Georgia patricia da silva centralidades antigas praia grande

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHO CENTRO DE CINCIAS SOCIAIS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM POLTICAS PBLICASGEORGIA PATRCIA DA SILVADE VOLTA PRAIA GRANDE: o velho centro com o novo discursoSO LUS-MA 2010

2. GEORGIA PATRCIA DA SILVADE VOLTA PRAIA GRANDE: o velho centro com o novo discursoTese apresentada ao Programa de PsGraduao em Polticas Pblicas da Universidade Federal do Maranho para obteno do ttulo de Doutor em Polticas Pblicas. Orientador: Prof. Dr. Srgio Figueiredo FerrettiSO LUS 2010 3. Silva, Georgia Patrcia da De volta Praia Grande: o velho centro com o novo discurso/ Georgia Patrcia da Silva. 2010 200 f. Impresso por computador (Fotocpia). Orientador: Srgio Figueiredo Ferretti. Tese (Doutorado) Universidade Federal do Maranho, Programa em Polticas Pblicas, 2010. 1. Bairro da Praia Grande So Lus MA Preservao Aspecto social 2. Patrimnio 3. Centro antigo 4. Marketing 5. Turismo I. Ttulo CDU 316.3:719 (812.1) Ficha Catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da UFMA 4. AGRADECIMENTOS Agradecer a todos os que me ajudaram a percorrer esta jornada no tarefa fcil, visto que nesta parte do processo se corre o risco de, por um mero lapso de memria, incluir alguns nomes e esquecer outros de igual importncia. Inicialmente, pensei em agradecer de maneira geral, mas decidi no faz-lo, pela impossibilidade de deixar de materializar o meu sentimento de gratido a pessoas que foram imprescindveis ao meu caminhar nesta jornada. queles que, de alguma forma, contriburam, encorajaram e me ajudaram durante esta investigao. Os meus reconhecidos e francos agradecimentos so: A Deus, fora suprema e causa primria da minha essncia e de todas as foras que contriburam para que este trabalho fosse realizado. minha me, Maria de Lourdes e ao meu padrinho, Manoel Lopes (in memorian), por suas histrias de sucesso na educao dos filhos, diante de todas as adversidades. Ao meu orientador Srgio Figueiredo Ferretti, por ter me ensinado a arte de pensar o trabalho acadmico com rigor e disciplina, sem o qual este trabalho no teria sido escrito, j que suas contribuies levaram a sucessivas revises textuais, cujas falhas que as originaram foram de minha inteira responsabilidade. Ao Paulo Barbosa, por ter sido referncia de ser humano de luta e persistncia, a qual me ensinou, principalmente, a importncia dos valores da bondade, da perseverana e da gratido. minha irm Mary, pela amizade e pelo apoio, especialmente durante os momentos difceis e de desestmulo frente aos obstculos, que no foram poucos. Desculpe-me pela ausncia nos ltimos anos. Aos meus colegas de turma, Galvani, Alberico, Marizelia, Ana Tereza, Carla, Socorro Alencar, Silvane Magali cujo apoio foi imprescindvel para que as aulas e o percurso tornassem mais interessantes. Aos professores e pesquisadores da UFMA: Ilse Gomes Silva, Josefa Batista Lopes, Flvio Farias, Valria Ferreira Santos de Almada Lima, Frederico 5. Burnett, Benjamin Alvino de Mesquita, Elizabeth Maria Beserra Coelho, Joana Aparecida de Coutinho, Jos de Ribamar S Silva, Jos Menezes Gomes, Marina Maciel Abreu, Salviana de Maria Pastor Santos Sousa, Maria Ozanira da Silva e Silva, Mundicarmo Ferretti e Jorge Luiz Alves Natal. coordenao do PGPP, em nome de Ricardo, Francinara, Edson, Izabel e outros do setor administrativo que so um exemplo de profissionais dedicados. Aos professores do ensino bsico, da graduao e do mestrado, que contriburam com seus ensinamentos para a obteno de mais um ttulo acadmico. Reconheo ter trazido comigo um pedacinho de cada um deles, como um tijolo que faz parte de uma construo. Aos profissionais do IFRR por terem me liberado das atividades acadmicas para a realizao da pesquisa. Tenho a esperana de poder retribuir, com a seriedade de meu trabalho, a confiana em mim depositada. Aos amigos de Roraima, Meire, Ananias, Vicente, Cacau e Elvira, que fiz na turma do Doutorado, que me levaram para terras alm do Maranho. Foi muito bom ter vocs no meu caminho. Aos entrevistados, em especial a Phelipe Andrs, e aos servidores do Solar dos Vasconcelos por acreditarem no estudo e colaborarem para a sua realizao. Aos Professores, membros da Banca Examinadora, por terem atendido ao convite para desempenhar este papel, dispondo de seu tempo e conhecimento para analisar este trabalho. A todos os meus alunos, os que o so e aos que j o foram, pelo empenho, dedicao e pelos afetos manifestados que deram vida a este projeto e me fizeram sentir e acreditar que vale a pena lutar e continuar a apostar nesta to gratificante caminhada, que ser professor. s amigas do Recife Simone e Letcia, pelos timos momentos de desabafo e descontrao no Recife. Sinto saudades de nossas festinhas e encontros. 6. s minhas filhas (do corao) Jane Diniz, Keilliane Garcia e Anna Paula, pelo sentimento de segurana e proteo que me inspiraram. Com elas, aprendi que nascemos para singrar os mares da vida, correr os nossos prprios riscos e viver os nossos prprios empreendimentos. minha amiga Azenate, por me ensinar constantemente que de um simples rascunho se pode obter uma grande obra. Agradeo-lhe pelo empenho em relao aos meus textos acadmicos, revisando-os com muito cuidado e responsabilidade. No saberia agradecer-lhe seno oferecendo-lhe essas linhas. Ao meu Caico, que foi um dos que mais perdeu e sofreu com as separaes que impe a realizao de uma tese. queles que de alguma forma me incentivaram no meu percurso, mas no puderam ser citados, a minha vibrao por fazerem parte da minha histria e o meu agradecimento a Deus pela existncia de todos eles. 7. Centros urbanos modernos no destroem a experincia humana. O que a destri a civilizao que adotamos. (Milton Santos Gegrafo) 8. RESUMOAnlise do bairro da Praia Grande em So Lus, Maranho, a partir do programa de preservao e de revitalizao e das estratgias de marketing que, para vender a cidade no mercado global, vem se consubstanciando num carto postal cuja referncia uma idade de ouro do perodo colonial e imperial e o certificado de patrimnio cultural da humanidade concedido pela UNESCO. Descrevem-se as paisagens urbanas no domnio, produo e disputa do espao no desenrolar das mudanas ocorridas pela transformao funcional do bairro quando foi elevado a ponto de atrao para o turismo em funo do acervo do patrimnio histrico cultural. Estuda-se o processo do uso, desuso e reutilizao do espao urbano e dos bens edificados, permeado por conflitos e interesses das classes. Evidencia-se que o bairro da Praia Grande tem enfrentando problemas principalmente de infraestrutura com a ausncia de investimentos do poder pblico, o que tem sido muito denunciado por turistas e comerciantes. Conclui-se que, ao longo do processo de revitalizao do bairro da Praia Grande, os bens culturais foram reapropriados pelo poder pblico com o discurso sobre o patrimnio edificado, fato que contribuiu para promover a cidade espetculo, ao mesmo tempo em que ofuscou o esvaziamento urbano e a racionalidade do capital sobre o centro histrico, mascarando os problemas do antigo centro urbano. Palavras-chave: Preservao. Patrimnio. Centro antigo. Marketing. Turismo. 9. ABSTRACTAnalysis of the neighborhood of Praia Grande, So Lus, Maranho, from the program of preservation and revitalization and marketing strategies for selling the city on the global market has been consolidating in a "postcard" which is a reference golden age of colonial and imperial period and the "certified" World Cultural Heritage granted by UNESCO. It describes the urban landscapes in the area, production and space race with the conduct of the changes in the functional transformation of the neighborhood when he was elevated to the point of attraction for tourism due to the collection of cultural heritage. It studies the process of the use, misuse and reuse of urban space and built items, permeated by conflicts of interests and classes. It shows that the district of Praia Grande is facing infrastructure problems, especially with the lack of public investment, which has been widely denounced by tourists and traders. It concludes that, during the process of revitalizing the neighborhood of Praia Grande, cultural goods were re-appropriated by the government in the discourse on the built heritage, a fact which helped to promote the city show at the same time that overshadowed the urban and emptying rationality on the capital's historic center, masking the problems of the old urban center.Keywords: Conservation. Heritage. Old center. Marketing. Tourism. 10. LISTA DE FIGURAS Figura 1: Vista rea do Bairro da Praia Grande Figura 2: Mapa dos bairros que compe o centro Histrico e do Anel31 64Virio Figura 3: Imagem do Palcio do Governo (Antiga Fortaleza de So Lus) Figura 4: Imagem Rampa de Desembarque de So Lus (lbum66 67Maranho 1908) Figura 5: Braso do Imprio na entrada da Feira da Praia GrandeFigura Figura 6: Evoluo/Expanso do Centro Histrico de So Lus:70 761640/1970 (sobre base cartogrfica de 2001) Figura 7: Mapas esquemticos mostrando o anel virio e as sadas do77Centro Histrico para as vrias reas de expanso urbana. Figura 8: Ponte Jos Sarney Figura 9: Avenida Colares Moreira e bairro Renascena Figura 10: Foto do Livro Renovao Urbana da Praia Urbana Figura 11: Imagens de John Gisiger e Grupo de Trabalho na 1.78 79 86 89Conveno Nacional da Praia Grande. Figura 12: Tambor de crioula na Casa das Minas113Figura 13: Mapa com demonstrao de zonas e limites de tombamento121Figura 14: Fotos de edificaes com placas e anncios de venda124Figura 15: Fotos de casarios, no centro histrico, que se transformaram125em estacionamento Figura 16: Bairro da Praia Grande, rua da Estrela com rua Portugal138Figura 17: Foto da arquitetura de So Lus postada no site do Governo142Estadual Figura 18: Hippies na Praia Grande Figura 19: Rua Portugal em dia til e em dia de feriado, respectivamente159 162 11. LISTAS DE ABREVIATURAS E SIGLAS BID -Banco Mundial BIRD - International Bank for Reconstruction and Development ( CF - Constituio Federal CODESAL - Coordenadoria de Defesa Civil de Salvador COMTEPHAP - Comisso Tcnica do Patrimnio Histrico, Artstico e Paisagstico CPTEC - Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos DPHAP-MA - Departamento do Patrimnio Histrico, Artstico e Paisagstico do Maranho DEFENDER - Defesa Civil do Patrimnio Histrico EMBRATUR - Instituto Brasileiro de Turismo ESDI - Escola Superior de Desenho Industrial do Rio de Janeiro FMI - Fundo Monetrio Internacional FNPM - Fundao Nacional Pr-Memria IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica IIC - International Institute for Conservation of Historic Objects and Works of Art IFRR - Instituto Federal de Educao, Cincia e Tecnologia de Roraima IPAC - BA - Instituto de Patrimnio Artstico e Cultural da Bahia IPHAN - Instituto do Patrimnio Histrico e Artstico Nacional MARATUR - Empresa Maranhense e Turismo MEC - Ministrio da Educao e da Cultura MinC (Ministrio da Cultura Nacional) OMT - Organizao Mundial do Turismo PCH Programa de Cidades Histricas PGPP - Programa de Ps-Graduao em Polticas Pblicas PLANTUR - Plano Nacional de Turismo 12. PNMT - Programa Nacional de Municipalizao do Turismo PREXAE - Pr-Reitoria de Extenso e Assuntos Estudantis PRODETUR/NE Programa de Ao para o Desenvolvimento do Turismo no Nordeste UFMA - Universidade Federal do Maranho UFPE - Universidade Federal do Pernambuco UKIC - United Kingdom Institute for Conservation UNESCO - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization SBPC Sociedade Brasileira para o Progresso da Cincia SEPLAN - Secretaria de Planejamento SPHAN - Servio de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional ZBM - Zona do Baixo Meretrcio 13. SUMRIO 1 INTRODUO: inquietaes sobre uma poltica de revalorizao de um de centro antigo desvalorizado151.1 Dentro (e de dentro) dos centros antigos251.2 Espao de um encontro: o pesquisador, a ferramenta e o campo281.3 No tempo e no espao: notas sobre limitaes de ordem interna e externa352. ESTRATGIA GLOBAL: a insero dos centros antigos no mercado das cidades382.1. Territrios recriados e reinventados pela poltica de preservao422.2 Gentrificao: mais uma face da poltica de revitalizao urbana502.3 O patrimnio como a fora motriz da cidade espetculo: porm, nada de novo543. BAIRRO DA PRAIA GRANDE: lembranas de um osis de centralidade643.1 Transformaes citadinas e o esvaziamento como nova condio urbana733.2 Na passarela urbana do antigo centro: o espao decadente que se tornou til para o programa de revitalizao823.2.1 Projeto Praia Grande: iluses e desiluses com os clarins da preservao843.2.2 Projeto Reviver: a legitimao de um poltico com a retrica da decadncia933.2.3 PRODETUR-MA: ricos discursos e miserveis efeitos1093.2.4 O mito da preservao com o tombamento1194. MARKETING DA PRAIA GRANDE: a espetacularizao do patrimnio1344.1 Da decadncia urbana ao carto postal da cidade1454.2 Carto postal: fotos de ontem sem as paisagens de hoje1534.3 Patrimnio Cultural da Humanidade: um selo de garantia ou uma promessa fantasiosa?1655. CONCLUSES1746. CONSIDERAES FINAIS: uma interpretao da relao entre o vivido e o vendido182REFERNCIAS189APNDICE203 14. 151 INTRODUO: inquietaes sobre uma poltica de revalorizao de um de centro antigo desvalorizado Nos ltimos anos, a preservao do patrimnio cultural ganhou espao e se destacou como assunto relevante nas cidades e nos projetos de vrios governos. Num momento em que se (re)descobre a potencialidade do patrimnio, houve um direcionamento de programas para requalificao das reas centrais antigas, nos quais esto localizados inmeros bens arquitetnicos e histricos que estavam relegados. No Brasil, j se tem vrios exemplos de projetos de revitalizao direcionados para os centros histricos, associados a processos de reestruturao urbana desde a dcada de 80 e incio de 90. As reas centrais antigas vm sofrendo ou sofreram esse tipo de interveno. Embora ocorrida em diferentes localidades, os projetos desenvolvidos so semelhantes pelo fato de destinarem recursos para os espaos de grandes potenciais tursticos, marcados no passado pelo apogeu de determinadas atividades industriais e no presente com m reputao. A prova disso que, h quatro dcadas, os antigos centros do Nordeste eram considerados cenrios de medo, da prostituio e da violncia. A caricatura desses centros antigos remetia ao estado de deteriorao, de abandono e decadncia. As intervenes realizadas, sob forma do (re) qualificao, caminham para criar a qualquer custo uma imagem que desperte o desejo. A proposta apagar, em pouco tempo, as imagens negativas que se teve no passado com a mudana funcional, ou seja, em atrao turstica. O centro antigo , sem dvida, muito importante porque dispe de recursos suficientes para impulsionar uma poltica cultural, e porque, na imediata ordem neoliberal, as suas configuraes requerem uma profunda transformao urbana e da prpria funo. Neste sentido, passa a ser alvo de mudanas, tendo seus elementos constituintes elevados categoria patrimnio, incorporados vida contempornea e convertidos em lugar-atrao, embora sejam registrados vrios 15. 16problemas em decorrncia do processo anterior de suburbanizao1, incentivada pelo poder pblico e com benefcios econmicos para o setor privado. A sada para as reas perifricas acabou incentivando a incorporao de novos territrios em direo s reas litorneas. Como consequncia disso, houve o esvaziamento dos centros das cidades, em funo do deslocamento da populao para essas reas recheadas de atrativos naturais e equipamentos oferecidos pela construo civil. A expanso da malha urbana das cidades com investimentos pblicos, ou no, contribuiu para a perda da popularidade do centro antigo. Esse movimento resultou em profundas alteraes da economia, na rea central, na medida em que a classe dominante, antiga moradora desse espao, foi morar em outras partes da cidade. A maioria dos centros tradicionais2 de cidades porturias do Nordeste, como Recife, So Lus e Salvador, tiveram sua primeira rea central, sendo o ponto de convergncia de toda a cidade, onde se localizaram, no passado, as instituies poltico administrativas, alm de um conjunto de edificaes representativo de uma poca, com uma grande densidade de servios oferecidos. Atualmente, esses centros so considerados redutos de um nmero de bens transformados em patrimnios histricos e tambm culturais. Uma caracterstica comum a ser frisada entre eles que perderam a centralidade, assim como os da maioria das grandes cidades brasileiras, que hoje, so ocupados por classes populares e tm como particularidade um certo esvaziamento urbano3. Todavia, nesses casos, essas classes habitam em1A suburbanizao apresentada como a expresso de uma nova configurao espacial decorrente do crescimento urbano da qual resulta a progressiva descentralizao espacial de atividades, agentes e funes produtivas. o Processo de crescimento das cidades para fora dos seus limites, expandindo-se a outras reas urbanas. Verifica-se a descentralizao de pessoas, indstrias e servios das reas centrais da cidade para a periferia (VZQUEZ, 1992). 2 Para Villaa (1998), o conceito de centro principal ou de centro tradicional corresponde maior aglomerao diversificada de empregos, ou a maior aglomerao de comrcio e de servios. Correspondem s antigas reas centrais que deram origens as cidades brasileiras. 3 Vazios urbanos incorporam uma multiplicidade de conceitos. Adotou-se o conceito de Borde (2003), que afirma que vazios so aqueles terrenos e edificaes localizadas em reas providas de infraestrutura que no realizam plenamente a sua funo social e econmica, seja porque esto ocupados por uma estrutura sem uso ou atividade, seja porque esto de fato desocupados, vazios. No caso da Praia Grande, vazios so referidos como espaos esvaziados e reterritorializados, ou no, pelos cidados. So vazios que incomodam, porquanto cotidianos, que estabelecem uma diferena com o seu entorno, que nos fazem pensar e rever conceitos, antever projetos, imaginar prexistncias e porvir (BORDE, 2003, p.4). 16. 17edificaes com vrios problemas, principalmente de infraestrutura e em cortios nos quais insistem em permanecer, malgrado as obras realizadas, nos ltimos anos, pelo poder pblico em prol do desenvolvimento do turismo cultural. A recorrncia da perda de centralidade dos centros tradicionais foram resultados das dinmicas e transformaes dos processos de produo e consumo das cidades, que resultaram no surgimento de outras reas urbanas. Isso ocasionou a maior oferta de habitaes e de estabelecimento de comrcios e servios que passaram a ser mais atrativos, em virtude dos constantes investimentos pblicos em prol da expanso da mancha urbana e do movimento de modernizao das atividades citadinas. Pode-se dizer tambm que a produo do esvaziamento urbano nos centros histricos4 do Nordeste teve consequncia direta do modo de expanso da cidade, e que a ociosidade do estoque edificado se deve tanto falta de instrumentos urbansticos quanto s facilidades promovidas pelo poder pblico municipal para a criao de novos centros, mediante a alterao das legislaes urbansticas, que remetem ao incentivo de edificaes verticalizadas e multifamiliares, em direo orla martima. A expanso da cidade de So Lus em direo faixa de praias acarretou profundas transformaes espaciais nas ltimas dcadas para o centro antigo5 especificamente no bairro da Praia Grande6, bairro que possui inmeros imveis que remontam poca em que o Estado do Maranho foi considerado como um dos grandes exportadores de arroz, cana, algodo e produtos txteis, tendo participao efetiva na produo econmica do Brasil. Spix e Martius (1981) chegaram a4Por centros histricos compreende-se o segmento de um acervo maior, intitulado patrimnio cultural, correspondente a reas antigas e construes de qualidade arquitetnica representativas de geraes passadas (LEMOS, 1987). 5 Adota-se como centro antigo o espao urbano que no passado se constitui como o primeiro centro da cidade. No caso de So Lus, o primeiro centro, foi o Bairro da Praia Grande, lugar de fundao da cidade e que tem sua ligao com o porto e o comrcio, e onde ainda esto edificaes consideradas importantes, as quais alocaram parcela da populao e comrcio. O termo antigo para afirmar que a regio no mais centro da cidade porque j no se constitui um ponto obrigatrio, por determinados motivos, ou seja, no h necessidade para que as pessoas para l se desloquem (VILLAA, 1998). Tudo o que centro antigo oferecia pode se atualmente encontrado em vrios subcentros, criados com o movimento expansionista da cidade. 6 Praia Grande o nome de um bairro da capital do estado do Maranho. Localiza-se em seu centro histrico, o qual possui um conjunto arquitetnico colonial (barroco portugus) inscrito como Patrimnio Cultural da Humanidade na UNESCO. 17. 18considerar So Lus a quarta cidade7 mais importante do imprio brasileiro, ao lado do Rio de Janeiro, Salvador e Recife, em 1835. De acordo com Lopes (2008), foi a partir da poltica de integrao nacional do governo de Getlio Vargas, na dcada de 1940, quando o sistema de distribuio de mercadorias foi reorganizado com nfase no transporte rodovirio principalmente os do sudeste do pas, que o Maranho passou por transformaes na qual o centro tradicional da capital perdesse flego em funo da mudana dos vetores de crescimento econmico do Estado. Com a perda de vitalidade econmica, houve o esvaziamento gradativo que teve como consequncia o abandono das edificaes residenciais e depois comerciais pelos proprietrios dos imveis. No mbito geral, a ampliao e criao de novos polos comerciais e residenciais em outras reas da cidade, ligados s atividades de gesto da economia globalizada, foram constitudos novos centros e subcentros. Se for acrescentado a isso o papel cada vez mais importante do capital imobilirio no processo geral de reproduo do capital, a crescente competio entre os lugares no processo de atrao de investimentos e de moradia da populao fez com que os antigos centros perdessem centralidade, tornando-se um tanto quanto esvaziados e, segundo Villaa (1998, p. 283), tambm ideologicamente taxado de decadente. Em relao decadncia dos espaos urbanos centrais, esse autor (1998) afirma que: Na dcada de 1980, os centros principais j estavam quase totalmente tomados pelas camadas populares. Aquilo a que se chama ideologicamente de decadncia do centro to somente sua tomada pelas camadas populares, justamente sua tomada pela maioria da populao (VILLAA, 1998, p. 283).Foi sob a identificao do quadro de abandono e arruinamento dos centros antigos ao redor do mundo que se proliferaram inmeros projetos para reverter essa feio, considerada decadente e imprpria. E j que essa configurao fazia parte de vrias cidades, gegrafos, historiadores, socilogos, antroplogos, arquitetos, urbanistas,entreoutrosprofissionais, passaramasedebruar sobre atransformao da rea tradicional das cidades. E uma das solues para a situao encontrada consistia na mudana funcional desse espao urbano que, em muitos casos, mesmo estando ocupado fora apresentado como abandonado.7Spix e Martius (1981) relatavam sobre So Lus do Maranho a qual merecia a vista por sua populao e riqueza, o quarto lugar entre as cidades brasileiras. 18. 19Considerando as particularidades das cidades, identificou-se que o projeto que mais se tornou recorrente para tal reverso, utilizado especialmente pelo poder pblico, incidiu no desdobramento dos propalados programas de revitalizao, acompanhados pesadamente pelo discurso da urgncia de proteger a cultura e resgatar a histria nos efeitos de um presente com um passado que deveria ser tombado8 e preservado. Desse modo, os centros antigos foram sendo paulatinamente (re) ocupados e refuncionalizados9, seja por fora de instrumentos legais e por novas estratgias mercadolgicas e, em menor escala por iniciativas que resolvessem os problemas de precariedade das estruturas fsicas, de subutilizao arquitetnica, de falta de empregos e pobreza recorrentes. No difcil de afirmar que a precariedade nos centros antigos se deu muitas vezes por vontades polticas e interesses econmicos, e que ainda insistem em manter a poltica do desprovimento de instrumentos urbansticos, os processos de esvaziamento funcional, a degradao fsica do tecido urbano, embora isso seja camuflado pela revitalizao esttica que disfara os problemas do tecido urbano e refora as formas que servem de palco s novas funes, principalmente do turismo cultural, criando paisagens para transformar o lugar. A inquietao da pesquisa aponta para a reflexo sobre o fenmeno de revalorizao dos centros histricos com seus espaos vazios e tambm acusados de decadentes; suas causas e consequncias frente dinmica de produo do espao urbano. A partir de estratgias, esses espaos foram apropriados e, ao mesmo tempo, valorizados por suas possibilidades produtivas e por suas funes dentro do sistema econmico. Essa valorizao transformou-os em mercadorias com valor de uso e valor de troca.8O tombamento de um bem de acordo com normas legais equivale a registrar no livro do tombo, no intuito de proteger, controlar e guardar. A Constituio do Brasil determina a proteo do Patrimnio Cultural Brasileiro, cujo embasamento o Decreto-Lei n 25, de 30 de novembro de 1937. O tombamento, tambm chamado tombo, ser mais abordado no segundo captulo deste trabalho. 9 Segundo Evaso (1999, p. 35): refuncionalizar , como a palavra j diz, alterar a funo de determinada coisa, e s. No atrela, de modo algum, a mudana de funo com intervenes na constituio fsica do elemento do sistema material, mas atribui a esse elemento um novo valor de uso, que a essncia de uma refuncionalizao. De acordo com Evaso (1999, p. 39) [...] a refuncionalizao tambm incide de modo a demandar novos objetos, incluindo novas formas paisagem, por vezes, alterando-a substancialmente. Desse modo, novos objetos so criados visando s novas demandas de uso. 19. 20Quando oparadigma do planejamentourbanocontemporneoveiopaulatinamente substituindo a poca do planejamento urbano tradicional nas dcadas de 1980 e 1990 no Brasil, proliferou um leque de processos de recuperao de reas urbanas degradadas em nome da preservao da memria arquitetnica. Alm de se transformarem em mercadorias, os espaos centrais antigos, no processo de produo, so tambm objetos e meios de trabalho que, ao mesmo tempo em que possuem valor, tambm agrega novas valorizaes aos seus componentes. Este trabalho analisa o processo de interveno do poder pblico sobre o centro antigo da cidade de So Lus (MA) e sua pertinncia enquanto projeto de revitalizao e preservao do patrimnio cultural, com relao revalorizao10 desse espao urbano. Procura relacionar o desenvolvimento da mancha urbana da cidade com a perda de centralidade de um espao dotado de equipamentos urbansticos e aponta como, em um dado momento histrico, algumas prticas discursivas e formas de uso do espao urbano legitimaram a adoo do modelo preservacionista sob esse mesmo espao. Em termos objetivos, o poder pblico de So Lus, desde a dcada de 1970, se props a melhorar a infraestrutura necessria refuncionalizao turstica do centro antigo e, assim, criou o Programa de Preservao do Centro Histrico. Alm disso, incentivou o aumento da transformao de bens em patrimnio cultural, o que ajudou a justificar a implementao da poltica de preservao11 da cultura mediante o reconhecimento da consagrao de personagens, histrias, imveis, festividades e outros elementos como referncias do lugar. Para tanto, essa consagrao se deu mediante estratgias de marketing que despertam a necessidade de cuidar e vender esses bens transformados em patrimnio e, para alm de suas funes imediatas, acabaram conferindo-lhe um10Adota-se como valorizao do espao as transformaes e produes histricosociais ocorridas no espao, ou seja, o modo de produo capitalista incorporada ao espao urbano em seu processo de produo, agregando diferentes valores. Neste sentido, os centros antigos passaram ento a ser apropriados e incorporados pelo processo produtivo, valorizado por suas formas, funcionalidades e possibilidade de acmulo de capital (MORAES, 2000). 11 Reconhece-se que os termos revitalizao, requalificao, renovao e reabilitao tm sentidos diferenciados no urbanismo. Neste trabalho sero utilizados como sinnimos para indicar aes sobre contextos existentes, construdos e consolidados que pretendem dar uma nova funo e forma a arquiteturas em contextos urbanos de valor histrico. (SCHICCH, 2005) 20. 21valor excepcional para a identificao e afirmao de valores precpuos nas polticas de posicionamento12 das cidades. Esse processo de interveno urbanstica e simblica visto aqui como uma das etapas que o poder pblico, principalmente, promove para a concretizao da demanda pelos bens culturais e valorizao desse espao. O que chamou ateno que o bairro da Praia Grande foi historicamente ocupado por empresas diversas que se valeram das atividades porturias e que sculos depois foi ocupado por classes populares, com os denominados cortios. Nesse caso, essa ocupao do solo urbano, indesejvel aos olhos da classe dominante, foi configurada nos meios de comunicao como espao urbano decadente e imprprio. Esse espao, relegado e desvalorizado tambm pelo poder pblico, que at ento no tinha uma histria que deveria ser lembrada, transformou-se em mercadoria atrativa. Na dcada de 1990, tornou-se um cartopostal da cidade, com a obteno do certificado da UNESCO de patrimnio cultural da humanidade. Nessa perspectiva, o processo de revalorizao do centro antigo assumiu as caractersticas de produo de um espao transformado em mercadoria, pensado e produzido como espetculo, metamorfoseado para no parecer como tal, a fim de atraircompradoresecapitalmedianteosinteressesquelegitimameconsubstanciam aes tcnicas e polticas no espao urbano. Adota-se como premissa que o processo de revalorizao do centro antigo qualificado pela estetizao13 do patrimnio cultural e pelo discurso cujo contedo a necessidade de preservar o acervo edificado, para que o espao retome sua importncia e venha a adquirir uma imagem de limpo, belo e seguro, onde se privilegia a cenarizao cada vez mais falseada e menos pura, pelo fato de agregar formas e estilos que dissolvem as fronteiras das representaes socioculturais (LUCHIARI, 2002).12O posicionamento em Administrao de Marketing consiste na criao de uma posio ou imagem na mente do consumidor que seja diferenciada em relao aos produtos oferecidos pela concorrncia (DIAS, 2003, p. 104). 13 Ao analisar a manifestao sensvel da mercadoria, Haug (1997) aborda seu aspecto esttico, pois por meio dele que ocorre a fascinao, a seduo do indivduo, mediante os sentidos. Assim, as formas estticas, ao atingirem as sensaes humanas, causam fascinao e iluso, uma vez que ofeream a satisfao buscada pela sua subjetividade (HAUG,1997). 21. 22No Brasil, sob o pretexto da revitalizao dos centros histricos, gasta-se uma quantidade enorme de recursos na realizao de projetos, dos quais poucos estudiosos se preocupam em verificar a eficcia de seus objetivos quando levados prtica. comum saber que planos so objetos idealizveis, contudo, geralmente na implementao no acontecem da maneira como foram projetados, em virtude de serem concretizaes de interesses que se materializam em momentos histricos e se desdobram em conflitos que se armam e desarmam no tempo. Embora no venha a fazer uma avaliao de impacto de nenhum programa, procura-se saber quais so as razes e consequncias de determinadas aes de revalorizao do bairro da Praia Grande. Esse bairro vem recebendo uma ateno especial de tcnicos e de uma gama variada de intervenes do poder pblico. Nos documentos oficiais, desde a dcada de 1970, registrada uma necessidade premente de proteger a cultura e resgatar a histria e dinamizar economicamente o antigo centro com o programa de preservao e revitalizao. A anlise recai justamente sobre a validade e a extenso da prtica e do discurso, fartamente veiculadas na mdia e no debate poltico. E estes discursos, obviamente, vo encerrando uma viso de mundo, de intenes, de ao e um sistema de valores. Eles habitam o terreno da legitimao poltica para a execuo dos projetos, e para isto passam a ser veiculados junto sociedade civil, por diversos meios. Sem se restringir particularidade de So Lus, a implantao dos programas de revitalizao reflete em sua plenitude inmeras mudanas quando so orientados sob os novos padres de competitividade adotados pelas cidades e tem como consequncia a contnua incorporao de servios modernos sob os edifcios antigos. De fato, tanto a organizao social como a espacial refletem a atuao do poder pblico em conciliar o ritmo da valorizao dos depsitos de bens culturais e mant-los mediante a sua (re) integrao a vrios setores e interesses do sistema capitalista. A preocupao central analisar qual a pertinncia deste projeto de interveno sobre o antigo centro da cidade de So Lus em operar, efetivamente, a tal revitalizao e preservao cultural, nos moldes que so defendidos pelos seus 22. 23agentes produtores, principalmente pelo poder pblico, e compreender como essas intervenes alteraram a configurao do centro tradicional de So Lus. Na maioria das vezes, os resultados das intervenes nos centros antigos so apresentados como fatos que s tm lado positivo, j que o movimento que seleciona a memria oficial, escolhida por governos, instituies e entidades no governamentais, empresrios ligados ao setor de turismo e parte das populaes consegue refratar, pelo campo ideolgico, os efeitos perversos do culto ao patrimnio, o que faz urgente interrogar o seu sentido a fim de desvelar o seu real significado. de se notar, portanto, a necessidade de avaliar muito mais a atuao do poder pblico na Praia Grande no que tange sua interveno nas mais diversificadas esferas, na medida em que tem a seu cargo a orientao e definio de metas que planificam e controlam o uso do solo. O intuito no recai no sentido de denunci-la, mas no de entender o processo de desenvolvimento urbano mediante a aplicao de estratgias que do visibilidade aos patrimnios culturais, no mercado nacional e internacional. Observar as formas de atuao do poder pblico no bairro da Praia Grande, e o modo como o programa se desdobrou sob o discurso de preservar a cultura e ao mesmo tempo ampliar as atividades produtivas, equivaleria a atestar a validade de algumas teorias que voltaram a determinar que esses espaos, por consequncia, seriam destinados aos consumidores de lazer e entretenimento com formas e contedos exigidos nos dias atuais pela sociedade de consumo. O trabalho justifica-se pela compreenso da dinmica urbana desse antigo centro e que, via de regra, foi um espao escolhido seguindo o movimento de volta cidade14. A ideologia15 criada em torno desse movimento reveladora das foras14A expresso de volta cidade foi utilizada por Catherine Bidou-Zachariase (2006), para apresentar os efeitos das intervenes de requalificao em centros antigos e desvalorizados de grandes cidades do mundo. 15 Toma-se o conceito do livro O Poder da Ideologia de Mszros (2004), para discutir o papel no processo de ajustamentos estruturais e quais os recursos utilizados na manuteno das condies de dominao pelas classes dominantes. O momento que se vive com os inmeros programas de revitalizao, revela a fora da ideologia, que mantm e fortalece os interesses das classes dominantes, que atualmente toma forma via as ideias imperativas do neoliberalismo. Estas idias so veiculadas principalmente pelo marketing, na tentativa de criar uma conscincia sobre o patrimnio, como identidade e verdade nicas. Com a ideologia dominante, tem-se pregado o valor da cultura, 23. 24empenhadas de uma socializao realizada de cima para baixo que consolidou o contedo social, histrico, poltico, econmico e cultural na produo do espao. E a preservao do patrimnio apareceu como soluo para os problemas sociais. Nesta perspectiva, toma-se como pressuposto que a exaltao do patrimnio mediante os programas de preservao so expresses distintivas e apresentada com via de desenvolvimento da atividade turstica com promessa de gerao de empregos e de crescimento econmico local, porque contam com um aparato racional pautado na eficincia e assentado na competitividade estabelecida pelas cidades, com padres impostos. Contudo, o desvelamento do seu uso sob a sacralizao da cidade ainda no foi analisado com a acuidade necessria, no caso do bairro da Praia Grande. Infelizmente, os pontos crticos dessa estetizao do patrimnio e sua consequente transformao em mercadoria e atrativo turstico so dados que se restringem mais academia e pouco sociedade civil. Na verdade, isso no impede que as prticas sociais que conduzem criao de patrimnios iluminados por smbolos e congelados por uma imagem harmnica e perfeita comecem a ser desveladas sob uma perspectiva crtica e passem a incitar o questionamento da manipulao contaminadora e cambiante de imagens, que tentam caracterizar uma nova roupagem para os problemas do antigo centro. Certamente, no escopo deste trabalho no se esgotam todas as possibilidade de responder a essas questes. Mas, afirma-se que foram linhas norteadoras, que serviram como ponto de partida, de guia para as reflexes que se seguem. Mesmo sem nenhuma pretenso, acredita-se que as concluses abrem caminho para pesquisas mais sistemticas sobre o assunto e levantam algumas questes consideradas relevantes no campo da poltica pblica, do urbanismo e da administrao, campos estes profundamente imbricados. necessrio ressaltar que este trabalho tem mais influncia da formao acadmica da autora em Administrao e Poltica Pblica, o que acaboudos resqucios do passado, da tradio engrossando a alienao. Isso tem gerado crescentes volumes recursos gastos nos centros histricos sem dar condies para as pessoas que mais precisam e ainda abolem os direitos sociais conquistados no passado. Acredita-se que a conscincia de classe tenha sido enfraquecida, com a conseqente alienao pela defesa do patrimnio. 24. 25repercutindo na escolha do referencial, do material emprico, do tratamento dos dados, da construo do texto e talvez, cometendo algum equvoco quando se adentrou as demais na rea do Urbanismo. Partindo desta considerao, frisa-se que, desta ou daquela forma, luz do conhecimento, pensou-se a prtica, e foi nessa prtica que se conheceu melhor [interpretou] uma realidade concreta, a qual se pretende descrever nos prximos captulos.1.1 Dentro (e de dentro) dos centros antigos Dentre as inmeras razes para se elaborar um trabalho de cunho acadmico, vale destacar que a motivao pessoal desta pesquisadora se deu por amor cidade de So Lus do Maranho, fato este que colaborou para que se detivesse com maior prazer sobre livros e insero na pesquisa de campo. Trata-se de um sentimento nutrido por esta terra que tem tambm grande significado profissional. Mesmo morando numa rea adjacente do centro antigo do Recife e sendo turista assdua do Pelourinho, em Salvador, a vivncia no centro histrico em So Lus foi determinante para enveredar os estudos sobre as metamorfoses dos centros histricos com seus vrios patrimnios. A vivncia da autora no centro de So Lus comeou com a compra de um imvel na Rua do Giz, zona do baixo meretrcio (ZBM), em um momento de influncia por alguns simbolismos ligados ao patrimnio, que hoje no so vistos como meras coincidncias, porque so conhecidos como produtos das cidades globalizadas que competem entre si por capitais. O patrimnio arquitetnico situado nesse lugar se caracteriza por construes de raiz europeia da poca colonial, um esplio arquitetnico que representa a riqueza de um momento historicamente determinado. Durante permanncia de quatro anos, no Maranho manteve-se a curiosidade de conhecer lugares novos: os Lenis Maranhenses, em Barreirinhas, Raposa, So Jos do Ribamar, Morros, Alcntara, Imperatriz, Carolina. Foram muitas as viagens realizadas, mas quando se estava na cidade de So Lus, o centro histrico era o reduto mais importante. No bairro da Praia Grande, foram 25. 26horas conversando, rindo, bebendo e danando, frequentando bares e quiosques da Casa das Tulhas e adjacncias. Nessas andanas pelo centro histrico da cidade, comeou-se a olhar com mais ateno tudo o que podia ser visto: prdios, fachadas, telhados, portas, janelas, cartazes pregados nas paredes, buracos nas caladas e, sobretudo, as pessoas. Ali, pde-se ver que muitos imveis, mesmo tombados, estavam abandonados, o que gerou maior inquietao desta pesquisadora. De um lado, o poder pblico intervinha com urgncia, tomando providncias, com prioridade na esfera do patrimnio histrico; de outro, os prdios perduravam vazios, contribuindo para que, com o passar do tempo, voltassem a ser runas da cidade. As leituras do doutorado e a aproximao com alguns professores levaram a questionar que aquela imagem no era a de Patrimnio Cultural da Humanidade, que tinha sido construda pelas estratgias miditicas e absorvidas no s por esta autora, mas tambm por muitas outras pessoas. A imerso do tema e a comparao com outras realidades de centros antigos revitalizados, nacionais e internacionais, solicitavam, mais do que nunca, o dilogo, o confronto entre o pblico (moradores e espectadores), espao (paisagem natural e criada) e de um dado tempo (passado e presente), em uma realidade concreta (Praia Grande). No obstante, o centro histrico passou a ser visto de forma muito diferente, principalmente da que era propagada na mdia. A aparncia de ter uma vida harmnica no transmitia a essncia de espao de desigualdades sociais. Neste tempo, foram diagnosticados os seguintes problemas: inmeros espaos vazios e inutilizados, m conservao dos prdios, infraestrutura precria, e classes populares com excessivas limitaes dos direitos fundamentais. O que mexeu o tambm com a pesquisadora foi o nmero de pessoas que chegavam pedindo comida, dinheiro e roupas, coisas que no estava acostumada a vivenciar to prximo e nem to constantemente. Foi vivendo em uma das partes marginalizadas do centro histrico, que foi possvel entender a diferenciao entre os pedaos que compunham a malha urbana tombada. Em um destes fragmentos espaciais pde-se conviver com quem sofre na pele o processo de criminalizao da pobreza e por morar na zona do baixo 26. 27meretrcio. Um fato que tambm que chama ateno tambm que nesse centro vrios indivduos caram vtimas da violncia ligada s drogas16. A discriminao do lugar, no vinha por este motivo. Quando as pessoas sabiam do imvel desta autora no centro histrico havia, de maneira incisiva, o olhar preconceituoso por morar perto das casas das madames17. Algumas situaes chegavam a ser cmicas, embora fossem um tanto quanto desconfortveis. De um lado, havia um grande repdio com gestos e palavras que rotulavam o centro como lugar intransitvel, violento e imprprio. Por outro, uma minoria, geralmente de pessoas de fora da cidade, aprovavam a iniciativa, ressaltando o glamour de morar em um espao caracterizado como Patrimnio Cultural da Humanidade. Apesar da dimenso fsica do centro histrico, a escolha do bairro da Praia Grande no se deu apenas por ser ele palco e reduto de diverso, de momentos de boemia, de estudos, de convivncia com prostitutas, trabalhadores informais, hippies, ladres, em suma, os segregados pela cidade, que circulavam por l de forma contumaz, mas porque ele se tornou carto postal da cidade com a poltica cultural que teve entre seus objetivos a atrao de financiamentos internacionais com a obteno do ttulo de Patrimnio Cultural da Humanidade concedido pela UNESCO. Alm disso, o bairro da Praia Grande foi o principal alvo do Programa de Revitalizao dos quais foram contempladas aes de saneamento e melhoria de infraestrutura, concomitantemente houve a emergncia e consolidao de um discurso hegemnico, baseado na construo social de uma imagem urbana homognea direcionada ao turismo. As fases de formulao e implementao de Programa de Preservao e Revitalizao Urbana, a partir dos anos 70, soaram como uma estratgia de (re)apropriao do espao devido explorao de elementos simblicos, estticos, sociais e culturais, com implicaes na composio urbana.16O consumo e a venda de drogas no centro histrico so matrias de pouca visibilidade uma vez que o foco vem sendo voltado para o patrimnio cultural. No entanto, um problema que deveria ser enfrentado, visto que os novos e crescentes casos de viciados esto trazendo problemas de segurana para a regio e no podem mais ser ignorados. 17 Eram donas de bordis, uma espcie de prolongamento do lar, onde gravitavam pais de famlias, bomios, poetas, artistas, escritores, polticos e tantos outros. O bordeis tinham como caractersticas mulheres espera do fregus, sendo vigiadas pelas madames. (REIS, 2002). 27. 28Para constatar essas implicaes na Praia Grande, basta caminhar pelas ruas da Estrela ou Portugal, que tiveram edificaes tombadas pelo IPHAN. Houve reformas de centenas de imveis, (casares, teatros, escadarias, praas e logradouros), o que proporcionou a abertura de vrios bares, restaurantes, hotis, pousadas, lojas, estimulada pelo poder pblico. Entretanto, essa dinamizao em volta do patrimnio no conseguiu apagar os problemas que afetam esta rea, em especial, o das classes populares, que ainda so estigmatizadas. Bidou-Zachariasen (2006) comenta que, em face do atual debate da preservao dos centros histricos no Brasil e no mundo, tem se tornado cada vez mais necessria a investigao das intervenes concretas, visto que elas podem contribuir de forma significativa para avaliar as similaridades e diferenciaes dos resultados. Se as diferenas entre cidades latino-americanas so enormes, quando consideramos seus processos de formao, de expanso, insero na economia mundial, distribuio da renda, estratgias de sobrevivncia dos pobres, o que dizer do que nos diferencia do conjunto das cidades europias estudadas, sem falar de Nova Iorque! Poderamos ento nos perguntar: em que as experincias de cidades to diferentes poderiam interessar aos brasileiros? Me parece que h algumas semelhanas no que se refere aos processos dos centros, mas principalmente muitos aspectos comuns nas propostas e discursos para sua transformao. E isto traz aspectos a refletir para (re)construir nossos projetos ou nossas crticas aos programas de reabilitao que hoje aparecem na ordem do dia em vrias cidades. (BIDOU-ZACHARIASEN, 2006, p.12)Neste sentido, pretende-se que os resultados obtidos na pesquisa, embora no generalizveis, estimulem novas discusses e questionamentos importantes para entender melhor a apropriao deste centro antigo em face dos inmeros programas de requalificao urbana. E, contribuam efetivamente com a produo de conhecimento e na elaborao de polticas pblicas direcionadas para a (re) utilizao de espaos vazios e considerados decadentes, ou seja dos centros antigos.1.2 Espao de um encontro: o pesquisador, a ferramenta e o campo O trabalho apresenta uma anlise do processo de interveno do poder pblico sobre o centro antigo da cidade de So Lus, mediante a incurso das polticas de preservao, suscitados desde a dcada de 1970, mas efetivados na 28. 29dcada de 1980. Para tanto, foi feita uma pesquisa bibliogrfica para levantar as perspectivas sobre as polticas direcionadas para centros histricos que se encontram com vrias edificaes sem uso, subutilizadas ou ociosas e quando no esto ocupadas pelas classes populares. Consequentemente, tomou-se como ponto de partida a perspectiva crtica desse movimento de volta cidade (Bidou-Zachariasen, 2006) que se irradiou a vrias partes do mundo. Com a reviso da literatura, apreendeu-se pelas obras de autores como Santos (1977) e Singer (1979) como se d o processo de valorizao e disputa do solo urbano; e pelas publicaes de Arantes (2007), como o discurso ideolgico esconde o nus do processo de (re)urbanizao dos centros antigos quando h uma super-proteo do patrimnio edificado. A configurao dos centros antigos est diretamente ligada atuao do poder pblico que permite o desencadeamento de configuraes urbanas em escalas mais amplas, que ocasionam mudanas estruturais nos espaos, afetando as diversas formas de viver e conviver da cidade e, com os investimentos realizados na expanso da malha urbana, criaram os espaos vazios, quando as classes dominantes se deslocaram para outras reas, levando consigo boa parte do aparato comercial e administrativo. De acordo com Villaa (1998), os antigos centros comearam a perder uma de suas principais caractersticas, ou seja, o local de moradia das classes dominantes. esse deslocamento, entretanto, s foi possvel porque houve um Estado e uma economia que produziram mecanismos que estimularam para os novos bairros as escolas dessas classes, seus shoppings e at o centro da cidade (VILLAA, 1998, p. 244). Convm afirmar que esse deslocamento ocasionou dficits nos antigos centros em aspectos civis, sociais e econmicos e continuaram amplos nos anos 90 e incio do sculo XXI. So inmeras formas de vulnerabilidade no que diz respeito falta de emprego, aos servios de saneamento, ocupao das classes populares, o que rendeu o rtulo da decadncia urbana. A forte inclinao neoliberal, nas dcadas de 80 e 90 foi dando novos direcionamentos s cidades quanto ao fortalecimento das atividades tursticas. A 29. 30Organizao Mundial do Turismo (OMT) preconizou uma participao crescente da iniciativa privada na conduo e execuo de funes e um processo de autoregulamentao para o desenvolvimento do turismo, e o Banco Mundial (BID) e o Fundo Monetrio Internacional (FMI) incentivaram e pressionaram os governos de pases em desenvolvimento a privatizar empresas e a adotar economias voltadas ao mercado (BENI, 2001), para viabilizar o emprstimo do capital transnacional. medida que esse capital se apontou disponvel, os centros histricos ganharam importncia, em funo de seus elementos constitutivos. Assim, multiplicam-se os projetos para dinamizao de atividades setoriais. De um lado, o estoque edificado eleito como elemento que pode dar condies ao crescimento econmico da regio pelo turismo; enquanto, de outro, os efeitos favorveis, do ponto de vista social, eram enaltecidos porque prometiam melhorar as condies das classes populares com a gerao de emprego e renda. Desse modo, as transformaes ocorridas no centro antigo ao longo de sua histria, isto , o processo que levou a uma mudana de paradigma no que tange ocupao das diferentes classes sociais e sua face mediante a expanso da cidade como um todo, tem acarretado desdobramentos. Dentre tais mudanas, identificamse os processos de esvaziamento, decadncia e deteriorao urbana, os atuais processos de requalificao urbana, que tm sido apresentados pelo poder pblico, nas ltimas dcadas, como salvao da regio. Independentemente da razo, maior ou menor que possa assistir o comportamento acrtico em relao s prticas de preservao e revitalizao, o que parece fundamental que haja discusses que possam ser confrontadas com o carter funcionalista-positivista das intervenes urbanas, praticamente rodeadas de nmeros generosos que tentam convencer que a reabilitao do antigo centro traz inmeros benefcios, dentre eles o aumento de renda da populao local devido ao turismo, fato este que ilusrio em muitas cidades. Quando se fala de reabilitao, tem-se a ideia de um plano com a disposio de conjunto de instrumentos e dispositivos de natureza financeira, que possam permitir os incentivos necessrios interveno concreta, mas que suportem e mantenham as obras realizadas. Esse plano, quando implementado, altera a dinmica social, econmica, poltica e cultural em maior ou menor grau, fazendo-se 30. 31necessrio que a gesto do espao atue de forma efetiva no ordenamento e na mobilidade urbana. Como resultado da reflexo sobre essa temtica, este trabalho apresenta o bairro da Praia Grande como recorte espacial, a fim de discutir os desdobramentos, envolvendo a preservao do patrimnio histrico-cultural, sobretudo no que diz respeito s diferenas entre o que propalado e suas realizaes concretas. Cumpre ressaltar, novamente que o objetivo deste trabalho no ser o de avaliar o impacto da poltica de preservao, mas incitar a interveno do poder pblico sobre o centro antigo.Figura 1: Vista rea do Bairro da Praia Grande Fonte: Santo e Marcelo (2006)Para analisar a Praia Grande, foi necessrio recorrer ao tempo, ao espao e s suas tessituras territoriais. Por isso, no se buscou cortes rgidos do tempo, tampouco a determinao de perodos fatiados a partir de uma tica racional ou somente das relaes sociais. Para a sua compreenso, foram considerados a materialidade e o dinamismo do territrio, que registra uma complexidade de fatos (sociais, culturais, polticos e econmicos) relacionados ao espao em diferentes tempos. 31. 32Para adquirir o conhecimento da dinmica do espao, levou-se em considerao a reconstruo dos acontecimentos histricos, ou seja, desde a trajetria das atividades iniciais do programa de revitalizao at outras formas de uso, como o incentivo do turismo no mbito local, alm dos aspectos de uso poltico da cultura. Como o programa foi oficialmente lanado em 1979, entendeu-se como necessrio traar um perodo de aproximadamente trinta anos para detectar as transformaes ocorridas no espao, investigando os relacionamentos emergentes entre a dinmica da cidade e a reestruturao do tecido urbano. Como o centro antigo de So Lus, semelhantemente a outros centros revitalizados, adquiriu uma forte carga simblica, acompanhado inmeros adjetivos massificados pelas estratgias de divulgao tudo para envolver os indivduos emocionalmente. Passou a representar a identidade da cidade, tornando-se, em tese, o lugar peculiar da sua cultura e memria, percebe-se um esforo do poder pblico e outras instituies dominantes (ZUKIN, 2000) para congelar prticas e processos materiais de reproduo da vida social em uma espcie de carto-postal, retrato organizado, visualmente estetizando os bens culturais transformados em patrimnio. No apenas em So Lus, mas em muitas outras cidades, o patrimnio cultural desempenha um papel simblico. Pode representar a histria e o fato que deve e quer ser lembrado. Considera-se que essas representaes simblicas lhes reduzem excluso, j que os valores que ele representa e encarna so privilegiados pelo sistema capitalista que os fomenta e que os valoriza. Essas representaes simblicas sustentam e legitimam a indstria cultural. Segundo Adorno, na indstria cultural tudo se transforma em negcio, enquanto negcios sem fins comerciais so realizados por meio de sistemtica e programada explorao de bens considerados culturais (ADORNO e HORKHEIMER, 1986). No mbito da nova dinmica da acumulao capitalista que submete diretamente o Estado a favor do mercado, o patrimnio atrelado estetizao (HAUG, 1997) foi reduzido forma de mercadoria, e sob o apelo da beleza vem despertando o desejo de sua compra-consumo. Para aumentar as vendas, o 32. 33marketing18 se tornou um instrumento importante, no somente porque cria a marca do lugar, mas para a produo permanente de despertar o desejo, com o ato sofisticado de embelezar, criar e recriar continuamente um sistema de atrativos. As formas de produo e reproduo desses atrativos criados pelo marketing tambm se tornaram foco do trabalho pela construo de modo mais explcito, considerando o papel do simulacro. Para isso, recorreu-se ao trabalho de Debord (1997) e a Sanches (2003) para a discusso da forma espetculo que revela a prtica de representaes da cidade no cenrio mundial. Debord (1997) formula que o ser humano produz cultura para o seu prprio consumo e faz dessa interlocuo a validade sobre a informao que recebe. Alm disso, deixa de observar a realidade e passa a acreditar na mediao, fato que o torna um mero espectador, alienado por contemplar e consumir passivamente as imagens de tudo o que lhe falta em sua existncia, em um processo de empobrecimento, submisso e negao da vida real. O consumo torna-se um dever suplementar produo alienada, e isto faz com que o homem aceite e entre na lgica dos valores pr-estabelecidos do capitalismo. Para o desenvolvimento do estudo aqui apresentado, foi utilizado o mtodo qualitativo de pesquisa, em que se privilegiou como tcnica de coleta de dados a entrevista e conversas informais com pessoas e grupos que conhecem o bairro Praia Grande. As entrevistas foram de carter semiestruturado, para a identificao de elementos, fatores e aes registradas em documentos, bem como justificativas e percepes dos envolvidos direta e indiretamente com o Programa de Revitalizao do Centro Histrico. Para a anlise dos dados procurou-se, na medida do possvel, estabelecer articulaes entre as informaes coletadas pela pesquisadora por meio das entrevistas e o referencial terico do estudo, respondendo assim s questes da investigao, com base nos objetivos. A fim de manter a identificao dos entrevistados sob sigilo, os nomes deles foram omitidos e postos apenas a funo exercida nas organizaes em que18Avaliando todo o contexto de consumismo na sociedade atual, o marketing torna-se elemento indissocivel, sendo sua atuao fundamental para o funcionamento da engrenagem consumista. Mesmo, reconhecendo as diferenas conceituais, toma-se a palavra publicidade, propaganda, mdia e marketing como a forma de tornar algo pblico, conhecido e desejvel para a sociedade de consumo. 33. 34trabalham, ou as atividades que exercem no momento. O total perfaz aproximadamente dezoito (18) pessoas que conhecem, vivem, moram e perambulam no Centro Histrico, principalmente no Bairro da Praia Grande, excludas as que no autorizaram a utilizao dos dados antes, durante ou aps o trmino da coleta do material de pesquisa. Foram analisadas ainda peas publicitrias presentes nos meios de comunicao, incluindo matrias publicadas em revistas e jornais, a fim de se compreender as representaes do antigo centro com o programa de revitalizao, ao qual so atribudos os valores que predominam no imaginrio da sociedade. A Internet tambm foi instrumento que forneceu subsdios para uma reflexo sobre a (re)construo de identidades inventadas no ambiente virtual, o que pode ser revelador sobre a imagem que se quer mostrar. Considerou-se relevante, como forma de complementar os dados, a observao que, segundo Laville e Dione (1999), no se trata de uma contemplao passiva, mas consiste em um olhar ativo sustentado por uma questo ou por uma hiptese. A hiptese preliminar de que as intervenes pelas quais passou o bairro da Praia Grande vm adquirindo certa semelhana com o Recife Antigo em Pernambuco e o Pelourinho na Bahia que, a partir do embelezamento, refuncionalizao turstica, proliferao de espaos de diverso e entretenimento, esconde a racionalidade do capitalismo sobre a cultura. Na concepo de Fortuna et al (2003), as mudanas na economia mundial, marcadas pelo ruir das sociedades industriais e pela necessidade de incentivar o consumo das prticas de lazer, obrigaram muitas cidades dominadas a reconverterem-se. E foi na cultura, no passado e no seu patrimnio que muitas dessas cidades encontraram a base para sua reconverso. Vale ressaltar ainda que o presente estudo foi estimulado pela crena de que a reflexo sobre os processos atuais de renovao urbana consiste em uma importante e atual referncia sobre a gesto das urbes. A diversidade de projetos, polticas, constitui uma (re) apropriao dos espaos vazios e decadentes, sito aos centros antigos, conduzindo a novas perspectivas do (re)viver nas cidades. 34. 35Arantes (2000, p. 31), reconhece que essa estratgia de exaltao do centro antigo no se d por acaso, haja vista que rentabilidade e patrimnio cultural se do as mos nesse processo de revalorizao urbana sempre, evidentemente, em nome de um alegado civismo. a partir desses aportes que se toma, numa perspectiva geral, o momento histrico da emergncia do centro antigo como estratgia da produo do espao nos circuitos de acumulao capitalista, espao esse que, alm de produto, se torna produtivo na lgica de reproduo do capital.1.3 No tempo e no espao: notas sobre limitaes de ordem interna e externa Considerando em cada etapa o rigor metodolgico que ajudou a direcionar as atividades cientficas e concluir a pesquisa, entende-se que, por melhor que seja um trabalho tcnico-cientfico desenvolvido, ele passvel de limitaes. Por isto, a seguir, apresentam-se alguns entraves que dificultaram a apreenso do fenmeno em sua totalidade, mesmo sabendo que isto impossvel. Quanto s dificuldades, estende-se ainda a ausncia de materiais sistematizados sobre o Programa de Revitalizao do Centro Histrico. Muitos registros foram encontrados e, diga-se de passagem, mais do projeto Praia Grande iniciado em 1979. No caso do projeto Reviver, parece no ter havido esforo para minutar o processo de tamanha interveno urbanstica em documentos oficiais. Encontraram-se muitos documentos com nomes diferentes e contedos iguais. Por vezes, os autores mudavam, e os ttulos tambm, mas a redao era quase a mesma, o que dificultou a citao e composio das referncias bibliogrficas para este trabalho. Como algumas fontes imprescindveis para a pesquisa tiveram problemas de infraestrutura e foram fechadas, como o caso da Biblioteca Pblica Benedito19 Leite, houve limitao para buscar informaes nos jornais da cidade. Adicionado a19A Biblioteca Pblica Benedito Leite, rgo da SECMA, a segunda mais antiga do pas, localizada na Praa Deodoro, encontra-se fechada por mais de um ano. O laudo da Defesa Civil foi expedido em 13 de fevereiro do ano de 2009, pedindo a interveno imediata do prdio. Isso gerou prejuzo para vrios estudantes e pesquisadores que ficaram impedidos de fazer consulta ao acervo. Em 2010 houve e protestos da classe de bibliotecrios, representada pelo Conselho Regional de Biblioteconomia, Representante do Conselho Federal de Biblioteconomia por sua interdio sem data prevista para finalizar. (FECHAMENTO....,2009,; SAULO..., 2010). 35. 36isto,algunsmateriaisqueforamcitadosnosprojetosderevitalizaodesapareceram ou parecem no mais existir, devido s sucessivas mudanas e intempries sofridas pelo acervo que se encontra no Solar dos Vasconcelos20. Houve uma pesquisa socioeconmica na rea da Praia Grande no incio do Projeto de Revitalizao proposta pelo antroplogo lvaro Raimundo de Jesus Menezes21, que buscava traar um perfil geral da rea. Esse documento, conforme a informao dos tcnicos do Solar dos Vasconcelos, tinha sido desviado em virtude de mudanas de gestores dos rgos responsveis pelo patrimnio, bem como pela mudana de estrutura fsica do acervo. Porm, depois de algum tempo buscando novas fontes de informaes, foi possvel encontr-lo. Registra-se o interesse da pesquisadora, no incio do doutorado, em realizar um estudo longitudinal, mas o fato de no encontrar esse documento no incio da pesquisa fez com que esse objetivo fosse postergado para trabalhos futuros. Para subsidiar esta pesquisa, recorreu-se ao Programa de Ps-Graduao em Desenvolvimento Urbano da Universidade Federal do Pernambuco (UFPE), que possui um nmero considervel de trabalhos22 (dissertaes e teses) sobre o centro histrico de So Lus. Outra limitao diz respeito ao fato de a pesquisadora ter pertencido por um bom tempo rea pesquisada, como moradora e proprietria de um imvel. Se isto, por um lado, facilitou o acesso a determinadas informaes e o conhecimento prvio de alguns fatos ocorridos, por outro pode ter gerado um clima de parcialidade em relao a alguns entrevistados, que podem ou no terem sentido total liberdade para expressar tudo o que pensam e sabem sobre algum acontecimento.20O Solar dos Vasconcelos um exemplar do legado arquitetnico de So Lus do Maranho. Construdo no sculo XIX, tem como caracterstica dois pavimentos simtricos e duas portas emolduradas em cantaria lavrada. Foi reformado e atualmente sedia o acervo do Memorial do Centro Histrico, exibindo, em exposio permanente, maquetes e painis fotogrficos que registram a histria do Programa de Preservao e Revitalizao do Centro Histrico de So Lus. Est localizado na rua da Estrela (CULTURA, 2010). 21 Funcionrio do Instituto de Patrimnio Artstico e Cultural da Bahia IPAC BA, ocupava, poca, o cargo de Sub-coordenador de Planejamento e Pesquisas Sociais. Apresentou uma proposta de habitao que tinha como meta a manuteno da populao no centro histrico de So Lus (MARANHO, 1982). 22 Os trabalhos consultados foram os de Lordello (2008), Fonseca Neto ( 2002) e Zenkner (2002). 36. 37Quanto ao distanciamento, este foi um desafio nesta pesquisa em funo do envolvimento com o campo de estudo, o que levou determinado tempo. Uma das formas de lidar com esta questo foi o estranhamento, um esforo sistemtico de anlise de uma situao familiar como se fosse estranha. O estranhamento possibilitou identificar e descrever fatos que estavam invisveis. Este desvelamento, como afirma Cavalcanti (1999), pode inclusive levar a pesquisadora a se deparar com questes de sua prpria identidade social, que podem resultar em conflitos que precisam ser enfrentados para conseguir avanar no trabalho e mostrar a viso de outros indivduos. Outro limite que diz respeito aos resultados finais que decorrem do processo de atuao do poder pblico, que se concretiza em curto, mdio e longo prazo, visto que os dados obtidos junto aos pesquisados (representantes do programa, feirantes, moradores, flanelinhas e transeuntes) so de natureza voltil, pois, embora reflitam a percepo e a conscincia das pessoas sobre as situaes vivenciadas, muitas vezes no decorrer do processo as percepes sofrem mutaes. Em funo disso, foram adotadas vrias tcnicas para a coleta de dados, como estratgias para estabelecer cruzamentos com os dados obtidos, embora se considere que a dinmica da realidade extremamente rpida, o que impossibilita dar conta de todo o contexto e suas configuraes. Quanto questo temporal adotada na pesquisa, inicialmente a ideia era usar dados referentes s trs ltimas dcadas. Contudo, no foi possvel resgatar tudo que aconteceu ltimos trinta anos, de modo que existe pouca sistematizao de informaes nos rgos ligados ao patrimnio de So Lus. Para dirimir maiores erros, foram consultados trabalhos e realizadas comparaes entre resultados de pesquisas ocorridas na rea em estudo, apresentadas por vrios acadmicos. Tem-se em mente que o que est sendo apresentado deve ser visto mais como o resultado de um produto passvel de modificaes, do que como uma obra acabada. 37. 382. ESTRATGIA GLOBAL: a insero dos centros antigos no mercado das cidades O crescimento das cidades traz, como consequncia, novas formas de aglomeraes urbanas, bem como a necessidade de organizar o espao urbano antigo em funo das demandas atuais e futuras dos indivduos, principalmente no que se refere atuao do poder pblico em implementar polticas de desenvolvimento urbano para ordenar o pleno desempenho das funes sociais da cidade. Desta forma, a expanso urbana, principalmente nos grandes centros urbanos, demanda cuidados, visto que, na maioria das vezes, os investimentos realizados so direcionados para umas reas em detrimento de outras, tornando-as valorizadas ou desprestigiadas. A ausncia de projetos e a aplicao da legislao urbanstica para aglomerados urbanos podem vir reforar problemas de diversas ordens devido a um somatrio de fatores, ligados basicamente ao uso e ocupao desordenada do solo, ao crescimento da malha urbana sem o acompanhamento adequado de recursos de infraestrutura e desvalorizao de tessituras urbanas. Como resultado, h um esvaziamento dos estoques construdos, com prejuzo para a sociedade como um todo, especialmente os que so obrigados a viver em reas perifricas e em condies precrias quando existe um montante edificado, num lugar central, sem utilizao. A desvalorizao de determinadas reas urbanas constituem um fenmeno presente nas diversas cidades do Brasil e possuem relao direta com a produo do espao urbano e a dinmica de valorizao e especulao da terra, bem como na atuao do poder pblico e o interesse das classes dominantes. Na realidade das cidades grandes, perda de valor do tecido torna-se algo recorrente, mas no apenas no presente. Na evoluo das cidades, a gesto territorial, que muitas das vezes orientada por vontades polticas e interesses econmicos, tem como consequncia a origem de espaos marginalizados, desprovidos de investimentos ou de qualquer racionalizao urbanstica, como caso dos antigos centros urbanos. A desvalorizao dos centros antigos est correlacionada com dinmicas e transformaes nos processos de produo e consumo das cidades, a partir do surgimento de outras reas urbanas com oferta de habitaes e do estabelecimento 38. 39de comrcios e servios que passaram a ser favorecidos com investimentos pblicos, constituindo assim novos centros e subcentros. No caso das cidades do litoral nordestino; houve uma expanso da malha urbana em direo s zonas litorneas. Dessa forma, o crescimento urbano intermitente, criado pela especulao imobiliria, provocou uma excessiva valorizao do solo, intensificando a apropriao do novo espao em direo s praias, consolidando estigmas na rea central antiga das cidades. Como os centros antigos deixaram de ser interessantes para as classes dominantes, assistiu-se ao xodo de instituies, bancos, reparties pblicas para reas consideradas atualmente mais atrativas. Consequentemente, essa conjuntura fez com que as reas consideradas centrais tradicionais fossem desprestigiadas pelo poder pblico, que reduziu a aplicao de recursos em servios bsicos para realizar benfeitorias em outros lugares propcios maior especulao imobiliria. Com pouca vitalidade, o centro antigo passou a ser visto como um problema dado criao de novas centralidades. De acordo com cada situao especfica, os padres de uso e ocupao daquelas reas urbanas antigas foram sofrendo alteraes e modificaes e, nesse sentido, tornaram-se um entrave para a cidade, j que a rede intraurbana ficou subutilizada, com pouca manuteno e s vezes um empecilho modernizao. Alm disso, o desenvolvimento de atividades de menor rentabilidade, informais e, por vezes, ilegais, desenvolvidas por classes populares ganham destaque na mdia, o que ajuda a estigmatizar os moradores e desprestigiar mais ainda a rea em questo. Assim, no caso de So Lus, os monumentos e fragmentos urbanos considerados significativos no passado perderam valor de uso, numa espcie de desintegrao, sem quase conexo com as novas reas da cidade, tornando-se inadequados s necessidades urbanas atuais. Isso se deu por vrios motivos, tais como a setorizao das atividades urbanas, a habitao nas cidades operrias e tambm a transferncia do centro administrativo para a cidade nova impactou bastante a regio que acolhia a maioria dos edifcios governamentais, muitos dos quais esto abandonados at hoje. Outros fatores contriburam para o esvaziamento das atividades que historicamente se concentravam nesta rea. Por exemplo, a 39. 40modernizao da atividade porturia, que deslocou grande parte de sua atividade para o porto de Itaqui23 deixou uma srie de galpes e prdios vazios. Sob a influncia das agncias multilaterais, na dcada de 1970 os centros antigos considerados inadequados e preteridos pelo poder pblico foram incorporados ao planejamento e gesto do territrio, fato que consubstanciou uma configurao de novos usos e funes com as famosas polticas culturais, as quais passaram a ser pouco mais que interpretaes de verses internacionais, imbudas de sistema de ideias e valores globais. A maior demonstrao dessa tese centra-se na homogeneidade dos programas de revitalizao disseminados em vrias partes do mundo como aponta Bidou-Zachariasen (2006.) De acordo com essa perspectiva, os modelos de preservao se tornam relativamente padronizados em nvel mundial. Estes arqutipos padronizados criaram efeitos culturais homogeneizantes ao determinarem a composio do menu cultural. Esta viso implica em que as diferenas locais se diluem relativamente s prioridades globais. Um exemplo disso a possibilidade de encontrar a oferta dos mesmos equipamentos culturais (museus, teatros, suvenires) em vrios centros histricos do Brasil e do mundo. Seguindo esse receiturio, no Brasil, em 1971, foi firmado o Compromisso de Salvador (GUEDES, 2002), que estabeleceu, como uma das suas principais metas, estimular a criao de rgos de preservao do patrimnio nos municpios e nos estados, buscando realizar polticas locais de preservao. Em 1973, foi criado o Programa de Cidades Histricas, o PCH (GUEDES e SANTOS, 2002) para financiar os projetos de preservao apresentados pelos estados e/ou municpios, buscando recuperar os prdios e devolv-los sociedade de forma dinmica.23O Porto do Itaqui localiza-se na cidade de So Luis. As obras no Itaqui tiveram incio em 1960, sob a gesto do Departamento Nacional de Portos Rios e Canais - DNPRC, transformado em autarquia em abril de 1963, com a denominao de Departamento de Portos e Vias Navegveis - DNPVN que deu prosseguimento as obras de construo do porto. Em 28 de dezembro de 1973, foi ento criada Companhia Docas do Maranho - Codomar, para administrar as novas instalaes, isto , um cais com 637m de extenso, entregue ao trfego em 4 de julho de 1974. Foi por meio do Convnio de Delegao entre a Unio e o Estado do Maranho, com a intervenincia da Companhia Docas do Maranho - Codomar, de 30 de novembro de 2000, foi criada a Empresa Maranhense de Administrao Porturia - EMAP, empresa estatal, para administrar e explorar o porto do Itaqui (ANTAQ, 2010). 40. 41O Programa Integrado de Reconstruo das Cidades Histricas (PCH), gerido pela Secretaria de Planejamento da Presidncia da Repblica (SEPLAN), juntamente com a EMBRATUR e o IPHAN, abriu linhas de crdito destinadas restaurao de imveis para fins tursticos e concesso de incentivos tributrios, entre outras medidas (RODRIGUES, 2001). Paraaproveitaroambienteconstrudopreteridopelasinstituiesdominantes, as edificaes abandonadas ou habitadas pelas classes populares passaram a ter novo valor. Em outras palavras, o centro antigo voltou a ser reconhecido como parte da cidade, em vez de ser ignorado ou subjugado por parte da sociedade civil e pelo poder pblico, com a transformao dos bens edificados em patrimnio cultural e/ou histrico. Assim, a poltica neoliberal implantada no pas, a partir da dcada de 90, acabou por incorporar os centros antigos vida contempornea, ao transformar os patrimnios em mercadoria. Assim, a crescente valorizao econmica dos bens culturais promoveu a consagrada unio entre turismo e o legado cultural, apresentada pelo poder pblico como uma forma de garantir a revitalizao dos espaos esvaziados e o futuro econmico das cidades que se dispunham a adotar preocupaes com a cultura, atrair consumidores, que destacam a racionalidade dos comportamentos. Cada caso tem a sua particularidade, em virtude das questes mais problemticas das cidades, mas possvel identificar que as polticas de preservao dos patrimnios criados se tornaram recorrentes para camuflar a problemtica dos vazios nos centros antigos, de modo a aumentar a oferta de terrenos no mercado e, desse modo, os preos fundirios e os preos finais dos imveis. No Nordeste, a despeito de vrias tentativas, tem sido difcil promover essa valorizao, em decorrncia da presso da especulao imobiliria sobre novas reas, principalmente em direo s praias. A ideia de novos estilos de vida e a promessa de espaos seguros parece no atrair demandas para moradia do pblico que se quer atrair. Em suma, a tese da valorizao da "cultura, ao vincular-se aos processos preservacionistas, procura mostrar as aes das foras supranacionais, as causas determinantes da incorporao de um modelo ocidental de mundo e as 41. 42consequentes absores do centro antigo, advindas dessa modelao. Como se pode imaginar, substanciam essa viso as interferncias das agncias financiadoras como o Banco Mundial, o BIRD, o BID, ou ainda das agncias culturais como a UNESCO. Alm disso, so notveis as mobilizaes de instituies e organizaes no-governamentais em favor do patrimnio e dos valores culturais. O marketing e as mensagens publicitrias veiculadas pela mdia passaram a ser recorrentes, destacando a potencialidade dos ncleos histricos, estimulando a explorao do patrimnio em diversas regies. Desde j, pergunta-se se essa homogeneizao atinge os parmetros da preservao em So Lus. Coincidncia ou no, na dcada de 1970 comeou a ser gestado o primeiro programa de revitalizao, que se desenrolou por mais de duas dcadas.2.1. Territrios recriados e reinventados pela poltica de preservao A crescente preocupao das cidades com a valorizao e a restaurao de seu patrimnio histrico vem dando espao e destacando as polticas de preservao, nos ltimos anos, nos projetos de governo das urbes brasileiras. Esses projetos urbansticos so geralmente implantados a partir de um plano detalhado com definio morfolgica de elementos que os compem e os que devem integrar a configurao dos espaos. Existem, hoje, inmeros casos de programas de preservao no Brasil (Ouro Preto, Salvador, Olinda, So Luis, So Paulo, Rio de Janeiro e Recife), que praticando um esteretipo de um desenho padro considerado desejvel sob a forma de rejuvenescimento das reas antigas, tentaram determinar alguns acontecimentos e atividades sociais, nos quais esto localizados bens arquitetnicos categorizados como patrimnios culturais. A preservao do patrimnio atualmente tratada como se fosse algo natural, mesmo se admitindo que essas obrigaes foram criadas pela Constituio em vigor. certo que, alm das atribuies constitucionais, o prprio poder pblico traa um padro de comportamento frente ao patrimnio, que deve ser seguido pela sociedade civil. 42. 43Assim, essa naturalizao da exaltao e proteo, decorrente da massificao dos meios de comunicao, tornou-se to intensa a ponto de construir um pretenso consenso entre os discursos tericos, prticos, institucionais e polticos sobre a questo: a preservao do patrimnio cultural deve ser uma prioridade da gesto urbana e pouco pensado numa integrao e organizao entre as diretrizes e os instrumentos de desenvolvimento urbano, de maneira que as polticas habitacionais se articulem com a poltica fundiria, buscando a formao e a garantia de um programa equilibrado quanto ocupao do territrio. Segundo Camargo (2002), para se falar em preservao e localiz-la historicamente faz-senecessriorevisitar aRevoluo francesa24com asubsequente formao de Estado-Nao. A prtica de atribuir valor artstico e histrico a objetos existe desde o Renascimento, mas, com o fim do Antigo Regime que os profissionais especializados so imbudos de guardar, proteger e preservar os monumentos. Segundo Choay (2001), a expresso monumento histrico s veio ser mais conhecida na segunda metade do sculo XIX, quando Guizot, recm-nomeado ministro do interior da Frana, em 1880, criou o cargo de inspetor dos monumentos histricos. Com o fim da monarquia, muitos bens passaram a ser alvos de destruio, por serem identificados como elementos que representavam exatamente aquilo que a Revoluo queria negar e cujo aniquilamento se desejava, o que desencadeou, por exemplo, o episdio ocorrido na igreja de Nossa Senhora (Notre Dame), quando foram destrudas a marretadas as cabeas dos reis de Jud, existentes na fachada. Na preocupao de salvaguardar os bens da Coroa que passaram a ser propriedade do Estado, frente s ameaas de perdas concretas, a preservao dos monumentos se tornou um tema de interesse pblico (CHOAY, 2001). O movimento de preservao se consolidou com a criao da Comisso de Monumentos Histricos, que considerava principalmente os remanescentes da Antiguidade e tambm os edifcios religiosos e alguns castelos da Idade Mdia 24Na Revoluo francesa, ocorrida em 1789, sob o lema igualdade, liberdade, fraternidade, a burguesia "tomou o poder na Frana, com apoio popular, e sustentou-se at 1815, quando se deu o fim do imprio napolenico. Os revolucionrios acabaram com os privilgios da nobreza e do clero e livraram-se das instituies feudais do Antigo Regime" (REVOLUO FRANCESA, 2010). A partir deste momento o conceito de bem cultural foi tomado como interesse pblico, implicando, at mesmo, uma limitao ao direito de propriedade em nome do coletivo (FUNARI, 2001). 43. 44(CHOAY, 2001). Esses monumentos passaram a ser encarados como a materializao da identidade nacional e deveriam exprimir e testemunhar o gnio do povo francs pelo qual os cidados se reconheceriam como franceses (CAMARGO 2002, p.19). Assim, os monumentos histricos foram transformados em propriedades do povo pela atribuio do valor e do smbolo da nacionalidade e, ao mesmo tempo, tentou-se incutir entre os cidados que romper com o passado no significa abolir sua memria nem destruir seus monumentos, mas conservar tanto uns quanto outros, num movimento dialtico que, de forma simultnea, assume e ultrapassa seu sentido histrico original, integrando-o num novo estrato semntico (CHOAY, 2001, p. 113). Quanto prtica da conservao ao longo dos anos, vrios estudiosos lanaram suas opinies e teorias sobre a interveno nos monumentos que se mostraram de maneira divergente como caso de Viollet-le-Duc25 e John Ruskin26. De acordo com Pontes (2009), Ruskin, defendeu a teoria da intocabilidade do monumento degradado, por acreditar que ele deveria ser mantido sem modificao alguma. Nesta tica, os vestgios da arquitetura e dos stios histricos serviam para testemunhar o percurso do tempo histrico e seu efeito sobre as concepes de mundo e as realizaes humanas. O monumento deveria seguir o rumo natural - sem intervenes humanas, sua prpria morte.25Eugne-Emmanuel Viollet-le-Duc: nasceu em Paris, filho de uma famlia burguesa que cultivava as artes e a cultura, iniciou seus estudos (1830) em uma poca dos grandes debates sobre as artes e arquitetura, da sistematizao da formao do arquiteto e da multiplicao de revistas especializadas. Foi restaurador de monumentos francs e arquiteto ligado ao revivalismo arquitetnico do sculo XIX e um dos primeiros tericos da preservao do patrimnio histrico, foi um dos responsveis pelo reconhecimento do gtico como uma das mais importantes etapas da histria da arte ocidental. Ganhou fama com a restaurao de monumentos como a Sainte-Chapelle e a catedral de NotreDame, em Paris. Pode ser considerado um precursor terico da arquitetura moderna e publicou livros que lhe proporcionaram grande prestgio, entre os quais Entretiens sur l'architecture (1858-1872) e duas enciclopdias sobre arquitetura francesa e morreu em Lausane, Sua (S BIOGRAFIAS, 2010). 26 John Ruskin Escritor, poeta, crtico de arte, arquiteto e desenhista ingls nascido em Londres, brilhante figura da arquitetura neogtica inglesa. Filho de um abastado comerciante escocs de vinhos, graduou-se pela Universidade de Oxford (1842) e realizou numerosas viagens por toda a Europa, adquirindo experincia e escrevendo seus primeiros livros. Admirador da obra de seu conterrneo William Turner, desenvolveu uma teoria esttica que foi determinante para o apogeu da tendncia neogtica na arquitetura e nas artes decorativas inglesas da segunda metade do sculo XIX. Seus ensaios sobre arte e arquitetura foram extremamente influentes na era Vitoriana, repercutindo at hoje. (S BIOGRAFIAS, 2010). 44. 45A morte desses bens provm do fato da temporalidade e a decomposio das formas e, por isso, no devia ser revertida, na medida em que ningum tem o direito de faz-lo (RUSKIN, apud CHOAY, 2001). Essa premissa sustenta que a arquitetura deve ser vista como um lugar de memria, uma forma de mostrar os pensamentos, os sentimentos dos homens, e a interveno restauradora sobre esses artefatos seria um atentando contra a autenticidade, o que constitui a prpria essncia do monumento. Por outro lado, para Viollet-le-Duc, restaurar um edifcio quer dizer reintegrlo em um estado completo, que pode no ter existido nunca em um dado tempo (apud Pontes, 2009, p.3). A restaurao pode levar o objeto s suas origens, como se fosse aquilo que o arquiteto concebeu. Essa interveno, mesmo correndo o risco de produzir erros, deve ser realizada, j que o valor das obras do passado reside, em grande medida, no seu potencial didtico, contribuindo para o progresso e o desenvolvimento da arquitetura. Nesse sentido, no apenas era considerado legtimo restaurar os monumentos, como tambm se tornava conveniente adequlos tipologia que lhes correspondia (PONTES, 2009; CHOAY, 2001). As teses descritas como simples restaurao passaram a ser apresentadas como pontos fundamentais de um assim chamado "processo de preservao". Outra contribuio foi a de Camilo Boito que, com o posicionamento de Ruskin (autenticidade) e Viollet-le-Duc (legitimidade da restaurao), contribuiu na teoria e prtica no campo do restauro, prolongando a vida dos bens culturais por meio de vrias tcnicas. A restaurao, segundo Choay (2001), assumiu um lugar de referncia nos desdobramentos da preservao patrimonial, principalmente com a constituio das vrias associaes de classe internacionais, tais como o International Institute for Conservation of Historic Objects and Works of Art (IIC), em 1950, e o United Kingdom Institute for Conservation (UKIC), em 1953 e outros nveis nacional, regional e municipal. Essas organizaes estabeleceram diversos elementos regulamentadores da rea de conservao/restauro e protetores dos bens culturais, levando em considerao cartas de restauro, principalmente a Carta de Atenas (1931), a Carta de Veneza (1964) e a Carta da Itlia (1987), que contriburam com a consolidao 45. 46cientfica da conservao, concentrando sua nfase "na importncia de equilibrar a necessidade do uso, da compreenso e da apreciao do patrimnio cultural" (ELIAS, 2002, p.40). Segundo Fonseca (1997, p.11), os bens passaram a ser merecedores de proteo, visando transmisso para as geraes futuras. Nesse sentido, as polticas de preservao se propem a atuar, basicamente, no nvel simblico, tendo como objetivo reforar uma identidade coletiva, a educao e a formao de cidados. Com o passar do tempo, esses objetivos foram ampliados conforme aponta Choay (2001), ao afirmar que aps a Revoluo Industrial, a burguesia e o Estado seguiram dirigindo o mercado cultural, acentuando o valor econmico dos objetos artsticos e codificando a cultura em termos de riqueza material. Com isso, a manuteno fsica dos bens culturais consolidou-se como meio de valorizao de propriedades. Nessa lgica, segundo Jeudy (1990, p.48), a onda de preservao cultural que tomou conta do mundo ocidental no se contentou mais com os monumentos gigantescos, historicamente consagrados. O fato que tudo pode ser preservado, ao passo que muitos bens, eleitos como patrimnio, so destitudos de significado da conscincia coletiva, para serem mercadorias rentveis. Portanto, no foi por acaso que no sculo XIX se intensificaram as aes de preservao de monumentos27 e de institucionalizao de patrimnios nacionais, de forma a criar referncias comuns a todos de um mesmo territrio, o que resultou no movimento globalizado da imposio de uma histria nacional que se sobrepe s memrias regionais. Nesta lgica, o patrimnio passou a constituir uma coleo simblica unificadora, que procurava dar base cultural idntica a todos, embora os grupos sociais e tnicos presentes em um mesmo territrio fossem diversos (RODRIGUES, 2001, p.16).27Camargo (2002, p.24-25) estabelece a diferena entre monumentos intencionais e monumentos histrico. O primeiro remete a construes que pretendem perpetuar a memria de um fato, de uma pessoa, de um povo. Ex: obeliscos egpcios, arcos do triunfo romanos, lpides tumulares, etc. O segundo um conceito construdo pelo patrimnio nacional. O fato que o intencional poder ser histrico se for escolhido por um grupo e institucionalizado pelo poder pblico para exaltar caractersticas simblicas que se estendem (ou ao menos deveria), aos demais cidados em determinado tempo e espao. 46. 47No Brasil, as polticas de preservao do patrimnio cultural no so to antigas. Tiveram maior visibilidade com o movimento modernista, a partir da Semana de Arte Moderna, tambm chamada de Semana de 22, ocorrida no Teatro Municipal de So Paulo no ano de 1922, na qual se destacaram os intelectuais Mrio de Andrade e Lcio Costa, os quais exerceram papel determinante na criao e funcionamento do rgo federal de proteo do patrimnio. Neste mesmo ano, registra-se a criao Museu Histrico Nacional como rgo responsvel pela fiscalizao dos monumentos e objetos histricos, institudo no ano do centenrio da independncia do Brasil com o objetivo de guardar e expor as relquias de nosso passado, cultuando a lembrana de nossos grandes feitos e de nossos grandes homens (DUMANS, 1997). Mas, com a criao do Servio de Patrimnio Histrico e Artstico Nacional (SPHAN) que a preservao do patrimnio inicia oficialmente e tambm com a assinatura do Decreto-Lei n 25, de 30 de novembro de 1937, assinado pelo presidente Getlio Vargas. Esse decreto ficou conhecido como Lei do Tombamento. Segundo Carvalho (2008), o tombamento pode ser entendido como: um ato administrativo realizado pelo Poder Pblico com o objetivo de preservar, por intermdio da aplicao de legislao especfica bens de valor histrico, cultural, arquitetnico, ambiental e tambm de valor afetivo para a populao, impedindo que venham a ser destrudos ou descaracterizados. (CARVALHO, 2008, p. 02).O projeto de criao do SPHAN teve como redator Mrio de Andrade e foi solicitado pelo ministro da Educao e Sade, Gustavo Capanema, em 1936, porm, at sua assinatura sofreu alteraes. Pode-se afirmar que a criao desse rgo fruto do fortalecimento das questes de cunho nacionalista que se desenrolavam no Brasil, visando construo da identidade nacional, a partir da escolha de elementos que se denominavam de patrimnio histrico e depois tambm de patrimnio cultural28.28Inicialmente, a categoria do patrimnio estava relacionada mais diretamente com patrimnio histrico, consagrado por uma historiografia oficial e representado pelas edificaes e objetos de arte. Depois houve a passagem da noo de patrimnio histrico para a de patrimnio cultural, de tal modo que incorporou ao "histrico" as dimenses testemunhais do cotidiano e os feitos no-tangveis (BASTOS, 2010). 47. 48Baseado no modelo a la France, a preservao do patrimnio por meio do SPHAN associou a identidade nacional aos monumentos e aos bens arquitetnicos do Barroco brasileiro, construindo um imaginrio sobre o patrimnio nacional estratgico para a formao do Estado Novo. Nesse sentido, a cultur