em1868 estavam minha tataravó Teresa Silva, seus filhos

menores e vários parentes próximos. Em 1870, ao final

da guerra, a família se encontrava em Espadín, perto

da Cordilheira de Mbaracaju, onde havia chegado de­

pois de uma difícil marcha de centenas de quilômetros

na qual morreram vários de seus membros. Um dossobreviventes era o meu bisavô Vicente Lamas, então

com nove anos, que sua mãe mantinha entre as meni­

nas (vestido como uma delas), para que não fosse le­

vado para o Exército, que recrutava meninos ainda

m 1868, temendo a ocupação de Assunçãopela esquadra brasileira, o marechal Fran­

cisco Solano López ordenou o abandono da

cidade. Anciãos, mulheres e crianças de

pouca idade tiveram que deixar seus lares - homens e

adolescentes já tinham ido para o Exército. A ordem

não constituía um fato insólito durante a guerra, já

que numerosas localidades foram abandonadas por

ordem do marechal para impedir que servissem de alo­

jamento ou de ponto de apoio para o inimigo. Assim,milhares de mulheres se transformaram em residentas,

ou seja, seguiam a família acompanhando a marcha

do Exército paraguaio, em condições muito precárias.

O monumento a ias residentas, que chama a atenção

OV.aM"",O 2004 34

Num texto exclusivo para Nossa História} escritor paraguaio conta

o drama de sua própria família sob a tirania de Solano López

r:;::y Guido Rodríguez Alcalá

Recordações familiaresà sombra de lópez

Família paraguaia

fotografada durante o

período da guerra.

Diferente da memória

oficial do país, os

relatos familiares

revelam uma

população

aterrorizada por López

Page 21: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

35 N.OV.EM.-B-RU 20,04

conta

z

~odoviaAvia­

internacional

mulheres.

i\ssunção emia, seus filhos1870, ao final

spadín, perto1chegado de­

e quilômetrosbros. Um dos

Lamas, então

:ntre as meni­

: não fosse le­

leninos ainda

enores, num esforço desesperado para aumentar

xus escassos efetivos. Já no final da guerra, o Exército

?<liaguaio era constituído de poucas centenas de va­:i>esmal armados, com insuficiente formação militar,

~muitos dos improvisados soldados eram crianças.

A historiografia patriótica exaltou essas mulheres e

aleninos e, se as tradições familiares valem alguma

coisa, posso dizer que aquelas heroínas e heróis infan-

. não pareciam sentir-se à vontade no papel que lhes

:oi destinado para a posteridade; ainda que fosse con­

"eniente expressar o contrário para evitar castigos se­'·eríssimos. Num ato público (dos muitos organiza­

dos durante a disputa), minha antepassada Teresa Sil­

va pronunciou um discurso afirmando que "depois

de perder o marido e seus irmãos no campo de bata­:ha, oferecia à pátria a única coisa que lhe restava: suas

·óias". A oradora passou para a história oficial como

um exemplo de patriotismo, porém tenho provas de

que não estava dizendo o que pensava. Mais tarde, naintimidade, dizia d. Teresa a seus filhos sobre a

Batalha de Tuiuti, em maio de 1866: "Para o inimigo,

aquilo foi como um concurso de tiro ao alvo".Esta é a

yersão que chegou através de várias gerações.De acordo com a tradição familiar, vi a Batalha de

Tuiuti como a matança de soldados paraguaios que

marchavam para a derrota atravessando pântanos,

quando a pólvora então se umedecia, para atacar um

inimigo superior em número, armamento, e em po-

sição mais vantajosa. Leituras posteriores de aná­lises militares me confirmaram o essencial da

versão daquela anciã que não conheci. Ainda'

que a história rigorosa não possa confirmartodo o conteúdo da informação oral. Co­

mo na seguinte anedota em que o mare­chal López diz, em 1868, à minha antepas­

sada: "Comadre, espero-a para tomar um

trago em Santa Cruz". Isto confirmaria osrumores de que López pensou em fugir pa-

ra a Bolívia quando se viu perdido. Incorpo­rados à história escrita, esses boatos não foram

provados, porém indicam que muitos de seus

contemporâneos estimavam pouco o marechal doséculo XIX, declarado herói máximo no século XX.

As dúvidas de d. Teresa a respeito da capacidade,

valor e humanidade de Solano López representavam

uma opinião mais generalizada do que certa historio­

grafia posterior pretendia. Em 1865, o cônsul francêsno Paraguai relatava a seu governo, por exemplo, queas mulheres do mercado de Assunção tinham realiza­

do uma manifestação de protesto contra uma guerra

que matava todos os seus homens. Os informes de au­

toridades policiais paraguaias também registravaminúmeras mulheres encarceradas por afirmar que a

guerra estava perdida. Os poucos testemunhos escri­

tos por residentas denunciam o que hoje chamaría­mos de violações dos direitos humanos.

Teresa Lamas. avó do

autor e neta de

residenta. Seu pai teve

que se disfarçar de

menina para escapar

ao recrutamento, que

não poupava crianças

do sexo masculino,

como pode ser visto

na charge da Semana

'"ustrada de 1865

Page 22: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

Nascido após o segundo casamento de d. Dolores,

Juan Emiliano O'Leary maldisse o "tirano López" em

seus escritos juvenis, mas depois o exaltou tanto a

ponto de se converter em seu "reivindicador" por ex­celência. As razões? O dinheiro oferecido por Enri­

que Solano López, de acordo com as explicações ofe­

recidas pela família. Deixando de lado a má vontade

familiar, o fato é que, em 1883, Enrique Solano

López, filho do marechal e de Elisa Lynch, voltou daEuropa (onde havia estado durante a guerra e na dé­

cada seguinte) com o propósito de reclamar os bensfamiliares confiscados pelo governo paraguaio.

Segundo o historiador norte-americano Harris

Gaylor Warren, tratava-se de uma fortuna, pois os

López possuíam a metade do país. As estimativas

exatas são impossíveis de se dizer, mas as de Warrennão se afastam muito da verdade, pois, ao final de

1869, o marechal López doou a Elisa Alicia Lynch

3.317.500 hectares de terras ao norte do rio Apa, noatual território brasileiro do Mato Grosso; 5,7 mi­

lhões de hectares ao sul do rio Apa, no Paraguai; e

400 mil hectares na província argentina de Formosa.

A reclamação do herdeiro chegou aos tribunais dos

três países e foi rechaçada pelos tribunais paraguaios

em 1888, pelos brasileiros em 1902 e pelos argentinosem 1920. De qualquer forma, a campa­

nha de reabilitação histórica empreen­

dida em conjunto com a reclamação

judicial seguiu adiante e teve êxito.

Naquela altura, remando contra a

corrente anti-López, O'Leary iniciou a

partir de 1900 uma campanha de exal­

tação, sem nenhum fundamento his­tórico, mas com muitos recursos retó­

ricos. O "reivindicador" insistia que o

patriotismo era uma questão mera­mente afetiva, como o amor à mãe ­

"Não é possível que o filho tenha direito de discutir

a honra de sua mãe" -, e que patriota e "Lopista"eram sinônimos. Transformou-se assim num dos

expoentes do chamado revisionismo histórico do

Rio da Prata, que no juízo negativo de Jorge Luis

Borges (1899-1986) consiste em revisar a história

em busca do tirano favorito, que pode ser o tirano

argentino Rosas ou qualquer outro.O terreno ainda não era propício para o revisio­

nismo, mas a situação mudou radicalmente por

causa da guerra com a Bolívia (1932-1935), que

conferiu ao Exército paraguaio um poder político

enorme até a queda de Stroessner, em 1989. A força

armada buscava uma justificativa ideológica e a

Na intimidade, dizia

d. Teresa a seus filhos

sobre a Batalha de

Tuiuti, em maio de

1866: "Para o

inimigo, aquilo foicomo um concurso

de tiro ao alvo"

Não vi, porém me disseram e acredito, que outro

parente meu, Juan Emiliano O'Leary (1879-1969),chamado depois o "Reivindicador'; esteve no meu ba­

tismo, o que é plausível. Ele era primo de minha avó

paterna Teresa Lamas - neta daquela Teresa Silva que

caminhou desde Assunção até Mbaracaju como resi­

denta - e grande amigo de meu avô materno. A mãe

de O'Leary, Dolores Urdapilleta, também percorreu

esse caminho, porém em circunstân­

cias mais difíceis, pois ela não era re­

sidenta, mas destinada (enviada), ou

seja, pertencia a família proscrita po­

liticamente. Esse tipo de situação

acontecia porque no Paraguai até

1870 estavam em vigor as Leis de

"Sete Partidas'; leis espanholas do sé­culo XlII. Como no direito medieval

existia a responsabilidade penal cole­

tiva, o erro de uma pessoa compro-metia toda a sua família, sem distin-

ção de sexo ou de idade. D. Dolores, por seu parentes­

co com réus políticos, passou a ser destinada, que equi­

valia a "traidora': Aplicadas regularmente no Paraguai,

as Leis das "Sete Partidas" prescreviam a tortura, a pe­

na de morte, o confisco de bens e o desterro por mo­

tivos políticos. O delito de d. Urpadilleta foi ter sido

esposa do juiz Bernardo Jovellanos, que se negou a

proferir uma sentença de acordo com as ordens de

López, o que lhe valeu o cárcere onde morreu de do­

ença e maus-tratos. D. Dolores também pertencia à fa­

mília Urdapilleta, na qual havia vários "réus traidores

da Pátria'; segundo a terminologia oficial. Por isso, ela

foi "enviada" a diferentes lugares do país e viu morrervários de seus filhos com Jovellanos.

ACERVO PARTICULAR

NOVl.MBRO 2004 36

A xilogravura

publicada no jornal

paraguaio Cabichuí em

1867 mostra mulheres

acompanhando as

tropas do país. Ao

contrário do que diz a

hístoríografia

tradicional, elas foram

forçadas a seguir para

o combate

Page 23: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

37

Para saber mais

ALCALÁ,Cuido

Rodríguez. Cabal/era,

Pono Alegre: Ediwria

Tchê', 1994.

___ o Residentas,

destinadas y traidoras.

Assunção: RP Ediciones,

1987.

___ o Ideologia

autoritária. Assunção:

RP Ediciones, 1987.

No alto, o Panteâo

Nacional dos HerÓIS,

para onde o coronel

Rafael Franco, golplsta

e de tendência fascista.

mandou trasladar os

resws mortais de lopez:

em 1936. Tentava-se

apagar a memóna das

famílias paragualas

forçadas a se d

como as da fotu"

San Pedra a

durante o c

rano sob o mesmo teto, apesar das restrições de or­

dem religiosa - López não podia repousar em terre­

no consagrado porque, em vida, havia fuzilado de­

zenas de sacerdotes além do bispo Palácios, ato pe­

lo qual acabou excomungado. Mas a Igreja não quis

atrito com o Exército e aceitou a explicação de um

intelectual católico: não existia possibilidade de queos ossos trazidos de Cerro Corá, onde estavam nu­ma tumba anônima desde 1870, fossem os do exco­

mungado, não sendo, assim, violada a lei canônica.

O "Iopismo" como dogma de governo se impôs

no Paraguai como conseqüência do militarismo eda difusão de idéias fascistas, em meados da década

de 1930. Por volta de 1960, ganhou legitimidade de­vido a um erro da teoria da dependência, que viu no

marechal López um herói antiimperialista. Feliz­mente, novos historiadores, como Francisco Dora­

tio to, nos permitem ter uma visão mais exata do

conflito e do ditador paraguaio. m

GUIDO Ro DR ÍG UEZ ALCALÁ é escritor,formado em Direito

em Assunção, e Literatura e Ciências Políticas nos Estados Unidos.

-obriu convenientemente no militarismo de

_eary, fortalecido pelas idéias de ultramar (espe­ente da Alemanha e da Itália). Pouco depois de

. ada a guerra com a Bolívia, em 17 de feverei­de 1936, o coronel Rafael Franco deu o golpe de

o que o manteria por um ano no poder. Franco

foi cruel mas não deixava claro se queria ser so­

'sta ou fascista: por um lado, propunha a refor­

agrária; por outro, manifestava sua admiraçãoenhor Hitler, um dos valores mais puros da Eu-

:'a contemporânea".~a natural que, em 10 de março desse mesmo

Franco fizesse trasladar ao Panteão Nacional

Heróis os restos mortais de Francisco Solano

- ?ez, proclamado por decreto herói máximo. Eramral, também, que a cerimônia fosse presidida

--r O'Leary, que ainda conheceria uma glória

=:uor: alo de março de 1955, na praça adjacente à

::- Panteão dos Heróis, o general Stroessner manda-erguer a estátua do "reivindicador" O'Leary, que

....:;.ehavia solicitado esse monumento.

Para retomar às questões familiares, direi que

-'quele 10 de março de 1936, junto a O'Leary, esta-

_ presente no Panteão sua prima, Teresa Lamas,

~eta de uma residenta, e que não estava ali para ren­

::.er homenagem a López, pois dele havia formado..::::Iapéssima opinião ouvindo os relatos de sua avó.

~ representava as mulheres católicas, já que o Pan­--=0 Nacional dos Heróis era também o local do

.atório da Virgem, propósito para o qual foi ini-

. da sua construção. Como o Paraguai era um país

.:ztólico e o povo reclamava que não se podia usar o

~plo para sepultura de um excomungado, Franco

.:--idiu dar um "jeitinho", deixando a Virgem e o ti-

d. Dolores,

López"emou tanto a

ar" por ex­

, por Enri­

cações ofe­ná vontade

lue SolanoI, voltou dana e na dé­

nar os bens

paragualO.mo Harris

ma, pOlS osestimativas

5 de Warrenao final de

icia Lynch

rio Apa, no5S0; 5,7 mi-

Paraguai; eHeFormosa.

ribunais dost .

paragualos

ISargentinos

na, a campa­

~a empreen­I reclamação~veêxito.

Ido contra a

!ary 1l1lClOUaIanha de exal-lamento his­

fc~rs.os retó­nSlstla que oI _lestao mera-

mor à mãe­

to de discutir

~ e "Lopista"~m num dosIhistórico do

e Jorge Luissar a história

e ser o tirano

ara o reVlSlO­

almente por

32-1935), que

poder político1989. A força

deológica e a

Page 24: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

Tropas femininas em marcha

~ \aria Teresa Garritano DOdr JLO

BRO 2004 38

Paraguai

Presença extra-oficial nos fortes e acampamentos militares,

as mulheres brasileiras formavam um exército invisível

que se tornou indispensável no desenrolar da Guerra do Paraguai

Guerra de homens:

esta foi a visão

tradicional sobre a

maior campanha

bélica da América do

Sul. Entretanto,

pesquisas recentes

mostram os papéis das

mulheres nos dois

lados da guerra. Ao

lado, o conde D'Eu

(mão na cintura) com

o seu estado-maior no

:4imagem tradicional que se tem de bata­

lhas e acampamentos militares, repletosde soldados, armas, violência e morte,

não inclui mulheres e crianças. No en­tanto, várias brasileiras, entre mães, esposas, prosti-

tutas, comerciantes, prisioneiras e escravas, desem­

penharam papel ativo na guerra travada contra o

Paraguai, entre 1864 e 1870. Atuando sobretudo na

retaguarda, enfrentaram, junto com os homens, oshorrores de um conflito bélico.

Brasileiras de origem humilde, especialmente es­

posas ou aparentadas de soldados, muitas vezes op­

tavam por acompanhar as tropas com os filhos a ti­

racolo, quando se viam desprotegidas e sem meiosde sobrevivência. Como não havia abastecimento

regular nos acampamentos, algumas delas, conheci­das como vivandeiras, se dedicavam à venda de arti­

gos de primeira necessidade e, com freqüência, à

prostituição. Essas vivandeiras, e demais andar ilhas

que seguiam os batalhões, criavam modos de vida e

sobrevivência na retaguarda, cuidando das crianças,da comida e das roupas. Assim como os homens,sofriam com a marcha extenuante, o sol, o frio, a fo­

me e as doenças que assolavam os acampamentosdesprovidos das mínimas condições de higiene.

Em alguns casos, as mulheres nas tropas também

pegavam em armas e socorriam feridos, fazendo

curativos e conduzindo-os até os hospitais. Esse tipo

de auxílio foi registrado pelo general brasileiroDionísio Cerqueira em 1870, nas suas reminiscên-

Page 25: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

'.1 t

Jovita Feitosa, no alto,

vestiu-se de homem e

foi ao Paraguai como

voluntária. Abaixo,

movimentação do

Exército brasileiro em

Tuiuti, segundo

gravura da época: a

presença feminina nas

tropas era constante

3 9 ,~OV..li.MB1LQ 2,°04

Outra mulher de origem humilde que obteve

destaque foi a piauiense Jovita Alves Feitosa, a sar­

genta Jovita. Em resposta à campanha veiculada

pela imprensa conclamando os jovens "a servir aoBrasil", apresentou-se incógnita ao Exército, aos 17anos, vestida de homem e com os cabelos cortados.

A história ganhou as páginas dos jornais e setornou um dos mais conhecidos casos de

alistamento de voluntários da pátria.

Taunay chegou a comentar o fato com

misto de preconceito e ironia: "Chega­ram os retratos do Viegas, o meu an­

tigo inspetor, e da interessante Jovita

que me pareceu muito engraçada nos

seus trajes de primeira-sargenta': Nãose conhece toda a trajetória de Jovita

após o alistamento nem as circunstâncias de

sua morte, em 1867. Segundo uma versão, ela teria se

suicidado em 9 de outubro daquele ano, inconforma­

da com o esquecimento a que foi relegada, apesar dorecebimento de homenagens e presentes quando re­tomara dos combates. Outra versão conhecida é a de

que teria embarcado para o Paraguai, no vapor

Jaguaribe, e morrido na batalha de Acosta Nu.Histórias como a de Jovita são exceções. As raras

mulheres lembradas pelos memorialistas com direitoa nome e sobrenome eram casadas com homens per­

tencentes à elite imperial. Sobre elas predomina qua­

se sempre o retrato da esposa corajosa, fiel e abnega­da, como Ludovina Portocarrero, casada com o co­

mandante do Forte de Coimbra, em Corumbá, às

margens do rio Paraguai. Ludovina ganhou destaquepor sua participação no grupo de resistência à inva­

são do forte por tropas paraguaias em 1864. Cerca de

setenta mulheres, quase todas esposas de militares,fabricaram 3.500 balas de fuzil adaptando os cartu­

chos de menor calibre com pedaços de suas roupas.

Segundo informações do major César Lucios Mattos

.', '

da guerra: "Nas linhas de atiradores que comba­encamiçadas, vi-as [mulheres] mais de uma vez

~ar-se dos feridos, rasgarem as saias em atadu­

?'ll"alhes estancarem o sangue, montá-los na garu-seus cavalos e conduzi-los no meio das balas".

~ A retirada da Laguna, narrativa romanceada

re uma expedição brasileira na fronteira entre o

-o Grosso e o Paraguai, o autor, Alfredo Taunay,

as agruras vividas pelos segmentos femini­- ~s.,discriminados e sem direito a remédios, cuida­

~~5 ou abrigo em caso de doença. Nessa expedição,

_= não suportou nem dois meses de luta devido à:a.de abastecimento e à virulência da cólera, cou­

:=: as mulheres o papel de coadjuvantes anônimas,

_~~o se vê no seguinte trecho.Eram setenta e uma mulheres, todas a pé, exce­

uas, montadas em bestas; carregavam quase to­

- -- crianças de peito ou pouco mais velhas. Por he-

-~.:.na passava uma e todas a apontavam, quando:.-.::1 soldado paraguaio ao tentar lhe arrancar o fi­

tomou de uma espada largada no chão, e numto matara o assaltante." O autor encerra o relato

.:.2endo que, embora essa mãe houvesse adquirido5fatus de heroína por sua bravura, seu nome não

:-i registrado em lugar algum._\0 longo de toda a guerra, pouquíssimas mulhe­

-=s do povo obtiveram algum reconhecimento a

:-_nto de sair do anonimato. Eram, quando muito,:onhecidas apenas pelo primeiro nome ou apelido.

-::~ Episódios militares, o general-de-brigada Joa­

.-:.2im Silvério de Azevedo Pimentel menciona duas-ulheres que o impressionaram: a gaúcha Florisbe-

e a pernambucana Maria Francisca da Conceição,~ _.laria Curupaiti. Florisbela, sobre quem não se co­

--~ece o nome completo nem a família, envolvia-selutas e auxiliava nos hospitais, ao passo que Ma­

:1<l Curupaiti, a esposa de um cabo-de-esquadra, lu­:.:"a ao lado dos homens sempre vestida de soldado.

o Paragua'

elas, conheci­

venda de arti­

freqüência, àlÍs andar ilhas

dos de vida e

das crianças,os homens,

1, o frio, a fo­

lmpamentos

higiene.pas tambémtos, fazendo

lÍs. Esse tipo11 brasileiro

reminiscên -

Page 26: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

outras, especialmente as de classe baixa, se viram obriga­

das pelas circunstâncias a ingressar nas fileiras. Foi o caso

das residentas, parentas de soldados ou moradoras das lo­

calidades por onde passavam as forças de López. A pre­

sença dessas mulheres elevava a moral da tropa, pois aju­

dava a evitar a deserção e criava um ambiente familiar. No

entanto, elas não tinham direito a nada nos acampamen­tos, nem mesmo aos alimentos distribuídos.

Quando faltava cerca de um ano para o finalda guerra, as

residentas, bem como outras figuras femininas, as destinadas,

começaram a ganhar destaque na imprensa. As destinadas

eram integrantes da elite paraguaia que haviam sofrido perse­

guição por terem algum traidor ou conspirador na família.

Levadas para campos de concentração, vivenciaram situa­

ções degradantes, inclusiveviolações. Seus testemunhos con­

tribuíram para a destruição da imagem de Solano López co­

mo herói nacional. Igualmente vítimas das atrocidades e des­

mandos de López, as residentas foram alvo de uma constru­

çâo mítica após o término da guerra. A história e literatura

paraguaias começaram a atribuir a elasa imagem de heroínas

que reconstruíram o Paraguai. Relatos de viajantes, porém,

oferecem uma idéia real das mulheres ao término da guerra:

descalças, malvestidas, vagando pelas ruas de Assunção, im­

plorando comida e se prostituindo para sobreviver.

FERNANDO LÓRIS ORTOLAN é mestre em História pela

Universidade do Vale do Rio dos Sinos - Unisinos.

Fernando Lóris Ortolan

Guerreiras paraguaiasAcuada com a aproximação dos soldados brasileiros, a

paraguaia Francisca Cabrera se escondeu no mato com os

quatro filhos pequenos. Armada com apenas um punhal,

mas disposta a não sucumbir ao inimigo, recomendou às

crianças que continuassem lutando caso morresse. Assim

o jornal paraguaio Cabichuí relatava em agosto de 1867 o

ato de bravura de Francisca, "uma mulher pertencente à

estirpe dos guaranis". Emjunho de 1868, o mesmo jornal

estampara uma manchete ainda mais espetacular. Duasmulheres, Bárbara Alen e Dolores Caballero, armadas

apenas com um cinto e um pedaço de pau, haviam mata­

do um tigre e saído ilesas da luta. Se as paraguaias eram

capazes de tamanha bravura com poucos recursos, o que

não fariam contra os inimigos da pátria devidamente ar­

madas, indagava o autor do artigo.Fantasiosas ou não, essas "notícias" sobre a valentia das

mulheres tinham um propósito bem definido: difundir o es­

pírito patriótico e conquistar o apoio dos paraguaios para a

guerra empreendida. Apesar de haver controvérsias entre

historiadores, mulheres de fato participaram do conflito e

existem até registros de algumas que pegaram em armas. Os

regimentos femininos, formados por esposas, companheiras,

prostitutas ou parentes dos soldados, se encarregavam de

tarefas domésticas, enterro dos mortos, transporte de mate­

riais bélicos e apoio na construção da defesa militar.

Muitas mulheres participaram de campanhas militares

contra os exércitos aliados de forma voluntária enquanto

1

CERQUEIRA,

Evangelista de Castro

Oionísio. Reminiscências

da Campanha do

Paraguai, 7865-7870. Rio

de Janeiro: Biblioteca do

Exército, 1929.

SOUZA, Luiz de Casno.

A Medicina na Guerra

do Paraguai. Rio de

Janeiro: Biblioteca do

Exército, 1971

Para saber mais

N.O\·l~[URO 2004 40

TAUNAY, Alfredo

O'Escragnolle. A retira­

da da Laguna. Rio de

Janeiro: Companhia das

Letras, 1997.

Cartas

da Campanha de Matto

Grosso: 7865 a 7866. Rio

de Janeiro: Editora

Biblioteca Militar, 1944.

Page 27: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

41 2.004

Mulheres voluntárias,

segundo o periódico

Semana /Ilustrada, do

Rio de Janeiro, em

setembro de 1865:as

vivandeiras cuidavam

da comida, das roupas,

socorriam os feridos e,

não raro, se prostituíam

indígena que

acompanhou as tropas

uruguaias e morreu em

Paissandu. Apesar de

relatos pontuais, sabe­

se muito pouco sobre a

presença das mulheres

nos campos de batalha

_ ,Catalina, mulherBessa, do 110 RC MEC de Ponta Pora, era pOSS1Vel

naquela época fabricar cartuchos artesanalmente,

utilizando pequenos pedaços de tecidos e pólvora.

Dentre todas as mulheres registra das pela história

na Guerra do Paraguai, porém, a mais conhecida é aenfermeira voluntária Ana Néri. Viúva de um homem

de projeção na época, o capitão-de-fragata Isidoro

Antônio Néri, Ana acompanhou e cuidou dos três fi­

lhos combatentes até o Paraguai. Na época em que re­

sidiu em Corri entes, Humaitá e Assunção, tratou de

doentes e feridos em hospitais e amargou a perda de

um filho e um sobrinho. Por sua atuação, ficou co­nhecida como a "mãe dos brasileiros" e recebeu uma

coroa de ouro de um grupo de senhoras onde se lia r::,,' '''~-~ri'~,l"

"à heroína da caridade, as baianas agradecidas". I' .(;jTI<Sl·.~.·· 'rtIJ"'-..:.' '\Infelizmente, sabe-se pouco sobre a presença fi y. r' ':il,'\

feminina na Guerra do Paraguai devido à peque-' .' J'na quantidade de documentos disponíveis a res- '(..J '~'{k,.\-.t""I t> \peito, A maioria dos relatos foi feita por homens . ~'1" , .. ,. ,~ Ique mal mencionam a participação de mulheres ou

o fazem com ironia e preconceito. Historiadores são

obrigados a rastrear e analisar trechos esparsos so­bre o assunto deixados em cartas, memórias, remi­

niscências e diários escritos por combatentes, a fim

de traçar um panorama real do que se passou. m

MARIA TERESA GARRITANO DOURADO é mestre em

História pela Universidade Pederal de Mato Grosso do Sul e pro­

fessora na Faculdade de Ciências Administrativas de Ponta Porã

(PAP), Mato Grosso do Sul.

A violência do

aprisionamentoo sofrimento das mulheres que seguiam as tropas era

ainda maior quando caíam nas mãos do inimigo.

Graças à análise de documentos no Arquivo Histórico

do Itamarati, no Rio de Janeiro, historiadores pude­

ram também conhecer dificuldades vividas por algu­

mas brasileiras aprisionadas pelo inimigo na região.

fronteiriça ao Mato Grosso, chamada Baixo Paraguai.Além de sofrerem violências sexuais, viviam aterrori­

zadas com a possibilidade de degola, forma de execu­

ção usada pelo inimigo. Precisavam plantar, lavar, co­

zinhar e transportar mercadorias para as tropas para­

guaias ali estacionadas. Passavam fome e frio e eram

mantidas a ferro como castigo. Essas informações

constam nas respostas dadas à polícia, em 1865, por

14 homens que haviam conseguido fugir do local to­

mado pelos paraguaios.

Segundo testemunho de alguns desses homens, cha­

mados respondentes, "Os paraguaios em grande núme­

ro cercaram a fazenda do Mangabal, e feitos prisioneiros

mais de trezentas pessoas que ali existiam estacionadas,

e que nessa ocasião observaram muitas imoralidades

praticadas pelas forças paraguaias com as famílias brasi­

leiras que foram prisioneiras, sendo arrastadas as senho­

ras brasileiras, casadas, e donzelas para fins libidinosos':

Esseclima de terror perdurou durante toda a guerra.

11 da guerra, as

..as destinadas,

As destinadas

sofrido perse­lor na família.

lciaram situa­

munhoscon­

!nOLópez co­:idades e des­

lma constru­

ia e literatura

nde heroinas

ntes, porém,

10 da guerra:

ssunção, im­ver.

Ôriapela

)s - Unisinos.

,viram obriga­ras. Foi o caso

'adoras das 10­

López. A pre­

'opa, pois aju­te familiar. No

acampamen-

Page 28: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

.B RÚ' 2004 4-2

~ Rosendo Fraga

Uma guerra e muitas versõesManuais adotados nos países do Mercosul ainda contam

histórias diferentes sobre a Guerra do Paraguai

mento autônomo do Paraguai, e

também os interesses expansionis­

tas de Argentina e Brasil.

Um breve exame de alguns dos

manuais usados nesses países nosúltimos anos mostra essas dife­

renças, certamente devidas aosefeitos distintos em cada um - no

caso do Paraguai, à considerávelinfluência do conflito na forma­

ção da consciência nacional.

Na Argentina, profundamente

dividida na época, o conflito até

hoje gera polêmicas. O livro didá­tico destinado ao ensino secundá­

rio Textos-Fuentes-Cartografia, de

Francisco C. Rampa (Editorial

AZ), embora admita que a guerra

"comoveu profundamente o país"

e influenciou "em todos os aspec­tos da vida nacional", dá mais im­

portância à resistência ao conflito

no interior do país, onde a guerraera impopular: "Alguns velhos fe­deralistas alimentaram a idéia de

alçar-se contra o poder presiden­

cial e acreditaram ver em Urquiza[Gen. Justo José Urquiza] o ho­

mem indicado para depor o pri­meiro mandatário. Entretanto, o

caudilho entrerriense apoiou o

presidente (...)".Já o alentado manual do cien­

tista político Torcuato Di Tella,

Historia argentina (Ed. Troquei,

1994), procura contextualizar oepisódio: "Uma luta entre esses

dois países, se hoje pode parecer

totalmente desproporcionada, não

"Guerra do Paraguai" ou "Guerra

da Tríplice Aliança"? Não só os

nomes variam. Até hoje essa

guerra, que causou um forte

impacto nas relações entre as

partes diretamente envolvidas -Argentina, Brasil, Paraguai e

Uruguai -, é ensinada de modo di­

ferente aos jovens desses países. Se

nos livros paraguaios ela tem mais

importância que a Independência,é estudada sumariamente na

maior parte dos manuais brasilei­

ros e argentinos, enquanto os li­

vros uruguaios a tratam como epi­sódio circunstancial, quase estra­

nho à história do país. Mas se os

argentinos ainda mostram visõesdesencontradas, os manuais brasi­

leiros já revelam a manipulaçãoinglesa para impedir o desenvolvi-

Solano lópez na

charge "Estátua do

Nero do Século XIX"

foi comparado, pela

imprensa brasileira, ao

cruel imperador que

massacrou milhares de

cristãos, em Roma. No

Paraguai, a imagem

que permaneceu nos

manuais de história é a

de um grande herói

Page 29: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

43 NOVEMiUl-O 2004

vegação e o acesso a Mato Grosso.

Segundo esse autor, a guerra foi

tramada pela Inglaterra para au­mentar sua influência na região.

Desde a independência, em 1811,

o excepcional desenvolvimento

paraguaio - indústria naval e rede

ferroviária, enquanto as "fazendas

da pátria" controlavam o comér­cio exterior - incomodava os in-

Livros de história

usados nas escolas dos

países do Mercosul: na

Argentina e no Uruguai

a "Guerra da Tríplice

Aliança" é ensinada

superficialmente,

enquanto no Paraguai

o acontecimento tem

mais importância do

que a Independência

do pais

Ho

oro

des de navegação na bacia plati­

na, tornando possível a chegada aMato Grosso e às cabeceiras dos

rios Uruguai e Paraguai, entãosob o controle paraguaio -, aos

desejos argentino (anexar o Para­

guai) e inglês (destruí-lo), poissua autonomia "poderia conta­

minar outros países da América

do Sul, dependentes do capitalinglês': O final da

guerra foi cruel

para o Paraguai ­

perdeu metade doterritório, dois ter­

ços da população,reduzida a velhos,

mulheres, criançase inválidos, e a au­tonomia econô­

mica e política -,

enquanto o Brasil"saiu endividado

com a Inglaterra,

porém com o território amplia­

do, pois anexou quase metade dosatuais estados do Mato Grosso eMato Grosso do Sul".

Já no Paraguai, cuja devastação

feriu profundamente a consciên­cia nacional, a tendência é atri­

buir toda a responsabilidade pelo

conflito à Argentina e ao Brasil.Assim o manual Estudios Sociales,

de Irmina C. De Lazcano, identi­fica como causas da "Guerra da

Tríplice Aliança" as questões de

tU""

oIo

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o"

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'l_r-.

o~.

'r.

gleses, porque o

Paraguai lhes ven-dia mate e não

comprava nada.

Também a força

militar, criada pe­

los governos an­

teriores a López,

ameaçava, pOlS

permitiria con­cretizar o sonho

expansionista do

"Paraguai Maior".A influência in-

glesa teria levado à formação da

Tríplice Aliança (Argentina, Brasil

e Uruguai); para fazer frente aostrês países, o Paraguai teve de

comprar armamentos dos pró­

prios ingleses, aumentando suadívida com bancos britânicos.

Por sua vez, o livro didático

História do Brasil, de Florival Cá­

ceres (Editora Moderna, 1994),

atribui o conflito ao expansionis­

mo brasileiro - que obteve do

Uruguai e da Argentina facilida-

o era naquela época. Ainda que a

população do Brasil fosse muito

maior do que a do Paraguai, esta­

va quase totalmente concentradano litoral. Praticamente, para as

tropas brasileiras a única forma

de chegar ao Paraguai era pelo rioda Prata (...)". Na Argentina, ob­

serva, era difícil manter a discipli­na no exército aliado, e a carnifi­

cina na frente de combate provo­cava resistências ao recrutamen­

to. Urquiza não conseguia con­trolar vários batalhões, e no inte­

rior a resistência à guerra, alémda simpatia do Partido Federal

pelo regime de López, fomentou

a guerra civil. Quanto ao Paraguai,observa que, ao final do conflito~

estava completamente exaurido,

mas suspeita de exagero no nú­mero de adultos do sexo masculi­

no mortos. "Os partidários do

conflito naquela época - e seus

simpatizantes atuais - discordam

em estabelecer cifras e culpabili­

dades. O certo é que foi uma das

piores hecatombes de nossahistória (...r.

Já a História do Brasil, de Anto­

racy T. Araújo (Editora do Brasil,

1995), conta que ao governo do

Império, como também à Ingla­terra, interessava a manutenção

do equilíbrio entre Paraguai, Ar­

gentina e Uruguai. na bacia do

Prata, o que facilitaria a livre na-

Paraguai, e

xpansionis­iil.

: alguns dos

s países nosessas dife­

levidas aos

da um-noonsiderável

, na forma­

sional.

undamente

conflito até) livro didá­

10 secundá­

rtografia, deI ( Edito rial

lue a guerraente o país"os os aspec­dá mais im­

I ao conflito

1de a guerra1Svelhos fe­

n a idéia de

~r presiden­em Urquiza

uiza] o ho­

lepor o pri­ntretanto, o

~ apoIOU o

ltam

ual do cien­

to Di Tella,

~d. TroqueI,~xtualizar oentre esses

,ode parecer:ionada, não

Page 30: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

dos nas escolas, Aprendiendo

Historia, de Mariela Amejeiras eMaría C. Siniscalco (Editores

Monteverde), trata apenas dos an­tecedentes do conflito. Afirma quetanto os comerciantes de Buenos

Aires e do Rio de Janeiro, quanto

os capitalistas europeus, "viam

com inquietude o crescimento do

Paraguai, cujo exemplo podia ser

copiado pelo restante da Améri­ca",e que Brasil e Argentina ambi­

cionavam territórios paraguaios.

Quanto ao Uruguai, entrou na

guerra por iniciativa de Venâncio

Flores, que havia chegado ao po­

der com a ajuda de Brasil e

Argentina. Também destaca as

enormes perdas paraguaias, além

do pagamento aos vencedores de

multimilionária dívida de guerra.Outro manual, Mi libra de histo­

ria escolar, de Schurmann Pacheco

e Coolighan Sanguinetti (EditoresMonteverde), também atribui a

guerra a conflitos de fronteira quemotivaram a invasão do Mato

Grosso pelo exército paraguaio, e

a participação uruguaia à pressão

argentina e brasileira. Seu balan­

ço da guerra mostra igualmente as

exageradas vantagens obtidas pelos

vencedores, inclusive o Uruguai .Como se vê nesta breve e des­

pretensiosa amostra, há muito o

que debater e ajustar sobre a guer­

ra que devemos contar aos jovens

dos países que tragicamente a fize­ram. E isso hoje já não é tão difícil,

pois os espíritos estão mais desar­mados e a produção acadêmica

deu saltos imensos em direção ainterpretações mais isentas. Nãoseria o caso, então, de as autorida­des educacionais, os editores, au­

tores e professores de alguma for­

ma se falarem e se esforçarem porcontar essa história direito? m

ROSENDO FRAGA é diretor do Centro de

Estudos Nueva Mayoría, na Argentina.

meiro momento até Cerro Corá".

O balanço da guerra feito pela au­tora deixa mal a Tríplice Aliança:

o Paraguai devastado e a popula­

ção reduzida de 1,3 milhão para300 mil habitantes, em sua maio­

ria mulheres, crianças e anciãos.

Já o compêndio Mi Manual,

de uma equipe de professores

(Editorial EV.D., 1990), atribui a

conflagração às pretensões ane­

xionistas da Argentina e do Brasil

e ao conflito surgido no Uruguai.

Também divide a guerra em eta­

pas, destacando o episódio conhe­cido como "os meninos mártires

de Acosta Nu", em 16 de agosto

de 1869, quando, já no final da. .guerra, Jovens paragualOs, em suamaioria de 14 e 15 anos, sucum­bem na heróica batalha de Acosta

Nu. Os autores também desta­

cam a figura de Solano López:

perseguido por tropas brasileiras,refugiou-se em Aquidabán-Nigüi,onde, intimado a se render, teria

dito: "Morro com minha pátria!"

Foi, então, executado juntamente

com o vice-presidente Sánchez ecom seus dois filhos: o coronel

Juan Francisco López e José Félix

López, de 11 anos.Por fim, o Uruguai, onde tam­

bém as cisões políticas na época

resultaram em divergências de in­

terpretação sobre a guerra e umcerto descaso. Um dos livros usa-

fronteira; a invasão do território

uruguaio por tropas brasileiras e o

veto argentino à passagem de tro­

pas paraguaias pelo seu território,

para acudir o Uruguai. Essesacontecimentos teriam rompido a

"doutrina (paraguaia) do equilí­

brio de forças" (isto é, da desu­

nião) entre seus dois vizinhos,

Argentina e Brasil, o que ameaça­va a autonomia nacional.

O livro dedica mais atenção às

operações militares do que os

manuais argentinos e brasileiros,tratando detalhadamente suas

"doze etapas': Solano López, "he­rói indiscutível da Guerra da

Tríplice Aliança", é exaltado pela

autora, que se apóia em depoimen­

tos do poeta paraguaio J.NatalícioGonzález e do argentino José Ba­

tista Auberdi. O primeiro afirma

que Lópe7 "é o símbolo soberbo

de sua direta estirpe. (...) sua per­sonalidade é um estranho amál­

gama de Fogo e Pensamento. Todauma raça nele se encarnou (... )".

Para Auberdi, "Solano López não

tinha paralelo nem com Bolívar,nem com San Martín, nem com

os mais belos tipos de constância

indomável e grande que apresen­ta a história da América. Quando

a nacionalidade se viu ameaçada

soube fazer frente ao inimigo em

admirável união com um povo

que o acompanhou desde o pri-

OV~lB RO 2004 44

A Batalha do Avaí, óleo

de Pedra América,

presente em muitos

livros didáricas

brasileiros, rornou-se

uma imagem clássica

para representar a

glória do Império e

exalrar alguns

personagens envolvidos

na Guerra do Paraguai

Page 31: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História
Page 32: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História
Page 33: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

Quando as tropas da segunda di­

visão terminaram sua passagem,

veio ajudar-me meu assistente. Ele

tomou um grande lenço de qua­

drados brancos e colora dos para

fazer sombra. Logo uma granadaestourou ao nosso lado e um dos

estilhaços feriu mortalmente meuestimado González, cujo lençocaiu sobre a minha ferida':

Cándido López teve seu ante­

braço direito amputado para evi­

tar a gangrena. Tinha 26 anos e sua

carreira de pintor mudaria drasti­camente. De volta a Buenos Aires,

ele se torna membro do Corpo deInválidos. Dono de uma enorme

força de vontade, reeduca sua mão

esquerda para continuar pintan­

do. Nessa época conhece Emilia

Magallanes, jovem viúva, com

quem se casa, em 1872, e tem 12 fi­lhos. A família viveria nos arredo­

res de Buenos Aires, passando

sempre dificuldades econômicas.

Mas o artista continuou pintandonaturezas-mortas e retratos, en­

quanto planejava realizar um am­

bicioso conjunto de noventa pin­

turas que registraria as imagens daGuerra do Paraguai. Abre-se para

o pintor uma etapa de longos anosde obsessiva e febril atividade, até

que um inesperado mecenas bate

à sua porta: o dr. Norberto QuirnoCosta (1844-1915), futuro chance­

ler e vice-presidente argentino, que

procurava então terras para arren­dar, conhece López e se mostra as­

sombrado por suas pinturas daguerra. Quirno o estimula em sua

"vocação patriótica" e financia ca­sa e estúdio. No total, Cándido

pintou pouco mais de cinqüentatelas sobre o conflito.

Não é possível rotular a obra de

Cándido López no movimento

pictórico de sua época. As grandes

dimensões panorâmicas e hori­

zontais de suas pinturas só encon­

tram paralelo com a série de bata-

atravessar as águas sem molhar as

roupas ... Algo, sem dúvida, semvalor épico. Mas o conjunto é mo­

numental. Impressiona o relato vi­sual dos aliados em movimento,

deslocando-se até o front - umabeleza dinâmica difícil de superar.

Algumas de suas pinturas re­

criam magnificamente o assaltoda 1" e 2" colunas brasileiras avan­

çando, resolutas, até as defesas deCurupaiti. Cándido também pin­

tará o ataque realizado pela 3" co­

luna argentina, no qual participou

como protagonista. No ensolara­do meio-dia de 22 de setembro de

1866, o capitão Cándido López eseus soldados do Batalhão San Ni­

colas avançam para as fortifica­

ções paraguaias de Curupaiti. O

próprio pintor narra em diário as

peripécias dessa jornada: "Ao atra­

vessar o canal, um estilhaço de

granada me despedaçou a mão.

Tomei a espada com a mão es­

querda e continuei marchando na

frente da companhia, aproximan­

do-me até umas trezentas jardasda trincheira, onde fui tomado de

insuportável fraqueza pelo derra­

mamento de sangue. (...) Sentei­me ao pé de um tronco e com um

lenço comecei a atar a ferida.

o pintor tinha 25 anos ao sealistar como voluntário no Bata­

lhão San Nicolas da Guarda Nacio­

nal. Ele mesmo destaca em uma

carta: "Ao apresentar-me como vo­luntário na defesa de minha pátria

numa guerra nacional, me propustambém a servir como historiador

com o pincel". Cândido é nomea­

do oficial e participa desde o início

da campanha. Em Uruguaiana, seubatalhão chega a ser felicitado ­

pelo imperador Pedro II e Bartolo­

meu Mitre - por sua atuação na li­

beração da cidade.Possuidor de um extraordiná­

rio senso descritivo, desde o início

da longa campanha Cándido jun­ta em seus cadernos desenhos a lá­

pis, que complementa com as ano­

tações em seu diário. Preso à ob­

sessão pelos mínimos detalhes,

procura não deixar espaços vazios

em sua grande investigação pictó­rica, e durante as marchas recolhe

ramos, folhas e flores que lhe per­mitem documentar a flora da re­

gião. Esses desenhos se transfor­

marão em pinturas, nas quais o

primeiro plano nunca se impõe

em importância. Na tela Pasaje deZ

Arroyo SanJoaquín mostra inúme­

ros soldados seminus que tentam

2004 48

águas: o esforço

documental de

Cándido lópez recusa

a pintura épica oficial

No detalhe da tela

pasaje dei Arroyo San

joaquín. soldados

seminus atravessam as

Page 34: GUERRA DO PARAGUAI_ Revista Nossa História

Onde apreciar López

DUJOVNE,Marcae

SOLÁ,MarcaGiL

Cándldo López. Buenos

Aires:ColeçõesdoMuseuNacionalde

Belas-Artes,1971

RICCI,FrancoMaria.

Cándido López.

Imagenes de Ia Guerra

dei Paraguay (com

texto de AugustoRoa

Bastos).Milão:FrancoMariaRicci,1984.

Para saber mais

49

Váriosautores.Cándido

López. BuenosAires:EdicionesBancoVelox,

1998.

Noalto,CândidoLópezem auto-retrato de

1858: o pintor esteveativoaté o últimodia

de suavida,massó

teve sua importânciareconhecidamaisde

trinta anosapós a suamorte

Cándido López durante a seleção

de algumas de suas telas para a ex­

posição Un sigla de Arte en Ia Ar­

gentina (Um século de Arte na

Argentina). Pouco a pouco, cresce

o interesse por suas pinturas.

Na explosão da livre criação ar­

tística dos anos 60, os críticos e as

vanguardas argentinas do pop-art e

do happening se entusiasmam com

suas pinturas e reconhecem o valor

de um criador excepcional para

sua época. Acon­

tece, então, o pri­meiro reconheci-

mento que a Ar­

gentina dedica a

Cándido López: oMuseu Nacional

de Belas-Artes rea­

liza, em 1971, uma

grande mostra re­

trospectiva da

obra do pintor. E

muitos críticos chegariam a dizer

que Cándido foi o único pintor ge­

nuinamente argentino e original

de todo o seu período. Por esses

paradoxos da história, "o maneta

de Curupaiti" por fim recebeu a

valorização de gerações posteriores

e sua obra mereceu maior atenção

que a dada a outros pintores da Ar­

gentina dos fins do século XIX. m

HERNÁN SANTIVÁNEZ VIEYRA é

diplomata argentino, escritor e professor de

Relações Internacionais na [;iliversidade

Católica de Buenos Aires.

o"

o"

,10>1.-:1,1.;

A imprensa elogiaria a tarefa

documental, o patriotismo de seu

autor e a firmeza demonstrada pe­

lo inválido de guerra. Com boa

vontade, chegaram a lhe atribuir

algumas qualidades como pintor.

Mas ninguém encomendou nada a

Cándido López. Sua titânica obra

foi fruto da própria iniciativa. Em­

bora fosse comum que os gover­

nos, desejosos de destacar determi­

nados acontecimentos, solicitas­

sem a pintores sua

realização. Não foi

o caso. A polêmicaGuerra do Para­

guai não figurouentre os temas da

iconografia oficial.

Premido por

problemas econô-

micos, Cándido

inicia gestões para

que o governo ad-

quira as suas telas. Depois de vá­

rios anos, em 1887 as autoridades

concedem, graças à ajuda de mui­

tos ex-camaradas, desejosos de au­

xiliar um aleijado com 12 filhos. E

uma exposição de suas obras che­

ga a ser realizada no Pavilhão Ar­

gentino da Praça San Martín, em

1898. Cándido continuará pintan­

do até o último dia de sua vida, em

1902, sem terminar a totalidade

que se propusera. E só alcançaria o

triunfo muito depois de sua mor­

te, quando, em 1936, o crítico de

arte José Leon Pagano "descobre"

As imagens de Cándido lópez refletem o conflito em sua dimensão trágica e exu­

berante, empregando uma narrativa visual que tem algo de saga homérica. As

mais importantes podem ser apreciadas em Buenos Aires, no Museu Nacional deBelas-Artes (Av. libertador 1.473, Recoleta), graças a doações feitas por seus des­

cendentes em 1963, e no Museu Histórico Nacional (Defensa 1.600, Parque

lezama), também na capital argentina. O retrato que lópez pintou de Bartolomeu

Mitre se encontra no Museu Mitre (San Martín, 336), enquanto a recém-inaugurada

filialdo Belas-Artes, em Neuquen, conta com outras pinturas do artista.

lhas de Urquiza - oito grandes telas

que o artista uruguaio Juan Ma­

nuel Blanes (1830-1901) pintara a

pedido do presidente da Confede­

ração Argentina entre 1856 e 1857.Na obra de Cándido, a visão am­

pla, distante, quase aérea dos fatos,

exibe o domínio da perspectiva e a

clara vontade de mostrar tudo.

Suas telas revelam um olho ades­

trado por sua experiência como fo­

tógrafo, tanto em seus enquadra­mentos como no minucioso inte­

resse pela descrição da realidade.

Por iniciativa de Quirno Costa,

ele expõe parte de suas pinturas

em 1885 no Club Gimnasia y Es­

grima, e Bartolomeu Mitre lhe es­

creve: "Seus quadros são verdadei­

ros documentos históricos, por

sua fidelidade gráfica, e contribui­

rão para conservar a gloriosa lem­

brança dos fatos que apresentam'~Frente às críticas de seus contem­

porâneos pelo uso e manejo da

cor, Cándido contesta: "Sacrifico a

harmonia da arte pictórica pela

verdade histórica". E a respeito de

sua tela Embarque de tropas em

Paso de Ias Libres, o artista explicou

que "teria obtido melhor efeito ar­

tístico suprimir tanta variedade de

cores, mas aí estão os quatro bata­

lhões orientais [uruguaios], os três

brasileiros, os nove argentinos, ca­

da um com vestuários distintos,

para que o historiador através dos

anos reconheça os uniformes que

foram usados naquela época'~

ar a obra de

novimento

As grandes;as e hori­

lS só encon­

rie de bata-

gunda di­

passagem,stente. Ele

o de qua­

ados para

a granada

e um dos

lente meu

ujo lençoi "a.seu ante­

) para evi­anos e sua

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