Girassois

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Caio Fernando Abreu Girassóis Ilustração Paulo Portella Filho

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Caio Fernando Abreu

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Caio Fernando Abreu

Girassóis

Ilustração

Paulo Portella Filho

Global editora

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© Espólio Caio Fernando Abreu, 1 997 3ª Edição, 1998

Diretor Editorial JEFFERSON L. ALVES Seleção e Edição CECILIA REGGIANI LOPES Assistente Editorial MARCOS ANTONIO DE MORAES Assistente de Produção FLÁVIO SAMUEL Editora ção Eletrônica ANTONIO SILvI0 LOPES

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Cãmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Abreu, Caio Fernando, i948-1997 Girassóis / Caio Fernando Abreu 1 Ilustrações Paulo Porteila Filho. —3’ ed. — São Paulo: Global, t998. (Coleção vida nova) ISON 85-260-0S49-9 1. Literatura infanto-juvenil 2. Livros ilustrados para crianças 1. Portehia Filho, Paulo. II. Titulo. III. Série 97-2434 CDD—028.5

Índices para catálogo sistemático:

1. Literatura infantil 028.5 2. Literatura infanto-juvenhl 028.5

Direitos Reservados GLOBAL EDITORA E DISTUUNJIDOW, LTDA. Rua Pirapitingüi, 111 — Liberdade CEP O 1508-020 — São Paulo — SP Caixa Postal 45329 — CEP 04010-970 Tel.: (011) 277-7999 — Fax: (011) 277-8141 E.mail: [email protected] Colabore com a produção científica e cultural. Proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem a autorização do editor. N2 DE CATÁLOGO: 2007

Nota dos Editores Girassóis é um trecho da crônica “A morte dos girassóis”, publicada em 7.2.96 no jornal O Estado de São Paulo e no livro de crônicas Pequenas epifanias (Porto Alegre, Sulina, 1996).

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Tenho aprendido muito com o jardim.Os girassóis, por exemplo, que vistos assim de fora parecem flores simples, fáceis, até um pouco brutas. Pois não são.

Girassol leva tempo se preparando, cresce devagar, enfrentando mil inimigos, formigas vorazes, caracóis do mal, ventos destruidores. Depois de meses, um dia, pá! Lá está o botãozinho todo catita, parece que já vai abrir. Mas leva tempo, ele também se produzindo. Eu cuidava, cuidava, e nada. Viajei por quase um mês no verão. Quando voltei, a casa tinha sido pintada, muro inclusive, e vários girassóis estavam quebrados.

Fiquei uma fera. Gritei com o pintor: — Mas o senhor não sabe que as plantas sentem dor que nem a gente? O homem ficou me olhando, pálido. Não, ele não sabe, entendi. E fui cuidar do que restava, que é sempre o que se deve fazer. Porque tem outra coisa: girassol, quando abre flor, geralmente despenca. O talo é frágil demais para a própria flor, compreende? Então, como se não suportasse a beleza que ele mesmo engendrou, cai por terra, exausto da própria criação esplêndida. Pois conheço

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poucas coisas mais esplêndidas, o adjetivo é esse, do que um girassol aberto.

Alguns amarrei com cordões em estacas, mas havia um tão quebrado que nem dei muita atenção, parecia não valer a pena. Só apoiei-o numa espada-de-são-jorge com jeito, e entreguei a Deus. Pois no dia seguinte, lá estava ele todo meio empinado de novo, tortíssimo, mas dispensando o apoio da espada. Foi crescendo assim precário, feinho, fragilíssimo. Quando parecia quase bom, craul Veio uma chuva medonha e deitou-o por terra.

Pela manhã estava todo enlameado, mas firme. Aí me veio a idéia: cortei-o com cuidadoecoloquei-o aos pés do Buda chinês de maos quebradas que herdei de Vicente Pereira. Estava tão mal que o talo pendia cheio dos ângulos das fraturas, a flor ficava assim meio de cabeça baixa e de costas para o Buda. Não havia como endireitá-lo. Na manhã seguinte, juro, ele havia feito um giro completo sobre o próprio eixo e estava com a corola toda aberta, iluminada, voltada exatamente para o sorriso do Buda. Os dois pareciam sorrir um para o outro. Um com o talo torto, outro com as mãos quebradas.

Durou pouco, girassol dura pouco, uns três dias. Então joguei-o pétala por pétala, depois o talo e a corola entre as alamandas da

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sacada, para que caíssem no canteiro lá embaixo e voltassem a ser pó, húmus misturado à terra. Depois, não sei ao certo, talvez voltassem à tona fazendo parte de uma rosa, palma-de-santa-rita, lírio ou azaléia. Vai saber que tramas armam as raízes lá embaixo, no escuro, em segredo

O ilustrador Paulo Portella Filho é artista plástico, designer, museólogo e se dedica também à Arte- Educação, como professor e como criador de projetos. Responsável pela criação e coordenação do Serviço Educativo da Pinacoteca do Estado, criou os laboratórios de Desenho e, entre muitos projetos, foi responsável pela delícia do Ateliê no Parque, com atividades de arte desenvolvidas com crianças no Jardim da Luz, em São Paulo. É coordenador de atividades educativas no Museu de Arte de São Paulo — MASP

O domingo chuviscou e o jornal era gordo. Crônica do Caio Fernando Abreu: “...um girassol nasceu numa distração da calçada...” Na segunda-feira fui ver nos Jardins de concreto, em Sampa, o teimoso girassol quebrando a rotina daquela Alameda, fazendo sorrir o paulistano. Livros depois, em 95, num domingo quase carnaval, olha o girassol do Caio outra vez!

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Agora plantado por ele que, ao se saber com Aids, mergulhou fundo em si. Voltou, também jardineiro dedicado, à casa dos pais em Porto Alegre, Bairro Menino Deus. Nesta crônica ele contava sua experiência com a vida curta, porém plena, dos girassóis. Saboreando entrelinhas, fui tocada ao sentir que bem ali, na corola da crônica do Caio, havia uma história pronta para acariciar a alma das crianças de todos nós. Num impulso montei um livro doméstico, ilustrado pela irmã Tetê Paccetta e pela bela letra do companheiro Bernardo Klopfer. E mandei pro Bairro Menino Deus, Porto Alegre. Dias depois nosso grande Caio se foi. No meio da tristeza, o poeta Gil França Veloso — grande amigo e depositário da obra do autor — me ligou: “...vamos publicar...” E a Global, sabiamente, cuidou destes Girassóis do Caio Fernando Abreu.

Cláudia Pacce

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O que fascina nos contos de Caio Fernando Abreu é essa magia de um encantador de

serpentes que vai tocando a sua flauta enquanto as pessoas (os leitores) vão se

apaixonando de seu texto forte, instigante e, ao mesmo tempo, musical.

Numa linguagem contida e densa ele vai trasmitindo o seu mundo aparentemente

simples mas profundo, que revela o sofrimento sem escândalo, sem estardalhaço,

num clima quase poético, impregnado de piedade que é também amor.

Um apaixonado da palavra, sua linguagem é a da paixão.

Lygia Fagundes Telles