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GT 19:ESCRITA E ORALIDADE NAS SRIES INICIAIS: REFLEXES PARA A SALA DE AULACoordenadora: Dra. Rose Maria Leite de Oliveira (UFCG)

O PAPEL DA ESCOLA NO TRATAMENTO DA ORALIDADE E DA ESCRITA: UMA ANLISE SOCILINGUSTICA ......................................................................... 1AMARO, Aparecida Ranielly de Souza ( URCA) SILVA, Jos Fbio da (URCA)

RECEITAS

CULINRIAS:

A

COZINHA

COMO

JOGO

LDICO

NO

APRENDIZADO ESCOLAR ..................................................................................... 12AMARO, Luanna Vaz (Proling/UFPB) CORREIA, Daniel Luna (Proling/UFPB)

FORMAO DOCENTE E IMPLICAES NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA ESCRITA NOS ANOS INICIAIS ............................................................................... 25ANDRADE, Daniela Carvalho de (UFCG)

ORALIDADE NO MBITO ESCOLAR: REFLEXES SOBRE A SALA DE AULA ................................................................................................................................... 36CARNEIRO, Joseany Rodrigues (SME) GAMA, Tnia Dantas (ULHT) DONATO, Fabiana Juvncio Aguiar (ULHT)

UMA PROPOSTA DE INTERVENO DIDTICA DE ENSINO DA ORALIDADE A PARTIR DA UTILIZAO DOS PROCESSOS FONOLGICOS NO ENSINO FUNDAMENTAL ...................................................................................................... 46CARVALHO, Clo (UEPB)

PROCESSOS FONOLGICOS NATURAIS: INTERFERNCIAS NO ENSINO DE LNGUA MATERNA................................................................................................. 57CARVALHO, Edigar dos Santos (UFPE) GOMES, Geam Karlo (UEPB)

ENTRE O ENSINO E APRENDIZAGEM: O PAPEL DA PROFESSORA NO PROCESSO DE ESCRITA DA CRIANA ................................................................ 69DUARTE, Nayara Araujo (REUNI/UFCG) GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

ENSINO DE LNGUA PORTUGUESA: EXPERINCIAS COM DESENHOS E ESCRITA NA EDUCAO COM CRIANAS ........................................................ 82FEITOSA, Maria Ins de Melo (Escola Pblica, Sum PB) MELO, Rafael Jose de (UFPB)

ANLISE DA REALIDADE INCLUSIVA DE UMA ALUNA SURDA ................... 94FERREIRA, Rosangela M da Silva Barbosa (UEPB) PORTO, Shirley das Nevas (Orientadora)

A RELAO ENTRE A ORALIDADE E A ESCRITA NOS RABISCOS PRODUZIDOS POR ALUNOS DA 5 SRIE DO ENSINO FUNDAMENTAL ...... 107FREITAS, Flvia Oliveira (UFS) MARQUES, Guaraci de Santana (UFS) CARVALHO, M. Lenia Garcia Costa (UFS)

ORALIDADE: REFLEXES SOBRE OS PCN E A CONCEPO DOS PROFESSORES ....................................................................................................... 115GAMA, Tnia Dantas (ULHT)

GNERO NOTCIA: FONTE DE INCENTIVO ORALIDADE E ESCRITA ....... 126MARQUES, Guaraci de Santana (UFS) FREITAS, Flvia Oliveira (UFS) CARVALHO, M. Lenia Garcia Costa (UFS) 2

A ESCRITA NA ALFABETIZAO: POR QUE OS PROFESSORES TM DIFICUDALDES PARA ENSINAR E OS ALUNOS NO APRENDEM? .............. 137MONTENEGRO, Maria do Socorro Moura (Proling/UFPB)

A AQUISIO DA ESCRITA EM CRIANAS DE 1 SRIE: INFLUNCIAS SOCIO-COGNITIVAS ............................................................................................. 155GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula SANTANA, Mnica de Lourdes N. (UEPB)

PROGRESSO TEXTUAL E CONSTRUO DE SENTIDOS EM REDAES ESCOLARES ........................................................................................................... 167SANTOS, Aldecy Rodrigues dos (UFCG) OLIVEIRA, Rose Maria Leite de (UFCG)

OUVINDO LENDO E ESCREVENDO ................................................................. 180S, Ariane Kercia Bencio de (UERN) DINIZ, Ana Maria Carneiro (UERN)

LNGUA E GENROS ORAIS: A IMPORTNCIA E A UTILIZAO ATRIBUDA AO TRABALHO COM A ORALIDADE PELOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL I ............................................................ 192SILVA, Sandra Cristina Oliveira da (FACEPE/UFPE) ALMEIDA, Thayse Kessya Oliveira de (UFCG)

LEITURA LITERRIA NA EDUCAO INFANTIL FORMANDO PEQUENOS LEITORES ............................................................................................................... 205TAVARES, Tnia do Nascimento (UVA) CABRAL, Berenice do N. Tavares (UVA)

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O PAPEL DA ESCOLA NO TRATAMENTO DA ORALIDADE E DA ESCRITA: UMA ANLISE SOCILINGUSTICA

AMARO, Aparecida Ranielly de Souza ( URCA) SILVA, Jos Fbio da (URCA)Dentro de uma perspectiva em que a lngua concebida como homognea, a escola tem privado o aluno das condies para que esse se desenvolva linguisticamente, tanto na oralidade quanto na escrita. Estudos recentes apontam para a necessidade de se compreender fala e escrita como duas modalidades da lngua separadas pelo uso, e desta forma, a escrita no deve ser tida como superior a fala. Tendo por base a variao lingustica como elemento inerente lngua, e como fundamentando a Teoria Sociolingustica, o ensino da lngua materna deve partir da prpria fala do aluno para a escrita. O objetivo deste artigo apontar para necessidade de a escola oferecer ao aluno condies para que este possa desenvolver-se linguisticamente a partir da descrio e uso da lngua nas modalidades oral e escrita. O presente artigo utiliza-se de seis redaes colhidas de alunos do quarto e quinto anos do Ensino Fundamental I da escola de Ensino Fundamental Helosa Sobreira Dias Camilo, localizada na cidade de Juazeiro do Norte-CE, analisando o uso da concordncia verbal a partir da viso sociolingustica e da gramtica normativa, demonstrando como a fala reflete-se na escrita. Apoiando-se nos estudos de Marcuschi (2001); Koch (2008); Fvero (2002) e Ramos (1997). dever de a escola internalizar o conceito de variao e assim oferecer ao seu aluno a possibilidade de o mesmo ampliar sua competncia lingustica e assim ser capaz de adaptar o uso da lngua de acordo com o contexto em que est inserido. PALAVRAS-CHAVE: Ensino. Fala. Variao.

1. INTRODUO

A cada dia que passa a necessidade de se estudar sobre oralidade e escrita tem se projetado fortemente na educao. Tal preocupao vem sendo discutida em revistas, congressos e mesmo nos Parmetros Curriculares. Estudar a lngua, falada ou escrita, na atualidade, significa compreender que no h apenas uma perspectiva terica, mas vrias que buscam explicar essa face da linguagem. O importante sabermos que esta determinada socioculturalmente e, por isso, no pode ser vista desvinculada do seu contexto scio-lingustico-cultural e ideolgico. Precisamos destacar a preocupao de muitos professores em formar futuros cidados conscientes do uso da prpria lngua e dentro de sua realidade, a fim de que possam ampliar seus horizontes enquanto sujeitos e se sentirem includos socialmente, pois a incluso lingstica pode ser um caminho aberto para a incluso social. Com base nisso, o presente artigo tem por objetivo apontar para o papel da escola nesse processo de promover o desenvolvimento lingstico do estudante. Para tal,1

GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

recolhemos seis redaes de alunos dos 4 e 5 anos da Escola de Ensino Fundamental Heloisa Sobreira Dias Camilo, situada na cidade de Juazeiro do Norte, no sul do Cear. Ser analisada, especificamente, a relao sujeito-verbo de terceira pessoa, embora, em alguns momentos, tambm a relao entre verbo e complemento, a fim de demonstrarmos que enquanto a escola no oferecer a seu aluno uma viso concreta do que seja lngua, ele ir utilizar elementos da lngua oral na modalidade escrita. Escolhemos o fenmeno varivel da concordncia verbal pelo fato de ser este um dosGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

que mais chama a ateno para o seu uso, como tambm para o seu apagamento. Para esta discusso, nos utilizaremos das teorias de Marcuschi (2000) e Koch (2008) e a anlises de como a escola deve ensinar portugus propostas por Fvero (2002) e Ramos (1997). Ressaltando que este trabalho no busca definir nem to pouco fazer concluses sobre o ensino da lngua materna, mas sim salientar a importncia do tema que amplia os horizontes tantos lingsticos como educacionais.

2. METODOLOGIA

Utilizamos com amostragem 06 redaes que foram colhidas de alunos dos 4 e 5 anos do Ensino Fundamental. A escolha das sries se deu pelo fato de que nesta fase, embora sejam alunos entre 09 e 10 anos de idade, que dominam o portugus falado, j so cobrados no domnio de determinadas regras, como por exemplo, a de concordncia verbal (CV). Na realidade, trabalhamos com um nmero maior de redaes obtidas junto a essas sries escolares, mas selecionamos apenas seis, sendo trs de cada ano escolar. A escola escolhida para a pesquisa foi a Escola de Ensino Fundamental Helosa Sobreira Dias Camilo. As redaes foram obtidas diretamente com as respectivas professoras de lngua portuguesa. As redaes foram colhidas no final do 1 semestre do ano letivo vigente.

3. 4. DISCUSSO

UMA PERSPECTIVA HISTRICA SOBRE ORALIDADE E ESCRITA2

Para compreendermos o estgio atual em que se encontram os estudos sobre oralidade e escrita, e como escola lida com eles atualmente, principalmente no tocante oralidade, achamos necessrio uma retrospectiva histrica. Cronologicamente, a oralidade precede a fala e sempre teve sua importncia relevada nas primeiras sociedades humanas. Basta nos voltarmos para a mitologia de todas as partes do mundo, desde a chinesa, a nrdica at a grega e mesmo a indgena brasileira. No momento em que se passavam as histrias mticas os narradores comunidade lingustica., marcante, dotada de um poder superior, pois as narrativas eram passadas de gerao em gerao mesmo antes da inveno da escrita e podiam ser esquecidas. A necessidade de um indivduo (ou grupo de indivduos) deixar uma mensagem para outrem proporcionou a busca por uma forma de comunicao que pudesse ser registrada. Posteriormente, segundo Kato (1995:12): O homem tem inerentemente uma necessidade individual de se expressar e uma necessidade social de se comunicar. dessa necessidade que o homem vai aumentar sua capacidade comunicativa, encontrando na escrita um meio com o qual pode expressar-se cada vez mais. Essa possibilidade permitiu que a escrita fosse at considerada primria em relao oralidade. Muitos estudiosos afirmavam que escrita era mais importante que a fala. Sobre isso afirma Marcuschi (2001:29):GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

provavelmente se utilizavam de uma linguagem diferente da comum do dia-a-dia de sua

No h, pois, como negar que a escrita trouxe imensas vantagens e considerveis avanos para as sociedades que a adotaram, mas foroso admitir que ela no possui algum valor intrnseco absoluto. Trata-se, sobretudo, do lugar especial que as sociedades ditas letradas reservaram a essa forma de expresso que a tornou to relevante e quase imprescindvel na vida contempornea. Esta suposta relevncia da escrita pode ser entendida a partir dos estudos hindus, principalmente de Pnini que, segundo Peixoto(s/d), traa um detalhamento sobre a gramtica hindu a fim de que esta no fosse alterada nos rituais sagrados. Nota-se j aqui a presso conservadora, a tentativa de barrar a variao como elemento essencial nesses estudos da lngua.3

Para os filsofos gregos o estudo da linguagem estava a princpio, focado em sua origem, se natural ou convencional. Foi com Aristteles, mais especificamente, que estes estudos se voltam para uma anlise mais lingustica em si do que filosfica. Desta forma coloca Peixoto: Aristteles conservou a distino entre substantivos e verbos e acrescentou as conjunes (que designavam todas as outras palavras). Estes estudos apontam para a escrita, pois definem elementos tpicos desta, enquanto a oralidade tinha importncia no discurso poltico essencial para o jovem cidado grego. Seguindo osGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

passos de Aristteles os filsofos esticos e alexandrinos desenvolveram a gramtica grega. Esta tendncia foi retomada nos sculos XVII, por meio do racionalismo. Os estudiosos da poca buscavam uma lngua ideal, perfeita e sem possibilidade de erros, as chamadas Gramticas Gerais e Racionais. J no sculo XIX a busca foi pela lnguame, a origem de todas as lnguas, com as Gramticas Comparadas, como explica Hora (2004). Ressalta-se aqui que esses estudos foram pautados em linhas comparativas e assim baseados na escrita em recorte, ou seja, fora do contexto e com o falante em segundo plano. nesse contexto que, em meados do sculo XX, a Lingustica vai ganhar autonomia enquanto cincia com a publicao do Curso de Linguistica Geral, de Ferdinand de Saussure (1916). Em sua obra, o autor separa lngua e fala, afirmando que a cincia lingustica deve ocupar-se primeiro do estudo da lngua. com os estudos de Labov, na dcada de sessenta, que a variao lingustica passa a ser compreendida como algo inerente lngua. Voltando suas pesquisas para o falante inserido em seu convvio cotidiano e seu uso real da lngua, Labov provoca uma virada de horizontes nos estudos da lngua. o surgimento da Sociolingustica. Assim, como afirma Alckmin (2001:31):

Pondo de forma simples e direta, podemos dizer que o objeto da Sociolingustica o estudo da lngua falada, observada, descrita e analisada em seu contexto social, isto , em situaes reais de uso. Seu ponto de partida a comunidade lingstica, um conjunto de pessoas que interagem verbalmente e que compartilham um conjunto de normas com respeito aos usos lingsticos.

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Desta forma, o indivduo mais uma vez importante para a Lingustica, pois os estudos so baseados em uma comunidade e sua interao verbal ocorre entre pessoas, que se comunicam tanto oralmente quanto na escrita, como cartas e bilhetes. A Sociolingustica abre as portas para o contexto em que o falante se encontra, permitindo a entrada dos elementos extralingusticos, como s relaes sociais existentes entre os falantes, o sexo, a faixa etria, a escolaridade, entre outros elementos. Alm disso, essa corrente lingustica traz para seu campo de estudo a oralidade, que at ento, como foiGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

mostrado, ficou em segundo plano, pois era tida como desorganizada, sem regras e noculta.

O ESPAO DA ORALIDADE E ESCRITA NA SALA DE AULA

Oralidade e escrita so temas dos mais discutidos atualmente por estudiosos, professores e educadores em geral. Se a fala tambm objeto da Lingustica qual seu lugar na sala de aula? Ela superior ou inferior escrita? Como o professor deve abordar o tema com seus alunos? Para responder tais questes, Marcuschi d um direcionamento quando diz: Minha posio a de que fala e escrita no so dois dialetos, mas sim duas modalidades do uso da lngua, de maneira que o aluno, ao dominar a escrita, se torna bimodal. Fluente em dois modos de uso e no simplesmente em dois dialetos (Marcuschi, 2001:32). O primeiro ponto a destacar o que Marcuschi chama de modos de uso, ou seja, tanto a fala como a escrita fazem parte da mesma lngua, no entanto, no instante em que so usadas cada uma apresenta caractersticas e motivaes prprias. Logo, o professor ao entrar em sala de aula deve ter em mente que seu(sua) aluno(a) possui um domnio da lngua no modo oral e necessita aprender o modo escrito. Descarta-se, desta forma, a noo de superioridade entre fala e escrita, pois ambas so a prpria lngua em uso. Logo o(a) aluno(a) deve ter conscincia de que no aprender uma lngua superior, mas sim uma variao da lngua que conhece. Outro ponto aqui em questo noo de que a lngua dita culta uma verdade absoluta e sem variaes. Muitas vezes, na sala de aula, o professor impe a norma, levando o(a) aluno(a) a entender sua lngua dentro de uma dicotomia de certo ou errado. No entanto, Marcuschi (2001) diz que as lnguas no so homogneas nem uniformes5

sob o ponto de vista de seu uso. Tal variao se daria tanto na fala quanto na escrita. Logo se pode afirmar que variao ocorre tanto na escrita quanto na fala, nas variedades (+) ou (-) monitoradas. Tendo visto que escrita e fala tem um valor igual na lngua e que a variao uma realidade em ambas, independente de ser norma padro ou no, partimos agora para a anlise das redaes, demonstrando como a fala reflete-se na escrita dos(as) alunos(as), analisando os chamados erros de concordncia verbal. (2001:350) afirma: Concordncia verbal a que se processa entre o verbo e o sujeito, ou entre o verbo e a expresso que o comanda, onde o verbo deve concordar em nmero e pessoa com seu sujeito. Fica claro que a gramtica normativa est voltada para a linha descritiva da lngua, mas negligencia a lado social, ou seja, o uso que se faz da lngua. Assim a gramtica normativa coloca como exemplo de concordncia verbal Ah! O amor quando demais quando finda leva a paz (Campedelli, 2001:351). O exemplo um verso recortado de algum poema. Em nenhum momento existe a preocupao da Gramtica em contextualizar o exemplo. Em que momento, em quais situaes na lngua se utilizam os versos? Outro problema a no considerao do indivduo como um todo, ou seja, em seu contexto sociocultural. Os(as) alunos(as) da classe popular crescem em um contexto social onde seus pais e demais familiares no utilizam a norma tida como padro para a comunicao. Logo, dificilmente o exemplo da leitura testemunhado por esses(as) alunos(as). E, levando em conta que estes estudantes esto no incio de seu processo de escolarizao, exigir deles a descrio da lngua de forma rgida e descontextualizada tem provocado fracassos por ambas as partes, alunos(as) e educadores. Como resultado o que obtm so sempre textos que desobedecem a regras impostas pelas gramticas e influenciadas pela fala dos autores, pois estes desconhecem a possibilidade de se adequar linguisticamente ao contexto. Sobre esse ponto afirma Travaglia (2004:17):GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Definindo concordncia verbal, Campedelli, em sua Gramtica de Texto

Por outro lado se se entender a gramtica no como teoria lingustica, mas como o conjunto de conhecimentos lingusticos que um usurio da lngua tem internalizados para uso efetivo em situaes concretas de interao comunicativa, ento, sem dvida,6

a gramtica tem tudo a ver com a qualidade de vida, pois quanto mais recursos, mecanismos, estratgias da lngua o usurio dominar, melhor desempenho lingustico ter. O ponto chave na concepo de gramtica defendida por Travaglia a idia qualidade de vida, ou seja, no se trata de impor regras na capacidade comunicativa que o(a) aluno(a) j possui, mas sim desenvolv-la, ampli-la cada vez mais. Tomando como base essas afirmaes, observamos um trecho retirado da produo textual de uma aluna do 4 ano da Escola de Ensino Fundamental Helosa Sobreira Dias Camilo: Info.: (...) essa semana de provas a minha sala e toda enfeitada tenho vrios amigos tenho 4 amigos todos legais mas ainda no contei a melhor parte(...). Ao se deparar com este tipo de construo o professor de lngua portuguesa utiliza imediatamente as regras normativas para classific-las como erro. Assim, no trecho tenho 4 amigos todos legais, o sujeito amigosest no plural, enquanto o verbo deste sujeito, ser, est conjugado na terceira pessoa do singular . Como a GT afirma que o verbo deve concordar em nmero e pessoa, o erro de concordncia est, de acordo com a viso prescritiva, comprovado. No entanto, o que se observa que existem no texto, alm desse, vrios outros elementos tpicos da fala. Estes elementos esto presentes quando a autora do texto ao utilizar o sujeito no plural supe que seu interlocutor no necessite de um segundo marcador de plural, uma estratgia tpica da fala. necessrio ressaltar que o estilo utilizado por ela (-) monitorado. Isto reala a ideia de erro por parte da escola. O(a) aluno(a) passa a internalizar a idia de que no apenas sua forma de falar, mas o de todo o grupo social do qual faz parte inferior, desprestigiado, em relao a outros grupos sociais. Segundo Koch (2008:81):GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Assim sendo, o texto falado no absolutamente, catico, desestruturado, rudimentar. Ao contrrio, ele tem uma estruturao que lhe prpria, ditada pelas circunstncias scio-cognitivas de sua produo e luz dela que deve ser descrita e avaliado. Por isso necessrio compreender a fala em seu prprio modo de uso e assim diferenci-la do modo escrito, ou seja, ao fazer a concordncia do verbo no singular,7

embora o sujeito esteja no plural, a autora da redao introduziu um elemento tpico da fala. dever de a escola apresentar ao() aluno(a) esta realidade, no colocar apenas certo ou errado em uma avaliao, mas levar o estudante a perceber que est usando uma concordncia aceitvel, pois exprime tranquilamente a idia desejada, mas na escrita como afirma Ramos (2002): claro que h diferena entre falar e escrever. E na escrita a ausncia de concordncia muitssimo menos tolerada, chegando a no ser tolerada de modo algum.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Assim, o(a) aluno(a) deve compreender que sua fala no errada, mas diferente da norma padro e que ao escrever ele(a) deve se utilizar de outra forma de outro estilo de fala condizente com o contexto situacional em que se encontra. A escola deve desenvolver no(a) aluno(a) a sua capacidade de anlise crtica, como tambm a sua competncia comunicativa e no limit-lo a fazer avaliaes sobre regras descontextualizadas da realidade prtica, isto , do uso real da lngua. Exemplos semelhantes ao j citado aparecem outras redaes tambm de alunos(as) do 4 ano: Info.: elas e como se fosse meu irmos eles so muito legal. Neste exemplo, ocorre uma construo semelhante, o sujeito o pronome elas e est no plural, no entanto o verbo ser encontra-se novamente na terceira pessoa singular. importante observar que no h nenhum elemento separando o sujeito do verbo, mesmo assim a concordncia se apresenta de forma no-padro. Tal construo aponta para o fato de que, provavelmente de forma inconsciente, o falante no reconhece a ausncia de CV, pois j a indicao de plural est mantida no sujeito da orao. Info.: Meus amigos de classe so brincalho e divertidos com meus amigos e minhas amigas me divirto muito as professoras da minha escola so maravilhosa e legais. Neste outro caso, h uma diferena. A concordncia do verbo com o sujeito se deu dentro das regras normativas as professoras da minha escola so. No entanto, no momento de se colocar os predicativos do sujeito o elemento da fala volta aparecer so maravilhosa e legais. Considerando que o professor busca atravs de vrios mecanismos ensinar concordncia, seja verbal ou nominal, em sala de aula fica claro8

que, diante dos exemplos acima citados, a escola tem buscado melhorar o desempenho do(a) aluno(a) de uma forma precipitada. No se trata de impor regras de uma forma ou de outra, mas sim de ampliar o horizonte do(a) aluno(a), pois ao limitar o estudante a adotar a lngua-padro como certa e as demais como erradas a escola alimenta o preconceito lingustico. Sobre este tipo de preconceito aconselha Ramos (1997:11): E exatamente por seu peso social que seria importante o professor estar atento a elas, de modo a evitar o que sua atitude de rejeio se manifeste. Este tema torna-se aindaGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

mais importante pelo que se tem vivenciado hoje nas escolas, como o bulling que tambm tem origem neste tipo de preconceito. Partindo para mais dois trechos das redaes, agora com alunos do 5 ano, observamos que o padro no muda: eu acho minha escola muito legal, e na minha sala as pessoas mais engraada Pedro Igor, Alan, Mateus, Ariel e Tiago e eu gosto da minha escola. O caso bem parecido nesta outra passagem: Os meses da romaria Fevereiro, Setembro e Novembro. Ressalta-se aqui o fato de os(as) alunos(as) pertencerem a um mesmo ambiente, tanto escolar, j que pertencem a uma mesma turma, quanto social, pois esto inseridos dentro da mesma camada social, alm de outros fatores que os ligam como a idade por exemplo. Assim, nota-se que o verbo utilizado por eles o mesmo; verbo ser e a concordncia se manifesta da mesma forma, ou seja, sujeito no plural e verbo no singular, relevando que h sim um padro e que por isso pode-se comprovar uma mesma causa e logicamente, uma mesma soluo para este problema em especial. muito embora seja impossvel solucionar tal problema por completo e de forma rpida. Partindo para mais um exemplo, destacamos: Info.: (...) gostu muito de brinca no ptio na minha escola tem muita festas, tem trs menina que grita, trs queto, sete que conversa poise minha sala mais o menos. ( Um(a) aluno(a) que tenha um contato direto com a norma padro, ao redigir um texto mais formal, como uma redao, ir evitar determinados elementos, pois compreender que so realizveis em situaes mais informais como bilhetes, cartas familiares e conversas com amigos. Enfim, a variao ocorre tanto na fala quanto na escrita segundo Marcuschi (2001). Assim a construo na minha escola tem muita9

festas uma variao no-padro, logo no deve ser usada em redaes. Fica evidente que no basta apenas a escola, na pessoa do professor, fazer a correo clssica: na minha escola tem muitaS festas; trs meninas que gritaM e assim por diante, sem levar o aluno(a) a compreender que este precisa separar cada variao da lngua em cada situao em que se encontra, desta forma, uma redao uma variao tida como culta e por isso deve obedecer determinadas regras, para tal, claro, o estudante precisa conhecer cada variao, atravs de atividades que o aproximem de cada uma como padro, propiciar oportunidades para que faa uso dessa variedade lingstica. S ento o(a) aluno(a) ser capaz de separar o que padro e o que no e quando se deve ou no utilizar esta variedade.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

prope Ramos (1997:20): segunda colocar o aluno em contato com o dialeto

CONSIDERAES FINAIS

A discusso entre oralidade e escrita sempre existiu nos diversos campos de estudos que se tratam a linguagem. No entanto, na atualidade que o tema ganha mais fora em detrimento da preocupao com a educao do jovem brasileiro. Tendo em mente que a escola deve educar para a vida e no para uma avaliao no final do ano letivo, os estudos da lngua materna buscam o desenvolvimento do indivduo como um todo. No se busca aqui em nenhum instante a ideia de que gramtica desnecessria ao() aluno(a). Desta forma, o contexto que dita a variao a ser usada pelo individuo e a gramtica indispensvel para tal conhecimento, mas no se pode conceb-la como um dogma que se encontra acima das outras variaes, a no ser por motivos sociais. Importante salientar ainda que os exemplos tirados das redaes no tenham por objetivo apontar alguma deficincia do(a) aluno(a) no domnio da lngua materna, mas o de apontar para o fato de que h uma lacuna no ensino desta lngua. Tal falta exatamente a diferena entre descrever a lngua e o modo de us-la. Assim, fala e escrita correspondem a mesma lngua, mas se diferenciam pelo uso, segundo Marcuschi. A introduo deste modo de lngua como elemento a ser trabalhado em sala de aula deve10

parte antes de tudo da fala do(a) aluno(a) at sua escrita. Tal proposta se apresenta muito eficaz como esclarece Ramos (1997), em sua introduo, na primeira diretriz. Resta ento afirmar que a escola tem o papel de apresentar ao() aluno(a) a existncia das variaes da lngua, sendo a norma culta uma dessas variaes, ou seja, oferecer um leque de opes , e a partir de ento levar o(a) aluno(a) a saber escolher cada opo de acordo com o contexto, s ento o estudante ser um indivduo consciente de seu papel na sociedade em que vive.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS: ALKMIM, Tnia Maria. Sociolinguistica. In: MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Anna Cristina (orgs). Introduo Linguistica: domnios e fronteiras. V.1. 2.ed. So Paulo: Cortez, 2001, p. 21-47. CAMPEDELLI, Samira Yousseff.; SOUZA, Jsus Barbosa. Gramtica do texto: texto da gramtica. 3 tiragem. So Paulo: Saraiva, 2001. FVERO, Leonor Lopes.; ANDRADE, Maria Lucia. C.V.O.; AQUINO, Zilda.G.O. Oralidade e escrita: perspectiva para o ensino de lingua materna. 3.ed. So Paulo: Cortez, 2002. HORA, Dermeval da. (org.). Estudos Sociolingusticos: perfil de uma comunidade. Joo Pessoa: 2004. KATO, Mary A. No mundo da escrita: uma perspectiva psicolingstica. 3.ed. So Paulo: tica, 1995. KOCH, Ingedore Vilaa. O texto e a construo dos sentidos. 9.ed. So Paulo: Contexto, 2008. MARCUSCHI, Luiz Antnio. Da fala para a escrita: atividades de retextualizao. 3. ed. So Paulo: Cortez, 2001. PEIXOTO, Maria da Silva. A lingustica antes de Ferdinand de Saussure: uma retomada histrica, s.d. Disponvel em: < http: WWW.docstoc.com/docs/21928802> . Acesso em 22 de Junho de 2011. RAMOS, Jnia M. O espao da oralidade na sala de aula. So Paulo: Martins Fontes, 1997. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramtica: ensino plural. 2.ed. So Paulo: Cortez, 2004.

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RECEITAS CULINRIAS: A COZINHA COMO JOGO LDICO NO APRENDIZADO ESCOLAR

AMARO, Luanna Vaz (Proling/UFPB) CORREIA, Daniel Luna (Proling/UFPB)A comida atualiza-se como signo motivador da memria individual e coletiva, desenhando uma grande cartografia dos costumes, do comportamento das famlias, mostrando a teia da circularidade dos saberes e as conexes com a memria da cidade que a produz. Este trabalho prope-se investigar como as receitas culinrias so transmissoras de uma tradio discursiva da oralidade, no contempladas nos currculos das escolas. Busca-se a partir das receitas levar os alunos a interagir com as mltiplas tradies discursivas que formatam a cultura popular nordestina. O texto culinrio pode ser pea fundamental para as prticas de aprender a ler, escrever e contar, visto que possui uma materialidade e relaes intrnsecas com o sujeito na prtica de alfabetizao visto em termos mais concretos o texto culinrio provm da identidade daqueles que a praticam. Da anlise do gnero textual receita culinria pode-se concluir que h uma marca de identidade individual e social de cada receita. Mas h tambm referncias a novas mdias, a identidades globais, influncias de novas vozes e discursos da modernidade. Assim, comportamentos alimentares so fruto, no apenas de valores econmicos, nutricionais, medicinais, racionalmente perseguidos, mas tambm de escolhas (ou de coeres) ligadas ao imaginrio e aos smbolos de que somos portadores e, de alguma forma, prisioneiros. O pano de fundo cultural em relao ao que se defende no outro seno a produo da prpria linguagem evidenciando o campo do pensamento da produo texto oral. Utilizar-se-o as teorias de Zumthor, 1993 - 1997. Ong, 1998, Marcuschi, 2008, Possenti, 2009. Kleiman, 1995. Freire, 1974-1991, entre outros.

PALAVRAS-CHAVE: Receitas culinrias. Letramento. Escola. Gnero textual.

1. A ORALIDADE E A ESCRITA NO APRENDIZADO DA LNGUA Os estudos da oralidade so recorrentes na lingustica a partir de vrias correntes. Sabe-se que a sociolingustica, a fonologia e a pragmtica tem a oralidade como suporte das pesquisas. Observa-se um aumento de pesquisas sobre performance e suas implicaes com a corporeidade e a voz como expanso desse corpo. Ferdinand de Saussure, Estruturalista da lingustica moderna (2006), chamava a ateno para a primazia do discurso oral, que sustentaria toda a comunidade verbal. Para ele, a escrita simplesmente representaria a linguagem falada na forma visvel. A partir de Saussure, os estudos sobre oralidade e fonmica e o modo como a linguagem est enraizada no som cresceu demasiadamente. Enfatizava que as palavras seriam feitas no de letras, mas de unidades sonoras funcionais ou fonemas. Entretanto, a maior quantidade de estudos acerca da oralidade e da escrita deu-se no mbito da literatura,12

GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

no da lingustica. Para Ong (1998) visualizar a linguagem como fenmeno oral parece ser inevitvel e bvio. Para ele, no apenas a comunicao, mas o prprio pensamento est relacionado inevitavelmente ao som. Onde quer que existam seres humanos, eles tm uma linguagem, e sempre uma linguagem que existe basicamente por ser falada e ouvida, no mundo sonoro (SIERTSEMA, apud ONG, 1998, p. 15). A escrita est diretamente ligada ao mundo da voz como para ter uma certaGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

significao, seja da voz para a escrita ou fixado na escritura se faa a leitura deste em voz alta, tais afirmaes podem ser comprovadas pela discusso que Walter Ong explcita na citao que segue:Todos os textos escritos devem, de algum modo, estar direta ou indiretamente relacionados ao mundo sonoro, habitat natural da linguagem, para comunicar seus significados. Ler um texto significa convert-lo em som, em voz alta ou na imaginao, slaba por slaba na leitura lenta ou de modo superficial na leitura rpida, comum a todas as culturas de alta tecnologia. A escrita nunca pode prescindir da oralidade. (Grifo nosso). (ONG. 1998, p. 16)

Walter Ong (1998) diferencia dois momentos de oralidade. A oralidade primria decorrente de uma oralidade de culturas totalmente desprovidas de qualquer contato ou conhecimento da escrita ou impresso. A oralidade secundria est presente nas culturas de alta tecnologia, na qual a nova oralidade PE alimentada por instrumentos como o telefone, rdio, televiso ou outros dispositivos eletrnicos, cujo funcionamento dependa da escrita ou da impresso. Para Ong (1998, p. 42) sem a escrita, as palavras em si no possuem uma presena visual, mesmo que os objetos que elas representam sejam visuais. Elas so sons. Segundo o autor as palavras so dotadas de grande poder. O problema que:Os povos profundamente tipogrficos esquecem-se de pensar nas palavras como primariamente orais, como eventos e, logo, necessariamente portadoras de poder: para eles, as palavras tendem antes a ser assimiladas a coisas. (...) Os povos orais comumente pensam que os nomes (um gnero de palavras) so capazes de transmitir poder para outras coisas. (ONG. 1998, p. 18)

Como a cultura oral centrada na voz a cadeia da memria no texto oral

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dinmica, ou seja, o prprio nomadismo da voz desterritorializa a memria, o uso das palavras determina processos mentais (sabemos o que podemos recordar) e no apenas os modos de expresso. Portanto, a maneira de trazer de novo mente as palavras que foram elaboradas atravs de pensamento memorveis. V-se a, a importncia da memria para a permanncia da cultura oral. Paul Zumthor (1993 - 1997) destaca que o sentido dialgico da oralidade, que tem uma noo de textualidade diferente. Zumthor privilegia o termo vocalidade noGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

lugar de oralidade pela funo dialgica da performance. Essa vocalidade manifesta-se por diversas funes sociais ritualizadas pela palavra. Assim, existe a tradio da oralidade em vrios aspectos da vida cotidiana, entre eles o ensino. A transmisso oral ou a escritura da poesia oferecem problemas complexos e de natureza diversa. A poesia oral, por exemplo, no apresenta uniformidade e homogeneidade de tempo e espao, em suas representaes. Portanto as formas textuais, fundamento da lingustica se ope s sociocorporais. As tradies orais so fundamentais para a manuteno dos costumes e serviro de alicerce para a constituio da histria de uma sociedade. No podemos pensar em manuteno das tradies sem pensarmos em memria, nas suas formas de registro e na seleo do que se vai registrar. A oralidade, tratada por Zumthor (1997) - a partir da funo do intrprete-narrador e do ouvinte - fonte primeira de toda forma de comunicao. Zumthor (1997) defende a possibilidade de que, em funo do momento histrico, o texto vai depender ou de uma oralidade que funcione na zona da escritura ou de uma escritura que funcione na oralidade.

2. GNEROS ORAIS NA ESCOLA

Luiz Antnio Marcuschi (2008) destaca como a tradio ocidental criva o contexto de gnero remetendo aos gneros literrios influenciado pelos princpios estticos de Plato e Aristteles, citando os nomes mais recorrentes. Tal tradio adentra tradio dos estudos medievais chegando at a primeira metade do sculo XX. Modificando-se na segunda metade do sculo XX com as pesquisas realizadas nas ps-graduaes que repensam os gneros atrelando ao discursivo. Neste sentido, importante pensar na contribuio da perspectiva da14

semitica que fundamenta a discusso sobre a linguagem e a prtica social (Hasan, 1999). Para Marcuschi (2008, p. 149) gnero uma categoria cultural, um esquema cognitivo, uma forma de ao social, uma estrutura textual, uma forma de organizao social e uma ao retrica. Segundo o autor, cada gnero textual tem um propsito claro suficiente para determin-lo e lhe dar uma esfera de circulao. Assim, os gneros devem ser compreendidos como formas culturais e cognitivas de ao social e comoGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

entidades dinmicas. Vale citar literalmente:

Gnero textual refere os textos materializados em situaes comunicativas recorrentes. Os gneros textuais so os textos que encontramos em nossa vida diria e que apresentam padres sociocomunicativos caractersticos definidos por composies funcionais, objetivos enunciativos e estilos concretamente realizados na integrao de foras histricas, sociais, institucionais e tcnicas. (...) Como tal, os gneros so formas textuais escritas os orais bastante estveis. (ibdem 2008).

Nesse sentido, Marcuschi (2008, p. 159) resume gneros textuais como sendo entidades dinmicas, histricas, sociais, situadas, comunicativas, orientadas para fins especficos, ligadas a determinadas comunidades discursivas e a domnios discursivos, recorrentes e estabilizadas em formatos mais ou menos claros. Ao tratar dos gneros da oralidade, Marcuschi afirma que os estudos na rea no so abundantes e menos sistemticos, embora recentemente tenha aumentado o nmero de estudos na rea. Para ele:Um gnero seria uma noo cotidiana usada pelos falantes que se apiam em caractersticas gerais e situaes rotineiras para identific-lo. Tudo indica que existe um saber social comum pelo qual os falantes se orientam em suas decises acerca do gnero de texto que esto produzindo ou que devem produzir em cada contexto comunicativo. Esses gneros no surgem naturalmente, mas se constroem na interao comunicativa e so fenmenos sociointerativos. (MARCUSCHI, 2008, p. 187).

O gnero textual receita culinria d ordem, comanda, marcador de poder. Marcuschi (2008) esclarece que os gneros no tm a mesma circulao situacional em todas as culturas diante das diferenas interculturais. Os gneros da oralidade, segundo o autor, envolvem os saberes lingustico, enciclopdico e interacional. As formas de muitos gneros (por exemplo: tome dois quilos de acar e adicione... (receita de15

bolo)) so frmulas histricas surgidas ao longo do tempo e de prticas sociais que tm caractersticas especficas tanto na fala como na escrita (MARCUSCHI, 2008, p. 188). Para o autor, os gneros textuais so originados de formas socialmente maturadas em prticas comunicativas na ao de lngua, ancoradas na sociedade e nos costumes e no invenes individuais. Apesar de ter a possibilidade de variar de cultura para cultura, os gneros textuais so padres comunicativos socialmente utilizados, que representam um conhecimento social localizado em situaes concretas. antidicotmica ao sugerir que eles: so histricos e tm origem em prticas sociais; so sociocomunicativos e revelam prticas; estabilizam determinadas rotinas de realizao; tendem a ter uma forma caracterstica; nem tudo neles pode ser definido sob o aspecto formal; sua funcionalidade lhes d maleabilidade e definio; so eventos com contrapartes tanto orais como escritas(MARCUCHI, 2008, p. 191). O aspecto central na questo da relao fala-escrita a:Impossibilidade e situar a oralidade e a escrita em sistemas lingusticos diversos, de modo que ambas fazem parte do mesmo sistema da lngua. So realizaes de uma gramtica nica, mas, do ponto de vista semiolgico, podem ter peculiaridades com diferenas bem acentuadas, de tal modo que a escrita no representa a fala. Portanto, no postulamos uma simetria de representao entre fala e escrita, mas uma relao sistmica no aspecto central das articulaes estritamente lingusticas. (MARCUSCHI, 2008, p. 191).

Marcuschi (2008) ao relacionar os gneros textuais por domnios discursivos e modalidade (oral e escrita) conclui que hoje h mais gneros escritos do que orais e que aqueles so mais valorizados na vida cotidiana e na escola. No quadro distribuio dos textos de uso falados e escritos no contnuo genrico elaborado por Marcuschi (2008, p. 197), o gnero receitas em geral est no bloco da escrita, dentro dos textos instrucionais, mas quase no limite com a fala, demonstrado que as receitas culinrias, como gnero textual, transitam entre o oral e o escrito. De acordo com Possenti (2009), as receitas culinrias so constitudas de duas partes, divididas pelos ttulos ingredientes e modo de fazer. O autor esclarece que essas partes so diferentes, no apenas porque esto divididas por ttulos, mas porque so oriundas de dois lugares sociais distintos: decorrem de dois tipos de saberes, de duas16

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A tentativa de observar os gneros na relao fala-escrita resultaria uma viso

fontes, j que comum uma mesma lista de ingredientes resultarem em pratos bastante distintos. Para Possenti (2009, p. 40) uma lista de ingredientes e os modos de preparlos so, digamos, discursos de fontes diversas e que tratam de questes diferentes. Assim, para o autor, uma receita composta dessa maneira heterognea, polifnica, uma costura de diversos discursos, cada um proveniente de um espao social especfico (POSSENTI, 2009, p. 41). Nos Parmetros Curriculares Nacionais (PCN), segundo Marcuschi (2008), soGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

considerados apenas os gneros com realizao lingustica mais formal e no os que so mais praticados nas atividades cotidianas. Alm disso, h, muitas vezes, uma confuso entre oralidade e escrita, pois no h clareza quanto a critrios que teriam sido usados para estabelecer essa diviso. O fato que o trabalho com os gneros na escola, sobretudo com os gneros orais muito tmido. 3. RECEITAS CULINRIAS COMO JOGO LDICO NO APRENDIZADO ESCOLAR Pensar na linguagem da culinria trazer discusso um leque de formulaes que transcendem o enunciado informtico de fazer comida. O texto culinrio representa identidades, posies sociais, discusses de gneros, e gnero textual, smbolos religiosos, performance e cenografia, como lembra Montanari (2008, p.12), O homem desenvolveu-se, tambm, atravs da fala, porque as impresses e as aes, mticas ou no, hericas ou fantsticas, eram transmitidas oralmente de gerao em gerao numa evoluo natural do ser humano, consubstanciando, assim, seu senso de busca de comunicao e interao. O ato de comunicar cresce em suas relaes e hbitos e torna a vivacidade de imaginao importante da linguagem humana em todos os seus sentidos, visto que a fala mais espontnea e acompanha o homem e suas aventuras desde as mais remotas pocas. A esse respeito trata o estudioso Bakhtin que o homem se faz na linguagem e pela linguagem. A fala, como um ato lingustico livre e inerente ao homem, se refaz recorrente nas aes e reaes da raa humana. Os hbitos e costumes podem e devem ser explorados e valorizados divido a diversidade desse campo cultural e ser expresso pela oralidade e leitura. Uma criana, por exemplo, desenvolve o ato comunicativo apenas vendo e convivendo com adultos, isto , ela, mesmo no fazendo uma leitura de livros ou outra informao, comunica-se por17

situaes scio interativas na viso de Vigotsky. Ela traz consigo uma experincia de vida, uma pr-disposio, ou melhor, uma gnese psicolgica que a leva a desenvolver suas habilidades, medida que se mostram para ela situaes e desafios para aprendizagens. A oralidade se torna um dos aspectos da cultura de um povo. , sem hesitao, no educando, um dos fatores essenciais para que um professor possa referendar o processo ensino-aprendizagem, atravs de suas mltiplas falas. Os textos culinriosGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

configuram-se como textos escritos, registro de uma cozinha burgus e so fontes para a histria, para a sociologia, para a lingustica discursiva e para os estudos de uma lingustica pragmtica. Dos textos orais, ligados principalmente populao que guarda a memria dos fazeres pela circulao da voz. Se no passado houve dificuldade do seu arquivo, na contemporaneidade a tecnologia encarrega-se de arquivar essas vozes. O receiturio oral tem uma dimenso polifnica, mltiplo e plural e nele circulam a cultura letrada, pela memria, e a cultura oral, pela pragmtica. Esse quadro o limiar para se pensar no aspecto decisivo do texto culinrio como fundamento de uma pragmtica da escola, que desde Paulo Freire (1974, p. 23) houve uma revoluo dos paradigmas cientficos educacionais. Aprende-se mais quando a cultura o grande suporte. O aprendizado dinmico: precisa dos saberes metalingusticos e no de um texto engessado importado de experincias estranhas. Ou seja, desloca-se a questo do aprendizado experincia do cotidiano, Kleiman (1995; 1998) e Soares (1995; 1998) utilizam o termo letramento, no sentido de separar os estudos sobre o impacto social da escrita dos estudos sobre a alfabetizao, cujas conotaes escolares destacam as competncias individuais no uso e na prtica da escrita. Do aprendizado a uma prtica discursiva histrica. Do ponto de vista da pragmtica, as receitas de cozinha retiradas do local da cultura dos que se iniciam no aprendizado, revelam um sujeito em processo de intimidade lingustica com seu contexto. A organizao do discurso lexicogrfico pode focar em vocabulrios reconhecveis, em listas de palavras que tem uma relao intrnseca com o falante, sua realidade histrica e social garantindo uma unidade imaginria e real. Justifica o uso do termo letramento no lugar de alfabetizao est no fato de que em certos contextos culturais, ou mesmo classes sociais, as crianas j esto expostas a18

um ambiente letrado muito antes de se alfabetizarem. Por exemplo, quando um adulto faz meno a um personagem literrio, durante a narrao de histrias infantis para uma criana ainda no alfabetizada, estamos diante de um evento de letramento, pois a criana, mesmo sem dominar as habilidades bsicas de leitura e escrita, j est participando de uma prtica discursiva letrada (KLEIMAN, 1995). Este argumento nos permite relativizar a dicotomia existente entre os conceitos alfabetismo e analfabetismo, na medida em que, o foco da ateno no estaria mais direcionadoGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

para condio individual de domnio ou das tcnicas envolvidas no ato de ler e escrever, mas sim para as prticas e contextos sociais nos quais a leitura e a escrita esto, direta ou indiretamente, envolvidas. A partir deste ponto de vista o fenmeno do letramento tomado como um processo de construo social definido e redefinido atravs da interao de diferentes grupos sociais incluindo grupos de leitores, famlias, classes de aula, escolas, comunidades, etc. Enquanto processo, o fenmeno do letramento s pode ser percebido nas aes dos sujeitos, no que as orienta nas suas expectativas e, por ltimo, na forma com os sujeitos interagem, interpretam e constroem os textos. Da mesma forma acontece na insero de receitas culinrias como uso de prticas cotidianas para o letramento dessas crianas. O letramento ocorreria no sentido da identificao de experincias cotidianas, acerca do nvel pragmtico. Esse nvel pragmtico estaria relacionado com a forma atravs do qual a fala e posteriormente a escrita estaria ligadas a maneira que sua enunciao fosse interpretada. Assim, um ato de fala um ato carregado de intencionalidade, no qual o falante expressa certo contedo proposicional com certa fora ilocucionria. Durante o ato de leitura realizado pela professora, de uma receita culinria, por se tratar de um contexto que se insere no cotidiano das crianas, o texto escrito e texto oral so apresentados numa mesma ao contnua, dentro de um mesmo contexto de interao. Um dos desafios dos professores de hoje desenvolver a competncia lingustica dos alunos. Quando pensamos em competncia lingustica podemos destacar dois processos fundamentais: fala e escrita. Segundo os Parmetros Curriculares Nacionais a linguagem e uma herana social, uma realidade primeira (1998, p.25), sendo assim, dentro da linguagem destacamos como sendo realidade primeira a fala, uma vez que19

antecede a escrita. No planejamento pedaggico o professor precisa ter um cuidado especial para o processo oralidade. No se trata de ensinar a falar ou a fala dita correta, mas sim as falas adequadas ao contexto de uso, (PCN ensino fundamental, Lngua Portuguesa, p.8). Pode-se utilizar a oralidade como um valioso instrumento transdisciplinar e a primeira modalidade lingustica a ser adquirida pelo individuo, faz-se necessrio que a escola ponha em relevncia o seu papel para a construo do conhecimento doGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

educando, especialmente no aspecto do letramento. O espao escolar deve proporcionar e promover atividades que possibilitem ao aluno tornar-se um falante cada vez mais ativo e competente, capaz de compreender os discursos os outros e de organizar os seus de forma clara, coesa, coerente. Consideramos, portanto, que a fala como contedo implica conhecimentos relativos s variedades lingusticas e s diferentes construes da lngua. O aspecto oral da linguagem caracteriza-se por ocorrer na situao, enquanto na escrita a linguagem usada fora da situao. Ou seja, quando algum se pronuncia, propicia a presena real, mais ntima, do interlocutor, o que facilitaria muito ao aprendente em sua alfabetizao, na organizao de suas ideias, algo mais elucidativo. Uma criana do Nordeste decodifica o lxico macaxeira e pode sofrer um rudo na comunicao, no sabendo decodificar o aipim ou mandioca com a conotao exata. Cada indivduo possui sua prpria identidade lingustica, cada regio possui marcas lingusticas, um conjunto de pistas que desempenham o papel de ndices de estratgias discursivas reveladoras do trabalho do seu autor com e na linguagem que a diferencia de uma e outra; cada grupo adquire vocabulrios que o caracterizam; enfim, vivemos em um pas assinalado pela diversidade: branco-negro; pobre-rico; adolescente-adulto; analfabeto-letrado, entre outras. Tudo isso influencia, tanto na hora de falar, quanto no momento da escrita, porque, querendo ou no, deixamos nossas marcas inevitvel querermos esconder a forma peculiar de cada um. Isso ocorre tambm no ato do letramento. A teoria de Paulo Freire (1974) utilizada como embasamento prtico para ter uma compreenso de como o ensino deve ser constitudo a partir das experincias cotidianas, comprovando ainda mais que esse novo paradigma de ensino facilita muito o letramento e o ensino/aprendizagem dos alunos. A educao dialgica de Freire (1974)20

pode nos ajudar a interpretar como os estudantes so levados a aprender, compreender e a discutirem os contedos adquiridos. Para Freire (1974), educao um encontro entre interlocutores, que procuram no ato de conhecer a significao da realidade e na prxis o poder da transformao. Entende-se por pedagogia em Freire (1991) a ao que pode e deve ser muito mais que um processo de treinamento ou domesticao; um processo que nasce da observao e da reflexo e culmina na ao transformadora. Tais aes servem de premissa para visualizar o poder do educador sobre o educando e comoGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

consequncia a possibilidade de formar sujeitos ativos, crticos e no domesticados. A Educao Bancria que Freire (1974) abomina se alicera nos princpios de dominao, de domesticao e alienao transferidas do educador para o aluno atravs do conhecimento dado, imposto, alienado. Um ingrediente que pode motivar um incio dessa troca de idias talvez esteja nas palavras geradoras de Freire (1974), que parecem ser de fundamental importncia no processo de alfabetizao/letramento. So palavras do universo vocabular do estudante, e que devem servir de base para a formao de outras. macaxeira e tapioca, por exemplo, so dois termos ricos em possibilidade de serem utilizadas como palavras geradoras, j que esto profundamente enraizadas no vocabulrio popular nordestino. A experincia vivida pelo estudante ganha dimenso na investigao de suas concepes prvias. Tambm, a decodificao, na teoria de Freire (1974), anlise e consequente reconstituio da situao vivida. O processo proposto por Freire (1974) no um mtodo de ensino, mas de aprendizagem, e diz respeito a um processo dialtico de historizao. O aspecto histrico social assume uma fundamental importncia nessa relao dialtica no que tange aprendizagem cientfica. Da torna-se muito importante dialogar com o aluno, fazendo com que ele possa se perceber como algum que participa efetivamente do processo ensino/aprendizagem. Professor e aluno passam a desenvolver uma relao dialtica, e o conhecimento construdo como uma via de mo dupla. Os saberes prvios ou consolidados na viso deles, assim como os formais, ou corretos, de domnio do educador, so agora utilizados como forma de aprendizado mais significativo. Dessa forma, ao inserir as receitas culinrias como fonte de

ensino/aprendizagem aos educandos de forma pragmtica, a comida, os ingredientes e21

os utenslios so metforas lingusticas para esse aprendizado. Ao se dizer bolo da macaxeira o aluno identifica o som pronunciado e imediatamente se insere no contexto, pois este passa a ter a sua marca cultural e social, essa informao passa a ter sentido para essa criana. Essas taxonomias dos lxicos do texto culinrios so os arquitextos do cotidiano para o aluno. Essas mesmas receitas representam so vistas de forma transdisciplinar, o portugus analisado pelos sons, pela significao da palavra, pela variao lingustica (no nordeste se fala macaxeira e no sudeste mandioca ouGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

aipim), a matemtica analisada as unidades de medidas, os numerais (a aritmtica), a cincias v-se os estados fsicos da matria (a evaporao da gua quando fervida), em geografia (a comida de cada lugar, o surgimento do acar, por exemplo), em histria (a comidas dos ndios diferente da nossa). Essa multidisciplinaridade constatada na utilizao das receitas enquanto auxiliadora na aprendizagem e letramento das crianas se comprova quando se pensa em alfabetizao pelas experincias e pelo cotidiano como retrata Paulo Freire (1991) e Vygotsky (1993). O uso da receita culinria na sala de aula adequado para o ensino de contedos importantes no apenas de linguagem, mas tambm contedos relacionados com a alimentao, hbitos familiares, desenvolvimento de habilidades motoras, observar, numa determinada receita, como se escrevem os ingredientes, discutindo os critrios que o aluno utiliza em relao ao sistema alfabtico de escrita. Os sentidos (viso, olfato, audio, tato e paladar), tambm, podem ser trabalhados com receitas tipo: bolo de Chocolate, bala de coco, mousse de chocolate, pudim de leite, cuscuz, ao serem lidas aos alunos traz consigo vrias sensaes e aguam os sentidos. A escolha da receita culinria se torna fundamental e importante por se tratar de uma modalidade de ensino especial, em que, mesmo que o aluno no esteja alfabetizado, ou possua nvel baixo de alfabetizao, possui algum nvel de letramento, advindo de sua vida em sociedade. O uso de textos considerados no-escolares, diretamente ligados ao contexto dos alunos, pode proporcionar maior motivao na aprendizagem da leitura e da escrita, devido ao reconhecimento de dado gnero.

4. CONSIDERAES FINAIS

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O uso da culinria trazida pela oralidade deve ser bastante valorizado, pois, serve de base de trabalho para a alfabetizao buscar outros conhecimentos e inserir essas experincias culturais como fatores importantes de riqueza de um povo, sociedade, de uma civilizao. bastante claro como a teoria dialgica de Paulo Freire pode contribuir significativamente para uma tentativa de enfrentamento do letramento. Freire (1974, p. 27) afirma que, a educao libertadora exige a conscincia crtica do educador e do educando, assim como o conhecimento desvela os "porqus" do que se pretende saber. Os alunos devem de alguma forma, ser levados a pensarem seriamente nos objetivos e importncia de estarem frequentando a escola. Devem ser induzidos a refletirem sobre o papel da escola e tambm seu papel no mundo. Os estudantes demonstram uma inquietude e vontade de serem expostos a atitudes desafiadoras, motivadoras, significativas, que possam lhes seduzir, lhes despertar um real interesse para o que lhes transmitido na escola. Canalizar a ateno dos estudantes e motiv-los a se antenarem nos assuntos tratados nas aulas talvez seja de fato o grande desafio a ser enfrentado. A considerao dos contedos prvios pode fazer com que eles se sintam valorizados em suas concepes, e a partir da dialogarem entre si e com o professor. Tambm situaes-problema que possam ser associadas a contedos formais, podem ser exploradas, para professor e aluno desenvolverem uma espcie de sintonia, alternando os papis de educador e educando num aprendizado mtuo. Deve-se pensar a introduo de receitas como fonte e elo para o letramento como uma ancoragem fundamental e determinante no estabelecimento de uma cultura letrada desejvel, aceitvel e verdadeira, para que a escola possa se valer de uma base forte, e assim, como to enfaticamente se discursa, formar cidados crticos visando uma sociedade cada vez mais desenvolvida, justa e que valorizem com isso suas questes culturais.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

FREIRE, P. Educao como prtica da liberdade. 4. ed. Rio de Janeiro, Paz e Terra. 1974. _________. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro 19. ed. Paz e Terra. 1991.23

KLEIMAN, ngela. Modelos de letramento e as prticas de alfabetizao na escola. In: Kleiman, ngela. Os significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prtica social da escrita. Campinas, SP, Mercado das Letras, 1995. MARCUSCHI, Luiz Antnio. Produo textual, anlise de gneros e compreenso. 2. ed. So Paulo, ed. Parbola, 2008. ONG, Walter. Oralidade e cultura escrita: a tecnologizao da palavra. Trad. Enid Abreu Dobrnszky. Campinas: Papirus, 1998.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

PARMETROS CURRCULARES NACIONAIS Lngua portuguesa. Braslia: MEC/SEC, 1998. POSSENTI, S. Questes para analistas do discurso. So Paulo: Parbola, 2009. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. In: Obras escolhidas II. Coleo Aprendizagem. LVARES, A. & DEL RIO, Pablo (orgs) Volume 54, Traduo de Jos Maria Bravo. Madrid: Visor, 1993. ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. So Paulo: Cia. Das Letras, 1993. _______. Introduo poesia oral. So Paulo: Hucitec, 1997.

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FORMAO DOCENTE E IMPLICAES NO ENSINO-APRENDIZAGEM DA ESCRITA NOS ANOS INICIAIS

ANDRADE, Daniela Carvalho de (UFCG)Este estudo traz uma discusso a respeito das prticas de ensino de escrita, problematizando a questo de a escrita ainda ser tratada na escola meramente como um fato lingustico, o que vem a desconsiderar os estudos embasados na teoria do letramento que esto centrados dentro da concepo interacional de linguagem, que considera a escrita enquanto fato social. Levando em considerao que as aes docentes para o ensino de escrita so reflexos dos conhecimentos sobre o tema difundido nas formaes iniciais e continuadas dos professores, desde a abordagem terica at a didatizao, que nosso estudo se prope a analisar a relao existente entre a teoria obtida na formao docente e a prtica de ensino da escrita de professoras dos anos iniciais. Atravs de uma pesquisa caracterizada como um estudo de caso, com fins descritivos e explicativos e com abordagem predominantemente qualitativa, procuramos caracterizar as teorias e as metodologias para o ensino de escrita obtidas na formao das professoras e desenvolvidas em sala de aula. Baseamo-nos teoricamente em estudos como os de Matncio (2007), Antunes (2003), Soares (2004), Marcuschi (2001, 2002, 2004, 2008), Bonini (2003, 2006), Rojo (2001, 2002, 2008, 2009), Kleimam (2001, 2008) e Rafael (2007). Nossos resultados, de uma forma geral, mostraram que as prticas mais satisfatrias para o ensino de escrita foram originadas de conhecimentos obtidos na formao docente continuada.

PALAVRAS-CHAVE: Escrita. Ensino. Letramento. Formao.

Introduo No que se refere aos profissionais da Pedagogia a quem cabe a tarefa de introduzir o aluno no mundo da escrita no apenas decodificativa, mas, principalmente na escrita social, as condies oferecidas s discusses da teoria da escrita nessa perspectiva, segundo nossa prpria experincia como graduada em Pedagogia, , no mnino, questionvel. Isso nos faz reconhecer que antes que a discusso sobre didatizao do ensino da escrita faz-se necessrio que se verifique a qualidade dos subsdios tericos que so oferecidos a esses professores em suas formaes iniciais e/ou continuadas. Diante disso, nos cabe perguntar: como se caracteriza o conhecimento sobre ensino da escrita com base no letramento de professores dos primeiros anos do ensino fundamental e como ele repercute em suas prticas de sala de aula no ensino da lngua escrita? Por que os alunos das sries iniciais do Ensino Fundamental apresentam tantas dificuldades em relao escrita?

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GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

No propsito de responder a essas questes, este artigo, fruto de uma pesquisa para concluso de nossa especializao, tem como objetivo geral analisar a relao existente entre o conhecimento sobre a teoria do letramento obtida na formao docente e a prtica de ensino da escrita de professoras dos anos iniciais do ensino fundamental. O interesse por essa pesquisa se deu pela percepo, atravs de conversas informais com professoras da primeira etapa do ensino fundamental, de que a disseminao da teoria do letramento em algumas formaes foi superficial e em outras;GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

como em nosso caso, foi inexistente. Esse problema foi visto, ainda que no como causa nica, como um dos agravantes da situao encontrada em uma escola da rede pblica municipal de Campina Grande Pb, onde ns atuamos juntamente com essas professoras: o analfabetismo de alunos matriculados nos anos finais do ensino fundamental 4 e 5 anos. Decidimos, ento, que as professoras dessa escola

especfica deveriam protagonizar a nossa pesquisa. Duas delas o fizeram: as do 1 e 5 anos, atravs de dados colhidos na produo de um relato de formao, de respostas a um questionrio e a uma entrevista, bem como a uma anlise de suas atividades de escrita.

O ensino de escrita na escola

Se considerarmos, assim como Geraldi (2003), que os problemas relacionados ao ensino da lngua esto diretamente ligados concepo de linguagem que fundamenta as prticas de sala de aula e que a escolha dessas mesmas concepes se rege pelos objetivos da aprendizagem da lngua os para que da aprendizagem, na fala de Geraldi (op. cit, p. 41) , temos que as concepes que predominam nas prticas de ensino de escrita em nossas escolas so aquelas que veem a linguagem como mera expresso do pensamento ou como simples instrumento de comunicao. Micarelo e Freitas (2002, p. 113) alertam para o fato de que o ensino da lngua materna se apresenta ao indivduo como um sistema de normas a quem ele deve se subordinar e com base na viso bakthiniana de interao na linguagem, tais autoras ressaltam que, nesse aspecto, a lngua se assemelha a um arco-ris imvel que domina o fluxo ininterrupto dos atos de fala. Mas nos perguntamos, assim como estas autoras,26

se possvel encontrar o pote de ouro atrs do arco-ris (MICARELO; FREITAS, 2002, p. 113). Para as referidas autoras, isso se torna possvel desde que seja assumida para o ensino da lngua uma concepo na qual esta seja compreendida como produto da interao entre os indivduos. Mas, e quando mesmo que o professor tenha em mente tal concepo e diga assumi-la, o seu trabalho com o ensino de lngua materna no se mostra eficaz?GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Acreditamos que isso se d porqueo trabalho de ensino fetichiza o produto do trabalho cientfico, isto , automiza as descries e explicaes lingusticas desconsiderando o processo de produo do trabalho cientfico que produziu as descries e explicaes ensinadas (GERALDI, 1997, p. 74).

Se a escola tende a considerar o texto como um artefato lingustico destitudo de seus aspectos interacionais, a criana, mesmo que saiba construir textos estruturalmente perfeitos na fala, no far o mesmo quando tiver de construir textos escritos, pois seguir o modelo artificial de comunicao que lhe passado pela escola. Antunes (2003, p. 48) afirma que socialmente no h a escrita para no dizer nada, para no ser ato de linguagem. Por trs da improvisao com que o ensino da escrita tratado nas escolas, est a concepo de escrita como um produto e no como fruto de uma ao previamente planejada e construda processualmente. certo que a escola no deve se descuidar do seu papel de avaliadora das questes tipolgicas e gramaticais, mas certo tambm que essa avaliao deve ocorrer em um segundo momento e em funo da situao social que motivou a escrita. Afinal, de acordo com a viso sociointerativa da linguagem, so os usos da linguagem e no as regras gramaticais que fundam a lngua. (MARCUSCHI, 2008)

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Os estudos do letramento para o ensino da escrita o pote de ouro atrs do arcoris?1 Para se construir a cidadania na escola preciso tambm ensinar a entender como a linguagem funciona. Tratada assim, a escrita ter para o aprendiz, um significado, uma razo de ser, um para que definido, uma vez que o indivduo, para desenvolver a escrita, precisa relacion-la a coisas do seu interesse e coisas utilitrias (MATNCIO, 2007, p. 36)GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

nessa questo que se baseiam os estudos do letramento, numa tentativa de insero efetiva do aluno no mundo da escrita, que no mundo real no ocorre sem que seja para atingir objetivos distintos de comunicao. A escola, no entanto, no o incorporou s suas prticas de ensino de escrita nem essa e nem a perspectiva dos letramentos mltiplos, nos termos de Rojo (2009), visto que no abre espao para os letramentos menos valorizados. De acordo com o que constatou Rojo (2009), atualmente os alunos tm fracassado nas sries-diploma, ou seja, nas sries finais do ensino fundamental quando so submetidos aos testes de avaliao que cada dia mais incorporam os pressupostos da aprendizagem de uma escrita social, classificando os alunos de acordo com os seus nveis de letramento, atravs do trabalho com textos reais da esfera social os chamados gneros textuais.

A formao de professores para o ensino da escrita

Estudos como o de Bonini (2003, p. 81), apontam dois problemas que justificam o fato da inovao no ensino da escrita no ocorrer: um de ordem terica e outro de ordem prtica. A este ltimo, o autor relaciona a falta de recursos materiais na escola, a falta de tempo dos alunos e dos professores, ao prescritivismo das aulas e ainda a dependncia ao livro didtico. Com relao ao problema de ordem terica, o autor1

A expressoO POTE DE OURO ATRS DO ARCO-RIS usada por Micarelo e Freitas (2002) e j citada, bem como melhor esclarecida, na pgina 3 deste artigo.

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destaca, dentre outros, a incipincia dos docentes no que tange teoria dos gneros textuais e o trato inconsistente dado a essa teoria, em materiais como os PCN. Silva (2001) nos aponta que h tambm a superficialidade dos PCN quanto abordagem das teorias lingusticas nos volumes direcionados ao alfabetizador. Neles so trazidos termos e conceitos da rea da lingustica que, por serem reduzidos para fins didticos, tornam-se incompreensveis para professores em cuja formao tais conceitos no foram sequer contemplados, como se tambm o professor egresso dos cursos deGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

pedagogia no fosse responsvel pelo ensino de lngua portuguesa. Confirmamos tal apontamento mencionando o fato de sermos uma das representantes dos graduados na rea da pedagogia. O mesmo ocorre nos cursos de nvel mdio de formao para o magistrio, pois tambm neles no h uma formao lingustica mais aprofundada, da porque a incompreenso dos PCN no pode ser atribuda incapacidade leitora do professor do ensino fundamental I (SILVA, op.cit., 97). Quanto aos cursos de formao de professores, o que se v so formadores que, embora em seus discursos esteja presente a teoria da inovao, o tratamento dado ao objeto de ensino escrita tem base na tradio, conforme os estudos de Kramer e Oswald (2002). Assim, ou por falta de formao ou por falhas nela, os professores so atrados pelo ensino da gramtica, inspirados nas metodologias utilizadas pelos seus formadores e at mesmo pelos seus professores do ensino fundamental e mdio. Mas, somente a teoria no suficiente. Estudos recentes, como o de Rafael (2007), nos esclarecem tal questo dizendo que os professores tm dificuldades para realizarem a didatizao, um processo que consiste na transposio dos saberes tericos em situaes didticas de ensino-aprendizagem. certo que a teoria no ter sentido na escola se no dialogar com os conhecimentos desta e tambm nisso que se baseia a didatizao. essa perspectiva que deve se fazer presente nas formaes de professores para o ensino da escrita.

Anlise dos dados

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Os relatos de formao

Entre os sujeitos da pesquisa, a professora do 1 ano (professora 1) foi a que concluiu o maior nmero de formaes. Foram duas as formaes iniciais, uma em nvel mdio magistrio pela Escola Normal concludo em 1997 e outra em nvel superior Pedagogia, pela UEPB concludo em 2005. Foram tambm duas as formaes continuadas, ambas oferecidas pela Secretaria de Educao da PrefeituraGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Municipal de Campina Grande: O PROFA, concludo em 2005 e o Pr-letramento em 2009. J a professora do 5 ano (professora 3) tem duas formaes iniciais concludas: uma em nvel mdio, o curso de magistrio na Escola Normal em 1999, e outra em nvel superior, o curso de Enfermagem em 2008 na UEPB. A professora cursa Pedagogia pela Universidade Aberta desde o incio do ano em curso. Atravs dos dados coletados nos relatos de formao, temos que, a respeito da professora 01, na Escola Normal em nvel mdio, foram ministradas as disciplinas Didtica da Linguagem (no 2 ano de curso), que tratava da elaborao e execuo de planos de aula; e Lngua Portuguesa (no 3 ano de curso), que tratava de conhecimentos gramaticais. A primeira disciplina, na viso da professora, foi proveitosa por ter tratado da importncia da interdisciplinaridade. J a segunda, na sua opinio, no deu subsdios suficientes para trabalhar com leitura e escrita. A respeito do curso de Pedagogia e das disciplinas Metodologia da Lngua Portuguesa e Metodologia da Alfabetizao, a professora tambm dirige um posicionamento crtico expondo uma viso negativa ao dizer que foram disciplinas que trabalharam superficialmente o ensino da escrita. Quanto ao PROFA, ela considera ter lhe dado uma boa base terica para trabalhar leitura e escrita atravs da compreenso das hipteses de escrita. Atravs do Pr-letramento ela afirmou ter aprofundado o conhecimento das hipteses de escrita, as caractersticas prprias de alguns gneros textuais e a relao teoria-prtica, com a vivncia de vrias atividades. Interessante tambm perceber a noo que a professora tem no sentido de que os estudos sobre a psicognese da lngua escrita pertencem ao campo da teoria (o30

PROFA deu uma boa base terica para trabalhar leitura e escrita atravs da compreenso das hipteses). A professora tambm faz referncia relao do conhecimento terico com o conhecimento prtico, quando diz que no Pr-letramento houve a vivncia 2 de vrias atividades. Essa vivncia, na opinio da professora, parece ser tida como importante nas formaes, pois foi falta dela que a professora atribuiu o fato das disciplinas Metodologia da Lngua Portuguesa e Metodologia da Alfabetizao, oferecidas pela faltou ir pra prtica e voltar pra sala de aula... Com relao ao relato da professora 3, somente a formao da UA ainda no concluda foi lembrada. Segundo a professora, At agora, foram estudadas disciplinas muito tericas, mas ela acredita que o tema em questo ser abordado. A ideia que perpassa essa declarao dada pela professora a de que quando se trata do ensino de escrita, no h teorias, s o ensino de metodologias, j que, no seu entendimento, a disciplina poder ser tratada no momento do curso em que as teorias j tiverem sido abordadas. Somente em entrevista, a professora citou as disciplinas trabalhadas na sua formao inicial j concluda na Escola Normal: Didtica da Lngua Portuguesa e Lngua Portuguesa, em que disse, em informao presente no relato, no ter sido abordado apenas a teoria do ensino, mas metodologia pura com pouca produo textual atravs da narrao, da descrio.... Apesar de ter conhecido em sua formao, o letramento em apenas uma de suas dimenses a mais restrita que trata do ensino do cdigo escrito e no dos usos sociais da lngua, a professora 3 considerou como proveitoso o ensino que obteve na sua formao inicial. Tais declaraes no foram dirigidas tambm ao ensino da disciplina Lngua Portuguesa, cujo foco era o ensino das regras da gramtica. Foram nessas regras queGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

UEPB em sua formao inicial, terem desenvolvido um trabalho superficial. Para ela,

Em entrevista, a professora esclareceu que vivenciar atividades tir-las do ambiente de estudo e lev-las ao ambiente da sala de aula, em outras palavras, coloc-las em prtica aplicando-as com os alunos.

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se basearam as disciplinas intituladas Lngua Portuguesa presentes nas formaes das trs professoras da nossa pesquisa e, se outros conhecimentos foram trabalhados na disciplina, foi este o nico citado pelas 3 professoras, talvez por que tenha sido o que predominou.

Os questionrios Destacamos aqui as respostas das professoras ao questionrio que tratam dos

objetivos das aulas de escrita. A esse respeito, temos que a professora 1 demonstrou estar satisfeita com os resultados que obtm e ter alcanado seus objetivos de aprendizagem, visto observaravanos na escrita de listas, produo textual, reescrita em que seus alunos demonstram coeso e coerncia.

A terceira participante da pesquisa, a professora 3, do 5 ano, disse planejar suas aulas de escrita com vistas a alcanar os objetivos de ensino, o que ela considera como sendo conscientizar o aluno a respeito da importncia da educao para seu crescimento pessoal e profissional, de acordo com resposta dada em entrevista. Essa professora v o desconhecimento da importncia da educao por parte dos alunos como fator que dificulta o ensino da escrita. Ela esclareceu melhor na entrevista a declarao feita, dizendo que a escola a nica experincia fora de casa. Para ela, no atual contexto social, em que seus alunos se encontram inseridos, a escola atua como sendo o nico lugar em que os benefcios da educao podem ser difundidos. Acredita ainda que o fato de no conseguir alcanar o seu principal objetivo de ensino conscientizar os alunos sobre a importncia da educao a torna insatisfeita com os resultados que obtm com suas aulas. Mas, ser que as atividades de escrita aplicadas com os alunos dessa professora tm favorecido tal insero social? As atividades de escrita

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GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Foram disponibilizadas as atividades das professoras 1 e 3, realizadas durante o primeiro semestre do ano de 2010. A respeito das 23 atividades elaboradas pela professora 1, destacamos 3. Uma que envolve hipteses de escrita, assunto citado pela professora 1, em resposta ao questionrio, como sendo um conhecimento adquirido na sua formao e que lhe auxilia na prtica do ensino de escrita. No h na atividade nenhuma data que especifique em que perodo do segundoGT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

semestre ela foi aplicada, se no inicio ou se no fim. certo que se a professora tiver partido dessas hipteses de escrita apresentadas por seus alunos, para planejar as atividades seguintes, o trabalho com o ensino do desenvolvimento da escrita, sem dvida se tornaria muito mais eficaz. H atividades com escrita de textos j conhecidos pela criana e que seguem o critrio de escolha adotado pela professora e descrito no questionrio: de serem formadas por gneros ligados ao universo infantil e inseridos dentro de uma determinada temtica, ligada a datas comemorativas, o que acreditamos ser coerente. Em uma dessas atividades o aluno levado a completar a letra de uma msica conhecida por ser cantada na poca da pscoa. A escrita de listas tambm uma das atividades em que a professora diz perceber avanos por parte de seus alunos. Escolhemos entre as atividades de escrita uma em que a professora sugere que os alunos escrevam o nome de objetos que fazem parte do ambiente familiar da sala de aula. Quanto aos aspectos que foram observados nas 35 atividades disponibilizadas pela professora 3, realizadas na disciplina de lngua portuguesa, temos que 27 delas so de exerccios gramaticais. Apena duas produes exploraram aspectos reais do contexto de vida dos alunos um questionrio e um relato de viagem. A prtica adotada pela professora 3 torna-se ainda mais inadequada, se considerarmos que h na sua sala, apesar de se tratar de uma sala de aula do 5 ano, alunos ainda na fase silbica de escrita, fato que vem caracterizando negativamente a escola. Para esses alunos, a escrita aprendida na escola, que privilegia o contedo especfico da srie, em detrimento das suas necessidades de linguagem, lhes estranha e sem significado.

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Bonini e Figueiredo (op. cit., p. 06) explicam que os crticos do discurso das habilidades que pode ser reconhecido por fazer referncia a habilidades gramaticais no questionam a respeito da importncia das regras gramaticais, mas a respeito da primazia deste conhecimento em relao a outros aspectos da escrita e de forma descontextualizada, como faz a professora 3. uma espcie de fetichizao (MICARELO; FREITAS, 2002) do objeto do conhecimento linguagem, uma vez que o desvincula por completo, do seu aspecto ideolgico, pressuposto do letramento.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Consideraes finais As atividades realizadas pela professora 3 no so capazes de despertar interesse nos alunos, especialmente nos no alfabetizados, que somam um nmero significativo na escola campo da pesquisa. Ela parece no ter a concepo de que a aquisio da lngua escrita pode atuar como ferramenta indispensvel no progresso social de seus alunos. Trata-se de uma viso que afasta o seu conhecimento da escrita como fato social e aproxima da viso de escrita apenas como fato lingustico, da o predomnio, em suas atividades de escrita, de contedos gramaticais. Vemos que essa distncia entre os objetivos e as prticas de ensino da professora 3 se deve tanto ao desconhecimento da concepo da escrita com vistas ao letramento, quanto a falhas no trabalho com o planejamento didtico (etapa do processo de didatizao), ambas decorrentes de sua formao na escola Normal. Nesse sentido, assim como no ensino do planejamento didtico e na didatizao propriamente dita, as formaes continuadas PROFA e Pr-letramento superaram as formaes iniciais. exatamente por isso que somente a professora que dispe de tais formaes continuadas demonstra satisfao com os resultados delas obtidos e tece crticas sua formao inicial. A apropriao dos contedos responsveis por essa satisfao demonstrada na adequada elaborao das atividades por essa professora e que aqui foram analisadas. Conclumos dizendo que os resultados da investigao que realizamos nos fizeram compreender que as falhas nas prticas de ensino de escrita realizadas pelas professoras da escola que nos propomos a pesquisar so decorrentes de inadequaes formativas com relao abordagem terica e metodolgica do ensino de escrita.

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ORALIDADE NO MBITO ESCOLAR: REFLEXES SOBRE A SALA DE AULA

CARNEIRO, Joseany Rodrigues (SME) GAMA, Tnia Dantas (ULHT) DONATO, Fabiana Juvncio Aguiar (ULHT)

PALAVRAS-CHAVE: Lngua Materna. Oralidade. Ensino. Aprendizagem Significativa.

INTRODUO

A linguagem a expresso mais caracterstica do comportamento humano. Cada povo exerce essa capacidade por meio de um determinado cdigo lingustico, utilizando um sistema de signos vocais distintos e significativos, a que d-se o nome de lngua ou idioma. Criao social da mais alta importncia, a lngua por excelncia o veculo do conhecimento humano e a base do patrimnio cultural de um povo. A utilizao da lngua pelo indivduo denomina-se fala, que um processo individual que nasce da necessidade humana de comunicao na qual so expressas ideias e emoes. A primeira forma registrada da linguagem humana foi atravs de desenhos pictogrficos que representavam o dia a dia dos homens das cavernas. Com a evoluo das relaes sociais e a organizao dos homens em cls, surge a necessidade de estruturao do trabalho e consequentemente a lngua oral como facilitador da comunicao.36

GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

O presente estudo tem como propsito colocar em relevo a necessidade do ensino da oralidade nas instituies escolares. Esta abordagem recente na prtica de ensino, e, principalmente, entre os educadores que atuam no Ensino fundamental. Temos como objetivo refletir sobre o fenmeno oralidade no contexto da sala de aula, sinalizando para o tratamento da lngua oral como ao social, reafirmando o continuum das prticas sociointeracionista que se estabelecem na e pela linguagem. Neste sentido, as bases conceituais para este estudo surgiram a partir de Bakhtin, Dolz, Schneuwly, Marcuschi, BortoniRicardo e Bagno. Abordaremos a necessidade dos educadores enfatizarem a linguagem oral como instrumento de construo individual, possibilitando aos educandos a oportunidade de se prepararem para realidades adversas que no se resumem ao mbito escolar. Esta pesquisa visa contribuir academicamente na perspectiva de que a oralidade seja vista como objeto de estudo e de ensino, proporcionando aos educandos o desenvolvimento do senso crtico, atentando para as novas necessidades do mundo globalizado, que precisa de pessoas capacitadas e multifuncionais, que possuam: fluncia verbal e poder de persuaso, se comuniquem bem, defenda suas ideias e seus direitos, concomitante a uma aprendizagem significativa. Desta forma, a escola deve ultrapassar os aspectos tericos e penetrar no mbito da prtica cotidiana ampliando os conhecimentos e abrindo um novo universo de significado aos educandos, como instrumento para romper barreiras e perpassar o muro da escola.

No incio da civilizao todas as formas de saber e de conhecimento eram transmitidas oralmente por meio dos relatos de experincias; e a memria humana, essencialmente a auditiva, era o nico recurso que as pessoas dispunham para o armazenamento e a transmisso do legado s futuras geraes. Tradicionalmente, os mais velhos eram reconhecidos como os mais sbios, detinham conhecimento acumulado de suas vivncias e, eram responsveis pela transmisso da bagagem cultural s futuras geraes.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

A lngua no um sistema imutvel. Como toda criao humana, est sujeita ao do tempo e do espao geogrfico, sofrendo constantes alteraes e refletindo forosamente as diferenas individuais dos falantes. A lngua falada mais comunicativa e insinuante, porque as palavras so fortemente subsidiadas pela sonoridade e inflexes da voz, pelo jogo fisionmico e a gesticulao, emergindo, assim, vrios nveis de fala: a culta, a popular, a coloquial, dentre outras. Desde que nascemos linguagem oral est presente em todos os momentos de nossas vidas, por isso ela tem um papel relevante como objeto de ensino da lngua materna. A verbalizao facilita o processo de compreenso de mundo alm de construo e reconstruo de significados. Neste sentido, a partir da observao da relevncia da lngua oral surgiu o questionamento de como trabalhar a oralidade na sala de aula. Este tema fruto das interrogaes surgidas no mbito escolar, a partir de vivncias e de reflexes tericas, que visam atentar para as novas necessidades do mundo profissional que precisa de pessoas capacitadas e multifuncionais que possuam fluncia verbal, se comuniquem bem, possuam poder de persuaso, defendam suas idias e seus direitos. Desta forma, a escola deve ultrapassar os aspectos tericos e penetrar no mbito da prtica cotidiana ampliando os conhecimentos e abrindo um novo universo de significado aos educandos. Em sala de aula experincias e vivncias esto reunidas num mesmo espao esperando o momento de serem exploradas. Para tanto, a escola deve encontrar uma forma de ensinar, incentivar e impulsionar a expresso da oralidade desde a mais tenra infncia, pois a democratizao do acesso ao conhecimento que obriga a escola a criar espaos que viabilizem a formao de sujeitos cidados na dimenso poltica e37

pedaggica da participao, tentando romper as barreiras culturais que separam a escola da comunidade, propiciando uma articulao do educador com o contexto cultural em que est inserido. De acordo com Azevedo (2001), a identidade cultural entre a comunidade e as aes pedaggicas que resignifica a escola contribuindo para a consolidao da viso de que a escola responsvel pela garantia da universalizao de uma aprendizagem significativa e colaborativa.GT 19: Escrita e Oralidade nas sries iniciais: reflexes para a sala de aula

Apoiada pelos Parmetros Curriculares Nacionais, a oralidade deve ser estimulada como objeto discursivo que se produz em sala de aula tornando-se instrumento de conhecimento. Pesquisas recentes tm colocado em destaque a necessidade do ensino da oralidade nas instituies escolares, principalmente, entre os educadores que atuam no Ensino Fundamental. O intuito desta pesquisa ser propor aos docentes uma reflexo sobre a modalidade oral como ferramenta fundamental para o desenvolvimento do educando, abrindo caminhos para o tratamento da lngua oral como ao social, reafirmando o continuum das prticas scio-interacionais que se estabelecem na e pela linguagem. Essa nova viso direciona o ensino de lngua para outra abordagem: Eleger a lngua oral como contedo escolar exige o planejamento da ao pedaggica de forma a garantir, na sala de aula, atividades sistemticas de fala, escuta e reflexo sobre a lngua. (BRASIL, 1998, p. 49). Diante do exposto, o objetivo primordial deste trabalho ser despertar um novo olhar para a fala no mbito escolar, como instrumento para romper barreiras e perpassar o muro da escola . FUNDAMENTAO TERICA Oralidade na sala de aula

Com o desenvolvimento dos estudos sobre linguagem e o surgimento de disciplinas voltadas para sua compreenso, a oralidade tornou-se mais presente nos