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  Abril 2007 | Título original: Traços da cidadania

Grafite: traços da cidadania

Muros pintados revelam mais que violência e rebeldia. A forma de expressão ajuda a compreender o valor da cultura local

PAULO ARAÚJO ([email protected])

A pintura feita no muro da escola e os grafiteiros: meio de expor o que pensam sobre o mundo. Foto: Léo drumond

 

Mais sobre grafite

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Quem disse que para ser considerada bonita uma cidade precisa ostentar muros impecavelmente limpos? Em Belo Horizonte, esse conceito já foi riscado da lista do politicamente correto desde que uma comissão foi instituída para discutir e elaborar políticas públicas sobre pichação e grafitagem - formas de expressão típicas da cultura urbana de grandes cidades. As escolas da capital mineira se transformaram em núcleos do Projeto Guernica e os professores de

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Arte foram capacitados para oferecer, entre outras atividades, oficinas de grafite a crianças e adolescentes.

Sete anos depois dos primeiros rabiscos, cerca de 100 alunos da EM Anne Frank já estudaram a fundo essa linguagem e a levaram aos muros da escola. "Muita gente ainda associa o trabalho à violência e à rebeldia da garotada, mas isso é puro preconceito", avalia Maria Luiza Dias Viana, responsável pelas oficinas na escola. No começo, o projeto causou um certo estranhamento, mas hoje todos sabem como é importante valorizar as manifestações artísticas contemporâneas. "É muito mais rico trabalhar com uma forma de expressão que faz parte do cotidiano dos estudantes do que privilegiar outras técnicas que dizem pouco para eles", atesta a diretora Andrea Cristina Ferreira de Almeida. Grafitando os muros, os alunos descobriram que a cultura do bairro tem valor. Além disso, muitos perceberam que a arte é uma via para expor o que eles pensam sobre o mundo, ao mesmo tempo que experimentam uma atividade que pode ser exercida profissionalmente: alunos das primeiras turmas já atuam como desenhistas.

Sequência de atividades

1. FIM DO PRECONCEITO

O grafite tem características culturais e ideológicas que devem ser descobertas e exploradas. Uma maneira de fazer isso é compreender as diferenças entre pichação (código fechado de pouca variação, utilizado por grupos específicos na demarcação de um território) e grafitagem (linguagem elaborada por artistas para transmitir uma ideologia). Para acabar com a idéia de que desenhar no muro é algo proibido e mostrar que essa manifestação pode ser artística, Maria Luiza convidou o grafiteiro Ramon Martins para uma palestra. Depois, a turma saiu pelas ruas para identificar tipos de traços e mensagens deixados (às vezes por eles mesmos) nas redondezas - desejos de paz, preferências musicais, pensamentos políticos, sonhos para o futuro...

2. CRIAÇÃO NO COMPUTADOR

A juventude de hoje pertence a uma geração visual, construída principalmente pelo micro e pela TV. O fato deve se transformar em um aliado, não em um problema. Em 2000, a escola Anne Frank ganhou um laboratório de informática, e Maria Luiza propôs a realização de oficinas de grafite também de forma digital. Ela aproveitou para ensinar à turma - ou melhor, aprender junto com ela - a fazer ilustrações em programas de desenho. A professora contou com a colaboração de ex-alunos, já craques no assunto.

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3. COLORIR MUROS E ESPÍRITOS

As técnicas do grafite podem ser estudadas. O desenho requer conhecimento sobre o uso adequado de cor, luz, sombra, estudo de formas, perspectiva e até mesmo história da arte (veja a linha do tempo no pôster). Maria Luiza também passou aos jovens as técnicas tradicionais, como desenho e pintura, feitas em outras épocas para servir de inspiração. O aprendizado foi reforçado com uma visita ao ateliê do artista Jorge dos Anjos, que se inspira em motivos geométricos - parecidos com os empregados pelos grafiteiros - para fazer esculturas. De volta à escola, o grupo produziu os próprios grafites nos muros, destaque na mostra anual do projeto. Como o spray é um material mais caro, entraram em cena também tinta e pincel.

Outra proposta

A ARTE COM BASE NA ARTE

Releitura de Marcel Duchamp para a Mona Lisa, de Da Vinci: bigode e cavanhaque. Foto: Reprodução. CLIQUE PARA AMPLIAR

Cópia ou releitura, o que é melhor? Os dois procedimentos podem ser realizados na escola. Só depende do que se quer que o aluno aprenda. Quando o professor leva os estudantes a um museu para

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apreciar obras de arte e depois diz para desenhar o que viram, está trabalhando uma estratégia de registro. Nesse caso, a atividade é de cópia – não como um fim em si mesmo, mas como meio de guardar uma memória da visita.

Desenhar, portanto, é uma forma de se aproximar daquela produção. O problema ocorre quando há a valorização da cópia como resultado, pois ela pode não fazer sentido para o aluno ou até criar na cabeça dele um valor equivocado de que copiar é criar. Fazer uma releitura, por sua vez, exige reflexão. Para um bom trabalho desse tipo, é necessário orientar a turma a modificar algum aspecto da obra observada, seja a modalidade (pintura, gravura, escultura), seja os elementos formais (linhas, traços, volume) ou a temática (tristeza, beleza, alegria, dor).

Em outras palavras, é preciso transformar a primeira versão em algo novo. Isso fica fácil quando a garotada estuda o período de produção da obra, o material utilizado e dados biográficos do artista. Uma das que mais inspiraram releituras ao longo da história é a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. Estima-se em aproximadamente 5 mil as diferentes versões, todas feitas com uma intenção – homenagear, criticar ou mesmo manter um acordo de cumplicidade com o espectador. O artista francês Marcel Duchamp fez o que se considera a releitura mais famosa do quadro. Em 1919, ele apropriou-se da imagem e lhe aplicou bigode e cavanhaque. O que seus alunos fariam no lugar dele?

CONSULTORIA: MARISA SZPIGEL, FORMADORA DE PROFESSORES NA ÁREA DE ARTE E COORDENADORA PEDAGÓGICA DO INSTITUTO MOREIRA SALLES, EM SÃO PAULO