Gonçalves dias Deprecação

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Gonçalves dias Deprecação Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto Com denso velâmen de penas gentis; E jazem teus filhos clamando vingança Dos bens que lhes deste da perda infeliz! Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre: Bastante sofremos com tua vingança! Já lágrimas tristes choraram teus filhos, Teus filhos que choram tão grande mudança. Anhangá impiedoso nos trouxe de longe Os homens que o raio manejam cruentos, Que vivem sem pátria, que vagam sem tino Trás do ouro correndo, voraces, sedentos. E a terra em que pisam, e os campos e os rios Que assaltam, são nossos; tu és nosso Deus: Por que lhes concedes tão alta pujança, Se os raios de morte, que vibram, são teus? Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rosto Com denso velâmen de penas gentis; E jazem teus filhos clamando vingança Dos bens que lhes deste da perda infeliz. Teus filhos valentes, temidos na guerra, No albor da manhã quão fortes que os vi! A morte pousava nas plumas da frecha, No gume da maça, no arco tupi! E hoje em que apenas a enchente do rio Cem vezes hei visto crescer e baixar... Já restam bem poucos dos teus, qu'inda possam Dos seus, que já dormem, os ossos levar. Teus filhos valentes causavam terror, Teus filhos enchiam as bordas do mar, As ondas coalhavam de estreitas igaras, De frechas cobrindo os espaços do ar. Já hoje não caçam nas matas frondosas A corça ligeira, o trombudo coati... A morte pousava nas plumas da frecha, No gume da maça, no arco tupi! O Piaga nos disse que breve seria, A que nos infliges cruel punição; E os teus inda vagam por serras, por vales, Buscando um asilo por ínvio sertão! Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto: Bastante sofremos com tua vingança! Já lágrimas tristes choraram teus

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Gonçalves dias Deprecação

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rostoCom denso velâmen de penas gentis;E jazem teus filhos clamando vingançaDos bens que lhes deste da perda infeliz!

Tupã, ó Deus grande! teu rosto descobre:Bastante sofremos com tua vingança!Já lágrimas tristes choraram teus filhos,Teus filhos que choram tão grande mudança.

Anhangá impiedoso nos trouxe de longeOs homens que o raio manejam cruentos,Que vivem sem pátria, que vagam sem tinoTrás do ouro correndo, voraces, sedentos.

E a terra em que pisam, e os campos e os riosQue assaltam, são nossos; tu és nosso Deus:Por que lhes concedes tão alta pujança,Se os raios de morte, que vibram, são teus?

Tupã, ó Deus grande! cobriste o teu rostoCom denso velâmen de penas gentis;E jazem teus filhos clamando vingançaDos bens que lhes deste da perda infeliz.

Teus filhos valentes, temidos na guerra,No albor da manhã quão fortes que os vi!A morte pousava nas plumas da frecha,No gume da maça, no arco tupi!

E hoje em que apenas a enchente do rioCem vezes hei visto crescer e baixar...Já restam bem poucos dos teus, qu'inda possamDos seus, que já dormem, os ossos levar.

Teus filhos valentes causavam terror,Teus filhos enchiam as bordas do mar,As ondas coalhavam de estreitas igaras,De frechas cobrindo os espaços do ar.

Já hoje não caçam nas matas frondosasA corça ligeira, o trombudo coati...A morte pousava nas plumas da frecha,No gume da maça, no arco tupi!

O Piaga nos disse que breve seria,A que nos infliges cruel punição;E os teus inda vagam por serras, por vales,Buscando um asilo por ínvio sertão!

Tupã, ó Deus grande! descobre o teu rosto:Bastante sofremos com tua vingança!Já lágrimas tristes choraram teus filhos,Teus filhos que choram tão grande tardança.

Descobre o teu rosto, ressurjam os bravos,Que eu vi combatendo no albor da manhã;Conheçam-te os feros, confessem vencidosQue és grande e te vingas, qu'és Deus, ó Tupã!

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Deprecação, que significa ato de implorar, nos mostra um eu lírico que é um índio e que se dirige ao deus indígena Tupã (questão 1). Esse índio implora para que Tupã descubra seus olhos do velame (véu) de penas que o impede de ver o que acontece com o povo indígena, dizimado por invasores que possuem armas de fogo (raios) e, por isso, o índio interpreta que são alguma forma de vingança de Tupã, já que ele é o deus dos raios (e trovões) contra seu povo (questão 3, 5, 7). Por isso ele implora que Tupã se apiede de seu povo e os ajude a se defender dos europeus, dando-lhes o poder de combater de combatê-los, ressuscitando o valor indígena (questão 10).A mudança a que se refere o texto é a transição de um estado de paz inicial, em que os índios se encontrariam em harmonia com a natureza, para um estado de guerra e opressão que se inicia com a chegada dos europeus. Essa, pelo menos, é a visão romântica da vida indígena num momento em que este é o símbolo de pureza e civilidade da pátria. Note que é um desenvolvimento da teoria do bom selvagem, criada no século anterior por Rousseau e já adotada pelos árcades (questão 4).O eu lírico relembra o passado para demonstrar que seu povo é destemido e enfrentaria de igual para igual os invasores, não fosse o fato de estes manejarem o raio cruento e os índios não terem esse instrumento disponível para si (questão 8).

Desfazendo o hipérbato, temos: E teus filhos jazem clamando vingança da perda infeliz dos bens que lhe deste e "O Piaga nos disse que seria breve a cruel punição que nos infliges" (questão 9

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Soneto (Álvares de Azevedo)

Pálida, à luz da lâmpada sombria,Sobre o leito de flores reclinada,Como a lua por noite embalsamada,Entre as nuvens do amor ela dormia!Era a virgem do mar! Na escuma friaPela maré das águas embalada!Era um anjo entre nuvens d'alvoradaQue em sonhos se banhava e se esquecia!Era mais bela! O seio palpitando...Negros olhos as pálpebras abrindo...Formas nuas no leito resvalando...Não te rias de mim, meu anjo lindo!Por ti - as noites eu velei chorando,Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo! 

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Aqui podemos perceber a figura da mulher vista como algo intocável, desejada somente em sonho e jamais conquistada, pois predomina o sentimento de evasão, de falta de autenticidade.

Símbolo da nossa literatura abolicionista, Castro Alves em seu poema Antítese, justifica o emprego do titulo pela descrição oposta, contraria entre homem branco (livre) e o negro (escravo). O poema inicia seu leito apresentando a florida vida nos bailes suntuosos. A descrição que temos é de um ambiente luxuoso e feliz: “cintila a festa nas salas! Das serpentinas de prata jorram luzes em cascata/ sobre sedas e rubis/ soa a orquestra...” A alegria é tamanha que os pares dançando parecem Silfos numa valsa mágica: “como silfos/ na valsa os pares perpassam/ sobre as flores, que se enlaçam nos tapetes de coxins”.A partir da segunda estrofe o ambiente de Antítese ganha forma. Saindo do luxuoso espaço de festa “a névoa da noite, no átrio, na vasta rua” ambienta o espaço daquele que“como um sudário flutua/ nos ombros da solidão”. Trata-se daquele que recebeu como prêmio, já no limiar das forças, o desprezo e uma carta de alforria: o escravo! O espaço por este habitado não é dos salões de festas, mas a praça como única morada: “a praça em meio se agita”. “Espécie de cão sem dono” torna-se um sujeito em que a sua condição humana torna-se degredada: “desprezado na agonia/ larva da noite sombria/ mescla de trevas e horror”.E se a curiosidade do leitor o instiga a querer saber quem é a larva da noite sombria,na estrofe seguinte o autor descreve o ser e sua situação social: “é ele o escravo maldito/ o velho desamparado/ bem como o cedro lascado/ bem como o cedro no chão. Tem por leito de agonias/ as lájeas do pavimento/ e como único lamento/ passa rugindo o tufão”.E na última estrofe, o poeta grita a favor do escravo: “chorai, orvalhos da noite/soluçai ventos errantes/ sede os círios do infeliz!”. E denuncia a morte-social, a morte-econômica do “cadáver insepulto”, que a própria alforria e o desprezo, a liberdade não assistida já predizia.

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Antítese castro alves

Cintila a festa nas salas!Das serpentinas de prataJorram luzes em cascataSobre sedas e rubins.Soa a orquestra ... Como silfosNa valsa os pares perpassam,Sobre as flores, que se enlaçamDos tapetes nos coxins.Entanto a névoa da noiteNo átrio, na vasta rua,Como um sudário flutuaNos ombros da solidão.E as ventanias errantes,Pelos ermos perpassando,Vão se ocultar soluçandoNos antros da escuridão.Tudo é deserto. . . somenteÀ praça em meio se agitaDúbia forma que palpita,Se estorce em rouco estertor.— Espécie de cão sem donoDesprezado na agonia,Larva da noite sombria,Mescla de trevas e horror.É ele o escravo maldito,O velho desamparado,Bem como o cedro lascado,Bem como o cedro no chão.Tem por leito de agoniasAs lájeas do pavimento,E como único lamentoPassa rugindo o tufão.Chorai, orvalhos da noite,Soluçai, ventos errantes.Astros da noite brilhantesSede os círios do infeliz!Que o cadáver insepulto,Nas praças abandonado,É um verbo de luz, um bradoQue a liberdade prediz.