Governador: Ex-Major é criminoso comum · de ter sido apontado como um dos ... Pedido de desculpas...

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ANO tIX — Rio de Janeiro, quarta-feira, 4 de janeiro de 1984 — N9 18.321 Governador: Ex-Major é criminoso comum O Governador Roberto Maga- lhães disse ontem que a impren- sa deve ter cuidado ao noticiar as recentes declarações feitas em carta pelo ex-Major José Ferreira dos Anjos, que tenta dar conotação política ao seu julgamento, para que um crime comum não seja transformado em crime ideológico. O Coman- do da PM de Pernambuco vai processar o radialista Gino Cé- sar por crime de calúnia e difa- mação. Página 4

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ANO tIX — Rio de Janeiro, quarta-feira, 4 de janeiro de 1984 — N9 18.321

Governador:Ex-Major écriminosocomum

O Governador Roberto Maga-lhães disse ontem que a impren-sa deve ter cuidado ao noticiaras recentes declarações feitasem carta pelo ex-Major JoséFerreira dos Anjos, que tentadar conotação política ao seujulgamento, para que um crimecomum não seja transformadoem crime ideológico. O Coman-do da PM de Pernambuco vaiprocessar o radialista Gino Cé-sar por crime de calúnia e difa-mação.

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A FUGA DO EX-MAJOR FERREIRA

Magalhães diz à imprensa que • conotação política é falsa

RECIFE — O Governador Ro-berto Magalhães aconselhou on-tem os jornalistas a terem cuidadoao noticiar as recentes declaraçõesdo ex-Major José Ferreira dos An-jos nas cartas que tem escrito, pro-curando dar conotação política àsua condenação, para que um cri-me comum não seja transformadóem crime ideológico.

— Na medida em que se empres-te conotação política ao episódio,ele (o ex-Major) estará favorecido,porque haverá sempre alguémcontra e alguém a favor. E na me-dida em que se dê tratamento decrime comum, não haverá este di-visor de águas.

Magaihães disse que resolveu di-vulgar a carta que recebeu de Fer-reira, para evitar especulações so-bre o seu conteúdo. Acrescentou,porém, que não pretendia fazê-lopor entender que em nada contri-buirá para a elucidaç-ao da fuga.

O Governador afirmou ainda quenão vai tomar conhecimento dosapelos que lhe fez o ex-Major nacarta, para que determine novasinvestigações sobre os crimes pe-los quais foi condenado, "porque ocaso está na esfera do Poder Judi-ciário, e n-ao do Executivo".

Quanto ao fato de a carta ter sidopostada no Paraguai, Magalhães

disse que, por sua experiência deadvogado, tudo leva a crer que oex-oficial está em qualquer outrolugar, menos naquele país. E ga-rantiu que as Polícias Federal eMilitar continuam trabalhando emconjunto para tentar recapturar ocriminoso no Brasil.

O Ministro-Conselheiro da Em-baixada do Paraguai, Miguel An-gel Reyes, confirmou ontem a in-formação dada por funcionários doItamaraty, de que a palavra "ma-flana" carimbada nas cartas en-viadas por Ferreira indica o perío-do do dia em que foram entreguesno Correio, não sendo o nome denenhuma cidade daquele país.

Quarta-feira, 41 1 / 84

RECIFE — O Comandante daPolícia Militar, Coronel WalterBenjamin, deverá entrar com umarepresentação na Justiça comumcontra o radialista Gino César,que, segundo ele, vem tentandodesgastar a imagem da corpora-ção, após ser indiciado como umadas cinco pessoas envolvidas na fu-ga do ex-Major José Ferreira dosAnjos.

O Coronel Franklin Santos, ad-junto do Estado Maior da PM, dis-se ontem que o Alto Comando dacorporação dispõe de todas as có-pias de entrevistas dadas por GinoCésar na Rádio Clube e em jornais,nas quais o radialista afirma que aPolícia Militar está sem comandoe que o Coronel Walter Benjamin éomisso.

— Da maneira como Gino Césartem se comportado, com acusa-ções infundadas contra a PM e ata-cando também pessoas, entre elaso encarregado do IPM, CoronelWaldecy Lopes, temos que nos res-guardar. E a melhor maneira élevá-lo à Justiça comum, com umprocesso por difamação e calúnia— acrescentou Franklin Santos.

REPRESÁLIA

O radialista Gino César, o "Ban-deira Dois", disse ontem que o fato

de ter sido apontado como um dosenvoldidos na fuga do ex-Major Jo-sé Ferreira dos Anjos foi uma re-presália da Polícia Militar ao seutrabalho como repórter, que dia-riamente denuncia irregularida-des não só na PM, mas também nalPolícia Civil.

Depois de afirmar que a PM nãotem comando, Gino César disseque o Comandante da corporacão,Walter Benjamin, não sabe sequero que se passa nos quartéis, "comoficou provado na fuga do ex-Major,da qual ele só tomou conhecimentoàs 7 horas da manhã, através donoticiário das rádios".

O Abade do Mosteiro de SãoBento, Dom Basílio Penido, contes-tou a acusação feita pelo ex-MajorJosé Ferreira dos Anjos em cartaenviada ao jornalista Edilson Tor-res, de que ele foi uma das pessoasque pressionaram os jurados paraque votassem pela condenação dosréus.

O Deputado Sérgio Longman, doPMDB, disse ontem que o inquér i

-to policial-militar instaurado pelaPolícia Militar para apurar a fugado ex-Major José Ferreira dos An-jos não mostra a verdade dos fatos,pois não foram arrolados todos osoficiais da corporação envolvidos.

O GLOBO

PM processará radialistapor calúnia e difamação

Pedido de desculpas e apelo a."Esta é a carta que o ex-Major José Ferreira dosAnjos enviou ao Governa-dor Roberto Magalhães:"Exmo. Sr. Governador, Dr.Roberto Magalhães-De antemão, minhas since-ras desculpas por todo inci-dente causado com meu in-gresso na clandestinidade.Inicialmente, gostaria de dei-xar bem claro que jamais tivequalquer intenção de desafia-lo ou sequer prejudicar o an-damento do Governo de V. Ex-cia. Minha decisão teve queser tomada, pois se V. Excia.se colocasse no meu lugar,entre a humilhação pública, orisco de sobrevivência emuma prisão comum, só restavao caminho que tomei. Sei e re-conheço. Dr. Roberto, do vo-lume de pressões que V.Ex-cia. sofreu para assinar o atode minha demissão da PM. Seitambém, Governador, que vi-vemos hoje em um outro Bra-sil. Acabo de receber aqui, naminha clandestinidade. os pri-meiros jornais dai de Recife,relatando o fato e estupefactovejo que realmente estamosem outro Brasil. Ontem, nãofaz muito tempo, fugiu daitambém, do mesmo Regimen-to de Cavalaria, um peri-posíssimo terrorista que haviacolocado uma bomba no Aero-porto dos Guararapes. Era Za-ratini, o nS 1 dos terroristasQue passaram pelo Nordeste.Essa bomba, Dr. Roberto, cei-fou a vida do Édson Régis eNelson Fernandes, mutiloutambém o ex-guarda Paraíba,além também de levar quasetoda uma mão do cel. SilvioFerreira Em 1969, ou me en-contrava nos EEUU com o Cel.Silvio Ferreira e vi quãoterrível é carregar consigo,por toda parte e para sempre.tamanha amarga recordaçãode tão monstruoso crime. MasGovernador, a repercussão dafuga de tão grande criminoso.naquela época. não foi nemparecida com a divulgaçãoque querem dar a esta. Emais: Zaratini recebia até doSul do País, caravanas de ar-tistas que vinham apoiá-lo emsua prisão, e lhe trazer confor-to; é que ele era irmão de Car-los Zara. o ator. Mas fugiu enão houve nem a metade dabalbúrdia que fizeram com aminha saída. Por que, Dr. Ro-berto? E exatamente a prova

da força dos comunistas emnosso Brasil.

Agora, Governador, desdeque se iniciou este processodo Procurador, que gritamossobre nossa inocência e nun-ca apareceu alguém que nosdesse ouvidos. Eu sei porque, Dr. Roberto. Formaramcontra nós, os acusados, atra-vés de toda a imprensa, umaopinião pública, só com a fina-lidade de no final me apanha-rem, arrancarem minha farda,me jogarem em um presidio elá me assassinarem, o quequase realmente consegui-ram. E por causa dessa opi-nião pública, toda autoridadetem medo de pelo menosolhar a podridão que contémesse processo forjado contranós. Dr. Roberto, eu peço umacoisa ao Sr., sabendo mesmoque o Sr. também até penseque somos realmente os cul-pados pela morte do Procura-dor. Não acredite em mim,não. O Sr. tem em maõs, aindatanto na PM como na PoliciaCivil e na Justiça estadual. al-guns homens que não se ver-gam a imoralidade um Cel.Iberlúcio, um Cel. Soares, umMajor Moura a quem o Sr. viucumprir uma missão em Exu,um Dr. Fernando Ribeiro naSSP, um Dr. Rivadávia, um Dr.João Acioll, um Dr. Célio Mon-tenegro na Justiça. Algunsdesses, eu sei que tambémestão com opinião formadacontra nós, pensando que so-mos realmente culpados, masapelo ao Sr.: nomeie, reserva-damente, sem ningúem saber,uma comissão de dois ou trêshomens deste padrão moral emande-os a Bezerros, somen-

- te para lá apurarem se o agen-te Clidó estava ou não lá deserviço, durante todo o dia etoda a noite, no dia da mortedo Procurador. Exija dessa co--missão, Dr. Roberto. um tra-balho detalhado, com diligên-cias sérias, sendo tudo reser-vadamente. com o único fimde trazerem a V. Excia. a ver-dade. Dr. Roberto, se trouxe-rem a certeza absoluta queClidó estava de serviço na De-legacia de Bezerros, no dia docrime, não tendo portanto par-ticipado do crime do Procura-dor, ordene a essa mesma co--missão que faça o mesmocom Heronides, para apurarse ele estava ou não em Flo-resta no dia do crime, comEiras, para saber se ele estava

ou não na Varzea do Icó no diado crime, como também comoo Sargento Lopes, para saberse ele estava ou não em umareunião da Seção, na horado crime, e, enfim, com todosos acusados. Tenho certeza,Dr. Roberto, que V. Excia, teráuma grande surpresa, saben-do então que tudo aquilo foiuma farsa com a única finali-dade de me apanharem. Mas.Dr. Roberto. que culpa tem es-ses outros, com minha posi-ção contra esses comunistas?Que me peguem, se queremeste revanchismo, mas dei-xem os outros inocentes vol-tarem para o seio de suasfamílias.

"Dr. Roberto. eu tenho doisfilhinhos, 4 e 6 anos, que sódormiam, cada um pdo meu la-do, inclusive ai no 4uartel. Eucolocava três colchões nochão, deitava no meio e cadaum deitava de um lado. sendoque o menor dizia semprequando deitávamos que erapara eu dormir virado para ele.Então eu beliscava o olho parao mais velho, dando a enten-der a ele que depois que omenor dormisse, eu viravatambém para ele e assim esti-rava os braços e cada um de-les agarrados comigo. dor-miam. Os comunistas na pes-soa de um Juiz comunista, ar-rancaram meus filhinhos demim. Dr. Roberto, nem sei seo sr. é pai. Mas aqui na minhaclandestinidade eu choro ago-ra, lembrando deles e sem sa-ber como eles estão se sen-tindo sem mim. Que culpa têmeles? Em suas inocências, tal-vez não saibam ainda porquenunca mais dormi com eles.Não peço perdão de nada poisnão cometemos crime ne-nhum. Peço só ao sr. que façaesta comissão em caráter sigi-loso, pois se soubessem des-se trabalho iriam para o meioda rua fazer protestos, ir ini-cialmente a Bezerros e depoisaos outros lugares, saber setodo esse processo não foiforjado, só para me incrimina-rem.

"Esta condenação que mearrancou a farda foi por eu tertrazido dos EE.UU duas ar-mas, há alguns anos. As trou-xe exatamente para meu usopois a PM não tinha armasboas para casos especiais,como foi uma vez, quando se-qüestraram um cónsul, que ti-

veram que me mandar buscarurgente e tomar armas em-prestadas em um clube de ti-ro. No desfile de 7 de Setem-bro, o GMT. Geral me pediuemprestadas essas armas e aPM desfilou com elas. EsseJuiz me condenou apesar desaber tudo isto e inclusive sa-bendo que eu era tambémprofessor de armamento e tirona Academia da PM e atiradorrepresentante do Estado emarmas curtas e longas.

"Mas. Dr. Roberto, se mequeriam pegar pelas minhasposições contra os comunis-tas. não peguem os outrosinocentes que como eu, seique têm filhos como os meus.Apelo a V. Excia. não acreditarem mim. Mande essa comis-são verificar pois quando o re-sultado chegar, sei que o ca-ráter de V. Excia. vai levá-lo aoPresidente para que ele veja ainjustiça que se está pratican-do, quando então sei que pro-vidências apareceriam paracorrigir tão monstruoso errojudiciário, tão somente forma-do pela opinião pública, mani-pulada pelos comunistasGostaria também de dizer a V.Excia. que ninguém me auxi-liou em minha fuga. Driblei osentinela, pulei o muro dosfundos do quartel, andei uns500 metros até a avenida, pe-guei um táxi e entrei na clan-destinidade. Ninguém da PMsoube de nada. Quanto ànoticia que V. Excia. havia as-sinado o ato de minha demis-são. menos o Ten-Cel Freitas.todo mundo que comigo este-ve naquela noite, me trazia anoticia.

"Assim Dr. Roberto, estoupedindo a V. Excia que mandeverificar por essa comissão, averdade. Se essa verdade vierdizendo que existe injustiça.sei que V. Excia. não deixarápassar sem mesmo tomar umaatitude que venha beneficiaresses inocentes que há quasedois anos estão presos. A ver-dade não deve fazer medo aninguém. Se V. Excia. mandarbuscar a verdade, mesmoconfidencialmente, ficamosextremamente agradecidos,pois sabemos que providên-cias futuras virão.

• 'Deus proteja V. Excia."José Ferreira dos Anjos"PS.: Por segurança, enviei

cópia desta carta endereçadaa V. Excia., a minha mulher."