Grinover - Novas Tendências Em Matéria de Ações Coletivas Nos Países de Civil Law

download Grinover - Novas Tendências Em Matéria de Ações Coletivas Nos Países de Civil Law

of 13

Transcript of Grinover - Novas Tendências Em Matéria de Ações Coletivas Nos Países de Civil Law

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    1/13

    NOVAS TENDNCIAS EM MATRIA DE AES COLETIVAS NOS PASES DECIVIL LAW

    Revista de Processo | vol. 157 | p. 147 | Mar / 2008Doutrinas Essenciais de Processo Civil | vol. 9 | p. 1101 | Out / 2011DTR\2008\192

    Ada Pellegrini GrinoverProfessora Titular de Direito Processual na USP.

    rea do Direito:CivilResumo:So analisadas as tendncias atuais, em muitos pases de civil law, quanto s aescoletivas. Mencionam-se, neste texto, aspectos relativos a haver lei especfica tratando de aescoletivas, a haver projeto de lei, a haver s alguns artigos tratando do assunto; legitimidade ativa, coisa julgada e a outros pontos relevantes.

    Palavras-chave: Class actions - Aes coletivas - Opt in - Opt out - Coisa julgada coletiva - Aocoletiva passiva - Representao adequada - Adequacy of representationRiassunto:Sono analizzate attuali tendenze, in molti paesi che seguono la "civil law", riguardanti leazioni collettive. Vengono menzionati, in questo testo, aspetti relativi all'esistenza di legge specifica

    trattando di azioni collettive, all'esistenza di un progetto di legge, all'esistenza di solo alcuni articolitrattando dell'argomento; alla legittimit attiva, alla cosa giudicata e ad altri punti rilevanti.

    Parole chiave: Class actions - Azioni collettive - Opt in - Opt out - Cosa giudicata collettiva - Azionecollettiva passiva - Rappresentazione adeguata - Adequacy of representationSumrio:1.O relatrio geral para o XIII Congresso Mundial de Direito Processual- 2.O pano de fundo - 3.As novas tendncias - 4.Concluses1. O relatrio geral para o XIII Congresso Mundial de Direito Processual

    Designada pela "International Association of Procedural Law" para o relatrio geral sobre aescoletivas nos pases de civil law, apresentado no XIII Congresso Mundial da referida Associao(setembro de 2007, Salvador, Brasil), solicitei previamente relatrios nacionais, recebendo-os de 25relatores nacionais e 2 transnacionais, assim enumerados:

    A - Europa

    1 - Alemanha Burkhard Hess

    2 - Austria Walter Rechberger

    3 - Blgica Piet Taelman

    4 - Dinamarca Eva Smith

    5 - Espanha Jos Luis Vzques Sotelo

    6 - Frana Loc Cadiet

    7 - Holanda Daan Hasser

    9 - Itlia Andrea Giussani

    10 - Noruega Tore Schei

    11 - Portugal Carlos Manuel Ferreira da Silva

    12 - Rssia Dmitry Maleshin

    13 - Sucia Henrik Lindblom

    14 - Suia Samuel P. Baumgartner

    15 - Unio Europia Sergio Chiarloni

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 1

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    2/13

    B - Amrica Latina

    1 - Argentina Enrique M. Falcn

    2 - Brasil Carlos Alberto Salles

    3 - Chile Claudio Meneses Pacheco

    4 - Colmbia Ramiro Bejarano Guzmn

    5 - Costa Rica Sergio Artavia Barrantes

    6 - Mxico Jos Ovalle Favela

    7 - Paraguai Adolfo Duarte Pedro

    8 - Peru Anbal Quiroga Len

    9 - Uruguai Santiago Pereira Campos

    10 - Venezuela Carlos J. Sarmiento Sosa11 - Cdigo Modelo de

    Processos Coletivos

    para Ibero-Amrica: Ada Pellegrini Grinover

    C - Outros

    1 - Israel Stephen Goldstein

    2 - Japo Masaaki Haga

    Dos cuidadosos e exaustivos relatrios elaborados pelos relatores nacionais possvel extrair as

    novas tendncias em torno dos processos coletivos nos diversos pases pertencentes ao sistema decivil law. Vinte e seis relatrios representam mais do que uma mera amostragem, permitindo aanlise exauriente tanto da situao atual (na lei, na doutrina e na jurisprudncia), como da evoluoque desponta nesses pases. Mais do que de tendncias, talvez j se possa falar, pelo menos paraalguns aspectos, num caminho evolutivo.

    Por outro lado, os relatrios nacionais permitem agrupar os diversos pases de civil lawconforme aseguinte tipologia:

    a - Pases que apresentam um verdadeiro sistema de processo coletivos.

    Brasil, Colmbia, Israel, Noruega, Portugal e Sucia, alm das Provncias de Catamarca e Rio Negro(Argentina), so os pases (ou Provncias) que apresentam um verdadeiro sistema de processoscoletivos.

    b - Pases que contam com algumas disposies ou tcnicas em matria de processos coletivos.

    Existem pases que, embora no contem com um verdadeiro sistema de processos coletivos,fundamentam esses processos, para toda e qualquer matria, em dispositivos constitucionais e/oulegais, ou at mesmo se servem do litisconsrcio - ativo e passivo - para abrigar demandas coletivas.Esses pases so: Argentina, Blgica, Costa Rica, Dinamarca, Holanda, Japo, Peru, Rssia,Venezuela e Uruguai.

    c - Pases que apresentam leis setoriais em matria de processos coletivos.

    Em alguns pases, no existem um sistema ou disposies esparsas sobre os processos coletivosem geral, mas sim leis ou dispositivos setoriais que prevem processos coletivos em matriasdeterminadas so Alemanha, ustria, Espanha, Frana, Itlia, Sua, Chile, Mxico, Paraguai e

    Venezuela.

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 2

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    3/13

    d - Pases onde existem projetos de lei.

    Diversos relatrios descrevem os projetos de lei existentes em seus pases, ou discusses em tornoda introduo de sistemas de processos coletivos. Trata-se de ustria, Costa Rica, Blgica, Brasil,Dinamarca, Frana, Japo e Sua.

    2. O pano de fundo

    Hoje, tranqilo na legislao, na doutrina e na jurisprudncia da maioria pases de civil law oreconhecimento de duas espcies de direitos coletivos (em sentido amplo): i) os direitos difusos, denatureza indivisvel, de que so titulares coletividades de pessoas indeterminadas; ii) os direitosindividuais homogneos (na terminologia ibero-americana), divisveis, de que so titulares pessoasdeterminadas, que podem ser levados justia em aes pessoais, mas que tambm podemreceber um tratamento processual coletivo.

    Por isso mesmo observou agudamente o processualista brasileiro Barbosa Moreira que os direitosdifusos so ontologicamente coletivos, enquanto os individuais homogneos so coletivos sacidentalmente, porque podem ser processualmente tratados de maneira coletiva.

    Mais uma distino releva fazer: s vezes, os direitos difusos pertencem a pessoas indeterminadas eindeterminveis, uma vez que inexiste qualquer relao jurdica-base que una os membros do grupo:so os direitos relativos qualidade de vida, como os prprios do meio ambiente, dos consumidores,dos usurios de servios pblicos, etc. Por outras, os titulares, embora indeterminados, sodeterminveis, porque ligados por uma relao jurdica, existente entre os membros do grupo (comoa pertinncia a uma associao, a uma entidade de classe, etc.) ou entre cada membro do grupo e aparte contrria (como na relao tributria, ou no caso de uma instituio de ensino, em que cadaqual tem uma relao jurdica com o fisco, ou com a escola).

    Os direitos da primeira espcie so osdifusosem sentido estrito, enquanto os do segundo grupo sodenominados coletivos, tambm stricto sensu. Embora o tratamento processual dos direitos difusos ecoletivos seja idntico, a observao feita porque nos relatrios dos pases ibero-americanos essaterminologia aparece freqentemente e poderia suscitar dvidas no leitor pertencente a outra cultura

    jurdica.

    Seja como for, o que importante salientar que existem dois gneros da espcie direitostransindividuais, objeto de processos coletivos: de um lado, os direitos difusos (em algunsordenamentos subdivididos em difusos e coletivos) e os que chamaremos, adotando a terminologiaibero-americana, individuais homogneos.3. As novas tendncias

    Antes de mais nada, preciso observar que as aes coletivas, nos pases de civil law, em geralainda no alcanaram o estgio de amadurecimento e evoluo das class actions norte-americanas,mas a tendncia no sentido de cada vez mais pases criarem verdadeiros sistemas de processoscoletivos.

    Outra observao importante a de que os pases de civil law no adotam as mesmas tcnicas

    utilizadas nas class actions, cunhando institutos prprios, mais aderentes aos princpios de seussistemas processuais. Os esquemas da legitimao ativa no seguem o modelo norte-americano,contemplando a titularidade da ao por parte de rgos pblicos, ao lado da iniciativa privada. Estfreqentemente prevista a atuao de instituies pblicas para o controle dos processos coletivos,atribuindo-lhes tambm as funes de assumir a titularidade da ao em caso de abandono doprocesso ou de desistncia infundada. No se prev qualquer instituto parecido com o pre-trialdiscovery (disclosure). Para a tutela dos direitos individuais homogneos, critica-se a tcnica daindenizao global a ser dividida igualmente entre todos os beneficirios, por fugir das regras daresponsabilidade civil, que prev a indenizao pelos danos sofridos; e tambm se critica o opt out,considerado por muitos inconcilivel com os princpios e garantias de seus processos, preferindo oopt in ou uma combinao dos dois critrios, deixando o opt out para casos residuais (em geral, paracausas de pequeno valor econmico, em que no h interesse dos membros do grupo em participardo processo). Os pases ibero-americanos caminham para a tcnica da coisa julgada secundum

    eventum litis.

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 3

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    4/13

    Especificamente em relao s novas tendncias, parece importante realar as tendnciasexistentes em trs outros campos: i) o objeto dos processos coletivos, ou seja os bens tutelados(direitos difusos, coletivos e individuais homogneos); ii) as aes cabveis para a tutela jurisdicionalcoletiva e iii) os esquemas do processo civil individual utilizados para a tutela coletiva.

    o que se passa a verificar.3.1 Direitos tutelados

    Alguns ordenamentos de civil laws contemplam a tutela dos direitos difusos e coletivos: so eles osda ustria, Chile, Peru, da Provncia de Catamarca (Argentina) e do Uruguai. Mas o relatrio daustria preconiza que a tutela se estenda aos direitos individuais homogneos.

    Somente tratam dos direitos individuais homogneos a Provncia argentina de Rio Negro (mas estprestes a ser sancionada uma lei sobre a tutela dos direitos difusos e coletivos) e os projetos de leide Costa Rica e Frana. Os projetos de lei da Itlia cuidam da defesa desses direitos, mas as leisvigentes tratam tambm da tutela dos interesses difusos e coletivos.

    V-se da que a grande maioria dos pases, em seus processos coletivos, compreende seja a defesa

    dos direitos difusos e coletivos, seja a dos individuais homogneos.Assim, pode-se afirmar que o caminho evolutivo - mais que uma tendncia - mostra a conscinciacada vez mais acentuada de que objeto da tutela coletiva deva abranger quer os direitos difusos ecoletivos, de titularidade indeterminada, coletivos por natureza, quer os individuais, pertencentes aosmembros do grupo, quando homogneos.3.2 As aes cabveis

    As diretivas da Unio Europia (UE) - em apenas dois pases - s contemplam aes coletivasvoltadas exclusivamente para as obrigaes de fazer ou no fazer, como a tutela inibitria da Sua eda Itlia, para os interesses difusos e coletivos. No entanto os demais pases contemplam todas asespcies de ao para a tutela dos direitos transindividuais.

    A previso expressa no Brasil e no Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica.Este dispe, sob a rubrica de " Efetividade da tutela jurisdicional": "Para a defesa dos direitos einteresses protegidos por este cdigo so admissveis todas as espcies de aes capazes depropiciar sua adequada e efetiva tutela" (art. 4.).

    No h dvida, portanto, de que a realidade j se encarregou de estender a tutela jurisdicionalcoletiva a todos os tipos de demandas.3.3 Os esquemas do processo civil individual utilizados para a tutela coletiva

    Alguns pases, que no dispem de verdadeiros processos coletivos, utilizam as tcnicas doprocesso civil individual, com algumas inovaes, para a tutela dos direitos transindividuais.

    O esquema do litisconsrcio(joint actions) utilizado na ustria, Blgica, Dinamarca (at a entradaem vigor do DA, prevista para 01.01.2008), Japo (com a multi party litigation), Rssia e Sua e,parcialmente, no Paraguai.

    O Japo prev, ainda, diversas outras tcnicas para contornar o problema da falta de processoscoletivos: aappointed party, que consiste em escolher entre as partes um representante, que conduza demanda em benefcio de todas as outras; e o assigning a common attorney, em que as partesconcordam em ser patrocinadas por um nico advogado, que organiza o grupo, figurando seusmembros como partes. Mas para isso doutrina e jurisprudncia tiveram que amoldar os conceitosclssicos de legitimao para agir.

    Muito utilizado o caso piloto, que toma diversas denominaes conforme o ordenamento (pilotaction, test case, master proceeding), permitindo que, entre vrias demandas, seja escolhida uma s,a ser decidida pelo tribunal, aplicando-se a sentena aos demais processos, que haviam ficado

    suspensos. De acordo com os diversos sistemas, difere a eficcia da sentena do caso piloto emrelao s demais controvrsias. Esse mtodo utilizado pela Alemanha, ustria, Dinamarca (com a

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 4

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    5/13

    mesma observao supra), Espanha (s para o contencioso administrativo) e Noruega.

    Parece, contudo, que as tcnicas supra indicadas servem somente para a tutela dos direitosindividuais homogneos, e no para a dos direitos difusos e coletivos.

    Seja como for, todas essas medidas servem como sucedneo para pases que ainda no contam

    com verdadeiros processos coletivos ou que no os prevem para a tutela de todos os direitos,sendo obrigados a rever princpios e conceitos tradicionais para tentar adapt-los realidade dascontrovrsias de massa. Mas a expressiva maioria dos relatores dos Estados indicados - comexceo do relator da Alemanha, que parece satisfeito com o master proceeding, recentementeimplantado em seu pas, e o da Rssia, que no preconiza mudanas - admite francamente queesses mtodos so insuficientes e inadequados para fazer face efetiva tutela jurisdicional dosdireitos transindividuais.

    Isso tudo torna mais significativa a lio de Cappelletti que, ainda nos anos setenta, advertia que osesquemas do processo civil clssico, estruturado para acudir a controvrsias de cunho individualista,no so aptos soluo de lides sociais, em que se colocam em confronto pretenses de massa.

    Adotando essa idia, o relator espanhol particularmente veemente em criticar a insero dealgumas regras atinentes ao processo coletivo do consumidor no prprio Cdigo de EnjuiciamientoCivil.

    Surge da mais uma tendncia: a de destinar aos processos coletivos estrutura prpria, revisitandoos institutos do direito processual clssico, para adapt-los efetiva tutela dos direitostransindividuais.3.4 Legitimao ativa

    Chegamos s novas tendncias em tema de legitimao ativa.

    Aqui, a escolha feita entre duas opes: i) atribuir a legitimao exclusivamente pessoa fsicae/ou associaes, privilegiando a legitimao privada; ou ii) ampliar os esquemas da legitimao,distribuda entre pessoa fsica e/ou associaes, em conjunto com rgos pblicos (MinistrioPblico, Ombudsman ou Defensor do Povo, outros rgos especializados): neste caso, temos alegitimao mista (independente e autnoma).

    Atribuem a titularidade da ao coletiva exclusivamente a pessoa fsica e/ou a entes privadosAlemanha, Frana, Itlia, Japo e Sua. Na Frana, quer no direito posto, quer nos projetos de lei, alegitimao exclusiva de associaes "agres". No Japo, as associaes de consumidoressubmetem-se aprovao prvia do Primeiro Ministro. Na Itlia, alguns projetos de lei no exigem ahabilitao prvia das associaes.

    Todos os outros pases elegem a legitimao mista, quer no direito vigente, quer nos projetos de lei.Em alguns desses pases - como Brasil, Israel e Portugal, alm do Cdigo Modelo de ProcessosColetivos para Ibero-Amrica - so atribudos poderes a rgos pblicos para fiscalizarem oprocesso - quando no forem parte - e, s vezes, para assumirem a titularidade da ao emhipteses de desistncia infundada, de abandono da demanda, ou at mesmo para promoverem a

    execuo da sentena (sobretudo quando se trata do Ministrio Pblico ou do Ombudsman ouDefensor do Povo).

    O Mxico adota exclusivamente a legitimao privada para as causas agrrias, e somente a pblicapara a tutela do consumidor, com fortes crticas do relator nacional quanto ao ltimo caso.

    A legitimao privada, que se prende ao modelo das class actionsnorte-americanas, tem comofundamento o receio de que a abertura da legitimao possa levar a abusos. A legitimao mistaresponde ao anseio do mais amplo acesso justia e ao princpio da universalidade da jurisdio:um nmero cada vez maior de pessoas e uma tipologia cada vez mais ampla de causas que acedem justia. E, para evitar os possveis abusos, existem instrumentos adequados, como o controle dergos pblicos (existente em vrios pases) e os pesados encargos para a litigncia de m-f (comono Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica e no ordenamento brasileiro).

    A tendncia sem dvida no sentido da abertura dos esquemas da legitimao a amplos segmentosda sociedade e a seus representantes: a pessoa fsica, as formaes sociais, os entes pblicos

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 5

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    6/13

    vocacionados para a defesa dos direitos transindividuais, outros entes pblicos a quem compete atutela dos mais diversos bens referveis qualidade da vida - incluindo as pessoas jurdicas dedireito pblico. Paradigmticos, nesse campo, o Cdigo Modelo de Processos Coletivos paraIbero-Amrica e o Projeto de Cdigo brasileiro.

    Mais uma vez reportamo-nos lio de Mauro Cappelletti, que considerou insuficiente para a efetivatutela dos direitos transindividuais a escolha de um nico legitimado (pessoa fsica, associaes,Ministrio Pblico, agncias pblicas) e que j indicava, com base nas experincias ento existentes,a via mais eficaz, como sendo a de " soluzioni composte, articolate, flessibili", sempre sob o controlede rgos pblicos.3.5 A "representatividade adequada"

    A chamada "representatividade adequada" ( adequacy of representation) constitui outro instrumentode controle para evitar os possveis abusos cometidos no ajuizamento de processos coletivos.Oriundo do direito norte-americano, esse pr-requisito - que diz respeito seriedade, credibilidade,capacidade tcnica e at econmica do legitimado ao coletiva - particularmente importante nosordenamentos que escolhem a extenso a terceiros da coisa julgada, sem temperamentos; mas tambm til para outros sistemas, sobretudo quando legitimam a ao pessoa fsica e s

    associaes e quando prevem a ao coletiva passiva (defendant class action).A representatividade adequada pode ser aferida pelo juiz, caso a caso (como nas class actionsnorte-americanas), ou pode depender de previso legal, que estabelea limites regra delegitimao. Assim, por exemplo, as associaes s podem agir em juzo desde que preenchamcertos requisitos legais, ou se estabelece um critrio de relevncia social at mesmo para alegitimao de rgos pblicos.

    Quanto mais ampla a legitimao, tanto mais se faz necessrio o pr-requisito da representatividadeadequada. Quanto mais amplo o princpio da extenso a terceiros da coisa julgada - como nosistema do opt out(v. infra) -, mais necessrio esse controle. Alis, nos processos coletivos, existeuma correlao inequvoca entre os esquemas da legitimao e o regime da coisa julgada.

    Todavia, somente alguns sistemas adotam o critrio da aferio do pr-requisito pelo juiz: o Cdigo

    Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica expresso nesse sentido. Adotam-no Uruguai eItlia - esta para as aes coletivas para reparao dos danos sofridos pelos consumidores eusurios. Na Argentina e no Paraguai foi estabelecido pela jurisprudncia. O Projeto brasileiro, queestendeu a legitimao pessoa fsica, exige neste caso a aferio da representatividade adequadapelo juiz. O relator do Chile acentua a necessidade de o sistema adotar o critrio.

    Mas, sem dar-lhe essa denominao, o pr-requisito da representatividade adequada, no sentido deconditio sine qua nonestabelecida por lei para que o legitimado possa agir em juzo, comumenteaceito nos ordenamentos de civil law: basta ver os sistemas da ustria, Blgica, Chile, Colmbia,Frana, Holanda, Itlia - para a tutela de interesses difusos e coletivos - Portugal, Provncia argentinade Catamarca, Sucia, Sua.

    Pode-se, ento, concluir, reconhecendo uma forte tendncia dos pases de civil lawno sentido do

    reconhecimento do pr-requisito da representatividade adequada, por fora de lei, restando apenasalguns pases em que ele aferido pelo juiz.3.6 Ao coletiva passiva

    A ao coletiva passiva, entendida como a ao promovida no pelo grupo, mas contra o grupo,correspondendo defendant class action do sistema norte-americano, certamente mais rara doque a ativa, mesmo nos sistemas que a adotam. No entanto, no se pode descartar a possibilidadede o grupo figurar no plo passivo da demanda, seja esta individual ou coletiva. Alis, nas relaesde trabalho, o sindicato, com alguma freqncia, demandado nos processos da rea.

    Exemplos de ao coletiva passiva podem ser colhidos na experincia de vrios pases: aesintentadas contra "torcidas organizadas", como as de times de futebol, de carter inibitrio ou atcondenatrio; processos ajuizados contra associaes de fabricantes de produtos considerados

    nocivos, para que seus associados (e no a associao) sejam obrigados a colocar advertncias nosrtulos; demandas contra categorias profissionais, para que seus membros se abstenham de exibir

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 6

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    7/13

    didasclias ofensivas a outras profisses.

    A previso da ao coletiva passiva avana nos pases de civil law. Est ela expressamentecontemplada na Noruega, em Israel, no Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica enos Projetos da ustria e do Brasil. Na Colmbia e no Paraguai, os relatores informam que, embora

    no expressa, decorre do sistema. Na Venezuela tem sido acolhida pela jurisprudncia. Nosordenamentos da Argentina e do Chile, a doutrina reconhece sua existncia.

    Mas certamente no se pode falar de uma tendncia generalizada rumo sua previso. O relator daFrana aduz que foi ela descartada propositadamente dos Projetos de lei.

    Certo que a experincia dos processos coletivos nos pases de civil law, ou ao menos em suagrande maioria, ainda no est consolidada. possvel que, com o passar do tempo, a realidade davida se encarregue de demonstrar a utilidade da ao coletiva passiva, Mas, por ora, aspreocupaes de muitos dos nossos pases passam ao largo dela.3.7 Coisa julgada: direitos difusos e coletivos

    Com relao demanda que envolve a tutela de direitos difusos e coletivos, indivisveis por

    natureza, a coisa julgada no pode seno atuar erga omnes. A satisfao do interesse de um dosmembros da coletividade significa inelutavelmente a satisfao dos interesses de todos os outros;assim como a negao do interesse de um indica a mesma negao para todos os outros. o queocorre nos casos de reparao do dano ambiental provocado ao bem indivisivelmente considerado,ou na retirada de um produto nocivo do mercado, ou na suspenso de uma publicidade enganosa.

    Mas essa coisa julgada erga omnespode ter um temperamento, como ocorre em alguns pasesibero-americanos: em caso de rejeio da demanda coletiva, por insuficincia de provas, a sentenano faz coisa julgada, e ao idntica pode ser reproposta com base em provas novas (por outrolegitimado, segundo a doutrina de Portugal e Costa Rica - esta sobre o Projeto -, ou at pelo mesmolegitimado, segundo a doutrina brasileira).

    Essa regra, contra a qual se insurge o relator de Portugal por consider-la contrria ao princpio daigualdade das partes, encontra sua origem na lei brasileira sobre Ao Popular, de 1965, e

    aplaudida pela doutrina como uma salvaguarda eficaz contra a possvel coluso entre demandante edemandado, que poderiam almejar uma coisa julgada erga omnesdesfavorvel ao autor popular,atingida pela via de uma atividade probatria insuficiente. Alis, o prprio relator portugus admiteque, nesse caso, a previso til, verberando apenas sua generalizao. Seja como for, da lei daAo Popular a norma passou para o microssistema brasileiro de processos coletivos, sendoadotada pelo Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica. Mas s o Brasil (no direitoposto e no Projeto de lei), o Projeto de Costa Rica, Portugal e o Uruguai adotaram a regra, assimcomo a jurisprudncia da Colmbia.

    Sendo assim, ainda no se pode falar de uma verdadeira tendncia, nem mesmo entre os pasesibero-americanos, no sentido de se adotar a coisa julgada secundum eventum litis, comotemperamento para a eficcia erga omnes do julgado, em caso de tutela de direitos difusos ecoletivos.

    3.8 Coisa julgada: direitos individuais homogneos

    no campo da coisa julgada nos processos coletivos em defesa de direitos individuais homogneosque as posies dos pases de civil law se bifurcam vistosamente. De um lado, os pasesibero-americanos - com exceo da Colmbia e de Portugal -, que adotam a tcnica da coisa julgadasecundum eventum litis. Do outro, os demais pases, que escolhem os critrios do opt in, do opt out,ou ambos. Portugal junta o critrio do opt out com o do julgado secundum eventum litis, com sriascrticas do relator, que denomina de "inslito" o sistema de seu pas. Mas talvez se possa afirmar queo critrio do opt out, destinado aos efeitos da sentena proferida em processo em defesa de direitosindividuais homogneos, no incompatvel com a regra da inexistncia de coisa julgada, quando asentena rejeita a demanda atinente aos direitos difusos e coletivos, por insuficincia de provas.

    Comecemos examinando os critrios do opt oute do opt in.

    3.8.1 O critrio do opt out

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 7

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    8/13

    Como sabido, o critrio do opt out consiste em permitir que cada indivduo, membro da classe,requeira em juzo sua excluso da demanda coletiva, de modo a ser considerado terceiro, no sujeito coisa julgada. Todos os demais membros da classe, que no tenham exercido a opo deexcluir-se, so considerados partes e sofrem os efeitos da coisa julgada, seja ela positiva, seja elanegativa. O sistema exige ampla divulgao da demanda, por todos os meios de comunicao e -

    quando possvel - at pessoal, para que os membros da classe que no queiram ser abrangidos pelacoisa julgada, favorvel ou desfavorvel, possam exercer seu direito de opo, retirando-se doprocesso.

    Esse critrio sofre srias crticas em diversos pases, porque, afinal das contas, a coisa julgadaatingir (podendo prejudic-los) pessoas que no participaram da demanda. Os relatores da ustriae da Frana, assim como a doutrina de Portugal, rejeitam veementemente o instituto, que afirmamestar em desacordo com os princpios gerais e as garantias do processo dos respectivos pases, emque se deve respeitar o princpio de que s quem teve a oportunidade de ser ouvido (ou seja, aparte, sujeito do contraditrio) pode ser submetido eficcia da coisa julgada. Ademais,argumenta-se com a falcia do sistema de notificaes fictas, das quais no pode surgir a presunodo conhecimento amplo da demanda por parte de todos os interessados.

    E, realmente, a adoo do critrio do opt out, isoladamente, raro nos pases de civil law, sendo

    seguido apenas pela Holanda, Portugal e alguns Projetos da Itlia. Esclarea-se que o Projetomencionado pela ustria, por enquanto, no tomou posio entre o opt out e o opt in.3.8.2 O critrio do opt in

    Igualmente sabido que o critrio do opt inpossibilita aos membros do grupo, devidamentenotificados, que ingressem voluntariamente na demanda coletiva, tornando-se partes e sendo, assim,colhidos pela coisa julgada, favorvel ou desfavorvel. Quem no manifestar sua vontade deincluso no processo, no ser abrangido pela coisa julgada, no podendo ser prejudicado oubeneficiado por ela. Essa tcnica tambm exige uma ampla divulgao da demanda, a fim de que osinteressados possam manifestar sua vontade no sentido de serem includos no processo.

    Diante das crticas supra relatadas, em relao ao opt out- que realmente parece vulnerar a garantiado contraditrio e da limitao da coisa julgada s partes -, alguns pases de civil law preferem ocritrio do opt in: assim a Alemanha e a Colmbia - cujo relator, no entanto, critica o sistema -, aFrana, a Provncia argentina de Catamarca, a Sucia e a Itlia, para as aes coletivas reparatriasdos danos sofridos pelos consumidores e usurios.

    O relator da Dinamarca apresenta elementos, segundo os quais em muitos casos os membros dogrupo podem se sentir desencorajados a optar pela incluso no processo.

    E realmente parece que a escolha do opt inpode, em muitos casos, esvaziar o processo coletivo,frustrando seus ideais - sobretudo o de resolver, de uma vez por todas, litgios de massa, evitando amultiplicao das demandas, decises contraditrias, a fragmentao da prestao jurisdicional.3.8.3 Combinao do opt in com o opt out

    Talvez por causa das crticas ao opt out e dos riscos de inoperncia do opt in, alguns pasescombinam ambos os critrios: Israel, Noruega, Sucia e o Projeto da Dinamarca. Via de regra,nesses pases a preferncia vai ao opt in, deixando o opt out para casos residuais, sobretudo paraquestes de pequeno valor econmico, em que diminuto o interesse dos membros do grupo emingressarem no processo.3.8.4 A coisa julgada secundum eventum litis

    Completamente diversa a opo dos pases ibero-americanos. Levando em considerao a falta deinformao e de conscientizao a respeito de seus direitos de grandes parcelas da populao, adificuldade de comunicao, a distncia e a precariedade dos meios de transporte, a dificuldade deacesso justia, as barreiras para a contratao de um advogado, esses pases (com exceo daColmbia, Portugal e da Provncia argentina de Catamarca) descartam seja o opt in, seja o opt out,seguindo linha completamente diferente da supra traada: a linha da coisa julgada secundum

    eventum litis, s para beneficiar, mas no para prejudicar os membros do grupo. Ou seja, a coisajulgada, no plano coletivo, atua erga omnes, tanto em caso de acolhimento como de rejeio da

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 8

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    9/13

    demanda, impedindo que novo processo coletivo seja intentado por qualquer legitimado. Mas, noplano das pretenses individuais, a coisa julgada favorvel pode ser imediatamente aproveitada,passando-se liquidao e execuo da sentena; enquanto a coisa julgada desfavorvel noimpede aes individuais, a ttulo pessoal, dos membros do grupo.

    Conhecem-se as crticas da doutrina processual tradicional coisa julgada secundum eventum litise

    estamos cientes de que a soluo supra apontada privilegia os membros do grupo que, depois deperder uma ao coletiva, ainda tm a seu favor a possibilidade de ajuizar aes individuais(enquanto o demandado, que ganhou a ao coletiva, pode ser novamente acionado a ttuloindividual). Mas se trata de uma escolha consciente: entre prejudicar com uma coisa julgadadesfavorvel o membro do grupo que no teve a oportunidade de optar pela excluso, pela tcnicado opt out; entre o risco de esvaziamento dos processos coletivos, pela tcnica do opt in, a grandemaioria dos pases ibero-americanos preferiu privilegiar os membros do grupo, invocando umprincpio de igualdade real (e no apenas formal), que exige que se tratem diversamente osdesiguais. E certamente os membros de uma classe, desrespeitada em seus valores fundamentais,merece o tratamento diferenciado prprio das pessoas organizacionalmente mais vulnerveis.

    Na prtica, alis, a soluo supra apontada no perversa como poderia parecer primeira vista:perdida a demanda coletiva, ainda so possveis as aes individuais, certo. Mas a deciso

    contrria proferida no processo coletivo ter sua carga de poderoso precedente e poder serutilizada pelo demandado (no para impedir o ajuizamento da demanda individual, como ocorreria sehouvesse coisa julgada, mas para influir sobre o convencimento do novo juiz). Alis, na demandacoletiva julgada improcedente, o demandado j ter exercido na maior plenitude possvel todas assuas faculdades processuais - inclusive as probatrias - e a(s) demanda(s) individuais versarosobre a mesma causa petendi, j enfrentada vitoriosamente pelo demandado.

    De qualquer modo, mesmo na doutrina, a antiga averso coisa julgada secundum eventum litisest cedendo h algum tempo, como demonstra a posio de Allorio, na Itlia, ainda nos anossessenta. E a legislao de diversos pases, como a Itlia e Alemanha, utiliza o critrio da coisa

    julgada secundum eventum litis, quando estende a coisa julgada a terceiros, no caso de anulao daassemblia, e no no caso de declarao de sua validade. Finalmente, cumpre lembrar a lio dogrande Chiovenda que afirmava que o princpio da limitao da sentena s partes significa que osterceiros no podem ser por ela prejudicados, mas que podem, sim, ser beneficiados por ela.

    Seja como for, a escolha pela coisa julgada secundum eventum litis, somente para favorecer e nopara prejudicar as pretenses pessoais, importante na Amrica Latina: adotam esse critrio oCdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica, Brasil (no direito vigente e no projetado)e Peru, enquanto os relatores de diversos pases, preconizam a adoo do mesmo modelo (comexceo da Colmbia, cujo relator prefere o sistema ali vigente).

    Cumpre notar que o relator da Itlia afirma que a adoo do julgado secundum eventum litis imperioso nos projetos italianos que no adotam o opt out ou o opt in, pois de contrrio incorreriameles em flagrante inconstitucionalidade.3.9 Coisa julgada secundum probationem

    Afora os casos clssicos de resciso da sentena passada em julgado, previstos em todos oscdigos processuais, incluindo a hiptese de prova nova, autorizando o iudicium rescissorium, algunspases da Amrica Latina prevem, em seus sistemas de processos coletivos, que a prova nova,superveniente sentena, e que por isto no foi possvel produzir no processo encerrado - desdeque idnea para modificar seu resultado - pode ensejar a propositura de nova ao, idntica anterior, baseada na prova nova. Trata-se da denominada coisa julgada secundum probationem,segundo a qual a coisa julgada incide exclusivamente sobre as provas produzidas, no colhendo assupervenientes sentena. A hiptese no exclusiva dos processos coletivos, sendo vistosoexemplo do que se afirma a prova cientfica do DNA, que pode alterar o resultado do processoanterior de investigao de paternidade.

    Para o ajuizamento de nova ao, previsto o prazo de precluso de dois anos, a partir doconhecimento geral da existncia da prova nova.

    Estamos conscientes de que a medida no necessria em todos os ordenamentos, pois h pases- como a Itlia - em que o prazo da chamada revocazione straordinaria, baseada justamente na

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 9

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    10/13

    descoberta de prova nova, comea a fluir a partir dessa descoberta, e no do momento do trnsitoem julgado da sentena rescindenda.

    Mas, como muitos ordenamentos sul americanos fixam o prazo inicial para o iudicium rescissoriumapartir do momento do trnsito em julgado da sentena, a soluo da coisa julgada secundumprobationem pode ser interessante. Adotam-na o Cdigo Modelo de Processos Coletivos para

    Ibero-Amrica, a Colmbia e o Projeto do Brasil.3.10 O aproveitamento da coisa julgada coletiva para beneficiar as pretenses individuais

    A coisa julgada que cobre a sentena favorvel proferida num processo coletivo pode sertransportada para as pretenses individuais, encurtando o caminho processual pelo qual se pretendafazer valer os direitos individuais.

    Isso no vale apenas quanto sentena favorvel que decidiu a respeito dos direitos individuaishomogneos - alis, nesse caso, o transporte da coisa julgada constitui quase um trusmo -, mastambm em relao sentena que julgou favoravelmente a controvrsia sobre direitos difusos ecoletivos.

    Exemplificando: se a sentena reconheceu a existncia do dano ambiental, indivisivelmente

    considerado, e condenou o demandado sua reconstituio, as pessoas fsicas, individualmenteprejudicadas pelo mesmo dano, podem servir-se da coisa julgada coletiva para encurtar o caminhoprocessual voltado indenizao pelos danos pessoalmente sofridos. Pareceu a Liebman, quandoescreveu a respeito do antigo regime italiano do transporte da coisa julgada penal para o campo civil,na reparao do dano ex delicto, que se teria nesse caso a extenso da coisa julgada penal aosmotivos, o que seria "abnorme". A doutrina brasileira prefere hoje explicar o fenmeno - tanto daeficcia da coisa julgada penal no campo da reparao civil, como da eficcia da coisa julgada doprocesso coletivo em defesa dos direitos difusos e coletivos, para beneficiar as pretensesreparatrias individuais - como uma ampliao objetiva do objeto da demanda, pelo que quando o

    juiz afirma "condeno a reconstituir o meio ambiente lesado", est implicitamente afirmando quetambm condena a indenizar as vtimas do dano ambiental.

    O reconhecimento da possibilidade de transportar a coisa julgada coletiva para beneficiar as

    pretenses individuais constitui sem dvida uma tendncia pondervel entre os pases de civil law.Reportam-se a esse critrio os relatrios da Alemanha, Itlia e Sua, na Europa; e, na AmricaLatina, alm da previso expressa do Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica, osrelatrios do Brasil (direito vigente e projetado), Chile, Costa Rica, Uruguai e Venezuela.3.11 O direito transnacional e os sistemas dos Estados

    3.11.1 As diretivas da Unio Europia

    No questionrio dirigido aos relatores de pases pertencentes Unio Europia, perguntamos se, emseu entender, devia esta indicar aos Estados os caminhos a ser seguidos nas legislaes nacionaisvoltadas tutela de todos os direitos difusos, coletivos e individuais homogneos, e no apenas asetores especficos - como fez at agora a UE.

    Nem todos os relatores nacionais responderam e, entre os que o fizeram, as respostas foramdivergentes. Manifestou-se contrariamente a uma diretiva que estabelea alguns parmetros para osprocessos coletivos dos Estados o relator da Blgica, lembrando que Gr-Bretanha, Holanda eBlgica acabam de adotar regras para os processos coletivos, sendo conveniente que se avaliem osefeitos das novas leis antes de se pensar em regras uniformes. No entanto, o prprio relator daBlgica lembra que, na UE, juzes de diversos Estados podem ser competentes, aplicando as regrasnacionais diversas s mesmas questes, preconizando portanto a adoo de uma legislaoeuropia capaz de coordenar internacionalmente os processos coletivos.

    At o relator por Israel, que no pertence evidentemente UE, manifestou-se contrariamente a umadiretiva que estabelea algum parmetro para os processos coletivos dos Estados.

    As razes foram, preponderantemente, as de que os Estados devem ficar livres de desenvolver seusprprios processos coletivos, at porque diversos pases da UE acabam de promulgar suas leis,

    sendo prematuro estabelecer regras e at mesmo princpios a serem seguidos por todos (relator porIsrael).

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 10

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    11/13

    Mas o relator da Holanda v vantagens em a UE delinear princpios para a defesa dos direitosindividuais homogneos; e o da Espanha pensa que seria conveniente a ao da UE paradesencadear a adoo de processos coletivos nos Estados membros.

    De qualquer modo, o relator pela UE lembra que a atuao desta meramente subsidiria, em

    relao legislao de cada Estado, e que as diretivas sobre processos coletivos por ela editadasdeixam aos Estados uma discricionariedade muito grande para legislar. Mesmo em tema delegitimao, as diretivas so muito abertas, no indicando esquemas precisos, assim como acontececom a coisa julgada, sequer tratada nas referidas diretivas.

    Isto posto, no se pode afirmar que exista nos pases da UE a tendncia no sentido desta traarprincpios e regras para os Estados membros legislarem em matria de processos coletivos.3.11.2 Influncia do Cdigo-Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica nos sistemasnacionais

    Completamente diferente da situao encontrada nos pases membros da UE, quanto emanao,por esta, de uma diretiva geral sobre processos coletivos, a posio dos pases ibero-americanosem relao ao Cdigo Modelo, que consideram um repositrio adequado de princpios e regras para

    impulsionar as reformas. certo, porm, que as diretivas da UE se impem aos Estados membros, enquanto o CdigoModelo, como o prprio nome diz, no se reveste de qualquer carter coercitivo, permitindo que cadapas o adote se quiser, e na medida em que quiser. Com efeito, diversos relatores ibero-americanos(assim, especificamente, os de Colmbia, Espanha, Mxico, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai)apiam, alguns integralmente, outros com algumas ressalvas pontuais, os princpios e regras doCdigo, considerando-o modelo a ser seguido nas reformas legislativas de seus respectivos pases.

    O resultado dessa postura que possvel que no futuro o sistema processual ibero-americano deprocessos coletivos se torne mais harmnico e menos dissonante. No se trata, evidentemente, debuscar a uniformizao, mas somente uma possvel harmonizao, livre restando cada Estado paraadequar o modelo do Cdigo realidade nacional que lhe prpria.

    Essa harmonizao parece configurar uma tendncia, que poder se concretizar a longo prazo.4. Concluses

    tempo de concluir este panorama geral, apontando para as tendncias que se podem vislumbrarem relao aos processos coletivos nos pases de civil lawe que, em alguns tpicos, podem at seridentificadas como representando um caminho evolutivo.

    De tudo que se relatou, extraem-se as seguintes concluses:

    1. O atual estgio dos processos coletivos nos pases decivil law. Os processos coletivos, nospases de civil law, ainda no alcanaram o estgio de amadurecimento e evoluo das class actionsnorte-americanas, mas a tendncia no sentido de cada vez mais pases criarem verdadeirossistemas de processos coletivos.

    2. As tcnicas decommon law e de civil law. Os pases de civil law no adotam as mesmas tcnicasutilizadas nas class actions norte-americanas, cunhando institutos prprios, mais aderentes aosprincpios de seus sistemas processuais.

    3. Direitos tutelados. Pode-se detectar uma forte tendncia nos pases de civil law no sentido de atutela jurisdicional coletiva abranger quer os direitos difusos e coletivos, quer os individuaishomogneos. Quanto a estes, a tutela jurisdicional mais ampla do que a prevista nos EstadosUnidos da Amrica pelas class action for damages, de natureza condenatria, como se v naconcluso seguinte.

    4. Aes cabveis. A preocupao com a efetividade dos processos coletivos aponta para atendncia de contemplar a tutela jurisdicional mais ampla possvel. H aqui um claro caminhoevolutivo, que levou da concepo de uma tutela meramente inibitria inicial para a utilizao de

    todas as espcies de aes - condenatrias, constitutivas e meramente declaratrias.

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 11

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    12/13

    5. Novos esquemas para os processos coletivos.Tambm existe nos pases de civil law um evidentecaminho evolutivo, no sentido de abandonar os institutos do processo civil clssico e individualista,inadequados para fazer face aos conflitos de massa, partindo para esquemas prprios dosprocessos coletivos, que demandam a revisitao de institutos tradicionais. A legitimao e a coisa

    julgada so os exemplos mais clamorosos nessa matria.

    6. Legitimao ativa.Poucos so os pases que atribuem a legitimao para agir apenas pessoafsica e/ou a entes privados, como as associaes. Existe nesse campo uma clara tendncia abertura da legitimao tambm a instituies e entes pblicos, com o estabelecimento de controlespor rgos pblicos especializados.

    7. Representatividade adequada. Raros so os pases que adotam o pr-requisito darepresentatividade adequada a ser aferida, caso a caso, pelo juiz, como acontece nas class actionsnorte-americanas. Todavia, muitos pases de civil law atribuem lei a fixao de pr-requisitos semos quais vem a faltar a legitimao. De nada mais se trata seno da representatividade adequada,embora sem a utilizao dessa denominao.

    Assim, pode-se detectar, nos pases de civil law, a tendncia observncia da representatividadeadequada, mediante critrios pr-estabelecidos em lei.

    8. Ao coletiva passiva.A ao coletiva passiva ainda uma raridade nos pases de civil law, nose podendo apontar uma tendncia para sua adoo.

    9. Coisa julgada: direitos difusos e coletivos. A coisa julgada erga omnes a regra praticamenteconstante em relao sentena que julga a respeito de direitos difusos e coletivos, seja elafavorvel ou desfavorvel. Existem alguns pases ibero-americanos que limitam o rigor da regra,quando a sentena rejeite a demanda por insuficincia de provas, caso em que poder ser intentadaao idntica, com base em novas provas. Mas ainda no se pode falar numa verdadeira tendncianesse sentido.

    10. Coisa julgada: direitos individuais homogneos.Existem duas tendncias opostas nesse campo.Os pases ibero-americanos (com exceo da Colmbia, Portugal e da Provncia argentina deCatamarca) preferem, em geral, a coisa julgada secundum eventum litis, s para favorecer, mas no

    prejudicar as pretenses individuais: desse modo, a sentena coletiva de improcedncia noimpedir que as vtimas do dano ingressem em juzo exercendo a ao individual reparatria. Nosdemais pases, a tendncia no sentido de adotar o critrio do opt in ou uma combinao do opt in edo opt out, mas deixando este para casos residuais, freqentemente consistentes em causas depequeno valor econmico.

    11. Coisa julgadasecundum probationem. No se detecta ainda a tendncia no sentido da adooda coisa julgada secundum probationem, que permite reapresentar a demanda, dentro do prazo dedois anos a contar do conhecimento da prova nova, inexistente poca do primeiro processo e quepor isso no foi possvel produzir.

    12. O aproveitamento da coisa julgada coletiva para beneficiar as pretenses individuais. Existe umatendncia pondervel nos pases de civil law no sentido de a eficcia da sentena favorvel

    prolatada a respeito de direitos difusos e coletivos ser aproveitada para encurtar o processoindividual em que se faz valer uma pretenso indenizatria.

    13. A UE e os processos coletivos. A maioria dos relatores que se ocuparam da questo contrria adoo de uma diretiva que oriente os pases membros no sentido de legislar sobre processoscoletivos, em reas no especficas, preferindo deixar discricionariedade de cada qual a decisosobre os rumos a serem tomados.

    14. A influncia do Cdigo Modelo de Processos Coletivos para Ibero-Amrica sobre as legislaesnacionais.Existe uma tendncia consolidada nos pases ibero-americanos no sentido de adotarem,com algumas ressalvas pontuais, princpios e regras do Cdigo Modelo nas reformas nacionais.Pode-se, assim, prever que, ainda que a longo prazo, poder haver nesses pases umaharmonizao de princpios e regras em matria de processos coletivos.

    15. Concluso final.Finalmente, pode-se afirmar que existe uma clara linha evolutiva na situao dosprocessos coletivos nos pases de civil law. Em trinta anos, partiu-se do nada para chegar a um

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 12

  • 8/11/2019 Grinover - Novas Tendncias Em Matria de Aes Coletivas Nos Pases de Civil Law

    13/13

    ponto de efervescncia legislativa, doutrinria e jurisprudencial que indica um futuro rseo para atutela jurisdicional dos direitos transindividuais. Certamente dever ainda haver amadurecimento arespeito de certos institutos - a prpria coisa julgada, principalmente para a tutela dos direitosindividuais homogneos, a coisa julgada secundum probationem, a ao coletiva passiva etc. - masa situao atual indica uma elaborao prpria do regime de processos coletivos que, afastando-seem vrios pontos da tcnica das class actions norte-americanas, aponta para solues maisconsentneas com os princpios do sistema jurdico romano-germnico.

    Deve-se ressaltar, ainda, o empenho comum no sentido de aceitar e resolver o desafio dos novosprocessos. Encontros como este, que se multiplicam em toda parte, serviro para comparar institutose experincias, indicando o melhor caminho evolutivo sobre o assunto.

    Novas tendncias em matria de aes coletivas nospases de civil law

    Pgina 13