Guarda de Registros

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GUARDA DE REGISTROS GRAMPO COMPULSÓRIO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA Os artigos 13 e 15 dizem respeito à retenção de logs de conexão e aplicações pelos provedores de serviço. Os registros de conexão e de acesso a aplicações de internet devem ser mantidos sob sigilo, em ambiente controlado e de segurança. De acordo com o art. 13, cabe a todo administrador de um sistema autônomo guardar os dados dos logs de conexão por um ano, sob sua responsabilidade. Já no art. 15, a guarda de dados de logs de aplicação tem de acontecer por seis meses. Em ambos os casos, mediante autorização judicial, as autoridades podem requerer que esses dados sejam guardados por tempo superior ao prazo estabelecido, mantendo sigilo sobre a ação. Além disso, mediante processo judicial, as autoridades podem acessar os registros para fins de investigação. Na EU, onde os padrões de proteção à privacidade são bastante restritivos, a diretiva diz respeito apenas aos registros de conexão, e não aos registros de aplicações. E mesmo a retenção de dados de conexão está tendo sua constitucionalidade questionada recentemente. Nesse contexto, o nosso Marco Civil da Internet tem em comum com a China a guarda de log's (registro do usuário) de todos os internautas com quais conteúdos foram acessados, que deverão ser armazenados pelos provedores de acesso. O art. 15 impõe um tratamento desumano, reduz o direito constitucional à proteção da intimidade e fragiliza a segurança do acesso à informação. Ele estabelece uma espécie de grampo compulsório de toda navegação realizada em grandes sítios eletrônicos, invertendo o princípio constitucional da presunção de inocência, de que todos são inocentes até que se prove a culpa (básico nos estados de direito e que visa garantir a liberdade pessoal). Expor a privacidade de todos para prevenir um crime digital é tratar todos como suspeitos. Além disso, há riscos de vazamento. Sabemos da dificuldade que é guardar o que é dos outros, mesmo quando se trata de bens físicos. E bens digitais vazam com mais facilidade ainda. Nós no Brasil já

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GRAMPO COMPULSÓRIO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA

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GUARDA DE REGISTROSGRAMPO COMPULSRIO E O PRINCPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNO DE INOCNCIAOs artigos 13 e 15 dizem respeito reteno de logs de conexo e aplicaes pelos provedores de servio. Os registros de conexo e de acesso a aplicaes de internet devem ser mantidos sob sigilo, em ambiente controlado e de segurana. De acordo com o art. 13, cabe a todo administrador de um sistema autnomo guardar os dados dos logs de conexo por um ano, sob sua responsabilidade. J no art. 15, a guarda de dados de logs de aplicao tem de acontecer por seis meses. Em ambos os casos, mediante autorizao judicial, as autoridades podem requerer que esses dados sejam guardados por tempo superior ao prazo estabelecido, mantendo sigilo sobre a ao. Alm disso, mediante processo judicial, as autoridades podem acessar os registros para fins de investigao.

Na EU, onde os padres de proteo privacidade so bastante restritivos, a diretiva diz respeito apenas aos registros de conexo, e no aos registros de aplicaes. E mesmo a reteno de dados de conexo est tendo sua constitucionalidade questionada recentemente. Nesse contexto, o nosso Marco Civil da Internet tem em comum com a China a guarda de log's (registro do usurio) de todos os internautas com quais contedos foram acessados, que devero ser armazenados pelos provedores de acesso.

O art. 15 impe um tratamento desumano, reduz o direito constitucional proteo da intimidade e fragiliza a segurana do acesso informao. Ele estabelece uma espcie de grampo compulsrio de toda navegao realizada em grandes stios eletrnicos, invertendo o princpio constitucional da presuno de inocncia, de que todos so inocentes at que se prove a culpa (bsico nos estados de direito e que visa garantir a liberdade pessoal). Expor a privacidade de todos para prevenir um crime digital tratar todos como suspeitos. Alm disso, h riscos de vazamento. Sabemos da dificuldade que guardar o que dos outros, mesmo quando se trata de bens fsicos. E bens digitais vazam com mais facilidade ainda. Ns no Brasil j tivemos diversos casos, at de dados da Receita Federal. O mais adequado seria justamente o contrrio, reconhecendo as dificuldades de prevenir vazamentos e no assumir a responsabilidade pela guarda de dados. E se um prprio empregado tiver acesso indevido e usar os dados em benefcio prprio, ou vazar essas informaes, seja para outra empresa, seja para um governo, brasileiro ou no? E se algum acessar indevidamente um banco de dados? E se esse algum for um outro governo, que vai ter a exata certeza de achar com as empresas que prestas servio no Brasil os dados de brasileiros? E se algum falsificar esse dados l mesmo na armazenagem, como algum poderia contestar esses dados como prova? Ser mesmo necessrio assumir todos esses e outros riscos unicamente para facilitar investigaes? Inclusive, o 2, do art. 15, no estabelece qualquer limite de prazo para a guarda de informaes sensveis dos cidados que usam a internet, de maneira que a critrio da autoridade policial, administrativa ou do Ministrio Pblico os registros de acesso a aplicaes de internet podem ser guardadas por prazo indeterminado. Ser que temos instituies pblicas srias e isentas o suficiente para lidar com informaes confidenciais dos log's de todos os brasileiros? Ser que devemos acreditar cegamente na competncia e honestidade da justia brasileira? Como controlar servios de Inteligncia do Estado que tm no segredo um dos seus pilares bsicos, se os valores fundamentais para a consolidao das instituies democrticas seriam a visibilidade do Estado, a transparncia do poder e o acesso s informaes governamentais? Isto preocupante, pois a histria administrativa do Brasil cheia de exemplos lastimveis, como a cultura do segredo e ao desejo de controle total (poca da ditadura) que permearam e ainda caracterizam o funcionamento do Estado brasileiro (os servios de inteligncia e o vigilantismo na Internet). Num pas como o nosso de se suspeitar de que o 2o , do art. 15, da Lei 12.965 de 23 de abril de 2014 possa ser usado contra os interesses dos cidados. De acordo com a coalizo internacional que defende Princpios Internacionais sobre a Aplicao Dos Direitos Humanos na Vigilncia Das Comunicaes, o artigo 15 seria abusivo.

E ainda, a reteno de dados implicar em custos para os provedores, que precisaro guardar ou contratar empresas que aproveitaro a oportunidade para se especializar nessa guarda de dados. Esses custos acabaro onerando os usurios. Os enormes custos de implementao de um sistema de manuteno de dados nesta escala poderiam ser repassados aos consumidores, restringindo ainda mais o acesso Internet, particularmente em relao aos indivduos de baixa renda.