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1 GOVERNO, SUBJETIVIDADE E RESISTÊNCIA: FOUCAULT E CERTEAU SILVA, Adilson Luiz da 1 SILVA, Divino José² Eixo Temático: Desenvolvimento Humano, Relações de Trabalho e Políticas Públicas. RESUMO Aproximaremos, neste trabalho, o pensamento de dois autores importantes para a contemporaneidade, Michel Foucault e Michel de Certeu. O primeiro apresenta os vestígios da construção de uma governamentalidade que desencadeia propositadamente, tanto na modernidade quanto na contemporaneidade, a formação de subjetividades assujeitadas, e isso por meio de uma anátomo-política do corpo e por uma biopolítica das populações. O segundo autor enfatiza os sintomas e as marcas de resistência a esse processo de governamentalidade provenientes, principalmente das camadas mais desprivilegiadas da sociedade. Assim, na primeira parte do trabalho introduziremos o conceito de governamentalidade, tal como sugeridos por Foucault, e na segunda parte discutiremos o modo de “fazer” do homem ordinário e como ele resiste às pressões da governamentalidade, mais especificamente, apontaremos para as estruturas do que podemos chamar de “táticas de desassujeitamento”. PALAVRAS-CHAVE: Governamentalidade, subjetividade, resistência. 1 INTRODUÇÃO Muitos ainda se lembram, pelo menos os que presenciaram o final da década de noventa e o começo de dois mil, as famosas e populares lojas de “um e noventa e nove”. A impressão que os consumidores tinham, ao entrar nessas lojas, era a de encontrar produtos mais baratos do que dois reais e mais caros do que um real. Era simplesmente quase dois, ou, quase um, mas, nem um e nem dois. Ao entrar nessas lojas tínhamos a impressão de quase encontrar alguma coisa importante, quase descobrir o que nos faltava e, geralmente, saíamos de lá quase satisfeitos. Nem satisfeitos e nem insatisfeitos, apenas quase. A sensação produzida por essas lojas era estranha à medida que era comum. 1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – IFMS/Três Lagoas. Mestre em Filosofia. [email protected] ² Universidade Estadual Paulista – UNESP/Presidente Prudente. Doutor em Filosofia. [email protected]

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GOVERNO, SUBJETIVIDADE E RESISTÊNCIA: FOUCAULT E CERTEAU

SILVA, Adilson Luiz da1

SILVA, Divino José²

Eixo Temático: Desenvolvimento Humano, Relações de Trabalho e Políticas Públicas.

RESUMO

Aproximaremos, neste trabalho, o pensamento de dois autores importantes para a contemporaneidade, Michel Foucault e Michel de Certeu. O primeiro apresenta os vestígios da construção de uma governamentalidade que desencadeia propositadamente, tanto na modernidade quanto na contemporaneidade, a formação de subjetividades assujeitadas, e isso por meio de uma anátomo-política do corpo e por uma biopolítica das populações. O segundo autor enfatiza os sintomas e as marcas de resistência a esse processo de governamentalidade provenientes, principalmente das camadas mais desprivilegiadas da sociedade. Assim, na primeira parte do trabalho introduziremos o conceito de governamentalidade, tal como sugeridos por Foucault, e na segunda parte discutiremos o modo de “fazer” do homem ordinário e como ele resiste às pressões da governamentalidade, mais especificamente, apontaremos para as estruturas do que podemos chamar de “táticas de desassujeitamento”.

PALAVRAS-CHAVE: Governamentalidade, subjetividade, resistência.

1 INTRODUÇÃO

Muitos ainda se lembram, pelo menos os que presenciaram o final da década de

noventa e o começo de dois mil, as famosas e populares lojas de “um e noventa e nove”. A

impressão que os consumidores tinham, ao entrar nessas lojas, era a de encontrar produtos

mais baratos do que dois reais e mais caros do que um real. Era simplesmente quase dois, ou,

quase um, mas, nem um e nem dois. Ao entrar nessas lojas tínhamos a impressão de quase

encontrar alguma coisa importante, quase descobrir o que nos faltava e, geralmente, saíamos

de lá quase satisfeitos. Nem satisfeitos e nem insatisfeitos, apenas quase. A sensação

produzida por essas lojas era estranha à medida que era comum.

1 Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul – IFMS/Três Lagoas. Mestre em Filosofia. [email protected] ² Universidade Estadual Paulista – UNESP/Presidente Prudente. Doutor em Filosofia. [email protected]

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A lógica do quase se espalha rapidamente e a sua presença aparece em vários

discursos, tais como: "litro da gasolina por R$ 3,59, empréstimos bancários com juros de R$

0,99 por mês", e ainda, na correria do dia-a-dia, "quase chegamos no horário, quase ganhamos

na mega sena, quase visitamos os nossos amigos, quase escrevemos um poema, quase

preenchemos o nosso currículo lattes, nossa equipe quase vence a partida, quase fazemos

amor e quase somos felizes". Grosso modo, a lógica do quase é uma lógica do consumo

misturado com o movimento da vida. A vida vai se enquadrando na grade do consumo e vai

sendo consumida.

Seguindo essa lógica, temos a sensação de que quase podemos governar a nossa

própria vida, de que quase podemos ser livres. Mas, da mesma forma que o cliente que saía de

uma loja de "um e noventa e nove", passamos pela vida na esperança de poder escolher o que

nos completa, mas logo percebemos que a possibilidade de escolha é mínima. Aquilo que nos

falta e o modo como escolhemos parecem ter uma origem externa.

Afinal, que forças são essas que nos enquadram, nos governa e que sugerem um ritmo

estranho e homogêneo às batidas do nosso coração?

Michel Foucault, ao desenvolver a ideia de uma anatomo-política dos corpos e de uma

biopolítica das populações, problematiza o surgimento de técnicas que conduzem a nossa

conduta, técnicas racionalmente produzidas para suprir as necessidades de uma nova era, a da

industrialização e do liberalismo. Essas técnicas não diminuem a vida mas a potencializa, não

a destrói mas a torna mais produtiva, não a paralisa mas pressiona os seus portadores a serem

empreendedores de si mesmos. Por outro lado, essas mesmas técnicas provocam uma

sensação de quase vida e/ou uma quase morte, pois, ao focalizar sua luminosidade num ponto

específico torna o seu entorno obscuro.

Pretendemos, então, para dar inteligibilidade ao tema, refletir sobre duas

manifestações do que podemos chamar de técnica. A primeira pretende ser uma condutora das

nossas condutas. Faz uso das estratégias, é constituída por cálculos e estatísticas. A outra, é

intuitiva, qualitativa, poética e faz uso das táticas.

A primeira delas se apresenta como uma força, ou como um conjunto de

procedimentos, que enquadra a vida humana numa lógica produtivista, exigindo que os

indivíduos sejam dóceis e/ou empreendedores, que as ações da população possam ser

calculadas, previstas e manipuladas. A técnica, na sua primeira manifestação, tal como

apontaremos em Foucault, ao mesmo tempo em que potencializa a vida, também a consome.

A segunda manifestação da técnica aparece no trabalho de Certeau e constitui um

conjunto de procedimentos de resistência e, na contramão da primeira, não aparece como um

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produto de cálculos, mas como uma necessidade da vida, de continuar vivendo. Ela ganha

corpo entre os que vivem no subsolo do mundo, os quais, para existir, são obrigados a resistir.

E como resistem? Subvertem a ordem a partir da própria ordem, resistem a cálculos por meio

de jogos e de dizeres esperançosos, enfrentam os enquadramentos racionalizados da vida com

uma estética da existência, uma poética do cotidiano.

Talvez possamos perceber essa segunda manifestação da técnica, por exemplo, no

movimento secundarista do Estado de São Paulo de 2015, o qual, contrariando os cálculos

estratégicos de uma política de "reorganização econômica" das escolas, fez do espaço interno

da própria escola uma trincheira de resistência.

2 GOVERNAMENTALIDADE E RESISTÊNCIA (FOUCAULT)

Considerando o período que corresponde ao final do século XVII e avançando

progressivamente na história até o século XIX, Michael Foucault constatou o surgimento de

um fenômeno que, segundo ele, é fundamental para a compreensão da modernidade e da

atualidade, a saber, a assunção da vida pelo poder. E o que isso quer dizer? Para Foucault isso

quer dizer muita coisa, de imediato significa que o fenômeno da vida emergiu na história, ou

seja, a vida da espécie humana começou a fazer parte de uma ordem de saber e de poder,

sendo tomada por cálculos explícitos, nos quais o biológico se refletiu na política e também,

ostensivamente, na economia.

Para compreender esse fenômeno, Foucault tomou como pano de fundo a teoria

clássica da soberania, segundo a qual o direito de vida e de morte aparece como atributos

fundamentais do soberano. É ele quem pode fazer morrer ou deixar viver. Mas o que quer

dizer, de fato, fazer morrer e deixar viver? Para Foucault, o direito de vida e de morte só é

possível se for exercido de forma desequilibrada, em outras palavras, o efeito do poder

soberano sobre a vida só se exerce a partir do momento em que o soberano pode matar.

Não há, pois, simetria real nesse direito de vida e de morte. Não é o direito

de fazer morrer ou de fazer viver. Não é tampouco o direito de deixar viver e de deixar morrer. É o direito de fazer morrer ou de deixar viver. O que, é claro, introduz uma dissimetria flagrante. (FOUCAULT, 2000, p. 287).

Assim, é possível observar que, na teoria da soberania, o direito de matar é que detém

em si a prerrogativa da vida e da morte. Talvez pudéssemos ilustrar essa teoria com uma

imagem um tanto sombria, a de um ente superior, talvez um deus, ou simplesmente um

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monarca, segurando uma balança de dois pratos com uma de suas mãos, sendo que, num dos

pratos está a vida e no outro a morte. A segunda mão desse ente superior não fica vagando no

vazio, pressiona o tempo todo o prato que contém a morte, ora aumentando e ora diminuindo

o seu peso, regulando dessa forma a vida através do peso que é colocado no prato da morte.

A mão que pressiona o prato da morte é tão evidente, no esquema do poder soberano,

que o ato de morrer, ou de ser morto, é percebido dentro de grandes ritualizações públicas –

inclusive se tornando o momento auge de obras literárias e aparecendo como a principal

representação de algumas crenças religiosas. Foucault (2000), por exemplo, mostra esse ritual

de morte no seu livro Vigiar e Punir, ao descrever, de forma vertiginosa, a execução de

Robert- François Damiens.

Para Foucault a lógica do poder soberano é uma herança formal da antiga patria

potestas - que concedia ao pai de família romano o direito de fazer uso da vida de seus filhos

e de seus escravos. Embora a referência feita por Foucault para pensar o poder de soberania

seja o direito romano, talvez ainda pudéssemos indicar outras referências, tais como a cultura

grega e a judaico-cristã. Podemos apontar o sacrifício de Ifigênia realizado pelo seu pai

Agamenon, presente na obra de Homero e Ésquilo, ou talvez pudéssemos apontar na cultura

judaico-cristã, o quase sacrifício de Isaque cometido pelo seu pai Abraão, e até mesmo a

imagem do sacrifício de Cristo, também em acordo com a vontade de seu pai. Dessa forma, o

poder soberano é aquele que faz morrer e deixa viver, que pode causar, ou não, a morte, e no

poder de não causar a morte é que permite viver.

Ora, uma das grandes contribuições de Foucault é precisamente a de perceber e

mostrar que o modelo de poder que tinha como esquema organizador essa ideia de soberania,

o qual colocava a morte em evidência, tornou-se, a partir do século XVII e principalmente no

século XIX, insuficiente para conduzir o modelo econômico e político nascente,

caracterizado, entre outras coisas, por um grande aumento demográfico e pela crescente

industrialização.

Com as transformações do modelo político e econômico do Ocidente, tornou-se

necessário também uma mudança nas relações de poder. Segundo Foucault, o direito de fazer

morrer ou deixar viver foi substituído gradativamente pelo poder de fazer viver e de deixar

morrer. A morte, então, foi retirada de sua posição de visibilidade e a mão do ente superior

passou a pressionar o prato da vida.

Os vestígios dessa mudança, segundo Foucault, estariam presentes, por exemplo, nos

debates da filosofia política da época moderna, notadamente, nos pensadores e juristas

contratualistas, os quais começaram a enfatizar a vida como sendo o elemento fundador do

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direito de soberania. Segundo o raciocínio desses pensadores, a vida, ou sua garantia, por

fundamentar o contrato social, deveria ficar fora desse contrato, ou seja, o soberano não

poderia requerê-la para si.

Apesar de a vida ter sido problematizada no pensamento político, Foucault não se

preocupou em fazer esse tipo de análise. O que lhe interessava efetivamente como objeto de

estudo eram os mecanismos, as técnicas e as tecnologias que emergiram com e a partir desse

novo fenômeno.

Dessa forma, ele percebeu e mostrou que nos séculos XVII e XVIII apareceram

técnicas e mecanismos de poder essencialmente centradas no corpo dos indivíduos,

mecanismos voltados para organizar os corpos individuais espacialmente, vigiá-los e

aumentar-lhes a força útil e produtiva. Assim, a vida começou a ser potencializada e

racionalizada e não mais restringida ou destruída.

Foucault nomeou essas técnicas individualizantes de poder de anátomo-política do

corpo, “(...) a disciplina tenta reger a multiplicidade dos homens na medida em que essa

multiplicidade pode e deve redundar em corpos individuais que devem ser vigiados, treinados,

utilizados, eventualmente punidos” (Foucault, 2000, p.289). O panóptico de Jeremy Bentham

seria o exemplo mais ilustrativo de um mecanismo disciplinar, de organização e vigilância

dos corpos, o qual serviria de modelo para as prisões, as escolas, os hospitais, os quartéis e as

fábricas.

A partir da segunda metade do século XVIII, surgiu, de acordo com Foucault, outra

tecnologia de poder que não excluiu a técnica disciplinar, mas que a integrou e a

complementou. Essa nova técnica de poder se dirigiu, segundo o filósofo, não ao homem-

corpo e sim ao homem vivo, e/ou ao homem-espécie.

Enquanto o poder disciplinar focava a multiplicidade dos homens, como se fossem

partículas fragmentaria de um todo, a nova tecnologia de poder se dirigiu para a

multiplicidade dos homens, não na medida em que se resumiam em corpos, mas na medida

em que formava uma totalidade organizada, uma população. Essa nova tecnologia de poder,

Foucault denominou de biopolítica.

A biopolítica, segundo o filósofo, é uma tecnologia de poder que se volta para os

processos de conjunto, próprios ao fenômeno da vida, e da vida em população, como por

exemplo, a análise e o controle das proporções de nascimento e de óbitos, a intensificação da

vida através do controle de doenças e de políticas públicas higiênicas, investimentos em

modelos de alimentação e moradia, etc. Enfim, essa tecnologia que surge, a partir da segunda

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metade do século XVIII, não é individualizante e disciplinar, mas, massificante e

normalizadora, daí a grande importância que é dada por Foucault para a ideia de norma.

De uma forma mais geral ainda, pode-se dizer que o elemento que vai circular entre o disciplinar e o regulamentador, que vai se aplicar da mesma forma ao corpo e à população, que permite a um só tempo controlar a ordem disciplinar do corpo e os acontecimentos aleatórios de uma multiplicidade biológica, esse elemento que circula entre um e outro é a “norma”. (FOUCAULT, 2000, p. 302).

A norma auxilia na qualificação, medição, avaliação, hierarquização e regulação da

vida, seja individualmente ou em população. Por meio dela, por exemplo, é possível equilibrar

as relações dos indivíduos dizendo o que é aceitável e/ou inaceitável, normal e/ou diferente,

saudável e/ou patológico, puro e/ou impuro etc. Por meio da norma é possível também regular

a idade produtiva e dizer quem pode e quando pode trabalhar - que características físicas e

intelectuais são aceitáveis para a contratação - que qualidades um indivíduo precisa ter para

que o Estado ou a indústria se interessem por ele, que instrumentos podem ser usados para

medir as suas qualidades e quais são os “recursos raros” presentes no interior de uma

população, etc.

No que diz respeito aos fenômenos de população, a estatística e os estudos

demográficos se tornaram ferramentas essenciais para a representação de tudo o que é, pode e

deve ser regular. É interessante registrar que, a estatística e a demografia permitem o estudo e

a organização de fenômenos, a princípio, tidos como aleatórios e imprevisíveis - isto se for

estudados isoladamente -, mas que, ao serem focados na sua multiplicidade e interação

apresentam constâncias que são passíveis de cálculos, marcadamente, os probabilísticos. Daí a

grande utilização desses mecanismos no estudo de fatos sociais como o suicídio, as doenças

endêmicas, as taxas de nascimento e de óbito e a criminalidade. Mas qual seria a importância

da previsibilidade possibilitada por esses mecanismos?

A previsibilidade permite uma intervenção e/ou manipulação daquilo que está em

foco, permite corrigir os acidentes, administrar a taxa de natalidade e morbidade, atuar na

gestão dos índices de criminalidade, interferir no tempo médio de produtividade de uma

população. De modo geral, a previsibilidade permite uma ampliação e organização das

múltiplas faces da vida de uma população. Diferentemente do Estado de soberania, o qual

fazia morrer e deixava viver, eis que nasce então uma nova forma de poder, um poder que

intensifica a vida, um poder sobre a vida, um biopoder.

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Devemos, com efeito, enfatizar que esse biopoder é constituído através dessas duas

modalidades, ao mesmo tempo distintas e complementares: por uma tecnologia disciplinar do

corpo e por uma tecnologia regulamentadora da vida em população, sendo que a primeira

produz efeitos individualizantes, manipula o corpo tornando-o útil e dócil, e a segunda produz

efeitos de população, recoloca os corpos nos processos biológicos de conjunto, prevendo,

potencializando e manipulando-os.

Ora, dizer que essas novas tecnologias “fazem viver e deixam morrer” não implica

necessariamente que o sujeito que porta a vida - ou que a multiplicidade dos sujeitos que

possuem a vida - possa facilmente colocar para si mesmo um sentido, uma direção arbitrária,

um modo próprio de ser, e nem que o “fazer morrer” deixou definitivamente de existir.

Em relação ao “fazer viver”, o biopoder produziu impressões e maneiras prefiguradas

de “como” e para que viver, fez um projeto de governamentalidade, criou processos de

subjetivação e assujeitamentos, e tudo isso, segundo Foucault, fundamentado numa

racionalidade econômica. Todavia, devemos notar que os indivíduos não são receptáculos

vazios, também possuem capacidades de resistência e podem “escolher como não querem ser

governados”.

Olhando rapidamente para as técnicas modernas de poder, a anatomo-política do corpo

e a biopolítica, percebemos que elas pressionam o sujeito e conduzem as suas vidas de acordo

com projetos previamente determinados. Podemos falar, por exemplo, de um projeto

econômico liberal que necessita de indivíduos dóceis, disciplinados e produtivos para o

trabalho nas indústrias, ou de um projeto econômico neoliberal que precisa desesperadamente

de indivíduos dinâmicos, competitivos, flexíveis, que não executem mecanicamente as ordens

e, ao mesmo tempo, impliquem-se num comportamento de auto-empreendimento, que sejam

capazes de gerir as suas vidas como se fossem “empresários de si mesmos”. O problema que

se coloca então é: como podemos escapar desses mecanismos de racionalidade que conduzem

o fenômeno da vida? Ou ainda: devemos desistir da ideia de uma vida como possibilidade e

nos filiarmos a uma concepção de uma existência inexorável? Para tentar responder a essas

questões passaremos então para o texto de Foucault intitulado O que é a crítica?.

É notório, na história da filosofia, que a crítica compôs a parte central da obra

kantiana, mas ao debruçar sobre esse mesmo tema, Foucault ofereceu outra possibilidade de

interpretação, a qual se aproxima mais da definição de Aufklärung do que da ideia de crítica

oferecida por Kant. Ao invés de considerar a crítica como um movimento reflexivo, ou

simplesmente como uma atividade racional que antecede uma inferência lógica, como por

exemplo, fazer apontamentos acerca dos limites possíveis da razão, ele se referiu a ela

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enquanto uma virtude, ou uma disposição do espírito para o enfrentamento de determinados

regimes de verdades espalhados no mundo. Pensamos que em Foucault a crítica é muito mais

uma produtora de devires do que uma agenciadora de verdades.

Para desenvolver a sua ideia de crítica, Foucault começou apresentando o que ele

denomina de pastoral cristã, que, segundo ele, era absolutamente estranha à cultura antiga,

como por exemplo, a grega. Na pastoral cristã, a vida, mesmo na sua mais delicada sutileza,

deveria ser governada e se deixar governar.

A motivação que o cristão tinha para se submeter a essa pastoral era o de ser

governado em nome de uma salvação espiritual. Ele deveria ser obediente e deixar que as suas

condutas fossem conduzidas por alguém que tivesse autoridade e que lhe pusesse diante de

uma relação de verdade com o mundo.

A obediência do indivíduo se relacionaria triplamente com a verdade: a verdade

entendida como dogma, a verdade como conhecimento interior do indivíduo (auto-

conhecimento) e verdade como uma técnica reflexiva que comportaria regras gerais,

conhecimentos particulares, preceitos, métodos de exame, confissões, entrevistas etc. Enfim, a

pastoral cristã caracterizava-se por ser um modo de governar os homens, de dirigir-lhes a

consciência e indicar um sentido.

Segundo Foucault, a partir do século XV, essa preocupação com o modo de governar

os homens, próprio da pastoral cristã, foi deslocado do universo religioso para uma ordem

social secular, ocorrendo assim uma verdadeira “explosão” dessa arte, a qual passou a

abranger outros domínios que não o religioso, a saber: a infância, os estamentos sociais, a

família, o exército, as cidades, o estado e a individualidade do indivíduo. Podemos ainda

acrescentar, seguindo historicamente as preocupações de Foucault, o governo da sexualidade,

o governo do trabalho, o governo da loucura e o governo da criminalidade.

O que há de interessante nessa contextualização é que, paralelamente à emergência das

formas de governamentalidade, teria surgido também a questão de como não ser governado, ou

seja, diante do aparecimento de tecnologias de poder que conduziriam as condutas dos

indivíduos eclodiu o problema dos contrapoderes, das contracondutas, da possibilidade de

resistência.

De modo geral, a questão da contraconduta, de acordo com Foucault, não implicaria

em não sermos absolutamente governados, mas em não ser governado de certa maneira, de

acordo com certos princípios e por determinado grupo. Nesse sentido, a crítica é tomada por

Foucault como uma atitude virtuosa que confere ao indivíduo a possibilidade de escolher

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como deseja ser governado, ou a chance de resistir a um modo específico de conduta. A

crítica é definida então, como a arte de não ser governado assim e a esse preço.

Se a governamentalidade corresponde a um modo de conduzir as condutas dos

indivíduos sujeitando-os através de tecnologias de poder e da construção de regimes de

verdade, a crítica é então, de acordo com Foucault, uma forma de resistência do sujeito frente

às verdades e aos efeitos de poder daí derivado. Tomando como referencial uma política da

verdade, a crítica teria por função promover um desassujeitamento.

3 RESISTÊNCIA EM CERTEAU

Para Foucault, a governamentalidade é uma realidade, e tal como o vento, espalha-se

por todas as localidades, invadindo as entranhas de todos os seres humanos e dando uma

configuração aos nossos espíritos. Na modernidade essa governamentalidade, como apontado

anteriormente, teria se apresentado por meio de duas configurações: num primeiro momento

através de uma anatomo-política dos corpos, e/ou como uma política de disciplinamento, e,

num segundo momento, como uma biopolítica das populações, e/ou como uma economia da

vida.

Embora a governamentalidade seja um fenômeno quase que inerente à vida em

sociedade, Foucault percebe uma possibilidade de crítica, o que podemos interpretar como

uma possibilidade de resistência à governamentalidade.

Para Foucault, a resistência não é absoluta, uma vez que não existe uma fórmula

definitiva de como nos furtarmos à governamentalidade, no entanto, enquanto crítica, a

resistência consiste em poder escolher como não queremos ser governados, o que não implica

em não ser absolutamente governados, mas de não sermos governados desta ou daquela

maneira e por este ou aquele grupo.

Pensamos que Michel de Certeau potencializou essa possibilidade de

crítica/resistência ao descrever uma lógica não formal dos golpes - desferidos por aqueles que

ocupam um espaço marginal de existência - contra uma ordem opressora e racionalmente

estabelecida.

Para falar sobre o pensamento de Certeau, esse filósofo do subsolo, é necessário

esclarecer um ponto importante, qual seja: a concepção de poder presente em sua obra. Essa

necessidade pode ser justificada como sendo uma forma de evitar um conflito teórico com o

pensamento de Foucault. Assim sendo, para esclarecer o conceito de poder em Certeau,

podemos fazer a seguinte citação:

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O espaço distribuía o espaço de maneira a estratificá-lo em dois níveis. De um lado, um espaço sócio-econômico, organizado por uma luta imemorial entre “poderosos” e “pobres”, apresentava-se como o campo das perpétuas vitórias dos ricos e da polícia, mas também como o reinado da mentira. (…) Ali, os fortes sempre ganham e as palavras enganam. (…) Por outro lado, distinto desse espaço polemológico e que apresenta à perspicácia dos lavradores uma rede inumerável de conflitos, escondida sob o manto da língua falada, havia um espaço utópico onde se afirmava, em relatos religiosos, um possível por definição milagrosa. (CERTEAU, 1994, p. 76).

Afirmar “uma luta imemorial” entre “poderosos” e “pobres”, talvez, num primeiro

momento, remeta a uma concepção de poder não aceita por Foucault, a de um poder

localizável e passível de pertencimento, uma vez que os poderosos seriam os que deteriam o

poder e os pobres seriam os destituídos. Se assumíssemos essa concepção de poder,

poderíamos cometer o erro de tentar um diálogo entre autores incomunicáveis.

No entanto, se assumirmos que os poderosos são aqueles que simplesmente possuem

uma condição econômica privilegiada e os pobres os que são economicamente fracos, ou, em

outras palavras, que existem pobres e ricos interagindo e promovendo tensões, uns oprimindo

e outros resistindo, e que o poder é aquilo que se move nessa tensão, um produto que emerge

da relação entre pobres e ricos, então evitamos o erro de comunicação entre Certeau e

Foucault e vislumbramos uma possibilidade de diálogo.

Por conseguinte, assumimos que, para Certeau, o poder não é um ente, mas é um

fluxo, um movimento, nem localizável e nem pertencente a algum grupo, ora tensionado da

superfície social para o subsolo e ora tensionado do subsolo para a superfície, ora usado para

constituir estratégias de opressão e ora requisitado nas táticas de sobrevivência.

Considerando as tensões entre esses dois espaços, o filósofo enfatizou em sua obra

aquilo que a tradição excluiu, a saber, as existências ordinárias.

Este ensaio é dedicado ao homem ordinário. Herói comum. Personagem

disseminada. Caminhante inumerável. (…) Este herói anônimo vem de muito longe. É o murmúrio das sociedades. De todo o tempo, anterior aos textos. Nem os espera. Zomba deles. Mas, nas representações escritas, vai progredindo. Pouco a pouco ocupa o centro de nossas cenas científicas. Os projetores abandonaram os atores donos de nomes próprios e de brasões sociais para voltar-se para o coro dos figurantes amontoados dos lados, e depois fixar-se enfim na multidão do público. (CERTEAU, 1994, p. 57).

Certeau não trata esse “herói anônimo” como um destituído de poder, mas o coloca

como um subversivo da ordem estabelecida, que subverte usando uma lógica evidente, e que

de tão evidente se torna incapturável para os que estão presos a métodos analíticos,

estatísticos e positivos. Certeau, de certa forma, abre mão de um método formal de captura da

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lógica que movimenta o anônimo no subsolo, no entanto, não abre mão de uma hermenêutica,

de uma intuição e/ou de uma abdução.

Da mesma forma que o personagem de Arthur Conan Doyle, Sherlock Holmes,

Certeau busca compreender os espaços onde o “herói anônimo” se movimenta e para isso

observa empaticamente as suas pegadas, as marcas deixadas na linguagem, os desvios e os

malabarismos do seu “fazer”.

Segundo Certeau (1994), as pegadas do “anônimo” podem ser encontradas na sua

linguagem, nas suas maneiras de fazer e/ou nos procedimentos usados para inventar o seu

cotidiano, sendo que, “a invenção não é ilimitada e, como as improvisações no piano ou na

guitarra, supõe o conhecimento e a aplicação de códigos”. Como conhecer esses códigos?

Toda a sociedade, de acordo com Certeau, mostra sempre, em algum lugar, as

formalidades a que suas práticas obedecem, e no que diz respeito aos moradores do subsolo,

os “homens ordinários”, esses códigos estariam presentes nos jogos, contos e nas artes de

dizer.

Para Certeau (1994), nos jogos, as regras organizadoras dos lances constituiriam uma

memória de esquemas e de ações que poderiam articular novos lances conforme as ocasiões.

Em outras palavras, através dos jogos os indivíduos representariam as estruturas cotidianas da

sua ação e com isso poderiam desenvolver táticas de movimentação em espaços possíveis. O

relato das regras e dos lances dos jogos são “memorizadas bem como memorizáveis, são

repertórios de esquemas de ação entre parceiros”.

Os contos, por sua vez, também revelariam, segundo Certeau (1994), um esquema

possível de ação, e para além desses esquemas, a possibilidade do maravilhoso e do utópico.

Enquanto a realidade é imposta por uma racionalidade tecnicista, como sendo inexorável, o

conto permitiria a esperança de uma nova realidade, uma realidade enquanto possibilidade.

“Enfim, nesses mesmos contos, os feitos, as astúcias e figuras de estilo, as aliterações,

inversões e trocadilhos, participam também na colação dessas táticas”.

Para Certeau (1994), a arte de dizer seria constituída por torneios “tropos” que

inscreveriam na língua ordinária as astúcias, os deslocamentos, o sair de lado, a

trampolinagem etc, que a razão científica eliminou dos discursos operatórios. “Sua apreciação

engraçada ou artística refere-se também a uma arte de viver no campo do outro”

Enfim, o jogo, o conto e a arte de dizer podem ser rapidamente nomeados como

modelos de práticas, e/ou simulacros de ações, os quais permitem a constituição de um

conjunto de táticas de sobrevivência em espaços de tensão. Essas táticas, de modo geral,

podem ser denominadas de tecnologias de poder, mas é um poder que emerge do subsolo.

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Enquanto os modos de governamentalidade modernos, tal como apresentados por

Foucault, projetam-se sobre a vida enquadrando-a numa racionalidade tecnicista, a resistência

promovida no subsolo surge através de uma poética do cotidiano e dos espaços – uma poética

que promove o riso através do trágico e que arranca lágrimas do cômico (lembremo-nos das

artes e dos artistas de resistência, como por exemplo, Arthur Bispo do Rosário). Mas, como

essa resistência é efetuada no mundo?

De acordo com o filósofo do subsolo, a resistência acontece através de uma prática de

dissimulação, denominada por ele de “sucata”.

Não é possível prender no passado, nas zonas rurais ou nos primitivos os

modelos operatórios de uma cultura popular. Eles existem no coração das praças-fortes da economia contemporânea. Como no caso da sucata, por exemplo. Esse fenômeno se vai generalizando por toda a parte, mesmo que os quadros o penalizem ou “fechem os olhos” para não vê-lo. Acusado de roubar, de recuperar material para seu proveito próprio e utilizar as máquinas por conta própria, o trabalhador que trabalha com sucata subtraí à fábrica (e não tanto bens, porque só se serve de restos) em vista de um trabalho livre, criativo e precisamente não lucrativo. Nos próprios lugares onde reina a máquina a que deve servir, o operário trapaceia pelo prazer de inventar produtos gratuitos destinados somente a significar por sua obra um saber-fazer pessoal e responder por uma despesa a solidariedades operárias ou familiares. (CERTEAU, 1994, p.87-88).

A sucata, interpretando Certeau, representa o pensamento selvagem, a crítica e/ou a

resistência, uma vez que realiza “golpes” no terreno da ordem estabelecida. Para Certeau, a

sucata introduz no espaço do trabalho as táticas populares adquiridas em outros espaços

(jogos, contos e arte de fazer).

Falando rapidamente, a produção de sucata consiste na arte de desviar, de maneira

poética e criativa, uma ordem racional dentro da própria ordem. A sucata é um ruído dentro

de um sistema organizado, é tudo aquilo que caminha na contramão da cristalização de uma

ordem, é a produção de possibilidades dentro de um universo que se pretende determinista.

Certeau (1994) ilustra a produção de sucata ao falar do operário que usa o seu tempo

de trabalho dentro da fábrica para produzir, através de restos de materiais descartados,

“coisas” criativas, ou seja, a sucata é produzida a partir de uma ordem estabelecida, mas, no

seu processo de produção, corrompe e subverte a ordem. A impressão que temos é que a

produção de sucata não é simplesmente um fenômeno de fruição e gozo, mas uma

necessidade desesperada da vida.

Ao pensar na produção de sucata nos vem à mente situações inusitadas tais como a

imagem dos cortadores de cana, em especial os nordestinos, moradores das profundezas do

subsolo, que ao mesmo tempo em que levantam os seus facões e golpeiam a cana, também

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golpeiam o mundo com seus cantos e repentes. Podemos lembrar também, como num retrato

antigo, das senzalas e dos escravos, que para sobreviverem aos maus tratos e ao “banzo”

dançavam no entorno das suas fogueiras e ao dançarem criavam maneiras de golpear os seus

algozes e os seus sofrimentos.

A produção da sucata, portanto, corresponde à realização de táticas. É interessante

notar que, para Certeau, a tensão entre o espaço dos muito ricos e o espaço dos muito pobres

ocorre segundo o modelo bélico, é importante observar aqui que Foucault, da mesma forma

que Certeau, faz uso desse modelo para descrever a sua “teoria” (Foucault não admite como

teoria) do poder. É dentro desse modelo bélico que Certeau distingue estratégia de tática.

Segundo Certeau, a estratégia corresponde à técnica dos fortes, o cálculo prévio dos

espaços, a racionalização dos sentidos (direção). Na mesma linha, para Foucault, aqueles que

possuem estratégia ocupam a torre central do panóptico. Por outro lado, a tática é a arte do

fraco, corresponde a sua capacidade de se mover nos espaços do outro. Adquirir uma tática é

aprender a arte de “dar um golpe” usando o senso de ocasião.

Para terminar, gostaríamos de enfatizar que, a partir do que vimos, existe um projeto

de governamentalidade da vida, o qual cotidianamente pressiona todos os seres humanos, no

entanto, devemos admitir que a crítica e/ou a resistência é possível. Para Foucault a crítica

ocorre quando decidimos que não queremos ser governados de uma forma e por um grupo, e

em Certeau, a resistência acontece por meio de uma subversão da ordem dentro da própria

ordem, essa subversão consiste num trapacear a razão tecnicista através de uma poética do

fazer cotidiano.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Acostumamo-nos, ao longo da vida, com a proposição de que o "homem" é um animal

essencialmente político, afirmamos isso com certa naturalidade, sem estranheza. Mas será

que a dimensão política deve ser o primeiro ponto de referência para a definição do ser

humano? E se não for assim? Será que é possível pensar o a-político como um princípio

ontológico de nós mesmos?

Admitindo o a-político podemos afirmar a política e o animal político, não como um

princípio causal de nós mesmos, mas como um efeito dos intraespaços humanos, das relações

mais arrebatadoras, das tensões mais sanguinolentas, mas também, das paixões mais

suturadoras.

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Talvez possamos afirmar que o "homem", na sua singularidade, é a-politico e que a

política surge da pluralidade humana, das relações entre seres únicos e diferentes.

O desafio em compreender esse ente a-político que se torna político parece estar na

decifração dos modos estratégicos ou táticos que ele usa para sua movimentação entre-os-

epaços que o separa, mas também que o une à pluralidade dos outros entes.

Para Foucault e Certeau, os intraespaços de movimentação humana mais se

assemelham a um campo de batalha. No primeiro, é possível pensar no entre-os-homens e ver

o desenrolar das tensões, da pressão calculadora que submete e governa a vida. No segundo,

percebemos um malabarismo e/ou uma poética esperançosa que golpeia, do subsolo, um

modo calculado de viver.

Para visualizar o que foi dito pelos dois autores, podemos pensar rapidamente no

processo de "reorganização" das escolas paulistas, desencadeadas no ano de 2015.

O governo do Estado de São Paulo, fundamentado num cálculo econômico, resolveu

fechar noventa e quatro escolas, demitindo professores e outros servidores, o que ele não

conseguiu prever foi a reação de trezentos mil estudantes, os quais seriam diretamente

afetados com a transferência compulsória para outras escolas. O governo arquitetou e deu

início a estratégias de "reorganização" do espaço escolar, por outro lado, os estudantes se

entrincheiraram taticamente nas escolas e promoveram um movimento de resistência.

O chefe de gabinete da Secretária da Educação do Estado de São Paulo, do alto do seu

panóptico, disse, de maneira bastante emblemática, que o Estado estava em guerra contra os

estudantes, e, em gravações de áudio divulgados pela imprensa brasileira, disse que em

questões de manipulação existem estratégias, métodos, e que o método que a Secretária da

Educação do Estado deveria assumir era do tipo de uma guerra de informação, uma guerra

que desmobilizasse e desmoralizasse os estudantes entrincheirados.

Presenciamos assim, um campo de batalha, de um lado, um corpo robusto e calculista,

mas submisso a um tribunal econômico, e do outro, seres considerados na sua menoridade,

mas capazes de resistir. Ao observar essa resistência, não nos espanta que a tática mais usada

tenha sido um engajamento estético. Assim, de um lado, vemos uma técnica fáustica que

procura enquadrar a vida, e do outro, uma técnica prometeica que sonha com a produção de

uma maioridade humana.

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5 REFERÊNCIAS CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. artes de fazer. Petrópolis: Vozes,

1994. FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade. São Paulo: Martins Fontes, 2000. . Historia da sexualidade. 1. ed. Rio de Janeiro, RJ: Paz & Terra, 2014. . O que é a crítica?: (crítica ou aufklarung). In: BIROLI, Flávia; ALVAREZ,

Marcos César (Orgs.). Michel Foucault: histórias e destinos de um pensamento. Cadernos da Faculdade de Filosofia e Ciências, Marília, SP: UNESP, v.9, n.1, 2000.

. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 23. ed. Petrópolis: Vozes, 2000.