Graciliano Nº7

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CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos - Maceió - Ano III - Nº 7 - NOV / DEZ 2010 LÊDO IVO :: O POETA DA TRANsGREssãO :::

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Graciliano é uma revista da Cepal/Imprensa Oficial Graciliano Ramos. Nesta edição Lêdo Ivo - O poeta da transgressão.

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Page 2: Graciliano Nº7

:: ReportagemO leão devorador | 4Milena Andrade

O menino reencontrado | 42Vanessa Mota

Poeta ganha memorial | 62Mariana Belo

:: PoesiaMinha pátria | 10Lêdo Ivo

Minha terra | 12Lêdo Ivo

Os morcegos | 22Lêdo Ivo

Nossa senhora da Corrente | 24Lêdo Ivo

Os sinos de Maceió | 38Lêdo Ivo

Ode à sucata | 40Lêdo Ivo

Um brasileiro em Paris | 48Lêdo Ivo

A morte de Elpenor | 50Lêdo Ivo

O viajante | 58Lêdo Ivo

ISSN 1984-3453

:: ArtigoPerdas e danos | 14Antônio Carlos Secchin

Lêdo Ivo | 26Juan Gustavo Cobo Borda

Maceió: a cidade de Lêdo Ivo | 46Tânia de Maya Pedrosa

Lêdo Ivo e sua (in)tensa alagoanidade | 60Leda Almeida

:: Entrevista“sou um anti best-seller” | 16Milena Andrade

:: DocumentaMaceió - A cidade lembrada | 28Fernando Fiúza Moreira

:: EnsaioRomance e negatividade grávida na ficção de Lêdo Ivo | 52Márcio Ferreira da Silva

Os textos assinados são de exclusiva responsabilidade do autor.Foto da capa: Fernando Rizzotto

Contatos:(82) [email protected]

GOveRNO dO eStadO de alaGOaS

teotonio vilela FilhoGovernador de Alagoas

José Wanderley NetoVice-Governador de Alagoas

Álvaro MachadoSecretário-Chefe do Gabinete Civil

Júlio Sérgio de Maya Pedrosa MoreiraSecretário de Estado do Planejamentoe do Orçamento

Moisés de aguiarDiretor-presidente da CEPAL / Imprensa Oficial Graciliano Ramos

Fernando RizzottoDireção de arte / Projeto gráfico

Milena andradeCoordenadora editorial

José Roberto PedrosaDiretor administrativo-financeiro

Hermann de almeida MeloDiretor comercial

Conselho editorial:Moisés AguiarMilena AndradeSérgio MoreiraGuilherme LamenhaSimone Cavalcante

estagiários:André Santos, Arthur de Almeida, Mariana Belo e Vanessa Mota

Revisão:Marli Josefina

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Nesta sétima edição, a revista Gracilia-no presta uma justa homenagem ao escritor Lêdo Ivo, o autor de mais de quatro deze-nas de livros - entre romance, poesia, con-to, crônica, autobiografia e infanto-juvenil - e do genial e ainda incompreendido romance Ninho de cobras, obra-prima que lança um olhar dramático e singular sobre a sua cida-de natal, Maceió.

A revista abre com uma reportagem sobre a extensa e diversa obra do poeta, desde o seu despertar para o mundo da arte com a leitura da coleção Terramarear, passando pelo bre-ve tempo que esteve no Recife, onde conviveu com os intelectuais da chamada “Geração de 45”, até as suas publicações mais recentes, os livros Ajudante de mentiroso e Réquiem, este último um retrato da dor da ausência de sua amada companheira Lêda.

Em seguida, numa deliciosa entrevista concedida à Graciliano em seu apartamen-to no Rio de Janeiro, Lêdo Ivo declara ser um incansável leitor e caçador de novos conheci-mentos. Também decreta crise na literatura brasileira feita na atualidade e reconhece ser um anti best-seller. “Hoje, só querem saber de televisão e internet”, diz.

Nas seções de artigos, há verdadeiras pre-ciosidades sobre a obra do poeta, como o tex-to do escritor, poeta e jornalista colombiano Juan Gustavo Cobo Borda; a análise sobre a intensa alagoanidade presente em sua obra na visão da historiadora Lêda Almeida; o sen-timental artigo da artista plástica Tânia Pe-drosa; e o texto Perdas e Danos, assinado pelo

amigo, crítico literário e integrante da Aca-demia Brasileira de Letras Antônio Carlos Secchin, que analisa o livro Curral de peixe.

O Documenta desta sétima edição traz uma profunda análise sobre a geografia do poeta e a marca do espaço físico em sua obra, especificamente da cidade de Maceió. O en-saio é assinado pelo também poeta e profes-sor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Fernando Fiúza, e todo ilustrado com belíssi-mas e antigas imagens da capital alagoana, com foco especial nos “lugares” recorrentes na poesia e prosa de Lêdo Ivo, como o farol, a zona portuária e o mar.

Uma outra reportagem retrata a infância do artista e seus primeiros tempos em Ala-goas. Seu irmão, Aldo Ivo, relembra momen-tos em família e trechos do livro Confissões de um poeta ilustram o forte memorialismo presente na escrita de Lêdo Ivo.

O ensaio Romance e Negatividade Grávi-da na Ficção de Lêdo Ivo, assinado pelo pro-fessor de literatura da Ufal Márcio Ferrei-ra da Silva, busca respostas para a seguinte questão: um olhar é capaz de ver o visível e o invisível? O texto analisa a forma como o poeta captura a imagem de Maceió e como dialoga com ela.

A edição fecha com uma ótima notícia, a criação de um memorial que abrigará par-te emblemática da vida pessoal e da carrei-ra literária deste ilustre alagoano. O espaço, iniciativa do governo do Estado em parce-ria com a Caixa Econômica Federal e Fun-depes, funcionará no Museu Floriano Peixoto em três salas temáticas e celebrará a rique-za de sua poesia.

Em toda a revista, o leitor irá se deparar com poemas espalhados entre uma seção e outra. Os nove poemas foram escolhidos pe-lo próprio Lêdo Ivo especialmente para esta edição da Graciliano. O escritor fez questão de selecionar os versos que, na sua visão, simbolizam a sua indivisível ligação com sua terra natal, como este trecho de Minha Ter-ra: “[...] Vindo das ilhas inacabadas/nunca aprendi a separar/ o que é da terra e o que é da água./Sempre juntei no mesmo prato/as espinhas dos meus peixes/e o sobejo dos meus sonhos”.

Lêdo Ivo, o poeta dos versos derramados e, declaradamente, um antropófago por natu-reza como os índios caetés. Este alagoano de riso fácil e língua afiada é definido por críticos e escritores como dono de uma estética úni-ca dentro da literatura brasileira e mundial. Como bem diz seu companheiro na Academia Brasileira de Letras (ABL) Ivan Junqueira, sua multifacetada obra é uma “mistura hete-rodoxa e arbitrária de memorialismo, poesia, prosa de ficção e pensamento aforismático”.

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O leão devoradorA ANTROPOfAGIA E A COMPULsãO PELA LEITURA MARCAM A ObRA DE LêDO IVO, O

“hOMEM DOs POEMAs DERRAMADOs”

Se cada homem é uma raça, Lêdo Ivo é da linhagem dos dionisíacos, dos que, ao invés de buscar, têm medo da perfeição, dos que – como ele mesmo escreve em suas Confis-

sões de um Poeta – só têm perguntas e só sabem inda-gar e semear dúvidas.

Leitor compulsivo até os dias de hoje, do alto de seus 86 anos, o poeta res-ponde dessa forma quando questionado sobre suas in-fluências literárias: “Você é influenciado por tudo, por cheiros, por falas, a vida é uma eterna experiência. Vi-ver é muito perigoso!”.

O homem dos “poemas derramados” e que se especializou, instinti-vamente, em romper normas recebeu o cha-mado do seu ofício ainda criança, quando des-cobriu o universo aquoso e arquetípico da co-

leção Terramarear. Muito cedo, decidiu que o seu destino era escrever e após a sua saída de Maceió para o Recife em 1940, onde passou um breve, mas intenso, período convivendo com intelectuais e artistas da chamada Ge-ração de 45, Lêdo Ivo estreou na literatura aos 20 anos com o livro de poemas As ima-ginações e já no ano seguinte publicou Ode e elegia, reconhecido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) com o prêmio Olavo Bilac. A partir daí, não parou mais de escrever poesia, romance, contos e as crônicas que publicava em jornais. Aliás, o jornalismo sempre esteve presente na vida do escritor alagoano, desde quando publicava suas reportagens “de gra-ça” para os jornais de Maceió até entrar para a academia, quando continuava publicando em grandes veículos.

Milena andrade

O verdadeiro antropófago da literatura brasileira. Um transgressor antes de qualquer coisa. É assim que Lêdo Ivo se define. Crise da influência? Esse mal certamente nunca afligiu este leão devorador que não se envergonha - e até se orgulha - das fontes onde bebeu: Mallarmé, Rim-baud, Baudelaire, Valéry... “A brisa da viagem e da evasão” que fora buscar nos grandes poetas e prosadores na juven-tude esteve e ainda está presente no espírito de sua obra, assim como as lembranças da terra natal com suas discre-pâncias sociais, seus currais de peixe, seus faróis e navios.

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Fotos do acervo pessoal

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Ao contrário de muitos escritores que se arriscaram ao ir tentar a sorte no Rio de Ja-neiro, o alagoano nunca soube o que é pas-sar dificuldades. Sempre conseguiu se man-ter como jornalista e suas primeiras obras já foram recebidas com certa curiosidade e empolgação. “Como acabei fazendo parte do grupo de intelectuais que formou a Gera-ção de 45, liderado pelo poeta e crítico Willy Lewin, as pessoas me acolheram aqui como alguém já conhecido. Hoje vejo que corri um grande risco, pois achar que chegar aqui no Rio e me transformar num escritor reconhe-cido era uma grande ilusão. Acabei dando sorte”, conta Lêdo Ivo.

O breve período que passou em solo per-nambucano foi de extrema importância pa-ra o escritor, que teve seus primeiros textos publicados e começou a formar sua persona intelectual. “O Willy foi muito importante pa-ra mim. Era um sujeito muito culto, sintoni-zado com a literatura que se fazia na Europa naquela época. Foi ele quem nos apresentou ao Surrealismo”, conta o escritor, que tam-bém começou a conviver nesta fase com João Cabral de Melo Neto, que se tornou um amigo para toda a vida.

Muito mais pelo talento e pela originali-dade de seu estilo e menos pela sorte, o es-critor não só foi bem recebido, como venceu diversos prêmios desde o início de sua car-reira. Em 1947, apenas três anos depois de ter publicado seu primeiro livro, ele levou o prêmio de Romance da Fundação Graça Ara-nha com As alianças, seu romance de estreia. Para o poeta e crítico literário Gilberto Men-donça Teles, o livro se destaca pela vertente técnica, que é a dos romancistas ingleses, em especial, James Joyce, Virginia Woolf e Rosamond Lehmann.

Teles definiu a obra como “um romance das ilusões perdidas”, assim como foi O ca-minho sem aventura, publicado em 1948.

Após uma estada breve em Paris com a esposa, Lêdo Ivo voltou ao Brasil e escre-veu o premiado A cidade e os dias, em 1957. Mas a obra que viria a ser emblemática na sua carreira ainda estava para acontecer nos anos setenta. O romance Ninho de cobras é um capítulo à parte na vida deste alagoano.

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O Farol da infância do poeta é uma imagem-símbolo recorrente em sua obra

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Na época, o livro foi classificado por An-tônio Olinto como “obra-prima do romance moderno”, que também diz em crítica publi-cada pelo jornal O Globo, em dezembro de 1973, que a obra parece ter sido escrita nu-ma espécie de transe lúcido. A história, que começa com a chegada de uma raposa nu-ma Maceió violenta e impiedosa, mas tam-bém festiva e mítica como a Macondo do es-critor colombiano Gabriel Garcia Marquez, descortina ao leitor um memorialismo im-placável e cáustico.

A maresia, a claridade muitas vezes ex-cessiva que agoniza os olhos, o facadista, o pistoleiro, o Sindicato do Crime, as farras regadas à cachaça e mariscos, os loucos, os pobres de Maceió, os cachorros vira-latas, as lacraias e os morcegos. A prosa dramática e inesperada que mescla corrosão com uma fina ironia típica do escritor atraiu a aten-ção da crítica do Brasil e do exterior após o romance ter vencido o prêmio IV Walmap, o mais prestigiado no estilo de ficção do País naquela época.

Ao ver de Josué Montello, o livro foi a re-novação do romance nordestino com sua lin-guagem arraigada no falar regional, mas tam-bém enxertada de imagens poéticas.

E é esta a sua maior qualidade como escri-tor segundo o dicionarista Evanildo Bechara, ocupante da cadeira 20 na Academia Brasi-leira de Letras. “Como estudioso da língua, além da intensidade poética em que mergu-lha a poesia de Lêdo Ivo, aprecio nele o uso requintado da linguagem, em que se mistu-

ra o rigor da tradição clássica com a espon-taneidade do falar brasileiro de um homem culto. Lêdo honra a língua sem desprezar as novidades do falar brasileiro”, afirma.

No estilo autobiográfico, Lêdo Ivo publi-cou Confissões de um poeta, em 1979, que mereceu o Prêmio de Memória da Fundação Cultural do Distrito Federal. A obra, uma es-pécie de genealogia espiritual, como definiu o escritor Ivan Junqueira, é fundamental para entender as pulsões, as saudades, as refe-rências e a identidade do escritor. Estão lá sua infância e juventude nas memórias da primeira vez em que esteve em uma escola e das “fontes nativas” que se ligam ao sen-timento do universal: o antigo farol branco que, do alto da colina, iluminava o caminho dos navios; a cioba na praia; o pequeno es-taleiro apodrecido; os trapiches; o cheiro do mar e açúcar entranhado nas pedras e ruas tortuosas de Maceió.

Para Ivan Junqueira, membro da Acade-mia Brasileira de Letras, o livro Confissões de um poeta é único na literatura brasilei-ra. “Mistura heterodoxa e arbitrária de me-morialismo, poesia, prosa de ficção e pen-samento aforismático, é uma obra que nos instiga a compreender e avaliar não apenas o ambiente literário em que se desenvolveu o processo de criação do autor, mas também boa parte do que escreveu entre nós durante toda a segunda metade do século passado, ainda que filtrado pela ótica pessoal, trans-gressora e irreverente do poeta, que aqui se define não tanto como alguém que escreve

uma obra, mas como aquele que é escrito por ela”, escre-ve na quarta edição do livro durante as celebrações de 80 anos de vida de Lêdo Ivo, em 2004.

Doze anos depois, Lêdo Ivo escreveu seu segundo livro autobiográfico, O alu-no relapso.

Apesar de ter escrito re-conhecidas obras em prosa, o artista se diz fundamen-talmente um poeta. “Sou es-sencialmente poeta. Minha

O romance passado em Maceió é considerado uma obra-prima do gênero

Em Ode e elegia descobri meu verdadeiro caminho - o cultivo de um verso livre e longo

Lêdo IvoPOEtA

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prosa é o descanso do guerreiro”, diz em suas confissões. O livro As imaginações, seu pri-meiro trabalho, é visto hoje por ele como um obra “muito imperfeita”, uma explosão poéti-ca. Para Lêdo Ivo, ele conseguiu “acertar” a mão em Ode e elegia, de 1945. “Ali descobri meu verdadeiro caminho – o cultivo de um verso livre, longo”, afirma.

Ao criticar a geração de 45, Sérgio Buar-que de Hollanda brincou que era um grupo de poetas de nomes longos e versos curtos e que Lêdo Ivo era um poeta de nome curto e versos longos, o oposto de escritores como João Paulo Moreira da Fonseca, João Cabral de Melo Neto e Péricles Eugênio da Silva Ra-mos. E é essa marca do derramamento das palavras, da abundância verbal, da explosão e da transgressão estética da poesia de Lêdo Ivo, o que lhe rendeu críticas boas e ruins ao longo da vida. “Essa é a minha singularida-de. Nasci solidão e vou morrer solidão”, diz o poeta, categórico e sem o menor sinal de arrependimento.

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Ao contrário de muitos escritores e poetas brasileiros que dão longas pausas entre uma obra e outra ou que desaceleram sua pro-dução com o avançar dos anos, o alagoano Lêdo Ivo não para. Sua busca incessante pe-lo conhecimento através da leitu-ra e sua criatividade continuam ex-tremamente fortes nos dias hoje, quando o poeta começa a chegar perto dos 90 anos.

Dos anos 80 pra cá, ele publicou nada menos que onze livros de poe-mas – sendo um de sua poesia com-pleta, em 2004 -; um romance; três de contos; uma coletânea de suas melhores crônicas; uma autobio-grafia e três livros infanto-juvenis. Talvez Lêdo Ivo seja hoje – além do “mais jovem dos poetas brasilei-ros”, como decretou para si o título numa entrevista – o escritor mais produtivo e efervescente do País.

Seus últimos poemas foram publicados no livro Réquiem, no ano de 2008, após a mor-te da sua companheira por mais de 60 anos, Lêda Ivo. Os versos longos e lentos desenham o retrato da dor da ausência da musa de sua

vida. Ao falar de sua trajetória, o poeta nun-ca se esqueceu de citar que devia o sucesso ao fato de ter se casado com a pessoa certa.

“Nada sabemos, a não ser que há uma noi-te pura e vazia à nossa espera. Uma noite in-

tocável além do fogo do gelo, e de qualquer esperança”, conclui Lêdo em um dos poemas.

A perda pode ter deixado o escritor mais triste, mas não o esvaziou. Lêdo Ivo continua espirituoso, ativo, sarcástico e segue buri-

lando as palavras em sua antiga máquina de escrever no segundo andar do apartamento onde morou nas últimas décadas.

Seu livro seguinte, Ajudante de mentiroso, publicado este ano, confirma o frescor e agu-

deza de suas ideias e de sua lingua-gem em mais de quarenta ensaios. Estão presentes na coletânea a ve-lha e deliciosa ironia, o rico e qua-se cinematográfico memorialismo, o sarcasmo, a perspicácia.

“A mulher de Noé esbofeteou o marido? Sim e não: é verdade e mentira, realidade e ficção. Esse fa-to, ou preclara invenção da manhã dos tempos, conduz-me à natureza da vida, e de seu desdobramento criador que é a arte. A criação lite-rária é ao mesmo tempo confissão e escondimento. Todos falamos a verdade e todos mentimos. A nos-sa própria existência, soma inume-

rável de versões intestinas e alheias, é uma ficção”, escreve Lêdo em Guardar o que es-tá perdido, ensaio de abertura que é a prova maior de que esse pássaro selvagem conti-nuará alçando altos e longos voos.

Incansável voo do pássaro selvagem

A nossa própria existência, soma inumerável de versões intestinas e alheias, é uma ficção

Lêdo IvoPOEtA

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lêdo Ivo e lêda se casaram jovens e ficaram juntos por mais de 60 anos

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bIbLIOGRAfIA

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Poesia

• as imaginações, 1944• Ode e elegia, 1945• acontecimento do soneto, 1948• O livro inconsútil, 1948• Ode ao crepúsculo, 1948• Cântico, 1949; • linguagem, 1951• Ode equatorial, 1951• acontecimento do soneto, 1951• Um brasileiro em Paris e O rei da europa,

1955• Magias, 1960• Uma lira dos vinte anos, 1962• estação central, 1964• Rio, a cidade e os dias: crônicas e histórias,

1965• Finisterra, 1972• O sinal semafórico, 1974• O soldado raso, 1980• a noite misteriosa, 1982• Calabar, 1985• Mar Oceano, 1987• Crepúsculo civil, 1990• Curral de peixe, 1995• Noturno romano, 1997• O rumor da noite, 2002• Plenilúnio, 2004• Réquiem, 2008• Poesia Completa - 1940-2004, 2004.

Romance

• as alianças, 1947• O caminho sem aventura, 1948• O sobrinho do general, 1964• Ninho de cobras, 1973• a morte do Brasil, 1984

conto

• Use a passagem subterrânea, 1961• O flautim, 1966• 10 [dez] contos escolhidos, 1986• Os melhores contos de lêdo Ivo, 1995• Um domingo perdido, 1998.

cRônica

• a cidade e os dias, 1957• O navio adormecido no bosque: duas ci-

dades, 1971; • as melhores crônicas de lêdo Ivo, 2004.

autobiogRafia

• Confissões de um poeta, 1979• O aluno relapso, 1991.

LiteRatuRa infanto-juveniL

• O menino da noite, 1995• O canário azul, 1990• O rato da sacristia, 2000.

ensaio

• lição de Mário de andrade, 1951• O preto no branco. exegese de um poema

de Manuel Bandeira. Rio de Janeiro: Liv. São José, 1955; Raimundo Correia: po-esia (apresentação, seleção e notas). Rio de Janeiro: Agir, 1958; Paraísos de pa-pel. São Paulo: Conselho Estadual de Cul-tura, 1961; Ladrão de flor. Capa de Ziral-do Rio de Janeiro: Elos, 1963; O universo poético de Raul Pompéia. Em apêndice: Cançoes sem metro, e textos esparsos [de Raul Pompéia]. Rio de Janeiro: Liv. São Jo-sé, 1963; Poesia observada. (Ensaios so-bre a criação poética, contendo: Lição de Mário de Andrade, O preto no branco, Pa-raísos de papel e as seçoes inéditas Emble-mas e Convivências). Rio de Janeiro: Orfeu, 1967; Modernismo e modernidade. Nota de Franklin de Oliveira. Rio de Janeiro: Liv. São José, 1972; teoria e celebração. São Paulo: Duas Cidades, 1976; Alagoas. Rio de Janeiro: Bloch, 1976; A ética da aven-tura. Rio de Janeiro: F. Alves, 1982; A re-pública da desilusão. Rio de Janeiro: top-books, 1995.

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Minha pátriaLêdo ivo

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Minha pátria não é a língua portuguesa.Nenhuma língua é a pátria.Minha pátria é a terra mole e peganhenta onde nascie o vento que sopra em Maceió.São os caranguejos que correm na lama dos manguese o oceano cujas ondas continuam molhando os meus pés quando

[sonho.Minha pátria são os morcegos suspensos no forro das igrejas

[carcomidas,os loucos que dançam ao entardecer no hospício junto ao mar,e o céu encurvado pelas constelações.Minha pátria são os apitos dos naviose o farol no alto da colina.Minha pátria é a mão do mendigo na manhã radiosa.São os estaleiros apodrecidose os cemitérios marinhos onde os meus ancestrais tuberculosos

[e impaludados não param de[tossir e tremer nas noites frias

e o cheiro de açúcar nos armazéns portuáriose as tainhas que se debatem nas redes dos pescadorese as résteas de cebola enrodilhadas na trevae a chuva que cai sobre os currais de peixe.A língua de que me utilizo não é e nunca foi a minha pátria.Nenhuma língua enganosa é a pátria.Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria

[muda,minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e [sem dicionário,minha pátria sem língua e sem palavras.

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Minha terraLêdo ivo

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Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Minha pátria é onde os goiamuns pressentindo o cair da noite buscam as locas entre os mangues.

No meu país palustre o peso das chuvas encurva os cajueiros e o sol calcina lágrimas.

E uma espinha de carapeba arranha a louça do dia que a língua do mar lambe.

Entre casas de marimbondos e caranguejeiras imóveis a tarde me iluminava.

Eu soletrava a ferrugem de navios sem nome que a lama das lagoas mastigava.

Eu percorria as galáxias. Fagulhas de estrelas caíam nos coqueirais do tifo.

No chão das ilhas pegajosas um planetário búzio avariado guardava o aroma do mundo.

Minha pátria é a água negra – a doce água cheia de miasmas –dos estaleiros apodrecidos.

(Na cozinha, a boca alugada, soprando carvões, fazia nascer o fogo do dia.)

Quando eu estava dormindo e chovia no meu sonho, nos vales caíam trombas d’água.

A manhã raiante se manchava do sangue escuro da raposa morta no chão memorável.

Minha terra é o novo caminho que o homem abriu sem querer no capim à beira do arrozal.

Entre lagartos e caga-sebos vi as horas caírem sobre as cercas que afrontavam os relâmpagos.

Foi na infância que aprendi a ver-te, ó sol que me ilumina. E um arco-íris abriu-se entre arraias no céu pálido.

Foi na infância que aprendi a amar-te, fêmea, que o meu espanto confundia com as caranguejeiras.

No meu país de podres arquipélagos um cardápio de barro sempre espera meus irmãos opilados.

E, nos monturos, homens e urubus, na lei da livre concorrência, ganham o pão que Deus amassa.

De cima das dunas eu via o mundo: escória azul ao longe, mar curvo de navios.

Como o universo era belíssimo! A nuvem que roçava os trapiches fulgia no celeiro das águas.

No fim dos trilhos da Great Western entre balduínas sedentas e dormentes cravados na água

o branco farol de minha terra clareava jaqueiras acocoradas sempre grávidas como as lavadeiras.

Vindo das ilhas inacabadas nunca aprendi a separar o que é da terra e o que é da água.

Sempre juntei no mesmo prato as espinhas dos meus peixes e o sobejo dos meus sonhos.

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Perdas e danos*

Os “terraços do mar” constituem a primei-ra das três partes de Curral de peixe¹. Nela, quarenta e um textos revelam a presença os-tensiva de um poeta semeador de descrenças (“Toda a vida é treva/ por mais que a ilumine/ a luz de cem velas”) e de incertezas (“Não sei quem sou. Não sei quem bate à porta/ usando a minha mão”). A dúvida metódica diante dos desconcertos do mundo parece compor o fio unificador dos poemas. Circu-lando entre o solo natal. Capturado em sua trivial miudeza, e o espaço cósmico, espelho ampliado da neblina humana, Lêdo Ivo vis-lumbra, em ambas as dimensões, signos si-milares de corrosão e perda. Todavia, o que tal opção poderia conter de patético acaba por atenuar-se através da ironia, presente tanto na visada alegórica de “O que eu disse à craca” quanto na concepção de uma histó-ria regida pela paródia. Um desejo de história do nada, rasura plena sem vestígios, emana dos versos de “Queimada”:

antônio Carlos seCChin**

Queime tudo o que puder:As cartas de amorAs contas telefônicasO rol de roupa suja......................................Não deixe aos herdeiros esfaimadosNenhuma herança de papel.

O segundo bloco, “Dia e Noite”, é integra-do por 42 sonetos, de variadíssima fatura no que concerne, à métrica, à rima, e obsessi-vamente preenchidos pelos pares claro/es-curo, manhã/tarde, noite/dia. Em algumas peças há uma curiosa convivência entre a medida “nobre” do alexandrino e a “vulgari-dade” da matéria nele contida. Era um bote-co imundo perto da Central. (...) Entre putas escrotas e burros-sem-rabo/ eu escutava a chuva cair nos telhados”.

A orfandade literal, expressa na parte 1, é agora ampliada para uma espécie de orfan-dade de si próprio, por meio da subtração de balizas de reconhecimento (“Por onde quer que eu vá levo sempre comigo/ um pronome incompleto. Como pesa esse embrulho!”). Nesse desnorteio radical, o poeta registra a perda do contorno legível do mundo. (“O sol a pino e a sombra se equivalem”) e mescla no primeiro passo as caracterizações da pu-reza e da sordidez: “A noite triunfante enxo-ta o dia./ Troca a luz pela sombra, e só nos deixa/ uma pomba arrulhando na sarjeta”.

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Já em “Salteador”, derradeiro segmen-to de Curral de peixe, a deriva epigramáti-ca se manifesta na quase totalidade dos 35 poemas. Verdadeiros exercícios de escárnio e mal-dizer, os textos fustigam a cupidez, a inveja, a gula e o adultério, dentre outras marcas humanas, brandindo ainda as armas do cinismo no “politicamente incorreto” “Um desafio litorâneo”:

Uma baleia feridana praia de Saquarema

A terra já problemáticaenfrentava mais um problema

Como salvá-la da morteou convertê-la em poema

Nada disso, no entanto, se compara à mo-dernidade (elevada até o sarcasmo) dos ver-sos dedicados à confraria literária. Leiam-se, a esse (des)respeito, “A morte de um es-tilista”:

no recinto acadêmicoFoi comparado a Camilo.E seus pares derramaramlágrimas de crocodilo.

E “Um inimigo supérfluo”:

Era um poetamuito conciso

.....................................Só e sumárioagora o escondeo excesso póstumode um epitáfio

No último poema do livro — “O poeta e os críticos”, Lêdo Ivo ironiza a flutuação dos tra-ços com que os exegetas procuraram classifi-car (isto é, reduzir) sua obra: poesia da clari-dade. Da escuridão, do amor, da infância, da morte, do tempo, do laconismo, do excesso. Imerso em meio a tantas polarizações, in-daga: “Onde começo e termino?”. Simulando não saber o que de si existe naquilo que de alheio lhe é atribuído, o poeta, afinal, parece dialogar com o também crítico e memorialis-ta Lêdo Ivo, que em suas Confissões (1979) , anotara: “Desconfiai dos que tudo aceitam, explicam e compreendem. A Incompreensão é um dos ingredientes da inteligência”.

**Poeta, ensaísta e crítico literário brasileiro

*Publicado originalmente no Caderno Ideias do Jornal do Brasil, em 07/10/1995.

¹ IVO, Lêdo. Curral de peixe. Rio de Janeiro: Top-books, 1995.

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“Sou um anti best-seller”

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DO ALTO DE sEUs 86 ANOs, LêDO IVO sEGUE COM A fúRIA CRIATIVA DE sEMPRE E

DECRETA CRIsE NA LITERATURA bRAsILEIRA

Lêdo Ivo mora sozinho no mesmo aparta-mento em que viveu a maior parte de sua vi-da ao lado da esposa, Lêda. Quando não está viajando se dedica aos trabalhos na Acade-mia Brasileira de Letras (ABL) e passa o resto do tempo no sítio em Santa Tereza, rodeado pela mata e por seus cachorros.

O escritor, que continua usando sua an-tiga máquina de datilografar para dar vida aos seus poemas, conta que relê clássicos de Balzac, Stendhal, os simbolistas france-ses, literatura inglesa e, mais recentemente, literatura espanhola.

Para Lêdo Ivo, a produção literária atual passa por uma crise. “Somos pouco lidos. Só vende best-seller. Hoje, só querem saber de televisão e internet”, diz.

Por que o senhor saiu tão cedo de Ma-ceió?

Em 1939, morreu um irmão meu (Éber) na epidemia de tifo em Alagoas e meu pai me mandou estudar no Recife. Meu pai era per-nambucano, tinha muita ligação com o Recife e dois irmãos meus, Napoleão e Floriano, já estavam lá. Fiz, inclusive, um poema à Reci-

fe, mas nunca incluí na mi-nha obra porque está fora do contexto. Fiz quando tinha 16 anos. Fiquei dois anos apenas no Recife. Em 1942, voltei a Maceió, quando tra-balhei no Jornal de Alagoas e na Gazeta.

Apesar de ter saído tão cedo de Alagoas, sua obra é impregnada de

lembranças e tipos humanos da sua terra natal. Como se explica isso?

Cada escritor é um caso. Há escritores que têm essa marca da vida pessoal. Há poe-tas muito marcados geograficamente e ou-tros que não. No meu caso pessoal, o lugar do nascimento, o berço, a origem têm muita importância. De modo que minha poesia e minha prosa refletem muito esse universo da infância e da adolescência e até da an-cestralidade, que eu evoco à circunstância de a família da minha mãe ter ancestralida-de dos índios caetés. Eu até brinco muito com os antropófagos paulistas dizendo que eles não comeram ninguém. O único antro-pófago da literatura brasi-leira sou eu e não o besta-lhão do Oswald de Andrade. Eles roubaram a antropofa-gia alagoana. Agora isso não se explica. Está no mistério da própria criação poética. Como se explica, por exem-plo, o mistério de Machado de Assis? Filho de um pe-dreiro e de uma lavadeira.

Como se explica um Graciliano Ramos, filho de um comerciante falido que se casou com uma menina?

O senhor teve uma boa infância?

Tive uma infância boa. Morava em casa de três janelas. Era assim que se media pros-peridade em Alagoas naquela época. Tinha piano na sala de visita. Meu pai era advoga-do, pai de onze filhos, nunca teve emprego público em Alagoas, lugar onde todo mundo tinha emprego público.

O que é mais marcante na infância e juventude em Maceió?

Uma coisa que me impressionava muito, quando morava no Alto da Jacutinga, via o farol os navios e aquilo me impressionava muito - o mar azul o farol branco. Aquilo me marcou muito como símbolo de um mundo desconhecido, de evasão.

A sua saída de Alagoas para o sudes-te foi dramática como para a maioria dos nordestinos que fizeram e fazem este caminho?

Milena andrade

Aos 86 anos, Lêdo Ivo mantém a mesma voracidade para ler e escrever que ostentava na juventude. As respostas rápidas e espirituosas, a gargalhada fácil e sonora e a sa-gacidade de sempre confirmam o frescor de um artista extremamente produtivo e andarilho, que gosta de ver e ouvir pessoas e paisagens mundo afora. “Viajo quase to-dos os meses do ano”, conta o escritor, que, em pleno mês de julho, já havia estado na França, México e Colômbia.

O único antropófago da literatura brasileira sou eu e não o bestalhão do Oswald de Andrade

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Senti pouco. Hoje, vejo que foi uma coisa te-merária, ilusória. Conheci muitos escritores que vieram para o Rio - que é um cemitério de desilusões e não um campo aberto - e não deram certo. Muitas coisas me ajudaram, co-mo minha permanência no Recife, que me deixou conhecido por alguns escritores, mi-nhas relações com Graciliano Ramos e Jor-ge de Lima.

Esse grupo de escritores era unido?

Não. Era cada um por si e Deus contra todos. A gente se reunia em bar, mas não havia união, não. Havia pequenas oportunidades para to-dos, como muitos jornais pra trabalhar.

Como foi o início na carreira de jorna-lista no Rio de Janeiro?

Trabalhei como redator no jornal A Manhã, onde comecei a me destacar. Era um Rio de Janeiro diferente. Morei no Centro da cidade, perto da Lapa, numa pensão. Tinha muitos amigos escritores, havia um sentimento mui-to grande de convívio literário aqui no Rio.

Quem eram os seus amigos?

João Cabral de Melo Neto e Breno Acioli, os mais importantes. Falo deles na minha obra, em Confissões de um poeta e em Aprendiz de mentiroso.

O senhor acredita que teria se torna-do o escritor de sucesso que é hoje se nunca tivesse saído de Maceió?

Você não pode especular sobre o seu des-tino. Talvez se tivesse ficado em Maceió eu fosse mais importante hoje. O Graciliano era muito importante quando morava lá. Havia a convicção que eu só poderia me realizar num campo mais aberto, com mais oportu-nidades. Aqui, com duas colaborações em jornal por mês eu me mantinha. Em Alagoas, eu escrevia de graça.

Por que o senhor optou pelo Jornalis-mo e não pelo Direito?

Quando menino, carregava a mala de meu pai, mas o Direito nunca me interes-sou, eu queria ser um es-critor. Desde que li os ro-mances da coleção Terra-marear. Por isso, comecei a escrever para os jornais em Alagoas, de graça mes-mo. A primeira reportagem que fiz foi sobre a Levada. Descobri um negócio impressionante - em Alagoas, as frutas nativas tinham preços muito altos e isso repercutiu muito. Aí me mandaram fazer outras reportagens sobre os subúrbios de Alagoas, condições de vida em Pajuçara, falta de água, de hospitais. Isso me deu um certo prestígio. O jornalismo de Alagoas, na época, era na base da tesoura e goma arábica, recortavam e colavam tudo o que vinha dos jornais do Sul. O jornalismo me permitia também uma certa flexibilida-de de horário. Fui jornalista até entrar na Academia.

Como vê o jornalismo hoje?

Mudou muito. Os grandes jornais não exis-tem mais. Todos em que eu trabalhei fecha-ram. A Manhã, os Associados, o Correio da Manhã, Manchete, Diário de Notícias. É um negócio curioso. Só sobreviveu o Estado de São Paulo, onde escrevi artigos durante mui-tos anos.

O senhor nunca duvidou do seu ta-lento?

Sempre procurei fazer o melhor possível. Um escritor se faz com talento, mas também com aprimoramento à cultura. Tenho uma curio-sidade intelectual muito grande. Estudei francês, morei lá na França dois anos, estudei inglês, alemão, italiano. Achava que um poeta não é só nascido, é feito. E continuo sempre a me fazer. A vida pra mim é uma perpétua aprendizagem. Cada dia quero aprender al-guma coisa. Quando um jovem poeta me per-gunta o que fazer, digo: entre para o Instituto Goethe para aprender alemão.

Um poeta não é nascido, é feito. Eu continuo sempre a me fazer. A vida é uma eterna aprendizagem.

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A sua arte lhe deu uma vida melhor?

Sim. Não tenho preocupações de natureza fi-nanceira, mas sempre trabalhei muito. Sem-pre tive como me sustentar. Também teve o fato de ter me casado com a pessoa certa. Durante mais de 60 anos vivi com a mesma mulher. Isso pesa muito.

O senhor nunca cogitou voltar para Alagoas?

Não, não, não. Já também me ofereceram pa-ra viver no exterior, mas minha vida é muito assentada aqui. Gosto de dormir no mesmo lugar, usar a mesma máquina de escrever.

Do que o senhor tem saudade em Ma-ceió?

Do desaparecido. Da minha infância. Não é nem saudade, é lembrança. Lembranças até obsessivas.

Do que o senhor não tem saudade?

O que eu não tenho saudade eu apago. Não dou oportunidade de nada me incomodar ou me perseguir. Minha memória é seletiva. E eu não sei explicar por quê. Acho que pode ser uma autodefesa, pra que a vida não se torne um inferno pessoal.

Em Ninho de cobras há muitos perso-nagens que são tipos atemporais de Alagoas. Ninguém é ingênuo, ninguém é totalmente bom, não há heróis. Não é uma visão um pouco sarcástica da terra natal?

Esse meu livro é muito falado e pouco lido. Só a freira presta. Uma vez, me perguntaram: “como tem coragem de dizer em seu livro que em Maceió só Deus perdoa?”. Mas isso me impressionou muito na infância, um tio de um amigo meu da família Villas Boas. Ele era ateu e resolveu colocar uma bagana de cigarro na Semana Santa naquele Cristo da catedral de Maceió para provar a inexistência de Deus. Foi pra casa, teve uma trombose, ficou todo

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troncho, passou três meses em cima de uma cama, melhorou depois e saía toda Semana Santa na procissão. É um mistério isso. Pois é: Em Maceió só Deus perdoa. Uma vez tam-bém os vagabundos fizeram uma buchada na Semana Santa e o trem que vinha de Ponta Grossa, perto do Mercado, veio, atropelou o bonde e os vagabundos que comiam a bucha-da morreram todos. Isso até hoje é um mis-tério em Maceió. Ainda falam do Guabiraba lá? Era um facadista famoso. Muita gente no meu romance existiu. De noite, dava facada e, de manhã, ficava nas rodas com os desem-bargadores. Alagoas era uma festa! Acorda-va, ia pra porta da Colombo. Tinha coisas impressionantes em Alagoas.

Como senhor vê as críticas em rela-ção ao seu livro?

Ninho de cobras é simplesmente o retrato da cidade. Lembro que, uma vez, o padri-nho de um irmão meu, advogado, foi assas-sinado num lugar bem elegante. E o meu pai só não foi assassinado porque tinha dez fi-lhos. Ficavam com medo de um deles vingar a morte depois. Uma vez, meu pai ganhou uma causa contra um senhor de engenho. Tinha

um delegado de polícia, Ari Pitombo, que soube que es-tavam ameaçando meu pai e ele chamou o usineiro e disse: “o Floriano tem dez filhos pra sustentar, se al-guma coisa acontecer com ele mando cortar-lhe a ca-beça”.

Em que sentido Alagoas é um Ninho de cobras?

É um romance sobre os alagoanos que não emigram, aqueles que amam Alagoas, que acham que lá é o melhor lugar do mundo. É o Estado do Brasil onde há menos emigra-ção, sabia? Digo que esse livro é a história de alagoanos que amam a terra natal como as cobras amam os ninhos de pedras, com todos os defeitos, com as fofocas, os adulté-rios, os assassinatos.

No poema “Minha Pátria” o senhor diz que sua terra é disentérica, sem pa-lavras, etc, essa pátria tem lhe rendi-do muitas homenagens, acha que sua terra, finalmente, lhe compreendeu?

Não sei se compreendeu ou não. No meu tra-balho eu reflito Alagoas, que é a minha ter-ra, meu universo, eu tenho o selo de escritor de Alagoas, sou marcado pela terra natal é o que me caracteriza dentro e fora do Brasil. Já escreveram que eu criei uma cidade mí-tica, Maceió. Assim como Garcia Marques criou Macondo. Acho que Alagoas, talvez pela circunstância de que raramente produz um escritor que saia de suas fronteiras, veja em mim uma referência. Mas uma obra literá-ria é lida por muito poucos. Eu sou um anti best-seller.

Como o senhor recebe essas homena-gens?

É da idade. São recompensas imaginárias. Mas é confortável. Vejam o que fizeram com o Graciliano - rasparam a cabeça dele, joga-ram no porão de um navio e mandaram em-bora pra Ilha Grande. O Jorge de Lima levou cinco tiros e veio fugido para o Rio. De certo modo, tive mais sorte.

No meu trabalho eu reflito Alagoas, que é minha terra natal. Tenho o selo de escritor de Alagoas

Ninho de cobras é um romance sobre os alagoanos que não emigram, aqueles que amam Alagoas

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Os morcegosLêdo ivo

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Os morcegos se escondem entre as cornijasda alfândega. Mas onde se escondem os homens,que contudo voam a vida inteira no escuro,chocando-se contra as paredes brancas do amor?

A casa de nosso pai era cheia de morcegospendentes, como luminárias, dos velhos caibrosque sustentavam o telhado ameaçado pelas chuvas.“Estes filhos chupam o nosso sangue”, suspirava meu pai.

Que homem jogará a primeira pedra nesse mamíferoque, como ele, se nutre do sangue dos outros bichos(meu irmão! meu irmão!) e, comunitário, exigeo suor do semelhante mesmo na escuridão?

No halo de um seio jovem como a noiteesconde-se o homem; na paina de seu travesseiro, na luz dofarolo homem guarda as moedas douradas de seu amor.Mas o morcego, dormindo como um pêndulo, só guarda

[o dia ofendido.

Ao morrer, nosso pai nos deixou (a mim e a meus oito irmãos)a sua casa onde à noite chovia pelas telhas quebradas.Levantamos a hipoteca e conservamos os morcegos.E entre as nossas paredes eles se debatem: cegos como nós.

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Nossa Senhora da CorrenteLêdo ivo

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Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Só Deus e os morcegos habitam a Igreja de Nossa Senhora da Corrente. O espírito invisível paira entre os altares roídos e o vento de Penedo cega lentamente os olhos dos santos que os turistas e antiquários não conseguiram roubar. Deus é barroco. Deus é como os morcegos: voando à noite entre os espaços estrelados procura chupar o sangue dos homens que enegrecem o dia com os seus pecados.

Na abóbada da igreja que o rio às vezes invade os morcegos escondem o céu alegórico eternamente sonegado aos pecadores. Ó céu negro dos homens! Sob o soalho avariado os ratos se inclinam à Presença eucarística. E Nossa Senhora da Corrente, padroeira dos ratos e morcegos, entre flores de papel e velas fedorentas compartilha da solidão divina. Ó Mãe dos homens, que sorri radiosa em seu abandono como a minha própria mãe, rogai por mim!

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Lêdo Ivo

Seu olhar parece compassivo e fraternal; em realidade é implacável: os pobres cheiram mal, não sabem como se vestir e acabarão ocupando todos os postos. Os morcegos, co-mo os seres humanos, se chocam contra as paredes e bebem o sangue de seus semelhan-tes. O pai só deixa ao filho, como herança, o seu cansaço e o seu espanto. Seu nada e seu frio. Talvez também as palavras.

Nelas, incontíveis, transbordantes, se re-fugiou. Queria ser impessoal, refletindo aos outros, nas cidades, como todas as nossas, que fedem “a gasolina e a demagogia”. Mas terminou por ser poeta: “Vou entre a multi-dão e meu nome é Ninguém”.

O poeta que grunhe e se queixa: “já não sei cantar o mundo nem dizer meu amor”, como disse precisamente em Finisterra ao cantar um mundo caótico e sujo. De chagas e mentiras. Da Bolsa de Nova York e do rei Nabucodonosor. Esse mundo da sucata, onde ele retorna o ditado clássico de Baudelaire: seu convite à viagem.

Minha vida inteira estremece ao cair da noite

e ouço na escuridão o cântico de tudo que parte.

É o inquieto, o desassossegado, o neuróti-co, que abomina “os imóveis”, “os que escu-tam sentados os silvos dos navios”.

Quem, em sua “Ode à sucata”, quer re-ter somente

o que de usado e gastose torna imune à ofensa intempérie.

Só que essa reivindicação, desde T. S. Eliot, já é um lugar comum da poesia mo-derna. Que faz então de Lêdo Ivo um tão ad-mirável poeta? A fusão acertada de tudo isso: dos detritos e do soneto. De parecer desven-

Juan Gustavo Cobo borda*

cilhado do neoclassicismo com a mais exas-perada enumeração torrencial. Cinquenta li-vros. Mil cento e trinta e quatro páginas de sua Poesia Completa, de 1940 a 2004, nem o mundo, nem a palavra se acabam. Seguem golpeando-o, e ele lhes responde com seu atribulado testemunho:

Não somos dignos de piedade.Seria melhor que Deus não existisseE vivêssemos todos fora de seu

incômodo olhar.

A essa mirada triangular do olho de Deus só pode opor-se uma única visão: a da crian-ça na praia, não recitando Homero, não me-dindo o vento, mas reencontrando o quê? A simples eternidade.

A eternidade do amor, onde os animais “se mordem e se lambem”. Miasmas, cáries, águas podres, “país palúdico”, “fermentação dos resíduos”: nos trópicos é mais visível a deterioração, mais fascinante o desgaste de todas as coisas, incluindo o ser humano.

Para ele torna-se necessário reformular as plavras, buscá-las fora do dicionário e respirar

o ar da noite que cheira a jasmime ao doce esterco fermentado.

Talvez por isso Lêdo Ivo fale tanto dos ani-mais, dos que voam como o gavião ou os que estão presos no Zoológico, quietos como o caracol ou desassossegados como os ratos. Talvez por isso Lêdo Ivo guarde consigo o presente inesperado para todos que leem, admirados: sua ignorância. Sua frágil apren-dizagem de vida. Seus incessantes temores, em meio à afirmação viril de uma voz que se quer a um só tempo justa e avassaladora. Que sempre se volta sobre si mesma, na reflexão sobre poema e na meditação sobre essa arte

que ainda chamamos poesia. Que dura e já passa, como desejo e a música.

Uma poesia nutrida de tosses e escarras, de loucos e mortos, cuja pátria não é a língua portuguesa, senão talvez uma pequena cida-de, Maceió, onde nasceu em 1924. Essa é sua pátria, “disentérica e desdentada”.

Só que essa poesia, que desceu até a fer-rugem e a lama, tem em sua essência o tom épico dos vastos cronistas. Do viajante pe-lo mundo, de Washington a Copenhague, de Roma a Londres, de onde esse Ninguém an-darilho costuma despedir-se assim:

mesmo estando mortoinsisto em ser Lêdo Ivo.

O que passa, que queima seus rascunhos falidos, o incapaz de reter a evaporação do orvalho, porém capaz de dar-nos, por outro lado, muitos poemas que nos tocam e estre-mecem. Que nos faz chorar felizes ou sorrir enlutados, como em verdade acontece com todo grande poeta. Um poeta da estirpe de Pablo Neruda no “Fantasma do navio de car-ga”, de Enrique Molina em Costumes Erran-tes, ou da redondeza da terra, ou de Álvaro Mutis na sua saga de Maqroll o Gaviero: a fascinante viagem do nada.

Percepção ampla do mundo e atenção mi-nuciosa ao detalhe humano. Em seu livro Ré-queim (2008) dirá:

fui um homem entre os ho-mens, um olhar entre olhares,E agora estou sozinho..............Um oceano mudo me rodeiae é branco como uma mortalha.E a chuva cai e lavaas latrinas da morte.

Sua poesia é essa chuva.

*Escritor, poeta e jornalista colombiano.

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Um poeta geográfico que traz para seus versos e prosa a marca do espaço físico. O ensaio acadêmi-co da seção Documenta desta edição, assinado pe-lo poeta e professor de Literatura da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), Fernando Fiúza, se apro-funda nessa característica da obra de Lêdo Ivo, no recorrente retorno às origens, na aparente busca pelo “paraíso perdido da infância”. O texto anali-sa esse privilégio, essa forte presença do espaço

físico em seus livros, desde a obra de estreia, As imaginações. “Um escopo geográfico que vai da rua ao continente”, enfatiza Fiúza, que se debruça so-bre poemas que evocam a sua terra natal, a cidade de Maceió, e toda a simbologia que esse universo carrega nos poemas de Lêdo Ivo – o forte cheiro de maresia, o farol [uma imagem recorrente em seus livros], os armazéns de açúcar, a zona portuária, seus habitantes e animais peçonhentos.

A cidade lembradaFotos do acervo do Museu da Imagem e do Som

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MACEIÓ - A CIDADE LEMbRADA

Fernando Fiúza Moreira*

Maceió aparece desde o primeiro livro de Lêdo Ivo (1924), As imaginações (1940-1943) (Poesia Completa, p. 45 a 64), pelo viés me-tonímico. Já no poema de abertura, “Esme-ralda” (p. 47), encontram-se duas palavras recorrentes (“farol” e “mar”) em toda sua obra – tanto em prosa quanto em verso -, mas, sobretudo, na parte que tem sua cidade natal como referente. O quinto poema des-ta primeira recolha leva como título “Praia do Sobral” (situada no litoral sul de Maceió):

era/ como o colchão onde se amava.”; 2) o sonho, no início da quarta estrofe: “Sonhos caminhando”, além do campo semântico do onírico em “A noite vinha do sexo de Doralice” e do fecho do poema: “e eu fiquei menino, na praia, sonhando.”; 3) o sexo, que perpassa todo o poema. Sua alta voltagem erótica ins-creve-se desde o primeiro verso (“Esperava que ela afastasse de mim os seios puros”) ao começo da última estrofe; 4) e, por fim, a memória, evidente desde o tempo (o passa-

do) escolhido para os ver-bos empregados (na sua grande maioria no pre-térito imperfeito do indi-cativo, só o dístico final vem no perfeito) até ver-sos claramente memo-rialísticos, como “Dora-lice era como a lagoa da terra em que nasci”, “on-de o sol da minha infân-cia se nutria” e, o último, “e eu fiquei, menino, na praia, sonhando.”

Em “A infância redimi-da” (p. 199-200), de Cân-tico (1947-1949) (PC, pp. 189 a 256), Maceió está sob o epíteto de “minha cidade”. O poema trata da descoberta da poesia

e da consequente alegria, inoculado de refle-xão metapoética: “Tenho um ritmo longo de-mais para louvar-te, Poesia./ Maior, porém, era a beira da praia de minha cidade/ onde, menino, inventei navios antes de tê-los vis-to.” O fecho é uma constatação da precedên-cia das palavras com relação às coisas: “Não és senão um sonho de infância, um mar visto em palavras.”

A segunda parte de Linguagem (1950-1951) (PC, pp. 257 a 334) intitula-se “A terra natal” e seus 20 poemas são permeados pela presença física de Maceió. “Soneto da Pon-ta da Terra” (p. 294) traz no título um bairro praiano da cidade e a marca da memória que caracterizará os “poemas maceioenses” de Lêdo Ivo. Os dois últimos versos de “Barra do rio” (p. 301) sustentam a nota memoria-lística enxertada do campo lexical atrelado à cidade: “Dos mangues e das locas de goia-muns, vem a sombra/ de minha infância dor-mindo na podre corografia.” Esta parte do livro encerra-se com “Ponta Verde” (p. 305), outro bairro praiano, que à época do livro era um vasto coqueiral, cujo único traço hu-mano era uma capela (já demolida), e hoje é um dos bairros da elite alagoana. Aqui, mais uma vez a memória: “Palma de sal e seiva, minha infância/ te viu, coqueiro, sombra si-mulada.” E assim se finda: “Parti-me deste sol, vim desta sombra,/ e a vida bebe os ares, como as palmas.”

Nos livros seguintes, Maceió e seus bair-ros não serão títulos nem temas de poemas, mesmo que o campo semântico a ela liga-do apareça em Magias (1955-1960) (PC, pp. 381 a 418), em poemas como “Iara” (p. 406) e “Lacraia” (p. 414). Mas a cidade emergirá com toda força, sobretudo na primeira par-te – “Lugar de nascimento” -, em Finister-ra (1965-1972) (PC, p.523 a 588), que é, co-mo constata Ivan Junqueira, “(...) o livro que marca o regresso definitivo do autor às suas origens e, talvez, o mais comovido que nos deixou até agora. E esse retorno ao paraí-so perdido da infância estará presente, em maior ou menor grau, em todas as coletâneas poéticas que ainda iria publicar.” (PC, p. 36).

“(...) Praia debruçada sobre seu corpo,o amor era a gratidão marítimae as ondas obedeciam ao fremir de suas coxas.Doralice era a utilidade que sob o solou sob a lua me afastava do céu.Era o crepúsculo invasor de alguma manhã

Sonhos caminhando, tardes náufragas, noites grandes,Doralice era como a lagoa da terra em que nasci:me perturbava e me acendia.Era a areia quenteonde o sol de minha infância se nutria.

A noite vinha do sexo de Doralicepara o litoral que eracomo um colchão onde se amava.Depois Doralice vomitou a infânciae eu fiquei, menino, na praia, sonhando.” (p. 50-51)

Nestas três últimas estrofes do poema (num total de cinco) já se encontram pre-sentes quatro das linhas mestras de toda sua poética: 1) o mar (e todo um léxico dele deri-vado) em “Praia debruçada sobre seu corpo/ o amor era a gratidão marítima” e ainda nos sintagmas “tardes náufragas” e “areia quen-te”, além da retomada do campo semântico marinho no símile que se encontra nos três primeiros versos da última estrofe: “A noite vinha do sexo de Doralice/ para o litoral que

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* É poeta e professor de Literatura na Ufal.

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“Lugar de nascimento” contém 28 poe-mas, mas nem todos trazem Maceió como referente – em 7 são invocados outros mu-nicípios alagoanos. Os 21 poemas podem ser divididos entre aqueles que trazem desde o título a cidade de Maceió inscrita metonimi-camente, como, por exemplo, em nomes de bairros (“Jaraguá” e “Pajuçara”), de constru-ções (“Homenagem a um semáforo” e “Os an-jos da igreja do Rosário”) ou, simplesmente, aquele intitulado “Planta de Maceió”; e ain-da aqueles em que, pela escolha do léxico, a cidade se faz presente de maneira implícita.

Desde o poema de abertura, “Minha terra” (p. 527) – espécie de mapa lexical, semântico e imagístico desta parte do livro -, torna-se clara a abordagem memorialística. A quarta estrofe – o poema contém 23, cada uma for-mando uma unidade semântica independen-te e todas compostas de três versos polimé-tricos – contém o tempo do verbo que mar-ca a memória: “Entre casas de maribondos/ e caranguejeiras imóveis/ a tarde me ilumi-nava.” A estrofe seguinte recorre igualmen-te ao mesmo tempo verbal: “Eu soletrava a ferrugem/ de navios sem nome que a lama/ das lagoas mastigava.” Uma pequena mostra aqui recolhida traz o campo lexical recorren-te nesta fase da obra do poeta, e não só da obra em verso, mas em sua prosa de ficção (Cf. Ninho de cobras, por exemplo): “caran-guejeiras”, “ferrugem”, “navios sem nome”, “lama”, “lagoas”. Mas, retomando as mar-cas textuais da memória, ainda neste poema vejam-se as estrofes 14 e 15, com a anáfora a não deixar dúvidas: “Foi na infância que aprendi a ver-te,/ ó sol que me ilumina. E um arco-íris/ abriu-se entre as arraias no céu pá-lido.// Foi na infância que aprendi a amar-te,/ fêmea, que meu espanto confundia/ com as caranguejeiras.” Do ponto de vista geográfi-co, Maceió só se insinua nas estrofe 18, 19, 20 e 21 pela via de notificações localizantes (postas em negrito por mim):

O poema encerra-se com uma constata-ção que serve de comentário à poética do autor: a fértil promiscuidade entre o onírico e a matéria: “Sempre juntei no mesmo pra-to/ as espinhas dos meus peixes/ e o sobejo dos meus sonhos.”

A nota memorialística continua soando em “Quando os navios apodrecem” (p.533) – poema que contém desde o título uma das fixações temáticas do poeta a partir desta fase: a decomposição das coisas. Não custa ressaltar duas visões diametralmente opos-tas a respeito do papel do mar em dois poetas amigos e da mesma geração: enquanto em João Cabral de Melo Neto o mar é um agen-te sanativo1, em Lêdo Ivo o mar é um agente de putrefação: “Naquela manhã de domingo/ vi os navios do Império bebidos pelas águas quase negras/ e lancei um grito que assus-tou meu pai.” Nesses três versos, temos a marca da memória e a presença alusiva da lagoa que cerca uma parte da cidade de Ma-ceió conotada “pelas águas quase negras.” Este poema ainda possui um diálogo inter-textual com a Odisséia, especificamente com o episódio das sereias: “Porque lembrara: do tombadilho de um daqueles navios/ que cru-zaram as ilhas douradas do dia, eu vira/ as sereias cantando na praia.”

1 Cf., por exemplo, “Cemitério alagoano”, de Quaderna, para continuarmos na mesma geografia.

“De cima das dunas eu via o mundo:escória azul ao longe,mar curvo de navios.

Como o universo era belíssimo!A nuvem que roçava os trapichesfulgia no celeiro das águas.

No fim dos trilhos da Great Westernentre balduínas sedentase dormentes cravados na água

o branco farol de minha terraclareava jaqueiras acocoradassempre grávidas como lavadeiras.”

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O farol da infância de lêdo Ivo tornou-se um símbolo em sua poesia

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O poema seguinte, “Os morcegos” (p. 533), também não traz, como o anterior, nenhuma notificação localizante precisa de Maceió, mas através do léxico sabe-se que o espa-ço que sedia o poema é esta cidade: “alfân-dega”, “a casa de nosso pai, “luz do farol”. A memória aqui é explicitada no verso que abre a segunda estrofe: “A casa de nosso pai era cheia de morcegos”. Na última estrofe, a casa paterna é retomada: “Ao morrer, nos-so pai deixou (a mim e a meus oito irmãos)/ a sua casa onde à noite chovia pelas telhas quebradas.”

“Homenagem a um semáforo” (p. 534), breve poema de apenas três longos versos, também não traz um nome próprio que este-ja ligado diretamente a Maceió, é pelo léxico e pelos objetos que a cidade se faz presente: “Aquele semáforo junto ao mar, na minha in-fância./ Sempre amei as coisas que indicam ou significam algo/ - tudo o que, em silên-cio, é linguagem.” É notável aqui a reflexão ao mesmo tempo analógica e metapoética: o eu lírico compara a poesia ao semáforo: ambos em silêncio é linguagem – o semáfo-ro por ser apenas luz, a poesia, por ter-se, modernamente, calado, virado antes coisa de ver que de ouvir.

No poema em prosa “O cata-vento” (p. 534), todos os verbos vêm no passado e qua-se todos no imperfeito do indicativo, marca evidente da memória que perdura – além do aposto que inicia o segundo e último pará-grafo – “Menino, eu caminhava (...).” Maceió aqui é apresentada tanto pelo epíteto “minha cidade natal”, quanto pela geografia que lhe é característica: “entre a duna e o mar”. O poema seguinte, “O guarda-livros” (p. 535), traz a marca biográfica e confessional, pois o pai do poeta é nomeado no verso “ó velho Floriano Ivo”. Aqui, eu lírico e eu empírico se fundem - a leitura de Confissões do poe-ta confirma a fusão.

“Cama e mesa” (p. 537) traz um local (que não mais existe) de Maceió já no primeiro verso: “No Banheiro do Cego/ amamos sobre tábuas duras.” Em seguida encontra-se uma palavra que traz a cor local em toda sua cin-tilância popular: “peniqueira” em: “Ó sol de querosene/ nos peitos molengos/ de uma pe-niqueira!” A remarcar ainda o sintagma “pei-

tos molengos”, típico do baixo calão maceio-ense, como também, mais adiante, “lenga-lenga” e “desengonçados”. A memória tam-bém aqui é explicitada nos versos seguintes: “Que sabão lavará/ a minha infância suja/ que nessa comilança/ já hoje se lambuza?”

“Jaraguá” (p. 539) traz desde o título Ma-ceió, pois este é o bairro onde se encontra o porto que, por sua vez, deu origem à cidade. Ainda nesta calha da origem, só que agora verbal, no terceiro verso encontra-se “maçai-ós”, de onde deriva o nome da cidade e que o Aurélio define como “lagoeiro, no litoral, for-mado pelas águas do mar nas grandes marés, e também pelas águas da chuva”. A terceira e última estrofe do poema é exemplar, quan-do não por concentrar as linhas mestras da poesia desta primeira parte (“Lugar de nas-cimento”) de Finisterra:

Praia da avenida retratada com o farol ao fundo

a zona portuária de Maceió é um cenário muito evocado pelo poeta

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“(...)

Só quem nasceu junto às vagas, entre barricas, balanças e espinhas de carapeba,conhecerá, raiada a aurora, esse dia carcomido pelo salquando nos balcões dos armazéns de secos e molhadosos gatos estremecem pressentindo trombas-d’água e naufrágiose as varandas dos velhos sobrados são esculturas do tédio.Ainda agora sob minha cama dormem caranguejos. E no meu sono de estivaos navios se espalham sobre as ondas oxidadas como uma ninhada de ratos.”

Aqui se pode observar todo um léxico ata-do ao porto e ao mar, o agente corrosivo que é este último, assim como a permanência da infância na idade adulta: “Ainda agora sob minha cama dormem caranguejos.” A cida-de se torna presente através da memória e do sonho, que para um poeta da linhagem de Lêdo Ivo são tão ou mais palpáveis do que a realidade. O porto de Jaraguá, ainda que não nomeado, será invocado através do campo semântico em “Nascimento do dia” (p. 541). Mas aqui os verbos no pretérito perfeito do indicativo circunscrevem a lembrança, não há uma ponte com o presente, como no caso de “Jaraguá”.

de do mar é mais uma vez posta em cena: “A ventania lambe as dragas podres,/ entra pelas persianas das casas sufocadas/ e es-calavra as dunas mortuárias/ onde os beiços dos mortos bebem o mar.” O olhar severo e antitético sobre a paixão dos homens que aí habitam vem em seguida: “Mesmo os que se amam nesta terra de ódios/ são sempre se-parados pela brisa/ que semeia a insônia nas lacraias/ e adultera a fretagem dos navios.” O local de nascimento é reiterado nos cinco versos finais: “Este é o meu lugar, entranha-do em meu sangue/ como a lama no fundo da noite lacustre./ E por mais que me afas-te, estarei sempre aqui/ e serei este vento e a luz do farol,/ e minha morte vive na cioba encurralada.” A salientar ainda as operações metafóricas: nos dois primeiros versos pe-lo uso do “como” (o símile), e no quarto ver-so pelo emprego do verbo “ser” (a metáfora em si). No terceiro verso (“por mais que me afaste, estarei sempre aqui”) e no verso fi-nal (“e minha morte vive [...]”), encontra-se o oxímoro. Em todos estes três tropos ob-serva-se a fusão entre o eu enunciador e o espaço enunciado.

O poeta ainda trará Maceió como espaço, nesta primeira parte de Finisterra, em dois poemas: “Os anjos da igreja do Rosário” (p. 548) e “Pajuçara” (p. 549), em que a notifica-ção localizante vem no título. No primeiro, os anjos (pelo viés estético) e Deus (pelo vi-és moral) são vistos de maneira depreciativa e uma dúvida acicata o leitor: a culpa é do escultor dos anjos que os fez feios? De um tosco artesão da província? Ou será o olhar ateu do poeta que os deforma? No segundo, uma tensão emana dos quatro dísticos entre a concretude do localizável – Pajuçara, bair-ro e praia da cidade – e o enigma de corte oracular, e nada de estável se consegue – “Pajuçara” seria então um nome de navio? A ambiguidade, uma das marcas da função poética, segundo Jakobson, rege de maneira ostensiva todos os poemas sobre Maceió que se encontram em Finisterra e esta am(fi)bi-guidade é explicitada num terceto do poema de abertura (“Minha terra”): “Vindo das ilhas inacabadas/ nunca aprendi a separar/ o que é da terra e o que é da água.”

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Em “Planta de Maceió” (p. 546) o poeta to-mará a cidade como um corpo, e um corpo presente, vivo. A notar, antes de tudo, a ambi-guidade do título, pois “planta” aqui pode ser lida à primeira vista como plano cartográfi-co, mas, depois da leitura do poema, também como sua primeira acepção: a de vegetal, do que tem raízes, do que vinga em determina-do torrão. Os verbos são majoritariamente no presente e o poeta se posiciona, situa-se, to-ma o partido inevitável de onde nasceu, mes-mo que a determinação de tal lugar caiba ao destino e não à vontade do indivíduo. Neste poema, a memória cede espaço ao presen-te desde o início: “O vento do mar rói as ca-sas e os homens./ Do nascimento à morte, os que moram aqui/ andam sempre cobertos por leve mortalha/ de mormaço e salsugem. (...)” Aqueles que não partiram, ao contrário do poeta, são vítimas dos “dentes do mar” e de “um sol de areia”. O locutor se posiciona claramente no espaço: “Foi aqui que nasci, onde a luz do farol/ cega a noite dos homens e desbota as corujas.” A putrefação causada pelo clima quente e úmido e pela proximida-

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Maceió reaparecerá como referente em Mar Oceano (1983-1987) (PC, pp. 743 a 790), desde a primeira frase do segundo poema, “A morte de Elpenor” (p. 743): “Os bordéis de Maceió iluminam a minha adolescência.” Aqui são postos em cena, como já o tinham sido em alguns poemas de Finisterra, a me-mória, o mar, o clima mormacento, o bairro de Jaraguá, as prostitutas e a Odisséia de Homero (não mais as sereias, mas o palácio de Circe). “Ponta da Terra” (p. 766), bairro de Maceió, é o título de um haicai heterodo-xo (com apenas 11 sílabas poéticas, quando o canônico traz 17): “O mar crepita/ pepita azul/ entre pedras.” A remarcar a aliteração em /p/, bilabial que mimetiza a pancada do mar na pedra. “O nome dos navios” (p. 777) é outro poema (em prosa) de fundo memoria-lístico e alusivo à cidade natal, mesmo que não haja nome próprio que o atrele direta-mente a ela, mas em que os acidentes geo-gráficos são suficientes para tanto:

“Domingo à tarde, ele nos levava pa-ra o passeio interminável, conduzindo-nos, através de ruas monótonas, até o começo da praia.

Víamos as dunas. Elas caminhavam junto ao Mar Oceano como uma branca romaria de mulheres. Depois contem-plávamos os navios. Nas proas negras havia sempre um nome que a distância dissolvia. (...)”

Em Curral de peixe (1991-1995) (PC, pp. 867 a 943), antepenúltima recolha do poeta, Maceió volta como espaço de maneira bem mais saliente do que em Mar Oceano e des-de o primeiro verso do primeiro poema, “As ferragens” (p. 873),:

“Em Maceió, nas lojas de ferragens,a noite chega ainda com o sol claronas ruas ardentes. Mais uma vez o silênciovirá incomodar os alagoanos. O escorpiãoreclamará refúgio no mundo desolado.E o amor se abrirá como se abrem as conchasnos terraços do mar, entre sargaços.Nas prateleiras, os utensílios estremecemquando as portas se cerram com estridor.Chaves de fenda, porcas, parafusos,o que fecha e o que abre se reúnemcomo uma promessa de constelação. E só então é noitenas ruas de Maceió.”

Se aqui a cidade é vista pelo prisma a prin-cípio mercantil, o léxico recorrente, de quan-do se trata dos “poemas maceioenses”, se faz notar: “escorpião”, “conchas”, “terraços do mar”, “sargaços”. Note-se ainda que não há um cunho de memória no poema, os ver-bos estão no presente e no futuro, ao contrá-rio de em “O Peixe” (p. 887), onde os verbos encontram-se no passado, desde o primeiro terceto: “O peixe estava fora d’água./ Era um peixe vivo/ na praia da Pajuçara.” “Hospital do câncer (Maceió)” (p. 888) não traz, além do nome da cidade entre parênteses no títu-lo, nada que se refira espacial ou especifica-mente a Maceió – é de se supor que a ideia do poema tenha vindo neste local ou que ali morreu uma pessoa querida, pois qualquer cidade cairia justo entre os dois parênteses, afinal, o tema do poema é universal: o cân-cer, aqui tratado por “caranguejo” – teria sido então tal palavra, pertencente ao campo se-mântico de Maceió, pois prato aqui aprecia-do, a responsável pelo nome da cidade no tí-tulo? “Anoitecer em Maceió” (p. 889) é junca-do do léxico característico dos poemas sobre a cidade natal do poeta: “semáforo”, “mar”, “naufrágio”, “navios”, como o são “Porto de Jaraguá” (p. 889) e “Promotório” (p. 890). No último verso deste, observa-se mais uma vez

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a declaração de pertencimento do eu lírico à cidade: “longe de vós serei um exilado.” O pai voltará em “Reaparição do meu pai” (p. 894), obviamente todo em clave onírico-memorialística (um sonho transcrito) e onde mais uma vez a cidade se anuncia: “Meu pai ia e vinha no centro de Maceió.” Este poema, assim como “As ferragens”, difere, sob o ân-gulo do espaço invocado, dos outros, majori-tariamente atrelados ao mar, pois é o centro da cidade, o que lhe há de mais urbano, que emerge dos versos: “De vez em quando meu pai parava num lugar:/ Na junta comercial, numa loja de ferragens, à porta de uma sa-pataria./ Com seu olhar de míope contem-plava o rosto de Carole Lombard no cartaz

do cinema Floriano./ Entrava no bar Colombo para mijar.(...)” . “Perto de Maceió” (p. 914) é um soneto em que a atmosfera onírica se anuncia desde o primeiro decassílabo: “Co-mo um farol aceso em pleno dia” – aqui tam-bém todo léxico recorrente estará presente, sobretudo o de campo semântico marinho. “Trapiche da barra” (p. 921), outro soneto em decassílabos e outro bairro a intitular um poema, traz também o mar como irradiador lexical para tratar, em tom camoniano, do tempo que passa: “Tudo é vário e inconstan-te e tudo muda/ como a vaga infiltrada nos mourões/ (...)”. “Ponta Verde” (p. 924), outro bairro e outro soneto, é construído sobre an-títeses, do começo (“A minha noite é dia”) ao

fim (“Livre e cativo. Toda/ liberdade é cár-cere.”), e traz, no terceiro verso do segundo quarteto, o sintagma, no plural, que dá títu-lo ao livro: Curral de peixe”, construção que marca a paisagem litorânea de Maceió com grande impacto interrogativo: até o mar aqui é privado,até o peixe tem dono?

“O Barulho do mar” (p. 953), que se encon-tra em O rumor da noite (1996-2000) (PC, pp. 945 a 1020), a cidade aparece já no primeiro verso: “Na tarde de domingo, volto ao cemi-tério velho de Maceió/ onde os meus mor-tos jamais terminam de morrer/ (...)” E mais adiante: “Digo aos meus mortos: Levantai-vos, voltai a este dia inacabado/ que precisa de vós, de vossa tosse persistente e de vos-

Sequência de fotos da lagoa Mundaú

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sos gestos enfadados/ e de vossos passos nas ruas tortas de Maceió. Retornai aos sonhos insípidos/ e às janelas abertas sobre o mor-maço./ (...)” Aqui o eu lírico volta à cidade na-tal não só para rever seus mortos, mas, com a força do verbo, tentar ressuscitá-los. Mas é apenas um lapso de grandeza, pois logo em seguida conforma-se e consola-se com o mundo mineral e marinho: “(...)/ o silêncio dos mortos me diz que eles não voltarão./ Não adianta chamá-los. No lugar em que estão, não há retorno./ Apenas nomes em lápides. Apenas nomes. E o barulho do mar.”

Plenilúnio (2001-2004) (PC, pp. 1021 a 1064), último livro que consta da Poesia Com-pleta, traz “O mormaço” (p. 1033), onde não se encontra nenhum nome próprio perten-cente a Maceió, mas pelo léxico e geografia deduz-se facilmente que o espaço invocado no poema dividido em tercetos é esta cida-de: “mormaço”, “sargaço”, “dunas”, “mar”, “destroços dos navios”, “açúcares”, “trapi-che” etc., além das seguintes estrofes não deixarem dúvida: (7ª) “Não posso perder mi-nha pátria/ de vento e areia./ Minha pátria de caranguejos.”; (8ª) “Aqui é meu reino./ Ape-

nas o vento do mar/ no abraço seminal.” e (11ª) “Nada me dispersa./ Como o fogo e a água/ sou o meu lugar de nascimento.” Em “Minha pátria” (p. 1027) o intertexto com Fer-nando Pessoa (“Minha pátria é a língua portu-guesa”) serve para reiterar o pertencimento à cidade e a tudo que a caracteriza. O poe-ma sintetiza léxico e imagens utilizados pelo poeta desde seu primeiro livro, toda vez que escolhe Maceió como espaço: “Minha pátria não é a língua portuguesa./ Nenhuma língua é a pátria./ Minha pátria é a terra mole e pe-ganhenta onde nasci/ e o vento que sopra em

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trilho do bondinho no Farol, bairro onde lêdo Ivo morou com a família

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Maceió.” O poema encerra-se reiterando a negação (pátria não é a língua), numa atitu-de típica dos românticos, para quem a pala-vra estava aquém das emoções e das coisas: “Nenhuma língua enganosa é a pátria./ Ela serve apenas para que eu celebre a minha grande e pobre pátria miúda,/ minha pátria disentérica e desdentada, sem gramática e sem dicionário,/ minha pátria sem língua e sem palavras.”

Lêdo Ivo é um poeta caudaloso, escreveu em todos os gêneros, escreveu em prosa e em verso, e em toda sua obra o espaço físi-co é privilegiado – é um poeta para quem “a geografia existe”, como dizia de si Théo-phile Gautier. São incontáveis os nomes de lugares em sua obra. Seu escopo geográfi-co vai da rua ao continente. Escreveu so-bre muitas cidades, tanto de seu Estado e do seu país, quanto de outros países. O pa-pel de outras cidades (Rio de Janeiro, Pa-ris, Roma, por exemplo) presentes em seus poemas poderia também ser estudado. Os poemas aqui catalogados e resumidamente analisados são aqueles em que Maceió se faz presente não só de maneira explícita, através de nome da cidade ou nomes pró-prios a ela pertencentes, mas da geografia e do léxico característicos. É a cidade portuá-ria tropical, entreposto marítimo que muitas vezes parece sacada de uma página de Jo-seph Conrad, uma cidade rudimentar, cujos sinais de urbanidade quase que se limitam aos armazéns de secos e molhados e às lo-jas de ferragens, cidade quente, úmida, mor-macenta, infestada de animais peçonhentos (lacraias, cobras, morcegos, lesmas, formi-gas) e de que os homens querem evadir-se pelo mar oceano, o caminho que lhes resta, a bordo dos navios sem nome, mas ainda assim fincada tão fundo na alma do poeta, que a ela sempre volta, seja em sonho, seja em corpo, nem que seja para constatar que seus mortos jamais ressuscitarão. A Maceió invocada por Lêdo Ivo fisicamente não exis-te mais – se é que um dia existiu -, mudou vertiginosamente como a Paris de Baudelai-re: “Le vieux Paris n’est plus (la forme d’une ville/ Change plus vite, hélas! que le coeur d’un mortel)”.

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estação da Great Western

Café Colonial

Igreja do Rosário

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Os sinos de MaceióLêdo ivo

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Não escuto os sinosque sempre escuteiquando era menino.

Não escuto os sinosque anunciam a mortena cidade morta.

Sinos do pés juntose das mãos cruzadasdos frios defuntos.

Carrilhões que trazemo fedor da mortee as ressurreições.

Não escuto os sinosque anunciam a vidapelas ruas tortas.

Minha vida é pobrecomo a dos mendigos.Não escuto os sinos

e nem mesmo os hinosque estavam comigoquando era menino.

De manhã à noiteos sinos tocavamnas velhas igrejas.

Sinos do Rosárioe do Livramentoe da Catedral

sinos da alegriada fé e tormentoperdidos no vento

sinos dos Martíriosque se irradiavampelo firmamento.

E Deus era amor.Os homens pecavame Deus perdoava.

No confessionárioou no Seu sacrárioDeus era perdão.

Livrava do infernoo ladrão de terrase o estelionatário.

Também perdoavaas belas adúlterase o frio assassino.

Ao toque dos sinostodos recebiamo perdão divino.

O estado de graçabem pouco duravaao sol e ao mormaço.

O arrependimentosumia no vento.Pecado nefando

e coito danadopousavam de novonos quartos fechados.

Pecador relapsoo homem tornavatornava a pecar.

E Deus perdoavaos corpos e as almas.Perdoava em vão

o bicho insensatoque jamais mereceo menor perdão.

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Ode à sucataLêdo ivo

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Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Guarda a neve que cai em Nova Iorquee o resíduo da vida que se ocultano ramo ressequido da nogueira,e o frio que ilumina a ventania,e as pálpebras do cego em Central Park.Entesoura o que o outono desperdiça,seja granizo ou murcha crisandália.Fique contigo o que, não sendo dólar,lucro, custo ou despesa, ninguém guarda:a ferrugem no fundo do urinole o fedor popular nos subterrâneosquando os homens e os ratos se defrontamna suja entranha da ilha de Manhattan.Insone, poupa o sonho não sonhado,a cinza da limalha, a maçã cegaque resvalou entre o navio e a doca.Em meio ao desperdício e à abundância,retém somente o que, de usado ou gasto,se torna imune à ofensa da intempériee, moeda sem efígie, é oferendano altar das potestades do desgaste.Na Madison Avenue ou contemplando,nas fachadas dementes dos cortiços,o madeirame podre dos terraços,reserva para ti o que ninguémreclama nos perdidos & achados:chapéus velhos, estúpidas bonecas,chaves tortas, baralhos incompletos,as muletas e os óculos quebrados.Pede o excesso, o sobejo, o rebotalhoqueimados pelo gelo sem piedadena hora em que o fungo se converte em lágrima.Reivindica a sucata, a sobra exatada mercenária forma do utensílioque o vento mercantil corrói no vale.

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lêdo Ivo ainda menino, época em que descobriu a leitura

Acervo pessoal

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A família teve sua primeira morada no bairro do Farol, na rua que hoje recebe o no-me do pai do poeta, num sítio muito grande, como recorda José Aldo Ivo, um dos doze ir-mãos do escritor – único que ainda vive em Alagoas. “Dizem que minha mãe chamava o pessoal da rua para apanhar frutas que caí-am no chão, já que a quantidade que ali era produzida era muito grande para o consumo de nossa família”, lembra.

Ele recorda do tempo em que o pai tomava o bonde para ir trabalhar, na Praça do Cen-tenário, antes que a família mudasse para o Centro, na Rua do Massena, onde vivia numa casa – lugar relembrado por Lêdo Ivo em seu livro Confissões de um poeta. “Não estamos mais no sítio. Já havia soado para nós a hora de dizer adeus às mangueiras e lagartixas e ao brincar de manja. Moramos agora numa casa alugada na Rua do Massena, no Centro da cidade. Ainda hoje costumo sonhar com ela. Era uma casa de uma porta e duas jane-las. Estas se abriam para a sala de visitas, onde, alguns anos após a nossa mudança, a grande atração seria o piano Essenfelder que meu pai comprou para minha irmã, Maria”.

Atualmente, a casa que Lêdo Ivo retrata com tanta grandeza de detalhes, dá lugar à Caixa Econômica Federal. A última casa on-de viveu a família de Lêdo Ivo situava-se na Rua Boa Vista, numa casa que fazia esquina com o Beco São José.

Quando Floriano Ivo mor-reu, dona Eurídice passou a viver com os filhos. Morou em Recife, São Paulo, Rio de Janeiro e acabou retornan-do a Pernambuco, onde vi-veu com Inaiá, sua filha, até

o dia de sua morte.Durante a juventude, Lêdo Ivo e os irmãos

frequentavam a Praça Deodoro. José Aldo Ivo recorda da época em que estudava no Grupo Escolar Dom Pedro II, onde quase todas as pessoas que moravam no Centro estudavam. “Dom Pedro II era um grupo escolar exem-plar”, lembra.

O irmão poeta, em seu livro, conta sobre o tempo em que começou a frequentar a escola. “Eu deveria ter cinco anos quando fui levado pela primeira vez a uma escola. Era um colé-gio protestante, onde já estudavam os meus dois irmãos mais velhos. Meu pai era maçom e minha mãe católica – e a escolha desse colé-gio se devera decerto a conveniência de local, pois não era longe da casa em que moráva-mos no Farol. Bastava atra-vessar aquele caminho, on-de havia bois e vacas, orlas de mato rastiço, e uma touça de capim escondia a injurio-sa surpresa... Desse tempo de escola guardo apenas a lembrança dos sapatos de-sacatados pelo acaso do ca-minho e de uma alta manhã em que, numa sala de aulas, eu olhava para o recreio va-zio. E recordo-me ainda de que o seu diretor se chama-va Mister Bee”.

Relembrando algumas histórias da infân-cia, Aldo Ivo conta um caso curioso. “Uma vez, Rubem, mais novo do que eu um ano, foi colocado de castigo no sótão de nossa casa da Rua do Massena. Quando acabou o casti-go, mamãe foi procurar por ele e não conse-guia encontrar. Ele havia saído pelo telhado e já estava na outra rua, Moreira e Lima, e já voltou pela calçada, vestido com a roupa de um dos filhos do vizinho de trás”, lembra, achando graça da peraltice do caçula e o de-sespero da mâe.

Essas lembranças de família são muito ní-tidas e recorrentes em toda a obra de Lêdo Ivo. Parentes, brincadeiras e paisagens são tema de incontáveis poemas e artigos do es-critor, que retorna sempre aos lugares que lhe marcaram, como o grande sítio em que morava às margens do Rio Salgadinho. O lo-cal era cenário para caças de goiamuns fu-gidos de mangues próximos dali e para pa-ródias de filmes de faroeste. “Procurávamos transplantar as imagens às vezes trêmulas e que se revezavam Tom Mix, Wallace Berry

vanessa Mota

Filho de Floriano Ivo e Eurídice Plácido de Araújo Ivo, Lêdo Ivo nasceu no dia 18 de fevereiro de 1924, em Maceió. Foi o terceiro dos treze filhos que o casal teve.

O menino reencontradoDA INfâNCIA EM MACEIÓ AOs PRIMEIROs TEMPOs NO RIO DE JANEIRO, A VIDA DO

POETA é MARCADA PELA CORAGEM E OUsADIA

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Desse tempo de escola guardo apenas a lembrança dos sapatos desacatados pelo acaso do caminho

Lêdo IvoPOEtA

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(pronunciávamos Valace Berri) e o cachorro Rin-Tin-Tin”, escreve em seu livro Confissões de um Poeta.

Personagens como o tio carteiro são tra-zidos de volta em seus textos com tanta riqueza que não se sabe ao certo o quanto de verdade e de fic-ção existe nessas histórias: “Minha avó e minha mãe o cercavam, para a conversa prolongada, fendida pe-lo suceder dos risos. A vida de Ma-ceió era passada em revista, o que equivalia dizer que assistíamos a um esplêndido desfile de ladrões, assassinos, adúlteras e cabrões. Nem mesmo os padres eram pou-pados, o que muito me espantava, pois costumava aliar o sacerdócio ao recato e à castidade”.

Em sua obra, o poeta lembra das viagens que fazia com a família, a bordo dos saco-lejantes fords-de-bigode alugados. Ele fala especialmente de uma visita até Marechal

Deodoro. “Naquela viagem de barca, vi os apanhadores de sururu mergulhados até a cintura na lama negra e nutris, arrancando os molhos também negros e peganhentos.

Debrucei-me para olhar os pes-cadores nas canoas cheias de tai-nhas, carapebas, camorins, gordos bagres de Pilas, aratus que traziam para o sol o negror de suas tocas. Meu pai me apontou a Ilha de San-ta Rita. Era a primeira ilha que eu contemplava em minha vida. Mais do que a breve palavra insulada em sua própria magia, ela emergia ao meu encontro como uma paisagem completa, com os coqueirais doma-dos pelo vento e as mangueiras e jaqueiras gordas como goiamuns monstruosos”, relata.

Meu pai me apontou a Ilha de Santa Rita. Era a primeira ilha que contemplava na minha vida

Lêdo IvoPOEtA

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aldo Ivo, o irmão de lêdo Ivo retratado em sua casa, em Maceió

Vanessa Mota

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Estas viagens eram uma recompensa pe-lo bom comportamento do poeta, que era um menino estudioso e apreciador da leitu-ra, mas que, ainda assim, não escapava dos castigos impostos pelo pai.

Ainda menino, quando acompanhava os serões de trabalho do Sr. Floriano Ivo, ele se deleitava em leituras, devorando todo e qual-quer tipo de literatura que lhe aparecesse à frente. “Eu descobria, enfim, que a realida-de, não vive apenas de e em si mesma; não é um monumento que se possa contemplar no meio de uma praça, mas um labirinto onde nos perdemos; e uma secreta energia a leva a gerar outros universos, que a relatam ou interpretam, mesmo sob as tintas da fanta-sia e de inverossimilhança”.

Ainda muito novo, com 16 anos, Lêdo Ivo deixou esse cenário idílico de Maceió e foi morar em Pernambuco, na época, celeiro in-telectual do Nordeste e terra natal de seu pai, para fazer faculdade, onde passou a colabo-rar na imprensa local e a conviver com um grupo literário de que fazia parte Willy Lewin, que haveria de exercer grande influência em sua formação cultural. Em 1941, participou do I Congresso de Poesia do Recife.

Em 1943, transferiu-se para o Rio de Ja-neiro, onde se matriculou na Faculdade Na-cional de Direito da Universidade do Brasil e passou a colaborar em suplementos literá-rios e a trabalhar na imprensa carioca, co-mo jornalista profissional. Foi em solo cario-ca que ele conheceu e casou-se com Maria Lêda Sarmento de Medeiros Ivo (1923-2004), com quem teve três filhos: Patrícia, Maria da Graça e Gonçalo.

Apesar de ter ficado todos esses anos afastado de sua terra natal, Lêdo Ivo atribui sua inspiração a Maceió e a tudo que viveu durante a infância e início de adolescência. “O sentimento universal está ligado em mim às fontes nativas – ao antigo farol branco que, do alto da colina, iluminava o caminho dos navios; à cioba na praia; ao pequeno estaleiro apodrecido; aos trapiches; ao cheiro do mar e açúcar entranhado nas pedras das ruas tortuosas de Maceió”, decreta a indissocia-bilidade de suas raízes e de sua criação li-terária em um de seus livros.

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lêdo Ivo, ainda menino, e os amigos da época em que passou pelo Recife

a mãe, eurídice Ivo O pai, Floriano Ivo

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Maceió: a cidade de Lêdo Ivo

Já li várias vezes o Ninho de cobras, de Lêdo Ivo. Sou leitora de suas obras, divididas em prosa e poesia, mas este, talvez, seja o li-vro dele que mais me atrai. E, como somos amigos, muitas vezes, em nossos encontros, procuro saber em quem ele se inspirou para criar seus personagens. Além dos persona-gens que figuram no romance com os seus nomes verdadeiros, há outros, de nomes fic-tícios, que me intrigaram. Quem foram eles? Pergunto.

Lêdo guarda segredo.Não diz a ninguém em que figura se inspi-

rou para criar Hortêncio, o chefe do Sindicato da Morte. Estou certa de que ele sabe quem foi. Seu pai, o advogado Floriano Ivo, deveria saber e deve ter confiado o segredo ao filho.

tânia de Maya Pedrosa*

Ninho de cobras é o nome de Maceió, ro-mance de sua gente, dos rios e praias. A his-tória mal contada se passa em apenas 24 ho-ras. Bastou esse tempo para Lêdo Ivo fazer um retrato irretocável da cidade em que vi-veu até 1943, quando foi morar no Rio de Ja-neiro e começou uma carreira literária que é um orgulho para nós, alagoanos.

Muita gente daqui acha que é um livro cruel. Eu não. Para mim, é um livro de quem ama Alagoas.

Enquanto tantos escritores escondem a sua origem ou não a projetam em seus livros, Lêdo Ivo é um escritor que, embora fale tam-bém de outras terras, de suas incontáveis viagens pelo estrangeiro, fala, principalmen-te, de sua terra natal. É o seu tema obsessivo.

A professora Leda Almeida diz no filme de Werner Salles que ele nunca se afastou de Alagoas. E tem razão. Não há nenhum es-critor alagoano como Lêdo Ivo. E, graças a ele, Maceió entrou para a literatura nacio-nal e até no estrangeiro, pois o romance já foi traduzido para várias línguas.

Na sua memória criadora Lêdo guardou a sua cidade e, graças ao seu estilo e a sua ar-te literária, Maceió está lá. Ele guardou uma cidade desaparecida.

Ninho de cobras é desenrolado em 1941 ou 1942, quando o Centro da cidade, hoje tão degradado, era a zona nobre e mais movi-mentada. O Relógio Oficial era o ponto de encontro ou de passagem de todo mundo, dos desembargadores, médicos, advogados, usineiros, senhores de engenho, intelectu-ais, as figuras anônimas e os mendigos. O Palácio velho, as lojas de ferragens, os cine-mas, Jaraguá estão no romance e transfor-mam-se em documentos de uma Maceió que o tempo devorou, pois a cidade mudou muito depois da Segunda Grande Guerra. Naque-le tempo, ela terminava em Pajuçara. Ponta da Terra e Jatiúca eram coqueiros e praias inexploradas.

Fico muito feliz ao ver Lêdo Ivo reconheci-do, ainda em vida, pela sua terra natal, jun-tamente com o seu grande amigo Aurélio Bu-arque de Holanda. Isso não aconteceu com Graciliano Ramos, que saiu daqui no porão de um navio, preso sob a acusação de ser comunista,durante a ditadura de Getúlio Var-gas. E também não aconteceu com Jorge de Lima, que emigrou para o Rio de Janeiro de-pois de ter escapado de um atentado.

Impossível deixar de comentar momen-tos vividos ao lado de Lêdo, Marina e outros amigos, seja em Maceió, em Teresópolis ou na França. Certa vez, em Paris, o escritor, saudoso de Maceió, me levou a um restau-rante no Boulevard St. Germain para que eu pudesse conhecer o “sururu” vindo da Bélgi-ca – explica-se: a lembrança de Maceió e do sururu acompanha o escritor por onde ele for.

O seu nome e seu exemplo vão ficar para sempre na história de Maceió, sua cidade que ele tanto ama.

*Tania de Maya Pedrosa, advogada e artista plástica.

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Um brasileiro em ParisLêdo ivo

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Virei-me para ver a intrusana própria fonte dos postaise vi a musa horizontal,ela somente, e nada mais.

Não quis subir, ó Torre Eiffel,ao teu aéreo pavimentoe ver surgir a femininacidade na proa do vento.

Filha da linha da viagemera aquela tarde em Paris.A muda matilha das águaslevava as pinturas do dia.

Festa na mesa do horizonteeis a paisagem que eu fitava:pontas de estrela, arcos e florapostos na terra, entre as estátuas.

Da fonte vazada nos aresmanava o presente maduroe o exílio de agora lançavaa sombra do exílio futuro.

Submissa às nutrizes celestes,a luz, metáfora do dia,desfez-se no ar. Diante de mimsuprimira-se a alegoria.

Do real à metamorfose,caminho de inversa magia,eu chegara e fora, e restavao silêncio, severo guia.

Forma vazia do vazio,sem povoação de palavras,eu me seguia, como um rio segue o rio, oculto nas águas.

Era o céu a pura estruturado nada, perfeito em si mesmo,e a terra a figura de um jogoque me fixava, imóvel, a esmo.

A sombra da tarde cobriaa minha aventura domada,fera inativa que buscavaa selva na jaula fechada.

A minha vida era infinita junto às portas de ouro da tarde.Do silêncio, insensato guia,restava eu mesmo, sem alarde.

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A morte de ElpenorLêdo ivo

Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Os bordéis de Maceió iluminam a minha adolescência.

Considero um dos maiores privilégios de minha vida ter sido admitido neles numa idade juvenil. Era à tarde que eu os frequentava, e chegava quase sempre no instante em que as putas, recém-saídas do banho, se debruçavam castamente nas varandas diante do mar e contemplavam os navios. Ao cheiro de jasmim evolado de seus corpos more-nos se misturava a maresia embriagadora.

Num desses prostíbulos, situados no andar superior de velhos sobrados que também abrigavam armazéns de açúcar e bodegas de fundos escurecidos, ocorreu a morte de um marinheiro, um certo Elpenor.

Ao contrário do que diz Homero, Elpenor não caiu do teto do palácio de Circe. Completamente bêbedo, rolou pela escada do bordel de Maceió e quebrou o pescoço. Sua alma baixou ao Hades.

Esse lamentável acidente me privou, naquela tarde, do prazer habitual de respirar, junto às putas da minha cidade, o cheiro de jasmim que se casava, como um doce e longo coito regido pelo mormaço, a todos os perfumes do oceano.

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Romance e negatividade grávida na ficção de Lêdo IvoMárCio Ferreira da silva*

Ainda somos os trapiches acachapados de açúcar do bairro Jaraguá. Somos o cheiro de maresia que o mar traz até nós e nos atraves-sa corpo e alma. Somos a cidade peninsular que nos inunda de água, cheiros e sabores a todo momento. Já notaram que nossos cemi-térios são a beira-mar? Ou eram.

Um olhar é capaz de ver o visível e o in-visível? Na literatura, a resposta para essa sentença pode estar no olhar que o artista entrega à paisagem. Um olhar permite du-plicar a imagem observada. Quem observa dilata o olhar e, embora olhe o que lhe pa-rece cotidiano, o olhar-observador capta e captura a cena.

No caso de Lêdo Ivo, essa cena reside na representação de espaços negativos da ci-dade. Na verdade, toda essa visão atômica dialoga com uma Maceió organizada ficcio-nalmente para este fim. Resta ao artista não esperar a contagem regressiva para detonar a bomba-visão.

Diante disso, podemos dizer que a lingua-gem literária de Lêdo Ivo se constrói a partir da forma romanesca, cuja composição nos permite dizer que ele ora se permite dialo-gar com a tradição clássica da literatura, ora se mostra na apropriação de uma categoria negativa construtiva no romance moderno, como, por exemplo, se apresentam as perso-nagens e o espaço urbano na ficção lediana, reforçando a posição de dilatação do olhar para gente e lugar na modernidade.

Esse olhar para a tradição literária es-tá nas primeiras obras poéticas, como, por exemplo, As imaginações (1944), Ode e ele-gia (1945), Acontecimento do soneto (1948) ou Ode ao crepúsculo (1948). Na ficção, Lêdo Ivo publica As alianças (1945) e Ninho de co-bras (1973), que formam aqui os objetos des-sa análise. Nessa trilha, este texto propõe uma discussão sobre a construção da nega-tividade nesses dois romances, acreditando que Lêdo Ivo faz de seu projeto autoral uma relação entre a tradição cultural alagoana e a forma romanesca tão discutida na moder-nidade pela crítica literária.

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DO ROMANCE E DA NEGATIVIDADE GRáVIDA Quando o pensamento crítico sobre a nar-rativa moderna, principalmente a partir da década de 60 do século 20, tentou explicar a problemática do romance, o mundo passou a conviver com o trânsito nas obras entre o local e global. A “morte” da narrativa criou um curso de mão inversa, ou seja, o roman-ce atravessou a década para ganhar volume na seguinte.

Podemos dizer que a discussão sobre o romance enfrenta, por exemplo, o universo das publicações best-sellers, encorajado pe-lo mercado editorial que procura fórmulas do momento para satisfazer o leitor, reduzindo sua importância pelo uso de estereótipos. É necessário perceber que esse tipo de nar-rativa nasce e morre a todo o momento, pois isso é fortalecido, via de regra, pelo controle hegemônico dos países ricos na tentativa de unificar ações e tradições culturais dos po-vos do mundo.

Buscando o ritmo de sua própria história e sempre alargando a visão para um novo es-paço contemporâneo, Lêdo Ivo faz uma busca aos sentidos múltiplos oferecidos pela cida-de da infância, da juventude, da fase adulta para compor sua narrativa.

A cidade lediana apresenta um narrador que ora domina a descrição urbana, ora in-corpora a descrição a partir do olhar da per-sonagem. O narrador surge como uma visão da cidade duplicada, como aquele que desvia a paisagem para a negatividade, tão acentu-ada na linguagem que o narrador faz de Ma-ceió em Ninho de cobras.

Longe das paisagens regionalistas que moldaram o romance social de 30, Lêdo Ivo, na década seguinte, sob a influência de po-etas europeus como Rimbaud e Baudelaire, cumpre a tarefa de ater-se às coisas e aos acontecimentos dos espaços urbanos. Em-bora essa tarefa esteja sublinhada na repre-sentação que o autor faz da cidade, a narra-tiva-poética do escritor alagoano se mantém entre a resistência e o texto ficcional.

Esse encontro assegura, por exemplo, co-mo diz Bosi (2002, p. 134), uma função para narrativa de resistência:

Caberia ao romance e ao teatro de Piran-dello e à narrativa de Proust, de Joyce e de Kafka, o papel revolucionário de dizer que a escrita pode cavar um vazio nessa espessa materialidade. O vazio, negatividade grávi-da de um novo estado do ser, é a consciên-cia jamais preenchida pelo discurso espe-tacular das convenções ditas realistas (gri-fos do autor).

Nota-se que a negatividade, ao invés de apontar para a falta, cria um efeito contrário, ou seja, o preenchimento do vazio na negati-vidade grávida, cuja caracterização do termo reside na articulação entre o negativo e o po-sitivo. Essa condição da narrativa impõe um recorte do mundo e do ser a partir do objeto degradado, cuja deformidade do espaço ur-bano carece de um encontro com a cidade. Dessa forma, esse aspecto instaura um nó inextricável capaz de converter o negativo em positivo (BOSI, 2002). Esse nó inextricá-vel bosiano atua no processo construtivo da obra lediana, atando a forma negativa à cons-trução de espaços degradados.

O romance lediano se mantém, então, no momento de decomposição do espaço, uma vez que o enredo se desloca para a década de 30 – marcado pela ditadura de Getúlio Var-gas -, e o narrador desfoca os acontecimen-tos ficcionais para os anos de repressão da década de 70, com intuito de explorar mais a negatividade do espaço romanesco do que dá ao romance um caráter meramente des-critivo, como podemos observar em Ninho de cobras. “Os tempos se passaram, e os anos se esconderam, desbotados, nos traslados das certidões dos cartórios, nas lápides dos cemitérios e no latim macarrônico dos sa-cristães (N.C., p. 151).

Para ilustrar a questão, percebemos que a escritura de Lêdo Ivo elege o negativo co-mo categoria moderna da narrativa, mas dá a essa mesma categoria uma ampliação que reside na negatividade grávida, no sentido proposto por Bosi (2002).

O romance Ninho de cobras não é, pois, marcado diretamente pelo movimento polí-tico-ideológico que marcou os anos 70, mas acompanha a história da repressão, da tor-

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tura, da fragilidade humana, incorporando o sentido negativo dado ao espaço e multi-plicando-o. Para tanto, resvala-se o sentido dado à cidade e construído sob o emblema do poder. Assim, assegura-nos Bosi (2002 p. 134) que a cultura do poder traz:

momento negativo de um processo dialéti-co no qual o sujeito, em vez de reproduzir mecanicamente o esquema das interações onde se insere, dá um salto para uma po-sição de distância e, deste ângulo, se vê a si mesmo e reconhece e põe em crise os laços apertados que o prendem a teia das instituições.

Em Ninho de cobras e em As alianças, a categoria negativa reforça o projeto de au-toria de Lêdo Ivo. As descrições que com-põem os capítulos mostram personagens que se desambientam no espaço em que vivem. Conforme afirmamos em trabalho de nossa autoria (1999), a cidade, nesses casos, ganha tons desfigurados. Nesse direção, o negativo tem uma função crítica na narrativa lediana; embora esteja ligado à lírica moderna (FRIE-DRICH, 1991), o gênero cumpre um papel pa-recido com a prosa-poética tão presente na ficção desse escritor alagoano.

Como a categoria negativa se transforma, nos romances de Lêdo Ivo, em negatividade grávida, isso aponta antes para a realização crítica do ser do que para a falta, transfe-rindo valores negativos em positivos. Nesse sentido, organizações tidas como socialmen-te independentes tendem a ocupar espaços sociais em que a ordem deveria ser manti-da pela cidade letrada, como podemos ver, por exemplo, na representação do Sindicato da Morte, no romance Ninho de cobras. To-dos os momentos de atuação desses seres ficcionais são tragados por espaços que se ocupam dessa transformação.

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Seguindo mais uma vez o entendimento de Bosi (2002), podemos dizer que os ele-mentos negativos se ampliam à medida que se desvenda a trama. Gestadas como formas negativas no romance, as descrições da nar-rativa assumem função deslocada do espaço urbano, como se arrebatassem canhestra-mente toda a geografia da cidade de Maceió.

Em Ninho de cobras, a personagem Ale-xandre Viana flagra a cidade de Maceió. Para esse personagem, o autor dedicou um capí-tulo intitulado A escada, cujo significado está na passagem do inferior para o superior, e vice-versa. Ambos os espaços se completam e, ao mesmo tempo, se afastam, pois Alexan-dre Viana mantém-se no deslocamento entre dois mundos: o de Alice e o de Enaura; o tra-balho na agência de viagens e a “jaula” – da infância e da cidade - que o mantém preso.

A metáfora da escada lhe daria a senha secreta para o pavimento seguro. “Alexan-dre Viana passou a admitir o suicídio como uma espécie de saída de emergência” (N.C., p. 40). A escada, como a “saída de emergên-cia”, constitui a imagem de aprisionamen-to, de jaula, pois para admitir uma saída de emergência há um cerramento de portas e ja-nelas e a procura incessante à fuga imediata.

O suicídio, não sendo devidamente expli-cado, preenche a falta na vida de Alexandre Viana, daí podemos perceber a forma como a negatividade grávida se instaura no roman-ce. “A vida era uma jaula” (N.C., p. 40), diz o narrador, reafirmando o encarceramento da personagem. Nesse sentido, Alexandre Via-na é um vivente isolado em uma cidade cons-truída sob o signo da modernidade.

A representação do espaço revela para a personagem o lugar: “a vida era uma jaula”. O narrador constrói a ideia de que a jaula da memória estava presa na memória da per-sonagem e, diante das imagens que formam a cidade da infância, transforma o momento descritivo do circo em um encontro entre o tempo do narrador: “Alexandre Viana suici-dou-se por volta das três da madrugada...” (N.C., p. 37) e o tempo da narrativa: “Alexan-dre Viana acabara de fazer admissão para o Colégio Diocesano naquela tarde em que se aproximava da Praça da Cadeia, para ver o novo circo” (N.C., p. 38). Isso se dá quando o personagem observa o homem na mecâ-nica da cidade. A cidade é, pois, neste sen-tido, jaula.

A jaula deixara de ser uma atmosfera – co-mo era o caso da cidade onde homens, ocio-sos, iam de lugar para outro, parando para comprar uma caixa de fósforos ou engraxar os sapatos, olhar o vinco de suas roupas de brim branco ou confidenciar a um conhecido o último boato ou maledicência, espostejan-do reputações – para ganhar uma perturba-dora materialidade (p. 41).

Contemplada e amada, conquistada e odiada, a cidade é um elo entre o homem e a criação, por isso as ações dos personagens, como quando paravam para comprar uma caixa de fósforos ou engraxar os sapatos, in-terferem na conduta do narrador, que une o passado distante da jaula ao passado carac-terístico da cidade, definido no “confidenciar a um conhecido o último boato ou maledicên-cia, espostejando reputações” (N.C., p. 41).

O tempo da narrativa instaura, então, o confronto entre as duas cidades que se en-contram na “perturbadora materialidade”. Na verdade, o narrador estabelece uma fu-são de espaços. A jaula da infância, cons-truída no passado da personagem, se iguala agora à cidade, com seus mecanismos e im-pressões culturais, como o fato de a perso-nagem “olhar o vinco de suas roupas de brim branco” (N.C., p. 41).

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A industrialização e o valor mercadoló-gico das relações de classe dão ao homem um sentido falso dos acontecimentos e das ações, como ocorre com a personagem Jan-dira, por exemplo, do romance As alianças, que quer incansavelmente casar-se com Jo-sé, mas cujo convívio evidenciará a dificul-dade entre os dois: a aliança não significa preenchimento de espaço.

Na cidade, procura-se decifrar o mndo metafórico apresentado no romance. Diante dessa observação, atenta-se, pois, para as diversas formas do espaço urbano que o ro-mancista alagoano procurou descrever para evidenciar uma história cultural entranhada no trânsito cultural de sua cidade natal: Ma-ceió, cuja descrição se mostra no romance convergente em sua negatividade, mas con-traposta à visão edulcorada e harmônica dos estratos socioculturais que demarcam o espaço urbano da cidade, construídos, por exemplo, a partir da raposa como centro, no romance Ninho de cobras, ou a desarticula-ção espacial com que sofre a personagem Jandira quando procura um centramento na cidade, no romance As alianças.

Seguindo esse pensamento, os dois ro-mances em tela se mostram em uma carto-grafia urbana em que os estratos culturais são representados em espaços de desarti-culação.

AbRINDO PARA fEChAR...Esse lugar que originou, alicerçou e desen-volveu as cidades tem, para Lêdo Ivo, a ima-gem canhestra do espaço urbano, tendo co-mo modelo central a referência ao homem “enjaulado” em seu próprio ambiente. Re-forçou, ainda, a visão de negatividade grávi-da referida por Bosi (2002), quando ensaiou que a categoria negativa desvela nos textos matizes geradores entre o negativo e o po-sitivo. Desses opostos, surge o sentido de que o espaço negativo envolvia, como um se-gundo significado, o positivo, remetendo-os, sempre, para um explicação da tradição que sustenta as cidades.

Desse entendimento, retomando Bosi (2002), tentamos responder à questão: qual espaço urbano o romance deve imitar? Aque-la cujo sentido cartográfico nos apresenta a cidade ideal, utópica, entorpecida ou auto-matizada por hábitos cotidianos ou a cidade labiríntica entrecortada com objeto de busca e construção, que podem relacionar a posi-ção crítica do escritor diante de sua própria geografia? Não seria, então, essa cartografia crítico-ficcional (como a de Lêdo Ivo) o que vêm buscando os escritores contemporâne-os brasileiros ao longo dos tempos – permi-tindo ao leitor um encontro com uma paisa-gem que se cartografa na dimensão oposta ao suposto equilíbrio social pronunciado pe-lo mundo?

A geografia das cidades nos romances é uma cartografia labiríntica. Toda cidade é um labirinto, como diria Rama (1985). Pu-demos observar que o mapeamento da ci-dade lediana se mostra, visivelmente, nas ruas tortas ou na confluência de transeun-tes no passeio público; entretanto, há, como se pôde perceber, um labirinto que não é vi-sível; encoberto na ação das personagens. Jandira, no romance As alianças, se modela no vazio, na solidão, no desencontro. Isso a faz manter características de personagens que, aparentando um centramento – o ca-samento poderia ser entendido dessa forma -, apenas se reconhece fora desse eixo, no descentramento. O labirinto aqui se mostra no homem só na multidão tão referenciado no mundo moderno.

Nesse labirinto urbano, a cidade se reco-nhece, porque é instaurada a partir de sua condição múltipla, misturada, negativa, que sobressai na ficção de Lêdo Ivo. O escrito se serve, então, de um cardápio urbano, regado aos espaços mutilados, degradados, desfigu-rados e negativos. Essa composição formal das narrativas de Lêdo Ivo reproduz critica-mente a geografia de um lugar próprio que se reverte em espaço universal. Essa atitu-de, correspondente ao seu projeto de autoria, referencia, portanto, o escritor para compor, canhestramente, uma cartografia desbotada da cidade.

*Doutor em Literatura Brasileira. Professor-adjunto da Universidade Estadual de Alagoas-Uneal

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RAMA, Á. A cidade das letras. São Paulo: Brasiliense, 1985.

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________. A cidade desfigurada: uma aná-lise do romance Ninho de Cobras, de Lêdo Ivo. Maceió: Catavento, 2002.

bIbLIOGRAfIA

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O viajanteLêdo ivo

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Ilustração baseada em pintura de Gonçalo Ivo

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Saio Paris para entrar na Itália.Sei agora afinal que a vida não é sonhoe o mundo é um só.Cavalo bravo, o dia inclina-se e bebe a águadas represas que doam as luzes da terra.

Viajo: tudo é eterno e fabuloso.Entre Florença e Roma, na linha do universo,limoeiros florescem.E a beleza do mundo cai sobre mim e unge-me.E o céu azul desaba, construção de pássaros.

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Lêdo Ivo e sua (in)tensa alagoanidade

Era uma tarde de sol e mormaço em Maceió, como tantas outras, quando o telefone toca a minha procura. Tratava-se de um jornalista da TV Educativa de São Paulo interessado em fazer um documentário sobre o poeta alagoa-no Lêdo Ivo. Que terei eu com isso? Perguntei-me a mim mesma. Afinal, de Lêdo eu tinha apenas a boa lembrança dos tantos dias que “matei” aula para, ao lado de um amigo do curso de História, andar nos canteiros da Ufal enquanto escutava-o declamando os versos ledianos. Naquela época eu conhecia pouco a obra de Lêdo Ivo e aquilo que eu sabia da sua trajetória de vida não justificava minha inclusão num documentário, daí meu espan-to. Contudo, em poucos minutos, a questão é explicada: Lêdo interessava-se por tudo que o remetia ao seu selo de origem: a visão do mar, o vento, o farol, os navios a incitar-lhe a evasão, os currais de peixe, os mangues e as histórias de trancoso escutadas em sua me-ninice vivida na Rua das Verduras. Pois bem, no ano de 1998 eu havia realizado um traba-lho que culminou na publicação de um livro de reescrita de histórias de trancoso conta-das às crianças pelos seus pais e avós. Essa foi a trilha seguida pelo jornalista e a partir da qual aconteceu meu encontro com Lêdo. Em frente à Igreja Nossa senhora do Povo, em Jaraguá, estava eu e a equipe de filma-gem da TV Educativa de São Paulo. Quando já me preparava diante das câmeras filma-doras para dar o depoimento sobre as tais histórias de trancoso, surge na praça o poe-ta Lêdo Ivo acompanhado de sua esposa. Eu sequer sabia que ele estava em Maceió. Com seu jeito curioso ele se aproxima de mim e me indaga sobre as histórias que reescrevi. Eu lhe entreguei o livro. Ele leu o título, folheou rapidamente e exclamou uma frase que lhe

leda alMeida*::: A

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de de província, varrida pelo vento do mar, onde nada acontece a não ser os assassina-tos, os suicídios, os adultérios e o tédio que rói a vida dos homens.

A relação de Lêdo Ivo com sua terra natal é sempre crítica e não laudatória, e haverá de ser sempre assim porque ele é fiel a uma única verdade: a verdade de sua imaginação criadora. Toda a sua obra literária se anco-ra naquilo que ele sonha ou imagina, de tal modo que, como ele mesmo confessa, jamais saberemos se a raposa vinda das florestas dizimadas do Tabuleiro do Martins e que em certa madrugada desceu até o Centro de Ma-ceió, foi um sonho de infância ou um aconte-cimento real que incomodou o brio civilizató-rio dos bacharéis e desembargadores de sua meninice. O fato é que, sonho ou realidade, ela haverá de simbolizar na impiedade do seu sacrifício, o universo dos homens sem-pre dividido entre o amor e o ódio, a dor e a alegria, o desespero e a esperança, o medo e a solidariedade. Nela, nesse mundo, a fes-ta e o pesadelo caminham juntos, a turística orla deslumbrante respira o mesmo tempo cruel das negras cidades de plásticos forja-das pela miséria, pela injustiça e pela fome.

é bem própria: “que beleza!”. Deixei o exem-plar com meu endereço escrito na contraca-pa. Poucos dias depois recebo uma carta de Lêdo. Respondi e encaminhei-lhe um outro livro que havia publicado junto com uma co-lega da Universidade: A história de Maceió para crianças. A resposta não demorou. Um cartão dizia: “Com olhos de menino li A his-tória de Maceió ... Daí por diante uma ami-zade começa a ser tecida em laços fortes. Mergulhei em toda sua obra. Li avidamente todos os seus livros e me surpreendi com o sentimento de pertença do poeta. Sua “ala-goanidade” está presente em cada verso, em cada linha que escreve e foi justamente essa “alagoanidade” que o fez universal. Seus tex-tos sempre me pareceram impregnados do azul das nossas águas ou do negro do fundo da noite lacustre. De modo pujante Lêdo fa-la de Alagoas e deixa transparecer, invaria-velmente, seu olhar arguto, crítico, às vezes até cáustico, mas sempre amoroso e belo. Lêdo Ivo tem na cidade, no mar e nas noites de Maceió o lugar exato para suas emoções. O sentimento in(tenso) que nutre pela sua terra emerge, em sua obra com tal veemên-cia de modo que desnuda todas as suas fa-ces: bárbara, diabólica, paradisíaca, onírica. E nada lhe passa despercebido, sequer o co-tidiano vivido nessa terra de ódios. Cotidiano que, tantas vezes, se assemelha a um grande cortejo, a um esplêndido desfile de ladrões, assassinos e machões... Uma pequena cida-

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O poeta tem, pois, na sua terra natal o espaço onde ancora sua linguagem, sua invenção, sua dicção poética: É ele quem afirma: (...) e todo esse passado que ora ressurge cabe dentro de uma dessas pe-quenas lágrimas perdidas, que o vento azul da manhã de há muito secou, como se fosse vento de salina, alado artesão de cristalografias.

A arquitetura da cidade de Maceió as-sume na construção poética de Lêdo Ivo formas particulares, símbolos e sentido para seus moradores. Escutemos o que nos diz o poeta: Vou por uma rua torta. (...) o oceano que eu sempre via longe, quan-do o bonde dobrava a curva do Farol, está agora perto de mim. ...Quem nasce aqui, e respira desde a infância um aroma de açúcar, vento, peixe e maresia, sente que o oceano próximo cola em todas as coi-sas e seres um transparente selo azul ...

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ALMEIDA, Maria Leda. Labirinto de águas: imagens literárias e biográficas de Lêdo Ivo. Maceió: Edições Catavento, 2002.

IVO, Lêdo. Confissões de um poeta,

________, Ninho de cobras. 4ª edição, Ma-ceió: Edições Catavento, 2002.

________, Confissões de um poeta. Brasília: Instituto Nacional do Livro, 1979.

________, Poesia completa (1940-2004) Rio de Janeiro: Topbooks, Braskem.2004.

bIbLIOGRAfIA

Lêdo, de modo singular e com uma lin-guagem encantatória nos vai revelando as cores, os tons, os matizes, os ruídos, os si-lêncios e a melodia da natureza que emol-dura seu lugar de pertença. Seus versos assim revelam: (...) Já não sei se é dia ou noite, se caminho junto ao mar odorante ou se afundo os pés na lama negra da la-goa devassada pelos pescadores de su-ruru. Acima e além da claridade solar e da luz do farol, num território intocável, Maceió é, ao mesmo tempo, porto e porta, permanência e travessia, lugar de partida e de chegada, silêncio e melodia.

E foi justamente nesta cidade de tan-tos contrastes que se fez possível um sin-cronismo. Foi entre silêncios e melodias que a voz de uma afeição ressoou. Encon-trar Lêdo Ivo naquela tarde à sombra das árvores de Jaraguá foi um acontecimen-to - inesperado, repentino, profundo - Foi encontrar a conjugação dos universos ledianos marcados definitivamente pela visão dos navios enferrujados, pela lama negra da noite e pelo vento que não para de soprar.

*Leda Almeida é historiadora.Ilu

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A amizade que começou nos tempos em que a professora realizava estudos sobre his-tórias de Maceió teve os laços estreitados após a historiadora escrever a biografia de Lêdo e relançar a premiada obra Ninho de Cobras, que consagrou a carreira do escri-tor nos anos 70.

Comovida com o gesto e consciente de que tinha um tesouro nas mãos, a historiadora decidiu que o acervo não poderia permane-cer inacessível aos leitores de sua obra e, especialmente, àqueles que não puderam vi-venciar a experiência de fruir de seus textos.

Surgiu então a ideia de escancarar seu baú de memórias e transformá-lo em um espaço de visitação. Em busca de possíveis recur-sos para concretizar o projeto, eis que com parcerias entre Governo, Fundepes e Caixa Econômica Federal, o imortal da cadeira Nº 10 da Academia Brasileira de Letras terá sua vida acompanhada pelos alagoanos a par-tir da primeira quinzena de dezembro des-te ano, quando será inaugurado o Memorial Lêdo Ivo da Literatura Alagoana, sob cura-doria da amiga Leda Almeida.

O memorial ocupará três salas temáticas do Museu Palácio Floriano Peixoto (Mupa). Segundo a arquiteta e diretora do Pró-Me-

Mariana belo

Tudo começou há cinco anos, quando o escritor e poeta alagoano Lêdo Ivo passou às mãos da historiadora Leda Almeida um documento doando parte do acervo que acu-mulou durante sua carreira. Estavam lá nessa memória objetos pessoais, prêmios, condecorações e histórias não só de Maceió, mas de lugares percorridos ao longo de dé-cadas em defesa da boa literatura.

Poeta ganha memorialEsPAçO CELEbRA A TRAJETÓRIA DE VIDA, As CONQUIsTAs LITERáRIAs E A RICA

sIMbOLOGIA DA ObRA DE LêDO IVO

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mória, Adriana Guimarães, os temas procuram enfati-zar a trajetória de vida do escritor, a imagem do farol que tanta é evocada em sua obra e que é um “persona-gem” dotado de grande sig-nificação, assim como a pai-sagem litorânea. Uma das salas se chamará “Ninho de Cobras” e destacará as-

pectos presentes na narrativa do livro mais famoso e emblemático de Lêdo Ivo. Num ou-tro espaço, uma “Linha do Tempo” remontará momentos de sua vida.

A ideia é criar em todos os espaços uma dinâmica onde o público possa conhecer a obra do escritor e também interagir. Para a arquiteta, a aplicação de recursos audiovi-suais é uma tendência que por si só já atrai

os visitantes e propõe uma nova conceitua-ção na área museológica. O memorial conta-rá ainda com projeções em tela e disposição de versos nos pisos e paredes do local, além da presença de objetos pessoais do escritor. “É por meio desses objetos pessoais, como os óculos ou uma máquina de escrever, que o visitante estabelecerá uma relação de iden-tificação com a personalidade do artista e de seu universo”, afirma Adriana.

Se o objetivo é que cada vez mais pessoas sejam apresentadas aos escritos de Lêdo Ivo, a Secretaria Estadual de Cultura já começa a se mobilizar para que esse propósito seja alcançado. De acordo com o secretário Os-valdo Viégas, não se pode apenas elaborar o projeto, mas sim dar continuidade e resulta-dos a ele. “Queremos agregar valores ao mu-seu, assim como fizemos com o memorial de Aurélio Buarque de Holanda, para chamar os

a historiadora e amiga do poeta, leda almeida, é curadora do local

Mariana Belo

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jovens e fazê-los conhecer ainda mais quem são os nossos talentos, nossos conterrâne-os célebres. É uma grande honra preservar a história e os trabalhos de Lêdo. Estive com ele visitando o espaço e pude sentir a satis-fação em tornar público o seu co-nhecimento, a trajetória de vida e a paixão pelos versos”, afirma.

O visitante que adentrar nas sa-las poderá mergulhar nesse ocea-no que dá vida e cheiro de maresia às palavras do escritor concebido pela arquiteta Inês Amorim, res-ponsável pela ambientação do lo-cal, e por outro grande conhecedor da obra do poeta, o cineasta Wer-ner Sales, autor do documentário “Imagem Peninsular de Lêdo Ivo”, vencedor do prêmio DocTV pelo filme.

Coube ao cineasta a captação e seleção das imagens de vídeo e o material multimídia previstos pela equipe responsável pelo pro-jeto. Material era o que não faltava. Para as filmagens de Imagem Peninsular, o cineasta

tinha em mãos o conteúdo de mais de 5 ho-ras de gravação. Esse material será editado e transformado em conteúdo para o memo-rial. “Vou procurar, além de retratar o mundo real de Lêdo Ivo, trabalhar o seu mundo sim-

bólico, que é extremamente rico e abundante em imagens de múlti-plos significados”, adianta.

O acervo doado pelo próprio Lêdo contabiliza 42 livros, 11 qua-dros, condecorações, fitas de ví-deo com entrevistas que concedeu ao longo de sua carreira, poesias, além de máquinas de escrever e fotográfica, óculos e documentos pessoais. Merecem destaque o di-ploma da Academia Brasileira de Letras e a estatueta do Prêmio Ja-buti, pela obra O rumor da noite, de 2001.

É uma grande honra para o Estado de Alagoas preservar a história e os trabalhos de Lêdo Ivo

Osvaldo ViégasSECREtáRIO DE CuLtuRA

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