Gestão Ambiental Descentralizada

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GESTÃO AMBIENTAL DESCENTRALIZADA: UM ESTUDO COMPARATIVO DE T RÊS MUNICÍPIOS DA AMAZÔNIA BRASILEIRA

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Gestão Ambiental Descentralizada - um estudo comparativo de três municípios da Amazônia BrasileiraMinistério do Meio Ambiente - Brasil

Transcript of Gestão Ambiental Descentralizada

  • Gesto AmbientAl DescentrAlizADA:Um estUDo compArAtivo De trs mUnicpios

    DA AmAzniA brAsileirA

  • Presidncia da Repblica

    Presidente Luiz Incio Lula da Silva

    Vice-Presidente Jos Alencar Gomes da Silva

    Ministrio do Meio Ambiente

    Ministra Marina Silva

    Secretrio Executivo Cludio Langone

    Secretaria de Coordenao da Amaznia

    Secretria Muriel Saragoussi

    Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil

    Coordenadora Geral Nazar Soares

    Secretaria de Coordenao da Amaznia SCA

    Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil

    Projeto de Apoio ao Monitoramento e Anlise AMA

    Esplanada dos Ministrios, Bloco B, 9 andar

    70.068-900 Braslia - DF

    Tel.: 55 61 4009-1489

    Fax: 55 61 322-3727

    E-mail: [email protected]

  • 6Braslia, 2005

    Fabiano ToniPablo Pacheco

    Srie Estudos

    Gesto AmbientAl DescentrAlizADA:Um estUDo compArAtivo De trs mUnicpios

    DA AmAzniA brAsileirA

  • T665g Toni, Fabiano Gesto ambiental descentralizada : em estudo comparativo de trs municpios da

    Amaznia Brasileira / Fabiano Toni, Pablo Pacheco. Braslia : Ministrio do Meio Ambiente, 2005.

    73p. ; 28cm. (Srie Estudos, 6) Inclui Biblografia 1. Gesto ambiental. 2.Programa ambiental. 3.Amaznia. I.Ministerio do Meio Ambiente.

    II. Secretaria de Coordenao da Amaznia - SCA. III. Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil. IV.Projeto de Apoio ao Monitoramento e Anlise AMA. V. Ttulo. VI.Srie.

    CDU (2ed.) 502.35

    Conceitos emitidos e informaes prestadas nesta publicao so de inteira responsabilidade do autor

    Srie Estudos uma publicao do Projeto de Apoio ao Monitoramento e Anlise do Programa Piloto para a Proteo das Florestas Tropicais do Brasil, vinculado Secretaria de Coordenao da Amaznia do Ministrio do Meio Ambiente.

    Projeto de Apoio ao Monitoramento e Anlise AMA

    Coordenador: Brent H. Millikan Estudos Flvia Pires Nogueira Lima Fernando Negret Fernandez Onice Teresinha DallOglio Monitoramento Larissa Ho Bech Gaivizzo Rassa Miriam Guerra Disseminao Clia Chaves de Sousa Kelerson Semerene Costa Plcido Flaviano Curvo Filho Sonia Maria de Brito Mota

    Cooperao Tcnica Alem GTZ Petra Ascher

    Apoio Administrativo: Eleusa Zica Paula Lucatelli

    Projeto Grfico: Formato 9

    Diagramao: Edies Ibama Carlos Jos

    Capa: Edies Ibama Denys Mrcio

    orelha da capa: Arte original de Isabella LaraNormalizao Bibliogrfica: Edies Ibama Heliondia C. Oliveira

    Ministrio do Meio Ambiente Distribuio Dirigida: 1.000 exemplares

    Este estudo foi realizado com a colaborao da Cooperao Tcnica Alem - GTZ

  • Lista de sigLas

    AjopAm AssociAoRuRAlJuinenseoRgAnizAopARAAJudAMtuA

    AMA pRoJetodeApoioAoMonitoRAMentoeAnlise

    AMAt AssociAodeMunicpiosdeARAguAiAetocAntins

    AMot AssociAodosMineRAdoResdeouRodotApAJs

    ApA ReAdepRoteoAMbientAl

    AsfitA AssociAodosFilhosdeitAitubA

    cFeM coMpensAoFinAnceiRApelAexploRAodeRecuRsosMineRAis

    ComAm conselhoMunicipAldeMeioAMbienteMARAb

    CondemA conselhoMunicipAldedesenvolviMentoeMeioAMbienteJunA

    CreA conselhoRegionAldeengenhARiA,ARquitetuRAeAgRonoMiA

    dnpM depARtAMentonAcionAldepRoduoMineRAl

    emAter eMpResAdeAssistnciAtcnicAeextensoRuRAl

    embrApA eMpResAbRAsileiRAdepesquisAAgRopecuRiA

    empAer eMpResAMAto-gRossensedepesquisAAgRopecuRiA

    FAi FAculdAdesdeitAitubA

    femA FundAoestAduAldoMeioAMbienteMt

    FMA FundoMunicipAldeMeioAMbiente

    FMA FundoMunicipAldeMeioAMbienteMARAb

    FnMA FundonAcionAldeMeioAMbiente

    gtA gRupodetRAbAlhoAMAznico

    gtz deutschegesellschAFtFRtechnischezusAMMenARbeit

    ibAm institutobRAsileiRodeAdMinistRAoMunicipAl

    ibAmA institutobRAsileiRodoMeioAMbienteedosRecuRsosnAtuRAisRenovveis

    ibge institutobRAsileiRodegeogRAFiAeestAtsticA

    ieb institutointeRnAcionAldeeducAodobRAsil

    inCrA institutonAcionAldecolonizAoeReFoRMAAgRRiA

    indeA institutodedeFesAAgRopecuRiAMAtogRosso

    ivc institutocentRodevidA

    LAsAt lAboRAtRioscio-AMbientAldeARAguAiAetocAntins

    Mde MinistRiododesenvolviMentoAgRRio

    pAdis pRogRAMAdeApoioAodesenvolviMentoinstitucionAlesustentvel

    pd/A subpRogRAMApRoJetosdeMonstRAtivos

    pdds plAnodiRetoRdedesenvolviMentosustentvelitAitubA

    pgAi pRoJetodegestoAMbientAlintegRAdA

    proAmbiente pRogRAMAdedesenvolviMentosocioAMbientAldApRoduoFAMiliARRuRAl

  • pronAf pRogRAMAnAcionAldeFoRtAleciMentodAAgRicultuRAFAMiliAR

    psdb pARtidodAsociAldeMocRAciAbRAsileiRA

    pt pARtidodostRAbAlhAdoRes

    sAmmA secRetARiAdeAgRicultuRA,MineRAoeMeioAMbienteJunA

    seCtAm secRetARiAexecutivAdecinciA,tecnologiAeMeioAMbientepAR

    semmA secRetARiAdeMineRAoeMeioAMbienteitAitubA

    semmA secRetARiAMunicipAldeMeioAMbienteMARAb

    sismA sisteMAMunicipAldeMeioAMbienteMARAb

    sivAm sisteMAdevigilnciAdAAMAzniA

    spRn subpRogRAMAdepolticAdeRecuRsosnAtuRAis

    stR sindicAtodostRAbAlhAdoResRuRAis

    uFpA univeRsidAdeFedeRAldopAR

  • Sumrio

    ResuMo.............................................................................................................. 9

    intRoduo................................................................................................... 13

    1.descentRAlizAoeFoRtAleciMentodossisteMAsMunicipAis

    degestoAMbientAl................................................................................. 19

    1.1.descentRAlizAodeFinio.......................................................................... 19

    1.2.MARcoinstitucionAlpARAAdescentRAlizAonobRAsil........................................ 20

    1.3.iMpleMentAoeconsolidAodesisteMAsMunicipAisdegestoAMbientAl............. 22

    2.contextoscio-AMbientAldosMunicpiosestudAdos.................... 27

    3.AiMpleMentAodossisteMAsMunicipAisdegestoAMbientAl....... 35

    3.1.estRutuRAodosRgosAMbientAisMunicipAis................................................. 35

    3.2.polticAsepRogRAMAsMunicipAisdegestoAMbientAl.......................................... 39

    3.3.desenvolviMentodoMARcoJuRdico................................................................. 43

    3.4.pARticipAopopulAR....................................................................................... 47

    3.5.ARticulAoecooRdenAointeRinstitucionAl................................................... 50

    4.uMbAlAnocoMpARAtivodostRscAsosestudAdos....................... 55

    4.1.estRutuRAodosRgosAMbientAisMunicipAis................................................. 56

    4.2.polticAsepRogRAMAsMunicipAisdegestoAMbientAl.......................................... 58

    4.3.desenvolviMentodoMARcoJuRdico................................................................. 59

    4.4.pARticipAopopulAR....................................................................................... 59

    4.5.ARticulAoecooRdenAointeRinstitucionAl................................................... 60

    4.6.ARelAoentReocontextosocioeconMicolocAleAiMpleMentAo

    dossisteMAsMunicipAisdegestoAMbientAl.......................................................... 61

    4.7.estMulosinteRnoseexteRnosconsolidAodesisteMAsMunicipAis

    degestoAMbientAl........................................................................................ 62

  • concluseseRecoMendAes................................................................. 65

    ReFeRnciAsbibliogRFicAs.......................................................................... 69

    listAdeentRevistAdos................................................................................... 71

  • reSumo

    A descentralizao de polticas pblicas defendida por diversos tericos com base em argumentos que vo da eficincia administrativa ao aprofundamento da democracia. No caso do meio ambiente e dos recursos naturais, esses argumentos so muito relevantes, particularmente na Amaznia, onde o poder central reconhecidamente ineficiente e onde o uso de recursos naturais afeta diretamente as vidas de milhes de pessoas. Entretanto, independentemente dos mritos desses argumentos, e de modo similar ao que ocorre em outras reas de polticas pblicas, ainda que mais lentamente, trata-se de um processo que j est em curso e que parece irreversvel. Alguns municpios tm se destacado por sua atuao na rea ambiental. Uns o fazem em resposta direta s poucas polticas indutoras do governo federal, como aquelas implementadas por meio do Subprograma de Poltica de Recursos Naturais (SPRN); outros, por iniciativa prpria.

    A velocidade, a intensidade e a maneira como os municpios se envolvem na gesto ambiental tambm variam muito. Neste estudo, fazemos uma anlise de experincias de gesto ambiental descentralizada e compartilhada tidas como inovadoras pelo Ministrio do Meio Ambiente. O objetivo deste trabalho conhecer os fatores que determinam o maior ou menor envolvimento e sucesso dos governos municipais com a gesto ambiental. Mais especificamente:

    identificar lies aprendidas sobre processos de gesto ambiental descentralizada e compartilhada nos nveis federal, estadual e municipal, analisando a coerncia e a efetividade das atribuies e funes no mbito da legislao vigente;

    estudar as formas de integrao da gesto ambiental municipal com as estratgias de desenvolvimento local, por meio da mobilizao e da capacitao das comunidades locais;

    analisar as condies scio-polticas que permitiram a construo de um pacto social (se existente); a correlao de foras; e o papel dos diferentes agentes sociais no processo de consolidao da gesto ambiental participativa;

    estudar os elementos e/ou os instrumentos criados ou fortalecidos para implementar a gesto ambiental municipal, tais como: estruturas administrativas inovadoras; conselhos ou rgos colegiados de representao social; normas jurdicas; incentivos econmicos ou financeiros; e iniciativas como monitoramento, licenciamento e fiscalizao ambiental;

    formular recomendaes que possam subsidiar polticas pblicas no mbito das diretrizes do Ministrio do Meio Ambiente sobre gesto ambiental descentralizada e compartilhada.

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    Para alcanar os objetivos propostos, utilizamos uma metodologia comparativa por meio da qual estudamos um pequeno nmero casos em que se identificam contextos crticos de anlise, ou seja, municpios com histrico de sucesso na implementao de sistemas municipais de gesto ambiental. A escolha dos municpios includos neste estudo foi, portanto, intencional, e, pela anlise comparativa, tentamos revelar quais fatores foram determinantes no aparente sucesso de suas iniciativas de descentralizao.

    A escolha dos municpios - Juna, no estado de Mato Grosso, e Itaituba e Marab, no estado do Par - teve como critrios: a) a existncia de um processo de dilogo e/ou de um pacto entre agentes sociais em torno de problemas ambientais; b) a existncia de um sistema de gesto ou elementos integrantes do mesmo; c) a existncia, no territrio municipal, de Unidades de Conservao ou outras modalidades de reas protegidas com iniciativas inovadoras; e d) a disponibilidade de acesso a informao e de apoio institucional no nvel municipal para realizar o estudo de forma eficiente.

    A coleta de se deu por meio de entrevistas qualitativas, com informantes-chave, pautadas por questionrios semi-estruturados. Alm das informaes obtidas por meio de entrevistas, os pesquisadores realizaram pesquisa documental junto a rgos pblicos a fim de obter dados quantitativos e qualitativos relativos ao objetivo do trabalho.

    O trabalho de campo foi realizado nos perodos de 18 a 27/11/2003 e de 27 a 13/02/2004, quando foram entrevistados 45 informantes. A escolha dos informantes se deu com base em um mapeamento inicial dos atores envolvidos com a gesto ambiental de cada municpio e foi sendo expandida ou modificada medida que os entrevistados, implcita ou explicitamente, faziam referncia a outros atores relevantes.

    No estudo, utilizamos cinco parmetros de anlise diretamente relacionados ao desenvolvimento do que aqui chamamos de sistemas municipais de gesto ambiental: 1) estrutura fsica e recursos humanos das secretarias municipais de meio ambiente; 2) polticas, programas e instrumentos de gesto ambiental criados e utilizados nos municpios; 3) desenvolvimento do marco jurdico ambiental municipal; 4) participao popular na elaborao das polticas ambientais; e 5) articulao e coordenao entre os principais rgo governamentais e ONGs envolvidas com a gesto ambiental.

    As diferenas entre o quanto cada municpio avanou no processo de descentralizao, considerando esses cinco critrios, muito grande. Itaituba o municpio no qual o processo avanou menos, o que se deve, indiscutivelmente, a mudanas polticas que quase aniquilaram a Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Minerao. O municpio no conseguiu elaborar uma legislao ambiental consistente e a participao popular inexpressiva. A articulao entre os diversos

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    Gesto Ambiental Descentralizada: Um Estudo Comparativo de Trs Municpios da Amaznia Brasileira

    atores envolvidos com a gesto ambiental fraca, mas tem apresentado sinais de revigoramento.

    Juna, ao contrrio de Itaituba, o municpio onde houve maior apoio poltico aos trabalhos na rea ambiental. O prprio prefeito, cujo mandato terminou em 2004, havia sido secretrio municipal de meio ambiente na gesto anterior. O municpio criou vrios projetos e instrumentos de poltica ambiental, dentre os quais se destacam a iniciativa de criao de uma unidade de conservao municipal, um projeto de recuperao de reas degradadas e o incio do tratamento de resduos slidos. O governo municipal tem tido xito em atrair parceiros e financiadores para esses projetos. O municpio j conta com um cdigo ambiental consolidado. No entanto, um aspecto negativo observado a falta de um conselho municipal de meio ambiente ativo.

    Em Marab, no h um apoio poltico explcito Secretaria Municipal de Meio Ambiente, mas tampouco tem havido tentativas de liquid-la. A Secretaria elegeu como prioridade o licenciamento ambiental e o desenvolveu surpreendentemente bem, apesar da resistncia do rgo ambiental estadual, a Secretaria Executiva de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente - Sectam. Marab tambm conta com um cdigo ambiental e ainda tm leis complementares especficas que regulamentam o licenciamento. O Conselho Municipal de Meio Ambiente relativamente forte e trabalha em cooperao constante com a Secretaria de Meio Ambiente.

    Um ponto negativo comum aos trs casos o fato de que os instrumentos de poltica nem sempre esto claramente relacionados aos principais problemas ambientais dos municpios. Nos casos estudados, a degradao causada pela minerao e o desmatamento impulsionado pela pecuria e pela extrao madeireira so problemas recorrentes, mas as secretarias pouco fazem para lidar com eles. O que se percebe que houve uma urbanizao da agenda ambiental, ou seja, uma crescente priorizao de problemas ambientais urbanos, o que pode ser explicado por dois fatores principais. Em primeiro lugar, os trs municpios tm a maior parte de sua populao concentrada nas zonas urbanas e, portanto, natural que o governo municipal privilegie aes que atinjam esta parte da populao. Em segundo lugar, o poder poltico e econmico dos grupos que se beneficiam das atividades que mais causam impacto sobre o ambiente muito grande, e prefeitos e secretrios de meio ambiente no querem ou no podem enfrent-los dentro do marco institucional do municpio.

    O xito, ainda que relativo, na consolidao de sistemas municipais de gesto ambiental se deve em grande parte a prefeitos e secretrios que decidem priorizar polticas ambientais e se empenham em criar mecanismos de gesto e estabelecer

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    parcerias a fim de captar recursos para implement-los. Esse parece ser um fator necessrio, mas no suficiente para a consolidao dos sistemas municipais de gesto ambiental. O contexto scio-poltico de cada municpio tem grande influncia sobre como este processo se desenvolve. O balano de foras entre os que apiam e os que se opem s polticas de gesto ambiental decisivo para o sucesso ou fracasso destas. Nos casos estudados, tal correlao de foras bastante varivel. A despeito disso, preciso ficar claro que em nenhum dos municpios houve qualquer pacto formal para o estabelecimento de polticas ambientais.

    A articulao interinstitucional um ponto crtico do processo de descentralizao e municipalizao da poltica ambiental, e se mostrou bastante deficiente nos trs casos analisados. Os governos municipais tm papel primordial nessa articulao. Contudo, deve-se reconhecer que eles tambm so os atores mais fracos no modelo atual de gesto ambiental, por disporem de menos recursos e poderes. necessrio, portanto, trabalhar com os rgos estaduais e federais para que estes estejam abertos ao dilogo, cooperao e, eventualmente, transferncia de poder aos governos locais.

    O argumento de que no h capacidade local, freqentemente usado pelos governos estaduais e pelo governo federal contra a transferncia de poderes e responsabilidades para os municpios infundado. A presena fsica das autoridades locais no cotidiano do municpio muito maior do que a das agncias estaduais e federais, e nas secretarias h tcnicos com grande conhecimento da realidade local e capacidade de aprendizado para utilizar ferramentas de gesto mais sofisticadas.

  • introduo

    Este documento o relatrio final do estudo Anlise das experincias inovadoras de gesto ambiental descentralizada em nvel municipal, realizado para o Projeto de Apoio ao Monitoramento e Anlise (AMA), do Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil, com apoio da Deutsche Gesellschaft fr Technische Zusammenarbeit(GTZ), agncia alem de cooperao internacional.

    Trata-se de uma anlise comparativa das experincias de trs municpios da Amaznia brasileira - Juna, no estado de Mato Grosso, Itaituba e Marab, no estado do Par (ver Mapa 1). O objetivo geral do estudo foi sistematizar e analisar experincias inovadoras de gesto ambiental descentralizada e, a partir delas, extrair lies que possam subsidiar polticas pblicas voltadas descentralizao da gesto ambiental e ao fortalecimento de sistemas municipais de gesto ambiental.

    Alm desta Introduo, em que apresentamos os objetivos gerais e especficos e os procedimentos metodolgicos empregados em sua execuo, o estudo se divide em quatro captulos.

    No captulo 1, explicitamos o referencial analtico utilizado - que inclui alguns conceitos-chave -, fazemos uma breve anlise do marco institucional brasileiro no que concerne descentralizao e apresentamos os parmetros de anlise utilizados nos estudos de caso.

    No captulo 2, descrevemos e analisamos o contexto scio ambiental de cada municpio estudado. conferindo especial ateno s atividades econmicas locais, aos grupos de interesse que delas se beneficiam e sua relao com os principais problemas ambientais dos municpios.

    No captulo 3, iniciamos uma anlise mais detalhada do processo de implementao dos sistemas municipais de gesto ambiental. Essa parte se subdivide em cinco outras, nas quais damos especial ateno a cinco parmetros de anlise: 1) a estruturao dos rgos executivos ambientais; 2) as polticas e programas municipais; 3) o desenvolvimento do marco jurdico local; 4) a participao popular na tomada de decises; e 5) a articulao poltico-administrativa entre os diversos organismos governamentais e no-governamentais envolvidos com a gesto ambiental.

    O captulo 4 uma anlise comparativa dos trs casos, feita com base nos cinco parmetros discutidos na seo anterior e no referencial analtico desenvolvido na parte trs. Finalmente, apresentamos algumas concluses gerais bem como recomendaes

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    que possam ser incorporadas em polticas pblicas que visem descentralizao da gesto ambiental e ao fortalecimento dos sistemas municipais de gesto ambiental.

    Ao final do estudo, listamos as referncias documentais utilizadas para a elaborao do trabalho e apresentamos uma relao das entrevistas realizadas.

    Mapa 1 Localizao de Itaituba, Marab e Juna

    Objetivos

    Apesar de todos os obstculos existentes, lentamente a descentralizao parece avanar, e alguns municpios tm se destacado por sua atuao na rea ambiental. Uns o fazem em resposta direta s poucas polticas indutoras existentes, como aquelas implementadas por meio do Subprograma de Poltica de Recursos Naturais - SPRN; outros, por iniciativa prpria. A velocidade, a intensidade e a maneira como os municpios se envolvem na gesto ambiental tambm varia muito. O objetivo deste estudo sistematizar e analisar experincias inovadoras de gesto ambiental descentralizada e, a partir delas, extrair lies que possam subsidiar polticas pblicas voltadas descentralizao da gesto ambiental e ao fortalecimento de sistemas municipais de gesto ambiental.

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    Gesto Ambiental Descentralizada: Um Estudo Comparativo de Trs Municpios da Amaznia Brasileira

    Objetivos Especficos

    Identificar lies aprendidas sobre processos de gesto ambiental descentralizada e compartilhada nos nveis federal, estadual e municipal, analisando a coerncia e a efetividade das atribuies e funes no mbito da legislao vigente.

    Estudar as formas de integrao da gesto ambiental municipal com as estratgias de desenvolvimento local, por meio da mobilizao e da capacitao das comunidades locais.

    Analisar as condies scio-polticas que permitiram a construo de um pacto social (se existente); a correlao de foras; e o papel dos diferentes agentes sociais no processo de consolidao da gesto ambiental participativa.

    Estudar os elementos e/ou os instrumentos criados ou fortalecidos para implementar a gesto ambiental municipal, tais como estruturas administrativas inovadoras; conselhos ou rgos colegiados de representao social; normas jurdicas; incentivos econmicos ou financeiros; e iniciativas como monitoramento, licenciamento e fiscalizao ambiental.

    Formular recomendaes que possam subsidiar polticas pblicas no mbito das diretrizes do Ministrio do Meio Ambiente sobre gesto ambiental descentralizada e compartilhada.

    Procedimentos

    Para alcanar os objetivos propostos, utilizamos uma metodologia comparativa com um pequeno nmero de casos. A comparao entre os casos permite identificar quais fatores so determinantes ou ao menos essenciais na dinmica dos processos estudados. Neste enfoque, um fator causal pode ser relevante em um contexto, mas no em outros; ou ainda, sua total ausncia pode ser o mais importante para explicar o fenmeno estudado (Ragin, 1987). O importante no especificar um modelo estatstico que melhor explique os dados, como nos enfoques quantitativos tradicionais, em que se usa um grande nmero de casos, mas entender a convergncia e a interao de fatores que operam em diferentes contextos crticos. Ao contrrio do enfoque quantitativo por amostragem, no qual a diversidade de explicaes especficas dos casos poderia ser considerada como uma desvantagem, no enfoque comparativo justamente a diversidade de casos que fornece a base para que se desenvolvam explicaes que dem conta da complexa interao de fatores causais.

    Um importante aspecto desta metodologia , portanto, o critrio de seleo dos contextos crticos de anlise. A escolha dos municpios includos neste estudo no

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    foi aleatria, mas intencional. Foi adotada a metodologia comparativa dos casos mais semelhantes (Most Similar Cases Methodology -Mekstroh, 1975). O fenmeno estudado semelhante - no caso, a existncia de iniciativas inovadoras de municipalizao da gesto ambiental. Uma anlise comparativa dos trs casos pode revelar quais fatores foram determinantes para que os governos municipais resolvessem agir nesta rea de polticas pblicas e com que resultados.

    A escolha dos municpios Juna, no estado de Mato Grosso, e Itaituba e Marab, no estado do Par foi feita pelos tcnicos e coordenadores do SPRN, que identificaram os municpios como os trs exemplos mais bem-sucedidos dentro do universo de municpios nos quais o programa funcionou. Para tanto, eles utilizaram os seguintes critrios:

    existncia de um pacto, ou ao menos de um processo de dilogo entre agentes sociais em torno de problemas ambientais e de conflitos de uso de recursos naturais;

    interesses pela gesto ambiental municipal de forma participativa, descentralizada e democrtica;

    existncia de um sistema de gesto ou elementos integrantes do mesmo, tais como estrutura institucional, colegiados, normas jurdicas, aes de monitoramento, licenciamento, fiscalizao etc;

    existncia no territrio municipal de Unidades de Conservao ou de reas protegidas e de iniciativas inovadoras de gesto ou de estabelecimento destas reas;

    disponibilidade de acesso a informao e de apoio institucional no nvel municipal para realizar o estudo eficientemente.

    A coleta de dados teve por base entrevistas qualitativas, com informantes-chave, pautadas por questionrios semi-estruturados.1 Os questionrios foram aplicados a sucessivos informantes-chave at que se obtivesse uma consistente reiterao das repostas . Alm das informaes obtidas por meio de entrevistas, foi realizada pesquisa documental junto a rgos pblicos a fim de obter dados quantitativos e qualitativos pertinentes ao objetivo do trabalho.

    O trabalho de campo foi realizado nos perodos de 18 a 27/11/2003 e de 27 a 13/02/2004, quando entrevistaram 45 informantes-chave. A lista inicial de informantes teve como base um mapeamento dos atores envolvidos com a gesto ambiental em

    1 Na prtica, isso significa realizar o cruzamento de diferentes depoimentos a fim de extrair deles as informaes que so confiveis e eliminar algumas distores intencionais e no-intencionais dos entrevistados.

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    cada municpio e foi sendo expandida ou modificada medida em que os entrevistados implcita ou explicitamente faziam referncia a outros atores relevantes. De modo geral, os informantes foram pessoas que ocupavam ou haviam ocupado cargos tcnicos e de direo nas secretarias municipais de meio ambiente, prefeitos, lderes de movimentos populares, tcnicos de ONGs e funcionrios dos rgos estaduais e federais que direta ou indiretamente trabalham na rea ambiental (ver Anexo I).

    Nas entrevistas buscaram-se elementos que ajudassem a: 1) conhecer o contexto socioeconmico e ecolgico de cada municpio; 2) compor um quadro claro do contexto poltico local, considerando as relaes de poder entre os diferentes grupos sociais; 3) entender o processo de implementao dos sistemas municipais de gesto ambiental.

  • 1 deScentralizaoeFortalecimentodoSSiStemaSmunicipaiSdeGeStoambiental1.1 Descentralizao: Definio

    Descentralizao significa a transferncia de poder do governo central para atores e instituies em nveis mais baixos da hierarquia poltico-administrativa e territorial (Mawhood, 1983; Smith, 1985; Agrawal e Ribot,1999) Essa definio comumente associada a quatro variantes diferentes, que muitas vezes so erroneamente utilizadas de modo indistinto: 1) desconcentrao ou descentralizao administrativa, 2) descentralizao fiscal; 3) devoluo de direitos; e 4) descentralizao democrtica (Rondinelli, 1981; Parker, 1995; Manor, 1999). A diferena principal entre essas variantes est em quem se constitui como receptor das responsabilidades ou poderes repassados pelo governo central. Tal como se explica abaixo, a descentralizao democrtica consiste na forma mais legitima de descentralizao (Larson e Ribot, 2004).

    Desconcentrao a simples transferncias de recursos e poderes de deciso para escritrios locais de rgos do governo central ou agncias operando no nvel estadual ou municipal. Mesmo que a desconcentrao implique em aumento de eficincia e maior transparncia das aes dos administradores pblicos, em ltima anlise estes permanecem subordinados s decises e ao escrutnio de seus superiores no governo central. Tambm pode ocorrer a descentralizao fiscal e a transferncia do poder de decises financeiras e oramentrias de esferas superiores para esferas inferiores do governo. Obviamente, esse tipo de descentralizao est sujeito a problemas similares aos da desconcentrao, ou seja, baixa participao local no processo decisrio e falta de controle social sobre os agentes pblicos.

    A devoluo corresponde transferncia de decises sobre uso de recursos naturais a organizaes de usurios locais representados por suas autoridades tradicionais ou eleitas, que desenvolvem normas para regular o uso desses recursos. O processo de devoluo implica reconhecimento formal da autoridade das organizaes locais. A devoluo garante que as decises sobre o destino dos recursos sejam tomadas no mbito das organizaes locais. No entanto, o grau de democratizao dessas organizaes varivel. Enquanto algumas contam com mecanismos democrticos de tomada de decises, outras simplesmente representam interesses grupais.

    Descentralizao democrtica a transferncia de recursos, poderes e responsabilidades para autoridades que representam e tm que prestar contas s populaes locais. Isso se consegue repassando funes e atribuies a rgos do governo local que so eleitos democraticamente. O objetivo da descentralizao democrtica no s aumentar a eficincia e a transparncia administrativa, mas

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    tambm estimular a participao popular nos processos decisrios. Ao menos em tese, no Brasil os governos municipais so democraticamente eleitos e devem prestar contas populao local. Portanto, a devoluo de poderes a eles poderia implicar a realizao das vantagens discutidas anteriormente. A descentralizao da gesto ambiental seria particularmente importante em uma regio como a Amaznia, onde grande parte da populao depende direta ou indiretamente do uso de recursos naturais e onde os rgos federais tm grande dificuldade de penetrao, em virtude da extenso do territrio e das difceis condies de acesso.

    Obviamente, a descentralizao tambm envolve riscos, como a captura do poder local por grupos que se beneficiam do uso predatrio e excludente de recursos naturais, a corrupo de polticos e funcionrios pblicos (o que no exclusivo desse nvel de governo) e uma possvel paroquializao da agenda poltica local em detrimento de uma agenda mais ampla e de interesses nacionais. Esse problema particularmente importante no caso da gesto ambiental, pois os interesses locais muitas vezes apontam no sentido da promoo de um rpido crescimento econmico por meio da expanso da agricultura, da pecuria e da extrao de madeira, e repudiam o estabelecimento de reas protegidas e at mesmo o cumprimento da legislao ambiental. Outro argumento contrrio descentralizao diz respeito a uma suposta capacidade tcnica limitada que governos locais tm para lidar com problemas complexos como os da rea ambiental. Essa baixa capacidade seria decorrente da falta de recursos para equipar rgos de governo e da ausncia de recursos humanos preparados para essa tarefa.

    1.2 Marco Institucional para a Descentralizao no Brasil

    Ao discutirmos polticas ambientais descentralizadas, vital compreender o papel da Constituio Brasileira de 1988. Em primeiro lugar, a constituio foi importante por institucionalizar o debate que j vinha se desenvolvendo no pas sobre a gesto ambiental, at ento praticamente deixado margem do marco jurdico nacional. Em segundo lugar, a Constituio teve um carter notadamente descentralizador e procurou abrir maior espao legal para os governos estaduais e municipais se engajarem na elaborao e na execuo das mais diversas polticas, inclusive a ambiental. Essas mudanas sem dvida refletiram o momento poltico que o pas vivia, no qual se buscava equilibrar a distribuio de poder entre os entes federativos, seriamente distorcida durante o regime militar. Refletiram tambm as mudanas na pauta poltica do pas e do mundo, ocorridas nas dcadas de 70 e 80, em que a preocupao com a proteo ao meio ambiente emergiu como tema de grande importncia, assim como as reformas no Estado para promover maior eficincia administrativa.

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    Desde 1988, a proteo ambiental se enquadra no mbito das competncias comuns e concorrentes entre Unio, estados e municpios. Isso quer dizer que nenhuma das trs esferas tem poder exclusivo de legislar ou executar polticas que digam respeito ao meio ambiente. Especificamente, a constituio estabelece que o Estado tem o dever de preservar um meio ambiente ecologicamente equilibrado2, e diz tambm que a preservao do meio ambiente dever do Poder Pblico, o que envolve as trs esferas do governo (Benatti et al, 2000).

    A Constituio d margem ao dos entes federativos, entretanto, no lhes atribui responsabilidades de maneira inequvoca. Alm disso, diferentemente de outras reas (como sade e educao), no h grandes incentivos nem vantagens oramentrias para os municpios assumirem muitas das tarefas poltico-administrativas ligadas gesto ambiental. Como resultado, a maneira como os estados e, principalmente, os municpios tm respondido s oportunidades de atuar na gesto ambiental tem sido muito varivel. De modo geral, os municpios das regies mais pobres pouco avanaram em direo a uma efetiva descentralizao. Isso bastante claro na Amaznia, onde a gesto ambiental nas reas urbanas bastante precria e em muitos aspectos ainda centralizada no governo estadual. Um exemplo disso o licenciamento ambiental de diversas atividades que poderia ser efetuado pelos prprios governos municipais. Nas reas rurais, a gesto ainda mais precria e, de modo geral, centralizada pelos rgos federais, particularmente pelo Instituto Nacional do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis - Ibama, responsvel pelo controle de atividades madeireiras e extrativistas e pelo gerenciamento e fiscalizao de reas protegidas. Raros so os municpios que se envolvem nessas atividades, ainda que tenham prerrogativas para faz-lo, principalmente no que diz respeito criao e ao gerenciamento de reas protegidas.

    O Ministrio do Meio Ambiente tem lanado mo de alguns instrumentos para estimular a descentralizao na regio, como o Projeto de Gesto Ambiental Integrada - PGAI3, e o apoio ao fortalecimento de sistemas municipais de gesto ambiental na Amaznia com recursos do Fundo Nacional do Meio Ambiente - FNMA.

    O MMA busca um modelo de descentralizao no qual haja complementaridade e cooperao entre os trs nveis de governo e ampla participao social. Com isso, espera-se chegar a uma gesto ambiental compartilhada, na qual sociedade e governos

    2 O artigo 23 lista como deveres do Estado a proteo das paisagens naturais notveis e dos stios arqueolgicos (inciso III); proteo do meio ambiente e combate poluio (inciso VI); preservao das florestas, da fauna e da flora (inciso VII); registro, acompanhamento e fiscalizao dos recursos hdricos e minerais (inciso XI). No artigo 24, a Constituio trata do direito urbanstico (inciso I); florestas, caa, pesca, fauna, conservao da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteo ao meio ambiente e controle da poluio (inciso VII); patrimnio paisagstico (inciso VII); e responsabilidade por dano ao meio ambiente (inciso VIII).

    3 O PGAI um componente do Subprograma de Poltica de Recursos Naturais - SPRN, do Programa Piloto para Proteo das Florestas Tropicais do Brasil .

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    municipais, estaduais e o governo federal trabalhem conjuntamente. Mais importante ainda, a gesto ambiental deve integrar-se a outras polticas pblicas, particularmente quelas voltadas ao desenvolvimento, gerando o que recentemente passou a ser chamado de transversalidade. A transversalidade deve estar presente nas polticas dos trs nveis de governo que, idealmente, estariam articuladas entre si.

    Essa diretriz requer, portanto, que os governos municipais estejam no apenas aptos a se envolver diretamente com a gesto ambiental, o que j algo difcil, mas tambm que o faam em conjunto com os rgos estaduais e federais, de maneira integrada s outras reas de polticas pblicas e com ampla participao social. A realidade socioeconmica e poltica dos municpios da Amaznia torna a concretizao desse tipo de gesto compartilhada bastante difcil. As barreiras para uma efetiva participao das prefeituras na gesto ambiental so inmeras: falta de recursos, falta de respaldo social, resistncia poltica de grupos com pouco interesse no uso sustentvel dos recursos naturais, corrupo, entre muitos outros (ver Toni e Kaimowitz, 2003). vital, portanto, um intenso trabalho de fortalecimento dos governos locais para que a descentralizao tenha sucesso.

    1.3 Implementao e Consolidao de Sistemas Municipais de Gesto Ambiental

    Por sistema municipal de gesto ambiental entende-se o conjunto de organizaes governamentais locais e instituies voltadas conservao e uso sustentvel dos recursos naturais e garantia da qualidade ambiental nas reas urbanas e rurais dos municpios. As organizaes governamentais incluem rgos executivos - tipicamente, as secretarias municipais de meio ambiente - e deliberativos - em geral, os conselhos municipais de meio ambiente. As instituies incluem a legislao local, normas formais ou informais, prticas de consulta e participao popular, mecanismos de coordenao entre os diversos rgos envolvidos com a gesto ambiental e prticas de cooperao com rgos de natureza privada.

    A figura 1 um modelo simplificado das interaes entre os diferentes atores que fazem parte do sistema de gesto ambiental municipal e que tm como centro as secretarias municipais de meio ambiente ou congneres. O mesmo representa uma situao ideal que deveria ser alcanada,, e foi elaborado com base no referencial terico anteriormente discutido e nas especificidades da Amaznia brasileira, das quais fazem parte tanto as polticas federais - como o projeto de descentralizao implementado pelo SPRN -, quanto as expectativas de atores envolvidos com a gesto local. Os fatores-chave desse modelo so: 1) o envolvimento da sociedade civil; 2) a articulao entre rgos federais e estaduais que precisam desenvolver aes explcitas de apoio aos processos de descentralizao, seja por meio de transferncia de recursos, pela capacitao de pessoal, ou pela delegao de responsabilidades especficas; e

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    3) o desenvolvimento de parcerias com outros atores com interesse direto na gesto ambiental, como ONGs, organizaes de base, agncias de cooperao e outros. Os programas e as reas de atuao apresentados so apenas sugestivos, com base em aes factveis e muitas vezes existentes em municpios da Amaznia. A inteno, aqui, contudo, no apresentar uma lista exaustiva de aes que os governos locais poderiam ou deveriam executar.

    Figura 1 Modelo de Funcionamento de um Sistema Municipal de Gesto Ambiental

    Para consolidar um sistema municipal de gesto ambiental similar ao modelo proposto, um municpio necessita, portanto, desenvolver uma srie de aes que, idealmente, incluem:

    O Programa Piloto, por meio do SPRN, tem demonstrado preocupao em estruturar o rgo ambiental municipal, que preferencialmente deve ser uma secretaria de meio ambiente. Isso envolve tanto a montagem da estrutura fsica - proviso de escritrios, veculos, equipamentos e material de trabalho -, quanto a contratao e/ou capacitao de funcionrios tcnicos e administrativos para planejar e executar as tarefas de rotina da gesto ambiental, a depender das necessidades e prioridades municipais;

    elaborar e implementar polticas ambientais,o que inclui legislao especfica, projetos, propostas e programas, assim como a elaborao de uma estratgia para atingir os objetivos da poltica, a qual deve ser acompanhada pela busca de fontes de financiamento. As principais reas

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    fortalecer os sistemas municipais de gesto ambiental, de modo similar ao que foi apresentado acima. No documento de reviso de meio termo desse subprograma4, foi definida uma srie de encaminhamentos voltados para a consolidao e a ampliao de iniciativas inovadoras de gesto ambiental em nvel municipal, como por exemplo:

    Na seqncia, veremos como essas diretrizes se refletiram, na prtica, em Juna,

    de interveno dos municpios na gesto ambiental devem ser voltadas ao controle ambiental, alm de promover aes de conservao e valorizao dos recursos naturais, e aes de paisagismo na rea urbana;

    garantir os recursos financeiros para o funcionamento do rgo ambiental municipal, e buscar formas para gerar recursos prprios no intuito de convert-los em rgos auto-sustentveis financeiramente, o que obviamente no elimina a formao de parcerias com rgos ambientais estaduais ou organismos de cooperao interessados na gesto ambiental local; recursos externos so particularmente valiosos para a capacitao do pessoal local. ONGs podem ser importantes parceiras, tanto na captao de recursos quanto na a suplementao de capacidade tcnica;

    favorecer e incentivar maior participao popular nas decises, o que normalmente ocorre por meio da formao de conselhos municipais de meio ambiente. Estes devem se constituir numa plataforma para a elaborao de delineamentos estratgicos de poltica, de busca de consensos sobre temas de conflito e de construo de parcerias estratgicas; alm da participao da sociedade civil no conselho, devem-se procurar formas para fazer os diferentes atores sociais e institucionais participarem da implementao das aes ambientais e de seu monitoramento, o que serviria de insumo para o constante ajuste e aperfeioamento da poltica ambiental municipal;

    coordenar as aes municipais com o trabalho de rgos estaduais e federais que, direta ou indiretamente, afetam a gesto ambiental no municpio; parte dessa coordenao deveria envolver o estabelecimento de convnios para a transferncia de responsabilidades especificas por parte de rgos ambientais federais e estaduais aos rgos municipais, seguindo uma avaliao prvia das possibilidades e oportunidades

    4 Relatrio Final: Reviso de Meio Termo do Subprograma de Polticas de Recursos Naturais - SPRN/PPG7, maio de 2001.

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    Itaituba e Marab, trs municpios beneficirios da principal iniciativa federal de apoio ao desenvolvimento de capacidade local na Amaznia, o PGAI.

    contribuir com a formao de capacidade tcnica em prefeituras e outros atores municipais para a elaborao e a implementao de polticas e instrumentos legais necessrios ao exerccio de aes descentralizadas de gesto ambiental;

    estimular um crescente envolvimento de prefeituras em estratgias de monitoramento, licenciamento e fiscalizao ambiental, contemplando aes como a reviso de normas legais e responsabilidades institucionais e a capacitao de recursos humanos envolvidos na execuo compartilhada das atividades previstas;

    incentivar a criao e a efetivao de conselhos municipais de desenvolvimento sustentvel, bem como fortalecer instncias colegiadas j existentes (p.ex., Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - Pronaf, Fruns Municipais de Desenvolvimento Sustentvel etc.) como espaos democrticos de negociao entre o governo, sociedade civil e setor privado, sobre polticas pblicas relacionadas gesto ambiental;

    apoiar experincias piloto de implementao de Agendas 21 e Planos Municipais de Desenvolvimento Sustentvel - de forma articulada com iniciativas como o Programa Comunidade Ativa e o Pronaf - por meio de assessoria tcnica e capacitao de atores locais (prefeituras, sindicatos, associaes, ONGs etc.) em questes estratgicas (p.ex. mtodos de planejamento participativo, insero da tica ambiental em atividades de planejamento para o desenvolvimento local);

    realizar diagnsticos sobre problemas ambientais em reas urbanas (p.ex., poluio de recursos hdricos, destinao de lixo, reciclagem de resduos e poluio sonora), como base para o planejamento de aes estratgicas;

    fortalecer a capacidade de planejamento e execuo de polticas pblicas relacionadas gesto ambiental em reas urbanas, dentro de rgos governamentais que atuam nos municpios (Ibama, organismos estaduais de meio ambiente, prefeituras etc.); e

    apoiar as iniciativas municipais de educao ambiental entre a populao urbana.

  • Neste captulo, fazemos uma breve caracterizao dos trs municpios estudados. Alm de fornecer alguns dados bsicos - como populao, taxa de urbanizao e rea -, destacamos as principais atividades econmicas e problemas socioambientais de cada um. Com isso, tentamos compor um sucinto quadro da economia poltica local, que tem grande influncia sobre a consolidao de sistemas municipais de gesto ambiental, principalmente sobre a implementao do marco normativo e de aes de comando e controle que potencialmente afetam os interesses de elites locais.

    Juna

    Juna um municpio plo na regio Noroeste de Mato Grosso. Tem uma populao de 38.026 habitantes (IBGE, 2000), dos quais 73% vivem na zona urbana, e uma rea de 26.351 km2. A cidade est a 742 Km de Cuiab, com acesso pela rodovia MT-150, que tem condies precrias de trfego durante o perodo chuvoso. A ocupao de Juna teve incio em 1972, como parte de um projeto de colonizao desenvolvido pela Companhia de Desenvolvimento de Mato Grosso (Codemat), dentro do municpio de Aripuan. A emancipao de Juna ocorreu em 1982.

    A economia municipal tem por base a pecuria, a indstria madeireira, o comrcio, a agricultura familiar e o garimpo de diamantes. Esta ltima atividade foi extremamente importante na regio e fez com que a populao municipal aumentasse de 13.000 para 36.000 habitantes entre 1980 e 1991, ano em que a atividade entrou em rpida decadncia. Ao boom do garimpo correspondeu um abandono da agricultura familiar, uma vez que grande parte dos colonos se aventurou na procura de diamantes. A cafeicultura, que era ento uma das atividades mais importantes do municpio, foi praticamente abandonada e s comeou a ser retomada no final dos anos 90. Apesar da escala de explorao dos diamantes ter sido drasticamente reduzida, ainda h operaes no municpio, inclusive algumas ilegais dentro de reas indgenas. O garimpo de diamantes tem grande impacto sobre o ambiente, pois os garimpeiros utilizam bicos-jato para desagregar o solo e separar o cascalho da terra. H pouco controle sobre essa atividade e o envolvimento do governo municipal com o assunto muito pequeno.

    A indstria madeireira hoje a principal fonte de empregos na cidade. As 40 serrarias existentes empregam cerca de 2.000 pessoas, mas o municpio tem uma rea muito pequena de madeira explorvel. A maior parte da matria prima provm de

    contexto Sociambiental doS municpioS

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    municpios localizados mais ao norte, dentro da fronteira florestal do estado. Apesar de a indstria madeireira no ter impacto direto sobre a floresta dentro do municpio, ela uma fonte significativa de poluio devido queima de resduos. Esse um problema que, em teoria, est sob a alada do governo estadual, cujo rgo ambiental, a Fundao Estadual do Meio Ambiente - Fema, tem um escritrio instalado na sede municipal e responsvel pelo licenciamento da atividade.

    Onde outrora houve grandes reas de floresta, hoje h pastagens. O rebanho bovino de Juna o sexto maior do estado. Em 1997, o IBGE estimava um total de 370.000 cabeas de gado no municpio. O desmatamento no territrio municipal s no atingiu propores alarmantes porque 61% da rea do municpio esto dentro de terras indgenas: 3.838 Km2 na Terra Indgena Ena-wen-naw, 1.269,60 km2 na Terra Indgena Aripuan; 9.530 km2 no Parque Indgena Aripuan e 1.480,00 km2 na Terra Indgena Serra Morena.

    A economia municipal tambm impulsionada pelo setor de servios, uma vez que Juna centraliza estabelecimentos comerciais, empresas e rgos governamentais que atendem a grande parte da populao de todo o Noroeste de Mato Grosso.

    Juna conta com um movimento social de base relativamente bem organizado e forte. Os pilares desse movimento so os trabalhadores rurais, cujas organizaes formaram a base do Partido dos Trabalhadores. O PT conseguiu eleger o prefeito em 1996 e em 2000. Em 2002, o prefeito foi eleito deputado estadual e afastou-se do cargo, sendo substitudo pelo vice-prefeito - um lder histrico de Mato Grosso e dos movimentos dos trabalhadores rurais de Juna, que fora secretrio de agricultura e meio ambiente e responsvel pela coordenao e estruturao da secretaria. Tratava-se, at 2004, do nico municpio matogrossense governado por um poltico do PT, e a base poltica do nico deputado do partido na Assemblia Legislativa.

    O contexto poltico de Juna mostra-se favorvel a avanos na atuao do governo municipal na rea de gesto ambiental, uma vez que o municpio est em uma rea de fronteira estabilizada, onde a extrao madeireira j no causa maiores conflitos e onde a competio por terra entre pequenos proprietrios e grandes pecuaristas no particularmente acirrada. A estrutura fundiria permitiu a consolidao de um grande grupo de agricultores familiares com interesse em se fixar em suas propriedades, particularmente por meio da produo de culturas perenes. As terras indgenas presentes no territrio municipal, por sua vez, tambm ajudam a conter o avano da fronteira agrcola e o acirramento dos conflitos que normalmente acompanham esse processo.

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    Itaituba

    Itaituba situa-se na regio Sudoeste do estado do Par. A sede municipal est localizada margem esquerda do rio Tapajs que, por muitos anos, foi a nica via de acesso cidade. Hoje, o municpio cortado pelas rodovias BR-163 (Cuiab-Santarm) e BR-230 (Transamaznica), que normalmente ficam intransitveis por longos perodos durante a estao chuvosa. O territrio municipal tem 62.565 km2, mas antes do desmembramento dos municpios de Trairo, Jacareacanga e Novo Progresso, Itaituba tinha 165.578 km2 e era o maior municpio do Brasil em rea. Dentro do municpio, cerca de 1,5 milhes de hectares esto em reas protegidas: destas, aproximadamente 900 mil no Parque Nacional da Amaznia, 220 mil na Floresta Nacional de Itaituba I e 440 mil na Floresta Nacional de Itaituba II. Assim como ocorreu em Juna, Itaituba tambm teve um boom populacional movido pelo garimpo. A populao, que era de 12.690 habitantes em 1970, chegou a 38.584 em 1980 e a 116.402 em 1990. Na dcada de 90, a economia garimpeira entrou em colapso e a populao diminuiu, atingindo 94.750 habitantes em 2000, ano em que 68% da populao viviam na zona urbana (IBGE, 2000).

    Apesar do declnio do garimpo, causado pela exausto do ouro aluvionar e pela queda do preo deste metal, a minerao continua sendo a principal atividade econmica do municpio. Segundo a Associao dos Mineradores de Ouro do Tapajs - AMOT, h mais de 2.000 pontos de garimpo na regio, que empregam de 25.000 a 30.000 pessoas em Itaituba e municpios vizinhos. A maior parte do ouro extrado comercializada em Itaituba, cerca de oito quilos/dia. Alm do ouro, h outros recursos minerais importantes na regio, como pedras preciosas e calcrio, que enviado para beneficiamento em Manaus. O garimpo do ouro tem impactos socioambientais bastante srios no municpio. Por um lado, a atividade gera empregos e renda para a populao mais pobre. Por outro lado, fonte de contaminao do solo, dos rios e de humanos por mercrio e cianeto, produtos utilizados na amalgamao do metal. Tambm so recorrentes os conflitos violentos decorrentes de disputas por reas de garimpo ou entre garimpeiros e madeireiros.

    Recentemente, a extrao madeireira ganhou grande importncia no municpio devido ao avano da fronteira agrcola e florestal pelo norte do Mato Grosso. No distrito de Moraes de Almeida, no sul do municpio, h cerca de 40 serrarias instaladas, que processam matria-prima extrada em Itaituba e em municpios vizinhos, muitas vezes de forma ilegal e at mesmo dentro de reas protegidas.

    A agricultura familiar pouco desenvolvida no municpio pelo fato de que o garimpo, durante muito tempo, atraiu a maior parte da mo-de-obra disponvel na regio. Isso, porm, tem mudado rapidamente, pois j h um grande nmero de famlias vivendo em seis assentamentos do Instituto de Colonizao e Reforma

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    Agrria - Incra na regio. Segundo o executor do escritrio do rgo em Itaituba, em cinco desses assentamentos, cerca de 90% dos chefes de famlia so ex-garimpeiros que se tornaram ou voltaram a ser agricultores. Dos seis assentamentos, trs esto no territrio de Itaituba e um est na divisa entre Itaituba e Trairo. Juntos, estes quatro assentamentos tm cerca de 1.100 famlias. A produo agrcola quase exclusivamente de subsistncia, com predominncia dos plantios de arroz, de mandioca e de milho.

    A pecuria ganhou importncia na ltima dcada e, segundo dados da Agncia de Desenvolvimento do Par, em 2.000 o rebanho bovino do municpio era de 205.000 cabeas. A atividade teve incio na dcada de 1980, segundo alguns informantes, como um hobby dos donos de garimpos que buscavam ganhar status comprando e exibindo gado de raa. Pouco a pouco, a atividade se consolidou e o municpio j envia gado para os mercados consumidores de Manaus e Macap, alm de atender a demanda local. Muitas fazendas se instalaram no entorno do Parque Nacional da Amaznia, e h denncias de que existem outras dentro do Parque, inclusive em reas griladas por um ex-prefeito da cidade.

    As organizaes sociais de base em Itaituba so muito fracas e, historicamente, pouco influenciaram a poltica no municpio. Elites ligadas ao comrcio e minerao tradicionalmente controlam o poder municipal, e a agenda ambiental, em grande parte, depende dos seus humores e preferncias.

    As perspectivas de pavimentao da BR-163, o avano da fronteira florestal e a expanso da pecuria tm exacerbado os problemas socioambientais no municpio, com destaque para a grilagem. Madeireiros, pecuaristas, produtores de soja e especuladores buscam avidamente se apoderar de enormes extenses de terra o mais rpido possvel, no s para explorar os recursos existentes como tambm para realizar lucros com a esperada valorizao das terras aps a pavimentao da rodovia. A populao mais pobre, em grande parte formada por garimpeiros que viram frustradas suas expectativas de enriquecer com a minerao, tambm fonte de grande demanda por terra. Aliados, esses fatores tornam a situao de Itaituba potencialmente explosiva. So comuns os conflitos armados na regio e a procura por terras j coloca em risco as reas protegidas do municpio e seu entorno.

    Marab

    Marab, localizada no sul do Par, assim como Juna, um municpio plo na regio. Aps vrias divises e emancipaes de distritos, o municpio ficou com um territrio de 15.157,90 km2. A populao de 167 mil habitantes, dos quais 134 mil vivem na zona urbana. O municpio abriga parte de quatro reas protegidas: 1) Reserva Biolgica do Tapirap, com uma rea de 103.000 hectares; 2) Flona do Tapirap - Aquiri, com 190.000 hectares; 3) Flona Itacainas, com 51.000 hectares; e 4) rea de Proteo Igarap Gelado, com 21.600 hectares.

    A regio de Marab foi um centro importante de produo de borracha no

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    incio do sculo passado. O ciclo atingiu seu auge ao redor de 1915, mas entre a dcada de 20 e a segunda guerra mundial a produo caiu dramaticamente (Petit, 2003). Ao mesmo tempo, emergiu a produo da castanha do Par. A partir da dcada de 1930, e at finais dos anos 70, o Par tomaria a dianteira na coleta de castanha na Amaznia e, no seu interior, a regio de Marab contribuiria de forma significativa para essa produo (Bras, 1984). A expanso da atividade extrativista de castanha estimulou o crescimento populacional por meio da imigrao e fez prosperar casas comerciais estabelecidas no centro urbano de Marab (Bras, 1984). O crescimento da economia da castanha promoveu a concentrao da propriedade da terra - por meio de licenas de arrendamento outorgadas pelo governo estadual, primeiramente, e, posteriormente, pela venda de terras pelo estado -, e tambm o surgimento de uma oligarquia regional encarregada da comercializao do produto, a qual teve grande influncia na poltica local (Petit, 2003).

    O declnio da economia da castanha aconteceu por volta da dcada de 1980. Em meados dos anos 70, Marab chegou a produzir 40% da castanha na Amaznia brasileira. Em 1983, essa participao caiu a 20% do total, cedendo lugar aos estados do Acre e Amazonas. A expanso da pecuria levou diminuio progressiva do nmero de castanheiras e foi a grande responsvel pela queda da produo. A expanso da economia pecuria foi produto do crescimento das grandes fazendas e da presso de pequenos posseiros sobre a terra - a maior parte, procedentes do Maranho e do Piau (Petit, 2003). Durante esses anos, em interao com a expanso de pecuria, a explorao madeireira tambm teve um crescimento importante, o que contribuiu ainda mais para o declnio da economia extrativa de castanha.

    Nos anos 90, a economia da pecuria se consolidou. Segundo a Secretaria Municipal de Meio Ambiente - Semma (2004), em 2003 os rebanhos chegaram a cerca de 200.000 cabeas. Tal crescimento estimulou a implantao de um frigorfico de grande porte (mil cabeas/dia), considerado como um dos cinco mais modernos do Brasil. Muitas fazendas tm sido alvo de presso pelo Movimento dos Sem-Terra e, em decorrncia, h um grande nmero de assentamentos na regio, tanto em reas desapropriadas quanto em terras devolutas. No incio de 2004, o nmero de assentamentos da reforma agrria no sul do Par era pouco superior a 350, em uma rea de 3,7 milhes de hectares. Em Marab, so 64 os projetos de colonizao do Incra, sobre uma rea de aproximadamente 436.000 hectares, onde vivem cerca de 4.500 famlias.

    A explorao de madeira foi importante no municpio nas dcadas de 1980 e 1990. No entanto, muita madeira serrada em Marab era originria de outros municpios da regio. Em 1999, aproximadamente 30 indstrias madeireiras estavam estabelecidas no municpio, produzindo madeiras serradas e mveis, para regio e para exportao (Semma, 2004). Um setor que recentemente ganhou grande importncia o

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    das usinas de produo de ferro-gusa. Atualmente, no municpio esto instaladas cinco guseiras que abastecem seus fornos com lenha produzida localmente. No municpio de Marab, ainda se desenvolvem atividades de extrativismo mineral. Estas se dividem em explorao de ouro em pequena escala, pedras preciosas, cristal de rocha e minerais mais comuns como areia, cascalho, argila e brita. A existncia de fartas jazidas de argila impulsionou a instalao, no municpio, de 31 fbricas de cermica de diferentes portes.

    O crescimento da cidade tem sido motivado pela instalao de atividades de comrcio e servios acompanhando a expanso das atividades extrativistas e agropecurias. A dinmica industrial e de servios no municpio deve-se ao fato de que Marab, pela sua localizao geogrfica estratgica, se constitui como plo articulador da expanso econmica do sul do Par.

    A sociedade bem organizada em Marab. H diversas organizaes que representam interesses patronais e de trabalhadores, bem como ONGs ambientalistas locais e de fora do municpio. Essas organizaes influem na direo das demandas ambientais municipais desde a dcada de 80, e atuam em reas como a reduo de queimadas e conservao da fauna. Entretanto,elas no tm tido muitas iniciativas no que se refere a questes mais urgentes de conservao de recursos ambientais, tais como o controle do desmatamento ou a fiscalizao da explorao madeireira ilegal.

    Marab um municpio onde coexistem diversos problemas socioambientais. Alm da concentrao da posse de terra, que causou graves e violentos conflitos durante as dcadas de 1970 e 1980, o municpio tem problemas com o desmatamento causado pela expanso da pecuria, particularmente nas reas mais distantes da sede municipal. No entorno da cidade, o desmatamento tambm severo, mas causado principalmente pela demanda de carvo pelas guseiras. Outro setor problemtico o cermico, que emprega um grande nmero de trabalhadores nas indstrias e que conta tambm com muitos oleiros de pequeno porte instalados s margens dos rios. Os impactos do setor se do principalmente pela extrao e pela queima de lenha - obtida nas florestas nativas -,e tambm pela extrao de argila dos barreiros. Como veremos adiante, a prefeitura, por meio de sua Secretaria de Meio Ambiente, tem sido bastante atuante no licenciamento e regulao do setor.

    Em sntese, o contexto poltico de Marab bastante complexo: ainda persiste uma dinmica de expanso de fronteira agrcola nas reas mais distantes da sede municipal, e h presena marcante de grandes pecuaristas, madeireiros e empresas do setor siderrgico que demandam grandes quantidades de carvo para suas atividades. Esses atores so poderosos e tentam impor restries s atividades de gesto ambiental que possam ferir seus interesses. Por outro lado, gradativamente

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    ganham poder as organizaes de base e as ONGs que tendem a apoiar as iniciativas locais de gesto ambiental.

    No quadro I, apresentamos um resumo da caracterizao dos trs Quadro I Caracterizao dos trs municpios estudados

    Juna

    Itaituba

    Marab

    26.351

    62.565

    15.157

    38.026

    94.750

    167.873

    73%

    68%

    80%

    Comrcio;Madeira;Minerao de diamantes;Pecuria.

    Garimpo de ouro;Madeira.

    Servios;Pecuria;Minerao e siderurgia.

    Queima de resduos da Madeira;Impacto da minerao.

    Contaminao por mercrio e cianeto;DesmatamentoGrilagem;Conflitos entre madeireiros e garimpeiros.

    Desmatamento; Produo de Carvo;Queima de lenha;Extrao de argila.

    Municp1ioTerritrio

    (km2)Populao

    (2000)

    Pop. Urbana/Rural

    Base da economia

    Problemas socioambientais

    rea Indgena Ena-wen-naw, rea Indgena Aripuan;Parque Indgena Aripuan;rea Indgena Serra Morena.

    Parque nacional da Amaznia;Floresta Nacional de Itaituba;Floresta Nacional de Itaituba II.

    Reserva Biolgica do Tapirap;Floresta Nacional do Tapirap - Aquiri;Flona Itacauinas; rea de proteo Igarap Gelado.

    Unidades de Conservao

  • a implementaodoSSiStemaSmunicipaiSdeGeStoambiental

    3.1. Estruturao dos rgos Ambientais Municipais

    Juna

    A Secretaria de Meio Ambiente (formalmente, Secretaria de Agricultura, Minerao e Meio Ambiente - Samma) foi criada em 1995 e o rgo executor da poltica municipal de meio ambiente em Juna. Nessa poca, a economia local sentia fortemente o impacto negativo da decadncia do garimpo de diamantes. Alm da renda gerada pelo setor ter decrescido rapidamente, muitos dos garimpeiros eram colonos que haviam abandonado suas atividades agrcolas para se aventurar na busca de diamantes. Isso fez com que a agricultura tambm passasse por um processo recessivo. A prefeitura criou a secretaria em resposta a essa crise, para tentar reativar a agricultura familiar.

    Apesar da preocupao inicial do prefeito, por dois anos a Samma operou com apenas seis funcionrios, que trabalhavam em duas salas na sede da prefeitura. poca, no havia nenhum tcnico de nvel superior na secretaria, que tinha ao muito tmida. A situao se reverteu em 1997, com a posse do primeiro prefeito eleito pelo Partido dos Trabalhadores, que indicou um lder de movimentos de base dos agricultores para o cargo. Com a reeleio do prefeito, em 2000, o secretrio tornou-se vice-prefeito e em 2002 assumiu a prefeitura.

    Atualmente, a secretaria comandada por um engenheiro florestal e tem uma equipe de 16 pessoas, que inclui outro engenheiro florestal e um veterinrio (ver Quadro 2). A secretaria est bem instalada em um prdio prprio e seus funcionrios contam com veculos e bons servios de apoio tcnico-administrativo, como telefonia, fax e acesso internet, coisa que no trivial na Amaznia.

    A estratgia de fortalecimento da secretaria incluiu a contratao de funcionrios estveis (por concurso) a partir de demandas especficas, como, por exemplo, a necessidade de a Samma dispor de um veterinrio para coordenar o programa de sanidade da carne e do leite, ou de tcnicos para administrar o viveiro de mudas e dar assistncia tcnica aos produtores que implementam cultivos agroflorestais em suas propriedades. A estabilidade dos funcionrios contribui para a continuidade dos trabalhos da secretaria ao longo do tempo, mesmo no caso de mudanas de prioridades quando da troca de prefeitos. O estabelecimento de critrios tcnicos mnimos para a contratao de pessoal evita que a secretaria se inche ou que haja indefinio de responsabilidades e atribuies de seus funcionrios.

    O incio das atividades do PGAI se deu em 1998, com a discusso de um plano

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    regional para o controle ambiental que tivesse participao das entidades locais. Para viabilizar as aes de gesto ambiental na regio Noroeste do estado, o projeto financiou a estruturao fsica das Secretarias de Agricultura e Meio Ambiente e do escritrio regional da FEMA (em Juna). Em seguida, o foco do programa mudou para a elaborao da legislao ambiental.

    Havia uma demanda muito forte dos municpios da regio Noroeste por recursos para projetos de desenvolvimento de atividades econmicas alternativas. Isso aconteceu principalmente em funo da visibilidade dos projetos anteriormente implementados em Juna com outras fontes de apoio. Entretanto, a expectativa das prefeituras foi em parte frustrada, pois o PGAI s alocou 10% de seus recursos para essas atividades. Por j dispor de outros recursos, a prefeitura de Juna decidiu requisitar auxlio para investir no beneficiamento e na comercializao da produo agroflorestal. Entretanto, os recursos no foram liberados e o avano no se concretizou. Por outro lado, o governo municipal soube utilizar os recursos do PGAI para promover avanos institucionais significativos, dentre os quais a elaborao do cdigo ambiental do municpio. Os recursos materiais e humanos proporcionados pelo PGAI tambm tm sido intensamente utilizados pela Samma em diversos projetos do governo municipal relacionados ao meio ambiente e ao desenvolvimento rural, que sero analisados mais detalhadamente adiante.

    Itaituba

    A Secretaria de Minerao e Meio Ambiente (Semma) foi criada em 1993, mas inicialmente com pouca atuao na rea ambiental. Na verdade, a secretaria no tinha recursos - financeiros ou materiais - e nem responsabilidades poltico-administrativas. Era apenas uma posio na hierarquia da prefeitura criada para agraciar algum partido ou liderana poltica de acordo com as necessidades e vontades do prefeito. A estruturao real comeou com a nomeao de um tcnico experiente como secretrio, que soube aproveitar os recursos do PGAI que comearam a chegar ao municpio em 1998.

    Inicialmente, Itaituba no seria contemplada pelo PGAI, que deveria ser implementado apenas na regio do Moju-Capim. A regio do Tapajs acabou sendo includa no Programa, em parte como fruto da iniciativa do titular da Semma em 1997, quando se iniciaram as discusses sobre o PGAI no Par. Tratava-se de um funcionrio cedido pelo escritrio do Departamento Nacional de Produo Mineral - DNPM em Belm, com bom trnsito junto a autoridades do governo estadual e que vislumbrou uma boa oportunidade de conseguir recursos para o municpio estruturar sua secretaria e iniciar um trabalho de gesto ambiental. Naquele momento, o prefeito era do mesmo partido do governador Almir Gabriel - o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), o que facilitou muito a extenso do Programa para o municpio.

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    Com o incio do PGAI, uma das primeiras iniciativas do secretrio foi contratar um gelogo para liderar o quadro tcnico que ele pretendia montar. Nos anos seguintes, quatro profissionais de nvel mdio foram contratados, todos, inicialmente, em carter temporrio. Devido aos esforos do secretrio, o quadro tcnico submeteu-se a concurso pblico e ganhou estabilidade na prefeitura o que, de certa forma, salvou o Programa de um completo fracasso aps as eleies municipais de 2000, quando houve uma reviravolta poltica no municpio.

    Com recursos do PGAI, a secretaria reformou suas instalaes, que se encontravam em estado bastante degradado. Em seguida, o PGAI equipou a secretaria com todos os mveis necessrios ao seu funcionamento, alm de equipamentos como impressora, condicionadores de ar, televiso, vdeo-cassete, retro-projetor, GPS e filmadora VHS. A Semma recebeu, tambm, uma caminhonete cabine dupla e uma lancha com motor de 40 HP. Como contrapartida, foi formado em Itaituba um Frum Municipal de Meio Ambiente, composto por 26 organizaes signatrias e trs comisses colegiadas criadas para trabalhar em trs atividades distintas: 1) a educao ambiental; 2) a elaborao do Plano Diretor de Desenvolvimento Sustentvel (PDDS); e 3) a fiscalizao ambiental.

    As eleies de 2000 representaram um revs muito grande para a gesto ambiental local. Naquele ano, foi eleito um prefeito sem qualquer compromisso com a gesto ambiental e que, pelo contrrio, tinha interesses econmicos na minerao, na pecuria e na grilagem. Sua posse colocou a Semma no limbo e paralisou as atividades do PGAI em Itaituba. O veculo doado secretaria pelo programa foi desviado para outras atividades e os funcionrios no concursados foram demitidos ou removidos para outros rgos. Essa situao perdurou at a morte do prefeito e a conseqente posse do vice-prefeito, em agosto de 2002.

    Os esforos do PGAI s no foram totalmente perdidos pelo empenho dos funcionrios que permaneceram na secretaria, particularmente o diretor do departamento de meio ambiente que, posteriormente, tornou-se secretrio e que manteve o arquivo com todo o histrico do PGAI no municpio. Mesmo aps a retomada do programa, a Semma ainda no voltou ao nvel de atividades que vinha desempenhando antes da troca de prefeito em janeiro de 2001.

    Marab

    A Secretaria Municipal de Meio Ambiente - Semma foi criada em 1992. Posteriormente, ela foi transformada em Departamento para se converter novamente em Secretaria em dezembro de 1997 (Lei 14.910/97). Em 1998, funcionava nas dependncias da Secretaria de Agricultura, e no segundo semestre desse mesmo ano passou a funcionar em instalaes prprias e a contar com uma pequena equipe:

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    o Coordenador Geral, sete tcnicos em vigilncia sanitria e um motorista. Nesse perodo, a secretaria assinou um convnio com a Secretaria Executiva de Cincia, Tecnologia e Meio Ambiente - Sectam para aquisio de equipamento bsico (veculo, lancha, vdeo e outros) (Rosa, 2004). Em 1999, foi indicado o primeiro secretrio, que fazia parte do setor madeireiro de Marab. No incio, a secretaria manteve o quadro reduzido e infra-estrutura inadequada. Suas atividades limitaram-se a algumas poucas aes de educao ambiental.

    Na metade da dcada de 1990, teve lugar no municpio o processo de elaborao de uma proposta de lei ambiental, apresentada por um vereador do PT, mas que, embora discutida e aprovada na Cmara Municipal, no foi bem aceita pelo executivo municipal. No ano de 2000, o secretrio de meio ambiente dedicou-se tarefa de implementar o processo de descentralizao da gesto ambiental por meio da aprovao da poltica ambiental municipal e da constituio do Conselho Municipal de Meio Ambiente (Comam), motivado pelo interesse em receber apoio financeiro do governo estadual. Essas iniciativas foram destinadas ao fracasso pelo limitado envolvimento de organizaes representativas dos grupos sociais majoritrios no processo. Apenas organizaes de classe participaram. Em 2001, a remoo do prefeito e a indicao de um novo secretrio mudaram o curso do processo. Nesse ano, foi iniciada uma consulta para a elaborao de nova proposta de lei ambiental, o que envolveu a participao de ampla diversidade de atores sociais locais representando tanto organizaes de classe, como organizaes no-governamentais, alm de rgos de representao de categorias profissionais. Muitas dessas organizaes iriam, depois, participar da formao do Comam.

    Atualmente a Semma tem uma estrutura organizativa relativamente simples. Ela se compe de trs departamentos: 1) Departamento de Meio Ambiente; 2) Departamento de Paisagismo; e 3) Departamento de Controle Ambiental. O Departamento de Controle Ambiental responsvel pela maior parte das atividades e da arrecadao da Semma. O Departamento de Meio Ambiente tem a finalidade de apoiar as aes do Departamento de Controle Ambiental, principalmente por meio da execuo de programas de educao ambiental dirigidos a pblicos especficos. O Departamento de Paisagismo foi transferido recentemente Semma pela Secretaria de Obras e tem sob sua responsabilidade as tarefas de arborizao urbana. Atualmente, a Semma concentra suas atividades na sede do municpio.

    O nmero de funcionrios empregados na Semma pode parecer muito grande (um total de 70), mas, descontando os trabalhadores braais atuando no Departamento de Paisagismo (40 pessoas tomando conta do ajardinamento, da poda, da capina e da arborizao), restam 30 funcionrios ocupados em atividades de licenciamento, de monitoramento e de educao ambiental. Efetivamente, os departamentos de Controle Ambiental e de Meio Ambiente so os que contam com o maior nmero de pessoal

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    qualificado, de nvel superior e mdio (16 pessoas). Adicionalmente, o Departamento de Meio Ambiente conta com nove educadores ambientais de nvel mdio.

    A Semma encontra-se relativamente bem equipada, mas a maior parte desse equipamento no est em boas condies, particularmente os veculos e os motores de barco, que constituem ferramentas imprescindveis ao trabalho de fiscalizao. A secretaria no dispe de recursos prprios ou da Prefeitura para destinar manuteno e/ou renovao de seus equipamentos. Alm dos equipamentos usados na fiscalizao, a secretaria conta com sete computadores e desenvolveu um programa para gerenciar o trabalho de cadastramento de estabelecimentos e emisso das licenas ambientais, com a finalidade de acompanhar os processos administrativos resultantes do licenciamento.

    3.2. Polticas e Programas Municipais de Gesto Ambiental

    No resta dvida de que h avanos em Juna, Itaituba e Marab no sentido de consolidar um sistema municipal de gesto ambiental. A estruturao das secretarias municipais de meio ambiente uma evidncia inicial disso. H, contudo, grandes diferenas entre os trs municpios, como veremos a seguir.

    Juna

    Em Juna, a prefeitura tem se envolvido com um grande nmero de atividades ligadas gesto ambiental. Uma delas a criao e manuteno do parque municipal e do viveiro de mudas ornamentais e florestais, que atendem demanda da prpria secretaria de meio ambiente, para arborizao urbana e recuperao de reas degradadas e de matas ciliares. O viveiro tem, tambm, capacidade para atender a demandas futuras de projetos de desenvolvimento agroflorestal. Estabelecer um parque municipal uma atitude inusitada para governos municipais da Amaznia. No caso de um municpio que tem mais da metade de suas terras em reas protegidas, a atitude at mesmo audaciosa. Surpreendentemente, a iniciativa teve amplo apoio popular em Juna, o que se deve, em parte, habilidade poltica dos dirigentes municipais que conseguem introduzir novos temas na pauta poltico-administrativa municipal sem imp-los populao local.

    Outro projeto muito importante para a prefeitura o de tratamento de resduos slidos. Para desenvolv-lo, a prefeitura conta com recursos financeiros e humanos do Ministrio do Meio Ambiente e do Instituto Brasileiro de Administrao Municipal - Ibam. muito significativo o fato de a cidade ter coleta de lixo em 100% dos domiclios e da Samma j contar com o projeto de implementao de um aterro sanitrio. Mais uma vez, preciso notar que essa uma situao bastante rara nos municpios da Amaznia.

    A prefeitura de Juna, por meio da Samma, tambm tem participao ativa em um grande nmero de projetos de desenvolvimento rural, com apoio de rgos do

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    governo federal e ONGs. Um desses projetos (Paca), financiado pelo Programa Piloto por meio do subprograma de Projetos Demonstrativos - PD/A, coordenado pela principal associao de produtores rurais do municpio, a Ajopam - Associao Rural Juinense Organizao para Ajuda Mtua) e foi idealizado pelo prprio prefeito quando este presidia a Associao. Devido capacidade de organizao dos trabalhadores rurais locais e ligao quase orgnica destes com o governo municipal, recentemente o municpio foi includo como plo de implementao do Programa de Desenvolvimento Socioambiental da Produo Familiar Rural (Proambiente) na regio Noroeste de Mato Grosso. Nesse programa, a prefeitura, os movimentos sociais, a Embrapa - Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuria e o Ministrio do Meio Ambiente comearam a trabalhar na busca de mecanismos de pagamento por servios ambientais e alternativas de produo sustentvel para agricultores do municpio.

    O licenciamento ambiental no um tema muito importante na pauta da prefeitura. Isso certamente se deve ao fato de que o rgo ambiental estadual - Fema - tem representantes na cidade. Assim, no h sobre o governo municipal uma presso local positiva para que tome para si um servio essencial ao andamento de algumas atividades produtivas - e que mal conduzido por uma agncia governamental ausente da vida local, como no caso de Marab. Tampouco h presses negativas a fim de evitar que o governo municipal execute atividades de comando e controle, pois, de acordo com o marco normativo vigente, trata-se de um tema de competncia do governo estadual.

    Itaituba

    Apesar dos altos e baixos pelos quais passou devido s reviravoltas polticas, a Semma manteve viva uma das aes escolhidas como prioritrias durante as discusses preparatrias para a implementao do PGAI, em 1988: a elaborao do Plano de Diretor de Desenvolvimento Sustentvel - PDDS. A secretaria conseguiu at mesmo investir em equipamentos, por meio de um convnio com o Sistema de Vigilncia da Amaznia - SIVAM e com recursos prprios e, com isso, montar uma pequena estao de processamento de imagens de satlite. Alm de um computador e um plotter utilizados para produzir mapas, a Semma contratou os servios de um consultor de Belm e comeou a montar uma base cartogrfica que subsidiar a elaborao do PDDS. Tambm foi estabelecido um convnio com a Embrapa, que est preparando um levantamento do potencial erosivo e da aptido agrcola dos solos em uma rea situada dentro de um raio de 80 km da sede municipal.

    A Semma tem capacidade de produzir mapas de boa resoluo e dispe de equipamentos e programas relativamente sofisticados. Entretanto, no parece haver clareza sobre o que fazer com esses recursos e essa capacidade. Coisas mais simples e importantes, como a limpeza urbana e o saneamento bsico, ainda no foram incorporadas s prioridades municipais.

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    O licenciamento ambiental praticamente inexistente e a secretaria tem a viso de que a atividade pouco interessante para o municpio, uma vez que a Sectam mantm para si a competncia sobre o licenciamento das atividades que geram mais renda, como, por exemplo, a operao de serrarias e postos de gasolina. O exemplo de Marab, que veremos a seguir, mostra que essa viso demasiadamente pessimista. Ainda que Marab seja um municpio maior e mais rico que Itaituba, nesta cidade h um volume considervel de operaes comerciais e industriais com potencial poluidor, que poderiam e deveriam ser licenciadas e fiscalizadas. Falta ao governo local o mpeto com o qual a Secretaria de Meio Ambiente de Marab se lanou sobre o licenciamento, e que rendeu resultados muito positivos. verdade tambm que a situao poltica em Itaituba muito diferente da de Marab. A presso poltica em Itaituba parece ser muito maior, e dentro da esfera de influncia direta sobre o poder municipal h muita gente que no tem interesse algum em que a prefeitura comece a cobrar taxas e impor regras aos donos de negcios.

    Nesse debate, preocupante o fato de a Sectam se apegar ferrenhamente a suas competncias de licenciamento e no procurar incentivar a prefeitura de Itaituba ou de outros municpios a realizar tarefas que deveriam ser realizadas por alguma das esferas do poder pblico e que esto sendo negligenciadas. Outro ponto interessante sobre o licenciamento a evidente insatisfao dos donos e gerentes das empresas que necessitam do licenciamento com a ineficincia e com o custo dos procedimentos centralizados na Sectam e concentrados em seus escritrios na Capital. Esta , sem dvida, uma rea em que se faz necessrio um programa pactuado de descentralizao, no qual o governo deveria dar aos municpios atividades geradoras de receitas e, ao mesmo tempo, exigir deles a execuo de atividades poltica e financeiramente onerosas.

    Marab

    Apesar de ter recebido menor aporte de recursos do PGAI, a Secretaria de Meio Ambiente de Marab conta com um nmero grande de funcionrios que trabalham na fiscalizao e arborizao, tem razovel infra-estrutura fsica e desenvolveu um sistema (administrativo e computacional) de acompanhamento de processos muito eficiente. Os gastos da secretaria com pessoal so bancados pelo oramento municipal, mas todos os gastos operativos se respaldam em recursos provenientes do licenciamento ambiental. preciso notar que a Semma tem responsabilidade sobre o licenciamento de um grande nmero de pequenos negcios, o que encarece a fiscalizao e dificulta a arrecadao. O governo do estado ainda reserva para seu rgo ambiental, a Sectam, a parte mais rentvel do processo de licenciamento, alegando que os municpios em geral no tm capacidade para realizar esse tipo de trabalho. A muito custo, a prefeitura tem conseguido que a Sectam delegue ao governo municipal responsabilidade sobre o licenciamento de atividades de setores economicamente mais expressivos, como os

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    de laticnios, matadouros e cermica.

    A secretaria tem trabalhado de maneira bastante madura ao no considerar a arrecadao proveniente do licenciamento como sua atividade-fim. Pelo contrrio, o trabalho de fiscalizao busca ajustar as operaes das empresas licenciadas s normas ambientais municipais, em consonncia com as normas estaduais e federais. Tais ajustes no so feitos apenas por meio de multas e advertncias, mas tambm por orientao tcnica aos operadores das atividades passveis de licenciamento (ver Box 1).

    A Semma tem sido bastante ativa em tarefas de paisagismo urbano, assim como em programas menores de educao ambiental e controle da poluio sonora. Contudo, fica muito claro que o licenciamento ambiental foi eleito como a grande prioridade do rgo municipal, escolha bastante racional, pois a atividade, se bem administrada, pode dar sustentabilidade a um rgo ambiental municipal, ao menos em um municpio do porte de Marab. Tanto verdade que a prefeitura j trabalha no sentido de ampliar suas competncias sobre o licenciamento de atividades rurais, coisa que exigir grandes investimentos em transporte e talvez at na desconcentrao da estrutura administrativa da Semma, dada a dimenso do territrio municipal.

    Box 1: Licenciamento do setor oleiro-cermico em Marab

    Uma rea na qual a Semma tem tido atuao bastante expressiva o setor oleiro-cermico, que tem grande importncia social e econmica no municpio, pois abrange desde pequenos produtores artesanais at indstrias de mdio porte. Trata-se de uma indstria cujo processo produtivo tem grandes impactos ambientais, tanto pela extrao de argila quanto pela queima de lenha nos fornos. Para adequar o setor s normas ambientais, a Semma estabeleceu convnios com a Sectam e passou a licenciar a extrao e o beneficiamento da argila. No entanto, a maior parte das olarias operava informalmente. Em setembro de 2002, a Semma assinou um convenio para o Compartilhamento de Gesto Mineral com o DNPM no intuito de coordenar as atividades de fiscalizao do pagamento da CFEM -Compensao Financeira pela Explorao de Recursos Minerais, cadastrar as atividades de explorao e aproveitamento de recursos minerais e comunicar ao DNPM as irregularidades encontradas na arrecadao da CFEM (DNPM, 2002). Esse convnio facilitou a legalizao das olarias por meio da emisso de Registros de Lavra Mineral e de Licenas de Operao (Semma, 2003).O diagnstico realizado para o setor oleiro-cermico identificou alguns dos principais problemas no abastecimento de matria-prima no processo produtivo, principalmente combustvel para o aquecimento dos fornos, o qual provem, em sua maioria, de resduos de madeira de serrarias ou de explorao florestal sem plano de manejo. No intuito de resolver esses problemas, a Semma, com o apoio de pesquisadores da Universidade Federal do Par - UFPA, conseguiu introduzir mudanas tecnolgicas no processo de produo cermica (uso de fornos de secado com p de madeira). Essas mudanas tiveram repercusses na reduo de custos de produo com matria-prima e trouxeram aumento de produtividade para o setor.

    3.3. Desenvolvimento do Marco Jurdico

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    Juna

    Um ponto em que houve importantes avanos em Juna foi a elaborao de legislao ambiental municipal. Juna aprovou seu Cdigo Municipal de Meio Ambiente em abril de 2001. A participao do PGAI foi fundamental para subsidiar as discusses sobre essa legislao e para custear despesas de consultoria jurdica necessrias elaborao do projeto de lei.

    O Cdigo criou o Conselho Municipal de Desenvolvimento e Meio Ambiente - Condema -, definindo suas funes e sua composio. Criou tambm o Fundo Municipal de Meio Ambiente, cujas fontes de receita so: dotaes oramentrias (no especificadas); receitas de multas oriundas de infraes ambientais e financiamentos, doaes e convnios com entidades nacionais e internacionais. O cdigo bastante abrangente e prev uma srie de instrumentos de poltica ambiental, como o zoneamento urbano, um sistema de registro e cadastro de informaes ambientais, medidas de controle e fiscalizao, saneamento bsico e estabelecimento de unidades de conservao e educao ambiental. Trata tambm da proteo da fauna e da flora, do controle da poluio - o que inclui poluio do ar, poluio sonora e tratamento de resduos slidos - e define infraes, sanes e os procedimentos administrativos para caracteriz-las e aplic-las. Sem dvida, trata-se de um cdigo ambiental muito bem elaborado, sobretudo para um municpio pequeno como Juna.

    Mais importante ainda o fato de que a legislao est diretamente correlacionada com as aes da prefeitura e da Semma. certo que o governo municipal ainda no consegue seguir risca todas as diretrizes do Cdigo, mas muitas de suas prioridades esto claramente definidas na legislao, como o caso da coleta e tratamento de resduos slidos, da proteo dos mananciais, do saneamento bsico, do zoneamento urbano e do estabelecimento de unidades de conservao.

    Itaituba

    Ao contrrio de Juna, Itaituba ainda no tem uma legislao ambiental consolidada, na forma de um cdigo ambiental municipal. Algumas leis foram elaboradas e aprovadas, principalmente no ano de 1999, quando o programa ganhou grande impulso. Dentre estas, destacamos as seguintes:

    Lei Municipal 1607/98 - regulamenta a extrao de substncias minerais no municpio.

    Lei Municipal 1650/99 - disciplina as taxas e tarifas pelo exerccio de poder de polcia da Semma

    Lei Municipal 1599/98 - dispe sobre a limpeza pblica no municpio.

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    Lei Municipal 1619/99- probe a sada de madeira em tora do municpio.

    Lei Municipal 1652/99 - cria o Fundo Municipal do Meio Ambiente Decreto Municipal Eb.0167/99 -- estabelece e regulamenta o

    licenciamento ambiental. Lei Municipal 1742/02 - dispe sobre a criao e funcionamento do

    Conselho Municipal de Meio Ambiente. Lei Municipal 1651/99 - dispe sobre a criao da APA Bom Jardim/

    Passa Tudo Lei Municipal 1653/99 --dispe sobre a criao da APA Praia do

    Sapo Decreto Municipal 0033/03 - nomeia os Membros do Conselho

    Municipal do Meio Ambiente

    De modo geral, essas leis visavam, em um primeiro momento, estruturar o setor ambiental, com a criao do Fundo e, posteriormente, do conselho de Meio Ambiente, e estabelecer um