Grande Ensaio Equipe Leste 1 - Programa Vocacional 2015

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Ensaio de Pesquisa - Ação Vocacional 2015 O entrelaçar de dez vozes Artistas Orientadores: Daniel Freitas, Eva Figueiredo, Igor Gasparini, Miguel Prata, Nina Giovelli, Osvaldo Pinheiro, Paulo de Tarso, Rafael Truffaut e Ronalde Monezzi Coordenador de Equipe: Robson Alfieri Coordenador Regional: José Romero Equipamentos: CEU Aricanduva, CEU Formosa, Teatro Zanoni Ferrite, Biblioteca Cassiano Ricardo, Biblioteca Adelpha Figueiredo e Biblioteca Afonso Taunay SÃO PAULO 2015

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Durante todo o ano de 2015, houve uma tentativa infinita de registrar os encontros do Programa Vocacional através de um imagem/foto que sintetizasse a comunhão entre o artista vocacionado, o artista orientador e a processo criativo que os rodeava. No princípio, era apenas a captura de uma fotografia, depois esta foto começou a transformar o encontro em uma obra de ficção, e ao mesmo tempo um registro da realidade e um autorretrato. O objeto era o processo criativo, o vocacionado, o artista e o “fotógrafo” em transformação. Peter Urmenyi diz que: “A fotografia é a poesia da imobilidade: é através da fotografia que os instantes deixam-se ver tal como são”. O registro imagético não dava conta da imensidão do que acontecia no espaço de criação, no entanto, ele tentava capturar o sentimento explodido na pele/corpo de quem estava atrás, ao lado e na frente da câmera.A partir dessa deliciosa aventura, a equipe Leste 1 decidiu então utilizar esse sentimento imortalizado como um disparador para aquilo que fervilhou durante todo o ano. Como se a fotografia possibilitasse a abertura de um portal do passado não tão longínquo.Somos 10 artistas descobrindo juntos e misturados o sabor do encontro.

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EnsaiodePesquisa-AçãoVocacional2015

Oentrelaçardedezvozes

ArtistasOrientadores:DanielFreitas,EvaFigueiredo,IgorGasparini,MiguelPrata,NinaGiovelli,OsvaldoPinheiro,

PaulodeTarso,RafaelTruffauteRonaldeMonezzi

CoordenadordeEquipe:RobsonAlfieri

CoordenadorRegional:JoséRomero

Equipamentos:CEUAricanduva,

CEUFormosa,TeatroZanoniFerrite,BibliotecaCassianoRicardo,BibliotecaAdelphaFigueiredoeBibliotecaAfonso

Taunay

SÃOPAULO2015

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ÍNDICE

1. PREFÁCIO–ROBSONALFIERI...............................................................03

2. ENSAIO–A.O.MIGUELPRATA...............................................................05

3. ENSAIO–A.O.IGORGASPARINI.............................................................11

4. ENSAIO–A.O.RONALDEMONEZZI......................................................17

5. ENSAIO–A.O.NINAGIOVELLI................................................................21

6. ENSAIO–A.O.RAFAELTRUFFAUT.......................................................28

7. ENSAIO–A.O.EVAFIGUEIREDO............................................................32

8. ENSAIO–A.O.OSVALDOPINHEIR0......................................................38

9. ENSAIO–A.OPAULODETARSO............................................................42

10. ENSAIO–A.ODANIELFREITAS..............................................................49

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PREFÁCIO

Durantetodooanode2015,houveumatentativainfinitaderegistraros

encontrosdoProgramaVocacionalatravésdeumimagem/fotoquesintetizasse

a comunhão entre o artista vocacionado, o artista orientador e a processo

criativo que os rodeava.No princípio, era apenas a captura de uma fotografia,

depoisestafotocomeçouatransformaroencontroemumaobradeficção,eao

mesmo tempo um registro da realidade e um autorretrato. O objeto era o

processo criativo, o vocacionado, o artista e o “fotógrafo” em transformação.

Peter Urmenyi diz que: “A fotografia é a poesia da imobilidade: é através da

fotografiaqueosinstantesdeixam-severtalcomosão”.Oregistroimagéticonão

davacontadaimensidãodoqueacontecianoespaçodecriação,noentanto,ele

tentavacapturarosentimentoexplodidonapele/corpodequemestavaatrás,ao

ladoenafrentedacâmera.

Apartirdessadeliciosaaventura,aequipeLeste1decidiuentãoutilizar

esse sentimento imortalizado como um disparador para aquilo que fervilhou

durantetodooano.Comoseafotografiapossibilitasseaaberturadeumportal

dopassadonãotãolongínquo.

Somos10artistasdescobrindojuntosemisturadososabordoencontro.

NOTAPARAOLEITOR:Destacamosalgunsassuntosaolongodetodooensaio,colorindootextoconformelegendaabaixo:

-Contexto

-ProcessoArtístico-Pedagógicoem2015

-FormaçãoeEmancipação

-Interlinguagens

-Referências

-Questionamentos

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Prólogo(ouintermezzo)

Em2014,atuandonoCEUFormosaemmeuprimeiroanonoPrograma,

orientavaapenasumaturma,queseencontravaduasvezesporsemanaprafazer

teatro. Em 2015 no Zanoni Ferrite, foram três. Três caminhos, três processos

criativos, com todas suas crises, erupções, tempestades, calmarias, ódios e

amores. Tudo triplo. Ainda participando do Grupo de Trabalho Vocacional

Memória,realizamosumencontropúblico,novaspublicaçõesnoBlog,acriação

deumapáginanoFacebook,umaentrevistaeoprincípiodaorganizaçãodeum

acervodoPrograma.Tudoisso,emaismuitasreuniões,ocupações,assembleiase

açõesemequipe.

Experimentareiiniciaresseensaioapartirdapergunta:comoeuaguentei

esseano inteiro,aindadivididoemoutros trabalhos, irnos encontros, reuniões e

açõeseaindaestarcomalgumasaúdeemdezembroeescrevendonovascartasde

intençãoparaseguircomtudoisso?Tragoparapertodestaperguntaàquefiza

todosvocacionadosnoiníciodoano:Oqueeuvenhofazeraqui?Ampliandopara:

OqueseguememovendoparapertodessePrograma?Nomeiodesuascondições

decontrataçãoeestruturadetrabalho.

Percorrerão este ensaio, imagens, fotografias, realizadas pelo

Coordenadordessaequipeepelosprópriosvocacionadosaolongodoano.

Atravessandoaescrita,algumasinterferênciasdefragmentosdamemória

doprogramaemitálico.

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Toda-via,prosseguir

PorMiguelPrata

(ositensnãoestãoemordemdeimportância)

1. UMAQUESTÃODEEXPERIMENTAÇÃO

De certa forma, os lugares que ainda preservam alguma liberdade em

processoscriativos,estãoemambientesdeformação.Háquesereconhecerque

nesses casos, muitas vezes (conhecemos também, infelizmente, exceções), se

carregamenoscompromissosparaacriaçãoartística.Nãoexisteanecessidade

de comercializar sua obra, seja diretamentepara opúblico, seja indiretamente

pelo incentivo público. Estamos resumindo um pouco superficialmente a

questão,mas partiremos do princípio que no ambiente da formação, a criação

artísticatemcomomaiordoscompromissos,arelaçãocomaprópriaformação,

ouseja,umcompromissocomodesconhecido,comoquemoveeformaoser,ou

seja,édeterminadamaisporfatoresinternosqueexternos.

Nesse sentido, pude caminhar com as turmas por diversos caminhos,

experimentar novas práticas com a ação teatral, diálogos inesperados com a

dança, outras possibilidades cênicas que nem sempre se refletem na obra

apresentada ao final do ano, mas mobilizam um trabalho de 8 meses. Ainda

assim,podesetambémousarnessaobrafinal,umadireçãoassinadaporquem

nunca dirigiu, figurinos de figurinistas sem cursos prévios, trilhas sonoras de

músicos inesperados, iluminações de atores apaixonados, dramaturgias

incidentais e atuações de grande intensidade de crianças, jovens, adultos e

velhos,madurosounãonotratamentocomacena.

Na fundação do Teatro Vocacional a gente partiajustamentedasdiferençasqueexistiamentreoteatroprofissionaleonãoprofissional.NosajudoumuitooestudoteóricodoalemãoManfredWekerth, que trabalhava com Brecht e escreveu o livrointeressantíssimo Diálogos sobre a encenação. Para o TeatroVocacional,sentíamosanecessidadedenosdebruçarmossobreospontospositivostantodoteatroamadorquantodoprofissional.Agente percebe que várias coisas consideradas negativas para oteatro profissional podem ser consideradas positivas para oamador, ou vocacional. A longevidade do trabalho do teatroamador, por exemplo, pode levar a necessidade não de se

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apresentar,masdeaprofundarotrabalhosobreumtema.Ocorpodoatortambéméumaquestãofundamental.CELSOFRATESCHI.1

2. UMAQUESTÃOPOLÍTICA- LongotrechocomMariaTendlau:

Como foi conformado o projeto, num processo muito

coletivo de investigação – em que cada orientador tentavatranspor sua experiência de criação conforme ocorria nos seusrespectivos grupos teatrais profissionais e compartilhava suasdescobertas, conquistas e malogros, com uma equipe deorientadoresbastanteinteressadanadescobertadeprocedimentosque garantissem um aprendizado a partir da experiência dacriação–eramuitodifícil estabeleceraprioriumroldepráticascomuns.Oqueregiaestainvestigaçãoeraaavaliaçãosistemáticade seus resultados e a disposição para a correção dos desvios,mirandoumprincípioúnico:oteatropodesercompreendido,comoconformação, tradução estética, de um olhar critico para arealidade,atravésdapráticadacriação.Oquefacilita,ameuver,a tradução mercadológica deste enunciado são duascaracterísticas de seu modo de ação: primeiro o fato do TeatroVocacionalatenderumpúblicoqueéalvoparaaçõesde inclusãosocial e de controle de “risco social”; e segundo, por utilizar aformapedagógica, ou seja, estabelecer processos deaprendizado,numarelaçãoorientador-orientado,indivíduo-grupo.Cria-seassimumprojetoquepodesersimplesmentetraduzidonumarelaçãodeatendimento (e não de co-investigação, de co-criação) a umapopulação especialmente relevante para as diversas ações decontrolesocial.2

1EncontropúblicorealizadonoTendaldaLapaemagostode2014.Verentrevistacompletaemhttps://vocacionalmemoria.wordpress.com/2014/10/29/encontro-publico-com-celso-frateschi/2Entrevistacompletaemhttps://vocacionalmemoria.wordpress.com/2014/10/29/entrevista-com-maria-tendlau/

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- Ação de toda equipe de artistas do Programa em apoio a ação dos

estudantessecundaristas.

VERLINKhttps://www.facebook.com/robson.alfieri.5/videos/10206906739020049/?

theater3. UMAQUESTÃODEESTARENTREASLINGUAGENS

VERLINKhttps://www.facebook.com/ronalde.monezzi/posts/1046746825369350

Noiníciodoano,pudemosemnossasreuniõesdeequipeconversarmuito

sobreomodocomocadaartistaconduzia(ouplanejavaconduzir)seuprocesso,

ecomoissosedavaemdiferenteslinguagens.Apartirdoslimitesdecriaçãode

cada uma delas, íamos questionando nosso modo próprio de pensar cada

encontro e uma forma que às vezes se cristaliza e enrijece no pensar um

processoartísticoemdeterminadalinguagem.

Pordiversasdemandasnãopudemosseguirnessesdebates,porémcreio

que essa relação inter-linguagens da equipe se expôs commais vigor em uma

açãocoletivanaBibliotecaAdelphaFigueiredo,juntandoartistasorientadorese

vocacionadosdediversaslinguagensnumaaçãocomum.

Anovadistribuiçãoporterritóriostambémpermitiuumencontrocoma

orientadora de dança que atua também no Teatro Zanoni Ferrite, abrindo a

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possibilidadededeslocamentosde vocacionadospor entre as linguagens eum

fortalecimento da ação do Vocacional no espaço, culminando em um final de

semanaemquemaisdemilpessoascompareceramaoteatroparaverteatroe

dança.

Corpo:moradademinhaloucura3

4. UMAQUESTÃODEAMOR(oudetudooqueco-move)

VER(ecuidarde)CORPOSEMDESCOBERTA

3TrechodapeçaAquisevestealoucura,deumadasturmasdoVocacional2015noTeatroZanoneFerrite.

Umaequipegrandedezartistas

cincoequipamentosquatrolinguagensumagrandeescuta.

Seguir...

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Euqueagradeçodeestaraqui.Ficofelizqueexistaessemovimentodentro

do Vocacional. Significa que o programa está vivo, apesar de todas as

dificuldadesquevocêstêm.Nanossaépoca,nóstambémtivemosdificuldades.E

comoéimportanterecuperararelevânciadoteatrocomoatividadehumanae

divulgá-lo,deixá-loabertoporaí.Existeafelicidadeespecialemestaraquino

Tendal.Foiemocionanteentraraquidepoisde25anos,depoisdainvasãoouda

ocupação.Umprazer.Vouchorarsozinhoaqui.Obrigadopelapresença.CELSO

FRATESCHI.4

A igualdade é fundamental e ausente, ela é atual e intempestiva, sempre

dependendoda iniciativasde indivíduos egruposque, contrao cursonatural

dascoisas,assumemoriscodeverificá-la,deinventarasformas,individuaisou

coletivas,desuaverificação.Essalição,elatambém,émaisdoquenuncaatual.

JACQUESRANCIÈRE.5

4Entrevistajácitada.5RANCIÈRE,Jacques.Omestreignorante:cincoliçõessobreaemancipaçãointelctual.BeloHorizonte:EditoraAutêntica,2011.

Comunhão.(Parausarumcapítulodeumrussofamosonoteatro)

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Claro-EscuroPorIgorGasparini

Apósótimaexperiênciaem2014noCEUFormosa,emquetrabalheicom

corpos bastante distintos e com variadas potencialidades, do jovem ao idoso,

Vocacionadoscomesemexperiênciaemdança,eatéportadoresdenecessidades

especiais, decidi dar continuidade aosprocessosneste equipamentono anode

2015.Estaheterogeneidadeapresentouamimumapaletademuitascores,cada

corpo com seu potencial criativo, com sua história de vida, com sua vontade

comunicativa,dançando...Eestedesafiosemantevevivodurantetodooano,com

alguns remanescentes do ano anterior, e outros novos, igualmente disponíveis

paraodesenvolvimentodosprocessosartísticosemdança.

Ofatodeternaequipeartistasorientadoresdediferenteslinguagensfez

com que o diálogo se potencializasse nesta direção, e isso está diretamente

relacionado à minha atuação: tanto em 2014, em que nosso processo se

aproximoudasartesvisuais,quantoem2015,emquenosaproximamosdotexto

edaliteratura.

Em 2014, desenvolvi alguns processos criativos e a pintura norteou a

investigação. Inspirados ora pela música, ora por técnicas variadas entre as

danças urbanas e contemporâneas, ora por laboratórios, ora por experiências

bastante individuais, tentamos descobrir um corpo-pincel. E, com ele, muitas

telasforampintadas:comenoprópriocorpo,nocorpodooutro;chão,paredes,

objetos e teto; dentro e fora do espaço dos encontros; no teatro; na gestão. O

corpo-pincel, por ser mídia de si mesmo

(Teoria Corpomídia de KATZ e GREINER,

1998), desenhou sua história. E cada

Vocacionado pintou suas memórias e

imprimiu nos gestos toda a sua

experiência pessoal. A cada encontro

foram desenvolvidas novas iniciativas de

trabalho, novos disparadores; partes do

corpo tornaram-se pincéis; e cada um

trouxecadavezmaistintaparanossagrandetela.

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Jáem2015,partimosdestecorpo-pincel,descobertoetrabalhadonoano

anterior, para buscar novas possibilidades de experiência e, desta vez,

encontramosnotexto,enapalavra,grandepartedamotivaçãoparaestadança.

CadaVocacionado foi estimuladoa trazerum

texto (poesia, conto, prosa, poema, entre

outros)que fossesignificativoparaele,queo

tocassedealgumaforma.Apartirdisso,todos

passaram a “dançar esses textos”, tanto

individual, quanto coletivamente, dialogando

nãoapenascomsuaprópriaescolha,mascom

asdosdemaistambém.Cadapoemafoi lidoe

dançado, debatido e resignificado, palavras

foram destacadas, interpretadas... E assim,

nosso processo foi sendo construído, em

diálogodiretocomestaliteratura.

“Poesiaébrincarcompalavras;comosebrincacombola,papagaio,pião;

Sóquebola,papagaio,peãodetantobrincarsegastam.Aspalavrasnão;

quandomais se brinca com elas,mais novas ficam. Comoa água do rio

queéáguasemprenova;comocadadiaqueésempreumnovodia;Vamos

brincardepoesia?”–JoãoPauloPaes6

E passamos a pensar então na Mostra de Processos. “O processo se

engendra de maneira cooperativa, com a participação de todos os artistas

envolvidos, que atuam conjuntamente no decorrer da própria pesquisa de

linguagem. As opções cênicas, nesse caso, não surgem como determinações

vindas de fora, mas de dentro das experimentações, possibilitando uma

investigaçãocoletivadecaráterprocessual” (DESGRANGES,2012,p.205).Esse

trechoextraídodolivro“AInversãodaOlhadela:alteraçõesnoatodoespectador

teatral”resumebemaminhaatuaçãocomosArtistasVocacionados.Emnenhum

momento busquei impor algo (de fora), mas eles próprios foram encontrando6OstrechosdestacadosemitálicosãoalgunsdostextosselecionadospelosVocacionadosparao

desenvolvimentodenossapesquisaClaro-Escuro.

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caminhos(dedentro)quesurgiramapartirdasvárias inquietaçõescorporaise

reflexivasdesenvolvidas ao longodo ano.Oque temove?Qual a busca?Quais

questõeslheinquietam?Eapartirdisso,trabalhamosmuitopelaimprovisação,

tentandoaomáximodiversificarosdisparadoresdessadança,sempreatrelado

àssensaçõeseàindividualidade.

Vejo o Vocacional potencializando processos artísticos colaborativos,

vistoqueháa constituiçãodeumcoletivodeartistasem trabalhoconjuntode

investigação.Edestainvestigaçãodiretamenterelacionadaàpesquisadostextos,

percebeu-se que parte deles tinha uma temática mais alegre, enquanto outra

parteeramaisdensaepesada.Destadualidadesurgiuotemadenossamostra:

Claro-Escuro.

A partir disso, dividimos então os textos “claros” e os textos “escuros”,

selecionandopalavrasqueos representassemparaodesenvolvimentode cada

cena:

Claro: espelho, poesia, bravura, alegria, brincar, sensível, morangos e

branco.

Escuro: espelho, dor, tristeza, lágrimas, solidão, caverna, tempestade,

gritarepreto.

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Gostaria de destacar também que houve, neste ano, um princípio de

emancipação de parte dos Vocacionados que, por estudarem juntos na EMEF,

formaramumgrupoparaapresentaçõesdiversasemeventospromovidospela

própria Escola como Feiras Culturais e Show de Talentos. Este grupo de

adolescentesseorganizouemhoráriosdistintosdasorientaçõesdoVocacional,

ensaiaram por conta, e foram respaldados pela Coordenação do CEU que os

apoiou, cedendo espaçopara que ensaiassem.Eles criaram sozinhosuma cena

completa que foi algumas vezes apresentada. Sob a minha orientação, e

utilizando dos conhecimentos adquiridos ao longo do ano, puderam dar um

passo além, que acredito que deva ser destacado justamente por ser um dos

pilaresdestePrograma.Tenhoentãoincentivadoquecontinuemseencontrando,

mesmonoperíododerecesso,paraque,quemsabe,nãosurjadaí,umgrupode

dança.

"Emcadapassopercorremosdiversoscaminhos,emcadagiroviajamoso

mundo,emcadaolhartransmitimosdesejos,emcadatoquemultiplicamos

sensações, em cada queda transcendemos a emoção, em cada dança

sonhamos;comospésnochão"-RinaldoDonizetedeFreitas

GostariadedestacaraindaaAçãoCulturalquenossaEquiperealizouna

BibliotecaAdelphaFigueiredo,vistoqueofocodesteencontrofoi justamenteo

diálogodasvárias linguagensque compunhamnossogrupodeorientadores.A

partirdasobrasdosartistasvocacionadosdeartesvisuaisdoCEUAricanduva,

que foram expostas como em uma galeria no piso superior da biblioteca, o

encontrotevetotalliberdadeparaquecadaumseexpressassedamaneiralivre:

tocandouminstrumento,cantando,dançando,atuando,pintando...Comalgumas

poucas indicaçõesqueafixamosnasparedescomodisparadores,ecomaúnica

regra de não poder falar, houve um lindo momento de compartilhamento

artístico, sem julgamento, em que cada vocacionado pôde experimentar das

váriaslinguagens,nãonecessariamenteasua,expressarseusdesejos,dandovoz

ao seu interior. O rastro deste encontro ficou impregnado nas paredes, com

frasesepalavrasque foramescritasdochãoao teto,umamarcapotentedeste

encontronaqueleespaçoeemcadacorpoqueestevepresente.

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Paraencerrar,aindapensandonaMostradenossoprocesso,acreditona

importânciadeumtrabalhoquepromovaumdiálogocomopúblico,queolevea

refletir, pensar, questionar. Não defendo que deva haver um entendimento

completodaobra,maseu,enquantoartista,devoapresentarcaminhosparaque

opúblicopossaencontrarsuasformasdeinterpretação.Eomeioutilizadopara

essacomunicaçãoéocorpo,mídiadesimesmo,queporsisó, jáapresentaum

fluxoconstantedetrocadeinformações,segundoaTeoriaCorpomídia.

A comunicação ocorre permanentemente na relação entre corpo e

ambiente. Todo corpo, humano ou não, existe e pode ser chamado de corpo

quandopuderseridentificadoporumacoleçãocircunscritadeinformaçõesque

não para de se transformar. “Meio e corpo se ajustam permanentemente num

fluxo inestancável de transformações emudanças” (KATZ eGREINER, 1998, p.

91).Acomunicaçãoéentãotecidaporesseajustecontínuodetransformações.

Sendo cada corpo uma mídia de si mesmo, isto é, do conjunto

circunstancial de informações que o torna corpo e que nunca se completa, é

possívelafirmarqueosprocessosdecomunicaçãonoambientenãoseestancam,

vistoqueo fluxodetrocasentreamboséconstante.Énofluxocomunicacional

que corpo e ambiente lidam com as informações, e elas buscam a sua

sobrevivência através da adaptação e da reprodução. É neste ponto que se

inscreveomeumomentoprofissionalatualemuitodoquevejocomopotencial

nosVocacionados,poiscadacorpoquechegaàsorientaçõesjátrazconsigotoda

asuacoleçãodeinformações,dehistórias,dememórias.

Oquevemdedentro?Oquevocêdesejaexpressarcomsuadança?Qualé

essa dança interior? Consequentemente, o objetivo foi então o de mostrar o

potencial de cada corpo, individualmente, compensando a heterogeneidade

inerente à realidade do nosso grupo: lendo, escrevendo, falando, dançando...

Claro-Escuro conseguiu desenvolver sua forma de escrita em dança e que eu

esperopoderternovaspáginas,ouumanovaedição,em2016.

“Apoesianão é sentimento,mas experiência, e quepara escreverum só

verso é preciso ter visto muitas cidades, homens e coisas, conhecer os

animais, sentir comovoamospássarose saberquemovimento fazemas

flores ao se abrirem pela manhã; é preciso ter lembrança de mulheres

sofrendonahoradoparto,depessoasmorrendo,decriançasdoentes,de

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diferentes noites de amor; e depois é preciso esquecer tudo isso, esperar

quetudoissoseincorporeaonossosangue,aonossoolhar,quetudoisso

fiquefazendopartedenós”.–R.M.Rilke

Referências:

DESGRANGES,F.AInversãodaOlhadela:alteraçõesnoatodoespectadorteatral.

SãoPaulo:HucitecEditora,2012.

KATZ,H.;GREINER,C.Anaturezaculturaldocorpo.InLiçõesdeDança3.Org.:

SilviaSoterRobertoPereira.RiodeJaneiro:Univercidade,1998.

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Interdisciplinaridade:ArtesVisuais,Teatro,Dança,MúsicaeLiteraturacomoeixosde

processoscriativos.

PorRonaldeMonezzi

A educação atual ainda se preocupa na sua maior parte, com o

desenvolvimento cognitivo e técnico do aluno, a absorção de informações, ou

seja, a formação de um indivíduo voltado para o exercício de uma profissão

específica,comprojeçãonomercadodetrabalho.Confereseàeducaçãoatualum

sentidoutilitaristaetecnicista,característicasvoltadasparaainformação.

Naeducação tradicional, contextosvoltadosparaavalorizaçãodenossa

cultura, sensibilidade, do lúdico, costumes regionais, da criatividade, são

deixados em segundo plano a favor da democratização do ensino e de uma

cultura educacional que privilegia a globalização e a massificação de ideias

estabelecidas para o desenvolvimento socioeconômico do país. As artes como

meiospossíveisdemelhoriasocial,aindasãoconsideradascomoformaçõesnão

tão necessárias ao desenvolvimento humano e, destamaneira, carecemde um

tratamentodiferenciadonãoamparadopelaeducaçãobásica.

Consequentemente,cadavezmaisasociedadetransbordasedetécnicos,

formapessoasmenossensíveis,despreocupadoscomoutro,comobem-estardo

planeta e das pessoas a sua volta e cada vez menos, estabelece os futuros

apreciadoresdearte,estudiososnaárea,docentesdeensinoartísticorepletosde

umidealhumanitárioeformadordapersonalidade.

O filósofo Gusdorf (2006) admite que a interdisciplinaridade permite

reagruparassignificaçõesdoconhecimentoepreservarasua integridade,pois

revisitaahistóriadahumanidadecomointuitodecumpriresteobjetivo.Oautor

vêna interdisciplinaridadea capacidadede reunirde formaordenadao saber,

sem aumentá-lo de forma desordenada. A interdisciplinaridade confere

qualidadeaosdiversossaberes.Atuanocampodossaberesdeformacentrífuga,

contrariando a força centrípeta que atualmente os acolhe. Ela ordena o

conhecimento,sobaaçãodaconvergênciaepermitereconstituirasuaunidade.

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A ideia de integração e de totalidade presente na interdisciplinaridade

permite a conciliação de conceitos pertencentes às diversas áreas do

conhecimento,comafinalidadedepromovernovosconhecimentos.

A interdisciplinaridadeadotadopeloProgramaVocacionalem2015,não

somente se reverberou na sua organização e pensamentos nas equipes, mas

tambémnamaneiracomoosvocacionadospassaramapromoverareexplorarão

das fronteiras das Artes Visuais, Teatro, Dança,Música e Literatura existentes

entreelas,comointuitodeorganizarossabereseasparcelasdecontribuiçãode

cada uma das linguagens. A interdisciplinaridade sintetizou as diversas

linguagensemproldestaunidade.Elaseestendeparaaeducação,pelo fatode

permitir a quebra da rigidez dos compartimentos onde as disciplinas ou

linguagens se encontram isoladas nos currículos escolares. Mais que isso, ela

permiteaformaçãodeumaetapasuperiorparaaslinguagens.Elacondensauma

carênciametodológicalegítimaenecessária,poisprocuraaintegraçãocurricular

paraalémda trocade informaçãosobreobjetivos, conteúdos,procedimentose

compatibilizaçãodebibliografiaentredocentes.

Ainterdisciplinaridadeéumfenômenocontínuo,quenuncapara,queestá

emconstantemovimento.AArteéumobjetodeconhecimentodinâmico,devida,

designificados,decriaçãoesensibilização.Por taismotivoséqueambasestão

intimamenteligadas,secompletamesefundem.

Trabalhar de forma interdisciplinar no Programa Vocacional se faz

necessário,poisnãoexisteumefetivoensinodeArteseelenãoproporcionarao

alunoareflexão,aexperimentaçãoeacriação.

Somente a partir de mudanças que levem em consideração as relações

profundas entre as linguagens artísticas, a educação poderá se tornar

significativaetransformadora.

ProcessoArtístico-Pedagógicoem2015https://www.youtube.com/channel/UCHR7DMR4IJDuueJqqtUmVPw

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“EmArte,procurarnãosignificanada.Oqueimportaéencontrar”. PabloPicasso

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ReferênciasBibliográficas

LIMA, Sonia Albano; BRAZ, Ana Lucia Nogueira: Interdisciplinaridade:

Arte,linguagenseculturacomoeixosdeprocessoseducativos,artigo,2012.

GUSDORF,G.O gato que anda sozinho. In: Pombo,O.; Guimarães,H.M.;

Levy, T. Interdisciplinaridade - Antologia. Porto: Campo das Letras, p. 13-36,

2006.

LIMA, Sonia Albano. Ambiente musical, pensamento interdisciplinar e

educação. GHIENA, Alejandro Pereira et allium (Ed), Actas del X Encuentro de

Ciencias Cognitivas de la Musica. Buenos Aires/ Argentina: SACCOM

/UniversidadAbiertaInteramericana.ISBNn.978.987.27082.0.7.20-23Julio

de2011,p.911-917.

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Experimenta-tenta-recebe-doa-expande-recolhe-pausa-articula-gira-desarticula-quebra-vibra-

reage-propõe-escuta-diz-repete-pausa-trasforma

PorNinaGiovelli

“Experimentar”, verbo transitivo e pronominal, que instauramos como

ação principal e como modo de operar das orientações de Dança no Teatro

Zanoni Ferrite. Nos instrumentalizamos como artistas, dando ferramentas e

provocando os artistas vocacionados a experimentarem seus corpos como

potência para assim criarem possibilidades de ter mais autonomia, para que

ampliassem suas as maneiras de operar no mundo, de conviver, de se

experimentaresecolocar,sempreapartirdocorpoedomovimento.

Apropostaerasempreamesma,masabriaparamúltiplaspossibilidades:

experimentar o corpo através da dança, um “programa de experimentação” é

propostoeosvocacionadosentramemdeviresdasrelaçõescomsuassensações,

com o outro, com os espaços do teatro. Nossos encontros funcionavam como

fissuras no tempo e na realidade, sempre apareciam nas conversas e relatos

sensaçõesdedescontinuidadedotempo-espaçoedocorpo.

Emsuaconferência“Notassobreaexperiênciaeosaberdeexperiência”

JorgeLarrosaBondía,coloca:“somossujeitosultra-informados,transbordantesde

opiniões e superestimulados; sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E por isso,

porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos sempre em

atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos parar. E, por não

podermosparar,nadanosacontece”,sobaressonânciadessaquestãoeengajada

na proposta do Vocacional de instaurar processos artítico-pedagógicos

emancipatório,mevinumprocessodeconstrução-desconstrução-transformação

com os vocacionados, foi um período intenso em que buscamos apenas

experimentar,semtentarproduzir.

Tomamosocorpocomopontodepartida,permanecemosnele,insistimos

(a dança exige um trabalho infinito para que se possa aprofundar e criar

condições - no corpo- para a emergência de poéticas), nos acalmamos,

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respiramos,nos libertamosda idéiadequeoencontrodeveriaser“produtivo”,

“eficiente”eentãoalgo(nos)aconteceu.

“A experiência é, em espanhol, “o que nos passa”. Em português se diria que a

experiência é “o que nos acontece”; em francês a experiência seria “ce que nous

arrive”;emitaliano,“quellochenossuccede”ou“quellochenosaccade”;eminglês,

“thatwhatishappeningtous”.Aexperiênciaéoquenospassa,oquenosacontece,

oquenostoca.Nãooquesepassa,nãooqueacontece,ouoquetoca.

A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos

acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para que nada nos

aconteça.”Bondía.

Partindo dessa idéia de experiência, como possibilidade de que algo nos

aconteçaounostoque,trabalhamosadançacomo“acontecimentonocorpoeno

espaço” que provoca/gera poéticas. “Porqueadançanão éummero reflexoda

realidadequelheéexterior,masésobretudoumprocessodeconstruçãodeformas

esentidosatravésdaaçãodocorpo” (Maria JoséFazendanoprefáciodaedição

portuguesa do livro Poética da Dança Contemporânea de Laurence Louppe),

assim desde o início das orientações fomos trabalhando dança e corpo como

tema e como meio e não como comentário da nossa realidade. E aqui nos

deparamos com um processo intenso de desconstrução de ideologias sobre a

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dançaedecamadasjáimpressasnoscorposvocacionados,fomostransformando

aospoucos.

“Ao longo do ano, o corpo e os processos de composição individual e

coletiva, avançaramno sentido de construir uma linguagem, ligando as práticas

diárias a uma reflexão consistente. Fomentou uma minuciosa investigação dos

ritmos internos do corpo, das relações que cada um construiu entre o espaço, a

coletividade, a partir dele, seus códigos e tempo próprios, elaborando uma nova

retóricaartística a cada jogo, construção e experimento.O eterno espiral que se

formanessacontínuapesquisaentreosencontroseoscaminhosabordadosatravés

dos jogos de composição, articulação, partituras de movimento, relação entre

corpo e espaço, fez com que cada corpo pudesse abrir canais de percepção e de

troca,umaautonomiaparaaamplificaçãodapossibilidadedadançaacontecerem

umcorpoquedança,nãosóadança.”

“Tornar esse corpo conscienteme permitiu trazer à tona os estudos e as

vivências sobre o movimento do pôr em cena, explorar meios, formas, assim,

associá-losanovasdescobertas,afimdetraçarmapascorporaisparaumanovae

mais gostosa estrutura de entendimento dançante, na prática. Deste modo,

resgatou em mim a importância e o lugar de estar no tempo da ação, um ser

humano inteiro,presente,ativo,dinâmico, emmovimento, emconstantevir-a-ser

elemesmo,quecrianovasmaneirasdeperceberomundodepensararespeitoda

experiênciahumanaparaumaexperiênciamaterialdomovimento.

Aqui, nos encontros, os meus – e da matéria do coletivo - os desejos se tornam

dança,palavras,gestosdocotidianosetornamdança,onão-espetáculodedança.

Neste ano nasceu um novo momento, que ampliou discussões, quebras de

paradigmas, propondo novas ordens, ou mesmo uma “desordenação” necessária

paraacomposiçãodoEXPERIMENTOI.”(relatodeumaartistavocacionada)

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Comomover?

Comover

Co-mover

Comover

Para que algonosaconteça,nos toque, para que a experiência nos tome

“requer (de nós) um gesto de interrupção, um gesto que é quase impossível nos

tempos que correm: requer parar para pensar, parar para olhar, parar para

escutar,pensarmaisdevagar,olharmaisdevagar,eescutarmaisdevagar;parar

para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião,

suspenderojuízo,suspenderavontade,suspenderoautomatismodaação,cultivar

aatençãoeadelicadeza,abrirosolhoseosouvidos,falarsobreoquenosacontece,

aprendera lentidão,escutaraosoutros, cultivaraartedoencontro, calarmuito,

terpaciênciaedar-setempoeespaço.”,citandonovamenteBondía.

Essa disponibilidade é algodifícil de instalar,mas o engajamentoque o

jogoeadançapedem foramapontandocaminhos,paraouvirantesdepropor,

paradarespaçoparaooutro.Nesseaspectogostaríadedestacardoismomentos:

1.oencontroquerealizamosnaBibliotecaAdelphaFigueiredo,umeventointer-

disciplinar que reuniu no mesmo espaço de experimentação as linguagens da

equipe Leste 1 (artes visuais, dança, música e teatro provocamos nos

vocacionados um estado corporal de suspensão do juízo, da vontade, do

automatismo da fala e da ação, abrindo espaço para eles experimentarem e

criarem.

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-Vendaroolhosparaaguçaroutrossentidos(audição,tato,cinestesia);

-Instaurarosilêncioparaabrirocorpoparaoutrasmaneirasdesecomunicar;

-Darespaço,instrumento,conteúdo,meios,entres…

A potência desse encontro materializou de fato um estado de

experimentação nos nossos corpos, algo nos aconteceu. E ao refletir sobre o

encontrocomosvocacionadospensamosemcomoaartepodesernãosóinter-

disciplinar como também indisciplinada: arte como manifesto, como potência,

como experimento, como tentativa, como criação e transformação de nós

mesmos,comomaneiradecriarsentidosdecoletividadeedecriarlinhasdefuga

parapotencializaroutrasrealidades.

2.MostradeProcessosdoTeatroZanoniFerrite;querealizamosemparceria

comogruposdoVocacionalTeatrodessemesmoequipamento.

Oroteirocoreográficoquecriamosfoinadamaisquemaisum“programa

de experimentação”, nosso foco sempre foi o processo e não a criação de um

“produto coreográfico”. Com muito trabalho e concentração os vocacionados

entraramemcenanorisco,nodesconhecido,poistudosedarianaperformance,

nomomento, na experiência.Não tínhamos certezas, aliás estávamos tentando

desestabilizarasnossascertezaseascertezasdopúblico,apoéticaemergiudo

acontecimento coletivo, da escuta; nosso jogo é uma provocação ao jogo do

cardume, estar juntos mas escutando as potências individuais, para assim

criar/transformarcoletivamenteoespaçoatravésdadança.

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“Cadaperformanceéumarespostamomentâneaparaquestõesrecorrentes:

o quê é corpo? (pergunta ontológica); o quê move corpo? (pergunta cinética,

afetiva e energética); o quê o corpo pode mover? (pergunta performativa); quê

corpopodemover?(perguntabio-poéticaebio-política).”colocaaatriz,performer

e professora Eleonora Fabião, perguntas e repostas que nos movem e nos

mantém vivos nessa busca da emancipação através do fazer artístico-

performático.

Voltandoàprimeirapergunta,“oqueécorpo?”,queamplianossabuscade

arte/dança como criaçãodemundo enão como comentáriodemundo, penso

que é uma questão de muitas respostas e que estando mergulhada nesse

processo com os vocacionais e nesse ensaio sigo de olhos fechados, tateando

Fabião que tateia Espinosa: “Corpos são vias, meios. Essas vias e meios são as

maneirascomoocorpoécapazdeafetaredeserafetado.Ocorpoédefinidopelos

afetosqueécapazdegerar,gerir,receberetrocar.(…)umcorponãoéseparável

desuasrelaçõescomomundopostoqueéexatamenteumaentidaderelacional.O

corpo espinosiano não está, e nunca estará, completamente formado, pois que é

permanentementeinformadopelomundo,ou,partedemundoqueé.Inacabado,ou

ainda, inacabável, provisório, parcial, participante – está, incessantemente, não

apenassetransformando,massendogerado.”

Criar corpo propondo esse olhar espinosiano; pensando o corpo como

territóriodepassagem, como lugarde chegada, comoespaçodoacontecer;vai

gerandoemnósumatransformaçãonanossamaneiradesecolocarnomundoe

nosajudaaquestionarasrelaçõesdepoderqueestamosinseridos;terminoessa

reflexãocitandoomanifestoartísticodeAdrianaGrechi(artistadadança):

“Dança para: Intensificar e ampliar a vida. Tornar o corpo poroso. Criar

sentidode comunidade.Reconhecerque euÉumoutro.Retorcer, amassar,

esticar,arranhar,dobrar,atravessaracadadiaumacamadamaisprofunda

da pele. Aceitar que somos vulneráveis. Celebrar e contestar o presente.

Inventarpossíveisfuturoscomuns.”

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Referências:BONDÍALARROSA,Jorge.Notassobreaexperiênciaeosaberdeexperiência.Conferência proferida na UNICAMP dentro do I Seminário Internacional deEducação,2001.COHENBAINBRIDGE,Bonnie.Sensing,FeelingandAction-TheExperientialAnatomyofBody-MindCentering.ContactEditions.2008.FABIÃO, Eleonora. Performance e teatro: poéticas e políticas da cenacontemporânea.Artigoescritoem2009.

LOUPPE,Laurence.Apoéticadadançacontemporânea.Lisboa:EditoraOrfeuNegro,2012.

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Datradiçãoedatransformação

PorRafaelTruffaut

(Última foto do ano do Vocacional TeatronoCEUFormosa.Umvocacionadosozinhono palco em diálogo com a plateia,construindo uma narrativa. Tradição doteatro: um ator, uma plateia e umahistória. Tradição do vocacional: alinguagemesuasproblematizações.)

(Primeira foto do anoVocacional Teatro no CEUFormosa:noprimeiroplano,um tênis de muitas cores.Simbologia, recém batizadapor mim para odesenvolvimentodestetexto,da nova estrutura doVocacional: interlinguagens.Num segundo plano da foto:o palco e os vocacionados.Transformação.)

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Uma cultura tem dois aspectos: os significados e direçõestradicionais, em que seus membros são treinados; e as novasobservaçõese significados,quesãoapresentadose testados.Estessãoosprocessosordináriosdassociedadeshumanasedasmenteshumanas,eobservamosatravésdelesanaturezadeumacultura:queésempretantotradicionalquantocriativa;queétantoosmaisordinários significados comuns quanto os mais refinadossignificados individuais. Usamos a palavra cultura nesses doissentidos: para designar todo um modo de vida – os significadoscomuns; e para designar as artes e o aprendizado – os processosespeciais de descoberta e esforço de transformação da mesma.Alguns escritores usam essa palavra para um ou para o outrosentido,mas insisto nos dois, e na importância de sua conjunção.RaymondWillians,“ACulturaéOrdinária”

Tendomaisdedezanosdeexistência,oprogramavocacional, comoum

programa de cultura, obviamente criou suas raízes e tradições. A divisão das

linguagenseasmostrasdeprocessos forampilares solidificadospor todoesse

tempocomofatoresintrínsecosaoprograma.Oencontrodeumartistadeteatro

com o de música ou de dança se dava, muitas vezes, num esforço entre seus

artistas orientadores ou, numa atitude muito similar ao comportamento

paulistano do “vamosmarcar de se ver”, em promessas de “vamos fazer uma

açãoaí…”

Neste ano, experimenta-se adivisãodeequipespor região,deixandode

ladoadivisãopelaslinguagens.Trêsdemúsica,doisdedança,trêsdeteatro,um

devisuais,umcoordenadordeteatro.Atradiçãosofreumarupturaemdireçãoa

uma transformação. Gera-se uma expectativa de como será as ações e

encaminhamentos deste ano.Mas até omeio do ano, nada e significativo para

detectarumamudança.

(Parêntesesparareforçarumapessoalidade:nadasignificativodentrodo

processodoteatronoCEUFormosaedomeutrabalhonoprograma.Cienteque

estoudoprazerquemeuscolegasdamúsicarelatavamdesairdaestruturaquea

linguagem de música propunha para o programa. Ciente da mobilidade que

vocacionadosdoCEUAlvarengaedoteatroZanonifizeramentreaslinguagens.

Cientes de outras mudanças que me fogem da memória no momento que

escrevo)

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Unsdoismesesantesdo fimdoano, conseguimos realizarumaaçãode

interlinguagens. As obras dos vocacionados de artes visuais seriamo estímulo

paraacriaçãodeoutrasobrascênicas,visuaisoumusicais.Nenhumdenósda

equipeestavaesperandoo resultadocatárticoque foioencontro.Algomudou,

estavamudandodomododediálogoentreaslinguagens.Saímostodoscomuma

sensação de êxtase, sem dar conta do que aconteceu. A transformação da

tradição ocorreu como num parto, teria que ser diferente após esse encontro.

Umamelancoliaveioemseguidaaomeuêxtase:comolidarcomestaaçãocom

ummêsparaoprogramaacabar?Comeceientãoaproblematizaraação.

Portersidoextremamentesensorialeemocional,nãoconseguimosobter

um espaço para construir no dia uma reflexão sobre o processo com os

vocacionados. Jáeradifícildirecionaraatençãoparaasobrasplásticasapósas

manifestações pós-olhos abertos. Quando conseguimos criar uma roda de

conversa,percebiquetivemosmuitasaçõespotentesnodia:osolhosvendados

num espaço estranho, a relação com as obras plásticas, a possibilidade de

experimentar uma linguagem diferente da sua. Mas tudo ficou secundário em

relação ao “rito” que se impôs. Não menosprezando o rito, mas algo dessa

amplitudemereciaumdesdobramentomaior, construirumcaminhoapósessa

ruptura.NasceuoVocacionalinterlinguagensdaequipe,maseleprecisavaandar.

Trêssemanasantesdo fim:deumamaneiramuito informal,a turmado

Zanonivisitaa turmadoFormosa.Apresentaumacenaaquideum,umaalido

outro, mais algumas e bora fazer roda e conversar. Os meninos vão puxando

temas diversos e chegando em reflexões: maneiras de narrar, criação de

figurinos, produção da materialidade, trabalho em coletivo, feminismo,

circulação entre os espaços. Uma reunião de pesquisa-ação entre os

vocacionados.Comotantasquejápudeobservaremoutrasmostrasdeprocesso.

Me peguei sentindo falta dessas reuniões, dessa tradição. Sim, é a formatura

deles, sem nenhum valor depreciativo na expressão. Fomentando a cultura da

região,seemancipandodedirecionamentosdoartistaorientador.

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(Foto“estrangeira”:peloespaço,provavelmentefoialgummomentonoZanoni.Ovãoentrequemage(nopalco)equemobserva(naplateia).Umanarrativanomeio.Qual seria a narrativados vocacionados após a açãode interlinguagens?Qual será a narrativa? Como eles fomentaram processos híbridos após essaexperiência, quais serão os desdobramentos? Proposta (dentre tantasexasperadas pela incerteza da continuidade do programa, da equipe e dosvocacionados): repensar a ação da Adelpha Figueiredo para o início dostrabalhosnoanoquevem.Buscardesdobramentosparaestaação.Transcenderoritoetransformarainterlinguagememalgocomum,ordinário.)

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ensaiodepesquisa

PorEvaFigueiredo

Na música são sempre muito bem

vistosaquelesmúsicosquetemboa‘leituraa

primeiravista’ouseja,numprimeirocontato

comuma folha cheiade códigose sinais ele

extrai disso, tal como o compositor

concebeu:amúsica.

Masaverdadeéquemesmoomelhor

dos músicos sempre deixa escapar

elementosquenumprimeirocontatonãose

pode extrair de um papel. Elementos que

exigemintimidade,reconhecimentoafetivoe

apropriação.

Este émeu segundo ano no Vocacional e tambémmeu segundo ano na

Biblioteca Cassiano Ricardo, portanto já não se trata mais de uma leitura a

primeira vista sobre o programa, nem sobre o equipamento e quanto menos

sobreocotidianodosprocessos.Nestetempocrieilaços,aprofundeiprocessose

vialçarvootrabalhosdoanoanterior.

Aomesmo tempo, amúsica do vocacional do ano passado emúsica do

vocacional deste ano são completamente diferentes. Este ano estivemos

rompendo, esticando, conectando, celebrando, refletindo e fazendo música, o

cotidiano,naprática,seapresentoudiverso,instigante,apaixonanteedesafiador,

própriodosprocessoscriativosedoprogramavocacional.

O primeiro grande e poderoso contraste deste ano foi a equipe multi-

linguagensquemegerouquestionamentosevontadessobreoprocessocriativo

emmúsica.Estarreunidosemanalmentecomartistasdedança,teatro,visuaise

músicame fezpercorrer os inevitáveis caminhosde semelhanças e diferenças,

sendoasdescobertasdeambososcaminhosmuitoimportantesnocotidianodas

orientações.

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Os artistas das demais linguagens tem a sorte de sua formação misturar

conteúdos e processos criativos com naturalidade, enquanto na música as

nossasformaçõesnãotemestacaracterística.Nestesentidoovocacionalmúsica

éparamimarealização,amaterializaçãodoqueacreditoemarte/educação,pois

darvoz,potencializareasvezes tãosomentecuidardessesprocessoscriativos

latentes, é um feito que não existe em nenhum outro espaço/proposta em

música.

2015

Esteano,porserosegundo,teveasimultaneidadedecolheitaeplantio.E

éclaroqueessepercursofoifeitoamuitasmãos,asmãosdosvocacionados,dos

coordenadores,dosartistasdaminhaedeoutrasequipesedaparceria,sempre

muitoboa,desteequipamento.

UmdostrabalhosiniciadosnoanopassadofoicontempladocomoVAI.A

banda Alameda dos Anjos gravou seu primeiro CD! Todo esse processo do

Alamedacomcertezadavaumnovoensaiodepesquisa,porissovoueconomizar

palavrasanexandooqueescreviparaelesdepoisdoshowdelançamentodoCD.

Mas sem dúvida esse foi um projeto central nesse ano, estimulandomuito os

demais trabalhos que oriento. Além desta, articulei mais uma ação com outra

política pública, um de meus vocacionados foi Jovem Monitor este ano na

Cassiano, e já conseguiu seguirnoCentroCulturaldaPenhanamesma função.

Ontem quando o encontrei estava muito contente, pois descobriu que “luz

tambémseafina!”epretendiafazercursosdeiluminador.

Aindasobreascolheitas,umeventoquecrieianopassadotevesequencia

neste ano, commais público emais artistas, oQuartaAumentada, toda última

quarta-feira domês. A importância desta continuidade, naminha opinião, é a

própriaconstruçãodamemóriadovocacionalnesteespaço,essasações,quando

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continuadas reverberam, garantindo no ano seguinte demanda, dando

visibilidade e gerando algum tipo de “segurança” por parte do público que

começaacontarcomumaagendafirme.

Agora no assunto dos plantios, surgiram este ano três principais

trabalhos: um grupo de choro, o trabalho autoral do Gabriel Ferreira e a

Orquestra Vocacional. Sobre estes três processos vou me demorar um pouco

mais, pois foram eles o cotidiano do

vocacionalmúsicanaCassiano.

O grupo intitulado Filhos de Eva,

neste ano construiu um repertório

baseadonocuriosogostopessoaldesses4

jovens: o choro! Em algum momento me

questionei sobre o repertório dessas

orientações... se eu estava puxando a

sardinhapraomeulado,poisdefatoeuhavialevadodoischorosparatocarmos.

Mas ao longo do processo eles mesmos me tiraram essa dúvida, trazendo

apaixonados um choro atrás do outro para tocarem juntos e comentando o

quantoestavamvislumbradoscomasonoridadedesserepertório.Eufuiapenas

disparadora.Asorientaçõesestiveramcentradasemapenasumgêneromusical

para estesmeninos,masutilizamos este repertório comodesculpa, anteparo e

ponto de partida para inúmeras questões, experimentos, assuntos, discussões,

práticas e conteúdosdamúsicaedavida.Encerramosoano comumshowno

teatrinho da Biblioteca Hans, quando fizemos captação de fotos e vídeos

profissionais,quelogoestarãodisponíveis.Ogrupopretendeensaiarduranteos

meses semvocacionalequase todoselesprestaramconcursonaEMESP.Estes

meninos,sãoemsuamaioriaalunosdaETECdemúsica,ondeaprendemsobre

harmonia, teoria, regência e pratica coral. Em certomomentomedei conta da

importânciadovocacionalmúsica,poisseelestemacessoadiferentesconteúdos

e profissionais da música na ETEC. Me perguntei então: o que os levava a

frequentar regularmenteminhas orientações?A resposta não demorava em se

apresentar na prática do cotidiano... eles deixavam explicito, que tudo o que

fazíamos, falávamos, tocávamosnãosepareciaemnadacomas formaçõesque

estavamfazendoemoutrosespaços.

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O segundo trabalho carrega a duplicidade entre plantio e colheita. Ano

passado,obateristaDaniel Selmerdava

seusprimeirospassosnabateria,comas

minhas preciosas orientações de

clarinetista e cantora! Muitas vezes

ríamos das minhas tentativas de tocar

bateria, e entre uma tentativa e outra,

minha e dele, somado ao infinito

interesse e dedicação dele e também

confiança em mim, esse ano foi diferente! Ele virou Jovem Monitor e pode

comprarcomodinheiroquerecebeumensalmente,ospratosdabateria.Eassim,

desde que vieram os pratos, todos os sábados os pratos da bateria chegavam

antesdemimnaCassiano,eeusubiaasescadascomumatrilhasonoraquefoise

transformando semanalmente. Dos sons desajeitados de quem começa, foi se

configurando uma firmeza de quem alguma coisa já sabe. Assistir essa

transformação ao longo desses dois anos foi muito emocionante. Selmer se

juntouaocriativoGabriel, compositor,cantoreviolonista,quechegouatémim

por conhecer o meu trabalho do ano passado. Gabriel veio assiduamente de

Osasco,construindocomSelmerseuprimeiro trabalhoqueestreouesteano.O

trabalho pretende seguir nas férias, com o apoio dos músicos do Alameda, e

iniciaroanoseguintecomumaformaçãomaior,combaixoeguitarras.

Oterceirotrabalhofoiumexperimento,partindodeumdesejopessoalde

guiar um trabalho de criação coletiva, para fomentar os instrumentistas de

diversosequipamentosquejátinhambagagemnoinstrumento.CrieiaOrquestra

Vocacional,aprincípiocomumviolão,umsaxsoprano,umaflautaeumviolino.

Iniciei essa ideia nos últimos meses do programa, ainda sim conseguimos

compor juntos uma música, num processo de criação que eu já havia

experimentado com um septeto há alguns anos atrás. A ideia central é

cantar/tocarasmelodiaseircriandoconjuntamentetodooarranjo,emsuma,a

própriamúsicasetornaguiadoprocesso.Estetrabalhoeupretendoseguircaso

eucontinuenoprograma,poisoimaginocomoarticuladordentrodovocacional

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música,dandovazãoaumademandaexistentenoprograma,quesãoosmúsicos

combagagemtécnicanoinstrumento.

Por fim, pensando sobre o ano, trago algumas reflexões finais sobre os

assuntosqueestiveramo tempo tododialogandocomaprática.Odia-a-diado

vocacionalé incrível,areflexãocotidiana,acadaencontronósredesenhamoso

queestavasendofeito,osassuntosdamúsica,domundoedavidasemisturam,

naturalcomoaprópriaarte,naturalcomoaprópriavida.AChiquinhaGonzaga,

compositora de choro do séc XIX, trás a tona o feminismo na música, e

derrependesurgeapergunta“existemulherguitarrista?”.Orepertóriodochoro

nosfeztambémsentarcomPicasso,Dali,Kandinsky,FridaeMirónumamesae

situarondeestavaochorinho,imaginarcomoseriamossonsdochorinhoseeles

fossem tocar acompanhando os diálogos que propunham os pintores. Estes e

muitos outrosmomentos commuitos outros assuntos, comquestõesminhas e

deles, foram com certeza fruto do contato com as outras linguagens, que

habilidosas no diálogo com a contemporaneidade, exigiam agora que amúsica

ampliassetodososseusdiálogosapartirdeumrepertórioedesuaspráticas.

O vocacional em minha opinião inaugura na linguagem da música um

caminhonuncaantespercorrido.Osartistasdemúsicanãocontamemformação

algumacomorientaçãoartística.Namelhordashipóteses,algumprofessormais

sensível tedizcoisasquerevelamsobreasuaexpressãoeconduzemparaeste

ouaquelecaminho.Agora,terasortedeumafalasensívelémuitodiferentede

dedicar um ano inteiro para: escutar as expressões artísticas dos indivíduos e

grupos,ampliardiscussões,ampliarreferênciasestéticas,percorrercaminhosde

criação, misturar assuntos que saem dos instrumentos com os assuntos que

saemdavidaedomundo,orientarsobreaspossibilidadesdetrabalho,situarno

tempo e na história os sons, desenvolver no instrumento, experimentar

apresentar-se sem caráter estudantil e principalmente dar voz aos desejos

artísticos.

Nãoraramente,essesdesejossãoabafadosporestaescalaouaoutraque

vocêaindanãodomina,aleituradapartituraqueaindafaltaaprender,aafinação

do instrumento que tem que melhorar e assim o sujeito vai deixando para a

outravidaaideiadeexpressarseusafetoseideias!Ideiaessa,queotrouxepara

pertodamúsicaedepoisétratadacomtantafaltadeatençãopeloseducadores.

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Nessesdoisanosdevocacional,osvocacionadosmetrouxeramprofundas

transformações no meu fazer artísticos, pois ao percorrer com eles esses

caminhosqueovocacional inaugura, é inevitávelqueelesmeorientem, coma

maneira singular e natural como criam, tocam, desfrutam e celebram nossos

momentosjuntos.Talvezporisso,semprequealguémentravanoencontronão

entendiaquemdenóseraomestredoencontro.

Desejo que ano que vem possamos seguir nessa troca sem fim, pois já

estoucuriosaemouvircomoéamúsicadovocacional2016.

ANEXO

Aspalavrasquenãodisseaopúblicoparanãochorar...

OsomdoAlamedadosAnjoséfeitode ímpeto,deafetosedeumadedicaçãosemfim.Éfeitodeamoredemuita,masmuitaamizade!Amizadeestaqueporpresentedodestinopossotambémmeincluir.OsomdoAlamedaéfeitodemuitosmateriais,massobretudoéfeitodesonho!Não só do sonho que elxs realizaram, da gravação do primeiro CD. Masprincipalmentedossonhosdelesparaomundo,agoraparaestessonhosmuitaatenção!Os sonhos deles apagam algumas linhas imaginárias que não deviam existir,linhas que dividem isso daquilo, linhas que dão nó, linhas que apertam... einauguram linhas que ligam, conectam e refazem percursos reinventandocaminhos.Caminhosconstruídoscommuitapoesia!Poesia feitacomaelegânciadequemamapoesia.OAlamedafazmúsicacomoquemnãoesperaummilagre...Entãocontam:1,2,3,4...Emesmosemesperar,(outalvezjustoporquenãoesperam),omilagreacontece!Osomsurpreende,emociona,agitaecalaagente.Sãoartistasemtudo,naslinhasdebaixo,nocabelodesgrenhado,napoesiaquerecitam,nafirmezadosritmos,nosarranjos...Eassimcheiosdequalidadeséqueeles inauguramessanova fase,comumCDpesopesado,feitoamuitasmãos,muitoestudo,muitapoesia,muitovideogame(queeusei)emuitaforça.VidalongaaoAlameda!!!!!

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CARTADEPROCESSO`A(O)SVOCACIONADO(A)S

SãoPaulo,04dedezembrode2015

Prezado(a)sVocacionado(a)sDepoisdetantas intensidades,deumadifícileprazerosaconvivênciateatralasmargens de um rio lamacento e petrificado, por nome Aricanduva, venho pormeio desta saudá-lo(a)s pela feliz oportunidade do encontro e das tantaspossibilidadesdeexistircultivadaspeladedicaçãoepeloamor.Nadamaisameaçadoraverdadedoqueopontodevista.Começo essas poucas palavras dessa forma porque foi o principal caminhotrilhado,portanto,nãopoderiadeixardedizer.Pudemosnestespoucoseintensosmesesdetrabalhoperceberqueavidaandamesmoloucademais,tudoquenoséapresentadojávempronto,aseleçãoestadada e será sempre garantida pela ilusão da verdade que nos fazem engolir eaceitar comonossas, as tais individualidades correm soltas e nos tornam cadavezmaisseresplenosdasdescobertasdeummundofeitodelixoseescorias.Percebemos que em determinados momentos nossos discursos denunciavamnossahipocrisiaeingenuidadeemnecessitarmosacreditaremalgumasverdadesplastificadas, mas o que pude perceber é que nossa existência tem há duraspenas levantado faíscas periféricas que fazem toda diferença e bagunça nessa(dês)ordemecaossocial,equeserperifériconãoéescolha,éumajuntamentodeNÃOSsociaisquenosforamCUSPIDOSnacaraecomorespostadevolvemosque nunca vamos aceitar essa condição de seres rastejantes em definitivo, ediremostambémquecorreremossempreasoltaparaosenfrentamentosdiáriosenecessáriosqueestãoporvir.Queroafirmarmaisumavezafelicidadedonossopontodepartida,poisfomosjunto(a)srevirado(a)spelasmemóriasdeumpassadocadavezmaispresenteepudemos fazer as nossas escolhas coletivas e assim conseguimos jogar para acenaaquelepontodevistaquaseesquecidoouadormecido.Nonossomais recenteeúltimoencontrode2015,dedicadoao improvisoeaoamor,nospalcosdessaAricanduva,pudeperceberaforçaepotênciacoletivadanossacriação,umforteeintensopontodevistasaltouvibranteaosnossosolhos,uma abertura singela e honesta em direção ao encontro reflexivo da nossacondição material, social e espiritual de existir nessa condição de classeexplorada que necessita muito ainda conversar e se entender como CLASSEexplorada,porqueoexploradorfarádetudoparaessemovimentonãoexistireinfelizmente ainda iremos servir a muito patrão safado, rangendo os nossosdentes até a corda se arrebentar, porque na nossa poesia só se respira vidalibertaenadamais.

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Chorei publicamente e vocês assistiram, pois fui tomado de emoção àquelamistura antropofágicade todoo trabalho realizado; infelizmentenem todo(a)sestavam, por isso devo dizer, pois o que nos apresentaram foi extremamentebelo e significativo, revelouo quepedagogicamente estava emdúvida. Sempretenhoessaimpressãoquandoestounafunçãodeprovocadordealgumprocesso,vem certo receio de que talvez os caminhos possam em algum momento seperder. Mas ali pude perceber que não, foi uma experiência linda, por issosegureiaemoçãoenãopudemeconter,chorei,massaibamqueeraumchorodebeleza e alegria, coisabonitadever ede sentir, equandodizempublicamenteque o Vocacional de Teatro e Artes Visuais fizeram total diferença na vida devocês,porqueconseguimosvalorizá-lo(a)snasimplicidade,ficocomasensaçãodedevercumprido,sinaldequeatrocafoiverdadeiraeefetiva.Nadramaturgia,conseguirmosdarosaltoparaalémdoqueseriaseapresentarereforçaras individualidades,porqueapoucaexperiênciaquetenhonoassunto,tem me mostrado que histórias pessoais normalmente tendem a correr esserisco,creioqueissotalvezfoionossograndeacerto,poisconseguimosconversare dialogar com a complexidade dos nossos tempos tão ardilosos e de tantasbarbaridadesnaturalizadas.Emrelaçãoaoresultadoestético,poderíamoseteríamosmuitoaavançar,masotempo não nos permitiu, portanto, fica aqui a alegria da beleza adquirida nocurtoespaçodetempo,agoraétorcerparaquenofuturoprósperoconsigamosdarcontinuidade.Lembro bem de cada um chegando timidamente na sala, alguns ou algumaspouco(a)s com experiência em teatro e a grandemaioria com quase nada, ounada,mas fomosnos entrelaçando e conseguimos uma relação bemhumana ehonesta. Muitas foram às histórias que nos aproximaram: teve a da tatuagemproibida,obilhetedoshownodiaerrado,ofimdeumgrandeamor,aperdadopai,aperdado filho,acondiçãodemulhernummundomachista,a invasãodasala, as brincadeiras, a infância, a sexualidade reprimida, o ser estrangeiro namesmaAmericaetantasetantasoutrashistóriasquenemconsigonomear,masqueficarãovivaseternamenteemnossoscorações.

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DanielFreitas–Artistaorientadordeartesvisuais–CeuAricanduva

Querotambémregistraraparceriacomasoutraslinguagensecompanheiro(a)s.Desegundaasegunda,falávamostantodevocêsqueocruzamentocomamúsica,adança,ocanto,apoesia,aplasticidadeeoamor foraminevitáveisemtodooprocesso.Coma escuta sempre atenta fuime apropriandodomovimentodo(a)s demaisparceiro(a)s.Quandomenarravamalgo,tomavaaquilocomomeuealgumaaçãologoeramovida.Nossoserroseacertosficarãoemdívidacomascontribuiçõesdemuitasvozesepensamentosquenosajudarama lançaroutrosolharesparaoqueestavavivo,pulsandoequenãopoderiateroutroresultadosenãoamorecriação.

OsvaldoPinheiro–Artistaorientadordeteatro–CeuAricanduva

Eprafinalizar,vaionossoobrigadoaosgrandesmestres“PauloFreire,AugustoBoal, Rubem Alves, Viola Spolin, Brecht, Pina Bausch, Calle 13, AO’s,Coordenação,Vocacionado(a)seaosadolescentesquenostomaramasalaàqueledia. Deixo aqui o agradecimento sincero de um tempo heróico, duro, seco ehonesto,defalaspoéticaseligeirasdomestrePauloFreire:

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“Sigamoscomonossotempodeparirasmúltiplasmarchas,todasnecessáriasequevirãoparalouvaredenunciar:Marchadosquenãotemescola,marchadosreprovados, marcha dos que querem amar e não podem, marcha dos que serecusamaumaobediência servil,marchadosque se rebelam,marchadosquequerem ser e estão proibidos de ser, marcha do(a)s marginalizado(a)ssexualmente, marcha das mulheres, marcha dos índios, marcha dos negros,marchadosateusedosquesóqueremapenasesomentevivereamar”.AtéopróximoATO:Todavezquedamosumpassoemqualquerdireçãoomundosaidolugar.Esperoquedepoisdetudo,seponhamemconstanteeeternomovimentar.Fiquemcomosversosdealgunsmomentosdedicadosaoamor,quenosfizerampensar na escuridão da existência, nos tiros às cegas de um fazer dedicado aocoração, sempre ricos de beleza e sensibilidade para a abertura de novas eprofundascrençasquevãoecoarproresto,dosrestos,dosnossoseatéinfinito.EVOÉ!!!

OsvaldoPinheiro

PaulodeTarso–Artistaorientadordemúsica–BibliotecaAfonsoTaunay

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Comoinstrumentalizaruminstrumento,

OuComotransformaruminstrumentonovamenteeminstrumento.

PorPaulodeTarsoLimaBrandão.

TodasascoisascujosvalorespodemserDisputadosnocuspeàdistancia

Servemparaapoesia

OHomemquepossuiumpenteEumaárvore

Serveparapoesia

Terrenode10x20,sujodemato–osqueNelegorjeiam:detritossemoventes,latas

Servemparaapoesia[....]

AscoisasquenãolevamanadaTêmgrandeimportância

(ManueldeBarros,MatériadePoesia)

No geral, as experiências formativas emmúsicas, nos diversos níveis e

espaçosexistentes,desdeprojetosdeiniciaçãoaoscursossuperiores,sebaseiam

no estudo do instrumento musical, no aperfeiçoamento técnico deste e no

aprimoramento da execução por meio de instrumentos. Mesmo quando este

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instrumentoéavoz,ouosrecursoscomposicionais,ouatémesmooslimitesde

uma linguagemeestiloespecífico,aaprendizagememmúsicaévistacomoum

dominar de ferramentas variadas que um dia nos permitirão alavancar nossa

ânsia criativa. O que acontece com frequência, porém, é vermos os artistas e

estudantesdemúsicaabsortostodaumavidanabuscadestedomíniotécnicoe

na perseguição obstinada por desvendar todas as possibilidades destas

ferramentas.Oinstrumentopassa,portanto,aserumfimemsimesmo,omotivo

maior da procuramusical. A expressão artística passa a segundo plano, e não

raro, chega a sumir do olhar domúsico. Dito isso, entretanto, não podemos

negarqueamúsicaenquantoexpressãoartísticaaconteçaquasesempre,poiso

fatodo instrumento ser, de fato, um instrumento enãoum fim, faz comquea

subjetividadesempretranspareçae,muitasvezesacontragostodoartista,revele

muitomaissobreosujeitodoqueestegostaria.*

Uma vez feito esse panorama superficial não é estranho afirmar duas

coisas: primeiro, que o programa vocacional pode representar, dentro da

formação musical, um dos poucos espaços onde há possibilidade de

desconstrução desta lógica que relega a segundo plano o processo criativo,

trazendo para primeiro plano o fazer artístico e a busca criativa de cada

vocacionado; segundo, todos os vocacionados, visto que essa lógica perpassa

quasetodososmeiosdecompreensãomusical,chegaram-meatéaorientaçãona

buscaúnicaeexclusivadeaprenderuminstrumento.Todos,umapósooutro,ao

seremperguntadosomotivodeestaremali, respondiam inicialmente: -quero

aprendertalinstrumento.Algunspoucos,quandoampliavamaresposta,apenas

acrescentavam:-tambémdesejoaprenderpartitura!Muitosinclusivejátocavam

oinstrumentoemquestão,eportanto,respondiamcomaseguintevariação,mas

queengendraomesmosentido:-queroaperfeiçoar-menomeuinstrumentoe

termaisrepertório.Nenhumsurgiuinicialmentecomumainquietaçãoartística,

ou melhor dizendo, nenhum chegou com uma inquietação artística formulada

explicitamente.Pareciaquesóimportavaaquelaferramenta.

Masessa ferramentaserveapoesia!Bastoupoucosminutosdeconvívio

entreocoletivoeseusinstrumentospararevelar,nemquefosseumapontinha,

asprocurasartísticasconcernentesa cadaum.Sejapelaescolhadorepertório,

pelas sonoridades buscadas e alcançadas, pela maneira de lidar com as

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dificuldadesqueopróprioinstrumentoproporciona,pelamaneiracomoescutae

se posiciona diante do outro, os sujeitos foram se revelando e com eles suas

vocaçõesartísticase seusdesejosmaisprofundoscomrelaçãoamúsica.E isto

nãoficavaclaroapenasparamim,enquantoorientador,mastambémocoletivo

reconheciaeapontavaistoemcadaumdossujeitospresentes,dandosugestões,

incentivos e celebrando esta diversidade. Ainda sim, esse processo era

inconscienteparaocoletivoetotalmenteobscuroparaosujeito.Ouseja,apesar

deconseguirreconhecercomfacilidadequalidadesartísticasnooutro,quandose

tratava de avaliar a si próprio os sujeitos atribuíam toda sua felicidade e

frustração a boa oumá execução do instrumento. E a busca continuava sendo

para cada um, vencer a dificuldade técnica e desvendar os mistérios do

instrumento, ao invés de saltar emdireção a uma exploração artística apoiada

nosrecursosquecadaumjátinha.

Paramimodesafiopassouaserexatamenteeste:comotransformarum

instrumento novamente em instrumento, ou seja, como revelar para os

vocacionadosqueo instrumentoqueestavaemnossocoloestavasubordinado

asnossasvontadeseinquietaçõesartísticas.Comoexplicarqueorigordoestudo

e o entusiasmo de aproximação ao instrumentomusical dependem sempre do

fimsonoroqueestabelecemoscomometadenossaexpressão?Como fazerver

que o instrumento nada mais é que um objeto que serve a poesia e não seu

determinante? Não me interessava apenas dizer isto explicitamente. Não era

pelapalavraqueessasconstataçõesgerariamseuefeitoapropriado.

Surgiram então, no interior de nossos encontros, duas práticas queme

foramde grandeproveitopara estemeudesafiopessoaldeorientador epelas

quaispudeexplorarseusresultados.Aoperceberpotencialmentequeestasduas

práticas eram, talvez, a solução para os questionamentos queme fazia, tentei

incentivá-lasaomáximo,emborasemmuitoesforço,poiselastinhamumaforça

autônomavindadoprópriocoletivo.Eramelas:oaparecimentodecomposições

dosprópriosvocacionados,quepoucoapoucosesentiramavontadedemostrá-

lasaogrupo,deformaqueacadaencontro,maisvocacionadostinhamvontade

deapresentarsuascomposiçõesantigasenovas;arecepçãoeapropriação,por

partedocoletivo,domaterialautoraltrazido.

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Passamosentãoanosdebruçarsobrecadanovacomposiçãotrazidapelos

vocacionadosnointuitodeelaborar,coletivamente,umarranjoparaelas.Íamos,

através de improvisações, testes e elucubrações tentando definir omáximode

elementos possíveis referentes a sua performance. Introdução, dinâmicas,

contrapontos,partes,entradas,formas,instrumentações,convençõesetudomais

que podíamos lapidar para potencializar o material musical trazido. Cada

vocacionado se via no compromisso de sugerir e complementar com o seu

instrumentoamúsica,deformaqueela,aobramusical,passavaserocentrodo

interesse coletivo. Alguns indícios começaram a aparecer de que a obstinação

pela boa execução do instrumento passara a segundo plano, enquanto que o

interessecriativoeartísticopassavaa figurarcomoprioridade,porexemplo,o

fatodequeemváriasmúsicascertosinstrumentistasresolveramnãotocar,não

por não gostar da música ou por preguiça, mas sim por entender, através da

sensibilidade,queumaformaçãomaisreduzidatinhamaisavercomoqueera

exigido sonoramente por aquela obra, ou então, arriscavam-se em outros

instrumentosaindadesconhecidos,sóparaalcançarotimbrepretendido.

Foi a partir desta dinâmica que acredito ter potencializado os

questionamentos citados anteriormente.Nesse encontro como outro é que os

vocacionados vislumbraram, por um lado, como executores e instrumentistas

que contribuíam na obra do outro, como era possível com elementos simples,

potencializar uma obra e colocar sua identidade artística em benefício do

trabalho alheio. Por outro lado, quando se tratava de uma obra feita por si

mesmo,equecontavacomaparticipaçãodosoutros,ovocacionadodealguma

forma conseguia vê-la de fora, transformada e lapidada, não apenas como um

produto idiossincrático ou de pouco valor, mas como um produto genuíno e

autônomo,quetinhasuapotênciaartísticaprópria,capazdesensibilizá-louma

vez mais, não apenas como criador, mas também agora enquanto expectador

surpreendidodesuaprópriaobra.

SobreissoescreveuovocacionadoLeonardoAugusto:“OMomentomais

marcantequetiveduranteovocacionalfoiquandoouviminhamúsicasertocada

comtodoogrupo”,declarandoquenãoimaginavaqueseutrabalho,surgidode

ideias que ele considerava simples e triviais, pudesse atingir tal resultado

estético.

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Paramim,omomentomaisclarodestesacontecimentos foiamostrade

processo demeio de ano, na biblioteca Affonso Taunay, onde apresentamos o

repertório autoral arranjado em sua totalidade. Ali era nítido os diversos

desdobramentos pessoais e coletivos que certamente vão surgir no processo

artísticodecadaum.Mas,sobretudo,oquemaismeemocionou,foiorespeito,a

capacidadedeescutaecapacidadedeenxergarooutroquetivemosporpartede

todosduranteesteprocesso.

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BrevíssimocomentáriosobreAutonomia.

Outra lógicaeducacionalqueme interessavadesconstruireraa lógica já

implícitada“saladeaula”.Pormaisqueeudeixasseclaroexplicitamentequenão

estávamosno ambiente escolar, e por isso os procedimentos viciados daquele,

não valiam para esse novo espaço, era quase constante a intromissão destes

vícios na linguagem e mesmo na prática dos encontros. Seja tratando-me por

professor ou na solicitação de permissão para ir ao toalete (o que no caso de

indivíduosadultosmeparecebastantesintomático),sejanapassividadecomque

esperavam inicialmente ordens e pedidos para começar o que quer que fosse.

Rapidamente, porém, consegui romper com esta estética e firmamos o acordo

tácitodequeali, naquele ambiente, deveria valeroutrosprocedimentos. Logo

depois de dois meses, os vocacionados já chegavam ao espaço, tiravam e

afinavam seus instrumentos sem que eu tivesse que solicitá-los, antes de

executarasmúsicasseaprontavamedavamascontagens.Arrumavamoespaço

nachegadaenasaída,semnecessidadedeordenamento,eumasériedeoutros

detalhesquecorrespondiammaisaolugarqueoprogramaocupa.Masistopor

sisó,porém,nãoéindícionenhumdoacréscimodeautonomiaporpartedeles.

Issoapenas representavaqueos acordos tácitos e viciososqueantes regiamo

convíviotinhamagorasidossubstituídosporoutrosacordosnovos,porém,que

nãonecessariamenteeramcríticoseconscientes.

Oqueeuqueriaeraqueelestomassemmaisasrédeasdoencontro,que

eles mesmos pudessem gerir, a partir dos seus desejos, os caminhos que

podíamos percorrer para investigar a criação artística. Novamente não me

interessava falar enovamentenãoeraapalavraquedaria contadegerar essa

mudançaefetiva.

Foi então o segundomomento do processo que potencializou estemeu

desafioenquantoorientador.Apartirdoencontroedasintoniafinaquetivemos

noprimeirosemestredoprocesso,osvocacionadospassaramaseencontrarfora

dos horários de orientação, passaram a marcar ensaios, escolher repertórios

próprios, estabelecer metas e construir arranjos de forma autônoma. Quanto

maisissoacontecia,maiseuincentivavaestapráticaeorientavaparaqueelase

fortalecesse. E com isso, passaram a surgir grupos musicais com objetivos

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específicos e buscas estéticas próprias. Os encontros tomaram então outro

caminho,ehouveumamodificaçãobastantegrandecomrelaçãoaorepertório.

Deixamos um pouco de lado as composições autorais e os arranjos feitos no

encontroparatrabalharmaisascoisasqueestesgrupostraziamcomoresultado

deseusencontrosexternos,queeramnamaioriaarranjosnovosdemúsicas já

conhecidas. Ainda que me fosse muito caro o processo ocorrido no primeiro

semestre,notavaapotênciaqueestainstânciaexternatinhanaemancipaçãodos

artistasenvolvidos.Sobretudo,notavacomoeleshaviamdefatoincorporadonas

suas práticas externas, os procedimentos e técnicas trabalhados durante o

primeiro semestre. Nesse sentido, o que agora acontecia era mais um

aprofundamento do que um rompimento do que havia sido feito na primeira

metadedoano.

Paramimacondensaçãodessesegundomomentosedeusimbolicamente

nagravaçãodovídeoclipedamúsica “SegundoSol”deNandoReis,noqualos

vocacionadostomarampartenaconfecçãodetodooprocesso,docomeçoaofim.

Eles escolheram o tema, escreveram o arranjo, definiram as partes e as

instrumentações,captaramas imagenseosom,editaramomaterial.Coube-me

mostrar caminhos, técnicas, recursos e possibilidades para que eles pudessem

alcançarseusobjetivoscriativos.

Notas

*Estaobjeçãomelembra,nomesmosentido,aobjeçãodePauloFreiresobreoensino bancário: “É issoquenos leva,deum lado,à críticaeà recusaaoensino“bancário”, de outro, compreender que, apesar dele, o educando a ele submetidonão está fadado a fenecer; em que pese o ensino “bancário”, que deforma anecessária criatividade do educando e do educador, o educando a ele sujeitadopode,nãoporcausadoconteúdocujo“conhecimento”lhefoitransferido,masporcausadoprocessomesmodeaprender,dar,comosedizna linguagempopular,avolta por cima e superar o autoritarismo e o erro epistemológico [...] Isso nãosignifica, porém, que nos seja indiferente ser um educador “bancário” ou umeducador“problematizador”.(PauloFreire,PedagogiadaAutonomia).

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