Gestão de Crise: Entrevista sobre o caso Samsung

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O caso do vídeo de Pepa Xavier, que levou a Samsung a suspender a campanha de vídeos virais protagonizada por cinco bloguers da área de moda, será, sem dúvida, um dos casos que vai marcar o ano em termos de polémicas nas redes sociais. Mas será que a reputação da Samsung foi afec- tada? Paulo Morais, professor do IPAM, Católica e Lusíada e bloguer, analisa o caso em entrevista ao M&P. Meios & Publicidade (M&P): Este é mais um caso de uma acção digital de uma marca que tem o efeito contrário ao esperado. O que estava errado nesta ideia da Samsung? Paulo Morais (PM): É verdade, parece que começa a ser uma prática comum, independentemente da dimensão das empresas. O ambiente digital tem vindo a mostrar que exige uma atenção cuidada por parte das marcas. Porém, só erra quem experimenta e, sendo um ambiente novo, que na verdade poucos conhecem, é normal que se cometam alguns erros que, numa primeira análise, são “infantis”. M&P: Mas o que falhou aqui? PM: Falhou a falta de cuidado na associação dos protagonistas com a marca. A marca Samsung tem valores que não pode desprezar – como por exemplo a co-prosperidade e este vídeo [Pepa Xavier] vai contra os valores da marca. Estranha- mente parece que quem validou os vídeos não está por dentro da estratégia da empresa. Acredito que a Samsung quisesse mostrar os bloguers tal como eles são, sem interferir na mensagem mas isso é um grande risco. Permitir que uma campanha online tenha conteúdo deste género é crítico. Num ambiente onde o conteúdo é rei, o conteúdo tem que estar adaptado à conjuntura do mercado a que se dirige. Sinceramente, não percebo como deixam ir para o ar conteúdo deste género associado à marca. Internamente, falhou qualquer coisa. M&P: Perante as críticas nas redes sociais, foi boa opção a Samsung retirar os vídeos do YouTube? Era necessária uma decisão tão drástica? PM: Mostra que a marca reconheceu o erro. Se o objectivo era evitar a propagação dos vídeos, na verdade não serve de muito. Mas se foi para enviar uma mensagem clara de que “não nos identificamos com este conteúdo”, parece-me uma decisão acer- tada. Reconhecer que errou é um ponto a favor da marca. Por outro lado, isto pode ser uma barreira para monitorizar os comentários direccionados à marca porque ficam mais dispersos. Uma coisa é eliminar ou censurar comentários ou conteúdo de terceiros, outra é gerir o nosso próprio conteúdo e aqui acho que a Samsung procurou agir rapidamente. M&P: A reputação da marca fica fragilizada após este episódio? PM: A Samsung é uma máquina de comunicação e tem muitas coisas boas. Já li comentários de pessoas a dizerem que só lhes apetecia vender o seu computador ou telemóvel mas, na minha opinião, isto passa rápido. A Samsung é uma grande marca e muito competente no que faz. Não me parece que seja por esta acção que vá sair fragilizada, muito pelo contrário, tem todo o potencial para dar a volta à questão e sair fortalecida. Quanto às marcas pessoais envolvidas, já não tenho a mesma opinião. Alguns destes bloguers, nomeadamente a da Pepa Xavier, vão sentir um impacto menos favorável. M&P: Que lições é que as marcas podem retirar de todo este episódio PM: É preciso perceber que na internet tudo se propaga. Não podemos acreditar que determinado nicho (neste caso os seguidores dos bloguers) vão gostar da campanha, ignorando todo o resto da população web. Para as marcas fica a lição de que não devemos olhar só para os números. Quanti- dade não é sinónimo de qualidade em circunstância nenhuma. M&P: Por que diz isso? PM: Poderá não interessar trabalhar com determi- nado opinion leader se este pode colocar em risco o posicionamento da marca. É fundamental garantir que se conhece o terreno que se vai pisar. Marcas com a dimensão da Samsung têm como obri- gação fazer inúmeros testes aos conteúdos antes de os massificar. Sinceramente, não acredito que, Highlights Hello se estes vídeos fossem vistos por pessoas identificadas com o perfil dos clientes da Samsung, ninguém questionasse algumas destas mensagens. Não nos podemos esquecer de que, principalmente na web, as pessoas estão muito mais predispostas a falar mal do que bem. Todos os cuidados são poucos. O facilitismo no mundo digital pode pregar algumas partidas. M&P: Os bloguers em causa têm colaborado com várias marcas. Este episódio deverá levar essas marcas a reequacionar esta ligação? PM: São situações pontuais e acredito que algumas marcas até possam tirar proveito deste buzz em torno destes bloguers. Lembra-se do caso do Paulo Futre? Mesmo que noutro contexto, o buzz instalou- -se e o Licor Beirão soube tirar proveito disso como ninguém. Depende muito da identidade da marca e das campanhas que pretendem fazer. “Marcas como a Samsung têm como obrigação fazer inúmeros testes aos conteúdos antes de os massificar” ENTREVISTA 06 07 DEZEMBRO 2012 As causas e consequências do caso Pepa Xavier/ Samsung analisadas em entrevista ao docente Paulo Morais RUI OLIVEIRA MARQUES

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Entrevista para o Meios & Publicidade sobre o caso da Samsung sobre gestão de crise nas Redes Sociais

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O caso do vídeo de Pepa Xavier, que levou a Samsung a suspender a campanha de vídeos virais protagonizada por cinco bloguers da área de moda, será, sem dúvida, um dos casos que vai marcar o ano em termos de polémicas nas redes sociais. Mas será que a reputação da Samsung foi afec-tada? Paulo Morais, professor do IPAM, Católica e Lusíada e bloguer, analisa o caso em entrevista ao M&P.

Meios & Publicidade (M&P): Este é mais um caso de uma acção digital de uma marca que tem o efeito contrário ao esperado. O que estava errado nesta ideia da Samsung?Paulo Morais (PM): É verdade, parece que começa a ser uma prática comum, independentemente da dimensão das empresas. O ambiente digital tem vindo a mostrar que exige uma atenção cuidada por parte das marcas. Porém, só erra quem experimenta e, sendo um ambiente novo, que na verdade poucos conhecem, é normal que se cometam alguns erros que, numa primeira análise, são “infantis”.

M&P: Mas o que falhou aqui?PM: Falhou a falta de cuidado na associação dos protagonistas com a marca. A marca Samsung tem valores que não pode desprezar – como por exemplo a co-prosperidade e este vídeo [Pepa Xavier] vai contra os valores da marca. Estranha-mente parece que quem validou os vídeos não está por dentro da estratégia da empresa. Acredito que a Samsung quisesse mostrar os bloguers tal como eles são, sem interferir na mensagem mas isso é um grande risco. Permitir que uma campanha online tenha conteúdo deste género é crítico. Num ambiente onde o conteúdo é rei, o conteúdo tem que estar adaptado à conjuntura do mercado a que se dirige. Sinceramente, não percebo como deixam ir para o ar conteúdo deste género associado à marca. Internamente, falhou qualquer coisa.

M&P: Perante as críticas nas redes sociais, foi boa opção a Samsung retirar os vídeos do YouTube? Era necessária uma decisão tão drástica?PM: Mostra que a marca reconheceu o erro. Se o objectivo era evitar a propagação dos vídeos, na verdade não serve de muito. Mas se foi para enviar uma mensagem clara de que “não nos identificamos com este conteúdo”, parece-me uma decisão acer-tada. Reconhecer que errou é um ponto a favor da marca. Por outro lado, isto pode ser uma barreira para monitorizar os comentários direccionados à marca porque ficam mais dispersos. Uma coisa é eliminar ou censurar comentários ou conteúdo de terceiros, outra é gerir o nosso próprio conteúdo e aqui acho que a Samsung procurou agir rapidamente.

M&P: A reputação da marca fica fragilizada após este episódio? PM: A Samsung é uma máquina de comunicação e tem muitas coisas boas. Já li comentários de pessoas a dizerem que só lhes apetecia vender o seu computador ou telemóvel mas, na minha opinião, isto passa rápido. A Samsung é uma grande marca e muito competente no que faz. Não me parece que seja por esta acção que vá sair fragilizada, muito pelo contrário, tem todo o potencial para dar a volta à questão e sair fortalecida. Quanto às marcas pessoais envolvidas, já não tenho a mesma opinião. Alguns destes bloguers, nomeadamente a da Pepa Xavier, vão sentir um impacto menos favorável.

M&P: Que lições é que as marcas podem retirar de todo este episódioPM: É preciso perceber que na internet tudo se propaga. Não podemos acreditar que determinado nicho (neste caso os seguidores dos bloguers) vão gostar da campanha, ignorando todo o resto da população web. Para as marcas fica a lição de que não devemos olhar só para os números. Quanti-dade não é sinónimo de qualidade em circunstância nenhuma.

M&P: Por que diz isso?PM: Poderá não interessar trabalhar com determi-

nado opinion leader se este pode colocar em risco o posicionamento da marca. É fundamental garantir que se conhece o terreno que se vai pisar. Marcas com a dimensão da Samsung têm como obri-gação fazer inúmeros testes aos conteúdos antes de os massificar. Sinceramente, não acredito que, Highlights Hello se estes vídeos fossem vistos por pessoas identificadas com o perfil dos clientes da Samsung, ninguém questionasse algumas destas mensagens. Não nos podemos esquecer de que, principalmente na web, as pessoas estão muito mais predispostas a falar mal do que bem. Todos os cuidados são poucos. O facilitismo no mundo digital pode pregar algumas partidas.

M&P: Os bloguers em causa têm colaborado com várias marcas. Este episódio deverá levar essas marcas a reequacionar esta ligação?PM: São situações pontuais e acredito que algumas marcas até possam tirar proveito deste buzz em torno destes bloguers. Lembra-se do caso do Paulo Futre? Mesmo que noutro contexto, o buzz instalou--se e o Licor Beirão soube tirar proveito disso como ninguém. Depende muito da identidade da marca e das campanhas que pretendem fazer.

“Marcas como a Samsung têm como obrigação fazer inúmeros testes aos conteúdos antes de os massificar”

ENTREVISTA06

07 DEZEMBRO 2012

As causas e consequências do caso Pepa Xavier/Samsung analisadas em entrevista ao docente Paulo Morais

RUI OLIVEIRA MARQUES

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