Gestão das Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e … · 2012-04-19 ·...

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1 Gestão das Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente: da Tecnicidade à Gestão Social Compartilhada Autoria: Anderson Rafael Nascimento, Judith Zuquim RESUMO Como trajeto teórico-reflexivo, propõe-se neste trabalho uma discussão sobre o contexto histórico que o Estatuto da Criança e do Adolescente herda como reflexo da sociedade brasileira, resultando em práticas e políticas públicas assistencialistas e criminilizadoras. Situação essa que somente começou a ser alterada, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa mudança de olhar é relatada e serve de referencial para uma reflexão sobre o impacto na gestão das políticas públicas. Para isso, sustenta-se que a tecnicidade, diante dos princípios do ECA, impõe um formato a ser superado de gestão baseado em princípios institucionais. O modelo teórico traduzido de Ripley (1995) auxiliam essa visualização. Por sua vez, uma nova discussão para o campo da gestão pública, a corrente societal. Na teoria e como crítica dessa prática, a administração pública societal ainda se circunscreve a experiências locais e fragmentadas. Frente às duas correntes teóricas apresentadas e como resultado desse estudo, argumenta-se que o ECA somente poderia se realizar por meio do princípio societal, reconhecendo a participação das crianças e adolescentes como portadores de direito. Estabelece-se assim um diálogo com o princípio da proteção integral, pilar de sustentação do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que cabe a eles decidir seus destinos e ao Estado, Sociedade e Família a articulação de um arranjo institucional em busca de uma política pública integrada. Com essa constatação propõe-se um modelo teórico para a gestão de uma política pública que contemple aspectos essenciais do Estatuto da Criança e do Adolescente. Introdução: A cidadania plena de crianças e adolescentes configura um campo destacado para análises que são realizadas no contexto da gestão das políticas públicas, pois exige diferentes ângulos de visão – jurídico, institucional e cultural. Algumas vertentes teórico-políticas criam a perspectiva de contemplar todas essas abordagens, a partir do interesse superior da criança e do adolescente, como tentativa de uma política pública integrada. Para essas correntes, a representação social da criança está associada ao imaginário de futuro da nação. Por sua vez, outra linha política problematiza o trato da questão da infância na realidade contemporânea. Isso decorre de uma visão negativa da criança como ameaça à ordem pública (FALEIROS, 1995). Essa dupla convivência instaura um campo de disputas, concreta e simbólica, para a gestão de políticas sociais, especialmente para a infância e adolescência. Para o primeiro campo político, a gestão da política pública está pautada pelo protagonismo infanto-juvenil, partindo do reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito e, como tal, capaz de definir suas próprias necessidades e visão do mundo social. Nessa perspectiva, a gestão da política pública ocorre frente a uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes dos indivíduos que interagem com ela (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964). Fundamentado nessa visão, as ações interorganizacionais são pautadas por dimensões como controle, participação, paridade e transparência. Nesse forma de gestão, a dimensão da administração é colocada à cargo da política, o Estado fica a serviço da sociedade. Aproxima-se esse conceito a uma visão de uma administração pública societal (PAULA, 2001, 2005, 2008). O segundo campo valoriza, por sua vez, a tecnicidade - principalmente pelo discurso da economicidade associado a esse aspecto, como elemento principal e estratégico para o

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Gestão das Políticas de Promoção e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente: da Tecnicidade à Gestão Social Compartilhada

Autoria: Anderson Rafael Nascimento, Judith Zuquim

RESUMO Como trajeto teórico-reflexivo, propõe-se neste trabalho uma discussão sobre o contexto histórico que o Estatuto da Criança e do Adolescente herda como reflexo da sociedade brasileira, resultando em práticas e políticas públicas assistencialistas e criminilizadoras. Situação essa que somente começou a ser alterada, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente. Essa mudança de olhar é relatada e serve de referencial para uma reflexão sobre o impacto na gestão das políticas públicas. Para isso, sustenta-se que a tecnicidade, diante dos princípios do ECA, impõe um formato a ser superado de gestão baseado em princípios institucionais. O modelo teórico traduzido de Ripley (1995) auxiliam essa visualização. Por sua vez, uma nova discussão para o campo da gestão pública, a corrente societal. Na teoria e como crítica dessa prática, a administração pública societal ainda se circunscreve a experiências locais e fragmentadas. Frente às duas correntes teóricas apresentadas e como resultado desse estudo, argumenta-se que o ECA somente poderia se realizar por meio do princípio societal, reconhecendo a participação das crianças e adolescentes como portadores de direito. Estabelece-se assim um diálogo com o princípio da proteção integral, pilar de sustentação do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que cabe a eles decidir seus destinos e ao Estado, Sociedade e Família a articulação de um arranjo institucional em busca de uma política pública integrada. Com essa constatação propõe-se um modelo teórico para a gestão de uma política pública que contemple aspectos essenciais do Estatuto da Criança e do Adolescente. Introdução:

A cidadania plena de crianças e adolescentes configura um campo destacado para análises que são realizadas no contexto da gestão das políticas públicas, pois exige diferentes ângulos de visão – jurídico, institucional e cultural. Algumas vertentes teórico-políticas criam a perspectiva de contemplar todas essas abordagens, a partir do interesse superior da criança e do adolescente, como tentativa de uma política pública integrada. Para essas correntes, a representação social da criança está associada ao imaginário de futuro da nação. Por sua vez, outra linha política problematiza o trato da questão da infância na realidade contemporânea. Isso decorre de uma visão negativa da criança como ameaça à ordem pública (FALEIROS, 1995). Essa dupla convivência instaura um campo de disputas, concreta e simbólica, para a gestão de políticas sociais, especialmente para a infância e adolescência.

Para o primeiro campo político, a gestão da política pública está pautada pelo protagonismo infanto-juvenil, partindo do reconhecimento da criança e do adolescente como sujeito de direito e, como tal, capaz de definir suas próprias necessidades e visão do mundo social. Nessa perspectiva, a gestão da política pública ocorre frente a uma inter-relação contínua entre o funcionamento das instituições e as qualidades e atitudes dos indivíduos que interagem com ela (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964). Fundamentado nessa visão, as ações interorganizacionais são pautadas por dimensões como controle, participação, paridade e transparência. Nesse forma de gestão, a dimensão da administração é colocada à cargo da política, o Estado fica a serviço da sociedade. Aproxima-se esse conceito a uma visão de uma administração pública societal (PAULA, 2001, 2005, 2008).

O segundo campo valoriza, por sua vez, a tecnicidade - principalmente pelo discurso da economicidade associado a esse aspecto, como elemento principal e estratégico para o

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Estado. Nessa perspectiva, a administração é a esfera mais valorizada, diminuindo o poder de interferência da política. Ou seja, valorizam-se na discussão da gestão das políticas públicas as dimensões jurídico-institucional e econômico-financeira. Nessa visão, a gestão pública é pautada por um grupo de especialistas, núcleo estratégico do Estado, que determinam o caminho a ser seguido.

A agenda na definição da política pública, ou seja, o estabelecimento dos trajetos de realização da ação do Estado, enquadra-se nessa disputa teórica em bases distintas. Para a administração pública gerencial, cabe ao núcleo estratégico do Estado, e suas organizações, a definição dos caminhos e instituições que a política seguirá na sua execução. Por sua vez, a administração societal, baseado na gestão social (Tenório, 1998), encaminha-se para uma concepção participativa da gestão pública e instâncias deliberativas de decisão. Essa visão influencia também as outras etapas de gestão de uma política pública, como por exemplo, implementação, avaliação e re-planejamento.

Daí o objeto e o método deste texto. Como trajeto teórico-reflexivo, propõe-se neste trabalho uma primeira parte sob o contexto histórico que o Estatuto da Criança e do Adolescente herda como reflexo da sociedade brasileira, resultando em práticas para esse campo e uma política pública assistencialista e criminilizadora. Situação que somente começou a ser alterada, no caso da política da infância e adolescência, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Essa mudança de olhar é relatada na segunda parte do texto, trazendo uma reflexão sobre o Estatuto e o impacto de sua implementação na gestão das políticas públicas.

A terceira parte do texto expõe as duas correntes teóricas: societal e gerencial. A corrente gerencial, por sua visão institucionalista, é apresentada a partir de um modelo teórico traduzido de Ripley (1995) e de críticas realizadas por estudiosos brasileiros a partir da reforma gerencial do Estado de 1995. Por sua vez, a corrente societal ganha força prática a partir da vitória da aliança popular-nacional nas eleições majoritárias de 2002. Contudo, na teoria e como crítica dessa prática, a administração pública societal ainda se circunscreve a experiências locais e fragmentadas (PAULA, 2008).

Frente às duas correntes teóricas apresentadas e como resultado desse estudo, argumenta-se que o ECA somente poderia se realizar por meio do princípio societal, reconhecendo a participação das crianças e adolescentes como portadores de direito. Estabelece-se assim o princípio da proteção integral, pilar de sustentação do Estatuto da Criança e do Adolescente, já que cabe a eles - crianças e adolescentes - decidir seus destinos e pela normatização da articulação de um arranjo institucional em busca de uma política pública integrada. Com essa constatação propõe-se um modelo teórico, como crítica a visão institucional de Ripley (1995), para a realização de uma política pública que contemple aspectos essenciais do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Contexto histórico: a herança do ECA Ao analisar o trato da infância como categoria social, Rizzini (1997) aponta que no

final do século XIX houve uma substituição da atenção de cunho caritativo para uma assistência com características filantrópicas. Francischini (2006), apoiada em Kuhlmann Jr. (2002), discorre sobre a imagem de uma criança pobre, delinqüente, oriunda de lares sem alimentação adequada e com casos de alcoolismo, como determinante para as práticas de institucionalização como medida de protegê-la daquele ambiente, evitando dessa forma que aquela criança se tornasse “criminosa”. No caso brasileiro se tem como pano de fundo a necessidade de reservar ao “menor”, considerado perturbador da ordem social, espaços que pudessem “curá-lo”. Esse processo de reestruturação do “menor” passa pela política do internamento. As crianças e adolescentes, nessa política, eram “separados” e enviados aos

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locais responsáveis por sua recuperação e restituição dentro dos padrões aceitáveis e normais para o convívio social. No Brasil, as condições de emergência histórica desse discurso apontam para a recém-criada República e sua diversidade de projetos em disputa para o país após gerações de escravidão. O núcleo constituidor central estava na idéia de "infância moralmente abandonada", da qual partia uma série de "tipos infantis" que tentava apreender aquilo que a ordem pública chamava de "infância em perigo". Na base deste programa, houve uma reconceitualização da relação entre criança, família e Estado, demarcando-se novas fronteiras para o território da "ineducabilidade social" (ZUQUIM, 2001).

Representando esse pensamento, no intervalo entre os Códigos de menores de 1927 e 1979, a infância e a adolescência foram objeto de várias iniciativas do poder público. Dentre essas, o exemplo mais conhecido foi a criação do Serviço de Assistência a Menores (SAM), em 1941, cujas ações e internações eram justificadas com os argumentos de proteção da sociedade contra o perigo da delinqüência infantil-juvenil. Contudo, a falta de precisão na delimitação do que o código denominava como irregularidade fez com que a rede de atendimento assumisse diferentes funções, como por exemplo, casa, escola, hospital e prisão (RIZZINI, 1995). O objeto "infância irregular" não foi unívoco ao ser delineado em sentenças jurídicas, classificações de saúde mental ou projetos pedagógicos racialistas, o que demonstra que essa dispersão de sentidos foi radicalmente atravessada por práticas políticas que passaram a incluir esse numeroso grupo de crianças e adolescentes em políticas públicas que tinham como foco, simultaneamente, sua exclusão da escola e da família. Categorias como moralidade, impulsividade, precocidade, anormalidade, caráter e ineducabilidade regulavam essa polissemia (ZUQUIM, 2001).

Com a extinção do SAM, em 1964 – do serviço e não da política de proteção à criança nos moldes até então apontados –, criou-se a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) e seus respectivos correspondentes nos Estados, as Fundações Estaduais do Bem-Estar do Menor (Febem). Ao primeiro, com a formulação e implantação de programas, coube centralizar a política nacional do bem-estar do menor; aos correspondentes estaduais, a execução dessas políticas (CASTRO e NASCIMENTO; In: ALVES & CARVALHO, 2009).

Em 1979, promulgou-se o segundo Código de Menores. Permaneciam, no entanto, a cisão criança/menor e a associação deste último a marginalidade, a delinqüência e a mendicância. Porém, esses e outros denominativos associados à criança pobre foram substituídos por um único – criança em situação irregular –, e foi mantida a prevalência de um modelo correcional-repressivo (FRANCISCHINI, 2006; CASTRO, D., 2002).

A ausência de uma definição precisa de "situação irregular" representa, assim, a permanência de uma trajetória histórica. Segundo Faleiros (1995, p. 172):

Por situação irregular compreendia-se a privação das condições de subsistência, de saúde e de instrução, por omissão dos pais ou responsáveis, além da situação de maus-tratos e castigos, de perigo moral, de falta de assistência legal, de desvio de conduta por desadaptação familiar ou comunitária, e de autoria de infração penal. A pobreza era, assim, situação irregular, ou seja, uma exceção.

Uma discussão fundamentada dessa condição começou a ser formulada em 1975, a

partir dos indicadores levantados na CPI do Menor. Em seu diagnóstico, a CPI apontava para “as excepcionais dimensões e periculosidade imanentes da realidade do menor desamparado, num país predominantemente jovem, em cuja população global de 110 milhões de habitantes compreende-se o impressionante segmento de 52,6% desse total na faixa etária de 0 a 19

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anos” (Câmara dos Deputados, 1976, p. 17). A CPI também reconheceu a incapacidade do modelo da Funabem em enfrentar a problemática nacional da criança e do adolescente dado o crescimento demográfico e a magnitude do problema. Os dados da época demonstravam que um terço da população infanto-juvenil estavam em estado real ou virtual de marginalização, com previsão de agravamento do quadro de miserabilidade concentrando-se principalmente nos centros urbanos, resultante do processo migratório.

Em 1986, a Funabem realizou um debate sobre a Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). Discutiu-se então a necessidade de uma avaliação da política e de novas linhas de atuação. Elaborou-se o documento “Diagnóstico Integrado para uma Nova Política de Bem-Estar do Menor”, resultante de discussões em seminários estaduais internos e nas fundações (Febem), com a participação de órgãos públicos de assistência social, educação e de entidades sociais convidadas. Esse documento apresentava uma avaliação das políticas sociais e baseava-se em reflexão quanto a forma de atendimento oferecida; o foco principal da política (se ele estava na criança empobrecida ou em intervenção nos “casos-problema”); centralização ou descentralização na forma de gerenciamento (CASTRO e NASCIMENTO; In: ALVES & CARVALHO, 2009). Esse impasse somente foi resolvido com a institucionalização do Estatuto da Criança e Adolescente, a partir da influência de acordos internacionais e pela mobilização da sociedade brasileira .

O Estatuto da Criança e do Adolescente: uma mudança no olhar para a criança e o adolescente

A reflexão sobre os equívocos históricos de uma política pública criminalizadora de crianças e adolescentes só adquiriu novo patamar com o cenário trazido pela constituição de 1988, quando entraram em cena atores até então sem visibilidade social. Ou seja, como resultado da forte pressão de movimentos sociais, crianças e adolescentes mobilizados, técnicos e juristas inconformados com as políticas de defesa da infância, empresários e e sindicatos das mais diversas categorias. Como resultado de uma militância mobilizada nas anos anteriores, foi possível a inclusão do artigo 227 na Constituição Federal (BRASIL, 1988). Esse artigo gerou a Lei 8.069/90 nomeada como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O ECA (1991), em diálogo com o artigo 227 da Constituição Federal, estabelece em seu Art. 4 que:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

O ECA instaura um novo modo de construção das políticas para a área da infância e adolescência, pois surgiu a partir da realidade concreta e das especificades próprias de um sujeito em desenvolvimento. Reflete-se assim em seu texto a tentativa de propor uma visão integradora das ações (pedagógica, jurídica, psicológica, do voluntariado etc). Em sua gênese, o ECA rompeu com o saber hegemônico até então; aquele que, em vez de buscar ancoragem na experiência, era fruto de uma produção teórica com forte viés tecnicista e anti-democratizante.

O Estatuto da Criança e do Adolescente não diz respeito apenas à implementação de uma nova lei, mas também a um novo direito que surge no panorama nacional e ao reconhecimento da condição de cidadão em desenvolvimento. Essa conquista é reveladora de uma trajetória histórica mundial que remonta ao ano de 1959, com a Declaração Universal dos

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Direitos da Criança e do Adolescente, pela Organização das Nações Unidas (ONU), a partir da qual a infância e a adolescência começam a ser vistas como períodos peculiares do desenvolvimento humano que exigem atenção singular. A visibilidade das situações de violência física, psíquica e moral a que crianças e adolescentes eram submetidos, independentemente da situação econômica dos países, provoca a necessidade de enfrentamento da situação. Quebra-se o aparato sustentador da "situação irregular" e caminha-se para um novo estado de direito, passando a ser dever da família, do Estado e da sociedade o cuidado da criança e do adolescente. A criação do ECA possibilita as condições de exigibilidade para os Direitos da Criança e do Adolescente que estão na Constituição Brasileira e na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Contrariamente ao que fundamentava o Código de Menores, a “situação irregular” sai de cena para a entrada de um novo momento histórico, contextualizado pela redemocratização e pela nova constelação de relações entre sociedade, família-criança-adolescente e estado estabelecida pela Constituição.

Para a efetivação e implementação de políticas voltadas para a proteção integral da criança e adolescente, o ECA determina em seu Art. 86 que a política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente deverá ser efetivada por meio de um conjunto articulado e controlado de ações, governamentais e não-governamentais, de todas as instâncias do Poder Público (União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios).

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) possui duas vertentes de políticas: as sociais, que partem do compromisso político e da convocação da sociedade, da família e do poder público para, em conjunto, buscarem medidas de proteção integral à criança e ao adolescente; e a da justiça, com os procedimentos jurídicos destinados aos adolescentes em situações específicas (medidas socioeducativas) ou as crianças em situação efetiva de abandono (COSTA, 1995; MIRAGLIA, 2005). O Estatuto atribui à sociedade e ao município a responsabilidade de criar mecanismos que atendam ao que nele se dispõe, reservando ao Estado a complementaridade dessas ações; e à esfera federal, a normatização e o financiamento das políticas sociais.

Para atender ao Estatuto, são criadas instâncias operacionais e instâncias de garantia da cidadania das crianças e adolescentes, entre as quais os Conselhos de Direito e os Conselhos Tutelares. São mecanismos políticos de democracia participativa que permitem dar visibilidade ao gasto social público, instituindo a transparência e a publicidade das intervenções. Os conselhos ocupam lugar de instrumentos para uma política desencadeadora de transformações na quebra da Doutrina da Situação Irregular, vigente no período anterior. Também podem cumprir o papel de chamamento à responsabilidade na formulação de políticas sociais voltadas para a criança e o adolescente, bem como no acompanhamento quanto à sua efetivação.

O Estatuto da Criança e Adolescente permite que cada município adeque às suas demandas e características regionais a elaboração da Lei Municipal que determinará a criação do Conselho de Direito da Criança e do Adolescente. A partir de julho de 1990, quando da legalização do ECA, iniciou-se um movimento nacional para que os municípios implementassem com urgência os Conselhos de Direito da Infância e Adolescência (CMDCA) e os Conselhos Tutelares.

O Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescentes (CMDCA) é um espaço público institucional paritário entre governo e sociedade civil, com poder deliberativo e controlador das ações em todos os níveis, em especial no que tange à política de atendimento e de defesa dos direitos de crianças e adolescentes. Sua implantação requer: a elaboração de um anteprojeto pelo Executivo; trâmite e aprovação pela Câmara Municipal, pela Assembléia Legislativa ou pelo Congresso Nacional, conforme a esfera de poder em que

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está situado; sanção do Executivo; eleição de membros da sociedade civil; indicação dos representantes governamentais; decreto de nomeação no Diário Oficial; ato de posse; elaboração e aprovação de um regimento interno; e decreto de regulamentação do Fundo da Infância. O Conselho de Direitos pode atuar na formulação, na articulação e no acompanhamento das políticas sociais, promovendo um reordenamento institucional dentro da perspectiva da co-gestão entre sociedade civil e governo.

Outro espaço para a garantia do direito das crianças e do adolescente é o Conselho Tutelar. Esse conselho congrega os três eixos de sustentação do ECA: promoção, controle e defesa da criança e do adolescente. Em outras palavras, constitui a instância privilegiada para a visibilidade da atuação do Estatuto. O Conselho Tutelar é um espaço fundamental de reordenação da estrutura social, da política social e das instituições, pois é a instância que legalmente pode intervir na privacidade das famílias e, ao mesmo tempo, nas instâncias de poder, para garantir o atendimento da lei.

Pelo que dispõe o Estatuto, o Conselho Tutelar possui amplitude e alcance no âmbito municipal para exercer seu papel de operacionalizar o ECA. Tem o poder de fazer valer as políticas públicas no que diz respeito a infância e a adolescência, não só assessorando sua elaboração, mas também assegurando seu cumprimento.

A criação dos conselhos de direitos, tutelares e dos fundos dos direitos da criança e do adolescente impõe uma nova perspectiva na relação Estado-sociedade, pois as políticas e ações públicas passam a ser gestadas e controladas em um fórum participativo. Contudo, tal premissa pode não se realizar, caso a vitalidade do ECA perca-se nos entraves do aparato burocrático de sua implementação.

A garantia da proteção integral passa necessariamente por duas vias: pelas políticas públicas que possam diminuir a desigualdade social; e pela mobilização da sociedade civil. É necessário a participação da sociedade civil no processo de elaboração das políticas públicas, seu acompanhamento e avaliação. As novas formas de governo incluem o poder local, onde a população é convidada a exercer sua cidadania, o que implica a participação nas discussões da gestão das cidades e dos caminhos para solucionar as demandas do município.

O Sistema de Garantia de Direito previsto no ECA é, portanto, um conjunto articulado e controlado de ações governamentais e não governamentais (art. 86, Lei 9093/90) apoiado em três grandes eixos: promoção, defesa e controle social. No eixo da promoção estão atribuídos os serviços de caráter universal , respeitando a prioridade para a criança e o adolescente. Por sua vez, o eixo da defesa diz respeito aos aspectos relacionados a responsabilização das esferas do Estado, da sociedade e da família pela violação do direito da criança e do adolescente. Por fim, o eixo do controle diz respeito ao cumprimento dos preceitos legais e a articulação da sociedade civil.

Propomos agora uma discussão sobre o desafio da garantia da proteção integral para as crianças e adolescentes, 18 anos após a criação do ECA, colocando em questão a implementação de seus aspectos doutrinários, fundamento político, modelo decisório e modo de atuação. A discussão está construída a partir de dois modelos complementares.

Participação e gestão: Conceitos para as políticas públicas Com o surgimento dos aparatos institucionais do denominado Estado de Bem-Estar

Social, após a segunda guerra mundial, as políticas públicas concretizaram-se como campo de estudo, principalmente pela consecução de um novo contrato social. Contudo, trava-se um debate entre correntes teóricas e a forma como compreendem o processo participativo na gestão pública. Os pluralistas (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964) compreendem a participação como necessária pelos efeitos que gera nos participantes. Em contraponto, a vertente elitista

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burocrática entende a ampla participação como irrealizável (SCHUMPETER, 1984; MOSCA, 1966). O embate entre essas correntes é analisado por Marques (2003, p. 44):

A polaridade mais ampla presente no debate é entre estrutura e ação, que se desdobra em determinação versus contingência e em estabilidade versus dinâmica. As duas primeiras literaturas [teoria das elites e marxismo] destacam elementos presentes na estrutura da sociedade para descrever e analisar como o mundo político funciona. Ao fazê-lo, por vezes perdem a dinâmica social e não deixam muito espaço para a contingência. Os pluralistas, ao contrário, enfatizam os atores, suas estratégias e a dinâmica política. Entretanto, ao fazê-lo, muitas vezes deixam de lado as estabilidades, o contexto e os constrangimentos, dando a impressão que todos os resultados políticos são igualmente possíveis e que todos os atores têm iguais chances de vitória.

A tendência pluralista, portanto contratualista, encontrou terreno fértil e sustentação na época dourada do capitalismo mundial (Hobsbawn, 2002), mas começou a enfrentar barreiras para sua ampla realização, quando o sistema baseado na solidariedade demonstrou suas primeiras baixas. Isso decorre da impossibilidade de sustentar a lucratividade das grandes empresas condicionando um novo desenho para as políticas econômicas e, consequentemente, para as políticas públicas. Para superar esse modelo emergiu um novo modo de produção denominado flexível, que combina taxas variadas de emprego, produção e consumo maximizando os ganhos e investimentos do capital (PAULA, 2005). Boa parte dos discursos gerencialistas está associada ao contexto de uma teoria japonesa da produção (Toyotismo).

Além da visão flexível, ganha destaque também a visão empreendedora de sociedade. Nessa visão, ao analisar os principais documentos de apoio ao período gerencialista, Paula (2005) salienta que:

a cultura empreendedorista é definida como o conjunto de condições que promovem altos níveis de realização nas atividades econômicas do país, no campo da política e do governo, nas áreas de artes e ciências e também na vida privada (p. 45).

Com base nessas duas visões, acumulação flexível e empreendedorismo, inicia-se um movimento nomeado “reinventando o governo”. .Nessa visão, o Estado abriria mão do poder de intervenção econômica, cabendo funções regulatórias somente em espaços públicos, porém não-estatais (BRESSER-PEREIRA, 1998). Ou seja, o privado é valorizado em detrimento da vontade pública. Em busca da eficiência, a esfera política deveria manter-se afastada do núcleo estratégico das políticas públicas, cabendo as funções decisórias ao núcleo estratégico do Estado, ou seja, os técnicos. Aqui, na dicotomia entre técnica e política, a primeira prevalece. Nessa época, as políticas públicas viraram campo de disputa concreta e simbólica e as visões liberalizantes ganharam força na definição das agendas governamentais e na discussão da eficiência estatal.

Nessa visão, a sociedade influencia, por meio da opinião pública e de grupos de pressão, o poder público para a denominada formação da agenda. O modelo apresentado na figura 1 apresenta uma leitura para o processo de formação de uma política pública, que propomos para discussão. Esse modelo tem o mérito de demonstrar a realidade da formação

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de uma política pública para além da influência ou escrita de uma lei. Entende o processo de pressão política, mas desconsidera dimensões como transparência e controle social. Além disso, considera a formação de uma política pública como um processo linear, o que pode ser considerado um ponto falho de tal modelo.

Nogueira (2006), usando esse modelo para o estudo da continuidades das ações administrativas públicas, descreve cada uma das etapas de formação de uma política pública. Importante destacar que essa análise apresenta um viés institucionalista, ficando a cargo do governo e da gestão pública a responsabilidade de toda ação.

Figura 1 – Processo de formação de uma política pública

Fonte: Ripley (1995), apud NOGUEIRA (2006)

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A formação da agenda, etapa inicial, é um processo instável, pois depende de uma

disputa entre os interesses colocados na arena política e mesmo o rompimento com os filtros burocráticos que podem ser determinantes e isoladores da esfera social. Conforme Nogueira (2006, p. 34) aponta: “além disso, uma agenda pública dificilmente representará de forma satisfatória e equânime todas as questões consideradas relevantes por todos os diferentes grupos sociais”.

O Estado, nesse contexto, deve ser considerado como o centro de todo o processo de decisões que interpretam e materializam a intervenção das instituições ou mesmo do próprio Estado. Assim, cabe a figura de um Estado regulador. Nesse modelo, faz-se opção pelo fortalecimento do papel do Estado, inclusive por meio da realização de processos horizontalizados, que propõem caminhos para a reforma urbana, busca da eqüidade, justiça e cidadania.

A fase de formulação e legitimação é quando a agenda, ou demanda política, começa a ser incorporada dentro dos filtros institucionais e burocráticos. Nessa fase, por esse modelo, perde-se de vista a dimensão do controle social, inclusive exercida por Conselhos e Fóruns da sociedade civil. Ou seja, considera o Estado como um ente opaco às demandas sociais e a burocracia como instrumento de proteção frente a uma nova demanda. A objetividade que os métodos administrativos demandam impõem uma ação de racionalização dos processos para alcançar a resultados pré-definidos. Isso dialoga com constatações trazidas por TENÓRIO e STORINO (2000) que, analisando os projetos apresentados ao PGPC, concluem que a participação se dá mais para os “resultados” do que para o “processo” de definição das políticas públicas.

Nogueira (2006, p. 35) aponta que

essa etapa do ciclo se dá num processo complexo, difuso, que envolve diversos atores estatais e não-estatais, e que tem, como resultado, a seleção de uma ou de poucas alternativas que possam responder a um problema ou uma questão que tenha se destacado na agenda pública. Há dois pontos básicos que emergem: como se dá o processo de apresentação e seleção de alternativas e quem participa dele.

A terceira etapa, implementação, é vista como a realização das etapas anteriores, ou o

momento em que todo o planejamento passa a ser executado. Essa etapa é a tradução realizada pela gestão pública que coloca na balança a esfera da economia, já que lida com os aspectos materiais e contingências do aparelho do Estado e a política, pois transmite as demandas sociais para o campo da gestão.

Nogueira (2006) levanta algumas críticas para essa etapa do processo, segundo ele são dois pontos em xeque:

(1) a discricionalidade que os implementadores na ponta do processo têm e sua importância no desenvolvimento da implementação, e (2) o fato de que os programas, inseridos num ambiente dinâmico, sempre enfrentam situações não previstas – tanto de obstáculos a evitar como de oportunidades a aproveitar – e que demandarão revisões de objetivos e estratégias.

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Por fim, encontra-se avaliação e re-planejamento, fases que compõe o referencial e a validação dos efeitos realizados inicialmente e as conseqüências da trajetória realizada. Esse fluxo representa uma boa esquematização para sustentar as sequências e etapas do processo de uma gestão de política em geral. Contudo, tal fluxo demanda uma maior contextualização a partir de cada especificidade das políticas sociais. Gestão de Políticas públicas para a área da Infância e Adolescência: campo para o embate entre a visão societal e gerencial

A gestão das políticas públicas para a área da infância e adolescência sustentada pelos princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente se torna um desafio para todos os atores sociais envolvidos. Sob a perspectiva única da tecnicidade, essas políticas correm o risco de serem pautadas apenas por parâmetros técnicos e econômicos, fato que pode impedir uma convergência entre os resultados das políticas e as necessidades reais das crianças e adolescentes, deslegitimando assim a doutrina de proteção integral.

Nesse ponto, instituições como conselhos municipais, governo e mesmo organizações da sociedade civil alteram a dinâmica de gestão da política, pensada a partir das etapas de formação da agenda, legitimação, implementação, avaliação e replanejamento. Essas são etapas que devem priorizar a criança e o adolescente, sendo esses elementos centrais para a gestão das políticas. Essa centralidade permite compreender que na essência da atenção do sistema de garantia de direito se encontra o adolescente e a criança e que o sistema só existe em função deste. Portanto, para garantir o direito é necessária a articulação entre as instituições e atores do sistema de garantia, chegando às políticas públicas integradas.

O fluxo apresentado na figura 2 permite uma visão de conjunto e integrada do processo (visão sistêmica). Permite também a identificação das etapas do processo, possibilitando que os atores do sistema de garantia de direito se vejam nele. Com isso o fluxo possibilita a visualização dos pontos de controle e demonstra qual instituição tem por função legal àquela atividade.

O fluxo, sendo o passo a passo para a garantia do direito, uma vez não se realizando, permite identificar as incoerências e pontos fracos do processo possibilitando inclusive compreender onde a criança e o adolescente não encontra respaldo e ações institucionais. É importante destacar a dinâmica de controle social valorizada nessa leitura. A crítica institucionalista se dá justamente por dificultar o controle social nas fases de implementação das políticas sociais (Rezende, 2008; Schmidt, 2008). Uma análise crítica também é apresentada TENÓRIO e Storino (2000). Eles concluem, analisando os projetos apresentados ao Programa Gestão Pública e Cidadania da Fundação Getúlio Vargas que a participação social acontece mais para a definição dos “resultados”, do que acompanhamento do “processo” de definição e gestão das políticas públicas. Isso demonstra a dificuldade de cumprir a agenda de controle social.

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Figura 2 - Processo de Gestão da Política Pública para a Criança e Adolescentes nos princípios do ECA e da visão societal

Fonte: Autores a partir do modelo de Ripley (1995)

A primeira etapa desse fluxo nomeia os atores responsáveis pela formação da agenda para a gestão das políticas públicas. Nesse caso, são nomeados o governo, a sociedade civil os conselhos (municipal, estadual e nacional) e mesmo a sociedade civil em suas articulações como fóruns temáticos e articulações sociais. o resultado, ou o que ela produz, é a agenda para

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a garantia do direito à convivência familiar e comunitária de crianças e adolescentes. Com o foco na convivência familiar o fluxo elege como áreas prioritárias a moradia, a geração de renda, a garantia da pessoa com deficiência, o desenvolvimento infantil e os direitos socioeconômicos.

A visão societal dialoga com a segunda etapa do fluxo na medida em que permite a presença dos Conselhos como figura presente na formulação e legitimação de metas e programas. Outra instância de controle social é a justiça (políticas de justiça) com um olhar responsabilizador das instâncias de formulação das políticas. Por outro lado, essas instâncias não excluem a participação e o controle cidadão ao longo das atividades, essa atividade cria demanda por uma maior eficiência na exigência de políticas públicas para a área. Conclusões

O Estatuto da Criança e do Adolescente não diz respeito apenas à implementação de uma nova lei, mas também a um novo direito que surge no panorama nacional com o vigor dessa lei, gestada a partir da experiência vivida por diferentes movimentos sociais, crianças e adolescentes e suas famílias. Nasce marcada pela participação e no seu texto reforça essa preocupação como princípio central. O modelo proposto incorpora esse processo na medida em que coloca o exercício da participação como algo contínuo, em todas etapas. A participação não se dá ocasionalmente e como procura de um resultado. Acontece no processo e serve para a educatividade de crianças e adolescentes envolvidas, na medida em que o funcionamento das instituições estão relacionadas às qualidades e atitudes dos indivíduos que interagem com ela (ROUSSEAU, 2004; MILL, 1964). Nesse princípio a gestão da política nasce estimulada e influenciada pelas ações participativas, mas a dimensão do controle da sociedade civil, e mesmo do judiciário, enquadra o Estado dentro do interesse social. A institucionalidade e a tecnicidade servem ao interesse superior da criança e do adolescente. A crítica se dá pela visibilidade das instâncias de controle social, processo que rompe com a razão instrumental na execução da política pública e condiciona o exercício da gestão aos interesses e demandas sociais, especialmente de crianças e adolescentes. Nessa passagem, da tecnicidade para a a gestão compartilhada, saem as decisões contigenciadas mas ganha-se a riqueza da experiência da participação e a educatividade para um mundo a ser construído de acordo as memória sociais compartilhadas. Habermas acredita que os homens são capazes de agir e atingir os seus objetivos através da linguagem, comunicando-se com seus pares. Assim, surge o conceito da teoria da ação comunicativa de Habermas (1997, p. 418):

Chamo ação comunicativa àquela forma de interação social em que os planos de ação dos diversos atores ficam coordenados pelo intercâmbio de atos comunicativos, fazendo, para isso, uma utilização da linguagem (ou das correspondentes manifestações extraverbais) orientada ao entendimento. Na medida em que a comunicação serve ao entendimento (e não só ao exercício das influências recíprocas) pode adotar para as interações o papel de um mecanismo de coordenação da ação e com isso fazer possível a ação comunicativa

Habermas busca superar o conceito de racionalidade instrumental, ampliando o

conceito de razão, para o de uma razão que contém em si as possibilidades de reconciliação consigo mesma: a razão comunicativa. Essa razão e reformulada pela relação intersubjetiva, a partir da interação entre sujeitos, que buscam entender conceitos, formular argumentos e estipular a ética do grupo. Aqui está a base de toda argumentação proposta nesse artigo.

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Ao quebrar o esquema meio-fim essa razão, proposta por Habermas, dá bases para uma mudança paradigmática (cf. Kuhn, 1978). Orientada para uma finalidade, a razão se modifica para uma outra em um constante processo de estabelecimento dos significados comuns ao grupo. Aqui encontra-se o sentido de gestão social que segundo definição de Tenório (2002, p. 126)

contrapõe-se a gestão estratégica à medida que tenta substituir a gestão tecnoburocrática, monológica, por um gerenciamento mais participativo, dialógico, no qual o processo decisório é exercido por meio de diferentes sujeitos sociais

Nas palavras de Paula (2005, p. 15) “esta gestão social é entendida como uma ação

política deliberativa, na qual o indivíduo participa decidindo seu destino como pessoa, eleitor, trabalhador ou consumidor”. Assim, “O adjetivo social qualificando o substantivo gestão é percebido como o espaço privilegiado de relações sociais onde todos têm direito à fala, sem nenhum tipo de coação” (Tenório, 2006, p. 1146).

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