Gestão da Educação a Distância e da Inovação Educacional

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GESTÃO DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA E DA INOVAÇÃO EDUCACIONAL

Prof. Dr. Luciano Sathler*

ResumoAs metas universais acertadas entre os países que compõem os mecanismos de governança global apontam para a urgente demanda por Educação de qualidade acessível para todos, que supere barreiras econômicas e sociais, de forma inclusiva. A Educação a Distância pode ser considerada o princípio de uma inovação radical ou disruptiva, pois tem causado impactos significativos na democratização do acesso às instituições educacionais. É possível imaginar que estamos às vésperas de uma mudança ainda maior, para dar conta de novas demandas e possibilidades de inovações trazidas pela tecnologia e a própria sedimentação da modalidade no segmento da Educação Superior.

1. A Sociedade da Informação e as novas demandas sobre a EducaçãoAs pessoas e as organizações têm impulsionado mudanças profundas nas formas como a

aprendizagem é promovida e certificada. O cerne dessas demandas nasce das transformações dos cenários científicos e tecnológicos, com seus impactos sociais e econômicos, que nos apontam o alvorecer de algo novo, a chamada sociedade da Informação.

O poder e a riqueza mudam as suas fontes, assim como na transição entre a sociedade Agrária para a sociedade Industrial. Antes, o senhor da terra. Posteriormente, a propriedade das indústrias e ferrovias. Hoje em dia, o domínio das tecnologias digitais – que criam, distribuem, armazenam e consomem informação – parece aumentar os riscos da concentração de riquezas e da ampliação de oligopólios de extensões inauditas.

É amplamente aceito que estamos em meio a um fundamental e muito rápido processo de transformação. Na sociedade pós-industrial, em que a maior parte da riqueza está sendo criada nos setores não industriais da economia, percebe-se que o uso das tecnologias digitais tem o poder de moldar toda a estrutura econômica e social, com destaque à informatização dos meios de produção. A produtividade e a competitividade, em grande medida, dependem da capacidade de gerar, processar e aplicar de formas mais eficazes e aceleradas a informação baseada no conhecimento. A inovação torna-se a força motriz para codilhar os riscos da não permanência.

A sociedade da Informação não abole riscos tradicionais de exclusão. Ao contrário, os dados indicam o aprofundamento da marginalização, ainda que encoberta da opinião pública por ser mantida abaixo do horizonte midiático de massa, com outros temas mobilizadores de transformação social.

A Assembleia Geral das Nações Unidas considera os desafios relativos à sociedade da Informação como extremamente relevantes. Em 2015, vários documentos foram promulgados no âmbito da chamada WSIS+10, o movimento de revisão dos encaminhamentos e resultados da Cúpula mundial da sociedade da Informação (World summit on the Information society – WsIs), que teve suas duas fases realizadas em 2003 e 2005. Como parte do resultado das discussões, destacamos as declarações:

* Professor do Programa de Pós Graduação em Administração da Universidade Metodista de São Paulo, Diretor Nacional das Instituições Metodistas de Educação e Diretor da Associação Brasileira de Educação a Distância – ABED.

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Reafirmamos nosso desejo e compromisso comuns com a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação por construir uma Sociedade da Informação centrada nas pessoas, inclusiva e orientada para o desenvolvimento, onde todos possam criar, acessar, utilizar e compartilhar informação e conhecimento, capacitando indivíduos, comunidades e povos para que alcan-cem o seu pleno potencial na promoção do seu desenvolvimento sustentável e melhoria de sua qualidade de vida, tendo como premissas os propósitos e princípios da carta das Nações Unidas e da Declaração Universal dos Direitos Humanos... Porém, expressamos preocupa-ção, pois ainda há significativas barreiras digitais, entre nações e dentro dos próprios países, entre homens e mulheres, que precisam ser abordadas por meio de, dentre outras ações, o reforço de ambientes políticos e cooperação internacional para ampliar a acessibilidade, o acesso, a educação, a capacitação, o multilinguismo, preservação cultural, investimento e financiamento adequado. Além disso, reconhecemos que a questão de gênero existe como uma das principais barreiras digitais hoje existentes, e incentivamos todas as partes interes-sadas para que garantam a plena participação das mulheres na Sociedade da Informação e o acesso das mulheres às novas tecnologias, especialmente nas Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC para o desenvolvimento (ONU, 2015, p. 3).

A computação social, por exemplo, tem transformado o panorama da aprendizagem, ao fornecer oportunidades sem precedentes para a aprendizagem autodirigida, colaborativa, e ao longo da vida, entre outras possibilidades. Tornam-se porosos os limites entre a escola e a casa; entre educação formal, não formal e informal; entre professores e alunos; entre formação escolar e jornalismo; entre os sistemas de gerenciamento de conteúdo e ferramentas que trabalham o Big Data, precursores da Inteligência Artificial.

A discussão acadêmica sobre as demandas por novas habilidades e competências na sociedade da Informação é altamente controversa. No entanto, é agora amplamente aceito que há uma demanda crescente por mais pessoas com maior nível de formação.

Os processos de reestruturação com base nas tecnologias digitais exigem uma série de novas habilidades e competências técnicas ou digitais, mas essas representam apenas uma dimensão de um novo perfil de habilidades e competências necessárias.

Há uma nova demanda por competências sociais, incluindo a capacidade de se comunicar, confiar e ser confiável. Há também uma grande busca por competências de gestão, conhecimento prático e percepção de contextos, inclusive internacionais. Talvez o mais importante que se espera é a criatividade, somada ao pensamento crítico e à cidadania, o que pede uma Educação absolutamente comprometida com o desenvolvimento de Valores Éticos e Virtudes. A metacognição e o “aprender a aprender” são os fundamentos desse novo cenário da aprendizagem.

A figura 1 ilustra o ritmo das mudanças que acontecem na Educação em seguida às transformações sociais. E demonstra que cresce o sofrimento social enquanto a Educação ainda não adota novos modelos para dar conta das inéditas demandas da sociedade.

A escolarização pública e universal foi a resposta da Educação às transformações impulsionadas pela Revolução Industrial. Nessa época, a máquina e o relógio eram os padrões máximos de organização. Como resultado, a partir da primeira metade do século XIX, os sistemas educacionais foram feitos à imagem da linha de montagem, numa concepção mecanicista, organizados em estágios discretos, chamados de séries, que segregaram as crianças por idade. Para cada estágio, supervisores locais, o professor. Classes com grupos uniformes reuniam-se por períodos idênticos, com o objetivo prioritário de preparar para os testes. A arquitetura e a gestão da escola eram projetadas para manter

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uma velocidade uniforme, com sinetas e horários rígidos. Havia pouca autonomia docente, pois o currículo era padronizado externamente, por especialistas. Disciplina é a palavra-chave.

Figura 1. A corrida da Educação e os novos modelos de sociedade (OCDE, 2014)

O resultado desse pensamento da era da máquina foi um modelo de escola separado da vida cotidiana, governado de forma autoritária, orientado, acima de tudo, para produzir um produto padronizado – a mão-de-obra necessária para o local de trabalho da era industrial, dependente da manutenção do controle... Assim como a escola foi a instituição geradora do pensamento da era industrial, também pode ser a base para criar sociedades mais orien-tadas para a aprendizagem. Na verdade, o momento de inculcar o pensamento sistêmico é quando somos bem jovens e as intuições inatas sobre a interdependência ainda estão vivas: antes que temas acadêmicos fragmentados nos transformem em reducionistas especialistas (SENGE et al., 2005, p. 31).

As metas universais acertadas entre todos os países que compõem os mecanismos de governança global apontam para a urgente demanda por Educação de qualidade acessível para todos, que supere barreiras econômicas e sociais, de forma inclusiva.

Por exemplo, o Fórum Mundial de Educação, realizado em 2015, contou com mais de 130 ministros de Educação e milhares de participantes, entre organizações da sociedade civil, agências multilaterais de cooperação, professores, ativistas e experts. Na ocasião, foi acordada uma nova agenda da Educação, sintetizada na Declaração de Incheon (UNESCO, 2015), que irá vigorar entre 2015 e 2030, tendo como temas centrais:

• O Direito à Educação, assegurar educação equitativa e inclusiva de qualidade e aprendizagem ao longo da vida para todos até 2030;

• A Equidade na Educação, acesso e aprendizagem equitativa, particularmente para meninas e mulheres;

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• A Educação Inclusiva, que responde e se adapta a cada estudante, mantendo-se relevante para a sociedade e para o respeito à cultura;

• A Educação de Qualidade, com professores capacitados e apoiados; • A Educação por Toda a Vida, para garantir a construção dos conhecimentos e

capacidades necessários para a realização das aspirações individuais e contribuição das pessoas com suas sociedades.

Já a Conferência Mundial da Educação Superior, realizada em 2009, reuniu semelhante público, inclusive 140 ministros da Educação, e estabeleceu como meta dobrar a população universitária mundial até 2022. Na declaração resultante do encontro, os signatários destacam a importância da Educação Aberta e a Distância como estratégia para permitir alcançar os objetivos propostos, inclusive para atender à crescente demanda pela boa formação de mais professores (UNESCO, 2009, p. 3).

Ou seja, a sociedade da Informação incita as escolas e instituições de Educação Superior, bem como os gestores públicos que se dedicam à Educação, a inovar sem perder a essência, imaginar e construir um futuro cuja semente já germina há algum tempo, sendo possível vislumbrar alguns de seus ramos e frutos em diferentes pontos.

2. A Educação a Distância como uma inovação educacionalApesar da história da Educação a Distância (EaD) remontar a centenas de anos – ou até

milhares, a depender do autor – fica claro que foi estabelecida uma nova dinâmica nesse campo a partir do fenômeno da Internet. Um dos objetivos desse texto é analisar a EaD na perspectiva da Inovação em nível das Instituições de Educação Superior (IES).

No Brasil, é comum encontrar empreendedores visionários na gênese das inovações nas IES, homens e mulheres com poder de decisão quase sempre monocrático, para permitir avançar em meio às incertezas sobre os resultados das novas atividades. Não se sabe de antemão qual será o impacto das mudanças. Envolve investimentos, seja na aquisição de ativos fixos ou intangíveis, assim como outras atividades que possam gerar retornos potenciais no futuro, como a formação de pessoas.

A inovação visa a melhorar o desempenho de uma organização com o desenvolvimento de vantagens competitivas ou, simplesmente, a manutenção da competitividade por meio da mudança da curva de demanda de seus produtos ou serviços. Aumentar a qualidade dos serviços educacionais, oferecer novos cursos ou metodologias, conquistar novos grupos de alunos ou reduzir a curva de custos são exemplos dos efeitos em IES.

O Manual de Oslo (OCDE, 2015) define que uma “inovação é a implementação de um produto (bem ou serviço) novo ou significativamente melhorado, ou um processo, ou um novo método de marketing, ou um novo método organizacional nas práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas”.

Ainda de acordo com o mesmo estudo (apud, 2015), as “atividades de inovação são etapas científicas, tecnológicas, organizacionais, financeiras e comerciais que conduzem, ou visam conduzir, à implementação de inovações. Algumas atividades de inovação são em si inovadoras, outras não são atividades novas mas são necessárias para a implementação de inovações. As atividades de inovação

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também inserem a Pesquisa e o Desenvolvimento (P&D) que não estão diretamente relacionados ao desenvolvimento de uma inovação específica”.

É possível desdobrar a inovação em quatro tipos:• Inovações de produto ou serviço, o que inclui bens e serviços totalmente novos e

aperfeiçoamentos importantes para produtos ou serviços existentes. • Inovações de processo, que representam mudanças significativas nos métodos de

produção e de distribuição.• As inovações organizacionais referem-se à implementação de novos métodos, como

mudanças em práticas de negócios, na organização do local de trabalho ou nas relações externas da empresa.

• As inovações de marketing envolvem a implementação de novos métodos, incluindo mudanças no design do produto e na embalagem, na promoção do produto e sua colocação, além de métodos de estabelecimento de preços de bens e de serviços.

Uma inovação em uma IES pode ser nova para o segmento educacional ou nova para o mundo quando não foi ainda implementada por outras organizações. As pioneiras na implementação de inovações podem ser consideradas condutoras do processo de inovação. No Brasil, em termos de EaD, a Universidade do Norte do Paraná (UNOPAR) talvez seja a instituição que mereça esse título, por ter sido a primeira a ofertar cursos de Graduação e Pós-Graduação EaD em um modelo que acabou tornando-se padrão para muitas IES que adentraram posteriormente na modalidade.

O modelo adotado pela UNOPAR para os cursos de Graduação EaD convocava o aluno uma vez por semana a um dos polos de apoio presencial para participar de encontros. Esses se configuravam em unidades de apoio local, o que incluía o trabalho de tutores presenciais aptos a apoiar os estudantes no acompanhamento dos cursos. Outros funcionários ofereciam também suporte administrativo, além de possibilitar o acesso a bibliotecas, laboratórios de informática, internet e a recepção de aulas via satélite, ao vivo ou gravadas previamente. Tratava-se, na prática, do blended learning, que permitia a experiência híbrida do estudo autônomo, via computador ou outro equipamento, com a participação presencial e a distância numa turma que se apoiava mutuamente.

A carga horária em vídeo permitia menor volume de leitura ao longo da semana, ainda que o aluno EaD tivesse maior cobrança nesse quesito do que um estudante de curso presencial. O polo de apoio presencial e as transmissões via satélite possibilitavam superar as barreiras geográficas regionais, ainda presentes nos dias de hoje, como a distribuição desigual ou inexistente de internet com qualidade adequada e suficiente. Os investimentos na formação dessa nova rede de distribuição eram partilhados, o que garantiu um crescimento rápido. O material didático era criado especificamente para a modalidade EaD, dialogava com livros disponibilizados fisicamente e em formato digital, em consonância com o projeto pedagógico do curso. A escala possibilitou a prática de preços menores, o que se somava à flexibilidade de tempos, espaços e ritmos para o estudo. É possível observar os quatro tipos de inovações já citados nessas práticas aqui brevemente relatadas.

O benefício de estar à frente na adoção de inovações que dão certo é que a posição competitiva conquistada pode se tornar inalcançável para novos entrantes ou instituições tradicionais do segmento, que são mais lentas para se organizarem quanto a explorar novas oportunidades. Em 2014, os cinco maiores grupos educacionais que atuam na EaD concentravam quase 72% do total de alunos matriculados em cursos de Graduação. Isso inclui a Kroton, que adquiriu a UNOPAR, em 2011, e se fundiu com a Anhanguera, também forte em EaD, em 2012. Veja o gráfico 1.

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Gráfico 1. Percentual de matriculados em IES privadas e comunitárias – Graduação EaD 2014

(Fonte: INEP, 2015)

A EaD pode ser considerada o princípio de uma inovação radical ou disruptiva na Educação, pois tem causado impacto significativo no segmento e na atividade econômica das instituições educacionais. Esse conceito é centrado no impacto das inovações, em oposição à sua novidade. O impacto pode, por exemplo, mudar a estrutura do setor, criar novos nichos de mercado ou tornar serviços existentes obsoletos. Na medida em que as metodologias, tecnologias e outras estratégias associadas à EaD forem incorporadas pelo ensino presencial, será possível verificar a chamada hibridização. Essa é uma tendência demandada tanto pelo novo perfil dos alunos quanto pelas necessidades da própria sociedade da Informação.

De acordo com o Censo da Educação Superior 2014 (INEP, 2015), enquanto na modalidade presencial as IES privadas possuem 71,9% do total de matrículas na graduação, na modalidade a distância essa participação é ainda maior, 89,6%. Comparado com 2013, o número de ingressos nos cursos a distância cresceu 41,2%; já nos cursos presenciais, o aumento foi de 7%, o que é uma evidência de que os cursos a distância estão em clara expansão.

Das matrículas nos cursos de licenciatura registradas em 2014, 41,2% estão em instituições públicas e 58,8% estão em IES privadas, de um total de 1.466.635 alunos. Mais da metade das matrículas em cursos de licenciatura na rede privada é oferecida na modalidade a distância (51,1%). Na rede pública, esse índice é de 16,6%.

Com o crescimento das matrículas de cursos tecnológicos a distância, essa modalidade já representa mais de 1/3 das matrículas, sendo que 62,6% dos estudantes matriculados na educação tecnológica de graduação estão em cursos presenciais, de um total de 1.029.767 alunos. Entre 2013 e 2014, o número de matrículas em cursos tecnológicos de graduação a distância teve crescimento de 12,7%.

Na modalidade a distância, o crescimento percentual de ingressantes em cursos de Graduação foi mais acentuado (41,2%) entre 2013 e 2014, enquanto na modalidade presencial o aumento foi de 7% no mesmo período.

Entre 2003 e 2014, o número de ingressos variou positivamente, 54,7% nos cursos de graduação presenciais e mais de 50 vezes nos cursos a distância. Enquanto na modalidade presencial

Kroton36,3%

Uninter9,9%

Unip / Objetivo; 8,8%

Uniasselvi8,2%

Estácio de Sá; 8,2%

Outros28,7%

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há uma predominância dos cursos de bacharelado (73,1% do total), na modalidade a distância há um equilíbrio entre os graus acadêmicos, com ligeira superioridade dos cursos de licenciaturas (37,4%), seguidos dos tecnológicos (33,9%) e dos bacharelados (28,8%).

Há uma clara tendência de mudança no perfil do aluno de Graduação EaD. Isso pode ser observado pela média de idade dos matriculados, que decresce a cada ano. E também na mudança do perfil de alunos por grau acadêmico pois, de 2008 a 2014, as matrículas em bacharelados aumentaram 283%, nos tecnológicos o acréscimo foi de 259%, enquanto as licenciaturas cresceram apenas 84%. Veja o gráfico 2.

Gráfico 2. Número de Matrículas em Cursos de Graduação a Distância em IES privadas e comunitárias, segundo o Grau Acadêmico – Brasil – 2008-2014

(Fonte: INEP, 2015).

Interessante notar que as variações do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro não parecem apresentar nenhuma relação direta com o crescimento das matrículas nos cursos de Graduação EaD, ao contrário do comportamento observado no crescimento da proporção de domicílios com acesso à internet. Ou seja, há uma coincidência da linha de tendência entre mais pessoas que têm acesso e se familiarizam com a Web e a crescente demanda por cursos a distância, o que pode ser suspeitado a partir dos dados demonstrados no gráfico 3.

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Gráfico 3. Variação percentual de matrículas em cursos de Graduação a distância x variação percentual do PIB Brasil x proporção de domicílio com acesso à internet – 2010-2014

(Fontes: INEP, 2015; BACEN, 2015; CETIC).

É possível imaginar que, após 10 anos da publicação do Decreto 5.622, de 19/12/2005, que marcou o início da expansão mais forte das matrículas nos cursos de Graduação e Pós-Graduação a distância no país, estamos às vésperas de uma mudança na EaD brasileira, para dar conta de novas demandas e possibilidades de inovações trazidas pela tecnologia e a própria sedimentação da modalidade no segmento da Educação Superior.

3. A gestão da Educação a Distância na perspectiva da inovação educacionalSó vai chegar onde quer quem primeiro determinar onde quer chegar. O posicionamento

competitivo é a matriz de onde nascem as estratégias responsáveis por conduzir ao sucesso ou ao fracasso de uma IES.

É preciso ter clareza se a IES vai se posicionar com base em um ou mais fatores de diferenciação – qualidade, inovação, internacionalização, empregabilidade, rede de contatos, tradição, localização, exclusividade etc. –, ou se o preço será seu principal atrativo – custo menor, prazo de pagamento, financiamentos internos e externos, cursos realizados com duração estendida etc. Veja a figura 2.

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Figura 2. Estratégias genéricas de Porter (adaptação pelo autor de GHEMAWAT, 2000, p. 65)

Outra fonte de posicionamento competitivo é ter o foco em uma ou outra área de conhecimento, ser a que melhor conhece e prepara para a região onde se localiza ou quaisquer fontes de valor agregado que sejam facilmente perceptíveis pelos públicos-alvo definidos.

Ousamos afirmar que a EaD tornou-se uma estratégia obrigatória para todas as IES, seja qual for o seu tamanho, localização, tradição ou posicionamento competitivo. Faz-se necessário incluir a EaD nas decisões organizacionais, ainda que sob diferentes possibilidades de escolhas: expansão nacional, expansão regional, defesa da posição local, blended learning para cursos presenciais, participação em consórcios cooperativos, gestão de portfólio de cursos, atendimento a diferentes públicos-alvo ou, simplesmente, para reforçar a oferta exclusivamente presencial, ao agregar valores que a EaD eventualmente não possa suprir.

A mudança do perfil dos alunos, tanto no presencial quanto na EaD, somada às novas demandas da sociedade da Informação, junta-se às novidades tecnológicas que tornam ubíqua a interação síncrona, com imagem em tamanho natural e som perfeito, e às possibilidades das formas criativas de lidar com grandes quantidades de dados captados no universo digital para oferecer experiências de aprendizagem personalizadas e surpreendentemente instigantes.

Tendo em vista a velocidade das mudanças e o risco de perder o rumo na História, é importante estabelecer uma cultura de inovação nas IES. A experiência tem demonstrado que mesmo programas bem estabelecidos de EaD podem sofrer reveses profundos se não forem permanentemente nutridos por inovações ou se passam a ser administrados por burocratas estéreis, cuja capacidade imaginativa restringe-se à norma já existente.

Em um amplo estudo realizado no âmbito do American Council on education’s Change and Innovation Lab, Morris e Setser (2015) definiram cultura de inovação como “nutrir um ambiente que continuamente introduz novas ideias ou formas de pensar para, em seguida, traduzi-las em ações para resolver problemas específicos ou aproveitar novas oportunidades”.

Os autores identificaram sete fatores que acreditam ser necessários para catalisar, permitir e manter uma cultura eficaz de inovação ao longo do tempo. Trata-se de um conjunto dinâmico e interativo, que pode promover ou restringir a cultura de inovação.

Detalhamos, a seguir, cada um dos fatores e subfatores na esperança de que proporcionem uma reflexão e novos caminhos, que gestores universitários possam se inspirar sobre quais ações priorizar e como acompanhar o seu progresso ao longo do tempo.

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VisãoPrimeiramente, é preciso reconhecer e definir o(s) problema(s) a ser(em) resolvido(s) e a necessidade de inovar para desenvolver soluções radicalmente melhores para os estudantes e suas famílias.

Propósito O trabalho deve ser imbuído de um senso claro de propósito e intenção estratégica. Isso responde a perguntas “e daí?”, que muitas vezes surgem no contexto do trabalho de inovação.

Permissão

A diretiva clara e explícita para os outros na equipe, para que tentem novas abordagens e abracem a aprendizagem que vem com o fracasso. Para ser significativa, a permissão deve ser acompanhada por recompensas por assumir riscos e trazer novos aprendizados, mas também requer que os membros da equipe tenham a liberdade para fracassar enquanto projetam ou testam novas ideias e formas de pensar.

Rotina

Porque é desconhecido, muitas vezes os membros da equipe precisam desenvolver “modelos mentais” (por exemplo, ritmo e cronograma) para permitir a inovação. A definição de um ciclo ou cronograma para os seus esforços ajuda a tornar rotineiras as práticas de inovação e as incorpora rapidamente na cultura.

Urgência Se você alcançar progressos tangíveis, é necessário abordar o trabalho com um incrível senso de urgência – estabeleça metas agressivas e prazos.

Escolhas

Inovação frequentemente força escolhas difíceis, especialmente em torno da qualidade – nossos primeiros esforços não são sempre os melhores, sendo essa uma preocupação real e válida quando falamos de Educação Superior. Compreender quais são os limites da instituição em torno de seus valores fundamentais é importante, pois as escolhas muitas vezes vão colocá-los em disputa entre si. Prepare-se para fazer escolhas difíceis e entender que essas opções podem custar algo que é profundamente valorizado.

Humildade Esse é um trabalho complexo, por isso é aconselhável manter-se humilde sobre o que é conhecido, o desconhecido e ainda não possível de conhecer.

Tabela 2. COMUNICAÇÃO

Clareza Os líderes devem se esforçar para estabelecer definições claras, objetivos e resultados desejados para a inovação, para que as metas sejam evidentes a todos os membros da equipe.

Demonstração A comunicação eficaz não é apenas explicar e descrever as metas de inovação, mas também demonstrar a sua necessidade e como se baseia nas experiências e trabalhos do passado.

CampeõesIsso é importante para promover – tanto para inovações específicas quanto para o ambiente que vai fazer indivíduos e grupos se sentirem confortáveis tentando coisas novas, públicas e privativamente.

Engajamento

Você deve envolver ao máximo e de forma autêntica as principais partes interessadas no processo, por métodos tais como a escuta ativa e o diálogo. Existem maneiras de estruturar o engajamento das partes interessadas para promoverem e ajudarem o processo de inovação sem torná-lo ingovernável. Stakeholders geram percepções de valor inestimável que não podem ser obtidas em outra fonte.

Transparência Ao compartilhar lições honestamente, mesmo quando surgem de falhas, você modela o(s) comportamento(s) que deseja para promover, recompensar e valorizar.

Frequência Compartilhe experiências de seu trabalho rápido e muitas vezes para acelerar a curva de aprendizado da IES.

Tabela 1. LIDERANÇA

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EquipeInvestir na capacidade de sua equipe para assumir e executar o trabalho da inovação é fundamental para o sucesso. Por exemplo, oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional fora do planejado ou ajudando-os a cultivar e participar em redes de experts.

TempoAs IES precisam explicitamente dedicar tempo dos membros individuais da equipe para a inovação, bem como garantir o cumprimento dos horários dedicados a esse tema em toda a organização.

Recursos Financeiros

É essencial que as IES criem ou reservem fundos dedicados a investir no desenvolvimento e implementação de inovação. Em um ambiente de recursos escassos, onde e como uma organização investe demonstra seu compromisso com a mudança da cultura.

Tabela 4. ESTRUTURAS E PROCESSOS

Estruturas LevesAs IES precisam de estruturas leves, como prototipagem rápida e oportunidades de inovações de ciclo curto, que são deliberadamente concebidas para apoiar e permitir a uma cultura de inovação contínua.

Reforço de Processos

As IES precisam de processos claros e consistentes para promover, apoiar e recompensar a inovação. Esses processos devem reforçar continuamente o seu compromisso com a inovação, mesmo quando esses esforços nem sempre levem a sucessos muito claros em princípio.

Hábitos Com estruturas e processos em andamento, membros da equipe podem começar a desenvolver “hábitos mentais” – com o ritmo e as rotinas da inovação regulamentadas.

Tabela 3. ALOCAÇÃO DE RECURSOS

Tabela 5. CAPACIDADE

Modelo Mental Todos na equipe devem desenvolver uma tolerância ao risco, o conforto com o medo do fracasso e uma “mentalidade de amadurecimento”.

Conhecimentos e Competências

Os membros da equipe, em todos os níveis da IES, devem desenvolver os conhecimentos, competências e habilidades para serem efetivos e inovadores.

Habilidade para Executar

Sem a capacidade essencial para executar, os impactos da inovação serão limitados e temporários. Culturas de inovação bem-sucedidas frequentemente envolvem a “liderança distribuída”, onde todos os membros da equipe, independentemente do nível organizacional, têm poder para agir em prol do sucesso do projeto e assim o fazem.

Suporte Os indivíduos e as equipes precisam de formação contínua, apoio e oportunidades para praticar a sua busca de novas abordagens.

Tabela 6. DIRETRIZES INSTITUCIONAIS

Orientação

O ambiente nas universidades, centros universitários e faculdades pode ser preventivo (restringe a inovação), permissivo (permite, mas não oferece suporte) ou facilitador (promove ativamente, suporta e recompensa a assunção de riscos). Na verdade, uma única instituição pode exibir todas as três orientações, dependendo do departamento ou programa. Ao fazer a autoavaliação, não se esqueça de ser claro sobre a unidade de análise. Se a IES exibe duas ou três dessas orientações simultaneamente, considerar qual é a mais comum e quando é praticada.

Valorizar as Entregas e Remover Barreiras

Os líderes devem buscar ativamente criar mais políticas que promovam e recompensem comportamentos inovadores que devem ser encontrados, ao mesmo tempo em que são extintas as políticas que inibem a inovação.

Incentivos Alinhados Toda vez que possível, os incentivos ao nível do sistema devem estar alinhados com os resultados buscados.

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Hipóteses Mensuráveis

Os líderes devem ser explícitos sobre quais os problemas tangíveis ou barreiras à inovação irão ajudar a superar as necessidades que serão mais bem atendidas e servidas com essas realizações.

Prototipagem Rápida

Experimentar a ideia em um pequeno projeto-piloto vai permitir um feedback rápido. Ou experimentar uma versão em pequena escala do conceito completo, por um curto período, permitirá um começo mais cedo, retornos ágeis e movimentar a inovação para a frente.

Medição dos Progressos

Métricas são necessárias para acompanhar os progressos. É preciso ter uma noção clara dos resultados pretendidos e onde se quer chegar; e como as inovações são, por definição, diferentes dos velhos processos e serviços, os indicadores de desempenho provavelmente precisarão ser também novos.

Gestão da Mudança

Uma cultura eficaz e sustentável de inovação normalmente não surge por si só; precisa ser intencionalmente perseguida e gerida ao longo do tempo, por meio do foco em métricas claras e melhoria contínua.

Qualquer esforço para definir o que constitui uma forma eficaz de promover uma cultura organizacional de inovação é algo inerentemente complexo. Os conceitos-chave, a língua para descrever esses conceitos e os exemplos destes na prática nem sempre alcançam um significado compartilhado que permita entendê-los como são, por vezes, sobrepondo-se e continuamente evoluindo.

Entretanto, se quisermos tornar significativo o progresso em transformar radicalmente a aprendizagem por meio da EaD, a ponto de contaminar positivamente o ensino presencial, devemos desenvolver princípios, ferramentas e suporte necessários para construir e nutrir as IES para que façam esse trabalho.

A inovação deve ser a estratégia-mor a orientar todas as demais, pois se não for enfatizada com muita intensidade com as poucas atividades que realmente são as mais importantes, corre-se o risco de nada importar muito ou de tudo importar pouco. “Imprecisão e indecisão são geradoras de entropia” (ZOOK e ALLEN, 2012, p. 145).

A disponibilidade de um processo de alta visibilidade de inovação, com ritmo regular e métodos estruturados, para garantir informações externas objetivas e trazer os fatos internos à luz quando necessários, é essencial para qualquer IES que dependa do sucesso em condições de extrema competição, como condição de sobrevivência.

ReferênciasBACEN. Produto Interno Bruto e taxas médias de crescimento, Banco Central do Brasil, 2015. Disponível em < http://goo.gl/ZM3dRJ> acesso em 15/01/2016.

CGI. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e Empresas 2010. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2011.

CGI. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e Empresas 2011. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2012.

CGI. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e Empresas 2012. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2013.

CGI. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação no Brasil: TIC Domicílios e Empresas 2013. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2014.

Tabela 7. AGENDA DE APRENDIZAGEM

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CGI. Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e Comunicação nos domicílios brasileiros: TIC domicílios 2014. São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2015.

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Page 15: Gestão da Educação a Distância e da Inovação Educacional

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AFILIADA À

C146 Caminhos da educação a distância: uma década de democracia, aprendizagem e experiência / Organizadora Adriana Barroso de Azevedo. São Bernardo do Campo : Universidade Metodista de São Paulo, 2016. 143 p.

Bibliografia ISBN 978-85-7814-338-1

1. Educação a distância 2. Educação a distância - Universidade Metodista de São Paulo 3. Educação e tecnologia 4. Tecnologias digitais de informação e comunicação I. Azevedo, Adriana Barroso de

CDD 378.1758

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