GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

7
GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos. O mundo da equipe dirigente Contradição entre o que faz e o que diz fazer: Depósitos de internados ou organizações racionais, planejadas como recursos eficientes para metas oficialmente aprovadas? Ex: reforma, tratamento Esta contradição faz parte da atividade diária da equipe dirigente. Peculiaridades do “material humano”, seus dilemas e problemas específicos. O trabalho com objetificação de pessoas: o peso dos corpos, a papelada que mostre o que foi feito, recibos, o responsável, registros sucessivos de etapas, burocracias. O material com que se trabalha. Perigos especiais alegados: agressão, contágio. Protegê-los de si mesmos: alimentar à força, amarrar os suicidas, limitar os tuberculosos. Conflito entre padrões humanitários e e padrões de eficiência. Interesses morais e organizacionais. Eficiência, padronização e controle: perda de identidade. Ex: roupas coletivizadas, cortes de cabelo, lobotomias. Destituição de bens pessoais que formam seu eu. Tratamento padronizado e homogeneizador. Controle e eficicência: aparelhagem de repressão, enfrentamento de fugas e hostilidades. Esconder os destinos deles, para que não se planejem.

Transcript of GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

Page 1: GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões e conventos.

O mundo da equipe dirigente

Contradição entre o que faz e o que diz fazer: Depósitos de internados ou organizações racionais, planejadas como recursos eficientes para metas oficialmente aprovadas? Ex: reforma, tratamento

Esta contradição faz parte da atividade diária da equipe dirigente.

Peculiaridades do “material humano”, seus dilemas e problemas específicos.

O trabalho com objetificação de pessoas: o peso dos corpos, a papelada que mostre o que foi feito, recibos, o responsável, registros sucessivos de etapas, burocracias. O material com que se trabalha.

Perigos especiais alegados: agressão, contágio.

Protegê-los de si mesmos: alimentar à força, amarrar os suicidas, limitar os tuberculosos.

Conflito entre padrões humanitários e e padrões de eficiência. Interesses morais e organizacionais.

Eficiência, padronização e controle: perda de identidade. Ex: roupas coletivizadas, cortes de cabelo, lobotomias. Destituição de bens pessoais que formam seu eu. Tratamento padronizado e homogeneizador.

Controle e eficicência: aparelhagem de repressão, enfrentamento de fugas e hostilidades. Esconder os destinos deles, para que não se planejem.

Outra peculiaridade do material humano: dificuldade de manter o distanciamento. O internado sempre parece humano! Sofrimento para impor tratamento considerado cruel.

Outra: a taxação autoritária contra medidas autodestrutivas: comem demais, bebem água que sujaram, não comem, quebram óculos. É preciso romper o tratamento humanista, mas são vistos como cruéis. Dilema emocional.

II

O clima moral específico: enfrentar hostilidades e exigências dos internos e apresentar a eles a perspectiva racional da instituição.

Objetivos oficiais: educação, instrução, tratamento médico ou psiquiátrico. Ou incapacitação, intimidação e reforma?

Page 2: GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

A perspectiva médica: explica as decisões e as legitima. É um esquema de interpretação. Como o admitido deve ser reconhecido: se está num hospital, é porque é doente. Rotulação legitimada. A normalidade nunca é reconhecida onde a anormalidade é a expectativa geral. Logo, seu tratamento é o controle.

A interação interno-profissional são de pedido e restrição. Os pedidos negados são justificados em nome dos objetivos oficiais.

Privilégios e castigos são controle, mas apresentados na linguagem que reflete os objetivos da instituição. “Desobediência” vira “perturbação.”

A interpretação dos fatos do passado como sintomas.

A perspectiva médica: linguagem estereotipada, ideologia institucional e legitimação do controle.

A vida institucional comporta o desenvolvimento de uma mini vida moral.

Como o trabalho perde seu significado, os afazeres internos viram “terapia”: o que é afirmado ao paciente é que eles o farão reaprender a viver em sociedade. Sua voluntariedade e desempenho são prova de melhora!

Enfim, o trabalho dos profissionais é contraditório, pois precisam impor obediência, mas dar a impressão que padrões humanitários estão sendo mantidos e os objetivos racionais da instituição, realizados.

A carreira moral do doente mental

Obj: o estudo institucional do eu. Os aspectos morais da carreira moral que as mudanças impõem no modo como julga a si mesmo e aos outros.

A interpretação psiquiátrica do doente mental: isso define seu destino social rumo à hospitalização. Excluem-se os não diagnosticados. Foco no padrão psiquiátrico de doença. Inclui-se todos apanhados pela máquina hospitalar.

Apesar das variações e dos graus, enfrentam um caminho e reações similares. Por forças sociais, status, destino e caráter comum.

“Loucura ou o ‘comportamento doentio’ atribuídos ao doente mental são, em grande parte, resultantes da distância social entre quem lhes atribui isso e a situação em que o paciente está colocado, e não são, fundamentalmente, um produto de doença mental... uma comunidade que não é significativamente diferente de qualquer outra que já tenha estudado”. (p. 113).

A fase de pré-paciente

Raramente vão por vontade própria. O novato verifica que estava “perdendo a cabeça.”

Page 3: GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

“Perder a cabeça” está baseado em estereótipos culturais e socialmente impostos! Significados dos sintomas (vozes, perseguições).

A internação pode melhorar a situação: a transformação de sua situação social: ela se oficializa como pessoa discutível. A internçaão pode piorar a situação: sua nova situação confirma o que antes era um problema íntimo.

A expropriação: perda de relações e direitos. Os aspectos morais da carreira começam com abandono, deslealdade e amargura.

As histórias: ataques, um denunciante e transgressões que levam à hospitalização. Mas por que essas são diferentes de transgressões que levam a outros tipos de expulsão?

Contingências que culminam na internação: condição socioeconômica, visibilidade, recursos disponíveis. O psicótico tolerado até ser internado; o alcoólatra que encontra a prisão lotada, o viciado que recusa outro tratamento; a jovem rebelde com um companheiro inadequado.

Mas a interpretação oficial é de que, se estão internados, é porque padecem de alguma doença mental. Mas sofrem de outras circunstâncias.

Os agentes envolvidos na sua passagem de status: de civil para internado. A pessoa mais próxima (que crê e quer salvá-lo), o denunciante e os mediadores (agentes e agências).

A coalizão alienadora: “conversar” com o médico, ameaça de abandono. O complô previamente estabelecido. A traição, as visitas com promessas e pedidos, a ocultação de como será realmente o tratamento. Tudo que foi contado ao pré-interno era para diminuir sua resistência.

“o pré-paciente começa parte dos direitos, liberdades e satisfações do civil, e termina numa enfermaria, despojado de quase tudo.” (p 121).

A cada nova etapa, um declínio no status de adulto livre, embora seja dito o contrário. Conversas amáveis, não se mostra camisa de força, a sala é agradável... induzir à cooperação.

Estas experiências arquitetadas e mantidas só o separam ainda mais do mundo externo.

Os agentes profissionais, nesta transição: instituir um tutor (e a ilusão de que não se perdeu direitos). A intimidade não significa fidelidade. Cumprir com sua obrigação significa o ódio do paciente.

O caráter retrospectivo: uma vez internada, atribui-se ao passado do paciente. Estava piorando e, se não fosse hospitalizado, coisas piores ocorreriam.

A fase de internado

A rejeição inicial à nova situação de abandono, privação e perda de relações. Deseja não ser conhecido como paciente ou como quem se comportou mal.

Page 4: GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

Evita falar, evita contatos, fica só, recusa visitas. EVITA RATIFICAR O NOVO PAPEL. APEGO À ANTIGA IDENTIDADE. Por fim, desiste da ausência e do anonimato.

“o paciente ainda se apega a um resto de sua relação com os que formaram seu passado, e protege este resto da destruição final de lidar com as ‘novas’ pessoas em que se transformaram (p. 126).”

A aceitação: assinala nova posição (début), como noivado, 15 anos e outros ritos de passagem.

O despojamento: ele percebe-se despojado de suas defesas, satisfações e afirmações. Restrições de movimento, autoridade difusa. O estado a que foi reduzido seu eu. Sua localização física não é prêmio ou castigo, mas expressão de seu status como pessoa. O ambiente físico modela a concepção que a pessoa tem de si mesma.

Ataques contra sua imagem: é medicado, é depositado, seu passado é um fracasso e ele é causa disso, suas atitudes são erradas. OBRIGADO A ACEITAR ESSA INTERPRETAÇAO PSIQUIÁTRICA

“Se desejar ser uma pessoa, precisa mudar sua maneira de lidar com as pessoas e suas concepções de si mesmo em períodos estabelecidos de confissão (p. 128).”

A imposição da condição: o hospital recorda ao paciente que ele é um caso de doença mental que levou a algum colapso social no mundo externo. Pelas trajetórias de afastamento de valores básicos, o hospital impõe o status de doente mental. Tentativas de auto-respeito, de “não foi bem assim”, de histórias otimistas. “Histórias mais fundamentadas que pura fantasia e mais frágeis que os fatos.”

Desconstrução do eu: destruição de histórias sobre eu, reconstrução de histórias de acordo com moldes psiquiátricos. Atingem orgulho. O próprio ambiente do hospital desmente as histórias contadas pelos pacientes. Desmentir o paciente: desconsiderar suas alegações, apontar raízes nos primeiros anos de vida, apontar sinais nos fatos passados.

A comprovação da doença: O dossier mostra como “se revela” a doença. São uma coleção de fatos de cuja conclusão é a loucura. Neles, justifica-se a internação pelos sintomas relatados até a última gota. O dossier condena, confirma o desvio. As maneiras do interno no ambiente também são relatadas em afirmações degradantes; é um esforço difamatório. Pode até serem verdadeiros, mas a vida de cada um contém fatos suficientes para uma internação! (p. 135)

Estigmatização: hospitais permitem que circulem informações que o paciente quer esconder. Desautoriza suas reclamações. Desacreditam-no, desqualificam suas alegações. “Não foi isso que eu ouvi.”

Page 5: GOFFMAN, E. Manicômios, Prisões e Conventos

Disciplinamento: punir desobedientes com rebaixamento em suas condições de instalação física. Os que aceitam o rótulo e se mostrem capazes de interagir ascendem às melhores posições, mas perante interpretação psiquiátrica.o significado do rebaixamento é “recaída”, não “punição”.

“Ao aceitar a interpretação que o hospital dá de sua queda, o paciente pode adquirir a intenção de ‘endireitar-se’” (p. 139)

Relaxamento moral: aceita ser definido como possuidor de um eu inaceitável. O isolamento proporciona um mundo próprio. Moratória no casamento. Não podem ser humilhados, afinal já foram despojados de tudo que há para se humilhar.

“O eu não é propriedade da pessoa a que é atribuído, mas reside no padrão de controle social que é exercido e por aqueles que a cercam.” (p. 142).,

A IDENTIDADE ATRIBUÍDA POR PRONTUÁRIOS E DIAGNÓSTICOS

A REDUÇÃO DA MULTIPLICIDADE DE PAPÉIS

O CONVENCIMENTO DE SUA CONDIÇÃO PATOLÓGICA. A LEGITIMIDADE DO DISCURSO MÉDICO

O DESMANCHE MORAL DO INDIVÍDUO, DESTRUIÇÃO DO EU

CONTROLE, PUNIÇÃO

DOMINAÇÃO