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    Mdia e poltica na teoria da democracia de platia de

    Bernard Manin Igor Fuser

    Introduo

    O presente trabalho discutir o papel poltico da mdia nos marcos do conceito de

    democracia de platia1, formulado por Bernard Manin em The Principles of

    Representative Government. Nessa obra, o autor assinala a centralidade dos meios de

    comunicao de massa (a mdia) nos sistemas atuais de representao poltica. Meu

    objetivo, neste texto, o de pr em questo a idia, subjacente ao conceito da democracia

    de platia, de que a disputa poltica travada na esfera da mdia se d num terreno neutro.

    Significativamente, Manin retrata o cenrio atual da representao a partir da metfora da

    encenao teatral, na qual os agentes polticos exercem a funo de atores e/ou autores,

    cabendo aos eleitores/cidados o lugar da platia. Os meios de comunicao proporcionam,

    nos termos dessa analogia, o palco onde se desenvolve o espetculo da poltica.

    O raciocnio que pretendo desenvolver sustenta, ao contrrio, que a mdia participa

    ativamente desse jogo, no como um palco um ente inanimado e, portanto, indiferente aos

    interesses envolvidos em disputa e sim como um ator que tem seus prprios interesses a

    defender. Os agentes da mdia interagem o tempo todo com os demais atores. Em alguns

    momentos, compartilham interesses com alguns deles, e em outros demarcam sua

    autonomia. Nas democracias modernas, os agentes que determinam o papel poltico dos

    meios de comunicao se regem por uma lgica prpria, que no se confunde com a lgica

    dos agentes polticos e nem mesmo com a lgica da esfera puramente econmica do

    mercado. Ao mesmo tempo, a mdia sofre intensamente a influncia dessas duas lgicas e

    1 Optei por traduzir audience democracy como democracia de platia com base no Cambridge International Dictionary of English (1995 ), que define audience como the group of people gathered in one place to watch or listen to a play, film, speaker etc. Em outros textos, essa expresso tem sido traduzida como democracia de pblicos. Para facilitar a leitura, eliminei as aspas de Manin para a palavra audience (platia), isoladamente, preferindo usar a expresso inteira entre aspas. A citao dentro da citao me parece um excesso de zelo para o com o original.

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    influi, por sua vez, nos resultados do jogo poltico. Como afirma Lus Felipe Miguel, num

    ambiente de acerbo conflito de interesses, inimaginvel que os meios de comunicao

    sejam os porta-vozes imparciais do debate poltico.2

    Para desenvolver meu ponto de vista, no me limitarei aos autores especficos da Cincia

    Poltica, buscando contribuies, sobretudo, nos campos da Sociologia e dos Estudos da

    Comunicao, sem me filiar a nenhuma corrente terica especfica.

    1. Manin e as metamorfoses da representao poltica Em sua anlise histrica sobre as metamorfoses da representao poltica desde o

    declnio da monarquia absolutista at a atualidade, Manin (1997) identifica trs modelos

    sucessivos:

    a) O parlamentarismo A escolha do representante se dava com base na confiana do

    eleitor, estabelecida geralmente a partir de vnculos locais. Os eleitos eram figuras

    notveis, quase sempre detentores de grande riqueza, e votavam no Parlamento com

    alto grau de autonomia. Esse modelo elitista se esgotou com a ampliao do eleitorado

    at a conquista do sufrgio universal, em que as massas populares se incorporaram ao

    processo da representao poltica.

    b) A democracia de partidos Nesse modelo os vnculos pessoais dos eleitores com

    os representantes so substitudos pela lealdade aos partidos. A escolha no se d em

    torno de nomes, mas de partidos, articulados com base em vises de mundo claramente

    definidas. As clivagens eleitorais esto relacionadas, em grande medida, com a diviso

    da sociedade em classes sociais, o que confere um alto grau de estabilidade s votaes.

    A separao entre o universo dos eleitores e o dos seus representantes (o princpio da

    distino, que confere um componente aristocrtico democracia representativa)

    permanece em vigor, com uma diferena: agora o grupo dirigente no formado com

    base nos grandes proprietrios, mas se articula em torno das lideranas partidrias. O

    eleitor, ao optar por um partido, no se manifesta sobre as polticas especficas a serem

    adotadas por seus representantes, mas endossa uma plataforma geral. So os partidos

    quem define a agenda das discusses pblicas. No que se refere maneira pela qual os

    eleitores constroem suas opinies, Manin assinala que os meios de comunicao

    2 Lus Felipe Miguel (2002).

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    (essencialmente, jornais impressos) so controlados direta ou indiretamente pelos

    partidos:

    Os cidados bem-informados, os mais interessados em poltica e os formadores de

    opinio recebem suas informaes de uma imprensa politicamente orientada; eles se

    expem pouco a vises diferentes, o que refora a estabilidade das opinies

    polticas. Uma vez que os partidos dominam tanto a cena eleitoral quanto a

    articulao das opinies polticas alm do voto, as clivagens na opinio pblica

    coincidem com as clivagens eleitorais.3

    c) A democracia de platia Esse novo modelo de representao poltica surgiu nas

    trs ltimas dcadas do sculo XX e est associado s mudanas scio-econmicas e

    culturais dos eleitores, que deixam gradualmente de se identificar em termos classistas

    e/ou ideolgicos, e ao fenmeno, associado a esse, do declnio dos partidos polticos

    como meio de articular as opinies e de exercer o governo. Os meios de comunicao

    substituem o Parlamento como o principal frum das discusses pblicas. Nesse

    processo, os candidatos passam a se relacionar com os seus eleitores por intermdio dos

    meios de comunicao de massa, e no mais pelos partidos. A poltica se personaliza,

    com o fortalecimento dos chefes do Poder Executivo os presidentes, no regime

    presidencialista, e os primeiros-ministros, que no parlamentarismo enfatizam a

    dimenso pessoal do poder. Os resultados eleitorais, nesse contexto, deixam de

    depender da mediao de uma rede de militantes partidrios, e passam a se vincular

    cada vez mais ao sucesso ou fracasso das campanhas veiculadas pela mdia. O novo

    tipo de elite poltica da resultante no depende tanto de uma carreira construda no

    interior das fileiras partidrias, e sim da habilidade e talento em se comunicar com a

    opinio pblica diante das cmeras de TV. O lao que se estabelece entre o eleitor e seu

    representante volta a ser de carter pessoal, como no antigo modelo parlamentarista,

    mas agora no se estabelece por meio do contato direto e sim pela mdia. As prprias

    plataformas eleitorais no se articulam mais em torno de projetos abrangentes de

    organizao da sociedade e sim por temas especficos, aos quais os eleitores respondem

    pontualmente, tpico por tpico, o que introduz uma forte volatilidade nas votaes. Os 3 Bernard Manin (1997: 215)

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    eleitores, desvinculados dos partidos ou de qualquer outra forma de associao, limita-

    se a responder aos apelos e aos estmulos aos quais tem acesso pelos meios de

    comunicao. Os eventos polticos se deslocam das manifestaes de rua e dos

    palanques dos comcios para a casa dos eleitores, na forma de imagens na TV. Da a

    metfora do palco e platia utilizada por Manin como uma imagem adequada, mas

    no perfeita para caracterizar a relao entre o mundo poltico e a opinio pblica.

    Os meios de comunicao, por sua vez, tornam-se apartidrios. Nas palavras de Manin,

    podem at ter preferncias polticas, mas no esto estruturalmente ligados a partidos

    que disputam votos. Escreve ele:

    A ascenso de uma mdia popular e apartidria tem uma conseqncia

    importante: os indivduos, quaisquer que sejam suas preferncias partidrias,

    recebem a mesma informao que todos os outros sobre qualquer assunto. claro

    que os indivduos ainda formam opinies divergentes sobre os assuntos polticos,

    mas a percepo do assunto em si mesmo tende a ser independente das inclinaes

    partidrias individuais. Isso no significa que os assuntos ou os fatos enquanto

    algo diferente dos julgamentos sejam percebidos de uma maneira objetiva, sem

    sofrer distoro pelo meio (de comunicao), mas simplesmente que eles so

    percebidos de uma maneira relativamente uniforme ao longo de todo o espectro das

    preferncias polticas.4

    2. A teoria do espelho Embora Manin admita, em passant, que as informaes divulgadas pela mdia esto

    sujeitas a distores e que os veculos de comunicao podem ter preferncias polticas, sua

    avaliao geral sobre o papel da mdia na democracia de platia enfatiza uma suposta

    postura de imparcialidade. Ou seja, a mdia apresentada como um cenrio neutro,

    4 Manin (1997: 228/229). Como exemplo que procura explicar, Manin compara a cobertura da mdia ao Caso Dreyfus, na Frana do final do sculo XIX, ao Caso Watergate, duas situaes em que a opinio pblica desempenhou um papel crucial. O pblico norte-americano, observa o autor, teve a mesma percepo dos acontecimentos, independentemente de qual fosse o seu julgamento ou preferncia, enquanto os cidados franceses perceberam o Caso Dreyfus de um modo diferente de acordo com o jornal que liam. Em contraste, acrescenta Manin, nas eleies parlamentares francesas de 1986, os eleitores receberam as mesmas informaes sobre as plataformas em disputa, o que no os impediu de votarem a partir das opinies distintas que construram sobre o assunto.

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    margem da disputa entre os agentes polticos que concorrem entre si, da mesma maneira

    que, no teatro, o palco no exerce qualquer efeito sobre o espetculo.

    Ao endossar, sem maior discusso, a idia da mdia como um agente politicamente

    neutro, imparcial, apartado dos conflitos que interesses existentes na sociedade, Manin

    desconsidera quase um sculo de debates sobre o papel poltico da imprensa e dos meios de

    comunicao em geral. Seu raciocnio traz, embutida, a idia de autonomia que esses

    prprios veculos fazem de si mesmos seja na voz dos seus prprios donos, seja dos

    profissionais que fazem do jornalismo uma coletividade articulada por um conjunto de

    valores e convices. A moderna imprensa comercial se consolidou, sobretudo nos Estados

    Unidos5, a partir do incio do sculo XX, num duplo esforo de se diferenciar das

    publicaes sensacionalistas, sem credibilidade como meio de informao, e dos rgos

    partidrios de circulao restrita aos militantes e simpatizantes de uma determinada

    corrente de opinio, o que obviamente limitava o seu alcance como mercadoria. Nesse

    esforo, se consolidou todo um cdigo de procedimentos que tem como alicerce justamente

    o apartidarismo e a imparcialidade. O ideal auto-proclamado de qualquer veculo de

    comunicao o de procurar a verdade e torn-la pblica, acima de quaisquer outros

    interesses. Por mais que as idias da objetividade e da imparcialidade tenham se erodido

    diante das crticas procedentes da diferentes correntes de pensamento, elas permanecem

    como princpios sagrados da imprensa, como negcio, e do jornalistas, como corpo de

    profissionais .

    Os Cnones do Jornalismo, adotados pelo Comit de tica da American Society of

    Newspaper Editors, em 1922, j apresentavam entre os fundamentos dessa atividade a

    independncia, entendida como a liberdade de todas as obrigaes, exceto a da fidelidade

    ao interesse pblico.6 O mesmo documento afirma que as reportagens devem ser livres

    de opinio ou de preconceito de qualquer espcie. Em 2001, o Manual de Redao da

    Folha de S.Paulo afirmava o apartidarismo como um dos princpios daquela publicao,

    nos seguintes termos:

    5 Ver Asa Briggs e Peter Burke (2006), Uma Histria Social da Mdia (Rio de Janeiro, Jorge Zahar). 6 Eugnio Bucci (2000: 226).

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    O jornal no se atrela a grupo, tendncia ideolgica ou partido poltico, mas

    procura adotar posio clara em qualquer questo controversa. Mesmo quando

    defende tese, idia ou atitude, a Folha no deixa de noticiar e publicar posies

    divergentes das suas.7

    No campo dos estudos da comunicao, essas profisses-de-f assim como a viso

    implcita na obra de Manin correspondem ao conjunto de concepes conhecidas como

    Teoria do Espelho. Nela, as notcias so apresentadas como um retrato fiel da realidade. A

    teoria se apia na noo de que o jornalista um comunicador desinteressado, isto , um

    agente que no tem interesses especficos a defender e que o desviem de sua misso de

    informar, procurar a verdade, contar o que aconteceu, doa a quem doer.8

    Essa idia, situada na raiz do jornalismo moderno, se traduz no esforo para separar

    claramente opinio de informao, e o contedo editorial da publicidade. O defensor mais

    influente dessa concepo de jornalismo foi o editor norte-americano Walter Lippmann,

    que encarava a adoo de procedimentos inspirados no mtodo cientfico como um antdoto

    para os riscos da subjetividade na atividade jornalstica.

    As pesquisas e a elaborao terica nas dcadas posteriores apontam a insuficincia da

    Teoria do Espelho para explicar a relao do jornalismo com a realidade social o que no

    invalida, evidentemente, a idia de que as notcias so um produto centrado no mundo

    objetivo, incompatveis com a inveno e com a mentira. Essas novas teorias almejam uma

    interpretao mais rica do fenmeno da comunicao de massas, sem pr em dvida a

    integridade e as boas intenes dos jornalistas.

    3. A teoria do agendamento O entendimento do papel da mdia na construo da agenda pblica uma contribuio

    muito valiosa do campo dos estudos da comunicao cincia poltica contempornea. A

    mais importante dessas teorias a do agendamento (agenda-setting), que aborda o chamado

    poder de agenda exercido pelos meios comunicao na esfera pblica. Seus criadores, os

    norte-americanos Maxwell McCombs e Donald Shaw, partem da constatao, verificada

    em pesquisas empricas, de que existe um alto grau de correspondncia entre a nfase que a 7 Folha de S.Paulo (2001). 8 Nelson Traquina (2005: 147)

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    mdia d a um determinado assunto e a importncia que a opinio pblica atribuiu a esse

    mesmo assunto9. Seu ponto de partida o argumento do j citado Walter Lippmann de que

    a mdia o principal elo de ligao entre os acontecimentos do mundo e a imagem desses

    acontecimentos na nossa mente. Quatro dcadas mais tarde, Cohen levou mais adiante essa

    constatao ao escrever que a imprensa pode, na maior parte das vezes, no conseguir

    dizer s pessoas como pensar, mas tem, no entanto, uma capacidade espantosa para dizer

    aos seus prprios leitores como pensar. O mundo parece diferente a diferentes pessoas,

    dependendo do mapa que lhes desenhado pelos redatores, editores e diretores do jornal

    que lem.10

    O conceito do agendamento foi lanado pela primeira vez em 1972, num artigo em que

    McCombs e Shaw sustentam que o poder miditico muito maior que se supunha at

    ento. Eles comprovaram, por meio do estudo de um grupo de eleitores por ocasio da

    eleio presidencial de 1972 nos EUA, a relao causal entre a nfase colocada pela mdia

    nos diversos temas da campanha e a avaliao dos eleitores em relao relevncia desses

    tpicos. Novas pesquisas ampliaram essas concluses e levaram McCombs e Shaw a

    afirmarem, vinte anos depois, que os media no s nos dizem em que pensar, mas como

    pensar e, consequentemente, o que pensar.11

    Entre as idias que se agregam teoria do agendamento para explicar a influncia poltica

    da mdia, merece destaque a incorporao do conceito de enquadramento (framing),

    aplicado pelo socilogo Erving Goffman12 forma como os indivduos se organizam na

    vida cotidiana a fim de responder s demandas sociais. Aplicado ao estudo das notcias, o

    enquadramento um dispositivo interpretativo que estabelece os critrios de seleo e os

    cdigos de nfase no relato jornalstico acerca da realidade. O enquadramento dos fatos se

    d por dispositivos como as metforas, os exemplos histricos, as citaes que se agregam

    apresentao dos fatos, as descries e as imagens que acompanham o discurso escrito

    filmes, fotos, caricaturas. De acordo com o autor portugus Nelson Traquina, os

    enquadramentos so quase totalmente implcitos; no aparecem ao jornalista ou ao pblico

    como construes sociais, mas como atributos naturais das ocorrncias que o jornalista se

    9 Maxwell E. McCombs e Donald L. Shaw, A Funo de Agendamento dos Media (1972/2000: 47 e segs. 10 Traquina (2000: 17). 11 Traquina (2000: 31). 12 Erving Goffmann, Frame Analysis: An Essay on the Organization of Experience (1975).

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    limita a transmitir.13 Na mesma linha, Gamson e Modigliani afirmam que, no

    enquadramento feito pelos noticirios de TV, o contedo informativo das reportagens

    menos importante do que o comentrio interpretativo que o rodeia.14 Esses autores

    ilustram seu argumento com a comparao difundida pelo governo dos EUA em 1990/91,

    nos meses que antecederam a primeira Guerra do Golfo, entre Saddam Hussein e Adolf

    Hitler. Essa comparao fazia parte de uma luta simblica em torno do enquadramento do

    assunto, no contexto de um esforo para conquistar a opinio pblica em favor da

    interveno militar norte-americana.

    O conceito de priming, formulado em 1987 por Iyengar e Kinder, tem importncia

    especial para o debate em torno da democracia de platia15. Priming um termo extrado do

    vocabulrio das artes plsticas (numa pintura, a base sobre a qual se aplica o verniz) e

    emprego por esses dois autores para se referirem ao poder de definir os critrios que

    moldam o juzo. Iyengar e Kinder sustentam que a agenda jornalstica tambm estabelece

    os critrios que devem ser utilizados pelo pblico na avaliao do desempenho dos agentes

    no campo poltico. Eles escrevem: De acordo com os nossos resultados, o noticirio

    televisivo influencia clara e decisivamente as prioridades que as pessoas associam a vrios

    problemas nacionais e as consideraes que elas levam em conta quando avaliam os lderes

    polticos ou escolhem entre candidatos a cargos polticos16.

    Todas essas teorias ressaltam a viso de que a luta poltica tem como palco central uma

    luta simblica em torno da construo dos acontecimentos e das questes e que a mdia

    exerce um papel decisivo nessa empreitada. Em sua evoluo, a teoria do agendamento

    ultrapassou o estudo dos efeitos imediatos da mdia sobre as opinies polticas por

    exemplo, na deciso sobre em qual candidato votar ou sobre a definio dos temas mais

    importantes numa eleio para abordar tambm o efeito cumulativo de sua ao no longo

    prazo. Noelle Neumann aponta trs caractersticas que contribuem para a influncia da

    mdia no modo pelo qual os indivduos estabelecem uma hierarquia entre os assuntos mais

    importantes e moldam suas concepes sobre eles: a acumulao (a capacidade da mdia de

    criar e manter a relevncia de um tema), a consonncia (as semelhanas entre os contedos

    13 Traquina (2000:29). 14 W.A.Gamson e A.Modigliani (1989), Media Discourse na Public Opinion on Nuclear Power. 15 Shanto Iyengar e Donald Kinder (1987), News that Matters. 16 Iyengar e Kinder (1987: 36).

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    veiculados tendem a ser mais significativas que as diferenas) e a onipresena (o fato de a

    mdia atingir o pblico em todos os lugares, com o seu consentimento).17

    4. Hegemonia e poder simblico

    Uma ferramenta til para a reflexo sobre o papel poltico da mdia o conceito de

    hegemonia. O pensador marxista Antonio Gramsci utiliza esse termo para se referir

    situao em que uma classe social se impe sobre as outras por meio de uma combinao

    entre fora e consentimento, de tal forma que a sujeio passa a ser encarada pelas classes

    subalternas como algo natural, dispensando-se o uso intenso ou ostensivo da coero para

    manter o status quo. Gramsci inclui os meios de comunicao ou lado das escolas,

    igrejas, partidos etc. entre os mecanismos que garantem a hegemonia burguesa no regime

    capitalista.18 O terico britnico Todd Gitlin foi o primeiro a utilizar o conceito gramsciano

    da hegemonia para a anlise da mdia no mundo contemporneo.19 Gitlin atribui mdia

    um papel central na construo da hegemonia vigente. Isso ocorre devido ao seu carter ao

    mesmo tempo constituidor da e constitudo pela realidade social. Ou seja, as

    representaes que a mdia faz da realidade (media representations) passam a constituir

    a prpria realidade.20

    Com base nessa elaborao de Gitlin, o pesquisador brasileiro Vencio Lima conclui que

    importncia central da mdia reside no poder de longo prazo que ela exerce na construo

    da realidade atravs da representao que faz dos diferentes aspectos da vida humana das

    etnias (branco/negro), dos gneros (masculino/feminino), das geraes (novo/velho), da

    esttica (feio/bonito) etc. e, em particular, da poltica e dos polticos. atravs da mdia

    afirma que a poltica construda simbolicamente, adquire um significado.21

    Dois novos fatores, que no existiam na poca de Gramsci, so apontados por Lima

    como elementos que alariam a mdia a uma posio de centralidade entre os portadores

    materiais da hegemonia na atualidade. Um fator o advento dos meios de comunicao

    eletrnicos, sobretudo da televiso, que multiplica o alcance e a eficincia da transmisso 17 Felipe Pena (2005: 148), Teoria do Jornalismo. 18 Norberto Bobbio, Nicola Matteucci e Gianfranco Pasquino (1986). Dicionrio de Poltica. 19 Todd Gitlin (2003). Mdias sem Limite. 20 Vencio A . de Lima (2001). Mdia Teoria e Poltica. 21 Vencio A . de Lima (2007: 55/56). Mdia Crise Poltica e Poder no Brasil.

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    das mensagens utilizadas na disputa poltica. O outro fator a crise dos partidos polticos

    de massa, que teria entre suas causas o prprio aumento do poder da mdia. Segundo Lima,

    a mdia atual, alm de substituir os partidos polticos na funo de principais mediadores

    entre os candidatos e os eleitores nas campanhas eleitorais, tem desempenhado outras

    funes que tradicionalmente eram atribudas aos partidos, tais como: a) definir a agenda

    dos temas relevantes para a discusso nas esfera pblica, b) gerar e transmitir informaes

    polticas, c) fiscalizar a ao das administraes pblicas, d) exercer a critica das polticas

    pblicas, e, finalmente, e) canalizar as demandas da populao junto ao governo.22

    Esse conjunto dos papis explica, segundo Lima, no s a centralidade que a mdia

    ocupa na poltica contempornea mas tambm seu papel estratgico para cimentar e

    unificar o bloco social hegemnico:

    O cenrio de representao dominante, embora no prescreva os contedos da

    prtica poltica, demarca os limites dentro dos quais as idias e os conflitos polticos

    se desenrolam e so resolvidos, podendo neutralizar, modificar ou incorporar

    iniciativas opostas ou alternativas.23

    Essa interpretao congruente com o conceito do poder simblico, utilizada por John

    Thompson para se referir capacidade de intervir no curso dos acontecimentos, de

    influenciar as aes dos outros e produzir eventos por meio da produo e da transmisso

    de formas simblicas. Thompson situa a os meios de comunicao como portadores

    essenciais de poder simblico:

    Na recepo e apropriao das mensagens da mdia, os indivduos so envolvidos num processo de formao pessoal e de auto-compreenso embora em

    formas nem sempre explcitas e reconhecidas como tais. Apoderando-se de

    mensagens e rotineiramente incorporando-as prpria vida, o indivduo est

    implicitamente construindo uma compreenso de si mesmo.24

    22 Lima (2001: 191). 23 Lima (2001: 198). 24 John B. Thompson (1998: 44/45), A Mdia e a Modernidade Uma teoria social da mdia.

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    5. A fabricao do consenso

    Outra vertente nos estudos da relao entre mdia e poltica a desenvolvida a partir

    Edward Herman e Noam Chomsky, com seu livro intitulado, em ingls, Manufacturing

    Consent (Fabricando o Consenso), que em portugus ganhou a verso, menos sugestiva, de

    A Manipulao do Pblico. Essa obra volta seu foco no para os mecanismos prprios da

    linguagem dos meios de comunicao, mas sobre os efeitos da estrutura econmica sobre

    os contedos polticos difundidos por eles. No seu estudo sobre a mdia norte-americana,

    Herman e Chomsky defendem a idia de que os meios de comunicao defendem os pontos

    de vista do establishment (o poder institudo) devido influncia dos seus proprietrios e

    dos anunciantes. A mdia de massa serve como um sistema para comunicar mensagem e

    smbolos populao em geral. A funo dessas mensagens e smbolos divertir, entreter,

    informar e incutir nas pessoas os valores, crenas e cdigos de comportamento que as

    integraro s estruturas institucionais da sociedade maior.25

    O foco da crtica de Herman e Chomsky se volta para a concentrao dos meios de

    comunicao nas mos de um grupo cada vez mais restrito de empresas gigantescas, que

    utilizam sua influncia tanto em defesa de interesses especfico na esfera poltica e no

    mundo dos negcios quanto na manuteno das linhas gerais que regem o funcionamento

    da sociedade e os rumos da poltica. Segundo esses autores, a desigualdade na distribuio

    da riqueza que marca o sistema capitalista tem efeitos decisivos sobre os interesses e

    opes da mdia empresarial. O dinheiro e o poder so capazes de filtrar as notcias

    adequadas para serem impressas26, marginalizar as opinies contrrias e permitir que o

    governo e os interesses privados dominantes transmitam sua mensagem ao pblico.

    Os filtros de notcias, na viso desses autores, so cinco:

    a) o porte, a concentrao da propriedade, a fortuna dos proprietrios e a orientao para

    o lucro das empresas que dominam a mdia de massa (apesar da enorme diversidade dos

    veculos, a maior parte das notcias nacionais e internacionais, assim como as anlises que

    25 Edward S. Herman e Noam Chomsky (2003) , A Manipulao do Pblico. 26 Referncia irnica ao lema do New York Times, all the news that are fit to print.

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    as acompanham, so produzidos por um grupo restrito de produtores de informao, o que

    inclui o governo, os grandes conglomerados da mdia e as agncias noticiosas);

    b) a publicidade como principal fonte de receita (o que confere s empresas anunciantes

    privados e estatais o poder de influir, direta ou indiretamente, no contedo)

    c) a dependncia da mdia de informaes fornecidas pelo governo, por empresas e por

    especialistas, quase sempre aprovados pelas fontes primrias de poder (governantes,

    empresrios), e que confirmam a veracidade das notcias e estabelecem o vis de

    interpretao dominante sobre os assuntos;

    financiados e aprovados por essas fontes primrias e agentes do poder;

    d) a bateria de reaes negativas (os autores se referem dessa forma capacidade dos

    agentes com poder poltico e/ou econmico de retaliar contra os meios que divulgam

    informaes ou idias contrrias aos seus interesses essa reao, que pode se dar das mais

    variadas formas, como aes judiciais, retirada de publicidade etc., to mais eficaz quanto

    mais modesto o porte econmico da empresa alvejada);

    e) o anticomunismo.

    Escrevem Herman e Chomsky:

    Os cinco filtros estreitam a gama de notcias e limitam ainda mais estreitamente

    o que pode se tornar primeira pgina, sujeito a campanhas continuadas de notcias.

    Por definio as notcias de fontes do establishment primrio (...) so prontamente

    acomodadas pela mdia de massa. As mensagens de e sobre dissidentes e pessoas ou

    grupos fracos, no-organizados, domsticos ou estrangeiros enfrentam uma

    desvantagem inicial no tocante busca de fontes e de credibilidade, e

    freqentemente no concordam com a ideologia ou com os interesses dos guardas

    dos portes e de outras partes poderosas que influenciam o processo de filtragem

    das notcias.27

    Na introduo reedio do livro, Herman e Chomsky sustentam que o controle das

    informaes pelo establishment se intensificou em decorrncia dos seguintes fatores:

    aumento de escala econmica dos empreendimentos de mdia; graduais centralizao e

    concentrao da mdia; crescimento de conglomerados que controlam muitos tipos 27 Herman e Chomsky (2003: 90).

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    diferentes de mdia; alastramento da mdia atravs de fronteiras nacionais em um processo

    de globalizao; gradual substituio do controle familiar por gerentes profissionais que

    servem a uma gama mais ampla de proprietrios e que esto mais estreitamente sujeitos

    disciplina de mercado.

    6. A autonomia relativa da mdia

    Numa viso diametralmente oposta de Herman e Chomsky, embora igualmente crtica

    ao papel dos meios de comunicao de massa, outros autores defendem que a mdia, em

    vez de servir aos interesses do establishment poltico e econmico, adquiriu tamanho poder

    que a permite exercer uma posio de domnio em relao aos agentes do jogo poltico

    formal. A denncia da espetacularizao da poltica, feita em termos veementes por Guy

    Debord28 um dos gurus do pensamento libertrio, encontra eco no cientista poltico italiano

    Giovanni Sartori, de posies bem mais conservadoras. Em seu livro Homo videns, Sartori

    aponta a mdia como um obstculo para o exerccio de uma verdadeira democracia. Ele

    acredita que a televiso, em particular, exerce uma influncia excessiva sobre a opinio

    pblica, ao distorcer a percepo da realidade dos espectadores a partir de uma lgica

    regida pelo entretenimento e pela substituio dos argumentos racionais que ele associa

    linguagem escrita pela construo de uma viso de mundo construda a partir das imagens

    puramente visuais e marcada pelo predomnio da emoo sobre a razo. Segundo ele, a

    videocracia (ou seja, o domnio da poltica pela televiso) est fabricando uma opinio

    pblica maciamente heterodirigida que na aparncia parece se fortalecer, mas que, de fato,

    esvazia a democracia como governo de opinio. Os efeitos desse fenmeno, que considera

    inevitvel, no afetam apenas a qualidade do exerccio da democracia mas a prpria

    eficincia das polticas pblicas, na medida em que os governantes passam a decidir, cada

    vez mais, com base em sondagens de opinio que se limitam a constatar o efeito dos

    contedos irracionais divulgados pela TV. A democracia se torna um governo no qual os

    mais incompetentes vo ter o poder da deciso, (...) um governo suicida.29

    28 Ver Guy Debord (1997), A Sociedade do Espetculo. 29 Giovanni Sartori (2001: 110), Homo videns Televiso e ps-pensamento.

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    Pierre Bourdieu, num texto polmico sobre a influncia da televiso no debate cultural

    francs, constata que a concorrncia entre as emissoras, em lugar de produzir diversidade,

    gerou um indistino entre as programaes.30 Essa tendncia homogeidade, segundo ele,

    no decorre de uma ao deliberada dos proprietrios desses veculos, mas da prpria

    lgica de mercado que rege a sua atuao. Mas a contribuio mais duradoura de Bourdieu

    para entender a relao da mdia com a poltica est, provavelmente, na elaborao do

    conceito de campo, definido por ele como um espao estruturado de posies sociais

    cujas propriedades so definidas principalmente pelas relaes entre essas posies e pelos

    recursos ligados a elas. A poltica, assim, constituiu um campo especfico, como um

    universo regido por suas prprias leis, que no se confunde com o mundo da imprensa (o

    campo jornalstico), que se estrutura a partir de critrios autnomos de avaliao da

    realidade e, entre outros elementos, de uma tica prpria, nas quais se destacam as noes

    de objetividade e de neutralidade (pg.56).

    Com base nos conceitos de Bourdieu, o cientista poltica Luis Felipe Miguel tenta demonstrar

    que por forte que seja a presena dos meios de comunicao na dinmica poltica

    contempornea, a poltica no se subordina a ela, pois constitui campo especfico, com regras e

    lgica prprias. A influncia da mdia, ressalta ele, sofre a ao de contratendncias e

    resistncias, que no podem ser desconsideradas. Um exemplo mencionado por ele diz

    respeito ao fenmeno dos polticos que conquistam cargos pblicos a partir do seu prestgio da

    mdia. A trajetria miditica, observa, pode abrir as portas do mundo da poltica para

    personalidades, mas a posterior ascenso na busca de postos de poder passa a obedecer a uma

    lgica que j no mais a dos meios de comunicao, mas pertence ao campo especfico da

    poltica. Como exemplo ilustrativo, Miguel cita o caso do presidente norte-americano Ronald

    Reagan. No incio da sua carreira poltica, a fama obtida como ator em Hollywood foi um fator

    decisivo. No entanto, na medida em que Reagan passou a conquistar cargos mais elevados,

    como o de governador da Califrnia, foi deixando para trs sua imagem cinematogrfica e

    incorporando critrios prprios do campo poltico, como a marca de defensor da livre

    empresa.

    30 Pierre Bourdieu (1997), Sobre a Televiso.

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    Assim com o campo da poltica tem caractersticas que o impedem de ser colonizado

    pela presso miditica, tambm o campo do jornalismo preserva uma certa margem de

    autonomia em relao aos interesses existentes em seu exterior. Bucci enfatiza a presena,

    entre os profissionais da mdia, de um conjunto de postulados a tica da profisso

    que, embora muitas vezes permanea no plano da retrica ou das intenes, no pode ser

    desconsiderado: O jornalismo j em si mesmo a realizao de uma tica: ele consiste em

    publicar o que os outros querem esconder mas que o cidado tem direito de saber. (...) Seu

    objetivo primordial no difundir aquilo que governos, igrejas, grupos econmicos ou

    polticos desejam contar ao pblico, embora tambm se sirva disso, mas aquilo que o

    cidado quer, precisa e tem o direito de saber, o que no necessariamente coincide com o

    que os outros querem contar.31

    O prprio condicionamento que o mercado exerce sobre o jornalismo inclui uma presso

    de natureza ambgua: ao mesmo tempo que o subordina aos interesses dos grupos

    econmicos, como argumentam Herman e Chomsky, ala condio de juiz supremo os

    consumidores. Bourdieu enfatiza esse ponto ao afirmar que o campo jornalstico est

    permanentemente sujeito prova dos vereditos do mercado, atravs da sano, direta, da

    clientela, ou indireta, do ndice de audincia.32

    Por outro lado, importante assinalar uma diferena fundamental entre o universo da

    democracia representativa e o universo do mercado. Enquanto nos regimes democrticos a

    regra suprema um cidado, um voto, o mercado estabelece direitos na proporo

    direta do poder de compra do consumidor. Significativamente, Manin omite esse ponto ao

    rejeitar, em outra linha de argumentao, a metfora do mercado, de Schumpeter, como

    adequada para explicar as modalidades atuais de representao poltica. J Herman e

    Chomsky demonstram, de modo ao meu ver persuasivo, a dupla influncia que a

    publicidade, elevada condio sine quae non para a sobrevivncia das empresas de

    comunicao no mercado contemporneo, exerce sobre a orientao poltico-ideolgica da

    mdia. De um lado, a publicidade estabelece uma desigualdade bsica entre as publicaes

    e demais agentes da mdia. As opes dos anunciantes influenciam a prosperidade e a

    31 Bucci (2000: 41/42) 32 Bourdieu (1989: 106).

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    sobrevivncia da mdia (destaque dos autores). As mdias baseadas em anncios recebem

    um subsdio da propaganda que lhes d vantagem de preo, marketing e qualidade, que lhes

    abusar de seus rivais que no utilizam propaganda na mesma escala.33 Conscientes de que

    possuem esse poder, os anunciantes tendem a utilizar as verbas de publicidade para

    favorecer os veculos sintonizados com seus interesses e opinies e para discriminar os que

    no se encaixam nesse perfil. Por outro lado, a mdia de massa no est interessada em

    simplesmente em conquistar a mxima audincia possvel ela se volta, prioritariamente,

    para os consumidores com maior poder aquisitivo, o pblico-alvo preferido pelos

    anunciantes. A idia de que a corrida por grandes pblicos torna a mdia de massa

    democrtica sofre da fraqueza inicial de que se anlogo poltico um sistema de votao

    ponderado pela renda.

    Herman e Chomsky ressalvam que o controle dos contedo da mdia pelos detentores do

    poder poltico e econmico esbarra em limites e contradies, e que nem sempre produz

    resultados simples e homogneos. Seu raciocnio incorpora as ponderaes com base na

    tica corporativa dos jornalistas:

    amplamente reconhecido que valores individuais influenciam o trabalho da

    mdia, que a poltica (da empresa de comunicaes) cumprida imperfeitamente e

    que a prpria poltica da mdia pode permitir algum grau de dissenso (...). A beleza

    do sistema, no entanto, reside no fato de que tanto a dissenso quanto as

    informaes inconvenientes so mantidas dentro dos limites e nas margens, de

    forma que, enquanto sua presena mostra que o sistema no monoltico, elas no

    so grandes o suficiente para interferir de maneira indevida nos domnios da

    agenda oficial.34

    Esse quadro desanimador tem como contrapeso a evidncia admitida por Herman e

    Chomsky de que os efeitos das mensagens transmitidas pela mdia nem sempre

    correspondem s intenes dos emissores. Thompson expe com elegncia a idia de que

    os receptores dos produtos da mdia no so consumidores passivos. Segundo ele, a

    recepo deveria ser vista como uma atividade, no como algo passivo, e preciso levar

    33 Herman e Chomsky (2003: 79). 34 Herman e Chomsky (2003: 12).

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    conta que os indivduos usam as mensagens que recebem da mdia para sua prprias

    finalidades, das mais variadas maneiras. Mesmo que os indivduos tenham pequeno ou

    quase nenhum controle sobre os contedos das matrias simblicas que lhes so oferecidas,

    eles os podem usar, trabalhar e reelaborar de maneiras totalmente alheias s intenes ou

    aos objetivos dos produtores.35

    7. Concluses

    Ainda que breve, esse apanhado das reflexes tericas sobre a relao entre mdia e

    poltica j permite esboar uma crtica da teoria da democracia de platia de Manin no

    que se refere viso, nela contida, de uma mdia essencialmente neutra em relao aos

    agentes polticos. Como constata Miguel, os meios de comunicao no so canais neutros

    que registram uma realidade que lhes externa. Sua interferncia nos resultados do jogo

    poltico muito maior que aquela que Manin sugere por meio sua metfora teatral da

    representao.

    A parcialidade que marca a influncia da mdia na poltica, evidentemente, no

    aleatria. Os atores favorecidos por ela so os grupos dominantes na esfera do poder

    econmico e poltico. Isso no significa que os meios de comunicao atuem como mera

    correia de transmisso das mensagens que interessam a esses grupos. A mdia opera

    segundo uma lgica prpria, o que abre o espao para contradies e dissidncias, e o

    controle dos seus proprietrios sobre os contedos veiculados no absoluto. No essencial,

    porm, pode-se afirmar que a centralidade da mdia na verso da democracia representativa

    atualmente predominante acentua um elemento de desigualdade que, embora j existisse no

    modelo anterior da democracia de partidos, hoje favorece os setores hegemnicos da

    sociedade de uma forma muito mais intensa.

    As vantagens que Manin aponta na democracia de platia em relao democracia de

    partidos como a diluio do poder dos caciques partidrios, com sua mquina

    burocrtica e seus aparatos de mdia propagandstica, e o fato de que agora o eleitor se

    vincula diretamente com o representante, ou melhor, com a sua imagem pessoal divulgada

    35 Thompson (1998).

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    pela mdia, em lugar da ligao com o partido, uma entidade sem rosto tm como

    contrapeso as limitaes da informao a que o pblico tem acesso num sistema em que o

    pluralismo poltico da mdia praticamente inexiste. Bourdieu deixou claro esse ponto ao

    sugerir aos seus leitores que comparassem as capas dos semanrios franceses com quinze

    dias de intervalo. As manchetes so mais ou menos as mesmas, contatou. Da mesma

    maneira, nos jornais televisivos ou radiofnicos das emissoras de grande difuso, no melhor

    dos casos, ou no pior, s a ordem das informaes muda.36

    A mesmice que caracteriza o contedo dos diferentes veculos e mdias o problema

    menos grave do ponto de vista dos pressupostos para o exerccio da democracia. Muito

    mais importante, nesse sentido, o vis ideolgico que faz com que a definio da agenda

    das notcias, o enquadramento da cobertura, o mecanismo sutil de nfases e de omisses

    que orienta o sentido atribudo pela mdia realidade social se incline, na esmagadora

    maioria das questes que envolvem interesses polticos e/ou econmicos, em favor do lado

    mais poderoso, favorecendo a manuteno do status quo. As divergncias existentes na

    sociedade s so apresentadas pela mdia de um modo equilibrado quando a) no envolvam

    conflitos sociais relevantes ou assuntos que afetem a ordem scio-econmica ou as

    definies cruciais em torno do poder poltico (a legalizao ou no do aborto, a licena

    para possuir armas de fogo, eleies que no pe em jogo a orientao geral da economia)

    ou b) as prprias elites se encontram divididas em relao a uma questo poltica

    importante (o Caso Watergate, o impeachment de Collor).

    A substituio dos partidos pela mdia como instncia de mediao entre a sociedade e o

    poder poltico, num contexto de concentrao crescente das empresas de comunicao,

    provocou uma perda para os setores sociais que no modelo anterior exerciam sua influncia

    no jogo poltico por instituies como os partidos e os sindicatos e que compensavam

    com isso, em algum grau, sua debilidade em outras esferas de poder, em especial a do

    poder econmico.

    Como escreveu Miguel, o problema da mdia no contexto atual que

    36 Bourdieu (1997: 106).

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    os discursos que ela veicula no esgotam a pluralidade de perspectivas e

    interesses presente na sociedade. As vozes que se fazem ouvir na mdia so

    representantes das vozes da sociedade, mas esta representao possui um vis25. O

    resultado que os meios de comunicao reproduzem mal a diversidade social, o

    que acarreta conseqncias significativas para o exerccio da democracia.37

    Essa situao de dficit democrtico s tende a se agravar caso prevalea a interpretao

    de que as informaes e idias de que a sociedade necessita para o exerccio da democracia

    j so atendidas, no essencial, pelos meios de comunicao tal como se configuram

    atualmente. Razo tem Jurgen Habermas ao defender que a mdia deve ser tratada como

    uma mercadoria peculiar, que a um s tempo atende e transforma as preferncias de seus

    consumidores, Ele fez essa afirmao em artigo recente, no qual prope o estabelecimento

    de algum tipo de controle pblico sobre os meios de comunicao de massa, a fim de

    proteg-los das determinaes polticas e econmicas. Ouvintes e espectadores escreveu

    Habermas no so apenas consumidores mas tambm cidados com direito participao

    cultural, observao da vida poltica e voz na formao da opinio.38

    A democracia de platia, na feliz definio de Manin, um fato incontestvel do

    cenrio poltico atual. O que est em jogo saber se, em seu forma atual, esse modo de

    representao condiz com os pressupostos para o exerccio da democracia e, em

    particular, com um deles, formulado nos seguintes termos por Norberto Bobbio:

    preciso que os que so chamados a decidir ou a eleger os que devero decidir

    sejam colocados diante de alternativas reais e postos em condio de poder escolher

    entre uma e outra.39

    Sem um sistema de mdia efetivamente democrtico, a democracia de platia ser cada

    vez mais um espetculo e menos uma aproximao do ideal da soberania popular.

    37 Miguel (2002). 38 Jrgen Habermas (2007), O Valor da Notcia. 39 Norberto Bobbio (1986: 12). O Futuro da Democracia Uma defesa das regras do jogo.

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