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    XXIXCONGRESSO INTERNACIONAL DA ALAS

    29 de setembro a 04 de outubro de 2013, Santiago/Chile

    Grupo de Trabalho 01: Cincia, Tecnologia e Inovao

    Ttulo do Trabalho: A criao da FACEPE e o campo cientfico em Pernambuco

    Autora:

    Andreia Patricia dos Santos Universidade Federal de Sergipe

    Este trabalho resultado da pesquisa de mestrado em Sociologia pela Universidade Federal de Sergipe. Objetiva-se discutir o campo cientfico em Pernambuco e a criao da FACEPE, uma agncia estadual de fomento pesquisa. A ideia que a Fundao nasceu da presso da comunidade cientfica local; produz e reproduz prticas universais deste campo, lugar de lutas/disputas por capitais simblicos ou no. A teoria utilizada foi a bourdieusiana, a partir da noo de campo cientfico e habitus. A metodologia apoiou-se em fontes documentais (editais, estatuto, leis, etc.) e bibliogrficas, alm de entrevistas. Os dados apontaram que: as prticas da Instituio reproduzem as leis universais do campo; a FACEPE fruto da atuao da comunidade e ambos se alimentam mutuamente.

    Palavras-chave: FACEPE, Campo Cientfico, Pernambuco

    1. Introduo O presente trabalho resultado da pesquisa do Mestrado em Sociologia pela Universidade

    Federal de Sergipe (UFS) e concluda em junho de 2012. De modo geral, a dissertao teve como finalidade compreender e analisar a Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), suas prticas (forma de gesto e funcionamento) e a relao com os agentes (pesquisadoras e pesquisadores). Deste modo, partiu-se do princpio que as prticas utilizadas na Fundao esto fortemente relacionadas com as experincias e conhecimentos acumulados no campo cientfico, ao longo da histria. Tal acmulo deu origem formao de uma cultura cientfica e, assim, a construo de um habitus do profissional da cincia, inclusive manifestando as particularidades e universalidades dos cientistas pernambucanos. Esse campo constitudo por lutas e conflitos entre os agentes na constante busca pela autoridade cientfica, distino e melhor posicionamento no prprio campo. Nessas circunstncias, a FACEPE compreendida como um microcosmo do campo cientfico, uma vez que oferta recursos financeiros e simblicos, sem deixar de produzir e reproduzir a lgica da comunidade acadmica. Neste sentido, importante frisar que a pesquisa se respaldou na teoria de Pierre Bourdieu, especialmente, no que se refere noo de campo cientfico e habitus. Para o autor, a ideia de campo cientfico se define da seguinte forma: campo cientfico [...] um campo de foras dotado de uma estrutura e tambm um espao de conflitos pela manuteno ou transformao desse campo de foras (BOURDIEU, 2008, p. 52). Ento, se o campo cientfico , tal como outros campos, o lugar de lgicas prticas, mas com a diferena de que o habitus cientfico ser uma teoria realizada, incorporada (Idem, 2008, p.62, grifo do autor). Em outras palavras utilizadas por Bourdieu (1996, p.144, grifo do autor), possvel entender habitus como um corpo socializado, um corpo estruturado, um corpo que incorporou as estruturas imanentes de um mundo ou de um setor particular desse mundo, de um campo, e que estrutura tanto a percepo desse mundo como a ao nesse mundo.

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    A partir dos elementos acima mencionados, a finalidade do presente trabalho analisar o campo cientfico em Pernambuco a partir da criao da FACEPE. Neste sentido, importante salientar que a Fundao foi criada pela lei 10.401 de 26 de dezembro de 1989 e fruto de um conjunto de aes firmadas entre o Poder Pblico e dos agentes (pesquisadores(as) vinculados s instituies de ensino, pesquisa e extenso de Pernambuco. Neste perodo houveram muitas mudanas no pas, seja no plano poltico, social e econmico, com o ressurgimento da democracia aps 21 anos de regime militar (1964-1985). Setores antes perseguidos pela ditadura militar, inclusive dentro das universidades, passaram a se mobilizar e a demandar novas polticas junto ao Estado. Um dos exemplos dessa mudana a promulgao da Constituio de 1988, permitindo a criao de leis, decretos e constituies estaduais visando, dentre outras questes sociais, garantir fundos permanentes para fomento pesquisa.

    Assim, importante salientar que a FACEPE foi criada nesta atmosfera de mudanas sociais no pas. Desse modo, a escolha da Fundao como objeto de anlise se justifica por trs razes principais: 1) a Fundao de Amparo Pesquisa (FAP) mais antiga do gnero no Nordeste; 2) sua continuidade ininterrupta ao longo de mais de 20 anos, fato que a distingue de outras agncias estaduais na mesma regio (Bahia e Sergipe) e; 3) principalmente, uma forte e reconhecida comunidade cientfica, que pode ser exemplificada pela presena de vrias e histricas instituies de ensino superior e de pesquisa no estado (UFPE, FUNDAJ, UPE, UFRPE, entre outras). inegvel que em Pernambuco havia um conjunto de pesquisadores(as) vinculados(as) s instituies de ensino e pesquisa locais que estavam mobilizados e que, portanto, se empenharam e intervieram junto ao Poder Pblico em prol da criao de um rgo de fomento estadual. Ou seja, havia no estado uma comunidade cientfica atuante (na atividade de pesquisa) anterior prpria FACEPE, que deu legitimidade criao da mesma.

    importante tambm salientar que a histria da FACEPE caracterizada tambm pelas dificuldades em cumprir seu papel, diante dos limites impostos pela vontade poltica dos governantes. O repasse de recursos destinados para execuo de sua atividade no teve regularidade e a maior parte de sua existncia funcionou de forma insatisfatria, porque no conseguia acompanhar demanda da comunidade cientfica local. Por isso, durante longos perodos sofreu com a falta de credibilidade por parte da referida comunidade, que anteriormente intervieram junto ao poder pblico em prol de sua criao. Desse modo, a fragilidade da Fundao tambm revela, de algum modo, a fragilidade da prpria comunidade em reivindicar polticas de C&T para o Estado como ocorrido no passado. Esta situao demonstra tambm a estreita relao da comunidade cientfica local com a referida agncia de fomento.

    Dentro desta perspectiva, o presente trabalho apresenta o contexto histrico da cincia e tecnologia (C&T) no Brasil, do qual a FACEPE fez parte.

    2. A institucionalizao do fomento pesquisa no Brasil: breve histrico As condies histricas e universais do campo cientfico, isto , o habitus do fazer da cincia,

    apresentadas acima influenciaram as prticas dos agentes em relao ao Poder Pblico Estadual, a partir de uma agenda de reivindicao que teve na ideia de constituio da FACEPE seu ponto central nos anos de 1980.

    O ethos cientfico para reproduzir-se com qualidade e permitir possibilidades de melhor insero - no s estadual, mas nacional dos cientistas pernambucanos viram na construo de um novo aparato institucional, de uma nova ao burocrtica, algo fundamental. E a FACEPE tornou-se esse espao institucional, onde o ethos acadmico apresentou-se, apoiou-se e comps o cotidiano desta FAP, antes mesmo do seu surgimento em 1990.

    Diante dessas particularidades, a FACEPE pode ser compreendida como um microcosmo do campo cientfico. Nela h uma manifestao do fazer-se pesquisador, fazer-se cientista e do saber-fazer

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    da cincia, isto , h uma reproduo das prticas universais do campo cientfico na Fundao. Alm disso, ela resultado da ao e atuao dos agentes.

    Apenas em 1970, que comea a acontecer iniciativas mobilizadoras para a criao de um ministrio voltado para a rea, fato que se efetivou na dcada seguinte (1980). Nesse sentido, vale registrar que essas iniciativas foram tentativas de integrar as aes nacionais de C&T no Brasil, buscando, dessa maneira, tecer esforos mais amplos e articulados1.

    Outro marco do fomento C&T no pas foi a criao da Fundao de Apoio Pesquisa do Estado de So Paulo (FAPESP), que surgiu com objetivo de atender demanda da comunidade cientfica paulistana, ao desenvolvimento e s necessidades do estado. Foi criada em 1960 e comeou a funcionar em 1962, mesmo prevista na Constituio Estadual de So Paulo em 1947 (MOTOYAMA, 1999).

    De acordo com Paulo Vanzolini, idealizador do projeto-lei da FAPESP, a constituio desta FAP baseou-se em sua experincia como pesquisador, bem como foi resultado de suas visitas Fundaes internacionais (Rockfeller, Ford) e no Brasil, o CNPq. Porm ressaltou que precisvamos era de uma fundao que atendesse diretamente ao pesquisador, mas no tivesse seus prprios institutos, pois, do contrrio, era para estes que acabariam sendo canalizados os recursos (VANZOLINI apud FAPESP, 1996, p. 203). Em sua opinio, o papel da universidade era formar recursos humanos e estimular o interesse pela pesquisa, enquanto que o papel da Fundao seria o de ofertar mecanismos para que a universidade cumprisse sua finalidade. Ou seja, esse isso tambm no permitiria a concentrao de recursos para determinadas reas, mas sim, um rgo que fomentasse a pesquisa em todas as reas. Deste modo, a Fundao no substituiria a razo de ser da universidade e nem competiria com esta, sendo, portanto, uma o complemento da outra. De maneira geral, foi assim que a Fundao foi implantada.

    Nunca demais destacar que a FAPESP a FAP estadual mais antiga do pas e situada, no por acaso, no estado economicamente mais desenvolvido, comporta historicamente uma comunidade cientfica extremamente fortalecida, principalmente pela concentrao de universidades e institutos de pesquisas, especialmente a Universidade de So Paulo (USP), criada em 1934, onde, seu corpo cientfico inicial foi formado por estrangeiros, em geral com uma formao de excelente qualidade (ZARUR, 1994, p. 64). No caso das cincias sociais, a USP formou diversos expoentes brasileiros de destaque, a exemplo de Florestan Fernandes, Octvio Ianni, Fernando Henrique Cardoso, Jos de Souza Martins, entre outros2. Esses atributos no s exclusivos s cincias sociais - trouxeram para o campo cientfico paulista condies de destaque em mbito nacional.

    Alm do estado de So Paulo, o Rio de Janeiro passou a destacar-se, o que fortaleceu o campo cientfico dos dois estados:

    1Inicialmente as aes do Sistema Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico, institudo em 1975, era responsabilidade do Ministrio do Planejamento. Nessa poca, o rgo responsvel pela coordenao do Sistema era o ento Conselho Nacional de Pesquisa, hoje Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico que conservou a sigla CNPq. Com isto surgiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (PADCT), com o objetivo de testar metodologias de planejamento, avaliao e execuo de projetos. Assessores de planejamento e avaliao experimentavam formas de integrar as aes comuns entre as quatro agncias. Comeava a nascer a idia da criao de um ministrio que se ocupasse especificamente das aes de C&T. Polticos, dentre eles Renato Archer, e membros da comunidade cientfica se mobilizaram e encaminharam a proposta ao primeiro governo da Nova Repblica. O grupo teve a reivindicao acatada pelo presidente eleito Tancredo Neves. Na seqncia dos fatos polticos, o presidente Jos Sarney honrou o compromisso assumido por Tancredo, criou o ministrio e nomeou Renato Archer como ministro, em 1985. Uma de suas primeiras aes foi implementar a experincia bem sucedida do PADCT. Fonte: Ministrio da Cincia e Tecnologia. Histrico. Disponvel em http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/78973.html: Acesso em: 24 abr. 2011. 2 Esses socilogos formaram o que se denominou da Escola de Sociologia da USP ou Escola Uspiana de Sociologia, que teve (e tem) grande impacto na formao do pensamento social brasileiro.

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    A concentrao de recursos institucionais e financeiros em So Paulo e no Rio de Janeiro inibia projetos semelhantes em outras regies. Os melhores estudantes da Bahia, do Nordeste, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul os que podia faz-lo iam estudar naquelas duas cidades, e normalmente no retornavam aos estados de origem (SCHWARTZMAN, op. cit., p. 132).

    Essas caractersticas possibilitaram o crescimento local, mas tambm deram origem s

    desigualdades regionais de diversas naturezas, inclusive no desenvolvimento da C&T. No caso de So Paulo, em suma, esse conjunto de atributos pesou consideravelmente para o fortalecimento da FAPESP, o que a distingue do Rio de Janeiro, que foi capital federal at 1960, recebendo, portanto, aportes de recursos da Unio.

    Ademais, vale destacar que j no seu surgimento a Fundao contou com a dotao de 0,5% oriundos de impostos estaduais, obrigada por seus estatutos a despender a maior parte de seus fundos em projetos de pesquisa cientfica e diretamente controlada pela comunidade cientfica estadual (op. cit., p. 258). Ainda conforme Schwartzman, tornou-se um rgo de fomento no mesmo nvel que as agncias federais (CAPES e CNPq).

    A dotao oramentria prevista na lei garantiu o apoio contnuo e adequado C&T em So Paulo, compatvel com o tamanho de seu pblico-alvo e servindo como modelo a ser seguido. Por isso, o controle da comunidade cientfica sobre a FAPESP e sua forma de atuao vai ser uma marca que se reproduzir em outras FAPs anos depois. Mais uma vez, esse fato revela a capacidade da comunidade cientfica de pressionar o poder pblico no intuito de buscar controlar (ou de ter maior controle sobre) as fundaes de fomento estaduais.

    Ao longo das dcadas seguintes, outras comunidades acadmicas locais vo reivindicar junto ao poder pblico de seus estados, no momento em que se consolidam, a criao de fundaes de apoio/amparo pesquisa e ao desenvolvimento tecnolgico estaduais, especialmente para combater as desigualdades regionais na rea de C&T. A partir da, as FAP`s passaram a ganhar uma dimenso chave, sendo um palco valioso de anlise, de questionamentos dos bloqueios ou das possibilidades de desenvolvimento da cincia e da tecnologia ou enquanto reflexo das fragilidades ou fora do campo cientfico existente nas localidades. Ou seja, esse processo histrico revela que as fundaes so locais privilegiados de reconhecimento das dinmicas acadmicas locais. De fato, elas representam atributos e capacidade das comunidades acadmicas estaduais, e o caso da FACEPE no vai destoar dessa tradio.

    O prximo item segue tratando da institucionalizao do fomento pesquisa em Pernambuco, que representa tambm a constituio do campo cientfico no referido estado a partir da criao da FACEPE.

    3. Institucionalizao do Fomento Pesquisa em Pernambuco: a FACEPE A Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE) criada

    numa rica conjuntura de mobilizaes sociais, que teve seu incio na campanha do ento candidato a governador Miguel Arraes de Alencar, no ano de 1986. Essa era uma poca de muitas mudanas em todo pas, seja no plano poltico, social ou econmico, com o ressurgimento da democracia aps vinte e um (21) anos de regime militar (1964-1985). Setores antes excludos e/ou perseguidos pela ditadura militar, inclusive dentro das universidades, passaram a se mobilizar e a demandar novas polticas junto ao Estado.

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    Com a reabertura democrtica no cenrio poltico e a partir da Constituio Federal de 19883, houve a criao de leis, decretos e constituies estaduais visando, dentre outras questes sociais, possibilitar/garantir fundos permanentes para fomento pesquisa. Da, ento, a formao e atualizao de um sistema nacional de cincia e tecnologia (C&T) passou a ser uma necessidade contnua e crescente em que a produo, transferncia e utilizao do conhecimento conduzissem ao desenvolvimento econmico e social em outros moldes, inclusive mais democrticos (ALMEIDA; CABRAL, 2005).

    Nessa atmosfera de mudanas, em Pernambuco, com a eleio de Miguel Arraes de Alencar (PMDB) para Governador de Pernambuco, de 1987 a 19904, foi concedido um espao significativo para discusso sobre a C&T, tendo em vista que sua equipe de campanha eleitoral foi composta por pessoas vinculadas s universidades5 e, por conta disso, se formou um grupo de intelectuais que levaria uma proposta de C&T para o estado no decorrer de seu mandato. Muitos desses professores e pesquisadores, a exemplo de Srgio Rezende (que veio a tornar-se Ministro de Cincia e Tecnologia no segundo mandato do Governo Lula6), Tnia Bacelar7e Ricardo Ferreira8, que faziam parte do aludido grupo, alm de serem nomes de prestgio em termos acadmicos, j conheciam a importncia do fomento pesquisa baseadas em rgos como o CNPq e CAPES, em nvel nacional, e a FAPESP9, no estado de So Paulo.

    O depoimento do professor e pesquisador Srgio Rezende, um dos idealizadores da FACEPE, relatou como se deu o processo de criao da Fundao, das mobilizaes mencionadas:

    E foi quando na campanha pra eleio, que foi eleito Miguel Arraes, em 1985, ns comeamos a fazer movimento entre os professores pra fazer proposta, para que o governo de Pernambuco tivesse uma poltica de financiamento da pesquisa. A, ento, Arraes foi eleito e esse grupo acabou sendo convidado a redigir propostas concretas. E ns fizemos ento uma proposta de se criar uma Fundao Estadual de Apoio Pesquisa, a exemplo da FAPESP, que o grande exemplo de instituio estadual. Escrevemos isso no programa de Arraes. (Srgio Rezende, professor e pesquisador do departamento de Fsica da UFPE e ex-ministro da Cincia e Tecnologia. 26/10/2011).

    oportuno tambm mencionar que a ideia de implantar um fundo para a C&T em Pernambuco anterior promulgao da Constituio Federal de 1988, pois isso era uma demanda dos cientistas

    3 O captulo IV, artigo 218 da Constituio Federal regulamenta questes sobre o apoio ao desenvolvimento da Cincia e Tecnologia. Disponvel em: http://www.senado.gov.br/legislacao/const/con1988/CON1988_05.10.1988/CON1988.pdf. Acesso em 20 mar. 2012. 4 O primeiro governo de Arraes foi de 1963-64, quando foi cassado e exilado pelo Regime Militar em 1964. Esse governo foi um marco nas lutas democrticas e populares do estado. 5 vlido ressaltar que Silke Weber, representante destacada da comunidade cientfica pernambucana, foi Secretria de Educao na gesto de Miguel Arraes, no perodo de 1995 a 1998. Este tambm um exemplo do peso do capital simblico que reconvertido. 6 REZENDE, S. Entrevista. In: ALMEIDA, M. G. A. A.; CABRAL, M. F.C . Memorial FACEPE 15 anos. Recife, CCS Grfica Editora, 2006. P. 52-58; RESENDE, S. Entrevista. In: Revista Pesquisa FAPESP, n 159, maio 2009, p. 104. Disponvel em: http://revistapesquisa2.fapesp.br/?art=3845&bd=1&pg=1&lg=. Acesso em: 29 abr. 2012. 7 Atuou trinta anos na Superintendncia para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE). 8 Ricardo Ferreira reconhecido internacionalmente em sua rea de atuao e representante da gerao de fundadores da cincia moderna no Brasil, principalmente a partir dos anos 40. Informaes disponveis em: http://www2.iq.usp.br/alquimista/alquimista31.pdf. Acesso em: 20 abr.2012. 9 A FAPESP foi a primeira agncia estadual de fomento pesquisa no Pas e sempre teve papel estratgico no apoio e desenvolvimento da C&T neste estado. Tem sua histria pautada em muitas lutas polticas por recursos e de resistncia da comunidade cientfica, desde a criao e aprovao do artigo constitucional, 123 da constituio do estado de So Paulo at os dias atuais (MOTOYAMA, op. cit, p. 35).

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    envolvidos na campanha para governador de Miguel Arraes (REZENDE, 2010), situao que revela a viso antecipadora desses acadmicos na poca.

    Assim, no sentido de corroborar com o relato de Srgio Rezende, a fala do fsico Ivon Fittipaldi, um dos quais esteve vinculado luta pela FAP pernambucana, remontou como se deu a ideia de institu-la, bem como a previso de seu oramento na Constituio Estadual.

    Ento nessa oportunidade que a gente procura o Dr. Arraes, um grupo de pesquisadores e a gente prope a criao uma fundao de amparo pesquisa no estado de Pernambuco. Ele de pronto gostou da ideia e criou-se ento o captulo 4 (quatro) da constituio do Estado de Pernambuco, fala sobre a Cincia e Tecnologia e l prever a criao de uma fundao. Essa fundao ento teria uma dotao oramentria. Nessa constituio diz que ns teramos direito de 1% da receita oramentria do Estado e que esse fundo de desenvolvimento da cincia e tecnologia no estado de Pernambuco. A gesto desse fundo estaria a cargo de uma fundao. Isso o que est na constituio brasileira (Prof. Dr. Ivon Fittipaldi, ex-diretor cientfico da FACEPE e atual Coordenador da Representao Regional do MCT no Nordeste (ReNE/MCT), 18/08/11).

    A participao da comunidade cientfica no movimento de criao e implantao da FACEPE, bem como sua relao com o campo poltico local, so evidentes nos depoimentos supracitados. Isso porque essas duas questes esto fortemente ligadas, uma legitimou a outra. Sob este ponto de vista, o atual presidente da Fundao, o professor Diogo Simes, fez um balano analtico, associando a criao da FACEPE e as iniciativas de pesquisadores(as), s questes de cunho nacionais, ressaltando que:

    [...] a gente no deve se esquecer que essa luta por assegurar regularidade ao financiamento das atividades de cincia e tecnologia, era algo que precedeu a criao da FACEPE e tinha carter nacional, uma dimenso nacional, foi ela que se alimentando, digamos, do que nessa matria j se tinha sido feito desde os anos 50 com a criao do CNPq, com a criao da FAPESP, etc. Mas em 1988 na discusso, nos anos que antecederam constituio, a nova constituio brasileira, ento foi ali que se deu o passo fundamental ao inserir aquele dispositivo, no captulo da cincia e tecnologia da constituio, que permite aos estados a vinculao de parcela de sua receita, ao desenvolvimento... enfim, a financiar a entidade dedicada exclusivamente ao financiamento da cincia e tecnologia. Ento, claro que em Pernambuco, ns podemos sair na frente porque havia gente aqui mobilizada, ligada, competente, mas no se pode dizer que a existncia dessas pessoas e desse movimento, fosse suficiente pra produzir isso, quer dizer, se no houvesse, no tivesse a grande mobilizao nacional e discusso disso na constituio provavelmente a FACEPE no existiria (Diogo Simes, Presidente da FACEPE, 03/01/2012).

    Sem dvida, o depoimento do professor Diogo Simes bastante elucidativo e aponta questes relacionadas FACEPE, as quais se complementam: a Fundao sim resultado de uma ao do campo acadmico nacional (do qual acadmicos pernambucanos faziam parte), que pressionou o campo poltico para a criao de um fundo permanente e regular para a C&T na Constituio Federal de 1988. tambm um desdobramento de lutas histricas oriundas desde a criao do CNPq e da FAPESP. Alm disso, inegvel que em Pernambuco havia um conjunto de pesquisadores(as)

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    vinculados(as) s instituies de ensino e pesquisa locais que estavam mobilizados e que, portanto, se empenharam e intervieram junto ao Poder Pblico em prol da criao de um rgo de fomento estadual. Ou seja, havia no estado uma comunidade cientfica atuante (na atividade de pesquisa) anterior prpria FACEPE, que deu legitimidade e fora para a criao da mesma. Ademais, vale destacar que h dcadas o campo cientfico pernambucano j estava consolidado, nas mais diversas reas, e contava (como ainda conta) com a universidade mais importante do Norte e Nordeste do Brasil, a UFPE.

    Por isso, no -toa que a FACEPE tornou-se a primeira FAP estadual do Nordeste. Esse foi um grande diferencial de Pernambuco (sua comunidade cientfica), pois em outros estados do Nordeste as FAPs foram implantadas anos mais tarde, como o caso da Bahia e de Sergipe10.

    De fato, o papel desempenhado pelo grupo e a autoridade cientfica do mesmo conferiu uma fora mobilizadora interna prpria comunidade acadmica pernambucana, desembocando na implantao de uma FAP estadual no terceiro ano do mandato do governador Arraes (1989). assim que a criao da FACEPE demonstrou a capacidade de interveno da comunidade cientfica local. Nesse sentido, no relato da ex-presidenta da FACEPE Lcia Melo, ela frisou que a referida agncia de fomento [...] foi certamente fruto de grande esforo coletivo envolvendo diversas pessoas da comunidade acadmica de Pernambuco (MELO apud ALMEIDA; CABRAL, 2005, p. 30), e ainda mencionou que a instituio tambm contou com fora da comunidade cientfica externa, a exemplo de Alberto Carvalho da Silva, ento presidente da FAPESP, e que a SBPC teve um lugar de destaque na luta pela criao da FACEPE como tambm das demais fundaes estaduais (MELO apud Idem). As palavras da ex-presidenta elucidaram o sentimento coletivo daquele momento:

    [...] a criao da FACEPE se deu num momento de grande expectativa e otimismo em relao ao crescimento do sistema nacional de Cincia e Tecnologia e ns ramos parte ativa neste movimento. Pernambuco saa na frente liderando esse processo na Regio Nordeste (MELO apud ibidem., p. 32).

    A Constituio do Estado de Pernambuco foi promulgada em 05 de Outubro de 1989, na qual ficou estabelecida no caput do Artigo 203, 3 pargrafo do captulo III, a criao de uma Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia nos seguintes termos: O Estado promover o desenvolvimento cientfico e tecnolgico, incentivando a formao de recursos humanos, a pesquisa bsica e aplicada, a autonomia e a capacitao tecnolgicas, a difuso de conhecimentos, tendo em vista o bem-estar da populao e o progresso das cincias11. No pargrafo 3 especificado: para os fins do disposto neste artigo o Estado criar, com a participao do Conselho Estadual de Cincia e Tecnologia, uma Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia12.

    Em 26 de dezembro de 1989 foi criada a Lei n 10.401, que instituiu a Fundao de Amparo Cincia e Tecnologia do Estado de Pernambuco (FACEPE), um rgo de fomento pesquisa estadual vinculado Secretaria de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA13) de Pernambuco. Com

    10 O estado da Bahia criou a Fundao de Amparo Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) em 27/8/2001. E em Sergipe a Fundao de Apoio Pesquisa e Inovao Tecnolgica do Estado de Sergipe (FAPITEC) foi criada em 12/12/2005. 11 Constituio Estadual de Pernambuco, 2008, p. 104. Disponvel em: http://www.alepe.pe.gov.br/home/index.php. Acesso em: 05 out. 2009. 12 Idem. 13 Foi criada em 1988 e tem como objetivo formular, fomentar e executar as aes de poltica estadual de desenvolvimento cientfico, tecnolgico e de inovao; planejar, coordenar e implementar a poltica estadual de proteo do meio ambiente e dos recursos hdricos; promover e apoiar aes e atividades de incentivo cincia, s aes de ensino superior, pesquisa cientfica e extenso, bem como apoiar as aes de polcia cientfica e medicina legal; alm de instituir e gerir centros tecnolgicos. Em 2010 passou a ser designada de Secretaria de Cincia e Tecnologia (SECTEC) e no mais Secretaria de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente (SECTMA).

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    isso, a FACEPE representou um avano no apenas para o desenvolvimento da C&T, mas tambm para o cenrio de mudanas no universo poltico, social e econmico que Pernambuco vivenciava.

    As atividades da FACEPE tiveram incio em 13 de julho de 1990, passando a ser consideradas fontes para o desenvolvimento do estado (investimentos em tecnologias) e, acima de tudo, uma alternativa para os pesquisadores radicados em Pernambuco, que antes necessitavam recorrer s instituies de fomento nacionais e internacionais, para desenvolverem seus trabalhos, suas pesquisas e instalao de laboratrios.

    As atribuies assumidas pela FACEPE, ao logo de sua histria, revelam seu papel essencial para o campo cientfico pernambucano e a reproduo do habitus do mesmo. No entanto, nunca demais acrescentar que a cultura cientfica existente em Pernambuco no foi construda exclusivamente a partir da criao da Fundao. A existncia de vrias instituies de ensino e pesquisa (estaduais e federais), j consolidadas, contribuiu de forma decisiva para o fortalecimento do campo cientfico e de uma comunidade cientfica local com visibilidade nacional. No entanto, foi a fora deste campo que legitimou, ofertou condies para o surgimento da FACEPE, que por sua vez possibilitou a institucionalizao do fomento pesquisa no estado de Pernambuco e permitiu aos pesquisadores e pesquisadoras recursos financeiros e simblicos para melhor se colocar no campo das disputas no campo ora discutido. No que se refere s instituies de ensino e pesquisa do referido estado, o quadro14 abaixo bastante ilustrativo:

    INSTITUIES DE ENSINO E PESQUISA EM PERNAMBUCO

    INSTITUIO/RGO ANO DE

    CRIAO ESFERA ATIVIDADE

    Faculdade de Direito do Recife15 1827 Federal Ensino

    Instituto Histrico e Geogrfico de Pernambuco 1862 Estadual Cultura

    Escola de Engenharia de Pernambuco 1895 Federal Ensino

    Escola Superior de Agricultura16 1912 Estadual Ensino e Pesquisa

    Faculdade de Medicina do Recife17 1920 Federal Ensino

    Escola de Belas Artes de Pernambuco 1932 Federal Ensino

    Instituto de Pesquisas Agronmicas (IPA) 1935 Estadual Pesquisa

    Instituto Tecnolgico de Pernambuco (ITEP) 1942 Federal Ensino e Pesquisa

    Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) 1946 Federal

    Ensino, Pesquisa e Extenso

    Fundao Joaquim Nabuco (FUNDAJ) 1949 Federal Pesquisa Centro de Pesquisas Aggeu Magalhes - CPqAM/Fiocruz 1950 Federal Ensino e Pesquisa

    Laboratrio Farmacutico do Estado de Pernambuco (LAFEPE) 1966 Estadual Pesquisa

    Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) 1967 Federal

    Ensino, Pesquisa e Extenso

    14 Este quadro foi debatido com mais profundidade na dissertao da autora e intitulada Fazer cincia e fazer-se cientista em Pernambuco: o caso da FACEPE, defendida em junho de 2012. 15 A Faculdade de Direito do Recife foi incorporada UFPE em 1946. Estas informaes encontram-se disponveis em: http://www.ufpe.br/ccj/index.php?option=com_content&view=article&id=210&Itemid=188. Acesso em: 11 mar. 2012 16 Passou a ser denominada UFRPE em 1967. 17 Foi incorporada UFPE em 1946.

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    Universidade de Pernambuco (UPE) 1968 Estadual Ensino, Pesquisa e Extenso Fundao de Hematologia e Hemoterapia de Pernambuco (HEMOPE) 1977 Estadual Pesquisa

    Fonte: Organizao da Autora (SANTOS, Andreia Patrcia dos). Retomando o debate sobre a FACEPE, faz-se necessrio frisar que a histria da FACEPE

    caracterizada tambm pelas dificuldades em cumprir seu papel, sua misso, diante dos limites impostos pela vontade poltica dos governantes. O repasse de recursos destinados para execuo de sua atividade no teve regularidade e a maior parte de sua existncia funcionou de forma insatisfatria, porque no conseguia acompanhar demanda da comunidade cientfica local. Em muitos momentos, no conseguiu cumprir a folha de pagamento para projetos e bolsas aprovadas. Por isso, durante longos perodos sofreu com a falta de credibilidade por parte da referida comunidade, que anteriormente intervieram junto ao poder pblico em prol de sua criao (SANTOS, 2012).

    4. Consideraes Finais Diante do que foi apresentado e discutido, levando em considerao os dados coletados na

    pesquisa dissertativa, possvel chegar a algumas concluses: a) o nascimento da agncia de fomento se deu num contexto nacional, pois havia uma atmosfera propcia para mudanas no pas. No entanto, sem a atuao da comunidade cientfica e a relao com campo poltico daquela poca, sua implantao se daria tardiamente; b) a Fundao alimenta e alimentada por conta da sua relao direta comunidade cientfica local. Pois seu projeto e implantao se concretizaram pela existncia de uma comunidade cientfica j consolidada; c) a FACEPE um lcus de disputas e, portanto, produz e reproduz as leis universais do campo cientfico, considerando a conjuntura em que foi criada.

    5. Referncias Bibliogrficas

    BOURDIEU, Pierre. Razes prticas. Campinas, Papirus, 1996. _____ .Para uma sociologia da Cincia. Lisboa, Edies 70, 2008. ALMEIDA, Maria das Graas Atade Andrade de; CABRAL, Maria de Ftima Cavalcanti. Memorial

    FACEPE 15 anos. Recife, CCS Grfica Editora, 2005. FAPESP: origens e implantao. Estudos Avanados, vol.10, n.28, pp. 200-209, 1996. MOTOYAMA, Shozo (Org.). FAPESP: uma histria de poltica cientfica e tecnolgica. So Paulo,

    FAPESP, 1996. REZENDE, Srgio Machado. Momentos da cincia e tecnologia no Brasil: uma caminhada de 40

    anos pela C&T. Rio de Janeiro, Vieira e Lent, 2010. SANTOS, Andreia Patricia dos. Fazer cincia e fazer-se cientista em Pernambuco: o caso da

    FACEPE. Dissertao (Mestrado em Sociologia-UFS). So Cristvo: NPPCS-UFS, 2012. SCHWARTZMAN, Simon. Um espao para a cincia: a formao da comunidade cientfica no

    Brasil. Braslia: Ministrio da Cincia e Tecnologia, Centro de Estudos Estratgicos, 2001.