Geração Invisível - Os Novos Cineastas Portugueses

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Geração Invisível - Os novos cineastas portugueses

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  • AnA CAtArinA PereirA, tito CArdoso e CunhA (orgs.)

    gerAo invisvelos novos cineastas portugueses

  • livros labComsrie: Cinema e Multimdiadireo: Jos ricardo Carvalheirodesign de Capa: Madalena senaPaginao: Cristina lopesCovilh, uBi, labCom, livros labCom tiragem: 200 exemplaresdepsito legal: 360725/13isBn: 978 -989 -654 -108 -8

    ttulo: gerao invisvel: os novos cineastas portuguesesAutor: Ana Catarina Pereira, tito Cardoso e Cunha (orgs.)Ano: 2013 www.livroslabcom.ubi.ptwww.facebook.com/geracaoinvisivel

  • ndice

    Prefcio .............................................................................................................. 1Ana Catarina Pereira, Tito Cardoso e Cunha

    Apresentao ...................................................................................................... 7

    Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses ..................... 15Entrevista de Ana Catarina Pereira

    Ill See You in my Dreams: o morto -vivo como pesadelo na aldeia portuguesa ......................................................................................... 27Adriano Messias de Oliveira

    o fantasma do anjo da casaQROPHDaqui pr Frente, de Catarina ruivo ............................................................................................ 51Ana Catarina Pereira

    A nova gerao de cineastas da animao portuguesa ..................................... 79Antnio Costa Valente, Rita Capucho

    origens possveis e consequentes desenvolvimentos contemporneos da longa -metragem O Fantasma, de Joo Pedro rodrigues .......................... 105Caterina Cucinotta

    sinais de inquietude: o cinema de sandro Aguilar ....................................... 129Daniel Ribas

    Estrada de Palha, de rodrigo Areias: este western para mim ................... 155Eduardo Paz Barroso

    Janelas para o (in)visvel: o cinema de Joo salaviza .................................. 169rico Oliveira de Arajo Lima, Janaina Braga de Paula, Larissa Souza Vasconcelos

  • A morte de um mito: Floripes, de Miguel gonalves Mendes ...................... 191Helena Brando

    Terra Sonmbula, de teresa Prata: Correntes de imagens, palavras, fantasias, transcriao e imortalidade ............................................................ 217Josette Monzani

    o El Dorado como no -lugar: Performances do poder em Viagem a Portugal, de srgio trfaut ............................................................ 249Mariana Duccini Junqueira da Silva

    gabriel Abrantes: o contador de estrias ...................................................... 267Paulo Cunha

    Tabu, de Miguel gomes ................................................................................. 287Salom Lamas

    5HH[}HVVREUHFLQHPDIHLWRQDXQLYHUVLGDGH ............................................... 309Tito Cardoso e Cunha

    A presena da invisibilidade em Alice, de Marco Martins ............................. 319Wiliam Pianco

    os autores ....................................................................................................... 343

  • [Gerao Invisvel: Os novos cineastas portugueses, pp. - 6]1

    PrefcioAna Catarina Pereira, tito Cardoso e Cunha

    Pginas de uma histria recente poderia ser o ttulo do estudo que aqui iniciamos.

    Pginas que analisam a inquietude, a poesia, a liberdade e o olhar de uma nova gerao de cineastas portugueses.

    Pginas que do a conhecer o trabalho de um grupo de realizadores e UHDOL]DGRUDVTXHOPDFRPHVFDVVRVUHFXUVRVFRQWUDRWHPSRHRHVTXHFLPHQWR

    no incio dos nossos trabalhos gostaramos de saudar o recente desenvolvimento da investigao acadmica em torno do cinema portugus, sobretudo quando empreendemos este projeto a partir da primeira universidade pblica do pas a facultar aos seus alunos uma licenciatura e mestrado em &LQHPD2DXPHQWRGRQ~PHURGHMRUQDGDVFRQJUHVVRVHSXEOLFDo}HVWHPiWLFDVYHULFDGRQRV~OWLPRVDQRVWHPQRQRVVRHQWHQGHUYLQGRDUHYHODULQWHUHVVDQWHVHVWXGRV TXH FRPSOHPHQWDP DV DQWHULRUHV HGLo}HV GH FDUiFWHU HVVHQFLDOPHQWHhistrico. Aos pronturios, livros de documentao e dicionrios do cinema portugus j existentes (que constituiro sempre importantes referncias ELEOLRJUiFDV VXFHGHPVHDJRUD UHH[}HVPDLVHVSHFtFDV FRPSOHPHQWDGDVcom novas perspetivas e metodologias de anlise flmica.

    Assumindo este ponto de partida, o labCom centro de investigao FLHQWtFD GD 8QLYHUVLGDGH GD %HLUD ,QWHULRU FRQYLGRX LQYHVWLJDGRUHV HHVWXGLRVRV HVSDOKDGRVSHORVTXDWURFDQWRVGRPXQGRD UHHWLUHPVREUHXPDtemtica qual tem sido prestada escassa ateno, tanto ao nvel acadmico como editorial. Falamos de um fenmeno contemporneo, traduzvel no VXUJLPHQWRGHXPDJHUDomRGHFLQHDVWDVSRUWXJXHVHVTXHFRPHoDDOPDUQRV

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    QDLVGRVpFXOR;;HLQtFLRVGRVpFXOR;;,2OLYURTXHDTXLDSUHVHQWDPRVQmRre -narra, portanto, uma histria que resulta familiar queles que se interessam por cinema portugus, mas antes elege uma diegese sobre correntes estticas prementes, de rutura e encaixe, aproximao e distanciamento, novidade e nostalgia simultneos. Porque uma leitura do passado recente pode atribuir maior sentido a movimentos artsticos anteriores, perspetivando, em simultneo, futuros prximos.

    tentando traar uma panormica generalista da situao atual, diramos que os anos a que nos dedicamos, no nosso estudo, tm representado um perodo de constantes dualidades. visto de fora, o Cinema Portugus parece nunca ter estado to bem. visto de dentro, revela ansiedade e descontentamento. nesse VHQWLGR IDODU GR VHX SUHVHQWH H GR VHX IXWXUR FRQJXUDVH XPD TXHVWmR QmRexclusivamente acadmica, mas intrinsecamente poltica. se no, vejamos: em fevereiro de 2012, Miguel gomes vence, com Tabu, o prmio da crtica no Festival GH&LQHPDGH%HUOLP1RPHVPRDQRDRVXVSHQGHULQGHQLGDPHQWHRSURJUDPDGHDSRLRQDQFHLURjSURGXomRR,QVWLWXWRGR&LQHPDHGR$XGLRYLVXDO,&$EORTXHRXWRGDDSURGXomRFLQHPDWRJUiFDQDFLRQDO$LQGDQRUHIHULGRIHVWLYDOalemo, Joo salaviza vence o urso de ouro para melhor curta -metragem (Rafa) e dedica o prmio ao governo portugus: na exclusiva condio de este prestar um maior apoio produo interna.

    2VSDUDGR[RVVXFHGHPVHQXPDOLVWDLQWHUPLQiYHOTXHUHHWHDVFRQVWDQWHVGLFXOGDGHV GH XP FLQHPD DSODXGLGR SHOD FUtWLFD PDV LQYLVtYHO SDUD Dgeneralidade dos portugueses. em Frana, em dezembro de 2012, a terceira longa -metragem de Miguel gomes ultrapassou os 100 mil espectadores em DSHQDVTXDWURVHPDQDVGHH[LELomR(P3RUWXJDODWpDRQDOGHVVHDQRTabu somaria apenas 21169 espectadores, segundo dados do iCA. sublinhamos, no HQWDQWRTXHROPHQmRFKHJDULDDWHUHVWUHLDFRPHUFLDOHPFLGDGHVGHPpGLDdimenso, como viana do Castelo, leiria, Covilh ou Ponta delgada, por estas terem assistido ao encerramento das suas principais salas, exploradas pela distribuidora Castello lopes.

    os ltimos anos de cinema portugus so assim marcados por um fenmeno que aqui nos compelimos a designar por gomes -salaviza, j que os prmios e GLVWLQo}HVDWULEXtGRVDRVFLQHDVWDVSRGHULDPHYHQWXDOPHQWHVXVFLWDUXPPDLRU

  • 3Prefcio

    interesse por parte da generalidade do pblico. no entanto, o mesmo fenmeno no despoleta os desejveis mecanismos de resposta, contrapondo -se, ao crescente interesse, um decrscimo do nmero de salas, sobretudo nas cidades GRLQWHULRU$VLWXDomRpSDUDGLJPiWLFDHUHH[LYDGHXPDVpULHGHSUREOHPDVGHGLDJQyVWLFRHYLGHQWHHGHPXLWRPHQRVFODUDVVROXo}HV ID]HQGRUHFRUGDUDVFRQVLGHUDo}HVGH-RmR%pQDUGGD&RVWDDFHUFDGDLQYLVLELOLGDGHde grande parte do cinema portugus. Para o antigo diretor da Cinemateca Portuguesa, os portugueses associam o cinema realizado no seu pas a vasco santana, Antnio silva, Cano de Lisboa e ao Pai Tirano, enquanto um FLQpOR HVWUDQJHLUR HORJLD0DQRHO GH 2OLYHLUD H -RmR &pVDU0RQWHLUR 'RLVpontos de vista igualmente redutores, que nos instigam, como temos vindo a adiantar, organizao deste livro.

    da provocao de Bnard da Costa ressalvamos, primeiramente, a QHFHVVLGDGHGHGHVPLVWLFDU XP VXSRVWRSHUtRGR iXUHRGR FLQHPDSRUWXJXrVideologicamente associado a uma ditadura repressiva e fomentadora da moral e dos bons costumes. Por outro lado, ainda que uma lista de autores cannicos j no se resuma, hoje, a oliveira e a Monteiro, consideramos que tal facto se deve obteno de igual notoriedade (a nvel internacional) pela parte de Pedro Costa. numa perspetiva algo otimista, poderiam acrescentar -se os nomes de Fernando lopes, Paulo rocha ou Joo Canijo quela listagem. Mas atrevemo-QRVDGL]HUTXHWDOFRQWLQXDDQmRVHUVXFLHQWHRTXHQmRVHGHYHDSHQDVjeterna viso de Joo Csar Monteiro como cineasta maldito, ou ao facto de Fernando lopes e Paulo rocha nunca terem sido devidamente homenageados HPYLGD SHODV LQVWLWXLo}HV FXOWXUDLV GR VHX SUySULR SDtV FRPRQXQFD R WHUmRsido Antnio Campos, Antnio reis ou Jos lvaro Morais, entre outros). Para alm destes fatores, a canonizao de determinados autores poder ter efeitos contraditrios, traduzveis numa proveitosa suscitao do interesse por outros cineastas das mesmas escolas e nacionalidades, mas tambm, e com maior frequncia, na invisibilidade dos ltimos.

    seguindo os princpios enunciados, pretende assim contrariar -se o que derrida designava como mal de arquivo, referindo -se institucionalizao de FHUWRVDXWRUHVHjVUHODo}HVGHSRGHUDIHWDVDHVWHSURFHVVR2VPHVPRVSURFHVVRVLGHQWLFDGRVSRU)RXFDXOWQDGHQLomRGHDUTXLYRFRPRDOHLGRTXHSRGHVHU

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    dito, o sistema que rege o aparecimento dos enunciados como acontecimentos singulares (Foucault, 1987: 149). Ao organizarmos a presente publicao, WLYHPRV DVVLP DPELFLRVRV SURSyVLWRV GHQWUR GDV OLPLWDo}HV TXH SDVVDPRV Dreconhecer. Ao procurarmos estudar a nova gerao de cineastas portugueses, GHGLFDGRVjFomRDQXODPRVDSRVVLELOLGDGHGHIDODUGHRXWURVFLQHDVWDVRVque j no sero to novos no seu bilhete de identidade ou carto de cidado, e que mereceriam, no obstante, uma anlise similar. entre eles encontram -se os inmeros realizadores e realizadoras que, h anos, lutam contra idnticas formas de invisibilidade, constrangimentos econmicos e de distribuio dos VHXVWUDEDOKRV0DQXHO0R]RVDSHVDUGHDTXLHQWUHYLVWDGRVHULDFHUWDPHQWHum destes realizadores. Mas tambm Antnio de Macedo, Pedro ruivo, Pedro Caldas, eduardo geada, Manuela viegas, Joaquim sapinho, edgar Pra, Margarida Cardoso, Monique rutler, Mrio Barroso ou solveig nordlund. Por RXWUR ODGR DR FRQFHQWUDUPRQRV QD FomR H[FOXtPRV DLQGD D QRYD JHUDomRde documentaristas que tem vindo a ser distinguida em festivais de cinema nacionais e internacionais, e da qual fazem parte gonalo tocha, Jos Filipe Costa, Catarina Mouro ou Joo rui guerra da Mata, entre outros.

    Mas revelemos, ento, o que este livro pode oferecer aos seus leitores e leitoras, explicitando o processo de seleo de artigos. em fevereiro de 2012, quando lanmos o call for papers, fomos surpreendidos pela diversidade de propostas, assinadas por investigadores no apenas de universidades nacionais, mas tambm de espanha, Frana, itlia, inglaterra e Brasil. As suas reas de pesquisa seriam igualmente heterogneas, desde o Cinema e das Cincias da Comunicao Antropologia, passando pela sociologia e histria. o resultado QDO p XP HVWXGR FRQMXQWR VREUH XPD JHUDomR GH FLQHDVWDV TXH OPD QXPcontexto de indignao e desesperana que se sente um pouco por todo o pas, num paralelismo com os anos 60 e o prprio Cinema novo. A histria repete--se, em alguns moldes, espelhando aquele movimento vanguardista, o que seria quase nostlgico se no tivesse um fundo to reivindicativo e contestatrio.

    $FUHVFHQWDPVHQRHQWDQWRQRYDVJXUDVTXHGLVWLQJXHPHVWHVFLQHDVWDVGRVpFXOR;;,VHQGRXPDGHODVDGRKLEULGLVPRDTXHOHTXHFRPHoDQDLQGHQLomRGDVSULQFLSDLVLQXrQFLDVGHFDGDUHDOL]DGRUHTXHWHUPLQDQXPH[WUDSRODPHQWRGDestrutura bipolar que dominou a histria do cinema portugus, de um cinema de

  • 5Prefcio

    autor versusFLQHPDFRPHUFLDO2OKDQGRSDUDDOJXQVGRVOPHVDTXLDQDOLVDGRVcomo Ill See You in my Dreams, de Miguel ngel vivas e Filipe Melo, Alice, de Marco Martins, ou Daqui pr Frente, de Catarina ruivo, diramos que h XPDFDGDYH]PDLRU LQGLIHUHQFLDomRHQWUHRVUHDOL]DGRUHVTXH]HUDPHVFRODVde cinema (e que sempre procuraram corresponder a uma genealogia do cinema portugus) e aqueles que trabalharam outros tipos de imagem em movimento, como a videoarte ou a publicidade.

    o deambular por novos gneros viria, por sua vez, cimentar esta indiferenciao. depois de realizadores como Antnio de Macedo, solveig nordlund ou daniel del -negro terem inaugurado a difcil relao do cinema SRUWXJXrVFRPDFomRFLHQWtFDHRIDQWiVWLFRSDUHFHPHVWDUDEHUWRVFDPLQKRVSDUDYLV}HVPHQRVUHSUHVHQWDGDVQRSDQRUDPDQDFLRQDO1HVVDOLQKDDVUHFHQWHVLQFXUV}HVGDGXSOD7LDJR*XHGHVH)UHGHULFR6HUUDSHORFLQHPDGH WHUURU QROPHCoisa Ruim, 2006), de rodrigo Areias pelo western (Estrada de Palha, 2012), ou de edgar Pra por um experimentalismo provocador e consistente (desde Manual de Evaso, de 1994, a Baro, de 2011), constituem exemplos de uma desejvel disperso de focos e propostas.

    surgem assim, entre esta nova gerao, correntes estticas e modos de OPDU GLVUXSWLYRV FRP SODQRVPXLWR FXLGDGRV H XPDPDUFDQWH SUHRFXSDomRIRWRJUiFDVREUHWXGRQRVFDVRVGH6DQGUR$JXLODU9LFHQWH$OYHVGR-RmRPedro rodrigues ou da dupla guedes/serra. surge, para alm disso, uma imensa vontade de chegar s pessoas e de dialogar com elas, no apenas atravs dos OPHVPDV WDPEpPGRFRQWDFWRSHVVRDO$VVLVWHVHSRUHVVDPHVPDUD]mRDuma renovao do esprito cineclubista dos anos 50, dos encontros em torno dos OPHVHGDVFRQYHUVDVTXHVHSURORQJDPQRLWHGHQWURjYROWDGHXPDLGHLDLQLFLDOdos obstculos sua concretizao, do processo de criao das personagens, GDVOPDJHQVRXGDPHQVDJHPTXH VHSUHWHQGHX WUDQVPLWLU([WLQJXHVHXPDFHUWD WHQGrQFLD HJRFrQWULFD GH ID]HU OPHV SDUD VL SUySULR LQLQWHOLJtYHLV RXimperscrutveis. sada -se o interesse do pblico e sai -se da grande cidade, percebendo -se que fora da rea Metropolitana de lisboa fervilham cineclubes, WHDWURV H DVVRFLDo}HV FXOWXUDLV DEHUWRV j SRVVLELOLGDGH GH GLYXOJDU OPHVnacionais.

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    olhando para um perodo que h to pouco tempo se tornou passado, num H[HUFtFLR FRLQFLGHQWH FRP R TXH DOJXQV GRV OPHV DTXL DQDOLVDGRV RSHUDPdiramos que a concordncia nunca atingida, e que da pluralidade podem VXUJLUOLEHUGDGHVHKLEULGLVPRVHVWpWLFRVPDUFDQWHVVLJQLFDWLYRVHH[LVWHQFLDLVrenova -se o cinema portugus. e, com ele, a sua imagem.

    5HIHUrQFLDVELEOLRJUiFDV

    CostA, JB (1998), Breve histria mal contada de um cinema mal visto, in AAvv Portugal 45 -95 nas Artes, nas Letras e nas Ideias, lisboa: Centro nacional de Cultura.

    FouCAult, M. (1987), A arqueologia do saber, rio de Janeiro: editora Forense -universitria.

  • [Gerao Invisvel: Os novos cineastas portugueses, pp. - 14]7

    ApresentaoComecemos ento a conhecer melhor este novssimo cinema portugus, sublinhando que a ordem pela qual os artigos so apresentados estritamente DOIDEpWLFDQRTXHFRQFHUQHDRQRPHGRVVHXVDXWRUHV2VWH[WRVVHJXHPDJUDDGRQRYR$FRUGR2UWRJUiFRGD/tQJXD3RUWXJXHVDUHVSHLWDQGRVHDYRQWDGHGRVinvestigadores que se manifestaram contra o mesmo, nomeadamente no caso de eduardo Paz Barroso. traando uma panormica geral da temtica, iniciamos este livro com as palavras de Manuel Mozos, em discurso direto, pela perspetiva privilegiada que o realizador nos oferece sobre a nova gerao de cineastas, estabelecendo um interessante paralelismo com o movimento vanguardista dos anos 60.

    (P VHJXLGD LQLFLDPVH RV HVWXGRV H UHH[}HV GH FDGD XP GRV QRVVRVautores. o primeiro deles de Adriano Messias de oliveira, doutorando na Pontifcia universidade Catlica de so Paulo, pesquisador convidado da universidade Paris 8 e escritor de obras de literatura fantstica para crianas e adolescentes. Com base na sua rea de especializao, o investigador interessou-VH HVSHFLFDPHQWH SRU DTXHOH TXH p FRQVLGHUDGR R SULPHLUR OPH GH WHUURUda histria do cinema portugus, a curta -metragem de Miguel ngel vivas e Filipe Melo: Ill See You in my Dreams (2003). sublinhando o pioneirismo e a rara incurso de cineastas lusitanos pelo gnero, Adriano Messias de oliveira UHOHPEUDQRVTXHROPH IRLSUHPLDGRFRPRMlis de Ouro no Festival de Cinema Fantstico de Amesterdo, com o Mlis de Prata no Fantasporto (Portugal), em 2006, como Melhor Curta de Terror Portugus e Filme de Terror Portugus Mais PopularSHOR027(/[1RVHXDUWLJRDSUHVHQWDQRVROPHcomo resultante de um trabalho da dupla vivas/Melo, por entender que ambos participaram conjuntamente na realizao, produo e escrita de guio, tal como IRL DVVXPLGRQDV GLYHUVDV HQWUHYLVWDV FRQFHGLGDV H DSUHVHQWDo}HV S~EOLFDV GDobra.

    Ana Catarina Pereira, co -organizadora da presente publicao, jornalista, mestre em direitos humanos e doutoranda em Cincias da Comunicao na

  • 8universidade da Beira interior, elegeu a segunda longa -metragem de Catarina ruivo, Daqui pr Frente (2008), como objeto de anlise, luz das teorias IHPLQLVWDVGRFLQHPDHGDVPHWiIRUDVLFRQRJUiFDVGH9LUJLQLD:RROI2OPHque narra a histria de uma esteticista candidata liderana da Assembleia 0XQLFLSDOGR0RQWLMRUHYHODDOJXPDVGDVGLFXOGDGHVTXHXPDPXOKHUSRGHenfrentar ao assumir um cargo poltico. no seu estudo, a autora estabelece um dilogo com os elementos de gnero presentes na obra, suscitando o debate em WRUQRGHTXHVW}HVDWXDLVGHRUGHPVRFLROyJLFDHFXOWXUDO3HODVHQVLELOLGDGHFRPque as temticas so abordadas, Ana Catarina Pereira entende que os movimentos feministas so aqui mostrados como uma luta de (e no entre) ambos os sexos, caracteristicamente integrativa e intergeracional.

    Antnio Costa valente (Professor Auxiliar da universidade de Aveiro, produtor e realizador de cinema) e rita Capucho (mestre em estudos Artsticos pela universidade de Coimbra) so os autores que se seguem nesta nossa antologia. Como membros da direo do Cineclube de Avanca, que todos os anos se distingue pela produo nica e singular de um cada vez maior nmero GHOPHVGHDQLPDomRSURS}HPQRVXPDDQiOLVHGRSHUFXUVRHSULQFLSDLVREUDVdos jovens cineastas que dedicam a sua compleio artstica a este gnero em particular. destacando os diversos prmios que os realizadores nacionais tm vindo a conquistar neste incio de sculo, defendem a necessria abertura de um FLQHPDSRUWXJXrVDJpQHURVPLQRULWiULRV1RVHXDUWLJR UHHWHPDLQGD VREUHas marcas estilsticas dos cineastas e a minuciosidade imagtica de cada um, ao mesmo tempo que questionam os prprios sobre a sua formao, contexto criativo e identidade sociocultural.

    &DWHULQD &XFLRQRWWD JXULQLVWD H GRXWRUDQGD QD 8QLYHUVLGDGH 1RYD GHlisboa, com formao em estudos Artsticos pelas universidades de Palermo e Bolonha, empreende uma incurso pela fashion theory, DWUDYpVGRVOPHVGHJoo Pedro rodrigues e, em particular, do seu Fantasma (2000). Baseando--se em anlises de origem sociolgica ou comunicacional sobre o vesturio FLQHPDWRJUiFRDDXWRUDVXEOLQKDTXHHVWH~OWLPRQmRGHYHVHUHQFDUDGRFRPRPHURREMHWR GHFRUDWLYR UHHWLQGR DQWHV DPHQVDJHPTXHR SUySULR FRUSRGDSHUVRQDJHPSUHWHQGH WUDQVPLWLU1HVWH VHQWLGR VmR LGHQWLFDGRVRVSURFHVVRVintertextuais que unem os diversos elementos caractersticos da obra de

  • 9Apresentao

    rodrigues (a homossexualidade, o gnero, a transgresso, o queer e a pertena a determinados grupos sociais), sugerindo -nos que o Cinema, como depsito cultural e motor do imaginrio social, atua em estreita sinergia com a moda.

    J daniel ribas, docente do instituto Politcnico de Bragana e investigador QD 8QLYHUVLGDGH GH $YHLUR SURS}HQRV XPD DQiOLVH GD FLQHPDWRJUDD GHsandro Aguilar, revelando a evoluo, as principais recorrncias temticas e a constante interrogao experimental do cineasta. Apresentando -o como um dos maiores expoentes da gerao Curtas (movimento heterogneo que nasce no VHLRGDSURGXomRGHFXUWDPHWUDJHPQRQDOGRVDQRVR DXWRUGHVWDFDRDSURYHLWDPHQWRGHVWHIRUPDWRFRPSRWHQFLDOLGDGHVSUySULDVSHODHVSHFLFLGDGHGD GXUDomR H SHOD FDSDFLGDGH GH H[SHULPHQWDomR'HQH SDUD DOpP GLVVR Dlonga -metragem Zona FRPRXPOPHKtEULGRFRPDWPRVIHUDVYLVXDLVe emocionais que oferecem, a quem assiste, momentos de uma realidade alternativa.

    no artigo seguinte, eduardo Paz Barroso, Professor Catedrtico da universidade Fernando Pessoa e investigador do labCom, centra a sua ateno num dos raros westerns do cinema portugus. Estrada de Palha, a longa--metragem que rodrigo Areias estreou em 2012, alcana, na opinio do autor, a dupla proeza de inscrever a realidade nacional num conjunto de arqutipos GH XP JpQHUR FLQHPDWRJUiFR HVVHQFLDOPHQWH DPHULFDQR DWXDOL]DQGR R VHXFRQWH~GR1HVWHSRQWRHPSDUWLFXODUROPHDGTXLUHFRQWRUQRVHPLQHQWHPHQWHpolticos, mostrando a falta de expectativas dos que no sucumbem a um sistema incentivador do oportunismo e da falta de tica. rodrigo Areias no WLQKDGLQKHLURSDUDOPDUPDVYHVWLXDSHOHGHXPcowboy/realizador solitrio e SHUGHXVHSRUHQWUHDVPRQWDQKDVHSODQtFLHVGD%HLUD,QWHULRU2UHVXOWDGRQDOGHVWHWUDEDOKRpGLItFLOGHGHQLUHVWDPRVSHUDQWHXPDDSRORJLDGDHPLJUDomRUHH[RGHXPDJHUDomRFDQVDGDHGHVLOXGLGDFRPRVHXSDtV"2XPDQLIHVWDVHDQWHVXPDREVHVVmRGHOPDUXPDORQJDPHWUDJHPFRPRVXEVtGLRREWLGRSDUDXPDFXUWD"

    'R%UDVLOFKHJRXQRVWDPEpPXPDLQWHUHVVDQWHDQiOLVHGRVOPHVGH-RmRsalaviza. os investigadores rico lima, Janaina Braga de Paula e larissa souza vasconcelos, da universidade Federal do Cear, deixaram -se envolver pela poesia do olhar do menino de ouro do cinema portugus, com um percurso j

  • 10

    to internacional e invulgarmente reconhecido. Ao longo do artigo, os autores GHEDWHP DV TXHVW}HV GD YLVLELOLGDGH H LQYLVLELOLGDGH SUHVHQWHV QD OPRJUDDsalaviziana, reforando a ideia de um cinema do espao urbano e de uma MXYHQWXGH HPFRQLWR$SUHVHQWDPQRV GHVWHPRGR XPD MDQHODYR\HXULVWD HFLQpODVREUHXPDUWLVWDHPFRQVWUXomRXPDUWLVWDTXHOPDFRPDOLEHUGDGHDLQGDEHQHFDPHQWHFRQGLFLRQDGDDXPDJHQHDORJLDHjVLQXrQFLDVGH3HGURCosta, Fernando lopes e Paulo rocha; mas tambm um artista comprometido com a arte pela arte, o poder observacional do cinema e uma ingenuidade SXULFDGRUD.

    3URVVHJXLPRV DV QRVVDV UHH[}HV GHVWD YH] FRP R FRQWULEXWR GH+HOHQDBrando, doutoranda na Faculdade de letras da universidade de lisboa. no seu DUWLJR DQDOLVDXPOPHVHPJpQHURGHVWDFDQGRXPKLEULGLVPRTXHDWULEXLtraos identitrios muito particulares a algumas das mais interessantes obras do cinema portugus. Floripes, de Miguel gonalves Mendes (2007), um desses HVWUDQKRVREMHWRVSURGX]LGRVQDIURQWHLUDHQWUHDFomRHRGRFXPHQWiULRRmesmo territrio onde Antnio reis e Margarida Cordeiro, Pedro Costa, Miguel gomes, ins de Medeiros ou Joo Canijo j se situaram tantas e to profcuas vezes. Por helena Brando, somos convidados a conhecer esta proposta do realizador de Jos e Pilar FRPHoDGDDOPDUFRPRFXUWDPHWUDJHPHPTXDQGR)DURIRL&DSLWDO1DFLRQDOGD&XOWXUD'RLVDQRVPDLVWDUGHROPHevoluiria para o formato longa, mantendo o pretexto inicial de observar a terra onde o cineasta cresceu (olho), bem como os seus mitos e lendas.

    no captulo seguinte, Josette Monzani, investigadora e docente da universidade Federal de so Carlos, no Brasil, discute o processo de adaptao do romance Terra Sonmbula (de Mia Couto) empreendido pela cineasta teresa 3UDWD1RVHXHVWXGRDDXWRUDUHDOL]DXPDDSUR[LPDomRGROPHKRPyQLPRDO Olhar de Ulisses (theo Angelopoulos, 1995), relembrando que este ltimo trava um dilogo intertextual com a Odisseia de homero, que, por sua vez e numa HVWUXWXUDFLUFXODULQXHQFLDUiIRUWHPHQWHDREUDGRHVFULWRUPRoDPELFDQR em DPERVRVOPHVRULRVXUJHFRPRPHWiIRUDGRWHPSRHGDQDUUDWLYDTXHXLHPdireo ao futuro, ao sabor da imaginao e da memria. o mar representa um ponto de unio dessas mesmas guas ou tempos, sendo imensurvel, atemporal e inatingvel. Para Josette Monzani, Terra Sonmbula essencialmente uma

  • 11Apresentao

    QDUUDWLYDGRJpQHURIDQWiVWLFRTXHHYROXLQRFDVRGROPHSDUDXPDHYLGHQFLDomRdos seus rastros picos, preservando o romance, ao invs, a mesma estrutura e GHQVLGDGHDWpDRQDO

    $LQGDGH WHUUDVGH9HUD&UX]0DULDQD'XFFLQL6LOYDLQYHVWLJDGRUDQDuniversidade de so Paulo e docente no instituto de ensino e Pesquisa (insper) HOHJHFRPRREMHWRGHHVWXGRXPGRVOPHVPDLVSHUWXUEDQWHVGHHQWUHRVrealizados por um dos elementos da nova gerao. Viagem a Portugal (2011), DREUDTXHPDUFDDHVWUHLDGH6pUJLR7UpIDXWQDFomRDSUHVHQWDXPFDUiFWHUfortemente denunciador, ao mesmo tempo que preserva todos os traos verdicos que o cineasta busca no documentrio. recordando Comolli, a autora sublinha TXH R FLQHPD H HVWH OPH GH 7UpIDXW HP SDUWLFXODU p D PDLV SROtWLFD GHtodas as artes, sendo na prpria mise -en -scne, enquanto sistema ordenado de UHSUHVHQWDo}HVTXHSRGHPVHUGHSUHHQGLGRVRVJHVWRVDUWLFXODGRUHVGRSRGHUPara a investigadora, a recorrncia de temticas de ordem poltica no cinema portugus contemporneo tem vindo a consagrar -se como uma reviso crtica dos quase 50 anos de regime ditatorial, bem como dos efeitos que da possam advir para as atuais prticas socioculturais.

    J Paulo Cunha, doutorando em estudos Contemporneos pela universidade de Coimbra e especialista em novo Cinema Portugus, concentra a sua ateno QXPGRVQRYtVVLPRVFLQHDVWDVQDFLRQDLVTXHFXULRVDPHQWHQmRVHDXWRGHQHGHVWD IRUPD *DEULHO $EUDQWHV DUWLVWD SOiVWLFR FRP IRUPDomR DFDGpPLFDHP&LQHPD H$UWHV9LVXDLV WUDEDOKD HVVHQFLDOPHQWH SDUD JDOHULDV GH DUWHrecorrendo a diversos media, e no conjeturando a existncia de diferenas VLJQLFDWLYDV HQWUH DV VXDV SLQWXUDV OPHV H IRWRJUDDV 1R DUWLJR TXH QRVapresenta, Paulo Cunha d -nos a conhecer um percurso original, ao mesmo tempo que discorre sobre as temticas do colonialismo, globalizao e multiculturalismo que perpassam toda a obra de Abrantes. Partindo de uma anlise do conceito cinema expandido (relacionado com uma srie de mudanas ou deslocamentos QDVIRUPDVGHH[LELomRSURGXomRHUHFHomRGHOPHVRLQYHVWLJDGRUVXVWHQWDTXHRPRGRGHSURMHomRIUDJPHQWDGDSRUP~OWLSORVHVSDoRVLQXHQFLDDSUySULDcriatividade do artista.

    3URVVHJXLQGRDRUGHPGHDSUHVHQWDomRGRVWH[WRVTXHFRPS}HPHVWHOLYURsublinhamos que tambm a documentarista e investigadora salom lamas (mestre

  • 12

    em Artes Plsticas pelo sandberg institute, de Amesterdo, e doutoranda em estudos Artsticos na universidade de Coimbra) colaborou na nossa publicao, FRP XPD DQiOLVH GD OPRJUDD GH0LJXHO*RPHV &DOHLGRVFySLFD VHULD Radjetivo escolhido pela autora para resumir a obra do cineasta (e, em particular, R OPH Tabu SRU D FRQVLGHUDU DQFRUDGD QXPD H[SHULrQFLD FLQHPDWRJUiFDque interroga a construo do tempo e a natureza malevel da memria e da LGHQWLGDGH 1R DUWLJR DSUHVHQWDGR 6DORPp /DPDV UHHWH VREUH XP SHUFXUVRsingular que homenageia os grandes cineastas mundiais, sob a forma de histrias de amor eternas, com um pano de fundo colonial. Como salaviza, gomes parece cultivar uma genealogia do cinema portugus (que constantemente relembra HPHQWUHYLVWDVHGHFODUDo}HVS~EOLFDVFRQVHJXLQGRQRHQWDQWRGHVSUHQGHUVHdesta para criar um universo singular onde apenas o prprio reside.

    no captulo seguinte, passando de realizadores j bastante premiados para os que agora iniciam o seu percurso, tito Cardoso e Cunha (Professor emrito da universidade da Beira interior e co -organizador da presente publicao) HODERUD XPD UHH[mR VREUH D UHFHQWH LQWHJUDomR GD PDWpULD FLQHPDWRJUiFDQDVLQVWLWXLo}HVGHHQVLQRVXSHULRUQDFLRQDLV1RDQRHPTXHDOLFHQFLDWXUDHPCinema completa, na universidade da Beira interior, o seu dcimo aniversrio, consideramos que a anlise proposta adquire uma relevncia simblica. neste VHQWLGRR DXWRU UHHWH VREUHGRLVOPHV UHDOL]DGRVSRU DOXQRVGD LQVWLWXLomRDTXDQGRGRVHXSURMHWRQDOGHFXUVRHQRDQROHWLYRGHArpeggio de helder Faria e Sncope de ricardo Madeira constituem o pr -texto (ou o pretexto) para a dissertao sobre a exigente e difcil tarefa de ensinar uma arte DDOXQRVFRPVHQVLELOLGDGHVHLQTXLHWDo}HVWmRSDUWLFXODUHV

    3RU P :LOLDP 3LDQFR LQYHVWLJDGRU EUDVLOHLUR H DWXDO GRXWRUDQGR QD8QLYHUVLGDGH GR $OJDUYH RIHUHFHQRV XP ROKDU HQULTXHFHGRU VREUH R OPHAlice (2005), de Marco Martins. na anlise deste drama intenso (a personagem SULQFLSDOpXPSDLTXHSHUGHDOKDQDVUXDVGH/LVERDHTXHGHVHQYROYHXPcomportamento obsessivo na tentativa de a reencontrar), o investigador encara R SURWDJRQLVWD FRPR XPD SHUVRQLFDomR GD VROLGmR H GHVHVSHUR GR VXMHLWRcontemporneo. Paralelamente, considera que a opo de Marco Martins por esconder o lado turstico da cidade, bem como os seus emblemas, monumentos RXRXWUDVIRUPDVGHUHIHUHQFLDomRWUDQVIRUPDHVWHOPHQXPGUDPDXQLYHUVDO

  • 13Apresentao

    neste sentido, e em termos artsticos:LOOLDP3LDQFRVXVWHQWDTXHRXVRGDFkPDUDjPmRDTXDOLGDGHIRWRJUiFDHVRQRUDGDREUDHDVFRPRYHQWHVLQWHUSUHWDo}HVde nuno lopes e Beatriz Batarda, reforam a permanente sensao de angstia transmitida ao espectador.

    &RP HVWD ~OWLPD UHH[mR HQFHUUDUHPRV R QRVVR HVWXGR, desejando ter GHVSROHWDGR QRYRV TXHVWLRQDPHQWRV FUtWLFDV LQYHVWLJDo}HV RX SURMHWRV VREUHWHPiWLFDVDQV

  • [Gerao Invisvel: Os novos cineastas portugueses, pp. - 26]15

    Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portuguesesentrevista de Ana Catarina Pereira

    se pudssemos demarcar a existncia de uma gerao do meio, situada entre os realizadores que consagraram o novo Cinema Portugus e os cineastas da gerao mais recente, diramos que Manuel Mozos tem um lugar marcante na primeira e uma perspetiva privilegiada sobre as segundas. tendo trabalhado com muitos dos representantes do movimento vanguardista dos anos 60, conhece, GH IRUPD LJXDOPHQWH SURIXQGD D LQTXLHWXGH H D YRQWDGH GH ID]HU OPHV GRVmais novos. em entrevista concedida pessoalmente, revela -nos que, apesar da permanncia de uma certa fragilidade do cinema portugus, um trao comum domina a contemporaneidade: o cinema nacional est mais virado para fora, e a tornar -se um cinema do mundo.

    %LRJUDD

    Manuel Mozos nasce em lisboa, em 1959. Frequentou o curso de Cinema e especializou -se em Montagem, pela escola superior de teatro e Cinema. Ao ORQJRGRVDQRVGHH[SHULrQFLDSURVVLRQDOWUDEDOKRXFRPRPRQWDGRUDVVLVWHQWHGHUHDOL]DomRDQRWDGRUDUJXPHQWLVWDHDWRUHPOPHVGHLQ~PHURVUHDOL]DGRUHVSRUWXJXHVHVHDOJXQVHVWUDQJHLURV(PUHDOL]RXRVHXSULPHLUROPHUm Passo, Outro Passo e Depois..., iniciando um percurso que incluiria cerca de YLQWHOPHVHQWUHFo}HVHGRFXPHQWiULRVORQJDVHFXUWDVPHWUDJHQVDOJXPDVobras institucionais e videoclips. tcnico superior do Arquivo nacional da imagem em Movimento (AniM) da Cinemateca Portuguesa desde 2002, sendo ainda o atual presidente da Associao pelo documentrio, Apordoc.

  • 16 Entrevista de Ana Catarina Pereira

    Joo Bnard da Costa costumava considerar que, para a maioria dos portugueses, o cinema do seu pas se resumia s comdias dos anos 30 e HQTXDQWRRVFLQpORVHVWUDQJHLURVDVVRFLDYDPDFLQHPDWRJUDDQDFLRQDODRVLQFRQWRUQiYHLVQRPHVGH0DQRHOGH2OLYHLUDHGH-RmR&pVDU0RQWHLUREste paradigma continua a ser dominante?

    eu julgo que sim, embora, felizmente, se esteja a comear a trabalhar, a ver e a analisar obras de outros realizadores. sinto, de qualquer forma, que ainda H[LVWHXPDWHQGrQFLDDOJRFLQpODPXLWRHQUDL]DGDVREUHDREUDGH0DQRHOGH2OLYHLUD-RmR&pVDU0RQWHLURHWDPEpPGR3HGUR&RVWDDSHVDUGHVHUXPpouco mais novo, o Pedro Costa tambm j tem uma dimenso internacional considervel. claro que, de uma forma geral, eu sempre considerei que no H[LVWHPXLWDSURGXomRELEOLRJUiFDGHGLFDGDDRFLQHPDSRUWXJXrVQHPVREUHautores/realizadores, nem to pouco sobre atores ou tcnicos que tambm foram, tiveram e tm a sua importncia histrica. no entanto, nos ltimos anos, pelo meu trabalho na Cinemateca/AniM e pelo maior contacto que tenho com o PHLRDFDGpPLFRHFRPDVVRFLDo}HVOLJDGDVDRFLQHPDSHUFHERTXHH[LVWHXPDapetncia e um interesse crescentes pela investigao de outros realizadores. obviamente que os mais novos, como o caso do Miguel gomes, Joo Pedro rodrigues, Joo salaviza, gonalo tocha e outros, que tm ganho diversos prmios em festivais, tm uma divulgao maior em vrios pases. isso, por arrasto, vai abrindo portas e despertando alguma vontade de descobrir outros UHDOL]DGRUHVGHYiULDVpSRFDVTXHIRUDPFDQGRXPSRXFRjPDUJHPRXDOJRescondidos.

    3RU RXWUR ODGR VLQWR TXH HVWH LQWHUHVVH WHP IDVHV 2V OPHV GH UHDOL]DGRUHVcomo Antnio reis e Margarida Cordeiro, ou mesmo Paulo rocha, foram sendo mais estudados em determinados perodos (e mais no estrangeiro do que no seu prprio pas). no ano passado (outubro de 2012), por exemplo, eu tive uma PRVWUDGHDOJXQVGRVPHXVOPHVHP9LHQDVHOHFLRQDGDSHOR0LJXHO*RPHV3DUDDOpPGLVVRWDPEpPPHIRLGDGDFDUWDEUDQFDSDUDHVFROKHUFLQFROPHVSRUWXJXHVHVTXHHXTXLVHVVHQmRVHULDPQHFHVVDULDPHQWHRVFLQFROPHVGHTXHPDLVJRVWRRXTXHFRQVLGHUDVVHRVPHOKRUHV(VFROKLFLQFROPHVTXHGHFHUWD

  • 17Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses

    forma, tiveram importncia no meu percurso (antes de me tornar realizador) e que tambm considero marcantes na histria do cinema portugus: Belarmino (Fernando lopes, 1964), O Bobo (Jos lvaro Morais,1987), Recordaes da Casa Amarela (Joo Csar Monteiro, 1989), Trs -os -Montes (Antnio reis e Margarida Cordeiro, 1976) e Os Verdes Anos (Paulo rocha, 1963). nessa mostra, o que me agradou especialmente foi o facto de haver muita gente nas salas, SRUYH]HVDWpFRPVHVV}HVHVJRWDGDV'HSRLVGHYHUHPRVOPHVID]LDPYiULDVperguntas e mostravam interesse em conhecer melhor, no apenas aqueles, mas tambm outros realizadores portugueses. Por uma casualidade, esta acabou por ser uma mostra muito interessante para o cinema portugus. nesse evento tambm estiveram o Tabu (Miguel gomes, 2012), Manh de Santo Antnio (Joo Pedro rodrigues, 2011), A ltima Vez Que Vi Macau (Joo rui guerra da Mata, 2012), A Vingana de uma Mulher (rita Azevedo gomes, 2011), O Gebo e a Sombra (Manoel de oliveira, 2012), Os Vivos Tambm Choram (Basil da Cunha, 2012). Parecia uma pequena mostra do cinema portugus, que correu muito bem para todos, tanto em termos de pblico como nos debates que decorriam aps cada sesso. neste sentido, julgo que, um pouco por todo o mundo, desde os euA a pases sul -americanos, europa e alguns pases asiticos, tem -se manifestado muito interesse em conhecer mais cinema portugus.

    (VVH IHQyPHQRp LQWHUHVVDQWH(PFHUWDPHGLGD WHPDOJXQVSDUDOHOLVPRVFRPRTXHDFRQWHFHXFRPHVWDQRVVDSXEOLFDomR$R ODQoDUPRVRcall for papers WLYHPRV LPHQVDVSURSRVWDVGHDXWRUHVEUDVLOHLURV H HVSDQKyLVTXHQmRVHLQWHUHVVDPDSHQDVFRPRVHULDGHHVSHUDUSHORVDXWRUHVFDQyQLFRV

    sim. no AniM, por exemplo, temos muitos pedidos de investigadores SRUWXJXHVHVHWDPEpPHVWUDQJHLURVSDUDYLVLRQDUOPHV7DPEpPYRXVHQWLQGRque h um interesse crescente pelo estudo do cinema portugus da parte de universidades e escolas. Acho, no entanto, que ainda h muita coisa por fazer, sobretudo ao nvel da imagem que as pessoas criaram, essencialmente incutida por verbalizao, e no tanto por um conhecimento concreto: a ideia de que o cinema portugus todo chato, so aqueles planos longos, em que no se passa

  • 18 Entrevista de Ana Catarina Pereira

    QDGDPXLWRUHWLUDGDGRFkQRQHGRVOPHVGR0DQRHOGH2OLYHLUD3RURXWURlado, tambm h esse estigma de que o bom cinema era o dos anos 30 e 40, HPERUDQDUHDOLGDGHHVVHVVHMDPDSHQDVTXDWURRXFLQFROPHVTXHSDVVDUDPrepetidamente na televiso. Aquilo pode ter alguma graa (os atores tm piada, existem linhas de dilogo interessantes), mas trata -se de um produto limitado. A ideia instituda de que aquilo que era bom e que naquele tempo que se produzia imenso completamente falsa.

    do meu ponto de vista, a maioria das pessoas tem esse preconceito: eu no YRX YHU XP OPH SRUWXJXrV SRUTXH pPDX0DV QHP VHTXHU VH HVIRUoDPSDUDFRQKHFHU$WXDOPHQWHHDSHVDUGRLQWHUHVVHFUHVFHQWHSHODFLQHPDWRJUDDSRUWXJXHVD MXOJR TXH DLQGD Ki XPD VpULH GH OPHV TXH SHUPDQHFHPPXLWRescondidos, que so muito pouco vistos e que necessitam de ser recuperados. &RPRH[HPSORROPHO Movimento das Coisas (Manuela serra, 1985) era, at KiEHPSRXFRWHPSRDOJRLQYLVtYHO1RHQWDQWRRV(QFRQWURV&LQHPDWRJUiFRVTXHVHUHDOL]DUDPQD*XDUGDHPSHUPLWLUDPTXHHVVHOPHIRVVHYLVWRdando -lhe, de repente, uma nova vida, e isso parece -me muito vantajoso. Penso que h uma srie de coisas que devem ser reavaliadas e estudadas, em vez de permanecerem num limbo de desconhecimento e de apagamento da histria do cinema portugus.

    3DUDDOpPGHVVHVSUHFRQFHLWRV LQVWLWXtGRV H[LVWHPVHPSUHRV WUDGLFLRQDLVSUREOHPDVGHGLVWULEXLomRTXHID]HPFRPTXHRVOPHVVHMDPHVVHQFLDOPHQWHH[LELGRVHP/LVERDHQR3RUWR(VWDQRYDJHUDomRQRHQWDQWRWHPYLQGRDWUDEDOKDUHVWUXWXUDVDOWHUQDWLYDVUHDOL]DQGRXPDHVSpFLHGHFLUFXLWRGRVFLQHFOXEHV H IHVWLYDLV RQGH SRGHP DSUHVHQWDU RV VHXV OPHV FRQYHUVDUFRPRS~EOLFRHUHVSRQGHUjVTXHVW}HVTXHDVREUDVSRVVDPVXVFLWDU(VVDSDUHFH VHU DWXDOPHQWH D ~QLFD IRUPDGH RV OPHV VHUHPYLVWRV IRUDGRVJUDQGHVFHQWURVXUEDQRV

    gostaria que no fosse a nica, embora eu simpatize particularmente com a cultura cineclubista FRPRV HQFRQWURV SURPRYLGRV SRU DVVRFLDo}HV FXOWXUDLV

  • 19Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses

    universidades e escolas e com o enorme trabalho da Cinemateca. Mesmo que, SRUYH]HVQmRVHMDQDVPHOKRUHVFRQGLo}HVSHUPLWHVHDSURMHomRGHXPOPHHDoportunidade de o pensar e discutir. Por outro lado, parece -me que, atualmente, os sistemas de exibio e de distribuio s se interessam pelos blockbusters norte--americanos, o que no resume o problema ao cinema portugus. h inmeras FLQHPDWRJUDDV jV TXDLV HP 3RUWXJDO pPXLWR GLItFLO WHU DFHVVR VHQGR HVVHDSHQDVSRVVtYHOSUHFLVDPHQWHDWUDYpVGRWUDEDOKRGHFLQHFOXEHVHDVVRFLDo}HVda Cinemateca e de mostras e festivais. verdade que o computador tambm se HQFRQWUDYXOJDUL]DGRPDVDH[SHULrQFLDGHYHUXPOPHQXPDSURMHomRpPXLWRGLVWLQWD3HVVRDOPHQWHQmRJRVWRGHYHUOPHVHPFRPSXWDGRUHPERUDQmRRdesdenhe por completo: ele pode ser til, em termos prticos, para se visionar GHWHUPLQDGD FHQD UHOHPEUDU DOJXP GLiORJR RX YHU DOJXPD FRLVD HVSHFtFDGHQWURGROPHPDVQmRSDUDYHUROPHQRVHXWRGR$LQGDDVVLPVHDVSHVVRDVmais novas (que no tm a mesma ligao ao cinema que eu, ou outras pessoas da minha idade) encaram o cinema de forma distinta, com o computador tm, SHORPHQRVXPDHVWUXWXUDRQGHSRGHPFRQKHFHUPDLVOPHV(PWRGRRFDVRDDFHVVLELOLGDGHDRVOPHVpUHDOPHQWHFRPSOLFDGDQRVHQWLGRGHXPDDEUDQJrQFLDnacional. Portugal um pas que est centrado em lisboa; no Porto j no h quase nada em termos de exibio, e a situao piora nas zonas do interior. isto muito paradoxal: numa altura em que as pessoas esto mais despertas para o FLQHPDSRUWXJXrVSHODTXDQWLGDGHGHSUpPLRVHGLVWLQo}HVTXHWHPRVYLQGRDreceber), encerram tantas salas de cinema (com essa agravante de se restringirem, FDGDYH]PDLVDXPGHWHUPLQDGRWLSRGHOPHV$VFRLVDVQmRHVWmRDFRLQFLGLUh uma srie de gente interessada que, depois, no tem possibilidade de acesso s obras, o que bastante grave.

    20DQXHO ID]SDUWHGHXPDJHUDomR MXQWDPHQWH FRPDOJXQVGRVQRPHVTXH Mi PHQFLRQiPRV FRPR 3HGUR &RVWD 0DUJDULGD &DUGRVR 7HUHVD9LOODYHUGHRX-RmR&DQLMRTXHLPSULPLXGHWHUPLQDGDVPXGDQoDVHXPDQRYDLGHQWLGDGHDRFLQHPDSRUWXJXrVVREUHWXGRDSDUWLUGRVDQRV&RPRROKDSDUD HVWHV FLQHDVWDVTXH FRPHoDPD H[LELURV VHXVOPHVQDGpFDGDseguinte?

  • 20 Entrevista de Ana Catarina Pereira

    eu no gosto das quezlias do cinema portugus, acho que no fazem muito sentido. Conheci muitos realizadores mais velhos, que vinham do Cinema novo, que foram meus professores e com os quais trabalhei; sendo que ainda tive a sorte de conhecer um ou outro mais antigo. da minha gerao, de facto, o Pedro Costa e a teresa villaverde foram os dois que conseguiram ir para a frente e no ter WDQWRVEORTXHLRV+RXYHPXLWDJHQWHTXHHQWUHRVQDLVGRVDQRVHDSULPHLUDPHWDGHGRVDQRVDFDERXSRUID]HUXP~QLFROPHDVFRLVDVFRUUHUDPPDOHIRUDPFDQGRSHORFDPLQKR1HVVDpSRFDHXWUDEDOKDYDHVVHQFLDOPHQWHHPmontagem e com os tais realizadores mais velhos. no entanto, a determinada DOWXUDHSUHFLVDPHQWHSRUTXHFRPHFHLDOPDUJDQKHLHVWDWXWRGHUHDOL]DGRUora, em Portugal, a partir do momento em que isso acontece, deixam de nos chamar para trabalhar como tcnicos. hoje em dia, talvez isso j no seja tanto assim, mas at h bem pouco tempo era.

    Portanto, houve ali um perodo complicado que, felizmente, consegui ultrapassar. A partir da, comecei a trabalhar s com pessoas mais novas, nos seus primeiros OPHV VREUHWXGR QD iUHD GHPRQWDJHP WDPEpP WUDEDOKHL HP DOJXQV OPHVcomo anotador ou assistente). de facto, h um lado quase de famlia em tudo isto. h inclusivamente um texto ainda no publicado, do Augusto seabra, sobre as OLJDo}HVGDJHUDomRTXHFRPHoRXDOPDUQRVDQRVHRIDFWRGHWUDEDOKDUPRVPXLWRXQVFRPRVRXWURVQRVDUJXPHQWRVRXHQTXDQWRWpFQLFRV(VWRXDIDODUdo Joo Canijo, Joaquim Pinto, Pedro ruivo, Pedro Costa, Pedro Caldas, teresa villaverde, Ana lusa guimares, lus Alvares, Joo Pedro rodrigues, Manuela viegas, Joaquim sapinho, vasco Pimentel, edgar Pra e outros Agradou -me muito trabalhar com realizadores mais novos, por serem, na maioria dos casos, SULPHLURVOPHVHUDPVREUHWXGRGRFXPHQWiULRVHFXUWDVPHWUDJHQVSRUYH]HVtambm existiam longas, mas isso era mais raro. Para alm de agradvel, esse contacto com quem estava a surgir foi muito til e enriquecedor.

    depois fui -me afastando cada vez mais da montagem, porque tambm comecei a trabalhar para a Cinemateca e era difcil conciliar as duas coisas. Para alm disso, HXYLQKDGHXPWUDEDOKRHVSHFtFRFRPRDQDOyJLFRPRQWDYDHPSHOtFXODHnunca me adaptei, na prtica, a fazer edio digital. Quando surgiu a hiptese de

  • 21Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses

    LUSDUDR$1,0DFHLWHL$LQGDWUDEDOKHLHPPDLVDOJXQVOPHVPDVKRMHHPGLDisso muito raro. de qualquer modo, tento sempre estar atento ao que vai sendo feito. um aspeto que considero interessante, na maioria destes realizadores e realizadoras mais novos, a sua posio (mais desapegada) relativamente a um lado quase hierrquico e de estrutura do cinema portugus. eles no partem das OLJDo}HVFRPRSDVVDGRFRPJpQHURVRXHVFRODVGRFLQHPDSRUWXJXrV'HFHUWDforma, sinto que as pessoas da minha gerao ainda mantinham esses lastros mais pesados em relao ao cinema do passado. hoje em dia, realizadores como o Miguel gomes, Joo Pedro rodrigues, Joo salaviza e outros, ao irem para fora, tm uma abertura que eu no sinto que os da minha gerao tivessem. 3RUHVVDUD]mRDFDEiPRVSRUFDUPDLVEORTXHDGRVjH[FHomRGR~QLFRFDVRque penso que pode extravasar um pouco isso, que o do Pedro Costa. nos realizadores mais novos nota -se que h uma ideia de cinema como uma coisa XQLYHUVDO3DUDHOHVQmRpVyRSDtVTXH LPSRUWDVREUHWXGRXPSDtVTXHpingrato no apenas para o cinema, mas para a arte, de uma forma geral.

    3DUHFH QR HQWDQWR KDYHU PDLV DOJXQV SRQWRV HP FRPXP HQWUH R VHXSHUFXUVRHRGHVWHVUHDOL]DGRUHVDVXPDYH]TXHR0DQXHOOLGRXFRPPXLWRVSUREOHPDVVHPHOKDQWHVDRVTXHDLQGDKRMHVHHQIUHQWDPXavier demorou 12 DQRVDHVWUHDUGHVGHTXHLQLFLRXDVXDURGDJHPQuatro Copas GHPRURX TXDWURUm Passo, Outro Passo e Depois WHOHOPHIHLWRSDUDD573SHUGHXVHUHVWDQGRDSHQDVXPDFDVVHWHPXLWRGHWHULRUDGD$SHUVLVWrQFLDpR~QLFRUHPpGLR"

    Atualmente h outro tipo de problemas. o que se passava com muita frequncia, KiXQVDQRVHUDDQmRFRQFOXVmRGROPH2-RVpOYDUR0RUDLVFRPO Bobo (1987), tambm teve uma produo longussima; tal como o Alberto seixas santos, com o Paraso Perdido (1995). o Paulo rocha e o Jos Fonseca e Costa WLYHUDPSUREOHPDVGHSURGXomR LGrQWLFRVHPDOJXQVOPHV( WDQWRVRXWURV'HSRLV PXLWDV YH]HV RV OPHV QmR HVWUHDYDP +RMH HP GLD HVWH WLSR GHVLWXDo}HVHVWiPDLVRXPHQRVFROPDWDGRVHQGRREORTXHLRDROPHUHDOL]DGRessencialmente a posterioriSRUH[HPSORSRUTXHVW}HVGHGLUHLWRV$WXDOPHQWH

  • 22 Entrevista de Ana Catarina Pereira

    RVOPHVDLQGDSRGHPWHUDOJXQVSHUFDOoRVPDVVmRFRQFOXtGRV3DUDDOpPGLVVRVHQRVFLQJLUPRVjVORQJDVPHWUDJHQVGHFomRWrPPHVPRREULJDWRULHGDGHGHestrear (o que antes no acontecia). o que se passa hoje em dia, em casos de OPHVFRPRO Rio Turvo e Punk is Not Daddy (ambos de edgar Pra, 2007 e 2010), Guerra Civil (Pedro Caldas, 2010) ou A Vingana de uma Mulher (rita Azevedo gomes, 2012), so problemas de direitos de autor que s permitem que RVOPHVVHMDPH[LELGRVHPVHVV}HVHVSHFLDLVQmRFRPHUFLDLVRXFRPUHVWULo}HVe inviabilidade em determinados pases.

    2EYLDPHQWH TXH HVWDV WDPEpP VmR TXHVW}HV GH SURGXomR PDV QXPD RXWUDcategoria de problemas. na verdade, h um lado muito frgil do que o cinema portugus. normalmente, no caso das longas -metragens, a quase totalidade GRQDQFLDPHQWRYHPGHFRQFXUVRVGR ,&$VHQGRTXHRVSURGXWRUHVSRGHPangariar mais algum dinheiro. no entanto, as regras legais no se tm revelado VXFLHQWHPHQWHVyOLGDVSDUDJDUDQWLUTXHROPH WHPRPHOKRUDFDEDPHQWRHa melhor divulgao possvel. essa parte depende muito das produtoras e dos prprios realizadores que, dessa forma, conseguem levar mais ou menos longe RV VHXV OPHV7RGD D HVWUXWXUD GH SURGXWRUHV H[LELGRUHV GLVWULEXLGRUHVdeveria estar, a meu ver, muito mais articulada, com normas srias e concretas. +iFRLVDVTXHFDPPXLWRYDJDVGDVTXDLVDSHVVRDQmRVHFRQVHJXHDSHUFHEHUo que depois faz com que no se possa defender.

    2XWUDPXGDQoDTXHWHPYLQGRDYHULFDUVHQRV~OWLPRVDQRVUHYHODXPDWHQGrQFLDGHFUHVFHQWHSDUDDUHDOL]DomRGHXPFLQHPDDXWRUDO$VIURQWHLUDVHVWDUmRDHVEDWHUVHQRPHDGDPHQWHHPOPHVFRPRAlice0DUFR0DUWLQVRXDaqui pr Frente&DWDULQD5XLYRDQDOLVDGRVQHVWHOLYUR"3DUHFHPQRVREUDVDXWRUDLVPDVFRPVLJQLFDWLYRVWUDoRVFRPHUFLDLV

    Julgo que sim, que essa mudana existe. na nova gerao, isso mais bvio por deixarem de se posicionar de formas antagnicas, do gnero: eu sou um autor ou eu quero fazer cinema comercial. isso tem vindo a esbater -se e deixou GHVHUXPSUREOHPD$SRVWXUDKRMHHPGLDpPDLVDVVLP(XIDoROPHVGH

  • 23Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses

    autor, mas para um nmero mximo de espectadores, e no para um nicho de mercado. Atualmente, j ningum diz: Quero l saber do pblico, no me LPSRUWRTXHRPHXOPHQmRVHMDYLVWRRXDLQGD6HQmRSHUFHEHUDPYHMDPoutra vez. hoje, o propsito de tentar contar histrias, chegar s pessoas e, ao mesmo tempo, manter um lado autoral, muito mais vincado. As coisas no IXQFLRQDPSRURSRVLomRPDVSRULQWHJUDomRRTXHPHSDUHFHPDLVEHQpFRHVDXGiYHOGRTXHDTXHOHWLSRGHDFXVDo}HV(XpTXHIDoRHVSHFWDGRUHVRX7Xs autista!.

    2XWURWUDoRDVDOLHQWDUQHVWDJHUDomRpRQ~PHURFUHVFHQWHGHPXOKHUHVDUHDOL]DUFomRGH ORQJDPHWUDJHP+LVWRULFDPHQWHDSULPHLUDGpFDGDGRVpFXOR;;,IRLDTXHODHPTXHPDLVUHDOL]DGRUDVDVVXPLUDPHVVDSRVLomRQmR VH FLQJLQGR DRV GRFXPHQWiULRV H jV FXUWDVPHWUDJHQV +DYHUi XPDDEHUWXUDPDLRUHP3RUWXJDOSDUDTXHRFLQHPDGHL[HGHVHUXPDiUHDWmRSUHGRPLQDQWHPHQWHPDVFXOLQD"

    em todo o mundo (e no apenas em Portugal), o cinema sempre foi excessivamente machista e quase misgino. era absolutamente incrvel a forma como se vedava o acesso s mulheres, dizendo -lhes abertamente aqui no entram. Felizmente, a evoluo social e cultural dos ltimos anos permitiu que a situao se fosse alterando. se nos cingirmos sociedade portuguesa, na qual ainda existe PXLWDFRLVDSDUD ID]HUDHVVHQtYHOYHULFDPRVTXHKRXYHDLQGDDVVLPXPDabertura em praticamente todos os setores de atividade. Por outro lado, julgo que a questo da aprendizagem do cinema tambm tem evoludo: quando eu entrei para a escola [superior de teatro e Cinema], tinha algumas colegas, mas a percentagem de rapazes era maior.

    hoje em dia, as coisas j no so tanto assim, havendo turmas com mais raparigas GRTXHUDSD]HV(KiRXWURVVHWRUHVHPTXHLVWRWDPEpPVHYHULFD1RUPDOPHQWHas mulheres que faziam parte das equipas tcnicas eram cabeleireiras, maquilhadoras, encarregadas do guarda -roupa e dcors; os trabalhos das equipas de imagem e de som, por sua vez, eram todos feitos por homens. Poderiam

  • 24 Entrevista de Ana Catarina Pereira

    existir algumas anotadoras, mas eram raras, sendo que realizao e produo eram tarefas masculinas. Por outro lado, a predominncia na curta -metragem HQRGRFXPHQWiULRWHPDYHUFRPDVSHWRVPDLVWpFQLFRVSRUSHUPLWLUHPOPDUcom equipas mais pequenas, com materiais mais leves e econmicos.

    na Apordoc (embora os associados no sejam todos os documentaristas nacionais) existem, neste momento, mais mulheres scias do que homens, o que sintomtico. nos anos 70 havia j algumas realizadoras que comeavam a trabalhar, como a Margarida Cordeiro, a nomia delgado, a Margarida gil, a Monique rutler, a solveig nordlund mas sempre muito ligadas aos seus FRPSDQKHLURV 8PD FRLVD PDLV OLYUH H DEHUWD Vy VH YHULFD QRV DQRV Hmesmo ento, com a teresa [villaverde], a rita [Azevedo gomes] ou a Ana /XtVD >*XLPDUmHV@ DV FRLVDV IRUDP GLItFHLV$PHX YHU FRPHoD D YHULFDU-se outro tipo de impacto s na segunda metade dos anos 90, com a Margarida Cardoso, a Catarina Mouro, a Catarina Alves Costa, entre outras: nomes que trouxeram, com elas, um maior nmero de realizadoras. e ainda bem!

    3DUDFRQFOXLUPRVHVWDQRYDJHUDomRHVWiDOPDUHPFRQGLo}HVHFRQyPLFDVSDUWLFXODUPHQWHGLItFHLVVREUHWXGRQRV~OWLPRVGRLVDWUrVDQRV$FULVHQmRVyHFRQyPLFDPDVWDPEpPVRFLDOHGHYDORUHVTXHVHYLYHDWXDOPHQWHYDLDFDEDUSRUUHHWLUVHQDDUWH"&RPRpTXHVHOPDQHVWHFRQWH[WR"

    +iVLWXDo}HVGLItFHLVHPXLWRFRPSOLFDGDVPDVVLPXOWDQHDPHQWHWDPEpPYmRexistindo maneiras de as contornar. As coisas so um pouco contraditrias. em QmR KRXYH SURGXomR FLQHPDWRJUiFD DSRLDGD SHOR ,&$PDV LVVR Vy VHYDLUHHWLUSURYDYHOPHQWHGDTXLDGRLVDQRV2TXHpYLVtYHOQRLPHGLDWRpDVLWXDomRHPTXHFDPUHDOL]DGRUHVSURGXWRUDVWpFQLFRVDWRUHV0DVDSHVDUGHtudo, julgo que h coisas a serem feitas num sistema margem, provavelmente FRPRXWUDV FRQGLo}HVHGHXPDPDQHLUDPXLWR IUiJLO1mR VHLTXDLV VHUmRRVUHVXOWDGRV R TXH QmR TXHU GL]HU TXH QmR YHQKD D VXUJLU XP OPH IDEXORVRrealizado sem apoios estatais.

  • 25Manuel Mozos, sobre a nova gerao de cineastas portugueses

    Por outro lado, o que vai acontecer, sobretudo nos concursos relativos s primeiras obras, que devero surgir muitos candidatos, tanto em curtas -metragens como em documentrio. os concursos, pela forma como esto organizados, criam uma situao complicada: para alm dos candidatos selecionados serem poucos, o que tem sucedido que os realizadores com mais curriculum e experincia (no WHQGRVDtGDQRVFRQFXUVRVGH ORQJDPHWUDJHPGHFomRFRPHoDPDHQWUHJDUprojetos em documentrio e curta -metragem. Aquela que era uma porta para os primeiros passos de novos realizadores fecha -se, porque quem vai entrar so os realizadores com mais curriculum(VWDVTXHVW}HVGDOHLFRPRHXGLVVHanteriormente, deveriam ser discutidas e revistas, para no estar a complicar ainda mais o trabalho de quem faz cinema portugus, sendo que isto particularmente GXURSDUDRVDOXQRVRXSDUDRVSDLVTXH]HUDPJUDQGHVVDFULItFLRVSDUDSDJDUDVSURSLQDVGRVOKRVTXHQmRYHHPDVFRLVDVDQGDUHPSDUDDIUHQWH'HXPDforma geral, cada vez h mais gente, portanto, a competitividade maior.

    Penso que, para as pessoas mais novas que esto agora a comear, no ser fcil continuarem a acreditar num projeto que no se concretiza. nesse momento, podem desistir ou procurar alternativas, o que j depende muito de cada um HGDTXLORTXH UHDOPHQWHRPRWLYDD WHQWDUH[LVWLUQRPHLRFLQHPDWRJUiFRenecessrio acreditar nas coisas, e isso um dos princpios que ter de ser incutido em quem pretende trabalhar no cinema: primeiro que tudo, tem que se acreditar.

  • [Gerao Invisvel: Os novos cineastas portugueses, pp. - 50]27

    Ill See You in my Dreams: o morto -vivo como pesadelo na aldeia portuguesaAdriano Messias de oliveira

    5HVXPR$TXHOHTXHIRLFRQVLGHUDGRRSULPHLUROPHGHWHUURUSRUWXJXrV1, Ill See You in my Dreams (2003), de Miguel ngel vivas e Filipe Melo, merece uma anlise sob a perspetiva da sua insero no cinema contemporneo de terror, bem FRPRGRVHXHQTXDGUDPHQWRGHQWURGRVFkQRQHVFOiVVLFRVOLJDGRVDRVOPHVGHzombies. de forma alguma a produo de Melo pode ser considerada isolada: ela dialoga, por um lado, com diversos realizadores e modi operandi do cinema fantstico, em termos gerais, ao mesmo tempo que pontua aspetos relevantes e HVSHFtFRV VREUHR VXMHLWRSyVPRGHUQR H DV VXDV IUDJPHQWDo}HV LGHQWLWiULDVMais do que apenas um olhar flmico, reivindicamos igualmente uma abordagem que indique em que medida Ill See You in my Dreams capaz de dizer sobre as UHODo}HVDIHWLYDVHROXJDUGRIHPLQLQRQRVQRVVRVGLDV

    3DODYUDVFKDYH gnero fantstico; cinema de terror; monstros; zombies; Portugal.

    2SULPHLUROPHGHWHUURUSRUWXJXrV

    Premiado com o Mlis de Ouro no Festival de Cinema Fantstico de Amesterdo, com o Mlis de Prata no Fantasporto (Portugal), em 2006, e ainda como Melhor Curta de Terror Portugus e Filme de Terror Portugus Mais Popular QR027(/[ROPHGH0LJXHOQJHO9LYDVH)LOLSH0HORWHYHXPDOHJLmRGH

    1) A primeira longa -metragem de terror portuguesa Coisa Ruim/Bad Blood (2007), de tiago guedes e Frederico serra, trazendo a temtica da possesso demonaca. Aqui, novamente, uma aldeia o cenrio para a trama.

  • 28 Adriano Messias de Oliveira

    VHJXLGRUHVQmRWDQWRSHODRULJLQDOLGDGHFRPRDUPDPRVSUySULRVDXWRUHVuma vez que a obra apresenta vrios clichsGHOPHVGHzombiesPDVSHODvontade de se ter um cinema de terror portugus. de facto, a maior parte dos OPHVHP3RUWXJDOOLGDFRPRFKDPDGRUHDOLVPRDVVLPFRPRRFRUUHPDVem menor intensidade, com o cinema brasileiro2.

    Antecedendo os nossos comentrios sobre o enredo, trazemos algumas LQIRUPDo}HVVREUHDFDUUHLUDHDVVROXo}HVGRSURGXWRUGROPH)LOLSH0HOR3, TXH WDPEpP VH GHGLFD j EDQGD GHVHQKDGD H TXHFRX DSDL[RQDGR SHOR WHPDfantstico aps a sua curta -metragem, trabalhou na obra no apenas como produtor/realizador, mas tambm como argumentista e ator. o guio foi escrito durante as suas frias na pequena aldeia de Mouraz, no concelho de tondela, no LQWHULRUGRSDtVDTXDOIRLXWLOL]DGDFRPRFHQiULR2VORFDLVGHOPDJHPIRUDPencontrados praticamente intactos, mas j mudaram bastante, segundo Melo4, GHYLGRjVDOWHUDo}HVQDSDLVDJHPQDWXUDOSRUFRQWDGDFKHJDGDGRSURJUHVVRTXH GHUUXERX YiULDV FDVDV FRPR DTXHOD TXH DSDUHFH FRPR PRUDGD GRSHUVRQDJHP/~FLREHPFRPRERVTXHVGHSLQKHLURVTXHIRUDPOPDGRV

    2) e parece que ambos os pases se deixaram seduzir pela suposta correo e denncia presentes no chamado realismo -naturalismo, tanto no cinema, quanto na literatura. Como salientou Clia Magalhes (2003), a represso face criao de monstros literrios foi recorrente e talvez s tenha comeado a arrefecer nos anos de 1970/1980, quando as temticas do satanismo e da VH[XDOLGDGHDLQGDVRELQXrQFLDEDXGHODLULDQDJDQKDUDPHVSDoRQR%UDVLO1mRREVWDQWHRVpreconceitos perante o fantstico ainda se veem com frequncia em terras brasileiras.3) Filipe Melo tem ainda uma paixo por lobisomens que se fundamenta na sorumbtica personagem do Professor Astromar, da novela brasileira Roque Santeiro (1985/86). no acreditamos ser gratuita, portanto, a nossa referncia taberna que associamos de Um lobisomem americano em Londres.4) Cf. entrevista com Filipe Melo, disponvel em: http://gore -boulevard.webnode.com.br/news/HQWUHYLVWDFRPRUHDOL]DGRUOLSHPHOR[consultado a 22 de maio de 2012] e ainda o blog http://PRQGR]RPELHEORJVSRWFRPEULOOVHH\RXLQP\GUHDPVROPHGHKWPO [consultado a 26 de novembro de 2012].

  • 29Ill See You in my Dreams: O morto-vivo como pesadelo na aldeia portuguesa

    A curta -metragem5 Ill See You in my Dreams6 (2003) apresenta um enredo--modelo dentro da temtica: numa aldeia portuguesa ocorre uma infestao de zombies. o personagem lcio (Adelino tavares) enfrenta -os com caadeira e catana, assumindo uma postura que lembra a dos caadores de bruxas do perodo da inquisio, mas, ao mesmo tempo, uma bravura que esconde a fragilidade de TXHPJXDUGDXPVHJUHGRFRQMXJDOQDFDYHHPTXHPRUDDVXDHVSRVD$QD6RDAparcio) vive reclusa, pois se transformara num dos monstros. este anti -heri LQVSLUDGRWDPEpPHPSHUVRQDJHQVGHOPHVGRIDURHVWHTXH6HUJLR/HRQHIH]com Clint eastwood) surge, pela primeira vez, numa cena que se passa numa estrada deserta cercada por rvores. o espectador ouve o personagem -narrador em voz overWUDWDQGRGDVVXDVGHVYHQWXUDVHIUXVWUDo}HVYR]HVWDTXHWUDQVPLWHuma sensao de enfado e monotonia. frente, a algumas dezenas de metros, est uma criatura cambaleante que se adivinha tambm pelo som caracteristicamente monstruoso que produz: trata -se de um zombie, o qual eliminado com um tiro certeiro que o projeta para longe.

    um outro conjunto de cenas apresenta, a seguir, o protagonista dentro de XPDWDEHUQDORFDOTXHPHGLDQWHDFRQJXUDomRFLQHPDWRJUiFDUHFHELGDDMXGDDFRQIHULURFOLPDGHPLVWpULRPHGRGHVFRQDQoDHFXOSDTXHGHIRUPDJHUDOpermeiam o enredo. l que se refugiam alguns dos moradores das vizinhanas, provavelmente para esquecerem ou se protegerem do mal que assola a comunidade. o ambiente da taberna faz -nos remontar a algumas das esferas das narrativas literrias gticas que anunciavam a presena do monstruoso e do diablico em paragens desertas e localidades ermas, isto pelo menos desde os

    2OPHHVWiGLVSRQtYHOQRsite Youtube nos seguintes endereos:Parte 1: http://www.youtube.com/watch?v=4vPUirSIoeA;Parte 2: http://www.youtube.com/watch?v=MELbx7myVek&feature=related.6) o ttulo tambm uma homenagem msica homnima de Pat Boone, o que se deu pelo facto de o realizador ser um msico de jazz. segundo Filipe Melo, numa das cenas cortadas, o protagonista ouvia esta cano enquanto a esposa gritava do lado de fora da casa. Para no a ouvir, ele aumentava o volume. tratava -se de uma cena importante, que expressava um ponto de WUDQVLomRSDUDRSHUVRQDJHPSULQFLSDO'DEDQGDVRQRUDGROPHIH]SDUWHDEDQGDSRUWXJXHVDGHmetal Moonspell, a qual fez a verso em estilo bem pesado de Ill See You in my Dreams (1924), FRPSRVWDSRU ,VKDP-RQHVH*XV.DQHJUDYDGDRULJLQDOPHQWHSRU ,VKDP-RQHVDQG7KH5D\Miller orchestra. existe, entretanto, no nosso entender, um aspeto curioso para a escolha de um ttulo em lngua inglesa: no deixa de ser uma tentativa de inserir a curta num panorama mais amplo de visibilidade.

  • 30 Adriano Messias de Oliveira

    romances dos setecentos que tratavam do sobrenatural. A partir de um paralelo FRPD WDEHUQDUHWUDWDGDQROPHSRUWXJXrVQmRSRGHPRVDLQGDGHL[DUSDVVDUdespercebida aquela que est presente num clssico do cinema de terror dos anos GHUm Lobisomem Americano em Londres (An American Werewolf in LondonGH-RKQ/DQGLVQDTXDOGRLVDPLJRVPRFKLOHLURVUHVROYHPrefugiar -se, numa noite de ameaa de tempestade, nalgum rinco perdido do interior isolado da gr -Bretanha. o clima de insegurana na obra de landis WDOYH]VHIDoDPDLRUGHQWURGDTXHOHDPELHQWHGRTXHSURSULDPHQWHIRUDQDVUXDVHQRVERVTXHVFRPRRFRUUHQROPHGH9LYDVH0HORXPDYH]TXHKiSRUum lado, uma espcie de sinistro pacto implcito entre os presentes e, por outro, D VHQVDomRGHTXHQLQJXpPp FRQiYHO3RUpP D WDEHUQD DQWLJD UHWUDWDGDQROPHSRUWXJXrVVHUYHGHUHI~JLRFRQWUDXPPRQVWURPDLVSHUFHWtYHOHORFDOL]iYHOGRTXHXP ORELVRPHPTXHYDJXHLDSRUSkQWDQRVGR3DtVGH*DOHV DQDORVzombies portugueses parecem estar em toda parte, sempre espreita para atacar, ainda que tenham a desvantagem da lentido7. A sua mordida transmite a peste HQmRKiFXUDSDUDRPDOLQRFXODGR7RGRVRVSHUVRQDJHQVGROPHVHWRUQDPneste sentido, presas e caadores.

    o enredo da curta ainda vai levar o espectador a uma noite sanguinolenta e de desespero, em que lcio acaba por encontrar um novo amor junto da bela 1DQF\6mR-RVp&RUUHLD$UHODomRHQWUHDPERVHQWUHWDQWRVHUiDPHDoDGDSHORcime monstruoso de uma esposa j ]RPELHFDGD prisioneira numa cela, e pelo ataque repentino de uma legio de zombies. aps uma relao sexual de lcio com a amante que a zombie enjaulada, percebendo -se trada, utiliza de toda VXDIRUoDSDUDIXJLU$FHQDGRDWDTXHLQHVSHUDGRD1DQF\WUD]XPPRYLPHQWRnervoso e deslizante de cmara subjetiva, a qual percorre um corredor para levar o espectador at ao monstro e sua vtima. A tentativa de lcio afastar a zombie cria uma cena pattica, que atinge o cmico atravs da conjugao dos gritos histricos da amante com a manifestao da monstruosa raiva da mulher trada. o titubear do protagonista em matar de vez aquela que um dia foi sua esposa

    7) A morosidade no uma caracterstica padro nos zombies. de facto, os primeiros zombies GRFLQHPDHUDPPRQVWURVOHUGRVHYDJDURVRV3RUpPKiYDULDo}HVQDIRUPDWDomRGHVWDVFULDWXUDVTXHHPPXLWRVOPHVFKHJDPPHVPRDVHUDSUHVHQWDGDVFRPRYHOR]HVHiJHLVRTXHDVWRUQDainda mais ameaadoras.

  • 31Ill See You in my Dreams: O morto-vivo como pesadelo na aldeia portuguesa

    impede -o de atirar e, em consequncia disso, uma srie de socos dados pela ex-PXOKHUYmRGHL[iORVHPUHDomR4XHPSRUiXPSRQWRQDOQDEULJDVHUi1DQF\TXHFRPXPDVLPSOHVFKDSDGDQRURVWRGHUUXEDDULYDO&RPRQDTXHOHVOPHVtrashTXHWURX[HUDPPXLWRVULVRVDRVDSUHFLDGRUHVGHYiULDVJHUDo}HVWHUHPRVem seguida, uma cena em que o casal preferir fugir a exterminar de vez o monstro cado pelo cho. o espectador ser o cmplice dos olhos do zombie, que LUmRDEULUVHDPHDoDGRUDPHQWHDVVLPTXH/~FLRIRJHFRP1DQF\SRUXPDSRUWD

    impedidos de entrar na taberna, por o dono suspeitar que tenham sido mordidos, os dois acabaro por se deparar com a viso de diversos zombies caminhando pela escurido do bosque na sua direo, o que os leva a tentar esconder -se numa casa de ferramentas, enquanto o espectador se deparar com uma cmara que vai simular o olhar de um zombie perseguidor. os monstros enfurecidos invadiro facilmente o local, enquanto lcio travar nova luta com DH[PXOKHU$VHTXrQFLDFRPSURIXV}HVGHJULWRVIHULPHQWRVHVDQJXHDVVXPLUiR HVWLOR TXH VH UHSHWLX HP WDQWRV OPHV GHVWD WHPiWLFD FRP R DFUpVFLPR GDpresena de um zombieDQmR6HUiPDLVXPDYH]1DQF\TXHPVDOYDUi/~FLRao levantar a saia, ela desferir um pontap que lanar por terra o monstro que atacava o seu amante. Porm, quando uma legio de monstros invade de vez o depsito e a companheira sente necessidade de tomar uma atitude extrema para poder escapar, resta ao anti -heri a inesperada e egosta atitude de atir -la friamente para o meio dos vorazes devoradores. ento, ele tentar salvar -se e, QRH[WHULRUFDUiLPHUVRQXPDHVSpFLHGHGHOtULRFRPDLPDJHPGDOLQGDHVSRVDque tivera, como se ela ainda fosse humana e estivesse ao seu lado. de facto, tratava -se da mesma, transformada em monstro. e ser dela que o caador de zombiesUHFHEHUiXPDPRUGLGDIDWDOXPJUDQQDOH de vingana e desforra de uma mulher que se sentiu trada.

    2. dissecando um zombie

    vrios aspetos nos chamaram a ateno nesta curta -metragem inaugural de uma SRVVtYHOWUDGLomRGHOPHVGHWHUURUQDFLQHPDWRJUDDSRUWXJXHVDeLQHJiYHOTXHDSURGXomRWHYHRDImGHLQVHULUFLQHPDWRJUDFDPHQWHRSDtVGHQWURGHXPD

  • 32 Adriano Messias de Oliveira

    HVWpWLFDTXHGRPLQDRVpFXOR;;,QRkPELWRGRVOPHVGHWHUURU(QWHQGHPRVIll See You in my DreamsGHIRUPDDOJXPDXPOPHLVRODGRFRPRXPbom exerccio para se pensar alguns aspetos mais gerais do cinema de terror contemporneo. Apesar de produzido no incio da dcada, trata -se de um trabalho capaz de dialogar com diversas caractersticas que conformam o cinema deste JpQHURRTXDOVHWRUQRXPXLWRSURItFXRQRVDQRVVHJXLQWHVQDFLQHPDWRJUDDde vrios pases. Parece -nos que uma delas a prpria temtica zombieto premente e at mesmo paradigmtica do que poderia ser considerado o monstro da primeira dcada do novo sculo, segundo temos defendido nos nossos trabalhos sobre o cinema fantstico. uma segunda caracterstica seria a da opo por uma narrativa mais enrgica e gil, adequada ao pblico jovem que DSUHFLDRVOPHVGRJpQHUR1HVWHDVSHWRHVSHFtFRTXHFRQFHUQHjQDUUDWRORJLDFLQHPDWRJUiFDLQVHUHPVHWDPEpPDVRSo}HVGHVRQRSODVWLDHLOXPLQDomRTXHreforam o ritmo nervoso e, ao mesmo tempo, soturno e sombrio, a mesclar tons de spia e azul morbidez quase ferica de um lugarejo que ganhou, no seu FHQiULR IHLo}HV VHPHOKDQWHV jTXHODV WmR FDUDV j OLWHUDWXUD JyWLFD 3RUWDQWR RUHDOL]DGRUIRLFDSD]GHGLDORJDUFRPGXDVIRUWHVWUDGLo}HVQRFLQHPDQXPDGHODVRVOPHVGHWHUURUGHYHGRUHVGDVIDEXODo}HVOLWHUiULDVGRVVpFXORV;9,,,H;,;HQRXWUDRH[WUHPRDSHORVHQVRULDOTXHVHPRVWURXGHWHUPLQDQWHHPSURIXV}HVGHOPHVGRLQtFLRGRVpFXOR;;,1HVWHkPELWRGHUHIHUrQFLDVPHQFLRQDPRVDellamorte Dellamore (Cemetery Man, de Michele soavi, 1994), um clssico do gnero de zombies, o qual, por si mesmo, j rememora o humor presente em Braindead, de Peter Jackson (1992), em camadas que se interligam, revelando DVVLPDRHVSHFWDGRUPDLVDWHQWRRSHUOGHSDOLPSVHVWRGHIll See You in my Dreams1ROPHGH6RDYLEHPFRPRQRGH0HORWHPRVXPSHUVRQDJHPTXHmata zombies a tiro. entediado com este ritual funesto, o anti -heri encontra a mulher da sua vida, com a qual vai viver uma cena ardente de sexo.

    2OPHGH0LJXHOQJHO9LYDVH)LOLSH0HOR WUDGX]H[DWDPHQWHXPWLSRde estrutura bastante recorrente no cinema contemporneo, devedora direta de romero desde o seu memorvel A Noite dos Mortos -Vivos (Night of the Living DeadGH7HPRVGHOHPEUDUTXHDWpDRLQtFLRGRVDQRVGHRVOPHVde terror dos estados unidos da Amrica eram em grande parte prejudicados pelas

  • 33Ill See You in my Dreams: O morto-vivo como pesadelo na aldeia portuguesa

    LPSRVLo}HVGR&yGLJR+D\V8. depois, grosso modo, que comearam a arrefecer as censuras e os realizadores e produtores tiveram uma liberdade criativa que lhes JDUDQWLXPXGDQoDVHVWUXWXUDLVQRVHQUHGRV2OPHGHWHUURUFOiVVLFRVXEPHWLGRainda aos cnones do cdigo citado, costumava ter trs partes fundamentais: a primeira, em que seria apresentada uma ordem estabelecida; a segunda, contendo o rompimento desta mesma ordem (no caso, pela chegada ou irrupo, SRUH[HPSORGHXPPRQVWURHQRQDODSD]WHQGHULDDVHUUHVWDEHOHFLGDFRPa morte, o banimento ou o aprisionamento (ainda que temporrio) da ameaa que FDXVRXRVGHVHTXLOtEULRV2OPHGH9LYDVH0HORQmRVHJXHGHIRUPDDOJXPDesta trade estrutural. no enredo, dispensou -se tambm a explicao da origem dos zombiesRTXHpUHFRUUHQWHHPGLYHUVRVOPHVFRQWHPSRUkQHRVGRJpQHURGHL[DQGRD LPDJLQDomRGRHVSHFWDGRU OLYUHSDUD ID]HU VXSRVLo}HV&RPRXPDHSLGHPLDHVSpFLHGHUDLYDGHDOWDFRQWDPLQDomRDPRUGLGDGHXPzombie pRVXFLHQWHSDUDWUDQVIRUPDUXPVHUKXPDQRHPPRQVWUR

    os clichs LQWHQFLRQDLV GR OPH OXVLWDQR WDPEpP VH HVIRUoDUDP SRUhomenagear muitos outros grandes mestres do gnero, alm do j citado romero, de A Noite dos Mortos -Vivos. o prprio Filipe Melo comentou que tambm sempre foi apaixonado pelas obras de lucio Fulci, pela trilogia Evil Dead9, de sam raimi, e por BraindeadPDVVDOLHQWRXFRPRVXDPDLRULQXrQFLDROPHLWDOLDQRGHIHLo}HVJyWLFDVDellamorte Dellamore, j mencionado por ns, que muito inspirou a ambientao de Ill See You in my Dreams. Melo criou assim a cena na casa de ferramentas em que, por trs da frgil porta, um bando de zombies tenta agarrar o personagem humano10. A presena do monstro oculto nas sombras e projetado no espelho ante um claro sbito, sendo percebido apenas SHOR HVSHFWDGRUQR FDVRGH Ill See You in my Dreams, a zombie olhando

    8) o cinema fantstico dos euA foi, de facto, oprimido e recalcado, em grande medida pelo IDPRVR&yGLJR+D\VTXHDEUDQJHXRSHUtRGRGHD,VWRH[SOLFDSRUH[HPSORDVROXomRGHVHPSUHVH WHUXPGHVIHFKR IHOL]HRSRUWXQLVWDQRVOPHVGH WHUURUTXHFRPSUHHQGLDPHVWDVdcadas. Alfred hitchcock foi um dos clebres realizadores que se empenharam em driblar este cdigo.9) Composta por: Evil Dead A Morte do Demnio (1982), Evil Dead 2 Uma noite alucinante (1987) e Evil Dead 3 Army of darkness (1992).10) uma referncia direta a romero.

  • 34 Adriano Messias de Oliveira

    [DPHQWHDVXDULYDOWDPEpPVHWRUQRXPXLWRSUHVHQWHHPOPHVGHWHUURUDponto de se tornar um clich.

    1mRFRXGHODGRQDFXUWDPHWUDJHPDGXSODHVSDQWRHULVRHPPRPHQWRVem que o inusitado se abeira mais fortemente do grotesco, como na cena em que, HPGHVHVSHURDSHUVRQDJHP1DQF\GiVRFRVVHJXLGRVQXPGRVPRQVWURV$OpPdisso, a escatologia leve permeou algumas cenas, como a da cabea do zombie que rola pelo cho aps ter sido decepada, ou ainda aquela do close na face da zombie aparentemente desacordada, revelando uma maquilhagem que (no IRVVHPRVHVIRUoRVSDUDVHSURGX]LUXPOPHWmRUHSUHVHQWDWLYRGLUtDPRVTXHpoderia ter sido melhor.

    Mas um aspeto que nos chamou a ateno no rol dos nossos estudos sobre o fantstico contemporneo foi o par em mo dupla, monstro -ser humano, TXH WHPRV QRWDGR FRPR UHSHWLWLYR HPPXLWDV SURGXo}HV GD UHIHULGD GpFDGDevidncia, talvez, de uma angstia antropolgica de mbito generalizado. Como exemplo, no incio da produo, o narrador, em over, diz no suportar a merda dos zombies enquanto, no desfecho, desabafa no aguentar a merda dos KXPDQRVHpMXVWDPHQWHDtTXHRDQWLKHUyLPRQVWURVHYLUDSDUDRS~EOLFRfechando um ciclo que pode ser assim entendido: todo o zombie foi um dia um humano e, todo humano, de certa forma, j era um devir zombie.

    o zombie um personagem que comeou na grande tela nos anos de 1930, FRPIRUWHVOLJDo}HVDRLPDJLQiULRGDVWUDGLFLRQDLVSUiWLFDVGHvodu no haiti (e tambm na regio de nova orlees, nos euA11). Zombie Branco (White Zombie, de victor halperin e edward halperin, de 193212), por exemplo, uma produo independente, hoje considerada a primeira longa -metragem a abordar a temtica. no enredo, uma jovem mulher transformada em zombie pelas mos de um feiticeiro vodu. Porm, os zombies ganharam tanta notoriedade e independncia em relao sua mitologia basal que podemos falar de uma neomitologia destes

    11) A obra A Ilha da MagiaGH:LOOLDP6HDEURRNpXPDGDVIRQWHVOLWHUiULDVSULPiULDVGRzombie FLQHPDWRJUiFR2 DXWRU IRL DWp DR+DLWL QR QDO GRV DQRV GH HP EXVFD GH GHVFULo}HVtropicais daquela ilha, mas encontrou um universo de feitiaria que tratava de mortos andantes e escravizados que trabalhavam em lavouras de cana -de -acar.12) ele teve uma sequncia em 1936, Revolt of the Zombies, dirigido por victor halperin.

  • 35Ill See You in my Dreams: O morto-vivo como pesadelo na aldeia portuguesa

    PRUWRVYLYRVDSDUWLUGRQDOGDGpFDGDGHJUDoDVHPJUDQGHPHGLGDDRVtrabalhos de george romero.

    Assim, a associao dos zombies violncia e atrocidade, que vemos no trabalho de vivas e Melo, no novidade. o escatolgico e o ultraviolento tm preenchido a esttica de muitos realizadores, de romero a lucio Fulci, passando por david Cronenberg. Mas, entendemos que o exagero e a multiplicao destes UHFXUVRVQRFLQHPDGRVpFXOR;;,WrPDYHUFRPDFULVHGHVXEMHWLYLGDGHTXHDHVSpFLHKXPDQDDWUDYHVVDHROPHTXHDTXLHVWXGDPRVpWDPEpPH[HPSODUTXDQWRDHVWHTXHVLWR&XULRVDPHQWHJUDQGHSDUWHGRVOPHVIDQWiVWLFRVPDLVOLJDGRV j HVFDWRORJLD H j YLROrQFLD HVWi HVWUHLWDPHQWH DVVRFLDGD D OHJL}HV GHzombies H D H[SHULrQFLDV GHVDVWURVDV H FDWDVWUyFDV TXH S}HP HP [HTXH Dcontinuao da vida humana na terra. de forma metonmica, Ill See You in my DreamsWUDEDOKDFRPHVWHPHVPRSRQWRGHYLVWDVRPEULRDDOGHLDQHVWHFDVRreverbera o mundo catico e desesperanoso.

    1mRIRLSRUDFDVRTXHDUHSHWLomRGHOPHVFRPWHPDVGHzombies na primeira GpFDGDGRVpFXOR;;,FKHJRXDRDVVRPEURVRWHQWiPRVFRQWDURQ~PHURGHSURGXo}HVSDUDFLQHPDH79GHVWHSHUtRGRHFROHFLRQiPRVPDLVGHWtWXORVGDVERDVFRQVWUXo}HVWHPiWLFDVDRVremakesHSURGXo}HVGHPDXJRVWRTXHVHaproveitaram da febre de mortos -vivos. suspeitamos que o gore, o splatter13, o visceral e tambm o sadismo que os acompanham denunciam a necessidade de novos arranjos para a conceituao antropolgica de humano. deste modo, o zombie e o devir -zombie podem ser entendidos como frutos da cultura que no vingaram. o zombie um desesperado do pathos social: ele contamina e cobra, assim, o seu preo. o notrio que o zombie, neste caso, membro de XPDKRUGDDQiUTXLFDHQmRGHXPDOHJLmRGHGHPyQLRVSRUH[HPSORRTXHVHWRUQDXPSRQWRSDUDUHH[mRSRLVSDUHFHQRVTXHDUHIHUrQFLDQRVOPHVGHmortos -vivos contemporneos sempre a uma civilizao que no deu certo. e RGHVIHFKRGROPHGH9LYDVH0HORQmRpDQLPDGRUFRPRMiPHQFLRQiPRVXPDYH]TXHRVXSRVWRVDOYDGRUVHYrPRQVWULFDGRQXPFRUSRYLYRHPRUWRao mesmo tempo.

    13) existem dois termos tcnicos para cenas de sangue: o splatter, que se refere aos jatos de sangue, e o goreTXHVHUHIHUHDRVDQJXHFRDJXODGRQRVOPHVIDQWiVWLFRVGHWHUURU

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    3. A mulher como monstro e a presena do imaginrio

    A esposa -zombie de Ill See You in my Dreams um personagem que dialoga com XPDYDVWDWUDGLomRGHPXOKHUHVPRQVWULFDGDVGHVGHD$QWLJXLGDGHPDVTXHencontraram grande representatividade na idade Mdia. Por outro lado, capaz de romper com alguns aspetos desta mesma tradio ao mostrar -se devedora do cinema de zombies dos anos de 1960 em diante. sobre esta feminizao do monstruoso que trataremos brevemente neste item.

    o homem medieval, por exemplo, externalizava a sua paranoia femifbica a ponto de, s vezes, suspeitar de um fantasma ginocntrico dentro de si, ou seja, havia no s o temor da mulher como corpo, mas do corpo (masculino) FRPRPXOKHUFRPRVHIRVVHSRVVtYHOXPDGHJHQHUDomRGHRUGHPWHUDWROyJLFD

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    nas entranhas do homem. tanta repulsa ao feminino colocava a mulher14 no FDPLQKRGDGHJHQHUDomR]RRPyUFD9DOHDTXLUHPHPRUDUPRVDVDVVRFLDo}HVdiablicas em torno de mulheres fantsticas que, em vrias lendas medievais, DSUHVHQWDPSDUWHVGRFRUSR]RRPRU]DGDVDH[HPSORGDLEpULFD'DPDGR3pde Cabra e da ofdica sereia celta, Melusina, smbolos de um amor impositivo. $PEDV HUDP LQVWDXUDGRUDV GH SURLELo}HV SDUD TXH R KRPHP TXH DV DPDVVHno viesse a experimentar o esfacelamento matrimonial: a demonaca dama do P de Cabra veta o uso do nome do pai dentro do lar, enquanto a lasciva 0HOXVLQD LPS}HDSURLELomRGH UHODo}HV VH[XDLV DRV ViEDGRV 2OLYHLUD86 - 96). Assim, no haveria escapatria:. Por um lado, toda a mulher trazia rasgos de melusiano e, por outro, de medusiano. impunha, mas tambm proibia e LQWHUGLWDYDTXDQGRQmRSHWULFDYD&RQIRUPHUHIRUoD)RQVHFDPRQVWURVFRPWURQFRKXPDQRFRPRD0HOXVLQDHPXLWRVRXWURVGDWUDGLomRFOiVVLFDHVQJHcentauro, sereia, stiro), foram considerados como smbolos de uma sexualidade IRUWHHSULPLWLYDJHUDOPHQWHPDOpFD

    Como se no bastasse, os antigos temores em relao mulher (ser incompleto HIDOKRGHDFRUGRFRPRLPDJLQiULRPHGLHYDO[DYDPVHHPGXDVSDUWHVGRFRUSRHPHVSHFLDORVROKRVJRUJyQHRVSHWULFDGRUHVHDYDJLQDTXHse dentada, poderia arrancar o pnis num ato castrador, trazendo luz o tabu mensal da menstruao venenosa, que tornava a mulher tambm impura no sangue. Curiosamente, diversas narrativas sempre trouxeram heris engolidos por monstros ofdicos, capazes de guardar as suas vtimas em concavidades uterinas, enquanto mitologias pags oferecem a representao de deusas com SpQLVFRPR0XWH(OrXVLVVHQGRTXHHVWDVHXQLDDXPDVHUSHQWHIDOR(VHDforma masculina era considerada a mais prxima da perfeio, o distanciamento da mesma levava aos prenncios do monstruoso (e, neste sentido, toda a mulher seria portadora de indcios de monstruosidades, seguindo -se o raciocnio DULVWRWpOLFRTXHYLJRUDYDQRSHUtRGRPHGLHYDO$HVWDVVXSRVLo}HVVRPDYDVHDFRJLWDGDQDWXUH]DPHWDPRUIRVHDQWHGDPXOKHUVHUTXHFRPELQDYDDVVRFLDo}HV

    14) Provavelmente de mulier, fraqueza, em oposio a vir/virtus, virtude, palavra latina para homem.

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    com peixes, harpias e rpteis (no caso das sereias), por exemplo, ou era hbil a transformar -se em animais rastejantes e asquerosos (no caso das bruxas).

    em relao invejada capacidade de engravidar e parir, encontramos DOJXPDVLQIRUPDo}HVTXHVHVRPDPjQRVVDDQiOLVH8PDGHODVDRFRSXODUHPcom demnios (mas tambm com faunos e silvanos, que eram inseridos pela mentalidade catlica da poca na categoria dos seres infernais), as descendentes GH(YDSRGHULDPJHUDUPRQVWURVJHUDOPHQWHFWyQLFRV3RUpPXPDPXOKHUseria capaz ainda de engendrar anomalias e monstros na gravidez pelo simples IDFWRGHWHUXPDLPDJLQDomRPDLVIpUWLO2JUDQGHFULDGRUGHPRQVWURVGRPGRSHUtRGRPHGLHYDO$PEURLVH3DUpMiDUPDYDTXHRGLDERDmulher e o monstro se supunham. no imaginrio tardio daquele perodo, haver JXUDVGHPRQtDFDVPDVFXOLQDVHELVVH[XDLVTXHDSDUHFHUmRSRUWDQGRVHLRVHPclara aluso culpa feminina de vis cristo, e at mesmo demnios totalmente femininos de natureza viperina. Assim, ultrajada, a mulher era comparada basicamente s bestas, aos monstros e aos demnios, quando no gerava todas estas formas por meio da fecundao.

    A misoginia medieval atingiu o pice literrio em 0DOOHXV0DOHFDUXP, o famoso Martelo das Bruxas, que serviu de trave -mestra para boa parte do pensamento inquisitorial. este compndio dizia que havia quatro coisas que jamais se bastariam no mundo: a morada dos mortos (sheol), o ventre estril da terra, o fogo e os lbios vaginais que se compraziam com cpulas demonacas. de acordo com o livro, as bruxas tinham o poder de roubar os pnis aos homens e de os guardar em ninhos no alto das rvores. h aqui, sem dvida, uma relao com O Homem de Areia de e. t. A. hoffmann: o personagem do escritor alemo lanava areia para os olhos, que assim saltavam das rbitas das crianas que no queriam dormir. Colocava -os ento num saco e levava -os, para com eles DOLPHQWDURVVHXVOKRVUHVLGHQWHVQXPQLQKRQD/XD1HVWHFRQWRDSVLFDQiOLVHapontaria uma relao entre genitais e olhos, e a presena da ansiedade frente ao complexo de castrao.

    As numerosas esposas doadoras ou as grandes mes do imaginrio ocidental, portadoras de sensualidade e erotismo, tm tambm vnculos atvicos FRPDVIDGDVPHGLHYDLVGDFXOWXUDFHOWDTXHSRUVXDYH]DOXGHPjVJXUDVGDV

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    Parcas152H[FHVVRGHDSHORVH[XDODVVRFLDDVjVJXUDVGLDEyOLFDVIHPLQLQDVQRcontexto catlico medieval, reforando a ideia de Jean delumeau (2009) de que as mulheres sempre foram, no imaginrio do homem, seres dbios: ora portadores de atrao e encanto, ora de repulsa e hostilidade. delumeau vai ainda enumerar as deusas da morte, os monstros -fmea e as mes -ogre como alguns dos muitos produtos de um frtil imaginrio, chegando igualmente a mencionar os mitos das vaginas dentadas, to recorrentes em vrias culturas humanas. e Pierre Bourdieu (1999: 27) ainda explica a representao de vaginas como falos invertidos, de maneira que podemos perceber a mulher, compreendida historicamente, como um negativo do homem, em muitos aspetos.

    nunes (2010: 3), discorrendo sobre os seres aquticos, cita so Martinho de Braga, do sculo vi, na obra De Correctione Rusticorum (Da Correo dos Rsticos):

    Alm disso, de entre os demnios que foram expulsos do Cu, numerosos VmRRVTXHPRUDPQRPDUQRVULRVQDVIRQWHVRXQDVRUHVWDVRVKRPHQVignorantes de deus honram -nos como se fossem deuses e oferecem -lhes sacrifcios. no mar invocam neptuno, nos rios as lmias, nas fontes as 1LQIDVQDVRUHVWDVDV'LDQDVTXHRXWUDFRLVDQmRVmRVHQmRGHPyQLRVHespritos malignos, que atormentam e acabrunham os homens sem f que no sabem defender -se pelo sinal da cruz.

    $ QDWXUH]D FRPR UHJLmR LQGRPDGD SHOR KRPHP UHSRVLWyULR GDVHPDQDo}HVGDVSURMHo}HVGRLQFRQVFLHQWHHGDVSXOV}HVGRidIRLFRQVLGHUDGDem vrios momentos da idade Mdia, o lugar privilegiado dos seres diablicos. lembramos que no s as ninfas demonacas residem nas matas, serras, rios e lagos, mas tambm toda a sorte de mulheres de origem suspeita, como as feiticeiras e as belas damas que misteriosamente apareciam desacompanhadas SRUORFDOLGDGHVHULQF}HVHUPRV(VWHpRFDVRGDMiPHQFLRQDGD'DPDGR3pGH

    15) As Parcas romanas equivaliam s Moiras gregas. eram trs: nona, dcima e Morta, e GHFLGLDPRSHUFXUVRGDYLGDHGDPRUWHGHXPVHUKXPDQR1RQD WHFLDRRGDYLGD'pFLPDcuidava do seu tamanho, e Morta fazia o corte, quando chegava a hora.

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    &DEUDTXHFRXFRQKHFLGDQRLPDJLQiULRGR1RUWHGH3RUWXJDOGHVGHRVpFXOR;,16.

    2VDSRQWDPHQWRVUHODWLYDPHQWHH[WHQVRVTXH]HPRVpSDUDMXVWLFDUPRVRfacto de um personagem mulher se tornar o zombiePDLVLPSRUWDQWHGROPHHPanlise e, mais ainda, que ela acabe provavelmente por se tornar um dos monstros paradigmticos do cinema de terror portugus. Considerando a bagagem que o LPDJLQiULRLEpULFRMiQRVWUD]HPUHODomRjJXUDomRGDPXOKHUFRPRPRQVWURWRUQDVHLQVWLJDQWHSHQVDUTXHQRLQtFLRGRVpFXOR;;,HVWDFRQFHomRWmRDWiYLFDVH UHSHWHQXPOPHTXH WDPEpPWUD] LQXrQFLDVSRUH[HPSORGRPXQGRGDcibercultura. Percebe -se, desta forma, o quanto uma tradio pode ser forte e atravessar os sculos revestindo -se, ao mesmo tempo, da agregao de contedos e formas tecnolgicos. e o que bastante notrio em Ill See You in my Dreams que o seu personagem -monstro por excelncia, a mulher ]RPELHFDGD, capaz de se ressentir, de arder em cimes e de agir movida pela ira fundamentada na traio. impulsionada pelo ressentimento oriundo da fatalidade e do abandono WHPDVWmRFDURVDRLPDJLQiULRHVWpWLFRSRUWXJXrVHODGLULJHSRUWDQWRDVXDpulso de morte em busca da vingana: procura eliminar a concorrente humana, ao contrrio dos demais zombies da curta, que parecem vaguear sem motivo outro que no seja o de se alimentarem dos vivos. Percebem -se, desta maneira, rasgos da subjetividade humana que ainda animam a esposa encarcerada. o seu aprisionamento evidencia -se em mltiplos sentidos: tanto atrs das grades da FHODTXDQWRQXPFRUSRPRQVWULFDGRHSRUTXHQmR"QRVUHGHPRLQKRVGR SUySULR UHVVHQWLPHQWR $ GHOLGDGH SDUD HOD WRUQRXVH XP TXHVLWR WmRfundamental quanto para as mulheres encantadas do medievo, para quem era premente a obedincia rigorosa, por parte do esposo, de uma restrio -tabu. no caso do enredo da curta -metragem, a presena de uma outra mulher na vida do marido no seria tolerada pela zombie.

    16) na mitologia basca (uma das provveis fontes da lenda da dama do P de Cabra e que colaborou para a sua expanso pelo imaginrio do norte e noroeste ibricos) existiam seres fantsticos femininos chamados lmias, com a metade superior do tronco humana e ps e garras de ave, alm de uma cauda de peixe. Muito bonitas, as lmias protegiam rios e fontes, onde FRVWXPDYDPFDU SHQWHDQGRVH$ VXD LUD FRVWXPDYD UHFDLU VREUH DTXHOHTXH URXEDYDRV VHXVpeixes.

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    Partindo desta breve incurso pelo imaginrio fantstico em torno da mulher HGDVXDSHUFHomRQROPHGH9LYDVH0HOR WRUQDVH LQHYLWiYHO WUDWDUPRVGHideias de edgar Morin (1969; 1997), pesquisador que discute com muita propriedade os fenmenos ligados ao imaginrio e que consegue conect -los cultura de massas, enfatizando muitas vezes o cinema, objeto que privilegiou nas suas anlises. J no incio de Cultura de Massas no Sculo XX, ele estabelece o que chama de segunda industrializao (1969: 15) como sendo um novo PRPHQWRRGDLQGXVWULDOL]DomRGRHVStULWRQRkPELWRGDQRRVIHUDDHVIHUDGRconhecimento humano (uma terceira esfera aps a geo e a biosfera). reconhece ainda a chamada terceira cultura (a cultura de massas) como aquela que melhor representa os valores da sociedade cosmopolita por vocao e planetria por extenso (1969: 18). dentro dela que Morin vai enxergar o imaginrio, que se estrutura segundo arqutipos (1969: 29), que oferece ao homem comum HTXHWRPDGHVWHHPPRYLPHQWRGHPmRGXSODGLYHUVDVUHSUHVHQWDo}HVque vo forjar os contedos da sociedade do consumo. A cultura de massa[s] animada por esse duplo movimento do imaginrio arremedando o real e do real pegando as cores do imaginrio (1969: 39).

    1HVWDQRYDFRQFHomRGRLPDJLQiULRHPRSRVLomRPDVQmRHPDQXODomRGRLPDJLQiULRSULPLWLYRTXHDJRUDVHYrUHFRQJXUDGRHWUDQVPXWDGRHPQRYDVIRUPDV0RULQYDLORFDOL]DUPLWRVHKiELWRVGHVWHKRPHPXQLYHUVDOTXHSRUum lado, abdicou, desde h sculos, de crenas pags e, por outro, emerge numa sociedade mediatizada, a qual coloca novos deuses e astros nos pedestais do FLQHPDGDPRGDGD LPSUHQVDHQRVQRVVRVGLDVGD ,QWHUQHWHGH WXGRquanto diz respeito aos media virtuais e s redes sociais.

    A este homem curioso e audiovisual, Morin chamar de homem universal, RXKRPHPLPDJLQiULRXPanthroposXQLYHUVDOSRVWRTXHHPWRGDDSDUWHUHVSRQGHjVLPDJHQVSHODLGHQWLFDomRRXSURMHomR1HVWHhomem est o reconhecimento da universalidade e do compartilhamento dos reinos imaginrios de diversos povos. um homem pode mais facilmente participar das lendas de uma outra civilizao do que se adaptar vida desta FLYLOL]DomR,VWRYHULFDVHSRUH[HPSORGHVGHRVSULPHLURVDQRVdo cinema, em que esta nova indstria retirou do imaginrio popular elementos TXHVHWUDQVIRUPDUDPHPWHPiWLFDVUHFRUUHQWHVQDVSURGXo}HVFLQHPDWRJUiFDV

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    em outras palavras, por meio do esttico que se estabelece a relao de consumo imaginrio (1969: 81). Assim, para Morin, j no mais pelo rito xamnico, mas pela esttica do espetculo que se podem vivenciar processos psicolgicos semelhantes aos que o chamado homem primitivo de pensamento mgico experimentava ao encontrar o fantasmagrico, o sobrenatural e o IDQWiVWLFR$QDORFLQHPDpXPUHDOGRLPDJLQiULRFXMDUHLFDomRVHPSUHVHUicontnua, diferente daquela da religio. Por outras palavras, a perplexidade que paralisava o homem selvagem perante uma apario ao redor de uma fogueira SRGHVHUWUDGX]LGDJXDUGDQGRVHDVGHYLGDVSURSRUo}HVQRHQFDQWDPHQWRTXHRKRPHPLPDJLQiULRYLYHQFLDQROPHQRMRJRQDIiEXODHPVXPDHPWXGRRque passa pela imagem.

    Ainda segundo Morin: o imaginrio o alm multiforme e multidimensional de nossas vidas, e no qual se banham igualmente nossas vidas (1969: 84). aqui que nos interessa especialmente o pensamento do autor: o imaginrio libera os monstros que nos habitam, juntamente com os sonhos fericos, e capaz de criar novos mundos em que o fantstico seja a tnica dominante. no imaginrio, que, por natureza, espetral, o ser humano capaz de vivenciar tanto a projeo TXDQWR D LGHQWLFDomR QXP PRYLPHQWR GLDOpWLFR 'HQWUR GHVWD SHUVSHWLYDexorciza -se o mal que habita o mundo interno ao se apreciar um exorcismo num OPHHpWDPEpPSRVVtYHOTXHVHVLQWDUHGLPLGRDTXHOHTXHYLVOXPEUDXPDFHQDGHVDFULItFLRHH[SLDomRQXPDHVSpFLHGHFDWDUVHSXULFDGRUD

    nos media da sociedade de massas, segundo o que Morin discutiu, o homem FRPXPSRGHULDYLYHQFLDUWDQWRDGHVFDUJDTXDQWRDUHFDUJDGHSXOV}HVDJUHVVLYDVuma vez inserido nesse estado de hipnose voyeurista que o ato de se apreciar um OPH6REUHHVWHDVVXQWRHOHLGHQWLFDXPGXSORDVSHWRSRGHXPHVSHWiFXORtanto incitar quanto apaziguar o sujeito, mas nunca cur -lo da sua fria latente DQDO$FLYLOL]DomRpXPDQDSHOtFXODTXHSRGHVROLGLFDUVHe conter o fogo central, mas sem apag -lo (1969: 124). o imaginrio surge, SRU FRQVHJXLQWH UHSOHWR GH JXUDV IDQWiVWLFDVPXLWDV GDV TXDLV UHQDVFLGDV HYLYLFDGDVDSDUWLUGHDQWLJDVPLWRORJLDVGHVDDGRUDVGDPRUWHHDSWDVSDUDLUHPat mesmo alm desta. neste movimento, recalca -se um dos grandes medos do KRPHPPRGHUQRRGRHQIUHQWDPHQWRGDUHDOLGDGHGDPRUWHDQWDJRQLVWDQDmitologia da felicidade, de acordo com o entendimento contemporneo. Morin

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    enfatiza: A felicidade, leitmotiv de uma civilizao, tambm o leitmotiv da cultura de massa[s]. e se o nosso mundo real est repleto de perigos, apesar de toda a tecnologia e de toda a cincia, possvel que queiramos refugiar -nos em ORFDLVHPTXHRSHULJRQmRQRVDIHWDDSRQWRGHQRVPDWDU$QDORVPRQVWURVGRVOPHV FRQWrPSURMHo}HV H DRPHVPR WHPSR LGHQWLFDo}HV GRV VXMHLWRVsem, entretanto, os exterminar: de fa[c]to, a cultura de massa[s] apela para as GLVSRVLo}HVDIHWLYDVGHXPKRPHPLPDJLQiULRXQLYHUVDOSUy[LPRGDFULDQoDHdo arcaico, mas sempre presente no homo faber moderno (1969: 167). ela capaz de criar uma mitologia para esse novo homem, j no mais sagrada, mas profundamente profana e realista (1969: 174). l que esto as divindades do FRPSOH[RSDQWHmRODLFRTXHVHFRQVROLGRXQRVpFXOR;;HVHHVWHQGHVpFXOR;;,afora. Como disse Clia Magalhes (2003: 14): todo esse passado de oralidade povoado por monstros certamente assombraria um dia um presente direcionado pela literatura e particularmente o cinema.

    das ideias de Morin, debruamo -nos necessariamente sobre estudos do ps-KXPDQLVPRDQDOGDFXOWXUDGHPDVVDVFKHJDPRVjFXOWXUDGRVmedia, e, em seguida, cibercultura, como to bem defendeu a pesquisadora lcia santaella num dos seus mais notveis livros (2003). segundo o raciocnio da cientista, nos tempos atuais, a massa multiplica -se pela velocidade numa condio absolutamente heterognea. trata -se do mundo como o conhecemos hoje, em que comunidades virtuais, por exemplo, se organizam em redes de debates em WRUQRGHXPPHVPRWHPDFRPRDFRQWHFHXHPUHODomRDROPHGH)LOLSH0HORo qual, certamente, foi muito mais visualizado pela internet do que nas grandes telas.

    &RQVLGHUDo}HVQDLV

    se considerarmos o terror como um gnero do cinema que se fundamenta nas LPSUHVV}HVSVLFRItVLFDVTXHDREUDFDXVDQRHVSHFWDGRURXVHMDGLIHUHQWHPHQWHGHRXWURVJpQHURVSDUHFHTXHROPHGHWHUURUVHGHQHDSDUWLUGHH[SHULrQFLDVVHQVRULDLV GR VXMHLWR&DUUROO H WHQGR FRPR XP GDGR VLJQLFDWLYRo amplo nmero de pessoas que vo s salas de projeo seduzidas por estes

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    OPHVWHUtDPRVDTXLPDLVXPDFRQVWDWDomRGRTXDQWRDVH[SHULrQFLDVOLJDGDVao corpo e aos seus estatutos so notveis, em especial ao que poderamos FKDPDU GH XP ELRKRUURU ,QVHULGRV QHVWH URO RV OPHV GH zombies sero os seus mais valorosos contribuintes. o facto de o enredo de Ill See You in my Dreams no apresentar uma explicao sobre as origens dos seus zombies no tira a Miguel ngel vivas e a Filipe Melo o mrito de abrir caminho para GLYHUVDVUHH[}HVXPDYH]TXHRVVHXVPRQVWURVQmRVDHPGDVWXPEDVHYRFDGRVSRU IHLWLFHLURVKDLWLDQRVFRPRQD WUDGLomRGRVSULPHLURVOPHVGR WHPDHOHVparecem, antes, vtimas de alguma epidemia. e, mais do que isso, temos de nos lembrar que qualquer monstro traz em si sinais de advertncia que podem ser estudados como sintomas da cultura. Concordamos com Felinto, e./santaella, /1mRpDSHQDVWHUURUHUHSXJQkQFLD>R@TXHDJXUDPRQVWUXRVDSURYRFDeWDPEpPIDVFtQLRLQTXLHWDomRVREUHWXGRSHUWXUEDo}HVQRVPLVWpULRVLQVRQGiYHLVGRGHVHMRRTXH DWp FHUWRSRQWR H[SOLFDR VXFHVVRGRVOPHVHQDUUDWLYDVDVVRPEURVDV+iTXHVHLQYHVWLJDUVHPSUHSRUWUiVGDJXUDomRmonstruosa, os tortuosos caminhos do desejo humano que se manifestam, apesar do recalque que tantas vezes tenta aprision -lo na sua cela relativamente frgil.

    $ HVWD DERUGDJHP VRPDPVH DV TXHVW}HV OLJDGDV j LQGHSHQGrQFLD GRFRUSRKXPDQRHP UHODomR jPHQWHGHPDQHLUDGLYHUVDGD LGHLD URPkQWLFDda abstrao de uma mente que fosse capaz de controlar o fsico. ou seja, a fome, a defecao, a prenhez, o parto, a morte, os sintomas ansiosos e fbicos UHHWLGRV QD VLRORJLD SRGHP VHU HQWHQGLGRV FRPR D IRQWH EDVDO GH WRGD DFomRGRKRUURU IDQWiVWLFR IRQWHHVWDTXHJDQKDXPstatus jamais imaginado na nossa poca. em Ill See You in my Dreams, entretanto, agrega fortemente a esta lista o sexo na forma de SXOVmRHFXOSDRGHVHMRSHODPXOKHUPRQVWURalimentada com batatas17 foi transferido para a mulher nova e sensual, a qual, por sua vez, causa a ira da zombie rejeitada, como mencionmos. o corpo GHIRUPDGRHIUDJPHQWDGRGRPRUWRYLYRWmRPDLVYLVFHUDOHH[SRVWRSRGHFHUWDPHQWHVHUFRPSUHHQGLGRFRPRXPDWHQWDWLYDGHDERUGDUPRVPDLVXPD

    )LOLSH0HORFRPHQWRXQXPDHQWUHYLVWDTXHHVWHGHWDOKHIRLSRVWRSDUDYHULFDUDWpTXHSRQWRo pblico seria especializado e sentiria estranheza perante um zombie alimentado com vegetais. Ao mesmo tempo, entendemos que uma mulher que termina os seus dias alimentada pelas reles batatas dadas pelo marido no tem muito o que esperar dele.

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    YH]SHODOLEHUGDGHTXHRFLQHPDDVVXPHRVFRQWH~GRVSXOVLRQDLVHOLELGLQDLVh sculos reprimidos pela cultura e que insistem em se libertar, em se soltar, em se derramar por meio das imagens, como que a dizer -nos que eles existem, malgrado o desvelo com que sempre foram tratados.

    $EDQDOL]DomRGDYLROrQFLDHPOPHVGHzombies tambm apresenta relao com a crise do cinema clssico de discurso melodramtico burgus das dcadas GHHHFRPDVQRYDVEXVFDVOLJDGDVjUHSUHVHQWDomRGDVHPRo}HVSHODtecnologia. uma das vertentes foi, sem dvida, a da elaborao de um cinema mais sensacionalista, circundante extremo da pulso escpica, capaz de trocar a narrativa mais intimista pela presena de tecnologias que pudessem oferecer interatividade18HWURX[HVVHPRVDSHORVGHXPSDUTXHGHGLYHUV}HVSDUDDPDQWHVde experincias radicais. de facto, Ill See You in my Dreams tem o ritmo de um videogame e traz, de forma mais sutil, lembranas do porn horror numa das suas cenas. todavia, Miguel ngel vivas e Fili