Grupo de Trabalho 5: Formação e profissão docente · pensar o futuro. Para Cunha (1997 ......
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AS HISTÓRIAS DE VIDA NA FORMAÇAO DE ALFABETIZADORES
Grupo de Trabalho 5: Formação e profissão docente
Cátia Soares Madaleno Menezes *Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
Eliane Greice Davanço Nogueira **Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul
Resumo: O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a relevância do uso dasnarrativas autobiográficas no desenvolvimento profissional docente de alfabetizadores,conforme Nóvoa (1995), Josso (2006), Souza (2008), Prado (2014) entre outros autores.Trata-se de uma pesquisa em andamento que oportuniza o educador expor suas narrativassobre a sua formação inicial e continuada, a fim de que participe de forma ativa, com o intuitode compreender a sua prática. A presente pesquisa é instaurada na linha: “Linguagem,Educação e Cultura” do Programa de Pós Graduação em Educação, nível de mestrado,ofertado pela Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul (UEMS), unidade universitáriade Paranaíba. As narrativas autobiográficas, aqui enfatizadas, têm como intuito abordar aformação, as condições de trabalho e a compreensão da prática alfabetizadora. O estudo dashistórias de vida aparece como ferramenta para identificar como se constroem, no interior daação educativa, os saberes do cotidiano escolar. Defendemos, também, que o melhor lugarpara os professores construírem suas histórias é o próprio local de trabalho. É no espaçoconcreto de cada escola, em torno de problemas reais, que se desenvolve a verdadeiraformação. Assim sendo, abrimos com uma pequena discussão sobre as narrativasautobiográficas como abordagem eficaz para tornar a história de vida dos educadores emobjeto de estudo, evidenciando seu percurso profissional e pessoal. Em seguida,apresentamos uma pequena discussão sobre a alfabetização e o letramento como fortes aliadospara a formação de leitores críticos e fechamos refletindo sobre o DesenvolvimentoProfissional Docente sobre a ótica de uma narrativa de uma alfabetizadora, rememorando seupercurso de Formação e a contribuição deste para o fazer docente.
Palavras-Chave: História de Vida; alfabetização; Formação de Professores.
ABSTRACT
This article aims to discuss the relevance of the use of autobiographical narratives in teacherprofessional development of literacy as Nóvoa (1995), Josso (2006), Souza (2008), Prado(2014) among other authors. This is an ongoing study that favors the educator present their
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narratives about their initial and continuing education in order to participating actively inorder to understand their practice. This research is established on the line: "Language,Education and Culture" of the Graduate Program in Education, Master's level, offered by theState University of Mato Grosso do Sul (UEMS), university unit Paranaíba. Theautobiographical narratives, here emphasized, have the intention to address the training,working conditions and the understanding of literacy practice. The study of life storiesappears as a tool to identify how to build within the educational activity, the school everydayknowledge. We also advocate that the best place for teachers to build their stories is theworkplace itself. It is in the concrete space of each school, around real problems, whichdevelops real training. Therefore, we open with a short discussion about the autobiographicalnarratives as an effective approach to make the life story of educators object of study,emphasizing their professional and personal path. We then present a short discussion onliteracy and literacy as strong allies to form critical readers and closed reflecting on TeacherProfessional Development on an optical narrative of literacy, reminiscing about his journey oftraining and the contribution of this to teachers do.
Keywords: Life History; literacy; Teacher Training.
INTRODUÇÃO
“Pessoas que sabem as soluções já dadas são mendigos permanentes. Pessoas queaprendem a inventar soluções novas são aquelas que abrem portas até então fechadase descobrem novas trilhas. A questão não é saber uma solução já dada, mas ser capazde aprender maneiras novas de sobreviver.” Rubem Alves
A presente pesquisa originou-se dos anseios de fazer nascer outro tipo de
conhecimento mais próximo das realidades educativas e do cotidiano do professor. As
experiências e estudos sobre histórias de vida no âmbito da profissão docente ilustram bem
toda a complexidade da prática educativa, pois as histórias de vida não se referem apenas ao
passado, mas garantem a direção e a coerência necessárias para cada um agir no presente e
pensar o futuro.
Para Cunha (1997) “trabalhar com narrativas na pesquisa e/ou no ensino é partir para a
desconstrução/construção das próprias experiências tanto do professor/pesquisador como dos
sujeitos da pesquisa e/ou do ensino”.
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É inegável que o trabalho com narrativas autobiográfica contribuem para a formação
de ambos os sujeitos: o narrador e narratário, pois ao ouvir as histórias de vida o narrador
também passa por um processo de transformação ao ser tocado pela a narrativa do sujeito
pesquisado, este por sua vez ao recordar do percurso de formação, também é tocado, através
da rememoração dos percalços pelos quais passou no processo de aprendizagem.
Conforme Cunha (1997) a “perspectiva de trabalhar com as narrativas tem o propósito
de fazer a pessoa tornar-se visível para ela mesma”, gerando processos reflexivos, e uma
possível intervenção na realidade. Souza (2004) evidencia em seu trabalho esta via dupla, de
formação e pesquisa: a dupla função apresentada pela narrativa de formação, como meio
investigativo e pedagógico.
Deste modo, apresentamos no presente artigo a importância do trabalho com história
de vida de alfabetizadores, privilegiando a produção de dados e a ação-reflexão em busca do
conhecimento para compreendermos o fazer docente.
Iniciamos o trabalho apresentando as narrativas autobiográficas de professores
alfabetizadores e sua relevância para a formação de professores, abordando a importância das
narrativas, não só como fonte de dados, mas também como o registro do percurso.
Em seguida, no item alfabetização, iniciamos um estudo sobre a alfabetização e a
necessidade do letramento. Nesta parte abordamos a diferença dos termos e a importância da
fusão de ambos.
Concluímos, discorrendo sobre o Desenvolvimento Profissional Docente, trazendo
para isso uma narrativa de uma professora alfabetizadora, a qual rememora como se constituiu
professora, comprovando a eficácia do trabalho de historias de vida para a formação do
educador.
Para dialogar sobre as narrativas autobiográficas embasamos nos autores: Delory
Momberger (2006.2008.2012), Ferrarotti (2013) , Larrosa (1995), Nogueira (2011) Souza
(2006,2010,2014), Soligo (2014) , Passeggi (2012), Prado (2014) Pineau (1999,2004,2012).
Apresentamos os autores: Morais (2009), Ferreiro (1986), Teberosky (1986), Soares
(2004/2006), para tratarmos sobre o tema: Alfabetização e Letramento.
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Sobre o desenvolvimento profissional docente embasamos nos autores: Canário
(1994), Furlanetto (2003), Nóvoa (1995, 1997,2000), Tardif (2000/2004), Prado (2014).
AS HISTÓRIAS DE VIDA E SUA IMPORTÂNCIA PARA A FORMAÇÃODOCENTE
“ Ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminhocaminhando, refazendo e retocando o sonho pelo qual se pôs a caminhar.”
Paulo Freire
A opção pela abordagem: história de vida está relacionada ao desejo de entender o
educador, as impressões, as recordações escolares de momentos significativos se apresentam
como um recurso valioso para reflexão de formação de professores, pois retratam situações
que podem servir como parâmetro para análise e compreensão da prática pedagógica e das
relações vivenciadas no cotidiano escolar.
As pesquisas trazem consigo uma carga de valores, de preferências, de princípios que
orientam o pesquisador. Por isso, a visão de mundo deste, assim como os referenciais iniciais
e os fundamentos para a compreensão e explicação do mundo influenciam na escolha de uma
abordagem metodológica.
A utilização das narrativas como método investigativo vem sendo utilizada nas
ciências sociais e na área da educação, sobretudo pela complexidade que envolve as pesquisas
educacionais. O papel da narrativa como meio de conhecimento é valorizado há muito tempo
por diversas disciplinas como a história, a psicologia, a filosofia, a linguística, a antropologia
ou a literatura (REIS, 2008).
Dominicé (2010, p.199), ressalta que:
[..] a história de vida é outra maneira de considerar a educação. Já não se trata deaproximar a educação da vida, como nas perspectivas da educação nova ou dapedagogia ativa, mas de considerar a vida como o espaço de formação. A história devida passa pela família. É marcada pela escola. Orienta-se para uma formaçãoprofissional, e em consequência beneficia de tempos de formação continua. Aeducação é assim feita de momentos que só adquirem o seu sentido na história deuma vida.
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O processo de formação através de histórias de vida apresenta-se como uma
abordagem que reconhece os saberes subjetivos e adquiridos nas experiências e nas relações
sociais, sendo ela a própria história de formação de cada sujeito.
Segundo Pineau ( 2006) as histórias de vida estimulam a autoformação e promove a
tomada de consciência individual e coletiva ; coloca o sujeito da formação como ator e
investigador de seus processos, o que o possibilita avançar de uma perspectiva de consumo do
saber produzido pelos outros, autorizando-o a ser produtor de seus próprios saberes.
Diante disso, entendemos que esta abordagem auxilia ao educador a conhecê-lo,
entender suas limitações e assim avançar de forma eficaz no seu desenvolvimento profissional
docente.
No campo da educação as narrativas têm sido utilizadas: a) na construção de
conhecimentos e no desenvolvimento de capacidades e atitudes; b) no desenvolvimento
pessoal e profissional de professores; e c) na investigação educativa (CLANDININ e
CONNELLY, 1991; EGAN, 1986; GALVÃO, 2005; PRESKILL e JACOBVITZ, 2001;
ROLDÃO, 1995).
Vários são os teóricos de âmbito internacional que tem como objeto de pesquisa o uso das
narrativas, seja por entrevistas narrativas, uso de memoriais, pesquisas (auto) biográficas. Em
âmbito nacional, um dos nomes que destaca entre os pesquisadores desta área é Souza (2006,
p. 3) que ressalta:
[...] as pesquisas (auto) biográficas tem se consolidado como perspectiva depesquisa e como práticas de formação, tendo em vista a oportunidade que remetetanto para pesquisadores, quanto para sujeitos em processo de formação narraremsuas experiências e explicitarem, através de suas narrativas orais e/ou escritas,diferentes marcas que possibilitam construções de identidades pessoais e coletivas.
Para Delory-Momberguer (2012, p.523) “a prática de histórias de vida em formação
fundamenta-se sobre a ideia de apropriação que o indivíduo faz de sua própria história ao
realizar a narrativa de sua vida”.
Como dizem Connely y Clandinin (1995, p. 11):
A razão principal para o uso da narrativa na investigação educativa é que nós sereshumanos somos organismos contadores de historias, organismos que, individual esocialmente vivemos vidas relatadas. O estudo das narrativas, portanto, é o estudoda forma pela qual os seres humanos experimentamos o mundo. Desta ideia geral se
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deriva a tese de que a educação é a construção e a reconstrução de histórias pessoaise sociais.
O educador ao narrar sua história de vida, poderá utilizar essa autorreflexão para
replanejar ações futuras, tendo em vista seu desenvolvimento profissional e pessoal.
Nóvoa (1995) apresenta em seu trabalho a importância dos estudos sobre a vida dos
professores através do uso das narrativas como um avanço, trazendo ao centro das discussões
a figura do docente, até então, pouco estudada.
[...] a literatura pedagógica foi invadida por obras e estudos sobre a vida dosprofessores, as carreiras e os percursos de formação, as biografias e autobiografiasdocentes ou o desenvolvimento pessoal e profissional; trata-se de uma produçãoheterogênea, de qualidade desigual, mas que teve mérito indiscutível: recolocar osprofessores no centro dos debates educativos e das problemáticas de investigação.(NÓVOA, 1995).
Podemos afirmar, nesse ponto, que um novo pensar de formação vem sendo apontado,
ou seja, aquele no qual se entende que a formação do docente inicia-se anteriormente ao
ingresso nos cursos de licenciatura e continua posteriormente ao término da graduação.
A pesquisa com narrativas então, pode fazer mais do que simples levantamento de dados,
gerar a formação de quem participa da pesquisa, uma vez que conforme Souza (2006, p.5):
A escrita da narrativa potencializa no sujeito o contato com sua singularidade e omergulho na interioridade do conhecimento de si, ao configurar-se como atividadeformadora porque remete o sujeito para uma posição de aprendente e questiona suasidentidades a partir de diferentes modalidades de registro que realiza sobre suasatividades experienciais.
Nesta perspectiva, ao pensar educação a partir da articulação entre experiência/sentido
é fundamental, pois segundo Larrosa (2002) mesmo que vivamos muitos acontecimentos em
nossa trajetória de vida, poucas coisas nos tocam significativamente , e isso acontece por
estarmos envolvidos em um movimento intenso de busca de informações , excesso de
trabalho, uma rotina pesada que nos impede de parar e rememorar.
A construção de narrativas por professores propicia momentos de reconstrução de
suas práticas e possibilidade de intervenção no seu dia a dia.
Como diz Josso (2006, p.373): “A história de vida é, assim, uma mediação do
conhecimento de si em sua existencialidade, que oferece à reflexão de seu autor
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oportunidades de tomada de consciência sobre diferentes registros de expressão e de
representações de si, assim como sobre as dinâmicas que orientam sua formação”.
Nogueira e Melim (2013, p.98) afirmam que:
Considerar as narrativas autobiográficas na formação e na pesquisa docente temampliado o debate em torno da complexidade que envolve as discussões sobre aspráticas educativas e a formação docente, sendo que esse tipo de enfoque vemcrescendo nas comunidades formadoras de professores.
Fazendo jus a defesa de se trabalhar com histórias de vida no desenvolvimento
profissional de alfabetizadores, o presente trabalho traz a importância desta abordagem, a qual
possibilita a escuta dos professores nos seus anseios, além de ressignificar suas práticas
através da visão distanciada e reflexão.
Para o pesquisador, a utilização das narrativas pressupõe uma pesquisa em que a
escrita ocorra ao longo do processo, que segundo Soligo, Simas e Prado (2014) “não é apenas
uma forma final de registro, mas um percurso privilegiado também de produção de dados e de
ação-reflexão [...]”.
Em outras palavras, o pesquisador, suas experiências - de investigar e escrever – e ocontexto da pesquisa modificam ele próprio, as experiências que vão acontecendo eo contexto, sempre dialeticamente, em todo o percurso. Por isso, ainda que se tenha“uma questão a compreender” e um plano esboçado de navegação para tanto, nuncase saberá ao certo o lugar de chegada até lá chegar. Nossa convicção é de que oexercício da reflexão por escrito “no durante” potencializa substancialmente atomada de consciência, e de decisões, o que nem sempre ocorre quando o registro érealizado ao final, depois de desenvolvida a pesquisa. (Soligo, Simas, Prado, 2014,p.11).
Segundo Ferrarotti (2014) o pesquisador que se propõe a trabalhar com a abordagem
autobiográfica está completamente implicado no campo do seu objeto que é ele próprio,
modificado em virtude de sua posição nesse campo, pois quando se trata de Ciências
Humanas só sabemos juntos com outros.
As narrativas ajudam-nos a colocar ordem à nossa experiência e a dar sentido aos
acontecimentos de nossa vida. A história é a maneira como organizamos e traduzimos para o
outro aquilo que reconhecemos em nossa memória.
Benjamin afirma que:
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[...] A verdadeira imagem do passado perpassa, veloz. O passado só se deixa fixar,
como imagem que relampeja irreversivelmente, no momento em que é reconhecido
[...] irrecuperável é cada imagem do presente que se dirige ao presente, sem que esse
presente se sinta visado por ela (apud CATANI et al, 2003, p. 15).
Neste sentido as pessoas são, ao mesmo tempo, agentes e narradores de suas
narrativas. A possibilidade de cada pessoa produzir sua história possibilita a mudança de
paradigmas. A concepção de que nossa memória tem valor social nos potencializa como
agentes de nossa própria história, resgatar histórias de vida possibilita reflexões fundamentais
para a formação do educador.
Ainda conforme Benjamin (1985)
[...] o passado traz consigo um índice misterioso, que o impele à redenção. Pois nãosomos tocados por um sopro do ar que respiramos antes? Não existem nas vozes queescutamos, ecos de vozes que emudeceram? [..] Alguém na terra está a nossa espera.Nesse caso, como a cada geração, foi-nos concedida uma frágil força messiânicapara a qual o passado dirige um apelo. Esse apelo não pode ser rejeitadoimpunemente. O materialista histórico sabe disso. (p.223)
Portanto a centralização nas histórias de vida como abordagem na formação do
professor nos possibilita reconhecer os saberes subjetivos adquiridos nas experiências e nas
relações sociais e com isso sermos capazes de empreender outras possibilidades de formação
aos professores.
UM INÍCIO DE CONVERSA SOBRE ALFABETIZAÇÃO E O LETRAMENTO
“ Ai, palavras, ai, palavras, / que estranha potência a vossa!Todo o sentido da vida /principia à vossa porta;o mel do amor cristaliza/ seu perfume em vossa rosa;sois o sonho e sois a audácia, / calúnia, fúria, derrota...”
Cecília Meireles
Alfabetização e letramento são dois processos diferentes, mas ao mesmo tempo
indissociáveis cada um com suas especificidades. Podemos dizer que alfabetização é o
processo de aquisição do código da escrita, já o letramento é o desenvolvimento das práticas
sociais da língua.
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Soares (2004) afirma que a criança deve perceber que aquilo que ela está aprendendo
tem uso, é muito importante realizar as duas coisas: Letramento e alfabetização.
O termo alfabetização para Soares (2007) significa: levar à aquisição do alfabeto, ou
seja, ensinar a ler e a escrever, aquisição do código alfabético e ortográfico. Embora então,
uma pessoa alfabetizada saiba ler e escrever, o domínio da língua e o uso social da
apropriação da escrita necessita também do que se chama letramento. Soares (2003) afirma
que:
As pessoas se alfabetizam, aprendem a ler e a escrever, mas não necessariamenteincorporam a prática da leitura e da escrita, não necessariamente adquiremcompetência para usar a leitura e a escrita, para envolver-se com as práticas sociaisde escrita [...]. (SOARES, 2003, p. 45-46).
Morais (2012) coloca que tem evitado utilizar as expressões: código, decodificar,
codificar, pois advoga que elas veiculam uma imagem errônea e simplificada do trabalho
cognitivo que as crianças precisam fazer para se alfabetizar.
Para o autor a tarefa do alfabetizando não é de aprender um código é sim apropriar-se
de um sistema notacional, apropriação esta que deve acontecer aliada à vivência cotidiana de
práticas de leitura e escrita.
A autora Emilia Ferreiro (1986) defende o conceito de alfabetização como o processo
de aprendizagem da língua escrita. Essa aprendizagem considerada “aprendizagem
conceitual”, dá-se por meio da interação entre o objeto de conhecimento (a língua escrita) e o
sujeito (que quer conhecer).
As principais características do pensamento de Emilia Ferreiro consistem na
constatação de que as crianças possuem capacidades de desenvolver raciocínios e concepções
sobre o sistema de escrita, utilizando-as para entender o mecanismo de funcionamento da
língua escrita no processo de alfabetização. Nesta fase, as crianças reconstroem o
conhecimento sobre a língua escrita, através de uma elaboração pessoal, a qual se dá por
etapas, cada uma delas representando uma fase primordial do processo.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais utilizam a linha construtivista para a
alfabetização. O construtivismo surgiu na década de 80, a partir de Ana Teberowsky e Emília
Ferreiro, as quais defendem que a escola deve valorizar o conhecimento que o aluno tem antes
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de ingressar na instituição. Os estudiosos desta linha não concordam com a utilização de um
único material para todas as crianças, rejeitam a prioridade do processo fônico e defendem
que as escolas, durante o processo de alfabetização, devem utilizar textos que estejam
próximos do universo da criança.
Diante da realidade que vivenciamos em sala de aula notamos que não basta ser
alfabetizado é preciso trabalhar as práticas sociais, onde se usa a leitura e a escrita, enfim o
letramento é uma ferramenta primordial, para que os nossos alunos possam não só
decodificar, soletrar, mas também vivenciar a experiência de conviver com os diversos tipos
de textos. Não apenas textos isolados, de cartilhas, sem ter relação com o mundo da criança,
já que como afirma Bakhtin (2006) toda linguagem só existe num complexíssimo sistema de
diálogos, que nunca se interrompe. Para Bakhtin o enunciado não é um conceito puramente
formal; um enunciado é sempre um acontecimento. Ele requer uma situação histórica
definida, atores sociais plenamente identificados, o compartilhamento de uma mesma cultura
e o estabelecimento necessário de um diálogo.
Soares (2003) ressalta que:
Tornar-se letrado traz, também consequências linguísticas: alguns estudos têmmostrado que o letrado fala de forma diferente do iletrado e do analfabeto; porexemplo: pesquisas que caracterizam a língua oral de adultos antes de seremalfabetizados e a comparam com a língua oral que usavam depois de alfabetizadosconcluíram que, após aprender a ler e a escrever, esses adultos passaram a falar deforma diferente, evidenciando que o convívio com a língua escrita teve comoconsequências mudanças no uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e novocabulário. (SOARES, 2003, p. 37)
É inegável, portanto, que a alfabetização traz mudanças significativas para a vida
social do individuo, independente de nomenclaturas utilizadas para apropriação da leitura e a
escrita é importante que se compreenda o processo de alfabetização considerando a
necessidade de se proporcionar situações reais de comunicação.
Diante disso, podemos então compreender que não basta apenas alfabetizar a criança
levando a conhecer a língua, mas tomar posse dela e contextualizá-la em diferentes práticas
sociais.
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UM REMEMORAR DO FAZER DOCENTE
"Talvez eu seja um pouco de tudo que já li. Um pouco de tudo que meu olhar jáaprendeu do mundo. Um pouco das belas músicas. Um pouco daqueles que me sãoqueridos. Um pouco de múltiplos sentimentos e algumas fraquezas. Talvez eu sejaum pouco do que você deixou em mim, mas em essência, o muito da minhaessência, é algo delicado e misterioso…"
Rubem Alves
É importante frisarmos que o contexto atual solicita um educador bem diferente de
tempos atrás, no qual se precisava apenas dominar o conteúdo e ter didática, para se tornar
um professor de sucesso e desta forma permanecia-se até a aposentadoria.
Furlanetto afirma que: “refletir não é um exercício linear, envolve além da razão a
nossa emoção; articula conteúdos inconscientes, criativos e defensivos que ora nos
possibilitam, ora nos dificultam os movimentos de ampliação da consciência” (2007, p.23).
Diante disso, justificamos a escolha em trabalharmos com histórias de vidas na
formação de professores, pois acreditamos que os professores que somos são tocados pelas
experiências que passamos no decorrer de nossa caminhada, mesmo antes de adentramos
uma instituição escolar.
Neste capitulo apresentamos a análise de uma narrativa docente, a qual narrará a
história de vida de uma professora alfabetizadora, que descreverá em um breve memorial a
seguinte questão: “Como constitui - se professora”.
A professora que narra a sua autobiografia é Kmaneiro (pseudônimo escolhido pela
educadora), uma professora alfabetizadora iniciante da rede municipal de ensino da cidade
de Lagoa Santa, estado de Goiás.
Kmaneiro ministra aulas na terceira série do Ensino Fundamental na Escola Municipal
Professor Guilherme Queiroz Figueira. A educadora é graduada em Letras e Pedagogia e
ministra aulas há 3 anos, porém este é o primeiro ano que trabalha em uma sala de
alfabetização, ela afirma estar animada com a nova experiência.
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A educadora faz parte de um grupo de estudo dentro da unidade escolar, o qual é
chamado pelas educadoras de Grupo da Alfabetização. Os encontros acontecem de quinze
em quinze dias, nos quais são priorizadas teorias e sua significação na prática das
professoras alfabetizadoras.
As histórias de vida permitem obter informações na essência subjetiva da vida de uma
pessoa. O método autobiográfico utiliza-se das trajetórias pessoais no âmbito das relações
humanas, permite nos conhecer as informações contidas na vida pessoal do educador,
fornecendo uma riqueza de detalhes, dando liberdade para narrador dissertar livremente
sobre uma experiência pessoal em relação ao que está sendo indagado pelo narratario.
Kmaneiro inicia seu memorial recordando da sua infância, de quando nasceu o desejo
de ir para a escola, como podemos observar no excerto abaixo, retirado do memorial da
educadora:
Quando completei cinco anos de idade entrei na pré-escola, não foi fácilconvencer minha mãe que me considerava pequena demais para pegar um ônibus demadrugada até chegar na escola, mas a convenci prometendo que largaria damamadeira se me levasse para a escola. Tive palavra de gente grande, pois nuncamais pedi o meu famoso “tetê”.
Observamos o desejo da educadora, desde muito pequena, de frequentar a escola. Em
entrevista com a educadora, ficamos cientes que ela morava na zona rural e a instituição
era localizada na zona urbana. Os alunos eram todos transportados para a cidade.
Esta realidade era sacrificante, porém Kmaneiro já amava a escola, segundo Catani e
Bueno, (2000, p.168) ao "abordar a identidade implica, necessariamente, falar do eu, bem
como das formas pelas quais o sujeito rememora suas experiências e entra em contato
consigo mesmo”. Ressaltam ainda, que as recordações mais significativas são aquelas que
carregam significados adquiridos em sua vida prática, na maioria das vezes, nas relações
de interações com os outros.
Furlanetto (2007, p 05) afirma :
Como todo ato de amor, aprender nos toca visceralmente. Quem não se lembra doaperto no coração, da alegria que flui do brilho no olho, quando vemos pela primeiravez o que esteve sempre ali, quando deciframos o oculto, quando percebemos um
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pequeno detalhe? Dessa forma, quando aprendemos, entregando-nos aos sinais e,lendo os indícios, transcendemos e descobrimos outros níveis de realidade, quepermitem que estabeleçamos conexões e reinventemos sentidos, recriando-nos nesse
processo.
A educadora aqui pesquisada narra o quando este sentimento primordial de aprender o
tocou. Esta realidade podemos observar no excerto abaixo:
“Minha professora da pré-escola era assim, contagiante, um encanto, docee amável, um modelo a ser seguido. Durante as aulas eu sempre pensava “quandocrescer eu quero ser professora igualzinha a ela”.
Dessa forma, podemos observar que o excerto apresentado nos revela que o início da
escolarização foi um momento significativo para a educadora, o qual despertou
sentimentos positivos, nos quais são enunciadas a importância da escola, o aconchego e a
saudade. Ao mencionar a professora encantadora e doce revela que o início da
escolarização desencadeia lembranças boas.
Segundo Furlanetto (2007) as relações vivenciadas com o pai que ajudava a fazer as
lições de casa, com a tia, que era professora e que adorava contar histórias, o medo da
professora de Língua Portuguesa que corrigia os cadernos de vermelho, foram sendo
incorporados e também ajudaram a compor o professor que somos.
Kmaneiro ressalta que a situação vivenciada na infância levou-a ao desejo de ser
professora, neste sentido comprova que o professor que tivemos constitui o professor que
somos.
Nóvoa (1992) reforça a importância do trabalho com narrativas autobiográficas
afirmando que o processo de formação de professores, deveria significar a apropriação de
sua história de vida. Isto, portanto, vem comprovar que o trabalho com as histórias de vida
na formação do professor se apresenta como um valioso instrumento, isto é, desde que
conduzido no sentido de propiciar a reflexão crítica, bem como, uma formação que
conduza a conscientização do ser professor.
Em síntese, como aponta Souza (2008, p. 95),
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(…) a pesquisa com narrativas (auto)biográficas ou de formação inscreve-se nesteespaço onde o ator parte da experiência de si, questiona os sentidos de suasvivências e aprendizagens, suas trajetórias pessoais e suas incursões pelasinstituições, no caso, especificamente a escola, pois as nossas histórias pessoais sãoproduzidas e intermediadas no interior e no cotidiano das práticas sociaisinstitucionais e institucionalizadas.
A professora pesquisada comprova esta colocação de Souza, como podemos observar
no excerto abaixo:
“Nunca vou me esquecer de que quando chegava o horário das aulas e a professoraestava vindo para a sala, da janela ela falava bem alto “abram o livro que vamos darcontinuidade na atividade, não podemos perder tempo”. Somente depois depronunciar estas palavras ela seguia o percurso e entrava na sala para ministrar suaaula. Acredite, eu faço isso muitas vezes com meus alunos, mesmo sem perceber.”
A experiência vivenciada pela professora enquanto aluna ajudou a constituir a
educadora que é, podemos notar que ela inconscientemente repete o comportamento da antiga
professora com seus alunos em sala.
Diante do excerto acima podemos afirmar que compreender a história de vida e a
própria trajetória apresenta-se como uma valiosa abordagem na formação de professores, pois
ao rememorar acontecimentos, podemos refletir teoricamente, enfocando no verdadeiro papel
do professor. O educador que vivenciou certas situações em sua escolarização poderá buscar
meios de não reproduzi-las, ou preservá-las em situações da prática pedagógica.
.
CONCLUSÃO
“Educar-se é impregnar de sentido cada momento da vida, cada ato cotidiano.” Paulo Freire
Durante este trabalho apresentamos a importância de se trabalhar com histórias de vida de
professores alfabetizadores iniciantes, pois acreditamos que dar a palavra ao professor, ouvir
suas experiências, angústias, pode contribuir de maneira eficaz, para o desenvolvimento
pessoal e profissional.
Josso (2008, p. 27) enfatiza relevância do trabalho dizendo que:
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A história de vida narrada é assim uma mediação de conhecimento de si em suaexistencialidade, que oferece à reflexão de seu autor oportunidades de tomada deconsciência sobre seus diferentes registros de expressão e de representações de si,assim como sobre as dinâmicas que orientam a formação.
Na formação do professor existem momentos que podem unir saberes da experiência, que
oferecem a construção de novos significados ao fazer docente, permitindo a formação de um
educador sensível diante dos desafios atuais.
Portanto as autobiografias devem fazer parte deste cenário do desenvolvimento
profissional docente, pois permitem a reflexão de nossas ações, evidenciando momentos
singulares que refletem diretamente na prática do educador.
REFERENCIAS
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