Gestao Dos Sistemas e Servicos de Saude GS LIVRO Miolo Online 11-08-10

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GESTÃO DOS SISTEMAS E SERVIÇOS DE SAÚDE 2010 Rosana Chigres Kuschnir Adolfo Horácio Chorny Anilska Medeiros Lima e Lira Ministério da Educação – MEC Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES Diretoria de Educação a Distância – DED Universidade Aberta do Brasil – UAB Programa Nacional de Formação em Administração Pública – PNAP Especialização em Gestão em Saúde

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gestão de serviços em saúde

Transcript of Gestao Dos Sistemas e Servicos de Saude GS LIVRO Miolo Online 11-08-10

  • GESTO DOS SISTEMAS E SERVIOS DE SADE

    2010

    Rosana Chigres KuschnirAdolfo Horcio Chorny

    Anilska Medeiros Lima e Lira

    Ministrio da Educao MEC

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES

    Diretoria de Educao a Distncia DED

    Universidade Aberta do Brasil UAB

    Programa Nacional de Formao em Administrao Pblica PNAP

    Especializao em Gesto em Sade

  • 2010. Universidade Federal de Santa Catarina UFSC. Todos os direitos reservados.

    A responsabilidade pelo contedo e imagens desta obra do (s) respectivo (s) autor (es). O contedo desta obra foi licenciado temporria e

    gratuitamente para utilizao no mbito do Sistema Universidade Aberta do Brasil, atravs da UFSC. O leitor se compromete a utilizar o

    contedo desta obra para aprendizado pessoal, sendo que a reproduo e distribuio ficaro limitadas ao mbito interno dos cursos.

    A citao desta obra em trabalhos acadmicos e/ou profissionais poder ser feita com indicao da fonte. A cpia desta obra sem autorizao

    expressa ou com intuito de lucro constitui crime contra a propriedade intelectual, com sanes previstas no Cdigo Penal, artigo 184, Pargrafos

    1 ao 3, sem prejuzo das sanes cveis cabveis espcie.

    K97g Kuschnir, Rosana ChigresGesto dos sistemas e servios de sade / Rosana Chigres Kuschnir, Adolfo Horcio

    Chorny, Anilska Medeiros Lima e Lira. Florianpolis : Departamento de Cincias daAdministrao / UFSC; [Braslia] : CAPES : UAB, 2010.

    180p.

    Inclui bibliografiaEspecializao em Gesto em SadeISBN: 978-85-7988-056-8

    1. Sistemas e Servios de Sade Administrao. 2. Sade Pblica Financiamento.3. Sistemas e servios de sade Planejamento estratgico. 4. Educao a distncia. I. Chorny,Adolfo Horcio. II. Lira, Anilska Medeiros Lima e. III. Coordenao de Aperfeioamento dePessoal de Nvel Superior (Brasil). IV. Universidade Aberta do Brasil. V. Ttulo.

    CDU: 614:35

    Catalogao na publicao por: Onlia Silva Guimares CRB-14/071

  • PRESIDENTE DA REPBLICA

    Luiz Incio Lula da Silva

    MINISTRO DA EDUCAO

    Fernando Haddad

    PRESIDENTE DA CAPES

    Jorge Almeida Guimares

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

    REITORAlvaro Toubes Prata

    VICE-REITORCarlos Alberto Justo da Silva

    CENTRO SCIO-ECONMICO

    DIRETORRicardo Jos de Arajo Oliveira

    VICE-DIRETORAlexandre Marino Costa

    DEPARTAMENTO DE CINCIAS DA ADMINISTRAO

    CHEFE DO DEPARTAMENTOGilberto de Oliveira Moritz

    SUBCHEFE DO DEPARTAMENTOMarcos Baptista Lopez Dalmau

    SECRETARIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    SECRETRIO DE EDUCAO A DISTNCIACarlos Eduardo Bielschowsky

    DIRETORIA DE EDUCAO A DISTNCIA

    DIRETOR DE EDUCAO A DISTNCIACelso Jos da Costa

    COORDENAO GERAL DE ARTICULAO ACADMICANara Maria Pimentel

    COORDENAO GERAL DE SUPERVISO E FOMENTOGrace Tavares Vieira

    COORDENAO GERAL DE INFRAESTRUTURA DE POLOSFrancisco das Chagas Miranda Silva

    COORDENAO GERAL DE POLTICAS DE INFORMAOAdi Balbinot Junior

  • Crditos da imagem da capa: extrada do banco de imagens Stock.xchng sob direitos livres para uso de imagem.

    COMISSO DE AVALIAO E ACOMPANHAMENTO PNAP

    Alexandre Marino CostaClaudin Jordo de CarvalhoEliane Moreira S de Souza

    Marcos Tanure SanabioMaria Aparecida da SilvaMarina Isabel de Almeida

    Oreste PretiTatiane Michelon

    Teresa Cristina Janes Carneiro

    METODOLOGIA PARA EDUCAO A DISTNCIA

    Universidade Federal de Mato Grosso

    COORDENAO TCNICA DED

    Soraya Matos de VasconcelosTatiane Michelon

    Tatiane Pacanaro Trinca

    AUTORES DO CONTEDO

    Rosana Chigres KuschnirAdolfo Horcio Chorny

    Anilska Medeiros Lima e Lira

    EQUIPE DE DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDTICOS CAD/UFSC

    Coordena,o do ProjetoAlexandre Marino Costa

    Coordenao de Produo de Recursos DidticosDenise Aparecida Bunn

    Superviso de Produo de Recursos Didticosrika Alessandra Salmeron Silva

    Designer InstrucionalAndreza Regina Lopes da Silva

    Denise Aparecida Bunn

    Auxiliar AdministrativoStephany Kaori Yoshida

    CapaAlexandre Noronha

    IlustraoIgor Baranenko

    Projeto Grfico e FinalizaoAnnye Cristiny Tessaro

    EditoraoRita Castelan

    Reviso TextualBarbara da Silveira Vieira

    Claudia Leal Estevo Brites Ramos

  • PREFCIO

    Os dois principais desafios da atual idade na reaeducacional do Pas so a qualificao dos professores que atuamnas escolas de educao bsica e a qualificao do quadrofuncional atuante na gesto do Estado brasileiro, nas vriasinstncias administrativas. O Ministrio da Educao (MEC) estenfrentando o primeiro desafio com o Plano Nacional de Formaode Professores, que tem como objetivo qualificar mais de 300.000professores em exerccio nas escolas de ensino fundamental e mdio,sendo metade desse esforo realizado pelo Sistema UniversidadeAberta do Brasil (UAB). Em relao ao segundo desafio, o MEC,por meio da UAB/CAPES, lana o Programa Nacional de Formaoem Administrao Pblica (PNAP). Esse programa engloba umcurso de bacharelado e trs especializaes (Gesto Pblica, GestoPblica Municipal e Gesto em Sade) e visa colaborar com oesforo de qualificao dos gestores pblicos brasileiros, comespecial ateno no atendimento ao interior do Pas, atravs dosPolos da UAB.

    O PNAP um programa com caractersticas especiais.Em primeiro lugar, tal programa surgiu do esforo e da reflexo deuma rede composta pela Escola Nacional de Administrao Pblica(ENAP), pelo Ministrio do Planejamento, pelo Ministrio da Sade,pelo Conselho Federal de Administrao, pela Secretaria deEducao a Distncia (SEED) e por mais de 20 instituies pblicasde ensino superior (IPES), vinculadas UAB, que colaboraram naelaborao do Projeto Poltico Pedaggico dos cursos. Em segundolugar, este projeto ser aplicado por todas as IPES e pretende manterum padro de qualidade em todo o Pas, mas abrindo margem para

  • que cada Instituio, que ofertar os cursos, possa incluir assuntosem atendimento s diversidades econmicas e culturais de sua regio.

    Outro elemento importante a construo coletiva domaterial didtico. A UAB colocar disposio das IPES ummaterial didtico mnimo de referncia para todas as disciplinasobrigatrias e para algumas optativas. Esse material est sendoelaborado por profissionais experientes da rea da AdministraoPblica de mais de 30 diferentes instituies, com apoio de equipemultidisciplinar. Por ltimo, a produo coletiva antecipada dosmateriais didticos libera o corpo docente das IPES para umadedicao maior ao processo de gesto acadmica dos cursos;uniformiza um elevado patamar de qualidade para o materialdidtico; e garante o desenvolvimento ininterrupto dos cursos, semparalisaes que sempre comprometem o entusiasmo dos alunos.

    Por tudo isso, estamos seguros de que mais um importantepasso em direo democratizao do ensino superior pblico ede qualidade est sendo dado, desta vez contribuindo tambm paraa melhoria da gesto pblica brasileira, compromisso deste governo.

    Celso Jos da Costa

    Diretor de Educao a Distncia

    Coordenador Nacional da UAB

    CAPES-MEC

  • SUMRIO

    Apresentao.................................................................................................... 11

    Unidade 1 Sistemas de sade e organizao de servios

    Introduo............................................................................................... 15

    Sistemas de sade e sistemas de proteo social: a gnese dos sistemas de sade . 17

    Tipologia de sistemas de sade............................................................... 26

    Sistema pblico de acesso universal.................................................... 27

    Sistemas de seguro social................................................................... 28

    Sistemas privados................................................................................ 29

    Sistemas de sade e organizao de servios........................................ 30

    Origem do conceito de redes.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

    Novas formas de organizao: as mudanas introduzidas pelas reformas

    dos anos 1990............................................................................................ 36

    Unidade 2 A organizao de redes de ateno sade

    Introduo..................................................................................................... 47

    Organizao de redes de ateno: conceitos fundamentais........................... 50

    Construindo a rede de ateno: funes e perfis assistenciais.............................. 55

    O primeiro nvel de ateno................................................................ 55

    O cuidado ambulatorial de especialidades............................................... 57

    Os servios de diagnstico e de terapia........................................ 58

  • 8Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Os servios de emergncia.............................................................. 61

    Hospitais........................................................................................ 64

    Ar ticulao entre os nveis da rede, definio de perfis, regulao...... 67

    Organizao das linhas de cuidado.................................................... 70

    Reflet indo sobre invest imentos em redes de servios.. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 74

    Constituio de mecanismos de gesto............................................................... 78

    Unidade 3 Planejamento e programao em sade

    Introduo..................................................................................................... 89

    Introduo ao desenvolvimento do planejamento na Amrica Latina....... 93

    O mtodo CENDES-OPAS.................................................................... 94

    O planejamento estratgico............................................................................ 97

    Os processos de planejamento e programao........................................ 100

    O processo de planejamento..................................................... 100

    Os momentos do planejamento............................................................... 103

    O processo diagnstico.................................................................................. 106

    Desenhando o plano................................................................................. 109

    Avaliao e planejamento.......................................................................... 112

    Unidade 4 O diagnstico de situao em sistemas locais

    Introduo..................................................................................................... 121

    O diagnstico de situao: precaues iniciais................................................ 123

    Diagnstico de situao como identificao de problemas.................................. 125

    Iniciando o diagnstico de situao em sistemas locais........................... 127

    Diagnstico da estrutura de sistema de servios........................................ 131

    Diagnstico de recursos: estrutura, processo e resultado............................... 132

    Operacionalizando o diagnstico de recursos................................................ 134

    Um recurso-chave: recursos humanos......................................................... 136

  • Apresentao

    9Mdulo Especfico

    Financiamento...................................................................................... 138

    Diagnstico da funo de conduo/gesto............................................... 138

    Diagnstico de desempenho....................................................................... 140

    Diagnstico dos arranjos organizacionais objetivando integrao de servios.... 143

    Unidade 5 Identificao de problemas e definio de estratgias de interveno

    Introduo..................................................................................................... 151

    Identificao de problemas e eleio de prioridades....................................... 154

    Aprofundando o diagnstico: formulando hipteses e identificando as causas... 158

    Elaborando estratgias de interveno........................................................ 164

    Traduzindo as estratgias de interveno em planos de ao............................. 166

    Consideraes finais.......................................................................................... 173

    Referncias.................................................................................................... 174

    Minicurrculo.................................................................................................... 179

  • 10Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

  • Apresentao

    11Mdulo Especfico

    APRESENTAO

    Caro estudante,

    Seja bem-vindo! A partir de agora iniciamos a disciplinaGesto dos Sistemas e Servios de Sade do curso deEspecializao em Gesto em Sade, na modalidade a distncia,que tem por objetivo proporcionar o desenvolvimento de suascapacidades para desenhar e organizar redes de aes e serviosde sade que possam responder s necessidades sanitrias que seapresentam em diferentes escalas geogrficas, assim como a deidentificar as ferramentas de planejamento e programao regionale local correspondentes.

    Nesta disciplina, estudaremos, de forma sequencial earticulada, a trajetria histrica e os fundamentos do planejamentoem sade, o desenvolvimento dos sistemas de sade como parte daformao dos sistemas de proteo social, a relao entre o formatode cada sistema e a sua forma de organizao dos servios desade, os componentes da organizao de redes de ateno sadee as estratgias de coordenao correspondentes.

    Veremos tambm como analisar a configurao atual do sistemade sade brasileiro em suas diversas dimenses, os fundamentos dodiagnstico da estrutura de servios e sua dinmica de gesto, odesempenho dos arranjos de coordenao e integrao dos serviose, finalmente, como caminhar para o modelo de sistema de sadedesejado por meio da definio de estratgias e planos de ao.

    Para atender a esses objetivos, desenvolvemos umaabordagem de gesto fundamentada em conhecimento deplanejamento para que voc possa analisar a situao atual doespao de gesto em que atua e projetar e implementar modelos

  • 12Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    futuros mais equitativos e eficientes. importante que vocacompanhe todas as Unidades do livro, uma vez que todas foramelaboradas de maneira encadeada, ou seja, cada nova Unidadeemprega os fundamentos apresentados na Unidade anterior.

    importante tambm que voc busque aprofundar seusconhecimentos lendo a bibl iografia sugerida na seoComplementando. E, em caso de dvidas, no hesite em conversarcom o seu tutor, que estar sua disposio para debat-las erespond-las. Desejamos a voc uma tima leitura.

    Professores Adolfo Chorny, Anilska Medeiros eRosana Kuschnir.

  • Apresentao

    13Mdulo Especfico

    UNIDADE 1

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Identificar as principais caractersticas dos sistemas de proteo

    social; Examinar a relao entre os sistemas de sade e os sistemas de

    proteo social; Listar as principais caractersticas dos sistemas-tipo de sade; Relacionar os modelos de organizao de servios e os princpios

    norteadores de cada sistema-tipo; e Debater os conceitos apresentados interpretao do caso

    brasileiro e realidade local.

    SISTEMAS DE SADE EORGANIZAO DE SERVIOS

  • 14Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    15Mdulo Especfico

    INTRODUO

    Caro estudante,Veremos, nesta Unidade, que os sistemas de sade soconstrues ainda muito recentes na histria da humanidade,que surgiram como parte de instituies maiores chamadasde sistemas de proteo social e que cada pas desenvolve, deforma singular, seu prprio sistema de sade a partir de algunsmodelos historicamente consagrados. importante percebermos que h uma estreita relaoentre o formato de organizao de cada tipologia de sistemae a sua forma de organizao dos servios de sade, o queproduz variaes de modelos entre os pases em termos deuma srie de atributos, como a forma de acesso e a naturezade financiamento.Esteja atento ao fato de que a organizao de servios desade em rede, modelo constitucionalmente estabelecidopara o Sistema nico de Sade (SUS), est relacionada a ummodelo especfico de organizao de sistema de sade que o sistema universal.Bons estudos e conte sempre conosco!

    A definio de objetivos referentes situao ideal a quequeremos chegar norteia todo o processo de planejamento e orientaa eleio de prioridades e a definio das estratgias de interveno.

    No caso da discusso acerca da organizao de servios desade e de redes assistenciais que trataremos nesta Unidade,o nosso objetivo o de analisar a organizao de servios em redes,uma das diretrizes do SUS, e a estratgia que foi seguida por todosos sistemas de sade que tm por princpios a universalidade,a equidade e a integralidade.

  • 16Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Conhecer um pouco da histria de como foram desenvolvidosos sistemas de sade nos auxilia na compreenso do nosso prpriosistema e de sua perspectiva. No entanto, ainda que seja possvelclassificarmos os sistemas em tipologias de acordo com algumasdimenses e caractersticas centrais, precisamos lembrar que cadasistema de sade nico e representa uma resposta muito especficade cada pas ou sociedade ao problema de como garantir ou noque seus cidados tenham acesso a cuidados e a servios de sade.

    Sendo assim, perceba que imprescindvel considerarmosos sistemas de sade em sua dimenso poltica, poltica-pblica epoltica-social, j que os sistemas de sade fazem parte de sistemasmais amplos de proteo social que englobam tambm os sistemasde assistncia social, aposentadoria, penso e seguro-desemprego.

    A maneira como esses sistemas de proteo se organizam,

    que parcelas da populao eles incluem e como as incluem,

    representam as diferentes respostas que cada sociedade, em

    um dado momento, d s perguntas centrais: a quem

    proteger? Como proteger?

    Como cada uma dessas respostas ter por expressodiferentes formas de financiamento, gesto e organizao dosservios e do cuidado em sade, para melhor compreenso dessesconceitos, utilizaremos como referncias ao longo do livro algunsexemplos clssicos de cada tipo de sistema pblico de sade,como o do Reino Unido mais especificamente o da Inglaterra eo da Alemanha.

    Nesta Unidade, apresentaremos as distintas concepes dossistemas de sade e de proteo social; uma pequena introduo tipologia de sistemas de sade e uma discusso sobre a correlaoentre o modelo de sistema de sade e a forma de organizao deservios e de processos de cuidado em sade.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    17Mdulo Especfico

    SISTEMAS DE SADE E SISTEMAS DEPROTEO SOCIAL: A GNESE DOS

    SISTEMAS DE SADE

    O cuidado com a sade vem de tempos remotos, desde queas pessoas passaram deliberadamente a se proteger e a se tratarcontra as doenas. Em todo o mundo, as prticas tradicionaisexistem h milhares de anos e convivem at hoje com a prtica damedicina moderna.

    No entanto, sistemas de sade destinados a beneficiar apopulao como um todo ou a parcelas dessa, por meio de arranjoscoletivos, existem h pouco mais de um sculo, mesmo em pasesavanados.

    Voc pode estar se perguntando: mas os hospitais j existiam

    antes do sculo XIX?

    Sim, os hospitais tm uma histria muito mais longa, masat o sculo XIX eram em sua maior parte geridos por organizaesde caridade e, muitas vezes, pouco mais do que um refgio para osrfos, para os deficientes fsicos, ou simplesmente para os pobres.

    Existem vrias definies para sistemas de sade, assimcomo existem diferentes classificaes que consideram distintasdimenses de anlise. De acordo com a Organizao Mundial de

  • 18Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Sade (OMS), os sistemas de sade so definidos como o conjuntode atividades no qual o principal propsito promover, restaurar emanter a sade da populao (WHO, 2000).

    Os servios de sade so um componente central, masos sistemas de sade no se limitam a eles.

    Os sistemas de sade fazem parte de sistemas mais amplosde proteo social que englobam tambm os sistemas de assistnciasocial, aposentadoria, penso e seguro-desemprego. J a proteosocial est relacionada s polticas pblicas que tm por objetivoproteger os indivduos contra os riscos inerentes vida e/ou assisti-los em necessidades relacionadas situao de dependncia. Essadependncia pode ser gerada por fases da vida infncia,maternidade, velhice , por doena, por carncia de alimentos, porcalamidades, ou ainda, pela desigualdade social.

    Os primeiros sistemas de proteo social foram a famlia, acomunidade e as associaes filantrpicas e religiosas. Essesmecanismos de proteo permaneceram at as intervenes dascategorias profissionais e do Estado. No caso das associaes detrabalhadores com a mesma ocupao, esses passaram a organizaresquemas em pequenas escalas de contribuies, de modo a criaremum fundo de proteo contra o risco financeiro. No caso do Estado,ele passa a intervir por meio da criao de leis que institucionalizama solidariedade seja para grupos especficos ou para toda apopulao de um pas. So essas formas de interveno do Estadoque discutiremos a seguir.

    A primeira forma de interveno do Estado ocorreu a partirda consolidao dos Estados nacionais incio no sculo XV econso l idao no scu lo XVI na Europa por meio dainst i tucional izao das formas de proteo tradic ional evoluntria, tornando-as compulsrias por meio de lei e da coletade impostos especficos.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    19Mdulo Especfico

    A primeira lei nacional institudafoi a Lei do Pobres, que formalizoualgumas das prticas j existentes desdeo fim da epidemia de peste e criou umsistema nacional, pago por taxascoletadas localmente sob aadministrao das municipalidades. Porlei, o Estado deveria ainda provertrabalho ou aprendizado para crianasrfs, ou crianas cujos pais no podiammant-las; materiais para botar os pobres para trabalhar; e auxlioaos incapazes de trabalhar como os aleijados, os doentes, os idosose os cegos. A Lei dos Pobres, portanto, institucionalizou asolidariedade e definiu quem poderia receber auxlio do Estado.Posteriormente, a lei foi adotada em toda a Europa.

    No mbito dessa forma de proteo social, foram criadasas workhouses* para combinar moradia, cuidado, trabalho ecasa de correo. Em 1776, havia cerca de 1900 workhouses naInglaterra alojando 100.000 pobres, a maioria deles doentes,idosos e crianas, todos incapazes de trabalhar. As workhousesfuncionavam tambm como creche, abrigo, enfermaria geritricae orfanato. No fim do sculo XVIII foi introduzido um sistema deauxlio monetrio, suplementando salrios com base no nmerode filhos e no preo do po.

    No entanto, no sculo XIX, em plena Revoluo Industrial,comearam a aparecer com mais intensidade as crticas ao sistema,como a de ser considerado muito caro, a de levar mais pessoas pobreza e a de promover o aumento de filhos ilegtimos. Ademais,a suplementao de salrio tornava-se incompatvel com aautorregulao do mercado, competindo pela mo de obra com asnascentes fbricas (e suas terrveis condies de trabalho).

    Diante desse cenrio, foi proposto, ento, mudar a funoda workhouse para um modelo de desencorajamento da proteo,por meio de uma nova Lei dos Pobres de 1834, que objetivavaacabar com a mendigao. Ou seja, a posio de pobre deveriaser menos escolhida, o auxlio somente poderia ser dado nas

    Lei dos Pobres

    Essa lei tambm conhecida por Poor Law Act foi

    editada em 1601 na Inglaterra e institua a con-

    tribuio obrigatria dos sditos para um pro-

    grama de assistncia social, gerido pela igreja e

    voltado principalmente s crianas, aos idosos,

    aos invlidos e aos desempregados, com o ob-

    jetivo de combater a misria. Fonte: Viana (2007).

    Saiba mais

    *Workhouses termo in-

    gls que significa casa de

    trabalho. Considerando

    que a Lei dos Pobres visa-

    va ajudar os indivduos

    oferecendo alojamento

    em casas de trabalhosob

    regime prisional,no qual

    o trabalho era improdu-

    tivo, montono e extenu-

    ante, o povo passou a

    denominar essas casas

    de bastilhas para os po-

    bres. Fonte: . Acesso em: 29 jun.

    2010

  • 20Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    vNo comeo do sculo XIX,nas terras quefuturamente

    constituiriam a

    Alemanha, existiam

    cerca de 300 mil

    operrios em fbricas,

    em 1867 eram 2 milhes

    e em 1900, 12 milhes de

    operrios.

    workhouses e as suas condies deveriam ser to ruins que qualquerpessoa que pudesse ficar fora delas ficaria, o que em pouco tempo gerouo sentimento de vergonha aos que se associavam Lei dos Pobres.

    A Lei dos Pobres foi a primeira e por muito tempo a nicafuno de gesto local. Constituiu a primeira forma de intervenodo Estado, uma vertente de interveno caracterizada comoAssistncia Social, em que o Estado protegia apenas aqueles queno eram capazes de prover a si prprios no mercado.

    Na Inglaterra, o fim da Lei dos Pobres acorreu apenas nasprimeiras dcadas do sculo XX, com as reformas de 1906-1914que instituram as penses e o seguro nacional.

    No sculo XIX, a Revoluo Industr ial modif icouprofundamente as formas de produo e as estruturas sociais nocontinente europeu. A partir da chamada Primeira RevoluoIndustrial, entre 1760 e 1840, foram introduzidas a mquina a vapor,a mecanizao da produo e as novas tcnicas de metalurgia.A Revoluo Industrial promoveu ainda a substituio da economiabaseada no trabalho manual pela economia baseada na indstria,por exemplo: com a mecanizao da produo txtil, criou a fbricae promoveu intensa urbanizao.

    A industrializao e a urbanizao levaram deterioraodas condies de vida e quebra de laos familiares e comunitrios.As condies de trabalho nas fbricas eram terrveis, incluindo otrabalho de crianas de trs a cinco anos. Em 1833, por exemplo,foi promulgada a primeira lei contra o trabalho infantil na Inglaterra,instituindo que crianas menores de nove anos no poderiamtrabalhar; que entre nove e 18 anos elas no poderiam trabalhar noite; e que menores de 18 anos deveriam ter jornada de trabalholimitada em 12 horas.

    As workhouses foram abolidas oficialmente em 1929, masalgumas persistiram at 1940. medida que comeava a crescer omovimento dos trabalhadores, passava a existir o risco para aproduo de que os trabalhadores se recusassem a trabalhar. Paraesses, os riscos passaram a ser os impostos pelo novo modo deproduo o acidente de trabalho e a doena , que comprometiamsua capacidade de trabalho, nica alternativa de sobrevivncia.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    21Mdulo Especfico

    Diante desse cenrio, ocorrerammudanas significativas na poltica deimportncia dos riscos do novo modelo deproduo, ou seja, a sade dostrabalhadores passou a ser uma questopol t ica importante, tanto pelofortalecimento do movimento operrioorganizado na Europa quanto pela prprianecessidade de manuteno da mo deobra. Por exemplo, na Alemanha unif icada em 1871 foi cr iado porBismarck o primeiro sistema de segurosocial (incluindo sade) em 1883. Esse sistema institua o segurocompulsrio para todos os trabalhadores de fbricas (entre 3 e 4milhes), sem incluso de dependentes.

    O primeiro sistema de proteo social alem englobouaposentadoria, seguro-desemprego e assistncia sade, masincluiu apenas uma parcela da populao. Inicialmente destinadosomente aos trabalhadores das fbricas, gradualmente foiampliando sua cobertura e outras categorias foram sendoincorporadas ao esquema. O seguro era financiado por meio dascontribuies de empregados e empregadores e cobria os riscosdecorrentes de acidente de trabalho, doena e perda da capacidadede trabalho devido idade.

    A popularidade dessa lei entre os trabalhadores alemes fezcom que ela fosse seguida pela Blgica em 1894, pela Noruega em1909 e pelo Reino Unido em 1911. Depois da Primeira GuerraMundial, outros pases introduziram sistemas-tipo seguro social eincorporaram diferentes categorias de trabalhadores.

    Essa nova forma de interveno do Estado, o Seguro Social,estabeleceu um contrato entre as partes e a retirada do carterassistencialista e do estigmada de proteo social, ou seja, era umsistema meritocrtico so protegidos os que merecem, os quecontribuem, os que fazem parte da produo, so direitos sociaisaos que participam da produo.

    Otto von Bismarck (1815-1898)

    Mais importante estadista da Alemanha do scu-

    lo XIX. Lanou as bases do Segundo Imprio, ou 2

    Reich (1871-1918), que levou os pases germnicos

    a conhecer a existncia de um Estado nacional

    nico. Para formar a unidade alem, Bismarck des-

    prezou os recursos do liberalismo poltico, prefe-

    rindo a poltica da fora. Fonte: . Acesso em: 30 jun. 2010.

    Saiba mais

  • 22Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Ainda na dcada de 1920, comearam a ser institudos osprimeiros sistemas desse tipo na Amrica Latina, por necessidadede manuteno das condies bsicas de sade dos trabalhadorese como resposta aos movimentos sindicais que se fortaleciaminfluenciados pela Revoluo Russa. Nesse panorama, surgiu em1923 no Brasil a Lei Eli Chaves, que criou as primeiras caixas porempresas; a primeira destinada aos ferrovirios e a segunda aosmartimos, duas categorias mais mobilizadas e de maior peso naeconomia agrrio-exportadora poca.

    A partir do perodo entre guerras, com a crise da economiade 1929, com a depresso dos anos 30 e com a vitria do socialismona Unio Sovitica e o consequente fortalecimento do papel doplanejamento passou a ser gestado o pano de fundo do qual emergiua terceira forma de interveno estatal.

    Do ponto de vista dos sistemas de sade, ao final da dcadade 1920 a Unio Sovitica havia institudo seu sistema de sade, oprimeiro dir igido a toda a populao e no apenas aostrabalhadores, e que no representava a contrapartida e acontribuio a fundos ou caixas. Esse foi o primeiro exemplo desistema centralizado e controlado pelo Estado a partir doestabelecimento da rede de centros e hospitais que j existia desdeo sculo XIX.

    Ao mesmo tempo, em ambas as guerras houve a necessidadede organizar servios mdicos em larga escala, demonstrando asvantagens dos sistemas de servios integrados e coordenados.

    E foi aps a Segunda GuerraMundial que um conjunto de condieseconmicas, sociais e polticas levaram instituio do Estado de Bem-Estar Social:o crescimento da produo, aindustr ial izao em massa, o plenoemprego, a maior homogeneidade social,as ideias keynesianas de intervenopblica, a ampliao e o aprofundamentodas instituies democrticas e a influnciadas ideias socialistas.

    John Maynard Keynes (1883-1946)

    Economista britnico, defendia uma polt ica

    econmica de Estado intervencionista atravs

    da qual os governos usassem medidas fiscais

    e monetrias para mitigar os efeitos adversos

    dos ciclos econmicos, tais como os perodos

    de recesso, depresso ou boons. Suas ideias

    influenciaram enormemente a macroeconomia

    moderna. Fonte: Elaborado pelos autores.

    Saiba mais

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    23Mdulo Especfico

    A concepo de Seguro Social foi substituda pela deSeguridade Social, cujo alvo era a cidadania. O marco dessa novafase foi o relatrio Beveridge apresentado ao parlamento ingls em1942 e aprovado em 1946, norteado por dois princpios bsicos:

    a unidade unificao de todas as instncias de gestoda proteo social, homogeneizando os benefcios e auniversalidade; e

    a cobertura para todos os indivduos.Foi nesse novo cenrio que o direito sade foi incorporado

    noo dos direitos de cidadania sobre os quais se reconstruiriam associedades europeias no bojo de polticas econmicas e sociais comforte interveno do Estado como provedor e financiador de servios.No contexto desse novo padro de interveno estatal, nasceram ossistemas nacionais de sade universais e gratuitos ocidentais.O primeiro sistema a ser criado foi obritnico National Health Service(NHS), em 1948, no mbito do Plano Beveridge. Outros pases europeusseguiram esse caminho, como os pases nrdicos.

    Ao longo dos anos que seguiram Segunda Guerra Mundial,praticamente todos os pases desenvolvidos realizaram reforma emseus sistemas de proteo social, inclusive os que mantiveram oseguro social, caminhando para sistemas pblicos estatais ouregulados pelo Estado para a garantia de amplos direitos sociais atodos os cidados (Estado de Bem-Estar Social), ainda que osbenefcios variassem de pas para pas.

    Desde ento, os sistemas de seguro social dos paseseuropeus vm ampliando a cobertura de modo a garanti-lapraticamente a toda a sua populao, ampliando a incorporao eaproximando a universalidade. Outros pases europeus, como aEspanha e a Itlia, fizeram mais recentemente a transio desistemas de seguro social para sistemas nacionais de sade deforma semelhante ao ocorrido no caso brasileiro.

    A maior parte dos pases desenvolvidos garante acesso saes e aos servios de sade a todos ou a praticamente todos osseus cidados, seja por meio de sistemas nacionais de sade ou de

  • 24Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    seguro social. A exceo notria a dos Estados Unidos, que noadotaram um sistema pblico de sade e mantiveram seu sistema desade privado, cujo acesso determinado pela possibilidade depagamento de seguro privado, em geral pela empresa empregadora,ao lado de programas pblicos dirigidos a alguns grupos os idosose os muito pobres e de alguns servios pblicos de acesso universal.

    No caso americano, desde o incio sculo XX, indstrias eempresas maiores comearam a contratar servios mdicos para seustrabalhadores, enquanto o Estado passara a se responsabilizar pelasaes de sade coletiva, inicialmente o controle de epidemias e,posteriormente, o tratamento dos portadores de doenas transmissveis.

    As associaes de mdicos e hospitais passaram ento a oferecerplanos de ateno mdica ou hospitalar, sendo contratados porempresas, sindicatos e associaes de consumidores. Embora at adcada de 1930 essas aes no tenham se desenvolvidosignificativamente, com a grande depresso dos anos de 1930 houve areduo de doaes e do poder aquisitivo do trabalhador, dando impulsoao crescimento dos planos de pagamento de taxa fixa anual, per capita,inicialmente no setor hospitalar e posteriormente no ambulatorial.

    Voc sabe como eram esses planos nos anos 1930? Quem os

    oferecia? Quem tinha direito a eles?

    Os primeiros planos foram desenvolvidos por associaesde hospitais e de mdicos que, ao serem rapidamente copiados eadaptados, contriburam para a expanso e a consolidao dasinstituies mdicas, requerendo arranjos financeiros maissofisticados.

    Foi somente ao final da Segunda Guerra Mundial que asinstituies financeiras seguradoras passaram a oferecer planos dereembolso dos gastos em ateno mdica e hospitalar diferenciadospelo valor do prmio. No incio da dcada de 1950 as empresasseguradoras j ultrapassavam as empresas mdicas em nmero desegurados, configurando poca cerca de dois teros da populao

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    25Mdulo Especfico

    americana j coberta por algum tipo de seguro, em especialcategorias com maior poder de presso.

    A intensificao dessa discusso ocorreu nos anos 1960, nogoverno de Kennedy, chegando a acenar com uma reforma baseadaem seguro-sade obrigatrio e embora a proposta de um sistemapblico de sade nunca tenha sido vitoriosa nos Estados Unidos,em 1965 foram aprovados dois programas pblicos, resultantes deum mix de propostas:

    Medicaid : programa de responsabi l idade efinanciamento estadual, com repasses federais deacordo com o nvel de pobreza do Estado e destinado populao de baixa renda (comprovada).

    Medicare: programa de responsabilidade do governofederal e de definio nacional, com cobertura mdico-hospitalar para aposentados acima de 65 anos e seusdependentes, e de pacientes renais crnicos terminais.

    Desse modo, aqueles que no se qualificavam aos programaspblicos por no serem suficientemente idosos ou suficientementepobres e por no disporem de seguro, seja por desemprego ou portrabalharem em empresas menores, ficavam sem acesso a umaampla gama de servios de sade, o que totalizou, na poca, maisde 40 milhes de pessoas.

  • 26Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    TIPOLOGIA DE SISTEMAS DE SADE

    Como vimos, as trs formas de interveno do Estado narea social assistncia social, seguro social e seguridade social correspondem a diferentes respostas dadas em cada sociedade squestes: a quem proteger? Como proteger?

    A concepo de proteo social adotada implicou, portanto,uma resposta muito especfica: cada pas ou sociedade determinacomo garantir ou no que seus cidados tenham acesso acuidados e servios de sade. Em alguns casos, so pblicos egratuitos para toda a populao; em outros casos, depende de umseguro social, organizado por categorias de trabalhadores ou emfundo nico para toda a populao trabalhadora, podendo existirgrupos cobertos atendidos de forma diferente. Ou ainda, o acessopode depender da disposio ou disponibilidade do cidado empagar diretamente mdicos, hospitais ou um plano de sade.

    Com relao organizao da oferta de servios, existemtambm diferentes combinaes: desde servios exclusivamentepblicos a combinaes pblico-privadas, em diferentes medidas ecom diferentes graus de articulao institucional e/ou funcional.

    Como mencionamos, ainda que seja possvel classificarmosos sistemas de sade em tipologias de acordo com algumasdimenses e caractersticas centrais, cada sistema de sade nico,fruto da histria, das lutas, dos pactos estabelecidos em cadasociedade e fundamentalmente o reflexo e a representao deseus valores de como uma determinada sociedade considera avida e os direitos de seus membros.

    Para a classificao dos diferentes sistemas de sade emsistemas-tipo, vrias dimenses so selecionadas e consideradas

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    27Mdulo Especfico

    em seu conjunto. A tipologia clssica identifica trs tipos de sistemasde sade:

    sistema pblico de acesso universal; sistema pblico de seguro social; e sistema privado.

    E fundamentalmente necessrio considerarmos nessaclassificao o reflexo e a representao de valores de acordo coma forma com que uma determinada sociedade considera a vida eos direitos de seus membros.

    A seguir, vamos conhecer em detalhes cada sistema-tipo

    de sade.

    SISTEMA PBLICO DE ACESSO UNIVERSAL

    O financiamento pblico, realizado por meio detributos pagos pela populao e coletados pelo Estado,que podem ser diretos ou indiretos, nacionais ou locais,com destinao previamente definida ou no.

    A organizao/administrao do sistema pblica, realizada diretamente pelo Estado, em nvelcentral ou provincial.

    O acesso a cidadania/moradia, portanto possibilitaa cobertura universal.

    A proviso de servios exclusivamente pblicaou por meio de um mix pblico-privado gerenciadopelo Estado. Quando a proviso exclusivamentepblica, a forma mais comum de pagamento aosservios a alocao de oramentos globais. Em

  • 28Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    pases que adotaram a separao das funes definanciamento e de proviso introduzindo esquemasde contratualizao, a alocao de recursos passou aser relacionada a metas de produo.

    Exemplos de pases que adotaram o sistema deproviso exclusivamente ou quase exclusivamentepblico: Inglaterra, Sucia, Noruega, Finlndia.Exemplos de pases que adotaram o sistema deproviso por meio de um mix pblico-privado:Espanha, Itlia, Portugal.

    SISTEMAS DE SEGURO SOCIAL

    O financiamento compulsrio, realizado por meiode contribuio sobre as folhas de pagamento dasempresas e vinculado ao salrio dos empregados.

    A organizao do sistema pblica ou semipblica,realizada por meio de fundo nico ou mltiplo e fundode escolha livre ou no.

    O acesso o benefcio como contrapartida aopagamento da contribuio. Nos pases de renda altade seguro social, a cobertura foi ampliada ataproximar-se da cobertura universal.

    A proviso de servios pode ser pblica ou um mixpblico-privado. O componente pblico pode ser pagopor oramentos globais ou por produo e ocomponente privado contratado e, em geral, pagopor produo.

    Exemplos de pases que adotaram esse sistema:Alemanha, Blgica, Frana, Holanda, ustria.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    29Mdulo Especfico

    SISTEMAS PRIVADOS

    O financiamento privado, realizado por meio depagamento direto ao provedor ou por meio de seguroprivado voluntrio. Em geral, nesses sistemas hprogramas de financiamento pblico dirigidos a gruposde pessoas especficos (pobres ou idosos).

    O acesso definido pela capacidade de pagamento epor programas pblicos especficos, de acordo comcritrios especficos.

    A organizao do sistema possui coberturarealizada por diferentes tipos/arranjos de segurosprivados, com setor pblico fragmentado e recortadopor programas.

    A prestao de servios realizada principalmentepelo setor privado; nos programas com componentemdico-assistencial, o Estado contrata o setor privado,principalmente.

    Embora seja possvel identificarmos os trs sistemas-tipo, naprtica a maior parte dos pases apresenta um tipo dominante ealgum componente dos outros tipos, de forma minoritria ou residual.Uma quarta classificao a de sistemas segmentados, em queconvivem diferentes tipos de organizao de servios destinados adiferentes clientelas, como era o caso do Brasil antes da instituiodo SUS, e da maior parte dos sistemas Latino-Americanos.

    Ao longo da dcada de 1990, tanto os sistemas nacionaisde sade quanto os sistemas de seguro social iniciaram processosde reformas que introduziram medidas que os levaram a algum graude aproximao entre si.

    vPara conhecer como cadapas desenvolveu eorganizou seu sistema desade, voc pode

    consultar o site do

    Observatrio Europeu de

    Sistemas e Polticas de

    Sade, disponvel em:

    .

  • 30Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    SISTEMAS DE SADE EORGANIZAO DE SERVIOS

    As diferenas encontradas entre os sistemas-tipo de sadeno que diz respeito sua concepo bsica e ao seu financiamentorefletem-se tambm nos arranjos para a organizao da provisoda ateno. Nas formas iniciais do seguro social, do mesmo modocomo j acontecia nos esquemas organizados autonomamente portrabalhadores, eram realizados contratos entre os fundos/caixas eos provedores de servios de sade, fossem eles provedoresindividuais como os mdicos ou institucionais, como os hospitais,as clnicas ou os laboratrios.

    Em sua primeira fase, o componente sade dos seguros sociaisno era muito importante. Porm, com o desenvolvimento tecnolgicoocorrido a partir da Segunda Guerra Mundial; e especialmente apartir da dcada de 1970, a oferta, a utilizao e o gasto em aes eservios de sade cresceram de forma exponencial, colocando-se nocentro da discusso acerca da reforma desses sistemas.

    medida que a oferta de servios de sade ganhourelevncia, os sistemas de seguro social passaram a dispor de seusprprios servios ambulatoriais e hospitalares. E, alm dessesservios, em maior ou menor medida, dependendo do caso,continuaram mantendo contratos com provedores filantrpicos eprivados ou com hospitais pblicos, como na Alemanha.

    Nos sistemas de seguro social, a proviso de servios feitapor um mix de servios pblicos e de servios privados contratadospelo(s) fundos(s), em geral, pagos por produo. No caso alemo,o cuidado ambulatorial realizado em consultrios de todas asespecialidades, e os generalistas ou clnicos gerais no exercem a

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    31Mdulo Especfico

    funo de controle do acesso aos outros nveis do sistema por meiode mecanismos de referncia.

    O acesso a esses servios, em geral, se d por livreescolha do segurado, inclusive para nveis de maiordensidade (complexidade) tecnolgica.

    Sendo assim, podemos afirmar que os sistemas de segurosocial tm menor controle do acesso aos nveis de maiorcomplexidade, correspondendo a um grau de escolha do usurio muitomaior do que o realizado nas redes hierarquizadas tradicionais.Por outro lado, eles incorporam mais tecnologia e apresentam maioresgastos em sade, resultando, ao mesmo tempo, em um sistema muitomais fragmentado do que o das redes dos sistemas nacionais de sade,o que dificulta a continuidade do cuidado.

    No caso americano, o grau de fragmentao encontrado naoferta de servios e na prestao do cuidado ainda muito maior.A proviso realizada por diferentes tipos/arranjos de seguros privadose por um setor pblico fragmentado e recortado por programas.Os Estados contam com grande autonomia para o desenvolvimentode seus programas, como o caso do Medicaid, assim como osdecounties (municipalidades), de economia mais slida.

    Todo esse cenrio contribui para ressaltar as grandesdisparidades que encontramos entre Estados e municpios na ofertae no acesso a aes e servios pblicos de sade. No entanto,considerando que o setor privado o principal prestador de serviose contratado pelo Estado para o cumprimento do componentemdico-assistencial dos programas pblicos, a relao entre ousurio e o prestador de servio acaba sendo mediada por umterceiro pagador, seja ele o Estado ou um plano de sade, o quepossibilitou a expanso lucrativa do segmento privado.

    Esse segmento privado composto de instituies de naturezadiversa, organizadas e inter-relacionadas por uma gama de arranjosadministrativos e financeiros. O segmento no lucrativo, composto

  • 32Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    pelas instituies mais antigas das antigas instituies de caridade,vm passando por um processo recente de transformao parainstituies lucrativas (como as do segmento privado), que vm setransformando em cadeias prestadoras de servios, organizadas pormeio de processos de integrao horizontal e vertical.

    No caso dos sistemas universais, como discutiremos a seguir,a organizao de servios baseada em redes relacionadas apopulaes de abrangncia que ocupam um dado territrio.

    ORIGEM DO CONCEITO DE REDES

    O conceito de redes de servios no novo. Quando dasdiscusses iniciais acerca da constituio deum sistema que cobrisse toda a populaobritnica, o primeiro-ministro da Sade daquelepas nomeou uma comisso com a incumbnciade def ini r esquemas para a coberturasistematizada de servios mdico-hospitalarespara a populao de uma dada rea(WEBSTER, 2002).

    Essa comisso, coordenada por Lord Dawson, elaborou aprimeira proposta para um modelo de redes de servios de sade,apresentada no Relatrio Dawson em 1920. Pela primeira vez, foiproposta a definio de bases territoriais e de populaes-alvo, ou seja,de regies de sade. Essas populaes seriam atendidas por unidadesde diferentes perfis assistenciais, organizadas de forma hierrquica.

    Diante dessa realidade, foi proposto que a porta de entradano sistema se daria por meio de um centro de sade, que empregariaos general practitioners (GP)*. Esses centros de sade,localizados em vilas, estariam ligados a um centro de sade maiscomplexo, j denominado secundrio, e os casos que no pudessemser resolvidos nesses centros seriam direcionados aos hospitais no modelo proposto, aos hospitais de ensino.

    *General practitioners

    mdicos generalistas in-

    gleses que j clinicavam

    de forma autnoma. Sua

    funo era a de definir a

    forma como o paciente

    caminharia pelo siste-

    ma, o que lhes rendeu o

    nome de gate-keeper

    literalmente o porteiro,

    aquele que toma conta

    da porta. Fonte: Elabora-

    do pelos autores.

    Lord Dawson

    Dr. Bertrand Dawson foi mdico da

    Faml ia Real Britnica e membro do

    Conselho Consultivo do Ministrio

    da Sade do Reino Unido. Fonte: Ela-

    borado pelos autores.

    Saiba mais

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    33Mdulo Especfico

    CIDADE

    VILA

    VILA

    = Centros de sade

    = Servios complementares

    = Centros de sade secundrios

    = Hospital de ensino

    = Servio domiciliar

    Esses conceitos porta de entrada, regies, nveis decomplexidade , que acabamos de utilizar e discutir, j estavamdelimitados e claramente definidos no relatrio de 1920. A Figura 1,a seguir, marcadamente semelhante aos modelos que so utilizadosat hoje para ilustrar os conceitos de redes de servios de sade.

    Figura 1: Diagrama de DawsonFonte:

    A proposta do Relatrio Dawson, embora solicitada pelogoverno, no foi implementada na poca, sendo o sistema de sadebritnico criado apenas 28 anos depois, em 1948, aps o fim daSegunda Guerra Mundial. Mas antes da criao do sistemabritnico, a Unio Sovitica j havia institudo o primeiro sistemapblico universal a partir de fins da dcada de 1920.

    O sistema-tipo sovitico foi tambm implantado nos demaispases do bloco socialista, como Cuba; e nos pases europeus que

  • 34Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    passaram a compor esse bloco aps a Segunda Guerra Mundial,como a Polnia e a Hungria, ficando conhecido como sistema detipo Semashko denominao derivada de NA Semashko (primeirocomissrio do povo para a sade da Unio Sovitica). Caracterizadocomo um sistema pblico financiado diretamente pelo Estado,centralizado e com alto grau de normatizao, como todos os sistemasuniversais, foi estruturado em redes hierarquizadas e regionalizadasde servios e gerido pelos diferentes nveis da administrao estatal central, regional e local a partir de uma estrutura vertical e comresponsabilidades bem delimitadas. Um exemplo de sistema desse tipo,extremamente bem sucedido, o sistema cubano.

    Em 1942, quando o Relatrio Beveridge foi encaminhado discusso do parlamento britnico, a proposta inicial seguia ummodelo semelhante ao proposto por Dawson, incluindo a construode centros de sade nos quais os generalistas (GPs) trabalhariamsob gesto do governo local. No entanto, houve grande oposiodos mdicos, tanto por especialistas como por generalistas cadagrupo com sua representao , que temiam a perda da autonomiaprofissional e no aceitavam a gesto local. Em plebiscito, osmdicos se recusaram a participar do novo sistema.

    Ao final de um longo processo de negociao, o sistema foi criadosob responsabilidade e gesto do governo central eos mdicos generalistas foram incorporados comomdicos independentes, contratados pelo Estado,com dedicao exclusiva no lhes era permitidaa prtica privada sendo responsveis peloprimeiro nvel de ateno e pela porta de entrada.

    Esse modelo, que nasceu das condiesespecficas de implantao do sistema britnico,acabou sendo um modelo seguido por diversospases em outros contextos, inclusive sendo adotadopelos planos de sade privados inicialmente nosEstados Unidos nas formas de ateno conhecidaspelo nome geral de cuidado gerenciado(managedcare).

    vTodos os mdicos seriam

    contratados pelo Estado

    e trabalhariam em

    centros de sade e

    hospitais.

    Ateno

    Aqui temos os responsveis pela aten-

    o integral, compreendida como cuida-

    do preventivo, ateno a episdios agu-

    dos e acompanhamento de casos crni-

    cos. Em alguns sistemas de sade

    o primeiro nvel constitudo de

    generalistas contratados, a exemplo do

    modelo ingls; em outros, de generalistas

    ou clnicos, pediatras e ginecologistas tra-

    balhando em centros de sade. Fonte:

    Elaborado pelos autores.

    Saiba mais

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    35Mdulo Especfico

    Os especialistas foram incorporados ao sistema como mdicosassalariados, trabalhando em hospitais onde se localizava toda aateno secundria, inclusive ambulatrio de especialidades ,mas com grande controle sobre suas condies de trabalho, podendotambm manter a prtica privada.

    Voc pode estar se perguntando: mas o que aconteceu com

    os hospitais que existiam na poca?

    Tanto os grandes hospitais universitrios quanto os pequenoshospitais comunitrios foram todos passados propriedade e gestodo governo central, pois a organizao funcional da rede era a mesmaproposta por Dawson e j adotada pelo modelo sovitico.

    A partir do cuidado realizado pelo generalista no primeiro nvelde ateno, caso esse considerasse necessrio e apenas nessescasos , o paciente seria encaminhado ao atendimento especializadoambulatorial e desse para o atendimento hospitalar em geral, parao hospital distrital e desse para o hospital regional, quando necessrio.

    A ampliao da cobertura do primeiro nvel de atenoocorreu a partir dos generalistas, que garantem at hoje literalmente100% de cobertura da populao. No caso ingls, os generalistasso pagos por capitao*, ou seja, no pela produo de consultas,mas pela responsabilidade pelo cuidado.

    de fundamental importncia, na concepo de uma rede,que todos os casos de responsabilidade pelo paciente sejam doprimeiro nvel de ateno. No bem o que conhecemos comoreferncia e contrarreferncia. mais! Significa que nesse nvelque se estabelece o vnculo entre o cidado e o servio de sade.O paciente encaminhado a exames ou referenciado a outros nveisdo sistema, mas continua vinculado ao generalista, que pode seracionado a qualquer momento pelo paciente. Ademais, o primeironvel responsvel pela ateno integral, compreendida como ocuidado preventivo, a ateno a episdios agudos e oacompanhamento de casos crnicos.

    *Capitao forma de re-

    munerao bastante uti-

    lizada para a ateno de

    primeiro nvel, paga ao

    mdico pelo paciente

    inscrito em sua lista, in-

    dependentemente do

    nmero de consultas re-

    alizadas. Fonte: Elabora-

    do pelos autores.

  • 36Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Essa , portanto, a origem dos conceitos de rede quediscutimos como base para a construo de sistemas universais.Essa origem caracterstica, em sua concepo bsica, dos sistemasnacionais de sade e das sociedades que tm por base oentendimento de que as polticas e os servios sociais so direitosdo cidado, portanto para todos e sem diferenciao um sistemauniversal e equitativo. Na maior parte dos casos, a proviso dosservios feita quase que exclusivamente por servios pblicos.

    Esse modelo, o mais clssico dos modelos de redes deservios de sade, foi seguido, em sua concepo bsica deorganizao funcional, por todos os pases que construram sistemasnicos de sade e at hoje o preconizado pela OMS.

    O fato desses pases mantido a concepo bsica nosignifica que a definio das caractersticas escopo das atividadese das escalas dos servios em cada nvel da rede seja a mesmaem todos os casos, apesar de em todos os casos, no entanto, algica de acesso aos demais nveis do sistema apenas acorra comreferncia ao primeiro nvel. Logo, no por acaso que nos sistemasde sade do tipo universal os servios sejam organizados em redesregionalizadas e hierarquizadas pela importncia de haver relaointrnseca entre a proposta de universalizao e equidade e aconstituio de redes.

    NOVAS FORMAS DE ORGANIZAO: AS MUDANASINTRODUZIDAS PELAS REFORMAS DOS ANOS 1990

    A partir do final dos anos de 1980 e principalmente nadcada de 1990, os sistemas de sade passaram por processos dereforma em vrios pases. Iniciada nos pases centrais, a agendade reformas foi impulsionada, por um lado, pela crise econmica epela necessidade de controlar o gasto em sade, que vinhacrescendo exponencialmente com o envelhecimento das populaes

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    37Mdulo Especfico

    e o desenvolvimento tecnolgico. Por outro lado, pelo questionamentoaos sistemas pblicos de sade, o que contribuiu para sua inseroem um movimento mais amplo de reforma do prprio Estado, quequestionou no apenas o papel da interveno estatal na proviso deservios como a prpria noo de sade como direito de cidadania.

    Ao mesmo tempo, os sistemas nacionais de sadeefetivamente apresentavam problemas de eficincia, qualidade,restrio de escolha, financiamento, envelhecimento populacional,alm de dilemas relativos incorporao de novas tecnologias.O grande mecanismo de regulao de acesso aosservios ao longo da rede, a partir do primeironvel, era a lista de espera, tanto para consultasambulatoriais especializadas como para asinternaes cirrgicas eletivas. Era poca eainda comum hoje que o cidado espere porcirurgias para hrnias, veias varicosas,histerectomia, catarata, amigdalectomia,adenoidectomia, principalmente.

    Mas se a sade um direito de todos, por que o cidado

    precisa esperar? Por que temos, no caso brasileiro, grandes

    listas de espera?

    Dentre as principais causas do estrangulamento de acessoao sistema de sade, podemos apontar: a falta de financiamento, am distribuio de leitos, a ineficincia na utilizao dos recursos,o dficit de recursos humanos (mdicos e enfermeiras) e o duplovnculo dos especialistas.

    Em 1979, quando Margaret Thatcher foi eleita Primeira-Minis t ra no Reino Unido com um programa de reformaeconmica e social radical, baseado na diminuio do gastopblico e do envolvimento estatal na economia, foi dado incioa um amplo programa de privatizaes. No caso do NHS, apoltica inicial ficou restrita contratao de servios gerais

    Lista de espera

    Essa lista objetivava organizar, por meio

    de critrios pr-definidos, a transparn-

    cia no atendimento do cidado. No NHS

    ingls, as listas de esperas sempre fo-

    ram um problema particularmente impor-

    tante. Fonte: Elaborado pelos autores.

    Saiba mais

  • 38Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    (lavanderia, nutrio e limpeza) e pouco foi substancialmentemudado durante a primeira dcada. As propostas de mudananos mecanismos de f inanciamento, em di reo maiorpar t ic ipao do f inanc iamento pr ivado, t iveram de serabandonadas diante da desaprovao popular.

    Mas as propostas no pararam por a. Em 1989 foramapresentadas as propostas de reformas que seriam adotadas em1991 e que configuraram a mais profunda reforma do NHS nahistria do Reino Unido, sendo discutidas em todo o mundo eadotadas em outros pases. A estratgia fundamental foi a de tentarinstituir mecanismos de mercado, como a competio entre osdiversos servios, com intuito de fomentar a eficincia, a melhoriada qualidade e proporcionar maior escolha aos cidados.

    Nesse cenrio, por meio da separao das funes definanciamento e de proviso, foi criado o mercado interno queinstituiu certo grau de flexibilizao administrativa em unidadespblicas com a transformao de hospitais em trusts* autnomos.Esses trusts no seriam mais financiados por oramentao direta,mas competiriam pelos contratos de prestao de servios com osgestores regionais, com pagamento por produo. Ao mesmo tempo,foi institudo um esquema que envolveu parte dos GPs no recebimentode oramento para compra de servios para seus pacientes.

    A partir das primeiras avaliaes de resultados da estratgiade criao do mercado interno, foi observado que efetivamente apartir dessa ao houve a melhora da eficincia na produohospitalar, aumentando o nmero de internaes e diminuindo aociosidade testemunhada em muitos servios.

    No entanto, assim como surgiram resultados positivostambm surgiram alguns problemas, como a introduo de mltiploscompradores que levou fragmentao do sistema; e embora oshospitais tenham se tornado mais produtivos, eles tiveram de sereorganizar para realizar os procedimentos mais lucrativos de acordocom as novas formas de pagamento, em detrimento do tratamentode problemas mais complexos e/ou pacientes mais doentes.

    Os hospitais mais complexos e de ensino passaram a terenormes dficits, j que no poderiam mais ser mantidos apenas

    *Trusts fundaes aut-

    nomas e independentes

    do NHS. Fonte: Elaborado

    pelos autores.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    39Mdulo Especfico

    com os contratos que costumavam obter, desse modo, para queno quebrassem, foi necessria uma suplementao oramentriaque garantisse sua sobrevivncia.

    Um problema adicional foi o gerado pelo esquema dos GPsque compravam servios. Seus pacientes efetivamente passaram ater mais acesso a servios de nvel secundrio, quando comparadosaos pacientes dos GPs que no integravam o esquema. Issoestabeleceu duas classes de pacientes, ferindo o princpio de equidade,o que resultou em algo inaceitvel para a populao inglesa.

    Por fim, foi observado tambm que os ganhos de eficinciaestavam sendo parcialmente contrabalanados pelo aumento dos custosadministrativos do novo modelo, que se tornavam cada vez mais altos.

    Diante desse cenrio, o Partido Trabalhista brasileiro, pocade oposio ao governo vigente, combateu o mercado internodurante toda aquela dcada, corroborando para tal o fato de aproposta do NHS ter sido uma das principais questes em discussona eleio brasileira de 1997, quando a oposio venceu. Emboratenha sido mantida a separao entre financiamento e proviso, oobjetivo deixou de ser a competio e passou a ser a parceria e acolaborao, com nfase no planejamento, para a definio deprioridades segundo as necessidades de sade e o aperfeioamentoda elaborao de contratos.

    Foi ento instituda nova nfase ao monitoramento daperformance dos servios, desenvolvendo indicadores para cada reade atuao, estabelecendo metas e tornando pblicos os resultadosde todos os servios. Foi tambm criado o Instituto Nacional deExcelncia Clnica (NICE), com o objetivo de coletar evidnciasacerca da melhor prtica clnica e dissemin-la pelo NHS.

    At agora falamos sobre a evoluo dos sistemas nacionais

    de sade e dos sistemas de seguro social. Mas quais eram

    seus objetivos?

  • 40Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Nos sistemas de seguro social, inclusive na Alemanha, osobjetivos centrais da reforma foram o de conter o gasto em sade eo de tentar minorar a fragmentao e a descontinuidade do cuidado.

    O caso alemo, detentor do maior gasto em sade entre ospases europeus, desde 1977 vem introduzindo vrias mudanasno sistema de sade objetivando a conteno de custos. Foramestabelecidos tetos e controles oramentrios para serviosambulatoriais e medicamentos, e foi modificada a forma depagamento dos servios de internaes hospitalares que limitava opagamento por dirias, introduzindo ento o pagamento porDiagnosis Related Groupss* (DRGs).

    H algum tempo vem sendo tentada tambm, ainda que comgrande dificuldade, a instituio do papel de gate-keeper, com oobjetivo de regular o fluxo dos pacientes ao longo do sistema.Mas somente a partir de 2000 que algumas medidas nessa direopuderam ser introduzidas, por exemplo, a obrigatoriedade de ofertapelos fundos/caixas de modelos com gate-keepers, a instituio deavaliao tecnolgica para incluso/excluso de tecnologia nopacote de benefcios dos fundos e a introduo de algunscopagamentos (taxa de 10 euros pelo primeiro contato com o mdicoa cada trs meses e de toda consulta no referenciada, e 10 eurospor dia de internao).

    Assim, podemos afirmar que at hoje os NHS buscam novasestratgias de fortalecimento da articulao entre os vrios nveisdo sistema, aproximando-se das formas organizacionaistradicionalmente adotadas. Contudo, somente a partir dos anos de2000 que algumas novas formas de articulao entre os servioscomearam a ser testadas a partir de rearranjos institucionais, tantonos sistemas nacionais como nos de seguro social. No Reino Unido,o desenvolvimento das redes clnicas para o tratamento de pacientescrnicos comeou na Esccia, sendo inicialmente dirigida aotratamento de cncer e mais recentemente proposta para otratamento da doena renal crnica.

    Em suas propostas para o desenvolvimento da polticanacional de ateno aos pacientes crnicos, o NHS prope quefuturamente a contratualizao de servios para o tratamento seja

    *Diagnosis Related

    Groupss tipo de paga-

    mento por casos, com-

    posto por grupos de do-

    enas. Fonte: Elaborado

    pelos autores.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    41Mdulo Especfico

    *Network profissionais

    que trabalham nos diver-

    sos nveis de ateno do

    sistema, por organiza-

    es representativas de

    pacientes e suas famlias

    e por sociedades de espe-

    cialistas, que passam

    a trabalhar articulada-

    mente, desenvolvendo

    protocolos clnicos e me-

    canismos prprios de arti-

    culao das prticas, que

    perpassam todos os servi-

    os envolvidos. Fonte: Ela-

    borado pelos autores.

    feita com networks*, configurando na prtica um novo ente quese responsabilizaria pelo cuidado integral.

    No caso americano, recentemente o Governo Obama, diantedo paradoxo representado pelo expressivo crescimentoconcomitante de seus gastos (US$2.2 trilhes ou 16,2% do PIB) ede uma expressiva populao descoberta (45 milhes de pessoasabaixo de 65 anos estavam descobertas de servios de sade em2007), props uma reforma fundamentada em uma proposta deuniversalizao da cobertura de servios de sade. A esse quadrode caractersticas indesejveis, provocado em boa parte pelo graude concentrao do mercado de asseguradoras, soma-se ainda aampliao da carga sobre os programas pblicos (US$ 410 bilhes MEDICARE e US$ 319 bilhes em 2007), o crescimentodesproporcional dos prmios (bem acima da inflao e dorendimento do trabalhador), a reduo da capacidade deasseguramento empresarial, a elevada desigualdade na distribuiodos gastos entre as parcelas da populao, a crescentevulnerabilidade principalmente de grupos especiais da populao(negros, latinos, imigrantes etc.), entre outros.

    Considerando esse contexto, outro fator que merece nossodestaque o American Health Security Act de 2009, que teve comoobjetivos prover ateno para todos os americanos, controlar oscustos e ampliar a qualidade do sistema de sade. Entre outrospontos, props a edio de um seguro pblico opcional comoestratgia para reduzir o preo dos prmios dos seguros; a formaode um fundo constitudo de contribuies empresariais e dostrabalhadores, de impostos gerais e de outros recursos pblicos; aobrigatoriedade das empresas proverem asseguramento para todosos seus trabalhadores; e a iseno de pagamento de prmios ecopagamentos para pessoas na faixa de 100% a 200% da linhafederal da pobreza. O projeto, que se encontra em debate noCongresso, j passou por diversas rodadas de emendas e temprovocado divergncias entre diversos atores da sociedadeamericana, sendo considerada a proposta mais significativa dereforma do sistema de sade americano. v

    A proposta tem

    provocado a resistncia

    do partido conservador,

    das grandes seguradoras,

    de parte da mdia e dos

    setores conservadores da

    sociedade americana,

    porm h receptividade

    de consumidores e da

    Associao Mdica

    Americana.

  • 42Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Complementando......Para aprofundar seus conhecimentos sobre proteo social, faa a leiturado texto:

    Em torno do conceito de poltica social: notas introdutrias de MariaLucia Teixeira Werneck Vianna.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    43Mdulo Especfico

    ResumindoNesta primeira Unidade, trouxemos para voc um bre-

    ve histrico da gnese dos sistemas de sade, com especial

    referncia aos casos alemo, britnico e norte-americano e

    sua insero nas diferentes modalidades de proteo social.

    Buscamos ainda ampliar o seu conhecimento acerca

    da tipologia de sistemas de sade; dos modelos de organi-

    zao de servios nos sistemas-tipo, com nfase na organi-

    zao em redes; e as principais modificaes introduzidas

    no sistema de sade britnico, por meio das reformas reali-

    zadas a partir do incio de 1990.

    Por fim, fizemos algumas consideraes acerca dos

    sistemas de seguro social , enfatizando seu objetivo

    principal que est concentrado na diminuio de gastos

    em sade e na minimizao da fragmentao e da

    descontinuidade do cuidado.

  • 44Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    Atividades de aprendizagemPara verificar como foi sua aprendizagem nesta Unidadeprocure responder as atividades a seguir. Em caso de dvida,faa uma releitura atenciosa e, se necessrio, consulte oseu tutor.

    1. Leia atentamente o texto Anos 20 A Questo Social. A era Vargas que

    faz parte de um dos mdulos da seo Navegando na Histria, elabora-

    dos pelo Centro de Pesquisa e Documentao de Histria Contempor-

    nea (CPDOC) da Fundao Getlio Vargas, disponvel no site

    , e correlacione-o com a discusso apresentada no

    item Sistemas de sade e sistemas de proteo social, desta Unidade.

    2. Leia o texto Denuncia o sistema mdico americano em SOS sade

    de Michael Moore, disponvel no Ambiente Virtual de Ensino-

    Aprendizagem (AVEA), publicado no Jornal O Globo que traz um

    relato acerca do filme realizado pelo cineasta americano Michael

    Moore sobre o sistema de sade americano. Observe os exemplos

    utilizados no filme para a comparao de sistemas Estados Uni-

    dos, Frana e Inglaterra e relacione as concepes de proteo

    social e a tipologia de sistemas de sade que esses pases utilizam.

    3. Leia com ateno o texto Reforma(s) e Estruturao do Sistema de

    Sade Britnico: lies para o SUS, disponvel no AVEA, que apre-

    senta em detalhe as reformas do sistema britnico e traa parale-

    los com o SUS. Aps a leitura, destaque os principais paralelos

    entre esses dois sistemas.

    4. Leia atentamente o texto Antecedentes do SUS, elaborado pelo

    Conass, disponvel no AVEA, e destaque quais so os grandes de-

    safios consolidao do SUS, de acordo com os princpios e estra-

    tgias definidos pela Constituio de 1988.

  • Unidade 1 Sistemas de Sade e Organizao de Servios

    45Mdulo Especfico

    UNIDADE 2

    OBJETIVOS ESPECFICOS DE APRENDIZAGEM

    Ao finalizar esta Unidade, voc dever ser capaz de: Discutir os conceitos de regies/territrios e nveis de

    complexidade/densidade tecnolgica; Apontar os passos necessrios organizao de linhas de

    cuidado; Identificar a necessidade de mecanismos especficos de

    articulao entre os nveis de complexidade/densidadetecnolgica; e

    Compreender a correlao entre o planejamento e osmecanismos de gesto de redes.

    A ORGANIZAO DE REDESDE ATENO SADE

  • 46Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    47Mdulo Especfico

    INTRODUO

    Caro estudante,Nesta Unidade, veremos cada um dos componentes daorganizao de redes, tambm chamados de perfis oufunes, e compreenderemos como devem ser articuladospara compor um todo funcional de forma a garantirprincpios como a universalidade, a equidade e aintegralidade.Voc ver tambm que para que esse funcionamento ocorrade maneira satisfatria fundamental que haja a presenade algumas estratgias de coordenao e que osinvestimentos em unidades, equipamentos e contrataode pessoas sejam realizados a partir de uma perspectiva deracionalidade sistmica regional.Faa a leitura atenciosa desta Unidade e busquecompreender a lgica de organizao dos servios de sadeem rede como um todo funcionalmente articulado.Vamos l, inicie logo a leitura! Se tiver dvidas, faa contatocom seu tutor.

    Atualmente, o maior desafio do SUS a sua consolidao,ou seja, como garantir o direito sade e o acesso aos servios desade conforme definidos na Constituio? Dentre as diretrizes doSUS, est a constituio de redes hierarquizadas e regionalizadasde servios, que, como voc aprendeu na Unidade 1, foi a estratgiaseguida por todos os pases que criaram seus sistemas de sadecom base nos princpios de universalidade, equidade e integralidade.

    A regionalizao e a hierarquizao sempre estiveram nabase das propostas de reorganizao do sistema de sade brasileiro,ainda nos primrdios da luta pela reforma sanitria, e foram

  • 48Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    definidas como estratgia central na 8Conferncia Nacional de Sade.

    No entanto, ao longo da dcadade 1990, em razo dos prprios rumosdo processo de descentralizao, ainstituio de redes deixou de ser o eixoem torno do qual se organizava o SUS mesmo que a proposta pudessecontinuar a constar de planos e dedebates. E foi apenas a part ir dapublicao da Norma Operacional daAssistncia Sade (NOAS), publicada

    em 2001, que a regionalizao voltou ao centro da discusso.

    Recentemente, o documento Pactos pela Vida, em Defesa doSUS e de Gesto definiu a regionalizao como eixo estruturantede sua dimenso de gesto, ou seja, ela deve orientar o processo dedescentralizao das aes e servios de sade e os processos denegociao e pactuao entre os gestores (BRASIL, 2006).

    A construo de redes de servios um desafio deenorme complexidade que envolve uma gama muitoampla de dimenses, que vai desde a definio dodesenho da rede, compreendendo vrias unidades,seus diferentes perfis assistenciais e a articulaofuncional entre elas, at os mecanismos de gesto,financiamento e avaliao de resultados.

    Na Unidade 1, estudamos a origem do conceito deorganizao em redes e discutimos a maneira como o modelo foiadotado pelos sistemas de sade universais. Nesta Unidade,apresentaremos os conceitos bsicos acerca da regionalizao eda hierarquizao de servios. Como voc ir observar em muitassituaes ao longo do texto, os conceitos apresentados so os

    Conferncia Nacional de Sade

    Essa conferncia foi o grande marco na histria

    das conferncias de sade no Brasil. Foi a pri-

    meira vez que a populao participou de discus-

    ses da conferncia. Suas propostas contempla-

    ram o marco da luta pela unificao do sistema e

    conformaram a agenda que seria incorporada

    Constituio de 1988 que criou o SUS. Fonte: . Acesso em: 5 jul. 2010.

    Saiba mais

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    49Mdulo Especfico

    princpios bsicos sobre os quais se organizam as redes de servios.Mas isso no quer dizer que a forma especfica como os servios eas aes so organizados deva ser a mesma em todos os casos.Pelo contrrio, embora sigam os mesmos princpios, a conformaoespecfica da rede em cada caso pode e deve ser diferente, levandoem conta as especificidades locais.

  • 50Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    ORGANIZAO DE REDES DE ATENO:CONCEITOS FUNDAMENTAIS

    Como observado pela experincia internacional, os pases queconstruram sistemas de sade de base universal e que conseguiramgarantir efetivamente a cobertura e o acesso, o fizeram por meio domodelo de redes hierarquizadas e regionalizadas. Isso se deu porqueexiste uma relao intrnseca entre a organizao da ateno emredes e os objetivos de universalidade, equidade e integralidade.

    A construo de redes baseia-se no fato de que, na maioriadas populaes, so mais frequentes os casos que necessitam deateno realizada em servios de menor complexidade ou demenor densidade tecnolgica do que aqueles de maiorcomplexidade. Para utilizarmos exemplos extremos, felizmente somais frequentes os casos de gripes, de diarreias, de criseshipertensivas do que de tumores cerebrais.

    Desse modo, para que o si tema possa atender snecessidades de sade, so necessrios mais servios capazes deatender gripes e diarreias do que capazes de realizar neurocirurgiaseletivas. Portanto, os primeiros servios devem necessariamenteestar mais perto da populao do que os segundos servios.

    De outro modo, a instituio de servios de neurocirurgiapressupe equipamentos sofisticados e caros e recursos humanosaltamente treinados e escassos. Para que seja justificado seuinvestimento, do ponto de vista econmico e social (quando se tratade servio pblico, financiado com recursos pblicos), necessrioum nmero suficiente de casos para que esse servio no se torneocioso. E, alm de evitar a ociosidade dos servios, duas outras

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    51Mdulo Especfico

    questes embasam a necessidade de concentrao nos processosde produo de cuidados de maior densidade tecnolgica emservios maiores.

    A primeira questo diz respeito eficincia melhor usodos recursos e se refere s economias de escala, por exemplo,quando consideramos um servio cirrgico, precisamos considerartoda a infraestrutura necessria para mant-lo em funcionamento:o servio de esterilizao, o laboratrio, a anatomia patolgica, osservios e contratos de manuteno de equipamentos etc. Boa partedesses gastos, inclusive os de pessoal, so fixos, ou seja, no variamcom a produo. Por isso, manter uma sala cirrgica para arealizao de processos complexos relativamente mais caro doque manter duas, ou seja, manter uma UTI com dois leitos relativamente mais caro do que manter uma UTI com cinco leitos.Consideradas sob as mesmas condies e mantidas todas as outrasvariveis, o custo mdio dos procedimentos na primeira situaoser mais caro do que na segunda.

    A segunda questo diz respeito qualidade. Para os serviosde maior complexidade, o maior volume da produo estrelacionado sua melhor qualidade. Dessa forma, em um serviode cirurgia cardaca, que realiza um procedimento por semana, asdificuldades para manter a expertise do staff* so maiores doque em um centro que realiza cinco cirurgias por dia. Logo, para queum servio possa se tornar um centro formador de recursos humanos necessria uma produo mnima que permita o seu treinamento.

    Considerando o mesmo exemplo, podemos observar que umnmero suficiente de casos de neurocirurgia eletiva somente podeser gerado por uma populao muito maior do que a necessriapara gerar casos de gripes, de diarreias e de crises hipertensivas.Portanto, para que seja possvel rede oferecer servios maiscomplexos sem o risco de ociosidade, com o benefcio da economiade escala* e mantendo a qualidade, necessrio que os serviossejam direcionados a populaes mais amplas do que aquelas nasquais os servios se limitam ateno de patologias mais comuns.

    Por isso, na medida em que a equidade da qual a igualdadede acesso uma das dimenses um dos princpios do sistema,

    *Expertise do staff com-

    petncia da mo de obra.

    Fonte: Elaborado pelos

    autores.

    *Economia de escala im-

    plica reduo de custos

    unitrios decorrentes

    de aumento no volume

    da produo. Fonte:

    Lacombe (2004).

  • 52Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    centralizar os servios mais complexos a nica forma de garantiro acesso a todos que deles necessitem. Esse, portanto, o pilar daproposta de bases populacionais diferentes para diferentes servios,e de uma rede de servios hierarquizada, no sentido de regulaodas referncias de um nvel para outro.

    A rede constitui-se num conjunto de unidades de diferentesperfis e funes, organizadas de forma articulada e responsveis pelaproviso integral de servios de sade populao de sua regio.Dessa forma, para que efetivamente seja constituda uma rede, duasquestes so centrais: a responsabilizao pela ateno ao pacientee a articulao efetiva entre as unidades para garantir populaono apenas o acesso nominal, mas a continuidade do cuidado.

    A regio, por sua vez, a base territorial e populacional comautossuficincia em servios at o nvel de complexidade definida.A definio da rea geogrfica e populacional da regio dependeda rea total; do tamanho da populao; das formas de distribuioe ocupao da rea; alm das caractersticas sociais e culturais.

    A regio no criada pelo sistema de sade. , na verdade,o reconhecimento, pelo sistema, de uma regio, de um territrioque existe no mundo real que tem base no apenas territorial epopulacional, mas tambm social e cultural.

    A regio pode abranger vrias cidades, englobar apenas umacidade e sua periferia, ser parte de uma cidade e pode (ou no)coincidir com a diviso administrativa e poltica do pas ou Estado.Pela sua diversidade, no possvel pensarmos em um nicotamanho/tipo de regio para todo o pas. Um exemplo seria oclssico caso ingls de sistema organizado em redes: ainda que odistrito ingls tenha sido pensado como territrios, com algo em tornode 150/200 mil pessoas por territrio, na prtica os distritos tm emmdia 250 mil habitantes, mas podem variar entre 80 e 900 mil.

    Essa lt ima observao demonstra uma das maisimportantes questes acerca da rede de servios: embora existamprincpios gerais que definem as funes dos diferentes tipos deunidades em uma rede, essas no so construdas por meio demodelos rgidos, tais como regies devem ter x habitantes ou

    vNesse mundo, apopulao ocupa oespao de uma

    determinada maneira e

    estabelece fluxos e

    estratgias de acesso

    aos servios de sade.

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    53Mdulo Especfico

    um hospital de nvel secundrio deve ser referncia paray pessoas. Esses parmetros so, na realidade, orientaes gerais aserem adaptadas a cada situao. Assim, um dos maiores desafios aoplanejamento e programao a questo de como traduzir o conceitode rede de servios para uma determinada realidade. Se as regies(e os distritos) so diferentes, tambm so diferentes seu perfilepidemiolgico, suas demandas e suas necessidades.

    Ademais, para uma mesma necessidade ou problemade sade, existem diferentes composies de recursos que derivamde resultados comparveis, em termos de indicadores de sade e desatisfao do paciente.

    White et al. (1977) em estudo clssico, promovido pela OMSque analisou a utilizao de servios de sade em 12 regies desete pases, constataram que para tratar as mesmas patologias, acomposio de recursos muitas vezes era diferente e os resultadosmostraram a possibilidade de substituio entre elas. Observaram,ainda, que de acordo com a oferta, os mesmos tipos de casos eramtratados em ambulatrio ou internao e os resultados ou aaceitao por parte do pacientes no mostraram grandes diferenas.Ou seja, o estudo mostrou que no h uma maneira ideal de proveros servios de sade; em vez disso, existem escolhas que o planejadore o formulador de polticas devem fazer para a alocao de recursosno atendimento s necessidades.

    Outra questo central apontada pelo estudo que para que

    seja estabelecida uma rede necessrio que cada nvel resolva

    os problemas que lhe foram atribudos. Mas como garantir a

    capacidade de resoluo em cada nvel?

    Costumeiramente, encontramos a afirmao de que a redebsica (ou o primeiro nvel, ou a ateno primria) capaz deresolver 80, 85 ou 90% dos casos. No entanto, embora largamenterepetida, essa afirmativa est longe de constituir verdade absoluta,pois a rede bsica pode variar de acordo com o nvel de ateno.

  • 54Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    No primeiro nvel do sistema, por exemplo, a rede somenteser capaz de atender (e resolver) 80% dos casos se esses estiveremclaramente explicitados, ou seja, se informarem qual a composiodesses 80%, quais os recursos necessrios para trat-los, alm degarantir que os servios estejam organizados e equipadosadequadamente.

    Lembremos de que na medida em que as condies devida e sade so especficas, tambm o o perfil epidemiolgico.Dessa forma, o que constitui 80% dos casos na Sucia, porexemplo, absolutamente distinto do que constitui os 80% doscasos no interior do Nordeste. Logo, a nica forma de garantirque determinado servio ou nvel de ateno seja resolutivo apartir da definio prvia de quais funes cabem a cada servio/nvel da rede e o tipo de aes e atividades que devem serrealizadas, de modo que os servios possam ser organizados eequipados para cumpri-las.

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    55Mdulo Especfico

    CONSTRUINDO A REDE DE ATENO:FUNES E PERFIS ASSISTENCIAIS

    Agora que sabemos da relevncia das redes no servio desade, vamos estudar as funes e os perfis assistenciais de cadaum dos nveis de ateno sade.

    O PRIMEIRO NVEL DE ATENO

    As funes do primeiro nvel de ateno podem ser definidasem trs linhas bsicas, a saber:

    so aquelas ligadas a valores, ateno, ao acolhimento,ao pertencimento, confiana, responsabilizao;

    a produo de aes e servios, tanto de promoo epreveno como de tratamento e acompanhamento; e

    o ordenamento do sistema (porta de entrada).Para cumprir essas funes, ou parte delas, diferentes pases

    optam por composies distintas de recursos: generalistasautnomos, generalistas em centros de sade, equipes em centrosde sade, policlnicas etc., que expressam diferentes formas dearticular os recursos e as aes de sade.

    Outra questo importante que precisamos atentar comrelao ao primeiro nvel de ateno que para cumprir essasfunes ele deve ser dotado de complexidade que no se expressa

  • 56Especializao em Gesto em Sade

    Gesto dos Sistemas e Servios de Sade

    necessariamente em equipamentos, mas na qualidade dos recursoshumanos e de articulaes funcionais que garantam acesso aosdemais nveis do sistema.

    Em todo nvel de ateno temos algumas questes queinfluenciam diretamente a resolubilidade da situao, seja elapositiva ou nem tanto. Aqui, no primeiro nvel, uma das questescentrais que influenciam a baixa capacidade de resoluo deproblemas a noo de que possvel resolver a maior parte dosproblemas de sade apenas por meio de medidas de promoo ede preveno da sade. Isso pode ser verdade, mas apenas paradeterminados perfis epidemiolgicos ligados extrema pobreza ecaracterizados por doenas infecciosas e parasitrias.

    No que diz respeito s doenas crnico-degenerativas cardiovasculares, diabetes e algumas neoplasias a prevenoimplica mudanas muito mais complexas relacionadas ao estilo devida, como o controle da dieta e do stress e a adoo de exerccios.Em outros casos de doenas altamente prevalentes, como o cncerde mama, por exemplo, pouco ainda se sabe sobre as possveismedidas de preveno.

    Portanto, para a resoluo de boa parte dos casos maiscomuns apresentados ao sistema de sade, no bastam medidaspreventivas, mas so necessrios tambm o tratamento e oacompanhamento, muitas vezes com necessidade de medicamentose seguimento de exames laboratoriais e de imagem.

    Voc pode estar se perguntando: e quando o primeiro nvel

    no cumpre esse papel?

    Quando isso no acontece a nica alternativa que resta aopaciente a de buscar o servio de emergncia. Assim, a propostade montagem de um nvel primrio de muita baixa densidadetecnolgica implica que esse no seja capaz de resolver praticamentenenhum problema, ficando longe da meta de resoluo dos 80%dos problemas de sade de uma populao, transformando-se,quando muito, em mero mecanismo de triagem.

  • Unidade 2 A Organizao de Redes de Ateno Sade

    57Mdulo Especfico

    O CUIDADO AMBULATORIAL DE ESPECIALIDADES

    O modelo tradicional de rede de ateno o deespecialidades/servios cujo acesso se d por referncia a partir doprimeiro nvel denominados de cuidado secundrio por meiodo estabelecimento de listas de espera. E assim como existemdiferentes definies acerca de que especialidades devem serofertadas no primeiro nvel, tambm existem diferentes composiesde especialidades no nvel secundrio ambulatorial.

    Em cada caso, a definio sobre acomposio da oferta em cada nvel funo dotamanho da populao e da densidadedemogrfica, do perfil epidemiolgico e dosrecursos disponveis. Assim, ao falarmos deterritrios amplos de grande concentraopopulacional, como as regies metropolitanas,precisamos considerar determinadasespecialidades para as quais exista maiordemanda, por exemplo, a cardiologia, aneurologia, a oftalmologia. Ou seja, no primeironvel essas especialidades devem ser ofertadaspara garantir a resolutividade, evitando criarbarreiras de acesso.

    Da mesma forma, h diferentes modosde organizar a ateno ambulator ia lespecializada, que tanto pode ser ofertada emhospitais como em unidades ambulatoriaisautnomas, por exemplo, as policlnicas. Por isso, dependendo daespecialidade e