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1 GRELHA DE CORRECÇÃO PROVA ESCRITA DE DIREITO E PROCESSO ADMINISTRATIVO Via Profissional 1.ª Chamada (9 de Abril de 2016) AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 1756-A/2016, PUBLICADO EM D.R. II SÉRIE, N.º 30, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2016 A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis. A indicação de jurisprudência é valorizada. Na cotação atribuída devem ser tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa. Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores, para o total da prova. As indicações constantes da grelha refletem as que se afiguram ser as soluções mais corretas para as situações em abordagem. Porém, não deixaram de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos consistentes. COTAÇÃO TOTAL DA PROVA DE DIREITO E PROCESSO ADMINISTRATIVO – 20 VALORES * Acção Administrativa - Processo nº 270/2016, 1ª Unidade Orgânica Encontra-se cumprido o princípio do contraditório dos Autores em relação à matéria de excepção suscitada na contestação, tendo os Autores apresentado réplica, em que pediram a improcedência de todas as excepções invocadas pelo Município de Coimbra. *** Considerando a prova documental junta aos autos, dispensa-se a abertura da fase de instrução da causa, por inexistirem factos controvertidos para a decisão da causa, sendo as questões a decidir unicamente de Direito. Cumpre proferir,

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GRELHA DE CORRECÇÃO

PROVA ESCRITA DE DIREITO E PROCESSO ADMINISTRATIVO

Via Profissional

1.ª Chamada

(9 de Abril de 2016)

AVISO DE ABERTURA: AVISO N.º 1756-A/2016, PUBLICADO EM D.R. II SÉRIE, N.º 30, DE 12 DE FEVEREIRO DE 2016

A atribuição da cotação máxima nesta prova pressupõe um tratamento completo das várias questões suscitadas, que deverá ser coerente e corretamente fundamentado, com indicação dos preceitos legais aplicáveis. A indicação de jurisprudência é valorizada.

Na cotação atribuída devem ser tidos em consideração a pertinência do conteúdo, a qualidade da informação transmitida em relação à questão colocada, a organização da exposição, a capacidade de argumentação e de síntese e o domínio da língua portuguesa.

Os erros ortográficos serão valorados negativamente: 0,25 por cada um, até um máximo de 3 valores, para o total da prova.

As indicações constantes da grelha refletem as que se afiguram ser as soluções mais corretas para as situações em abordagem.

Porém, não deixaram de ser valorizadas outras opções, desde que plausíveis e alicerçadas em fundamentos consistentes.

COTAÇÃO TOTAL DA PROVA DE DIREITO E PROCESSO ADMINISTRATIVO – 20 VALORES

*

Acção Administrativa - Processo nº 270/2016, 1ª Unidade Orgânica

Encontra-se cumprido o princípio do contraditório dos Autores em relação à matéria de excepção suscitada na contestação, tendo os Autores apresentado réplica, em que pediram a improcedência de todas as excepções invocadas pelo Município de Coimbra.

***

Considerando a prova documental junta aos autos, dispensa-se a abertura da fase de instrução da causa, por inexistirem factos controvertidos para a decisão da causa, sendo as questões a decidir unicamente de Direito.

Cumpre proferir,

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SANEADOR-SENTENÇA

I – RELATÓRIO

António Marco dos Santos e Maria Antónia dos Santos, casados, residentes na Rua de Santo António, n.º 32, 5.º Dto., em Lisboa, portadores do cartão de cidadão nº 32105137 e n.º 31275428, vieram instaurar a presente acção administrativa, contra o Município de Coimbra, pessoa colectiva nº 50122335, sita no Largo do Município, nº 1, em Coimbra, pedindo que o Demandado seja condenado a pagar aos Autores a quantia de € 23.300,00, por responsabilidade civil extracontratual fundada em facto ilícito ou, se assim não se entender, com fundamento em facto lícito, assim como a condenação nas custas do processo e procuradoria.

Alegam, em súmula, que têm residência fixa permanente em Lisboa, mas que têm uma segunda habitação, utilizada durante os fins-de-semana e as férias, na Rua dos Lírios, nº 12, 2000-200 Coimbra.

Após visionarem na televisão as imagens das grandes cheias na cidade de Coimbra, deslocaram-se à sua habitação, verificando que estava inundada, tendo a água atingido mais de um metro e meio de altura, ao nível de todo o rés-do-chão, destruindo todo o recheio do interior do rés-do-chão, além da destruição do muro de suporte de terras que separa a sua propriedade da via pública.

Tal ocorreu em consequência do aluimento de terras na parte norte da propriedade, assim como à queda de um poste de sinalização de trânsito sobre o referido muro.

No próprio dia em que chegaram à sua habitação em Coimbra, no dia 6 de Novembro de 2015, os Autores chamaram a GNR e a Polícia Municipal de Coimbra, que se deslocando ao local, tomaram conta da ocorrência, lavrando os respectivos Autos.

Os Autores ficaram impedidos de habitar a sua propriedade entre os dias 6 a 10 de Novembro, por não reunir condições de habitabilidade, período em que decorreu a operação de limpeza de toda a habitação e depois, a pintura das paredes interiores e exteriores, ao nível do rés-do-chão, por não ter sido possível apagar todos os vestígios e marcas da inundação.

Devido a estes acontecimentos, o Autor faltou ao trabalho durante três dias.

Tendo peticionado o pagamento de todos os danos junto da Câmara Municipal de Coimbra, essa pretensão foi negada pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, o que motiva a instauração da presente acção administrativa.

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O Município de Coimbra, na contestação apresentada, defendeu-se por excepção e por impugnação.

Por excepção, alegou a sua falta de legitimidade, a intempestividade da acção e a incompetência em razão do território do Tribunal.

Por impugnação, invocou que o facto de os Autores não residirem em Coimbra é determinante do desfecho da acção, pois se aí residissem ter-se-iam apercebido das chuvas intensas que caíram, primeiro num curto espaço de tempo e depois, durante mais de três dias,

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podendo ter adoptado as medidas adequadas a proteger a sua habitação e a prevenir a inundação da sua habitação.

Alega que foram os Autores que não se encontrando em Coimbra, determinaram que a sua habitação tivesse sido inundada, assim como os danos sofridos.

Nega que os danos sofridos se devam a qualquer actuação ou omissão dos serviços municipais, pois a existirem algumas terras no local não seriam apenas relativas aos trabalhos dos arruamentos realizados a norte da habitação do Autor, por o declive do terreno ter contribuído para a acumulação de terras existente no local.

Quanto ao derrube do poste de sinalização, defende que não é ele a causa do derrube do muro que delimita a propriedade do Autor, nem a causa da inundação da habitação, antes de devendo ao vento forte que se fez sentir.

Sustenta que a causa dos danos é de origem natural, a que o Município de Coimbra é totalmente alheio, nunca o podendo evitar com a sua actuação.

Por não estarem preenchidos os pressupostos de que depende a procedência do pedido, pede a sua improcedência.

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Os Autores replicaram, negando a procedência das excepções invocadas na contestação.

II – SANEAMENTO

O Tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

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Da excepção de incompetência em razão do território

Alega o Município de Coimbra a incompetência em razão do território do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, considerando que os Autores residem habitualmente em Lisboa, por aplicação da regra legal prevista no disposto no artigo 16.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA).

Sem razão.

Estabelece o artigo 16.º do CPTA a regra geral de competência territorial dos tribunais administrativos, conquanto não se aplique nenhuma regra especial de competência.

A presente acção administrativa funda-se em responsabilidade civil extracontratual do Município de Coimbra, em relação à qual vigora regra especial de competência, prevista no artigo 18.º do CPTA.

As pretensões em matéria de responsabilidade civil extracontratual são deduzidas no tribunal do lugar em que se deu o facto constitutivo da responsabilidade, o qual corresponde ao TAF de Coimbra, onde a acção foi instaurada em juízo.

Em face do exposto, não tem o Município de Coimbra razão quanto à excepção invocada, devendo ser julgada improcedente, por não provada.

*

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias.

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Da excepção de ilegitimidade passiva

O Município de Coimbra invoca a sua ilegitimidade passiva, com o fundamento de que sendo instaurada acção administrativa no âmbito do qual é peticionada a condenação ao pagamento de uma indemnização, parte legítima é o Estado português, representado pelo Ministério Público, a quem cabe assegurar a defesa do Estado, nos termos do artigo 11.º do CPTA, conjugado com o Estatuto do Ministério Público.

Vejamos.

Estabelece o n.º 1 do artigo 10.º do CPTA que cada acção deve ser proposta contra a outra parte na relação material controvertida.

Segundo o n.º 2 do citado preceito legal, nos processos intentados contra entidades públicas, parte demandada é a pessoa colectiva de direito público, salvo nos processos contra o Estado ou as Regiões Autónomas que se reportem à acção ou omissão de órgãos integrados nos respectivos ministérios ou secretarias regionais, a cujos órgãos sejam imputáveis os actos praticados ou sobre cujos órgãos recaia o dever de praticar os actos jurídicos ou observar os comportamentos pretendidos.

Na petição inicial os Autores demandam o Município de Coimbra, sendo esta uma pessoa colectiva de direito público, uma autarquia local, segundo os artigos 235.º e 236.º, n.º 1 da Constituição.

Além disso, foi o Município a entidade demandada em juízo e não como alega o Demandado, o Estado português.

A Entidade Demandada que os Autores demandam em juízo não é o Estado português para que se coloque a questão da sua representação em juízo a cargo do Ministério Público, nos termos do artigo 11.º do CPTA, mas antes o Município de Coimbra, a quem é imputada a responsabilidade civil, por acção e por omissão, pelos danos causados em consequência da inundação e derrube do muro da sua propriedade.

Nestes temos, não tem razão de ser a invocação da legitimidade passiva do Estado português, nem consequentemente, a questão da sua representação judiciária.

Por aplicação dos n.ºs 1 e 2 do artigo 10.º, parte legítima é o Município de Coimbra, a quem os Autores imputam o facto ilícito ou lícito, da responsabilidade civil extracontratual.

Consequentemente, será de julgar improcedente, por não provada a excepção de ilegitimidade passiva invocada.

*

As partes são legítimas e encontram-se devidamente representadas.

O processo é o processo.

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Da excepção de intempestividade da acção administrativa

Mostra-se ainda suscitada a excepção de intempestividade da acção administrativa, por decurso do prazo para a sua instauração.

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Sustenta o Demandado que tendo os factos ocorrido em 5 de Novembro de 2015, os Autores vieram a juízo apenas em 8 de Abril de 2016, decorrido o prazo de três meses para a impugnação de acto administrativo.

Alega que a pretensão dos Autores foi indeferida por acto administrativo, praticado pelo Senhor Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, nos termos do ofício datado de 5 de Janeiro de 2016, pelo que, tendo sido notificados do acto administrativo em 5 de Janeiro de 2016 deveriam tê-lo impugnado até 5 de Abril de 2016.

Não o tendo feito a acção é extemporânea, por decorrido o prazo para a sua instauração.

Vejamos.

A presente acção administrativa é fundada em responsabilidade civil extracontratual do Município de Coimbra, não sendo deduzido pedido de impugnação de acto administrativo.

Por conseguinte, tem aplicação a regra geral do prazo para a instauração da acção prevista no artigo 41.º do CPTA, que determina que a acção administrativa pode ser proposta a todo o tempo, sem prejuízo do disposto na lei substantiva e nas disposições particulares previstas no CPTA.

Não sendo peticionada em juízo a impugnação de acto administrativo, não tem razão de ser a invocação do prazo de três meses, previsto no disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 58.º do CPTA.

Além disso, a apresentação do requerimento em que os Autores reclamaram o pedido de pagamento da indemnização e a consequente recusa no ressarcimento das despesas em que incorreram, não consubstancia a prática de um acto administrativo que deva ser impugnado jurisdicionalmente.

Considerando a matéria em causa, não dispõe a Entidade Demandada de poderes de definição do direito no caso concreto, pelo que a recusa assumida no ofício subscrito pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra não traduz a prática de um acto administrativo nos termos do artigo 148.º do Código de Procedimento Administrativo e artigo 51.º do CPTA.

Sem prejuízo, ainda que se assim não fosse, sempre seria de aplicar o disposto no artigo 38.º do CPTA, que não impõe a impugnação do acto administrativo para efeitos de instauração de acção de responsabilidade civil extracontratual do Estado, podendo o Tribunal conhecer, a título incidental, da ilegalidade do acto.

No presente caso, não só não foi praticado qualquer acto administrativo, recusando-se essa natureza ao ofício do Presidente da Câmara Municipal de Coimbra notificado aos Autores, como a presente acção administrativa não tem por objecto a impugnação de acto administrativo, sendo antes fundada no instituto da responsabilidade civil das entidades públicas, segundo a Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro.

Deste modo, em relação ao pressuposto processual da tempestividade da acção administrativa, não se aplica o prazo de três meses, previsto na alínea b), do n.º 1, do artigo 58.º, mas antes o prazo geral, previsto no artigo 41.º, ambos do CPTA, que permite que a acçao seja instaurada sem dependência de prazo.

Em consequência, será de julgar improcedente, por não provada, a excepção de intempestividade suscitada.

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O processo é tempestivo e não enferma de vícios que o enfermem na totalidade.

Não se verificam outras nulidades, excepções ou questões prévias que cumpra oficiosamente conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa.

***

Considerando que não existe matéria de facto controvertida, quer porque não foi impugnada especificadamente pela Entidade Demandada, quer porque a prova documental junta pelas partes aos articulados permite a prova dos factos alegados, não tendo a Entidade Demandada arrolado testemunhas, não requerendo a produção de prova testemunhal ou de qualquer outro meio de prova, sendo controvertidas apenas as questões de direito suscitadas nos autos, não se ordenam quaisquer diligências de prova, por sua desnecessidade para o apuramento dos factos e da verdade material, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1, do artigo 88.º, do CPTA, prosseguindo-se com o conhecimento do mérito da causa.

III – QUESTÕES A DECIDIR

A questão de mérito que ao Tribunal cumpre solucionar, consiste em conhecer e decidir se os Autores devem ser indemnizados pelos prejuízos alegadamente sofridos decorrentes da inundação da sua habitação e derrocada do muro que delimita a sua propriedade da via pública, no valor peticionado de € 23.300,00, com fundamento em responsabilidade civil extracontratual do Município por facto ilícito ou, se assim não se entender, por facto lícito.

IV – DA FUNDAMENTAÇÃO

DE FACTO

De acordo com a prova documental constante dos autos e por acordo, consideram-se provados os seguintes factos:

1. Os Autores têm residência fixa permanente em Lisboa - Acordo;

2. Os Autores têm uma segunda habitação, utilizada durante os fins-de-semana e as férias, na Rua dos Lírios, nº 12, 2000-200 Coimbra – doc. 1, junto com a pi;

3. Essa habitação encontra-se licenciada pela Câmara Municipal de Coimbra – acordo;

4. Essa habitação foi inundada, tendo a água atingido mais de um metro de altura, ao nível de todo o rés-do-chão da habitação – acordo e doc. 2, junto com a pi;

5. A água arrastou lamas e resíduos orgânicos provenientes do exterior para o interior da habitação – acordo e doc. 2, junto com a pi;

6. Todo o recheio do interior do rés-do-chão da moradia foi destruído em consequência da inundação, o qual comporta um móvel, dois sofás, televisão, aparelho de vídeo, carpete e almofadas de sala; a cozinha, que inclui todos os móveis de cozinha e os electrodomésticos, como o frigorífico, a máquina de lavar roupa e loiça, forno eléctrico, placa de gás, micro-ondas, mesa e cadeiras

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de cozinha e ainda o móvel do corredor e de todos os demais bens domésticos e objectos utilitários, os quais foram irremediavelmente destruídos – acordo e docs. 2 a 10, juntos com a pi;

7. O recheio da habitação foi orçado por empresa especializada em sinistros, no valor de € 12.500,00 – doc. 11;

8. Existiu o aluimento de terras na parte norte da propriedade dos Autores e a queda de um poste de sinalização de trânsito sobre o muro que separa a propriedade da via pública, derrubando e destruindo o muro de propriedade dos Autores - docs. 12 e 13, junto com a pi;

9. Cujo valor de reconstrução é de € 3.500, 00, nos termos do orçamento apresentado pela empresa “Recuperação Urbana, SA” - doc. 14, junto com a pi;

10. Em 6 de Novembro de 2015, os Autores chamaram a GNR e a Polícia Municipal de Coimbra, que se deslocaram ao local, tomando conta da ocorrência, lavrando os respectivos Autos – doc.s 15 e 16, juntos com a pi;

11. Em consequência da inundação e dos estragos, a habitação dos Autores ficou sem condições de habitabilidade no período de 6 a 10 de Novembro de 2015 – Acordo;

12. A habitação ficou, quer no seu exterior, quer no seu interior, cheia de lamas e resíduos, exigindo trabalhos de limpeza, realizados pela empresa de limpezas, “SempreLimpo”, no valor de € 3.000,00 - doc. 17;

13. Por não ter sido possível apagar todos os vestígios e marcas da inundação, as paredes interiores e exteriores, ao nível do rés-do-chão, tiveram de ser pintadas, importando o custo para os Autores no valor de € 3.500,00, incluindo materiais e obra de obra, a cargo da empresa “Recuperação Urbana, SA” - doc. 18;

14. No período entre os dias 6 e 10 de Novembro de 2015, os Autores ficaram hospedados no Hotel Coimbrus, tendo despendido a quantia de € 500,00, sob regime de alojamento e pequeno-almoço - doc. 19;

15. O Autor faltou ao trabalho durante três dias, nos dias 6, 9 e 10 de Novembro de 2015, determinando a perda de rendimentos laborais no valor de € 300,00 - doc. 20;

16. As terras que ocupavam a via pública foram ali deixadas, na sequência de trabalhos de arruamento e de colocação da nova sinaléctica, realizados no final do Verão de 2015, pelos serviços camarários – acordo;

17. Os quais foram interrompidos, sem que tivessem sido retirados os materiais – acordo;

18. A terra que foi ali deixada em plena via pública, bordeja o muro de delimitação da propriedade dos Autores – acordo;

19. Tendo desabado sobre o muro da propriedade, destruindo-o e invadindo o interior do rés-do-chão – acordo;

20. A terra que antes da inundação se encontrava na via pública, constituía parte do material dos trabalhos de arruamentos – acordo;

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21. Depois das chuvadas e da inundação já não se encontram terras na via pública – Acordo;

22. No dia 17 de Novembro de 2015 o Autor reclamou ser ressarcido de todas as despesas junto da Câmara Municipal de Coimbra, no valor de € 23.300,00 - doc. 21;

23. Por ofício datado de 05 de Janeiro de 2016, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal de Coimbra, foi declinada a responsabilidade do Município de Coimbra, em relação aos danos causados aos Autores - doc. 22;

24. Os Autores instauram a acção em 8 de Abril de 2016 – Acordo.

Motivação: A convicção que permitiu dar como provados os factos acima descritos assentou no acordo das partes e na análise crítica do teor dos documentos constantes dos autos, onde se incluem os dois Autos lavrados pelas autoridades.

V - DO ENQUADRAMENTO DE DIREITO

Na presente acção administrativa os Autores demandam o Município de Coimbra, pedindo a sua condenação ao pagamento da quantia de € 23.300,00, destinando-se a efectivar a responsabilidade civil extracontratual por facto ilícito ou, se assim não se entender, por facto lícito.

Nos termos gerais, a responsabilidade civil ocorre quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outra.

No que respeita à responsabilidade das entidades públicas, o artigo 22.º da Constituição consagra o princípio geral da responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas, por danos causados no exercício das suas funções.

No domínio do direito público, os requisitos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, não diferem substancialmente dos previstos na lei civil, decalcados no n.º 1 do artigo 483.º, do Código Civil (CC), a saber, o facto, a ilicitude, a culpa, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano (cfr. Almeida Costa, in “Direito das Obrigações”, 9ª ed., Almedina, 2001, pp. 510), regendo-se a responsabilidade civil das entidades públicas pelo regime aprovado pela Lei nº 67/2007 de 31 de Dezembro, em tudo o que não seja previsto em lei especial.

Cada um dos citados pressupostos desempenha uma função essencial e distinta no regime das situações geradoras do dever de reparação do dano.

A Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro que, em anexo, aprovou o regime da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entidades públicas e revogou o Decreto-Lei n.º 48.051, de 27 de Novembro, dispõe no artigo 1.º, do referido anexo, o seguinte:

“1 - A responsabilidade civil extracontratual do Estado e das demais pessoas colectivas de direito público por danos resultantes do exercício da função legislativa, jurisdicional e administrativa rege-se pelo disposto na presente lei, em tudo o que não esteja previsto em lei especial.

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2 - Para os efeitos do disposto no número anterior, correspondem ao exercício da função administrativa as acções e omissões adoptadas no exercício de prerrogativas de poder público ou reguladas por disposições ou princípios de direito administrativo. (…)”.

O regime jurídico da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas entidades públicas, definido no anexo à Lei n.º 67/2007, é aplicável ao caso sub iudice.

A responsabilidade civil extracontratual do Estado e pessoas colectivas públicas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, com as especialidades resultantes das normas próprias relativas à responsabilidade dos entes públicos.

Importa, assim, trazer à colação o princípio consignado no artigo 483.º do Código Civil, segundo o qual a obrigação de indemnizar pelos prejuízos causados impende sobre todo aquele que “com dolo ou mera culpa” violar ilicitamente o direito de outrem ou disposição legal destinada a proteger interesses alheios.

De acordo com este preceito, podemos isolar como pressupostos da responsabilidade civil subjectiva extra-contratual ou aquiliana:

- facto voluntário do agente;

- facto ilícito do agente;

- nexo de imputação subjectivo do facto ao lesante;

- dano resultante da violação do direito ou da lei;

- nexo de causalidade entre o facto do agente e o dano sofrido pela vítima.

O facto do agente é um comportamento ou conduta humana.

Este facto é, em regra, uma acção (facto positivo) que traduz a violação de um dever geral de não ingerência (abstenção), na esfera de acção do titular de um direito ou interesse alheio, mas também pode constituir uma omissão (facto negativo), sempre que sobre o agente recair o dever jurídico de adoptar um comportamento que provavelmente impediria a consumação do facto.

Facto voluntário, de qualquer forma, significa facto objectivamente controlável ou dominável pela vontade, não sendo necessário que a conduta seja pré-ordenada, pré-figurada ou orientada para certo fim (conduta finalista), por bastar a possibilidade de controlar a acção ou a omissão.

Em relação ao facto, há muito que a doutrina e a jurisprudência admitem a responsabilidade dos entes públicos decorrentes, quer de actos jurídicos, quer da realização de operações materiais.

Assim, o facto ilícito ou lícito tanto pode consistir num acto jurídico, como num acto material.

No caso em apreço, o facto voluntário, como pressuposto da responsabilidade civil, é integrado por vários comportamentos – a colocação de terra na via pública confinante ao muro de limitação da propriedade dos Autores, a colocação de um poste de sinalização, a omissão da vigilância e manutenção da via pública e a omissão quanto ao bom estado de colocação do poste, determinantes do aluimento de terras, da inundação e da queda do muro.

A presente acção de indemnização vem fundada em conduta ilícita imputável ao Município de Coimbra, em violação das regras de vigilância, de manutenção e de cuidado da

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via pública e do poste de sinalização aí colocado, o qual, por acção e por omissão, causou danos na esfera jurídica dos Autores.

Está em causa a responsabilidade do Município, decorrente da violação das regras legais de vigilância e de cuidado, aplicáveis em relação ao espaço público, quer em consequência de trabalhos nela realizados e que não foram acabados, com a permanência de materiais na via pública, de entre os quais, um volume de terras, quer em relação ao estado de colocação do poste de sinalização.

Essa actuação vigilante e de cuidado era tão ou mais necessária, quanto o local apresentar declive, com o sentido sobre a propriedade dos Autores.

Sobre a responsabilidade do Estado e demais pessoas colectivas de direito público, de entre os quais, o Município, dispõe o artigo 7.º do anexo à Lei n.º 67/2007, com a epígrafe: “Responsabilidade exclusiva do Estado e demais pessoas colectivas de direito público”, o seguinte:

“1 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de acções ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.

(…)

3 - O Estado e as demais pessoas colectivas de direito público são ainda responsáveis quando os danos não tenham resultado do comportamento concreto de um titular de órgão, funcionário ou agente determinado, ou não seja possível provar a autoria pessoal da acção ou omissão, mas devam ser atribuídos a um funcionamento anormal do serviço.

4 - Existe funcionamento anormal do serviço quando, atendendo às circunstâncias e a padrões médios de resultado, fosse razoavelmente exigível ao serviço uma actuação susceptível de evitar os danos produzidos.”.

A responsabilidade por facto ilícito, por acções ilícitas cometidas no exercício da função administrativa e por causa desse exercício, refere-se a actos que envolvam o exercício de uma actividade que se encontre regulada por normas de direito administrativo, que corresponderá ao conceito tradicional de acto de gestão pública, mas também a actos funcionais.

Já na vigência do Decreto 48.051, entendia-se que “O conceito de ilicitude que se colhe no transcrito art.º 6.º do DL 48.051 é mais abrangente que o estabelecido no art.º 483.º do Código Civil uma vez que neste o dever de indemnizar só nasce se o facto ilícito decorrer de uma violação, com dolo ou mera culpa, de uma disposição legal destinada a proteger os interesses de terceiros, ao passo que naquele se considera ilícito não só o acto que viole estas disposições legais, mas também aquele que viole as normas regulamentares ou os princípios gerais aplicáveis e ainda as regras de ordem técnica e de prudência comum que devam ser tidas em consideração.” (Carlos Cadilha, “Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas Anotado”, Coimbra Editora, 2008, pp. 110).

No que respeita à ilicitude, o artigo 9.º, do referido anexo, estabelece:

“1 - Consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

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2 - Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º”.

O regime da responsabilidade civil prevê uma concepção alargada de ilicitude, exigindo uma ilicitude não só da conduta, mas também do resultado, ou seja, a ilicitude é aferida, segundo aquela norma que prevê a “violação de disposições ou de princípios jurídicos, constitucionais, legais, regulamentares, ou pela infracção de regras de ordem técnica e de deveres objectivos de cuidado” – ilicitude da conduta.

Mas é necessário que, além disso, “resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos” – ilicitude de resultado, neste sentido, J. C. VIEIRA DE ANDRADE, “A responsabilidade por danos decorrentes do exercício da função administrativa na nova lei sobre responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais entes públicos”, in Revista de Legislação e de Jurisprudência, n.º 3951.

In casu, não existem dúvidas de estarmos perante uma actuação da Administração, imputável ao ora Demandado em juízo, pois está demonstrado que:

- os serviços municipais realizaram obras na via pública, confinantes ao muro propriedade dos Autores, as quais não foram acabadas, permanecendo terra na via pública, em local de declive no sentido da propriedade dos Autores;

- os serviços municipais são os responsáveis pela colocação do poste de sinalização.

É aos serviços do Município de Coimbra que deve ser imputada a falta de vigilância, de manutenção e de cuidado, pois embora se admita que as chuvas e vento possam ter contribuído para o derrube do poste e do muro, não será de afastar a falta de vigilância e de cuidado sobre o local, o que constitui um facto a qualificar como ilícito, porque violador das regras de cuidado e de prudência que recaem sobre as entidades públicas.

A permanência de terra no local e a falta de vigilância do poste de sinalização são a causa do aluimento de terras sobre o muro e a sua entrada na propriedade dos Autores, assim como a causa da queda do muro e a inundação da habitação, causadoras de prejuízos para os Autores porque lesivas do seu direito de propriedade e, por isso, merecedoras da tutela da lei.

Assim, resulta inequivocamente demonstrada a actuação ilícita do Demandado, segundo o previsto no artigo 9.º do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 de 31 de Dezembro, nos termos da qual “consideram-se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos”.

Em face da matéria de facto provada é de entender que os serviços municipais, não procederam com a diligência devida, omitindo o dever de cuidado e de vigilância na via pública, ao permitir a permanência de terras no local, com declive sobre a propriedade dos Autores.

Mais precisamente, estamos perante uma situação de ilicitude resultante do funcionamento anormal do serviço, nos termos conjugados dos artigos 9.º n.º 2 e 7.º, n.ºs 3 e 4 da mencionada Lei 67/2007.

No entanto, como reiteradamente afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, na vigência do Decreto-Lei n.º 48.051, não basta que a conduta seja ilegal, para se estar perante uma conduta ilícita (cfr. entre outros, os Acórdãos do STA de 23.09.09, rec. 1119/08 e de 27.01.2010, rec. 358/09).

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Ao invés, só existe ilicitude se a lesão se situa no círculo de interesses protegidos pela norma, princípio ou regra técnica e de prudência comum violados, entendimento que continua pertinente face ao actual regime de responsabilidade civil.

O referido conceito de ilicitude comporta, pois, uma lesão anti-jurídica, traduzida, na violação de normas, princípios jurídicos, regras de ordem técnica ou deveres de cuidado (componente objectiva da ilicitude), de que possa resultar, em abstracto, a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos (componente subjectiva da ilicitude).

Sobre a ilicitude da conduta, embora ao tempo do anterior Decreto-Lei nº 48.051, pronuncia-se Margarida Cortez, in Responsabilidade Civil da Administração por Actos Administrativos Ilegais e Concurso de Omissão Culposa do Lesado, 2000, Coimbra Editora, pág. 52 e 53, no sentido de considerar tratar-se de uma antijuridicidade que se refere à conduta e não ao resultado.

O legislador apontou a violação de um dever de cuidado como dimensão ineliminável de um comportamento ilícito, pugnando que será no artigo 9º da Lei n.º 67/2007 que reside o fundamento da concepção subjectiva da ilicitude.

O que no caso ocorre, pois os Autores foram lesados no seu direito de propriedade, em consequência de o Demandado não ter conformado a sua actuação com a ordem jurídica.

No que concerne ao pressuposto da culpa, a mesma exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente: o lesante, em face das circunstâncias específicas do caso, podia e devia ter agido de outro modo.

É um juízo que assenta no nexo existente entre o facto e a vontade do autor.

Dispõe o n.º 1 do artigo 10.º do regime aprovado pela Lei n.º 67/2007 que a culpa dos titulares de órgãos, funcionários e agentes deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.

Para além disso, consagra o n.º 2 do aludido preceito legal uma presunção legal de culpa, já que, sem prejuízo da demonstração de dolo ou culpa grave, presume-se a existência de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

Segundo o n.º 3 do artigo 10.º do regime anexo à Lei n.º 67/2007, “Para além dos demais casos previstos na lei, também se presume a culpa leve, por aplicação dos princípios gerais da responsabilidade civil, sempre que tenha havido incumprimento de deveres de vigilância.”.

No âmbito da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas pode admitir-se como princípio geral a culpa de um agente da Administração pela prática de um facto ilícito - cfr. artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 67/2007, atenta a presunção de culpa leve na prática de actos jurídicos ilícitos.

A responsabilidade civil pode ainda resultar da chamada “culpa do serviço” globalmente considerado ou faut de service, não sendo necessária uma culpa personalizável de um funcionário ou agente, resultando antes do deficiente funcionamento generalizado do serviço, isto é, do “funcionamento anormal do serviço” - cfr. artigos 9.º, n.º 2 e 7.º, n.ºs 3 e 4 da referida Lei n.º 67/2007, como é o caso dos autos.

O artigo 4.º, da referida Lei relativamente à culpa do lesado, estabelece:

“Quando o comportamento culposo do lesado tenha concorrido para a produção ou agravamento dos danos causados, designadamente por não ter utilizado a via processual adequada à eliminação do acto jurídico lesivo, cabe ao tribunal determinar, com base na

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gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas tenham resultado, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.”.

Nos termos do artigo 487.º do Código Civil: “1. É ao lesado que incumbe provar a culpa do autor da lesão, salvo havendo presunção legal de culpa.

2. A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso concreto”.

“Agir com culpa significa actuar em termos de a conduta do agente merecer a reprovação ou censura do direito. E a conduta do lesante é reprovável quando, pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, se concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo” (Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, volume I, pág. 571).

Em sede de culpa, o padrão pelo qual deve ser aferida no domínio da responsabilidade extracontratual é o da culpa abstracta, isto é, a culpa é aferida pelo modelo do homem médio ou normal, pelo padrão de um sujeito ideal, ou como refere o artigo 487.º n.º 2 do Código Civil, “na falta de outro critério legal pela diligência de um pai de família, em face das circunstâncias de cada caso”.

O artigo 493.º, n.º 1, do Código Civil estabelece:

“1- Quem tiver em seu poder coisa móvel ou imóvel, com o dever de a vigiar, e bem assim quem tiver assumido o encargo da vigilância de quaisquer animais, responde pelos danos que a coisa ou os animais causarem, salvo se provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que houvesse culpa sua”.

É jurisprudência assente do Supremo Tribunal Administrativo que: “I - A presunção de culpa estabelecida no art.º 493.º, n.º 1, do CC, é aplicável à responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos culposos praticados no exercício da gestão pública. II - Nesse caso, contudo, ao autor/lesado cabe, primeiramente, o ónus de alegação e prova da base da presunção, ou seja, da ocorrência do facto causal dos danos. (…) IV - Verificando-se a situação de presunção de culpa, prevista no art.º 493, n.º 1, do CC, o autor não terá que provar a culpa funcional do réu, o qual incorre, por via da presunção legal ali estabelecida, em responsabilidade civil extracontratual pelos danos a que der causa resultantes de acto ilícito seu, salvo provando que nenhuma culpa lhe coube ou que os danos se teriam igualmente verificado na ausência dessa culpa. (...)”.

Estabelece o artigo 23.º da Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro, que estabelece o regime jurídico das autarquias locais, que constituem atribuições do município a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com as freguesias, designadamente, nos seguintes domínios: Equipamento rural e urbano; Ambiente e saneamento básico e Ordenamento do território e urbanismo.

Segundo o n.º 1 do artigo 33.º da Lei n.º 75/2013, compete à Câmara Municipal:

“t) Assegurar … o levantamento, classificação, administração, manutenção, recuperação e divulgação do património natural, cultural, paisagístico e urbanístico do município …;

bb) Executar as obras, por administração direta ou empreitada;

ee) Criar, construir e gerir instalações, equipamentos, serviços, redes de circulação, de transportes, de energia, de distribuição de bens e recursos físicos integrados no património do município ou colocados, por lei, sob administração municipal;

qq) Administrar o domínio público municipal; (…)”.

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Nos termos das alíneas t) e ee), do n.º 1 do artigo 33.º, inscreve-se no leque das competências das câmaras municipais, conservar e reparar as ruas e demais lugares públicos, que não sejam da competência de outros órgãos ou entidades e neles assegurar as demais condições de segurança e comodidade, ou seja, compete às câmaras o dever de manter as ruas e estradas municipais em bom estado de conservação e utilização, assim como os demais equipamentos públicos, como os postes de sinalização.

Assim, sobre o Demandado, Município de Coimbra, impendia o dever de fiscalizar o estado das ruas, de manter em condições de segurança de pessoas e pessoas os locais públicos, incluindo a vigilância e manutenção do poste de sinalização, de modo a que se possa circular de forma cómoda e segura na via pública, assim como remover os obstáculos que nela se encontrem, de forma a evitar a ocorrência de situações que causem danos a pessoas e/ou bens.

Verifica-se, pois, a existência de uma presunção de culpa in vigilandum sobre o Município de Coimbra.

Como resulta do artigo 344.º do Código Civil (CC), quando haja presunção legal de culpa verifica-se uma inversão das regras relativas ao ónus da prova estabelecidas, no que ao caso dos autos concerne no artigo 342.º do CC, ou seja, ao lesado compete fazer a prova do facto que serve de base à presunção e ao autor da lesão a prova de que não teve culpa na ocorrência do facto causador dos danos ou que desenvolveu todas as diligências adequadas a evitar o facto danoso ou que este se deveu a caso fortuito ou de força maior.

Impendia, pois, sobre o Município de Coimbra, o ónus de provar que cumpriu de forma adequada a obrigação de manutenção e conservação da via pública e dos postes de sinalização que nela se encontram, e que não houve nenhuma culpa da sua parte na omissão da retirada da terra no local que determinou a queda do muro e a ocorrência da inundação da habitação, assim como quanto ao bom estado de colocação do poste de sinalização que, ao cair sobre o muro, contribuiu para o seu derrube, e consequente produção dos danos ou então alegar e provar, que ainda que tivesse havido culpa da sua parte os danos se teriam produzido da mesma forma, ou pela prova de os danos produzidos serem imputáveis ao próprio lesado/Autor ou a terceiro, ou causado por caso fortuito ou de força maior.

O Município de Coimbra não ilidiu a referida presunção de culpa, não logrando alegar, nem provar que a zona em causa, confinante à propriedade dos Autores foi objecto de acções regulares de fiscalização pelos serviços municipais, durante as quais não foi detectada qualquer anomalia e que a rua em questão, não escapa, nem escapou à fiscalização municipal.

Não tendo o Demandado logrado demonstrar que nenhuma culpa teve na produção dos danos, ou porque exerceu diligentemente os seus deveres de fiscalização e manutenção da via pública, em condições segurança e comodidade, ou que, os que os danos ocorreram por culpa dos Autores, ou ainda, por caso fortuito ou de força maior, não foi ilidida a presunção de culpa, que sobre o Demandado, Município de Coimbra, recai nos termos do n.º 1 do artigo 493.º do CC.

Estando em causa a verificação de danos em consequência da actuação da entidade pública, incumbe a quem tem esse dever provar que nenhuma culpa houve da sua parte ou que os danos se teriam igualmente produzido ainda que não houvesse culpa sua ou que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias com o fim de os prevenir, o que não se verifica em juízo.

In casu, a falta de residência permanente dos Autores na habitação não constitui facto excludente ou sequer concorrente de culpa, pois não seria esse facto passível de interferir com os factos demonstrados em juízo, quanto à permanência de terras na via pública, quer ao

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aluimento de terras e entrada de água e lamas na sua propriedade ou sequer quanto à falta de manutenção e de vigilância do poste de sinalização.

Do mesmo modo quanto às chuvas e vento, pois a permanência de terras no local e a falta de alegação e de prova quanto à vigilância do local, não são aptos a afastar a presunção legal de culpa do Município.

Cabia ao Demandado alegar factos donde resultasse que tinha adoptado as diligências adequadas a evitar os danos sofridos, como, que assegurava regularmente a manutenção e vigilância do local, o que não logrou suceder, por nada alegar a este respeito.

O Município de Coimbra não alegou, nem demonstrou, que assegurava regularmente a manutenção da via pública do local em causa, nem que havia inspecionado recentemente o local e o estado de colocação do poste de sinalização.

Nada se encontra alegado donde resulte o cumprimento do dever de vigilância e de cuidado do Demandado, que permita pôr em causa a presunção legal de culpa que sobre ele incide.

Além da falta de alegação, acresce a circunstância de o Município não ter requerido a produção de meios de prova, não tenho arrolado quaisquer testemunhas.

A conduta omissiva do Município conduz ao funcionamento da presunção de culpa prevista no artigo 493.º do Código Civil, presunção essa que no caso de o Réu não conseguir ilidir, leva à condenação deste no pagamento da quantia correspondente aos danos causados em consequência do sinistro (cfr. Ac. STA de 15.11.05, Rec. 134/05/2; Ac. TCA de 1.06.2006, Rec. 01504/06).

Em face desta factualidade, é de concluir que os serviços do Município de Coimbra agiram de forma negligente, não tendo o Demandado alegado e conseguido provar que desenvolveu todas as diligências exigidas para evitar o facto danoso, bem como, não demonstrou que o mesmo tenha ocorrido por culpa do lesado, ou por força maior ou caso fortuito.

Assim, a presunção de culpa do Município de Coimbra não foi ilidida, pelo que, os danos causados pela deficiente conservação da referida via pública, fazem incorrer o Município em responsabilidade civil extracontratual, nos termos do n.º 1 do artigo 493.º do Código Civil.

O Código Civil consagra a propósito da responsabilidade extracontratual, a tese da culpa em abstracto ou em sentido objectivo, pelo modelo de um homem-tipo ou padrão de um sujeito ideal, a que os romanos davam a designação de bonus pater famílias, isto é, o tipo de homem normal que as leis têm em vista ao fixarem os direitos e deveres das pessoas em sociedade (Antunes Varela, obra cit., pág. 567).

A culpa é apreciada tendo em conta o critério previsto no n.º 1 do artigo 10.º do regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado (igualmente acolhido no n.º 2 do artigo 487.º do CC), da diligência e aptidão de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor, em face às circunstâncias de cada caso.

De resto, já antes do novo regime de responsabilidade civil extracontratual do Estado, aprovado pela Lei n.º 67/2007, a jurisprudência administrativa, de forma unânime, entendia o conceito previsto no Código Civil, relativo ao padrão do bom pai de família, inadequado, por insuficiente, para os titulares de cargos públicos, antes atendendo ao padrão não de um qualquer funcionário, mas o do funcionário competente, zeloso, cumpridor da lei e dos seus deveres – cfr. a título meramente exemplificativo, o Acórdão do STA, datado de 27/09/1994.

Ao utilizar-se este critério, facilitou-se a prova da culpa pelo lesado.

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Em face dos factos demonstrados em juízo, é de entender não resultar da actuação do Demandado, dolo ou culpa grosseira, mas antes culpa leve ou negligência, o que decorre da adopção de comportamentos sem rigor, com descuido e imprevidência, por parte dos seus agentes, na permanência de terras na via pública, em local com declive e na falta de vigilância e de manutenção do local.

Assim, deve entender-se decorrer um juízo de censura ético-jurídico se confrontarmos o comportamento ilícito apurado com o que seria exigível, atendendo a um padrão de competência com que se deve conformar a Administração Pública, não podendo o Demandado desconhecer a existência a obrigação de adaptar a sua conduta de forma a garantir a segurança de pessoas e bens.

Pelo que, a par das regras legais previstas, sempre as regras de prudência comum deveriam ter levado o Demandado a assegurar-se pela conformidade da sua actuação.

Assim, a atitude do Demandado que constitui facto ilícito gerador dos danos sofridos pelos Autores, é também culposa, sendo censurável no plano ético, porquanto uma Administração zelosa teria actuado em conformidade com as normas aplicáveis.

Pelo que, em face do que antecede, será de concluir pela verificação do requisito do facto ilícito e da actuação culposa do Demandado, na modalidade de culpa leve ou negligente, que determina que exista responsabilidade da Administração.

No que concerne aos danos ou prejuízos, mostram-se os mesmos totalmente demonstrados, nos termos da prova documental carreada para os autos, para além de o Demandado não os impugnar.

Senão vejamos.

Compulsados os factos provados, resulta demonstrado em juízo um conjunto de danos de natureza patrimonial, que se repercutem na esfera jurídica dos Autores, relativos à inundação, estragos no interior da habitação, derrube do muro, limpeza e pintura da habitação, impossibilidade de habitar o prédio, com a consequente despesa com estabelecimento hoteleiro e ainda a perda de rendimentos laborais, por falta ao trabalho durante três dias.

Tais danos mostram-se efectivamente demonstrados em juízo, pelo que urgem ser integralmente reparados.

Pelo que, no que se refere aos danos patrimoniais é de entender que estão verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil da Administração por actos ilícitos em relação aos danos verificados na propriedade dos Autores, sita em Coimbra, que devem conduzir à condenação do Demandado no pedido de indemnização.

Também nada obsta à condenação do Demandado o requisito da responsabilidade civil que consiste o nexo da causalidade entre o facto e o dano, pois decorre do probatório que a actuação ilícita do Município foi a causa adequada e directa dos danos patrimoniais ocorridos na esfera jurídica dos Autores, que tiveram de suportar o custo com os danos descritos.

O problema do nexo de causalidade traduz-se na averiguação, do ponto de vista jurídico, de quando é que um prejuízo se pode qualificar como consequência de um dado facto.

A teoria mais correcta para resolver o problema do nexo causal entre o facto e o dano é a teoria da causalidade adequada, acolhida pela doutrina e com assento na lei (artigo 563.º do Código Civil), encontrando consagração na referência, “provavelmente”.

Como se decidiu no Acórdão do STA de 21 de Fevereiro de 2008, proc. n.º 01001/07, “(…) Vale para a responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos por factos ilícitos a

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regra do art.º 563 do Código Civil, que consagrou, neste domínio, a teoria da causalidade adequada, na formulação negativa proposta por ENNECERUS-LEHMAN: a condição será inadequada quando, segundo a sua natureza geral, é indiferente para a produção do dano. VI - Assim, é de concluir que entre um facto ilícito (a falta de sinalização) e um dano (o choque nos rails de protecção) existe nexo causal – em termos de causalidade adequada na forma exposta - de tal modo que pode dizer-se que aquele é a causa e este o seu efeito (um dos seus efeitos) adequado, provável, típico (previsível).”.

«O nexo de causalidade é um “pressuposto da responsabilidade civil que consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (art. 563º do C.Civil)” – Ac. STA de 07.06.2006 – Rec. 1.177/05.

O artigo 563.º do Código Civil (“A obrigação de indemnizar só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”) consagra a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa, proposta por Ennecerus-Lehman, segundo a qual a condição deixará de ser causa do dano sempre que ela seja de todo indiferente para a produção do mesmo, e só se tenha tornado condição dele em virtude de outras circunstâncias, sendo pois inadequada à sua produção - Ac. de 16.05.2006 – Rec. 874/05, com vasta citação de jurisprudência.

À luz desta teoria, não serão ressarcíveis todos e quaisquer danos que sobrevenham ao facto ilícito, mas tão só os que ele tenha realmente ocasionado, ou seja, aqueles cuja ocorrência com ele esteja numa relação de adequação causal.

Por outras palavras, dir-se-á que o juízo de adequação causal tem que assentar numa relação intrínseca entre o facto e o dano, de modo que este decorra como consequência normal e típica daquele, ou seja, que corresponda a uma decorrência adequada do mesmo.

No caso, a permanência de terra na via pública, decorrente de obras realizadas no local por parte dos serviços camarários e a falta de vigilância do poste de sinalização, constituem as causas do aluimento de terras, da inundação e do derrube do muro e são, em abstracto, aptas para tal.

Consagra o artigo 563.º do CC, a teoria da causalidade adequada, adoptando-se a sua formulação negativa proposta por Enneccerus-Lehman, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada se, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente (…) para a verificação do dano, tendo-o provocado só por virtude das circunstâncias excepcionais, anormais extraordinárias ou anómalas que intercederam no caso concreto, convergindo a jurisprudência e a doutrina na sua adopção – cfr. a título meramente exemplificativo os Acórdãos de 06/03/2002, proc. n.º 48 155; de 27/06/2001, proc. nº 37410 e de 22/10/2003, proc. nº 534/03.

Vigora também o entendimento que subsiste o nexo de causalidade adequada quando o facto ilícito não produz ele mesmo o dano, mas é causa adequada de outro facto posterior que o produz, se este tiver sido especialmente favorecido pelo primeiro ou for um seu efeito provável segundo o curso normal dos acontecimentos – é vasta a jurisprudência do STA sobre o tema, citando-se a título meramente exemplificativo os seguintes acórdãos: de 27/02/2007, proc. n.º 969/06; de 20706/2006, proc. n.º 367/06, de 12/07/2006, proc. n.º 1240/05, de 06/12/2006, proc. n.º 921/06, de 16/05/2006, proc. n.º 874/05.

Este entendimento decorre de o nosso ordenamento jurídico aceitar o dever de prevenção de perigo, segundo o qual a pessoa que cria ou mantém uma situação especial de perigo tem o dever jurídico de agir, tomando as providências necessárias para prevenir os danos com ela relacionados.

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Preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, por facto ilícito, conclui-se que o Município de Coimbra se constituiu na obrigação de indemnizar os Autores, por reconhecimento de um direito de indemnização pelos danos referidos.

Precisada a obrigação de indemnizar, importa agora determinar o quantum desta obrigação de indemnizar.

O artigo 3.º, do anexo à Lei n.º 67/2007, com a epígrafe: “Obrigação de indemnizar”, dispõe:

“1 - Quem esteja obrigado a reparar um dano, segundo o disposto na presente lei, deve reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.

2 - A indemnização é fixada em dinheiro quando a reconstituição natural não seja possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa.

3 - A responsabilidade prevista na presente lei compreende os danos patrimoniais e não patrimoniais, bem como os danos já produzidos e os danos futuros, nos termos gerais de direito.”.

Nesta sede, o princípio geral regulador da obrigação de indemnizar é o da reconstituição da situação que existiria se não se tivesse verificado o facto danoso, consagrado no artigo 562.º do Código Civil.

Simplesmente, nem sempre a reconstituição in natura permite reparar adequadamente o dano, restando o recurso à indemnização em dinheiro.

Assim, no caso em apreço, a obrigação de indemnizar em que o Município de Coimbra se encontra constituído, abrange os danos causados aos Autores, designadamente, o prejuízo causado nos bens já existentes na titularidade do lesado à data da lesão (dano emergente) – artigo 564.º n.º 1, 1.ª parte do Código Civil, (cfr. Antunes Varela; ob. cit.; p. 569).

No caso dos autos, os Autores reclamaram danos patrimoniais no valor € 23.300,00 a título de indemnização.

O cálculo desta indemnização obedece ao disposto no n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, segundo o qual “Sem prejuízo do preceituado noutras disposições, a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos”.

Deste modo, a indemnização pecuniária deve medir-se por mera diferença - pela diferença entre a situação (situação real) em que o facto deixou o lesado e a situação (hipotética) em que ele se encontraria sem o dano sofrido, reportadas, quer uma quer outra, à data mais recente que puder ser atendida pelo Tribunal (normalmente, o momento do encerramento da discussão, na primeira instância – artigo 611.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

É neste sentido que tem de se entender a chamada teoria da diferença (cfr. Antunes Varela, ob. cit., vol. I, pp. 877 ss.).

Nos autos os Autores lograram demonstrar que sofreram prejuízos no valor de € 23.300,00, o qual será atendido.

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O não cumprimento das obrigações pode revestir diversas modalidades: o inadimplemento propriamente dito, a mora e a chamada violação contratual positiva em que é

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de compreender o cumprimento defeituoso (cfr., Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, vol. II, p. 120).

O que caracteriza o incumprimento propriamente dito ou falta de cumprimento é a situação derivada de a prestação que deixou de ser satisfeita no devido tempo já o não poder ser quer por se ter tornado materialmente impossível (cfr. artigos 801.º e 802.º, ambos do Código Civil), quer por, embora ainda materialmente possível, haver ela deixado de ter interesse para o credor (cfr. artigo 808.º do Código Civil).

A mora é de definir como o retardamento ou atraso verificado na satisfação da prestação.

Perante a factualidade dada como provada é de concluir que o Demandado, Município de Coimbra, incorreu em simples incumprimento temporário, pois a obrigação não foi atempadamente cumprida, mas apesar disso não se tornou materialmente impossível, nem tão pouco deixou de ter interesse para os Autores.

Como princípio geral subjacente a qualquer situação de inadimplência, dispõe o artigo 798.º do Código Civil que “o devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causa ao credor".

Por o presente caso versar uma situação de simples atraso no cumprimento da obrigação, de acordo com o preceituado no artigo 804.º n.º 1 do Código Civil, o Município de Coimbra encontra-se constituído na obrigação de reparar os danos causados aos Autores.

Sendo a obrigação em referência nos autos uma obrigação pecuniária, a indemnização corresponde aos juros de mora.

A obrigação de juros prevista no artigo 559.º do Código Civil representa para o credor um rendimento de obrigação de capital calculado em função do seu valor, do tempo de privação e de taxa de remuneração fixada pelas partes ou resultante da lei (cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, I, pp. 727.).

Assim, os juros moratórios são devidos desde o dia da constituição em mora (cfr. artigo 806.º n.º 1 do Código Civil).

Relativamente ao momento da constituição em mora rege o disposto no artigo 805.º do Código Civil, sendo os juros devidos desde a data da citação.

No caso sub judice, de acordo com a fonte da obrigação de juros, está-se perante um tipo específico de juros: os juros legais – aqueles cuja obrigação de pagamento emerge directamente da lei e que se vencem independentemente da existência de qualquer acordo de vontades.

Sendo aplicável o regime decorrente do artigo 806.º, n.º 2 do CC, são devidos os juros legais.

Solução que decorre da Lei n.º 3/2010, de 27 de Abril, que dispõe no seu artigo 1.º:

“1 - O Estado e demais entidades públicas, incluindo as Regiões Autónomas e as autarquias locais, estão obrigados ao pagamento de juros moratórios pelo atraso no cumprimento de qualquer obrigação pecuniária, independentemente da sua fonte.

2 - Quando outra disposição legal não determinar a aplicação de taxa diversa, aplica -se a taxa de juro referida no n.º 2 do artigo 806.º do Código Civil.”.

Estes juros de mora serão contados à taxa anual de 4% desde a data da citação até efectivo e integral pagamento – cfr. artigos 559.º e 806.º, n.º 2, ambos do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 08 de Abril.

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Pelo que, estão verificados todos os pressupostos que determinam a condenação do Demandado, no pedido de indemnização pelos danos causados, no valor de € 23.300,00, acrescidos de juros legais de mora, desde a citação, até efectivo pagamento – cfr. 805.º, n.º 3 do Código Civil.

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Em consequência, fica prejudicado o conhecimento do pedido de condenação do Município, em responsabilidade civil fundada em facto lícito.

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Custas pelo Demandado, em consequência do decaimento – cfr. artigo 527.º, n.º 1 e 529.º, ambos do CPC.

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Termos em que, em face de todo o exposto, será de julgar procedente o pedido, condenando-se o Demandado a pagar aos Autores uma indemnização pelos danos patrimoniais causados, no valor peticionado de € 23.300,00, acrescidos de juros de mora desde a citação.

VI - DECISÃO

Nestes termos, com base nas razões que antecedem, no âmbito da presente acção administrativa, julga-se:

a) improcedente, por não provada, a excepção de incompetência territorial do TAF de Coimbra;

b) improcedente, por não provada, a excepção de ilegitimidade passiva do Município de Coimbra;

c) improcedente, por não provada, a excepção de intempestividade da acção;

d) totalmente procedente o pedido de condenação do Município ao pagamento de indemnização fundada em responsabilidade civil por facto ilícito e, em consequência, condena-se a Entidade Demandada no pedido de pagamento da quantia de 23,300 (vinte e três mil e trezentos euros);

e) procedente, por provado, o pedido de condenação ao pagamento de juros de mora vencidos e vincendos, contados à taxa anual de 4%, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;

f) julgar prejudicado o pedido de condenação ao pagamento em responsabilidade civil por facto lícito;

g) Fixo à causa o valor de € 23,300 (vinte e três mil e trezentos euros).

Custas a cargo do Município, nos termos dos artigos 527.º, n.º 1 e 529.º, ambos do CPC e artigo 6.º, n.º 1 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I-A, anexa.

Registe e Notifique.

O Juiz de Direito

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Relatório – 1,10 valores

Relatório

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Identificação da acção, das partes, do pedido e da causa de pedir

- Identificação das defesas, por excepção e por impugnação

Saneamento com conhecimento das excepções e indicação da dispensa de

instrução – 5,00 valores

Saneamento

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Saneamento: competência, personalidade e capacidade judiciárias

- Conhecimento da excepção de Incompetência Territorial

- Conhecimento da excepção de Ilegitimidade Passiva

- Conhecimento da excepção de Intempestividade da Acção

- Regularidade do processo

- Indicação do fundamento para a dispensa de instrução

Colocação das questões a decidir – 0,50 valores

Colocação das questões a decidir

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Indicação correcta das questões

Indicação dos factos e motivação – 3,80 valores

Indicação dos factos e motivação

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Indicação correcta dos factos e sua motivação

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Conhecimento do mérito – 8,10 valores

Conhecimento do mérito

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Análise dos cinco pressupostos da responsabilidade civil (facto, ilicitude, culpa, dano

e nexo de causalidade)

- Conhecimento do pedido de juros

- Julgar prejudicado o pedido de condenação em responsabilidade civil por facto lícito

- Condenação em custas

Dispositivo – 1,50 valores

Dispositivo

- Exposição, capacidade de argumentação, de síntese e domínio da língua portuguesa

- Julgamento de cada uma das excepções

- Julgamento da acção

- Condenação em juros

- Julgar prejudicado o pedido de condenação em responsabilidade civil por facto lícito

- Condenação em custas

- Fixação do valor da ação