geomorfologia dos planaltos e altos vales da serra da estrela

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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA GEOMORFOLOGIA DOS PLANALTOS E ALTOS VALES DA SERRA DA ESTRELA AMBIENTES FRIOS DO PLISTOCÉNICO SUPERIOR E DINÂMICA ACTUAL GONÇALO BRITO GUAPO TELES VIEIRA DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA (GEOGRAFIA FÍSICA) 2004

Transcript of geomorfologia dos planaltos e altos vales da serra da estrela

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    GEOMORFOLOGIA DOS PLANALTOS E ALTOS VALES DA SERRA DA ESTRELA

    AMBIENTES FRIOS DO PLISTOCNICO SUPERIOR E DINMICA ACTUAL

    GONALO BRITO GUAPO TELES VIEIRA

    DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA

    (GEOGRAFIA FSICA)

    2004

  • UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE LETRAS

    DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA

    GEOMORFOLOGIA DOS PLANALTOS E ALTOS VALES DA SERRA DA ESTRELA

    AMBIENTES FRIOS DO PLISTOCNICO SUPERIOR E DINMICA ACTUAL

    GONALO BRITO GUAPO TELES VIEIRA

    DOUTORAMENTO EM GEOGRAFIA

    (GEOGRAFIA FSICA)

    Dissertao orientada pelo

    Prof. Doutor Antnio de Brum ferreira

    2004

  • Este trabalho foi apoiado pela Fundao para a Cincia e a Tecnologia no quadro do projecto ESTRELA - Processos geomorfolgicos e biofsicos e unidades de paisagem em montanhas mediterrneas. Aplicao Serra da Estrela (Fase 1 -PRAXIS/P/CTE/11153/1998 e Fase 2 - POCTI/CTA/11153/1998)

    II

  • Ao Sebastio e Carla

    III

  • IV

  • RESUMO A Serra da Estrela (1993 m) situa-se na Cordilheira Central Ibrica. predominantemente

    grantica e no relevo contrastam planaltos e altos vales encaixados de feies glacirias. Os

    objectivos deste trabalho so: estudar o modelado e a dinmica geomorfolgica herdada,

    particularmente a morfognese glaciria e periglaciria (1 Parte); e o estudo da morfognese

    actual nos planaltos e altos vales (2 Parte). Seguiu-se, como metodologias: reconhecimento

    de campo; elaborao de cartografia geomorfolgica; estudo geomorfolgico das formas e

    depsitos; anlises sedimentolgicas; modelao da superfcie glaciria; monitorizao de

    processos geomorfolgicos; e monitorizao de temperaturas do ar, solo e rocha. A anlise

    apoiou-se numa base de dados cartogrfica construda em SIG.

    Confirmou-se uma glaciao com um campo de gelo de planalto e glaciares de vale. Os

    testemunhos geomorfolgicos permitiram definir os limites da aco glaciria no ltimo

    Mximo da Glaciao da Serra da Estrela (UMGSE), bem como a sua reconstituio

    tridimensional. O estudo das altitudes da linha de equilbrio evidenciou uma elevada

    sensibilidade climtica dos glaciares. Encontraram-se vestgios anteriores ao UMGSE,

    mostrando uma maior extenso glaciada. Na deglaciao, aps o UMGSE, os vestgios

    mornicos foram separados em duas fases gerais. Encontraram-se vestgios da ocorrncia de

    permafrost com idade posterior ao UMGSE, pelo menos acima de 1350 m. Esses dados

    sugerem uma descida mnima da temperatura mdia anual do ar de 10C. Apresenta-se uma

    cronologia provvel para a deglaciao.

    A morfognese actual caracterizada por uma dinmica polignica e complexa.

    Estudaram-se principalmente os processos e o modelado pluvio-elico e criognico.

    Caracterizaram-se os regimes trmicos dirios do solo e rocha, bem como o controlo

    climtico. Estudou-se a distribuio altitudinal dos regimes trmicos no solo e as

    consequncias geomorfolgicas; na rocha estudou-se a influncia da exposio. Definiram-se

    trs andares caracterizados por diferentes dinmicas geomorfolgicas. O andar crionival situa-

    se actualmente acima de cerca de 1800 m de altitude.

    Palavras-chave: geomorfologia glaciria, geomorfologia periglaciria, dinmica

    geomorfolgica, Plistocnico Superior, Serra da Estrela.

    V

  • VI

  • ABSTRACT

    The Serra da Estrela (1993 m) is part of the Iberian Central Cordillera. It is a granite

    mountain with plateaus and deeply incised valleys. The main objectives of this study are: to

    study the relict landforms and deposits, especially those of glacial or periglacial origin (Part

    I); to study the contemporary geomorphological dynamics in the plateaus and high valleys

    (Part II). The methodological framework was: detailed field survey and geomorphological

    mapping; geomorphological and sedimentary analysis; glacier surface modeling; monitoring

    of contemporary geomorphological processes and of air, soil and rock temperatures. A

    cartographic data base was implemented in a GIS environment.

    The presence of a Weichselian plateau ice-field and tributary valley glaciers was

    confirmed. The geomorphological evidence allowed defining the glacier margins of the Last

    Maximum of the Glaciation of Serra da Estrela (LMGSE), as well as the reconstruction of the

    ice surface. Reconstructed ELAs showed the high climatic sensitivity of Estrelean glaciers.

    Evidence of a glacial episode larger than the LMGSE was found. During the post-LMGSE

    deglaciation two general moraine stages were defined. Evidence of relict post-LMGSE

    permafrost was found above 1350 m. The periglacial landforms suggest a minimum decrease

    of mean annual air temperatures of 10C. A tentative chronology of the deglaciation is

    presented.

    Contemporary geomorphological dynamics shows a complex interplay of processes

    resulting in polygenic phenomena. Research focused on pluvio-aeolian and periglacial

    processes. The daily temperature regimes of the soil and rock faces were studied and their

    seasonal rhythm and climate control analyzed: in the soil special emphasis was paid to the

    spatial and temporal distribution of the regimes and their geomorphological implications; in

    the rock faces the analysis was based on the influence of aspect. Three belts were defined

    respecting to the contemporary geomorphological dynamics. A marginal periglacial zone

    occurs above 1800 m.

    Key-words: glacial geomorphology, periglacial geomorphology, geomorphological dynamics,

    Late Pleistocene, Serra da Estrela.

    VII

  • VIII

  • NDICE SINTTICO RESUMO.............................................................................................................................................................. V ABSTRACT........................................................................................................................................................VII NDICE SINTTICO .......................................................................................................................................... IX AGRADECIMENTOS........................................................................................................................................XII INTRODUO.................................................................................................................................................... 1 CAPTULO 1 - QUADRO FSICO DA SERRA DA

    nquadramento m ESTRELA

    1.1. E orfoestrutural ................................................................................................................ 9

    ....................................................................................... 23 1.5. A

    .................................. 45 2.1. Introduo................................................................................................................................................ 45

    ....................................................................................... 48 2.3. A

    morfogentico .............................................................. 105

    ................................................................................... 119 3.3. O

    .4. Os depsitos fluvioglacirios ................................................................................................................ 164 ................................................................................ 189

    3.6. A Zzere........................................................................ 192 3.7. mornicos de recesso e difluncia glaciria.......................................................... 199

    .................................................................................... 209 4.2.

    s e cristas de blocos num pequeno circo de

    glacirio. O caso do vale da Candeeira.......................... 219 4.5.

    do Planalto Ocidental .................................................. 250 4.7.

    8. A Baixa Barroca das Lameiras. Terrao de kame ou moreia lateral?.................................................... 261 .............. 263

    4.10 glaciao mais antiga nas Penhas da Sade? ........................................................... 268

    GLACIAO 5.1. M

    ................................................................................................ 273 5.2. A .......................................................................................... 311

    LACIRIOS E CRIONIVAIS 6.1.

    ............................................................................................. 331 6.3.

    1.2. O substrato geolgico .............................................................................................................................. 13 1.3. O relevo do sector meridional da Serra da Estrela................................................................................... 17 1.4. Caractersticas gerais do clima .........................

    vegetao ............................................................................................................................................. 32 1.6. Principais estudos sobre os paleoambientes da Serra da Estrela ............................................................. 34 1 PARTE - AS HERANAS GLACIRIAS E PERIGLACIRIAS CAPTULO 2 - O MODELADO DE EROSO GLACIRIA .................................... 2.2. Introduo aos processos de eroso glaciria ...

    distribuio das reas de eroso glaciria na Serra da Estrela ............................................................. 55 2.4. Os circos glacirios ................................................................................................................................. 66 2.5. As convexidades rochosas de escala mdia........................................................................................... 101 2.6. As microformas de eroso e o seu significado

    CAPTULO 3 - AS FORMAS DE ACUMULAO E OS DEPSITOS GLACIRIOS 3.1 Introduo............................................................................................................................................... 117 3.2. As moreias .........................................................

    s till ..................................................................................................................................................... 129 3 3.5. O significado dos terraos de obturao lateral .....

    s acumulaes areno-cascalhentas do Vale doLagoa Seca. Arcos

    3.8. As acumulaes de blocos da Nave de Santo Antnio.......................................................................... 203 CAPTULO 4 PROBLEMAS DA GLACIAO DA MARGEM LESTE DO PLANALTO

    OCIDENTAL 4.1. Introduo .........................................................

    Cntaro Raso e Covo do Boi. Glaciao versus modelado grantico de alterao .............................. 210 4.3. O circo glacirio do Covo das Vacas. Talude

    altitude ................................................................................................................................................. 216 4.4. Associaes de formas e depsitos num vale

    A glaciao a nordeste do Piornal: bacia-vertente do Ribeiro da Porta (Coves) ................................. 243 4.6. O problema da glaciao da margem nordeste

    A Barroca de Covais. Testemunho de um glaciar de circo de baixa altitude ........................................ 259 4. 4.9. O problema da glaciao da bacia de Manteigas.....................................................................

    Vestgios de uma CAPTULO 5 - EXTENSO E DINMICA DA

    odelao da extenso da calote de planalto e dos glaciares de vale no ltimo Mximo da Glaciao .............................................ltitudes da Linha de Equilbrio .................

    CAPTULO 6 - FORMAS E DEPSITOS PERIGIntroduo ............................................................................................................................................. 329

    6.2. Taludes e cones de detritos ......................Estudo de cortes em Depsitos de vertente ........................................................................................... 338

    IX

  • 6.4. Associaes de formas e depsitos periglacirios................................................................................. 370

    RFOLOGIA PARA O CONHECIMENTO

    TE) 7.1. A

    folgicos de origem glaciria.................................................... 399

    ies ambientais no Plistocnico Superior .................... 409 7.5.

    ESSOS GEOMORFOLGICOS ACTUAIS

    CAPT

    .................................................................................................. 427 s ......................................................................................... 432

    8.9. C

    9.1. P ....................... 497

    .............................................................................................. 557 9.9. O

    ORES AUTOMTICOS 10.1. Introduo............................................................................................................................................ 589

    o de temperaturas ....................................................................... 593 10.3. rodo de Dezembro de 1999 a Maro de 2001 ................ 600 10.4. na Serra da Estrela ....................................................................................... 607

    2 PARTE) 11.1.

    altos e Altos Vales da Serra da Estrela........................... 657

    O .......................................................................................... 663 BIBLIO

    O ...................................................................................... 693 ANEXO

    STRELA .............................................................................. 695 NDICE

    DICE DE QUADROS.................................................................................................................................. 723

    CAPTULO 7 O CONTRIBUTO DA GEOMODOS PALEOAMBIENTES NA SERRA DA ESTRELA NO PLISTOCNICO SUPERIOR (CONCLUSO DA 1 PARdvertncia ........................................................................................................................................... 397

    7.2. O contributo dos testemunhos geomor contributo dos testemunhos geomorfolgicos de origem periglaciria.............................................. 402 7.3. O

    7.4. Uma sntese preliminar da evoluo das condConcluso ............................................................................................................................................. 421

    2 PARTE - O MODELADO E OS PROCDAS REAS ALTAS

    ULO 8 - A DINMICA PLUVIO-ELICA E AS ACUMULAES DE AREIA GROSSEIRA

    .1. Introduo.............................................................................................................................................. 425 8 8.2. Os ensinamentos da Serra do Gers .... 8.3. Outros estudos sobre acumulaes arenosa 8.4. Caractersticas morfolgicas das acumulaes arenosas da Serra da Estrela ........................................ 434 8.5. Comparao entre as acumulaes da Serra da Estrela e da Serra do Gers ......................................... 442 8.6. Estudo sedimentolgico detalhado de duas acumulaes arenosas da Serra da Estrela ........................ 448

    torizao das formas...................................................................... 460 8.7. Resultados obtidos atravs de moni 8.8. Os processos envolvidos na gnese das acumulaes arenosas............................................................. 488

    oncluso .............................................................................................................................................. 493 CAPTULO 9- PROCESSOS E MODELADO CRIONIVAL DAS REAS ALTAS

    rocessos geomorfolgicos de natureza criognica. Conceitos gerais ........................... 9.2. A aco geomorfolgica do frio em Portugal........................................................................................ 514 9.3. Experincias para monitorizao da aco da crioexpulso ................................................................. 521 9.4. O micromodelado originado pela aco dos pipkrakes ......................................................................... 525

    olos ordenados em miniatura............................................................................................................... 532 9.5. S 9.6. As formas lobadas associadas solifluxo............................................................................................ 550

    rescentes e degraus de vegetao........................................................................................................ 554 9.7. C 9.8. Desagregao das superfcies rochosas ...

    efeito morfogentico da corraso nivo-elica.................................................................................... 566 9.10. Observaes preliminares acerca dos nichos de nivao..................................................................... 573 9.11. Dinmica actual dos taludes e cones de detritos.................................................................................. 578 CAPTULO 10 - ESTUDO DAS TEMPERATURAS DO AR, DO SOLO E DA ROCHA

    COM RECURSO A REGISTAD 10.2. A instrumentao para monitoriza

    Caractersticas meteorolgicas gerais do pe As temperaturas do solo

    10.5. As temperaturas da rocha na Serra da Estrela...................................................................................... 630 CAPITULO 11 A DINMICA GEOMORFOLGICA ACTUAL NA SERRA DA

    ESTRELA (CONCLUSO DA Significado geomorfolgico dos regimes trmicos do solo................................................................. 653

    11.2. A dinmica geomorfolgica actual nos Plan

    C NCLUSO GERAL .........................................GRAFIA.............................................................................................................................................. 677

    D CUMENTOS CARTOGRFICOS .................... NOTA EXPLICATIVA DO MAPA GEOMORFOLGICO DOS PLANALTOS E ALTOS VALES DA SERRA DA E GERAL .............................................................................................................................................. 703

    NDICE DE FIGURAS.................................................................................................................................... 710 N

    X

  • AGRADECIMENTOS

    As regies frias de montanha desde cedo me fascinaram. Contudo, naturalmente, antes da

    licenciatura em Geografia, a atraco que e

    mponente de aventura e de busca de paisagens novas, e exticas, aspectos que me

    xerciam sobre mim estava essencialmente ligada a

    uma co

    levaram prtica do montanhismo e do trekking, que procurava desenvolver sempre que

    possvel. Com o curso de Geografia, inevitavelmente, a essa perspectiva ldica acrescentei o

    interesse pela interpretao dos problemas geomorfolgicos, e tambm climticos, aspectos

    que foram ganhando peso medida que progredia no curso. Lembro-me relativamente bem de

    u a aula do Prof. Antnio de Brum Ferreira, orientador do presente trabalho, onde com o m

    u lio de diapositivos foram comentadas as caractersticas da morfognese periglaciria.

    Olhand pingo, e tudo me leva

    a crer q afia Fsica II, devem ter sido muito importantes para

    e

    ac

    dedicas doutoramento ao estudo da Serra da Estrela. Fora

    n

    ntos transmitidos, a disponibilidade durante os trabalhos de

    investig visitas rea de estudo, o apoio em candidaturas

    a projectos de investigao, a cedncia de bibliografia pessoal, bem como a discusso de

    vrios

    on

    ou decisivamente o meu percurso de investigao

    surgiu o de Investigao de Abisko no Norte da Sucia

    Anders Rapp, Bjorn Holmgren e Peter Schlyter. Nesse simpsio participei em diversas sadas

    de campo, uma das quais ao clssico vale de Krkevagge, onde tomei contacto com algumas

    tcnicas de monitorizao meteorolgica, outra, em que foram visitados campos de palsas, e

    finalmente, numa inesquecvel viagem de helicptero com o objectivo de medir as

    temperaturas numa sondagem num pequeno glaciar. Tive tambm a sorte de conhecer vrios

    a x

    o para trs, vem-me memria uma fantstica fotografia de um

    ue essa aula, e a cadeira de Geogr

    d finir os meus interesses de investigao

    e ter despertado em mim o interesse referido, e ainda a proposta que fez, para que

    . Agradeo, por isso, sinceramente ao Prof. Brum o

    f to d

    se o tema da minha dissertao de

    alis, nessa mesma montanha, que pela primeira vez, em 1988, quando ainda frequentava o

    E sino Secundrio, tive oportunidade de ver o solo coberto por pipkrakes. Agradeo-lhe

    tambm os muitos ensiname

    ao, o acompanhamento em vrias

    problemas relacionados com os trabalhos, e as questes pertinentes, dvidas e

    c tributos que contriburam muito para melhorar a verso final do texto. Estou tambm

    muito grato pela extrema disponibilidade e pelo rigor com que foram feitas as ltimas

    revises do trabalho.

    Um acontecimento que tambm marc

    na sequncia de uma visita Esta

    que efectuei em 1993, em que fui convidado para a assistir gratuitamente ao simpsio on

    Monitoring of Climate Related Geo-processes in Mountains organizado pelos Professores

    XI

  • especialistas em geomorfologia periglaciria, entre os quais o Prof. Anders Rapp, e no

    squeo o fascnio que essas actividades e discusses de campo me despertaram, em

    uar vrios estudos no mbito da monitorizao dos regimes trmicos do

    e

    particular no que respeita importncia da monitorizao dos processos actuais. Por isso,

    alm dos organizadores do congresso, agradeo ao Superintendent Nils-ke Andersson, que

    me fez o convite de participao, e tambm ao Prof. Jorge Gaspar, que atravs de um contacto

    na Universidade de Upsalla, me abriu as portas para a visita a Abisko.

    Prof. Suzanne Daveau, que me transmitiu uma viso integrada da Geografia Fsica na

    fantstica cadeira de Hidrologia que nos permitiu viajar pelo Mundo, e cujos trabalhos

    pioneiros sobre geomorfologia periglaciria, muito contriburam para o meu entusiasmo sobre

    o tema, agradeo todo o apoio dado ao longo do tempo de preparao da dissertao.

    Agradeo tambm os ensinamentos e as discusses de campo em duas visitas conjuntas

    Serra da Estrela, bem como a cedncia dos seus cadernos de campo originais das dcadas de

    1960 e 70, e de referncias bibliogrficas inditas acerca da Serra da Estrela.

    Ao Prof. Miguel Ramos Sanz (Departamento de Fsica da Universidade de Alcal de

    Henares, Espanha) agradeo a colaborao no desenvolvimento dos registadores

    termomtricos automticos usados no presente trabalho. Foi ele que me transmitiu os

    conhecimentos necessrios para a transformao dos sistemas de aquisio de dados, e que

    me emprestou um primeiro data logger para testar na Serra da Estrela. Agradeo-lhe tambm

    a participao nos trabalhos de campo numa semana particularmente fria e hmida de

    Novembro de 2001, situao em que procedemos recolha dos dados dos postos

    termomtricos sob condies meteorolgicas muito adversas. O Prof. Miguel Ramos

    colaborou tambm no estudo dos dados de temperatura do solo e da rocha. Agradeo-lhe

    ainda o convite que me fez para colaborar no projecto Radiantar-2001, o que me permitiu

    participar na campanha de 1999-2000 nas Ilhas Shetland do Sul (Antrctida), onde tive a

    oportunidade de efect

    permafrost e da camada activa, bem como acerca do controlo dos factores geogrficos na

    dinmica geomorfolgica actual. Foi graas a ele que me iniciei no estudo das ilhas da

    Pennsula Antrctica.

    Prof. Barbara Woronko (Laboratrio de Sedimentologia, Universidade de Varsvia,

    Polnia), agradeo o seu contributo e ensinamentos no estudo sedimentolgico das

    acumulaes arenosas elicas e dos depsitos glacignicos, em particular no que respeita s

    anlises ao microscpio ptico e electrnico de varrimento dos gros de quartzo, ao estudo

    das lminas delgadas e cedncia de sondas manuais para o estudo efectuado na Lagoa Seca.

    Foram muito enriquecedoras as entusisticas discusses e o trabalho conjunto efectuado em

    XII

  • trs campanhas na Serra da Estrela, bem como nas deslocaes Universidade de Varsvia.

    No posso deixar de lhe agradecer tambm pelas excurses que fizemos em diferentes

    ocasies a stios de interesse geomorfolgico na Polnia. A sua colaborao prestimosa foi

    fundamental nas semanas finais de preparao da dissertao, quando a partir do Cairo, por e-

    mail, discutiu vrias questes relacionadas com a anlise das lminas delgadas do diamicton

    das Penhas da Sade.

    Prof.. Elzbieta Mycielska-Dowgiao (Laboratrio de Sedimentologia, Universidade de

    Varsvia, Polnia) agradeo o interesse manifestado em 1997 pelo trabalho que eu vinha

    desenvolvendo na Serra da Estrela, e a sua oferta de colaborao, que em muito contribuiu

    para os avanos que apresento no campo da sedimentologia. No esqueo a simpatia com que

    me recebeu na sua casa em Varsvia e os contactos que me proporcionou no seu instituto, e

    agradeo tambm todo o seu contributo no estudo das acumulaes arenosas e dos depsitos

    glacirios e fluvioglacirios, bem como os ensinamentos transmitidos durante os trabalhos de

    da j na fase final dos trabalhos.

    campo na Serra da Estrela. Agradeo-lhe ainda a possibilidade de obteno de vrias dataes

    por termoluminescncia, bem como de uma datao por radiocarbono.

    Ao Prof. Piotr Migo (Departamento de Geografia, Universidade de Wroclaw, Polnia)

    agradeo a colaborao em duas campanhas de campo na Serra da Estrela, e em especial os

    seus ensinamentos e discusses no que respeita a problemas do modelado grantico. Foi ele

    tambm que colaborou nos estudos efectuados com o (seu) martelo de Schmidt.

    Ao Dr. Jan Jansen (Departamento de Ecologia, Universidade de Nijmegen, Holanda), com

    quem tive o prazer e a sorte de colaborar, e de efectuar vrias campanhas de campo, agradeo

    os inmeros ensinamentos e as discusses no mbito da fitossociologia e das relaes entre as

    comunidades vegetais, a dinmica geomorfolgica e o clima. Ele deu-me uma perspectiva

    nova da paisagem dos planaltos da Serra da Estrela.

    Ao Prof. Jean-Pierre Texier (Instituto do Quaternrio, Universidade de Bordus I, Frana)

    agradeo a sua disponibilidade para visitar a Serra da Estrela, e especialmente os comentrios

    e ensinamentos respeitantes interpretao dos depsitos de vertente, numa enriquecedora

    sada de campo efectua

    Dr. Maria Manuel Gouveia, bolseira do projecto ESTRELA, agradeo a colaborao e o

    apoio dado s actividades de investigao no ano de 2000-01, em especial no que respeita

    digitalizao de informao cartogrfica, compilao de dados climticos, e s anlises

    sedimentolgicas de laboratrio.

    Ao Dr. Narciso Ferreira (Instituto Geolgico e Mineiro, Porto) agradeo a colaborao e

    companheirismo nos trabalhos de campo numa fase inicial do trabalho, momento em que me

    XIII

  • alertou para alguns problemas geomorfolgicos da Serra da Estrela, bem como os

    ensinamentos respeitantes geologia dos granitos da Estrela, e o rpido esclarecimento de

    dvidas, sempre que elas surgiram.

    Prof. Maria Joo Alcoforado agradeo a disponibilizao de uma estao meteorolgica

    automtica que funcionou durante alguns meses no Alto da Torre.

    Ao Prof. Antnio Rocha-Campos (Universidade de So Paulo, Brasil) agradeo o envio de

    nsk, Polnia) agradeo

    trabalhos de

    e de Oslo, Noruega), ao Prof. Jef

    o a ajuda na instalao dos postos termomtricos e o

    vrias fotografias e das suas notas de campo de uma visita que efectuou Serra da Estrela,

    bem como a discusso de alguns problemas relacionados com a geomorfologia glaciria.

    Ao Prof. John Hollin (INSTAAR, Universidade do Colorado, Boulder, E.U.A.) agradeo a

    discusso e resoluo de algumas questes tcnicas relacionadas com o seu modelo de

    reconstituio das superfcies de glaciares de montanha.

    Ao Prof. Norikazu Matsuoka (Universidade de Tsukuba, Japo) agradeo os comentrios e

    conselhos referentes ao modo de instalao dos sensores de temperatura nas vertentes

    rochosas.

    Ao Prof. Irineusz Olszak (Laboratrio de TL, Universidade de Gda

    o seu interesse e disponibilidade em efectuar as vrias dataes por termoluminescncia

    apresentadas neste trabalho.

    Ao Prof. David Palacios (Departamento de Geografia Fsica, Universidade Complutense de

    Madrid, Espanha) agradeo os convites e as possibilidades de participar nos

    campo na Serra de Gredos, bem como na reunio e sada de campo do projecto PACE

    Permafrost and Climate in Europe realizada na Serra Nevada. Foi tambm ele o principal

    responsvel pela minha integrao como individual member na International Permafrost

    Association. Estes aspectos contriburam de modo importante para a minha formao em

    geomorfologia periglaciria.

    Aos participantes na excurso da Commission on Climate Change and Periglacial

    Environments Serra da Estrela em 1998, em especial Prof. May Modenesi-Gautieri

    (Instituto Geolgico SMA, So Paulo, Brasil), ao Prof. Albert Pissart (Universidade de

    Lige, Blgica), ao Prof. Ole Humlum (Universidad

    Vandenberghe (Universidade Livre de Amsterdo, Holanda) e ao Prof. Claudio Tellini

    (Universidade de Milo, Itlia), agradeo as questes, comentrios e problemas levantados

    durante essa visita de 3 dias, de onde extra muitos ensinamentos.

    Ao Dr. Mrio Neves agrade

    esclarecimento de dvidas relacionadas com o martelo de Schmidt.

    XIV

  • Ao Professor Antnio Lopes agradeo a ajuda prestada nos trabalhos de campo, bem como

    o apoio dado ao longo da preparao deste trabalho. Esse agradecimento estende-se ao Prof.

    Henrique Andrade, que discutiu tambm o desenho da estrutura dos postos termomtricos

    umas questes que foram

    s vertentes da Serra da Estrela como

    idade de trabalho, disponibilidade e o seu voluntarismo, foram muitas vezes

    apoio na escalada ao Cntaro Gordo num dia sem visibilidade e

    m

    ional que organizmos em 1998. Agradeo por isso, aos seus

    oscpio, com que fiz os

    primeiros ensaios de fotointerpretao numa fase inicial do trabalho.

    automticos.

    Ao Prof. Jos Lus Zzere agradeo o esclarecimento de alg

    surgindo ao longo da preparao do trabalho.

    Ao Dr. Carlos Sirgado, agradeo a ajuda prestada no tratamento laboratorial das amostras e

    tambm na discusso de alguns aspectos metodolgicos.

    Ao Arq. Andr Alves, Dr. Miguel Andr Pinheiro, Antnio Eanes e Pedro Mora agradeo

    o acompanhamento nos trabalhos de campo.

    Ao Sr. Jos Maria Saraiva que conhece os trilhos e a

    ningum, agradeo o prestimoso e desinteressado apoio que nos foi sempre dando nos

    trabalhos de campo, independentemente das condies meteorolgicas ou da hora do dia. A

    sua capac

    determinantes para levar a bom termos os trabalhos de campo.

    equipa de Salvamento em Montanha (SOS-Estrela) da Associao Cultural Amigos da

    Serra da Estrela, agradeo o

    e que as estradas de acesso Torre se encontravam cortadas devido espessa cobertura de

    neve. mesma associao, agradeo a cedncia do espao vedado no Alto da Torre para a

    instalao de uma estao meteorolgica automtica.

    O Parque Natural da Serra da Estrela contribuiu significativamente para este trabalho

    atravs do apoio logstico, no que respeita ao alojamento, acompanhamento por vigilantes da

    natureza, cedncia de cpias de mapas topogrficos de grande escala, e mesmo no apoio a

    uma sada de campo internac

    corpos directivos, e em particular ao seu Director, o Eng. Fernando Matos, que sempre nos

    deu o apoio possvel, facilitando-nos sempre os trabalhos de campo. Dr. Angelina Barbosa

    e Arq. Maria da Paz agradeo toda a disponibilidade e o apoio prestado. Agradeo tambm

    aos vigilantes da natureza que me acompanharam mais frequentemente nos trabalhos de

    campo: Jos Maria Saraiva, Carlos, Joaquim Neves e Marco Saraiva. Ao restante pessoal do

    Parque Natural da Serra da Estrela, agradeo a simpatia com que sempre me foram recebendo

    ao longo destes anos.

    Agradeo tambm ao Instituto Florestal, pela disponibilizao atravs da Eng. Ana Fontes,

    de fotografias areas na escala 1:15.000, bem como de um estere

    XV

  • Ao Instituto Geogrfico do Exrcito agradeo a cedncia ao abrigo do protocolo com o

    Centro de Estudos Geogrficos, das bases topogrficas digitais. Ao Instituto Geogrfico

    Portugus agradeo a cedncia ao abrigo do protocolo com o Centro de Estudos Geogrficos

    das ortofotografias digitais.

    campo na Polnia, bem como os ensinamentos

    gentilmente disponibilizaram artigos

    hristiansen, Ricardo Garcia; Aldar Gorbunov,

    Ribollini, Montserrat Jimnez

    iofsicos e unidades de paisagem em

    jos e revises finais do trabalho. Sem ela, no teria sido possvel levar

    Aos Doutores Stanislaw Kedzia, Jerzy Trzcinski e Ursula Yarosinska agradeo a

    disponibilidade para efectuar vrias sadas de

    relacionados com permafrost de montanha e sedimentologia dos tills.

    Gostaria tambm de agradecer aos vrios colegas que

    seus, ou de terceiros e que contriburam para enriquecer este trabalho: Augusto Prez Alberti,

    Jan Boelhouwers, Julia Branson, Hanne C

    Stephan Gruber, Wilfried Haeberli, Kevin Hall, Charles Harris, Stuart Harris, John Hollin,

    Ole Humlum, Jan Jansen, Damian M. Lawler, William Locke, Norikazu Matsuoka, Daniel

    McCarrol, Rosana Menndez Duarte, Valenti Turu i Michels, Piotr Migo, Susan Millar, Jose

    Lus Pea Monn, Atle Nesje, Mrio Neves, Miguel Ramos, Antnio Gomez rtiz, David

    Palacios, Francisco L. Prez, Albert Pissart, Brice Rea, Adriano

    Snchez, Matti Seppl, Enrique Serrano, Stanislaw Kedzia, Jos Luis Tanarro, Claudio

    Tellini, Colin E. Thorn, Jerzy Trzcinski, William Van der Knaap, Barbara Woronko, Roman

    urawek.

    Este trabalho foi parcialmente financiado pela Fundao para a Cincia e Tecnologia no

    quadro do projecto Processos geomorfolgicos e b

    montanhas mediterrneas. Aplicao Serra da Estrela (ESTRELA

    PRAXIS/P/CTE/11153/1998 e ESTRELA II POCTI/CTA/11153/1998). A colaborao com

    as Professoras B. Woronko e E. Mycielska-Dowgiao foi financiada atravs do acordo

    cultural entre as Universidades de Lisboa e de Varsvia, pelas respectivas universidades.

    Carla agradeo a disponibilidade e pacincia ilimitadas, bem como a ajuda nos

    momentos mais difceis. Estou-lhe infinitamente grato pelo acompanhamento e ajuda em

    quase todas as campanhas de campo, a ajuda no desenho, construo e instalao dos postos

    termomtricos, a discusso de diversos problemas que foram surgindo, em particular no

    campo da climatologia, bem como a sua colaborao directa na anlise dos dados das

    temperaturas do solo e da rocha, e no estudo da dinmica pluvio-elica, bem como na

    colaborao nos arran

    este trabalho a bom termo.

    XVI

  • Ao Sebastio estou imensamente grato pela pacincia, a boa-disposio constante e a

    alegria que sempre me transmitiu, aspectos que foram decisivos, em particular nos ltimos

    meses antes da entrega do trabalho.

    Finalmente, minha famlia, obrigado pela enorme pacincia, e em especial minha me,

    agradeo toda a disponibilidade e apoio, que foram particularmente teis durante o ltimo ano

    de preparao do trabalho.

    XVII

  • XVIII

  • Introduo

    INTRODUO

    O estudo cientfico da geomorfologia da Serra da Estrela foi marcado por dois trabalhos

    fundamentais. Em 1929 Hermann Lautensach publicou Eiszeitstudien in der Serra da Estrela

    (Portugal), obra traduzida em 1932 para portugus com o ttulo Estudo dos glaciares da

    Serra da Estrela. Trata-se de um trabalho marcante para a geomorfologia de montanha

    portuguesa, onde so identificados e discutidos diversos problemas acerca da glaciao da

    Estrela, tendo mesmo sido apresentado um mapa com a reconstituio da superfcie glaciria

    na ltima Glaciao. S mais de 30 anos depois que o tema retomado por Suzanne

    Daveau, autora que publicou a sntese La glaciation de la Serra da Estrela em 1971, onde

    foram definidos com bastante preciso os limites dos glaciares e estudadas as suas

    implicaes paleoclimticas1. Um outro estudo de Daveau dedicado s heranas dos perodos

    frios do Plistocnico foi o trabalho Quelques exemples dvolution quaternaire des versants

    au Portugal, publicado em 1973. Nesse trabalho, que parece ter sido impulsionador de

    outros estudos de periglaciarismo em Portugal, a autora estuda as heranas periglacirias, mas

    os testemunhos da Serra da Estrela surgem enquadrados no mbito nacional, e como tal no

    foram to aprofundados como sucedeu no caso do estudo da glaciao.

    Os trabalhos referidos permaneceram como os nicos estudos acerca das heranas

    glacirias e periglacirias da montanha mais alta de Portugal, a qual pela sua posio

    geogrfica na fachada atlntica do sudoeste europeu, e como tal, muito sensvel influncia

    climtica exercida pelo Atlntico Norte, constitui um local importante para as reconstituies

    paleogeogrficas a nvel regional. Isso foi alis demonstrado, por vrios trabalhos de

    palinologia, que analisamos no captulo 1.6.2.

    No mbito da dinmica geomorfolgica actual, a Serra da Estrela gerou algum interesse no

    que respeitou delimitao do andar dito periglacirio, tendo merecido uma anlise dos

    testemunhos geomorfolgicos e das condies climticas por Daveau em 1978, no artigo Le

    priglaciaire daltitude au Portugal. Brosche em 1982, numa sntese sobre a morfognese

    periglaciria na Pennsula Ibrica apresenta tambm observaes acerca da Serra da Estrela.

    Tratam-se porm de trabalhos sempre enquadrados num mbito regional mais vasto, e no

    constituem estudos muito detalhados da morfodinmica actual.

    Foi neste quadro geral do conhecimento, que o Professor Antnio de Brum Ferreira me

    sugeriu que dedicasse a minha dissertao de doutoramento ao estudo da dinmica

    1 Os trabalhos de Lautensach (1929, 1932) e de Daveau so sintetizados no captulo 1.6.1.

    1

  • Introduo

    geomorfolgica da Serra da Estrela. A ideia era, por um lado, aproveitar os ensinamentos

    adquiridos no estudo da dinmica actual da Serra do Gers, aprofundando o conhecimento das

    condies na Estrela; e por outro, tentar aplicar a metodologia de trabalho seguida por uma

    equipa de investigao do CEG, em colaborao com a Universidade da Corunha, nos estudos

    acerca das heranas glacirias e periglacirias do Plistocnico Superior da Serra do Gers, e

    que assentava na interpretao de uma sistemtica cartografia geomorfolgica de pormenor e

    no estudo sedimentolgico dos tills. Naturalmente, foi com agrado que aceitei a proposta, pois

    o estudo da Serra da Estrela permitia-me aliar o gosto pelo montanhismo e pelas regies frias,

    ao interesse pela morfognese glaciria e periglaciria.

    Assim, o presente trabalho inclui o estudo das heranas geomorfolgicas das fases frias do

    Plistocnico Superior, com particular destaque para as glacirias e periglacirias, mas tambm

    o estudo da dinmica geomorfolgica actual. A rea de estudo tem limites espaciais

    irregulares, e em alguns locais, algo difusos, mas centra-se claramente nos planaltos e altos

    vales da Estrela, como indica o ttulo do trabalho. Inclui-se assim, a rea glaciada no

    Plistocnico, bem como os vales e planaltos adjacentes, ou seja aqueles sectores onde a aco

    morfogentica do frio durante as fases frias do Plistocnico foi mais intensa. A rea de estudo

    integra, por isso, o Planalto Ocidental (entre o Alto da Torre e as Penhas Douradas), o

    Planalto Oriental (entre o Alto da Pedrice e o Curral do Vento), bem como os altos vales do

    Zzere e Alforfa, do Alva, da Ribeira da Cania, da Loriga, de Alvoco e da Estrela. Estes

    limites esto indicados no mapa geomorfolgico em anexo. importante notar que, apesar de

    se ter feito o reconhecimento de campo e o levantamento geomorfolgico na rea de estudo

    referida, concentrmos os trabalhos nos planaltos e na bacia do Zzere. Esta ltima rea ,

    alis, muito rica do ponto de vista geomorfolgico, e apresenta vrios cortes, bem como

    acessos relativamente fceis.

    O trabalho efectuado apoiou-se num reconhecimento de campo sistemtico, que no caso do

    estudo da dinmica geomorfolgica actual, implicou trabalho de campo nas mais diversas

    condies meteorolgicas, desde o Vero trrido, que dificulta o trabalho nos planaltos;

    passando por ascenses ao Cntaro Gordo em condies de denso nevoeiro, vento forte e

    neve; situaes anticiclnicas frias mas ensolaradas; neves; e finalmente, por episdios de

    chuva intensa. Este tipo de abordagem foi, em nosso entender, muito importante para melhor

    compreender a dinmica actual das reas altas da montanha. Paralelamente ao

    reconhecimento de campo, foi sendo construdo o mapa geomorfolgico apresentado em

    anexo (que serve tambm de guia para acompanhamento da leitura do trabalho), que se

    baseou, alm das observaes de campo, na fotointerpretao por estereoscopia de fotografias

    2

  • Introduo

    areas a preto e branco na escala aproximada de 1:15.000 e na anlise de ortofotografias

    digitais georeferenciadas com resoluo espacial de 1 m (CNIG)2. Durante o perodo de

    estudo, foi sendo progressivamente construda uma base de dados cartogrfica em ambiente

    SIG que foi de grande utilidade para as anlises espaciais, quer quantitativas, quer

    interpretativas, tendo sido particularmente importante para a modelao da superfcie glaciria

    no ltimo Mximo da Glaciao da Serra da Estrela (UMGSE). Essa base de dados bastante

    rica, ficando disponvel como uma excelente ferramenta para a continuao dos estudos.

    No mbito do estudo das heranas geomorfolgicas, alm da nfase dada s associaes de

    formas e depsitos, deu-se particular ateno ao estudo de depsitos em corte, tendo para isso

    sido estabelecidas colaboraes no mbito da sedimentologia com as Professoras Elzbieta

    Mycielska-Dowgiao e Barbara Woronko (Laboratrio de Sedimentologia, Faculdade de

    Geografia e Estudos Regionais, Universidade de Varsvia), e recentemente, com o Prof. Jean-

    Pierre Texier (Instituto do Quaternrio, Universidade de Bordus I). Alm disso, com o

    objectivo de estudar as questes ligadas ao modelado grantico e a resposta dos diferentes

    tipos petrogrficos eroso diferencial, que contudo apenas afloramos no presente trabalho,

    colabormos com o Prof. Piotr Migo (Departamento de Geografia, Universidade de

    Wroclaw).

    No mbito do estudo dos processos actuais, foram efectuadas diversas experincias de

    monitorizao, tendo-se dado especial ateno ao problema das acumulaes arenosas pluvio-

    elicas, bem como monitorizao da crioexpulso e da corraso nivo-elica. Efectumos

    tambm um esforo no que respeita monitorizao das temperaturas do ar, solo e rocha,

    tendo sido desenhados, construdos e instalados vrios postos termomtricos automticos.

    Nesse mbito contmos com a colaborao do Prof. Miguel Ramos Sanz (Grupo de Fsica

    Ambiental, Departamento de Fsica, Universidade de Alcal de Henares), que nos emprestou

    o primeiro registador automtico, e nos transmitiu os ensinamentos necessrios ao

    desenvolvimento dos postos termomtricos, tendo tambm colaborado na anlise dos dados.

    Contmos tambm com a colaborao da Dr Carla Mora (rea de Investigao de Geo-

    ecologia, Centro de Estudos Geogrficos, Universidade de Lisboa) em especial no que

    respeita aos aspectos ligados climatologia. Finalmente, para melhor compreendermos as

    relaes entre a dinmica geomorfolgica actual e as comunidades vegetais, colabormos com

    o Dr. Jan Jansen no mbito do projecto ESTRELA I e II Processos geomorfolgicos e

    2 Uma nota explicativa do mapa geomorfolgico apresentada em anexo, no final do trabalho.

    3

  • Introduo

    biofsicos e unidades de paisagem em montanhas mediterrneas. Aplicao Serra da

    Estrela.

    Aps esta exposio dos objectivos gerais e do enquadramento dos trabalhos, passamos a

    um comentrio breve organizao geral da dissertao, que dividimos em duas partes: as

    heranas glacirias e periglacirias; e o modelado e os processos geomorfolgicos actuais.

    No captulo 1 fazemos uma breve apresentao do quadro fsico da Serra da Estrela.

    Salientam-se em traos gerais as condies morfoestruturais, apresentam-se as caractersticas

    geolgicas da rea e a classificao adoptada, e faz-se uma sistematizao da organizao

    geral do relevo da montanha. Uma vez que a 2 parte do trabalho incide na dinmica

    geomorfolgica actual, expem-se ainda as principais caractersticas climticas da rea de

    estudo, com destaque para as temperaturas, a precipitao, o vento e a neve. No mesmo

    sentido, faz-se um enquadramento geral, mas muito sinttico das caractersticas fisionmicas

    das unidades de vegetao da montanha. E finalmente, apresenta-se um resumo dos principais

    trabalhos anteriores dedicados ao estudo dos paleoambientes da Serra da Estrela.

    O captulo 2 d incio 1 Parte da tese, e est focado no modelado de eroso glaciria.

    Iniciamos o captulo com uma introduo terica aos processos de eroso glaciria, que

    apresentamos, por pensarmos ser uma sntese til, em particular se considerarmos os escassos

    trabalhos publicados em Portugal sobre o tema. Essa introduo serve tambm de

    enquadramento para as discusses que se apresentam nos sub-captulos seguintes. Segue-se o

    estudo da distribuio das reas de eroso glaciria, aumentando-se depois,

    progressivamente, a escala de anlise, passando-se para o estudo dos circos glacirios e da sua

    contribuio para as reconstituies paleoambientais, e de seguida, para o estudo das

    convexidades rochosas de escala mdia. Finalmente, tratam-se as microformas de eroso e o

    seu significado morfogentico. Para alm de uma componente descritiva de cariz

    geomorfolgico, tentamos no captulo 2, sempre que possvel, mostrar, de que modo o

    modelado de eroso glaciria pode contribuir para melhor se compreender a dinmica

    glaciria.

    No captulo 3 estudamos as formas de acumulao e os depsitos glacirios. Inicia-se a

    abordagem do tema atravs do estudo das moreias e da sua tipologia, analisando-se depois a

    sua distribuio espacial e o seu significado. Segue-se o estudo dos tills, ponto que mereceu

    algum destaque, e onde se analisam vrios cortes. sempre efectuada a caracterizao

    macroscpica dos afloramentos, dando especial destaque estrutura, caractersticas

    granulomtricas e relaes entre unidades sedimentares de caractersticas diferentes. Nos

    depsitos mais interessantes foram efectuados estudos mais detalhados, como a anlise de

    4

  • Introduo

    lminas delgadas, estudo dos gros de quartzo ao microscpio ptico e electrnico de

    varrimento e anlises mineralgicas. Para a interpretao da gnese dos depsitos, alm das

    caractersticas sedimentolgicas dos cortes, sempre estudado o seu enquadramento

    geomorfolgico, aspecto fundamental, particularmente em ambientes de montanha. No

    mesmo captulo so estudados os depsitos fluvioglacirios, quer atravs da observao de

    cortes, quer por intermdio de sondagens. Apresenta-se tambm uma breve referncia aos

    terraos de obturao lateral presentes nos vales, e para terminar, estudam-se as acumulaes

    areno-cascalhentas do Vale do Zzere.

    No captulo 4 so apresentados e discutidos os principais problemas geomorfolgicos

    relacionados com a glaciao da margem leste do Planalto Ocidental. Trata-se de uma

    abordagem de cariz essencialmente geomorfolgico, pois so reas onde praticamente no

    existem cortes, o que naturalmente limita as interpretaes apresentadas. Contudo, so

    sectores da serra muito ricos em informao geomorfolgica e cuja a discusso nos parece

    fundamental.

    O captulo 5 tem um carcter substancialmente distinto dos anteriores, e nele apresentamos

    uma tentativa de modelao da superfcie glaciria no ltimo Mximo da Glaciao da Serra

    da Estrela (UMGSE). Para isso, aplica-se um modelo fsico de reconstituio da topografia

    glaciria, que se apoia nos testemunhos geomorfolgicos e em parmetros ligados

    deformao do gelo. Essa tentativa de modelao permitiu reconstituir a superfcie glaciria

    em ambiente SIG, tornando possvel a anlise detalhada das antigas Altitudes da Linha de

    Equilbrio (ALE) glacirias. A partir desses dados estabeleceram-se algumas consideraes

    paleoclimticas que foram depois retomadas nos captulos seguintes do trabalho.

    No captulo 6 estudam-se as formas e depsitos periglacirios e crionivais. Primeiro

    analisam-se os taludes e os cones de detritos presentes ao longo dos principais vales, e

    especialmente importantes nos sectores glaciados. Segue-se o estudo dos depsitos de

    vertente mais importantes, tentando-se sempre que possvel, avaliar o seu significado

    paleoclimtico. O captulo termina com o estudo das associaes de formas e depsitos

    periglacirios, ponto onde se discutem as reas mais interessantes, tentando aferir o seu

    possvel significado paleoclimtico, bem como as suas relaes com a rea glaciada.

    O captulo 7 constitui a concluso da 1 parte, e nele dado especial relevo ao contributo

    das formas e depsitos para as reconstituies paleoambientais. Analisa-se primeiro o

    contributo dos testemunhos de origem glaciria, seguindo-se o dos de origem periglaciria.

    Nesses pontos apresentam-se as indicaes paleoclimticas e as contribuies para uma

    cronologia relativa. Segue-se uma sntese preliminar da evoluo das condies

    5

  • Introduo

    paleoambientais no Plistocnico Superior, integrando os dados anteriores, com os dos estudos

    polnicos de Van der Knaap e Van Leeuwen (1997). Finalmente, luz de vrias dataes por

    termoluminescncia experimentais efectuadas em depsitos fluvioglacirios, e cuja validade

    enquadrada do ponto de vista terico, apresentamos uma tentativa de cronologia da

    deglaciao da Serra da Estrela.

    No captulo 8 tem incio o estudo do modelado e dos processos geomorfolgicos actuais,

    que constitui a 2 parte da dissertao. O captulo versa um aspecto importante da dinmica

    actual dos planaltos, que a gnese das pequenas acumulaes arenosas que ali existem, e que

    controlada por vrios processos, integrados sob a designao de dinmica pluvio-elica. O

    uso deste termo relaciona-se com o facto de o principal processo que est na origem da

    formao das acumulaes, ser o rainsplash-saltao em episdios de vento forte. Mas a

    gnese das acumulaes integra uma maior diversidade de processos, que foram identificados

    com base no estudo detalhado das acumulaes referidas. Assim, o captulo tem incio com

    uma sntese dos conhecimentos obtidos em trabalhos anteriores na Serra do Gers, seguindo-

    se um resumo de base bibliogrfica de outros estudos sobre acumulaes arenosas em regies

    de montanha. Apresentamos depois a caracterizao morfolgica das acumulaes da Serra da

    Estrela, bem como uma comparao entre as caractersticas granulomtricas das acumulaes

    da rea de estudo, com as analisadas na Serra do Gers. No ponto 8.6 apresenta-se uma

    anlise sedimentolgica detalhada das acumulaes arenosas da Serra da Estrela, a qual

    integra anlises granulomtricas, dos minerais pesados e das superfcies dos gros de quartzo

    com recurso aos microscpios ptico e electrnico de varrimento. Segue-se a apresentao

    dos resultados obtidos a partir de vrias experincias de monitorizao do movimento da

    superfcie das acumulaes. Esses resultados so ento comparados com dados da estao

    meteorolgica das Penhas Douradas, o que contribui para a identificao dos processos que

    influenciam a gnese das acumulaes. Esses processos so sistematizados no ponto 8.7,

    terminando-se o captulo com a apresentao de um modelo conceptual para a gnese das

    acumulaes arenosas, e com a discusso do seu significado no mbito da dinmica

    geomorfolgica actual dos planaltos.

    O captulo 9 corresponde ao estudo dos processos e do modelado crionival das reas altas.

    Inicia-se com um enquadramento terico dos vrios processos geomorfolgicos de natureza

    criognica activos na Serra da Estrela. Segue-se uma resenha bibliogrfica acerca do estado

    do conhecimento sobre a aco geomorfolgica do frio em Portugal, que serve de ponte para a

    anlise que apresentamos relativa rea de trabalho. Essa anlise inicia-se com os resultados

    de experincias para a monitorizao da aco da crioexpulso, seguindo-se uma apresentao

    6

  • Introduo

    sistemtica do modelado encontrado e da aco dos processos que o originaram. Em alguns

    casos, apresentam-se resultados obtidos a partir de experincias de monitorizao, noutros as

    interpretaes baseiam-se em observaes de campo. O micromodelado e os processos

    estudados so: o micromodelado originado pela aco dos pipkrakes; os solos ordenados em

    miniatura; as formas lobadas associadas solifluxo; os crescentes e degraus de vegetao; a

    desagregao das superfcies rochosas; o efeito morfogentico da corraso nivo-elica; os

    nichos de nivao; e finalmente, a dinmica actual dos taludes e cones de detritos.

    O captulo 10 refere-se ao estudo das temperaturas do ar, do solo e da rocha, com recurso a

    registadores automticos no perodo de Dezembro de 1999 a Maro de 2001. O captulo

    inicia-se com a apresentao das caractersticas tcnicas dos instrumentos de medida,

    seguindo-se a caracterizao das condies meteorolgicas gerais do perodo de estudo.

    Segue-se a apresentao dos resultados da monitorizao das temperaturas do solo e da rocha.

    Deu-se, para isso, especial importncia anlise dos regimes trmicos dirios, que se baseou

    em registos obtidos com 2 horas de intervalo, e sua relao com as condies

    meteorolgicas e com a neve no solo, tentando-se, sempre que possvel, determinar quais as

    consequncias geomorfolgicas de cada tipo de regime trmico.

    No captulo 12 apresenta-se a concluso da 2 parte do trabalho, dando-se especial realce

    distribuio espacial do micromodelado e dos processos descritos, bem como dos regimes

    trmicos identificados, o que permitiu sistematizar as observaes num modelo conceptual em

    que se apresenta um zonamento altitudinal dos andares geomorfolgicos da Serra da Estrela.

    O trabalho termina com uma concluso geral, onde se tenta sistematizar os principais

    resultados obtidos. Cabe ainda salientar, que em anexo, apresentamos o mapa geomorfolgico

    dos planaltos e reas altas da Serra da Estrela na escala 1:50.000, bem como uma nota

    explicativa do mesmo.

    7

  • 9

    CAPTULO 1

    QUADRO FSICO DA SERRA DA ESTRELA 1.1. ENQUADRAMENTO MORFOESTRUTURAL

    A Serra da Estrela (4020N, 735W) a mais alta montanha de Portugal Continental,

    atingindo 1993 m no Alto da Torre (Malho Grosso). Est integrada na Cordilheira Central

    Ibrica, uma morfoestrutura de tipo montanha de blocos (cf. Ribeiro, 1954), de

    desenvolvimento WSW-ENE, com cerca de 500 km de extenso e 40 km de largura, que se

    estende desde a Serra da Lous at a Somosierra, a norte de Madrid (Fig. 1.1). As principais

    unidades de relevo da Cordilheira Central so, de oeste para leste, as Serras da Lous, Aor,

    Gardunha, Estrela, Gata, Gredos, Guadarrama e Somosierra. Excluindo as duas primeiras, as

    serras referidas esto divididas por corredores aplanados de direco NE-SW, oblquos

    Figura 1.1 Localizao da Serra da Estrela na Pennsula Ibrica.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    10

    Figura 1.2 Perfis projectados da Serra da Estrela. A vertente noroeste; B vertente sudeste; C vertente sudoeste; 1 ltimo plano montanhoso; 2 topo das vertentes noroeste e sudoeste; 3 corte NW-SE passando pelo Forno da Moura e Portela dos Padres; 4 base da vertente noroeste; 5 perfil longitudinal do Mondego; 6 perfil longitudinal do Zzere, da ribeira do Vale de Amezendinha e perfil projectado dos pontos baixos do planalto da regio da Guarda; TB portela de Tiro da Barra (Daveau, 1969, p. 41).

    direco geral da Cordilheira (Daveau, 1969; Vegas et al., 1990).

    No que respeita Serra da Estrela, ela constitui a parte oriental e mais elevada de um

    alinhamento montanhoso de direco SW-NE, que se estende desde a Guarda at Serra da

    Lous, ao longo de cerca de 115 km, com uma largura mdia de 25 km (Lautensach, 1929,

    1932; Daveau, 1969). Dentro deste alinhamento, a Estrela est bem individualizada do ponto

    de vista morfolgico: a sudoeste, o planalto grantico que marca o alto da montanha, eleva-se

    bruscamente acima das cristas onduladas talhadas nos metassedimentos, e para nordeste,

    atravs de uma srie de degraus, a serra vai perdendo altitude at atingir o nvel da superfcie

    da Meseta, nas proximidades da Guarda (Ribeiro, 1954; Daveau, 1969 Fig. 1.2-A e B); os

    flancos sudeste e noroeste da montanha so constitudos por vertentes abruptas com

    comandos prximos de 1000 e de 1200 m, respectivamente, que contactam atravs de vrios

    patamares com as plataformas da Meseta e do Mondego (Fig. 1.2-C).

    O primeiro estudo acerca da geomorfologia da Serra da Estrela foi o de Lautensach (1929,

    1932). O autor evidenciou as principais caractersticas morfolgicas da serra, e salientou a

    importncia da eroso diferencial ao explorar o contraste litolgico entre xistos e granitos, que

    teria determinado a forma abrupta das vertentes do lado sudoeste da serra. Por outro lado,

    refere ainda, a propsito da origem da serra (Lautensach, 1932, p. 18): A Serra dos Cntaros

    apresenta-se-nos como uma regio de levantamento recente, cuja idade no pode porm ser

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    11

    Figura 1.3 Deformaes associadas formao da Cordilheira Central. A Cretcico Superior - zona de cisalhamento e movimento destrgiro dos blocos crustais; B Miocnico Mdio-Superior. Compresso e reactivao da rotaes, levantamento e formao de falha nas margens da cordilheira. Legenda da figura: B Cordilheira Btica; CI Cordilheira Ibrica; DP Dique de Plasncia; MB Margem btica; P Pirinus (Vegas et al., 1990, p. 376).

    determinada devido falta de sedimentos equivalentes nas regies mais baixas. A parte NW

    d a impresso de uma flexo, enquanto que a abrupta encosta de SE nos lembra uma falha.

    O autor identifica tambm a importncia do controlo exercido pela fracturao do substrato na

    instalao dos principais vales, salientando a existncia de nascentes termais, tanto em

    Manteigas, como em Unhais da Serra, apoiando o papel da tectnica.

    Mais tarde, Ribeiro (1954) mostrou que a morfoestrutura da Cordilheira Central

    caracterizada por retalhos planos a altitudes diferentes, resultado do deslocamento diferencial

    de antigos nveis de eroso ao longo de falhas. Daveau (1969) aprofundou o estudo das

    caractersticas morfoestruturais da Serra da Estrela, sublinhando tambm a origem tectnica

    da escadaria de blocos. um trabalho detalhado, onde foi tambm estudada a rede

    hidrogrfica e sua evoluo, a eroso diferencial entre xistos e granitos, o escalonamento das

    superfcies culminantes, os aplanamentos de sop e os depsitos correlativos.

    O esquema geral de levantamento de tipo montanha de blocos identificado por Ribeiro

    (1954) e Daveau (1969) aplica-se generalidade da Cordilheira Central Ibrica, e vrios

    autores tm aprofundado o problema luz da tectnica de placas. Assim, Vegas et al. (1990)

    propem a existncia de uma zona de fraqueza intraplaca onde se concentraram as

    deformaes no Cenozico. Essa zona teria resultado de cisalhamentos ante-cenozicos

    (Cretcico Superior) dominados por movimentos transformantes de tipo desligamento

    esquerdo (Fig. 1.3-A). A concentrao de cisalhamentos paralelos no centro da Pennsula teria

    causado a individualizao de vrios pequenos compartimentos tectnicos, resultado de uma

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    12

    Figura 1.4 Modelo geodinmico da Cordilheira Central apresentado por Vegas et al. (1990). b-d: Transio entre deformao frgil e dctil; M Moho, (Vegas et al., 1990, p. 377).

    Figura 1.5 Descolamento ao longo da descontinuidade de Moho e estrutura de tipo pop-up originando o levantamento da Cordilheira Central (segundo Ribeiro 1988).

    reaco da crusta superior deformao, que originou movimentos destrgiros e consequente

    fracturao. Ficaram assim individualizados compartimentos de orientao geral SW-NE, que

    foram posteriormente levantados no Miocnico Mdio e Superior, movimento este, ligado

    compresso entre as placas Africana e Euroasitica (Fig. 1.3-B). Segundo este modelo, o

    levantamento deve-se a uma reaco da crusta superficial ao espessamento crustal resultante

    da compresso. Nos nveis inferiores da crusta, o espessamento foi dctil, mas na crusta

    superior deu-se fracturao (Fig. 1.4).

    Por outro lado, Ribeiro (1988; ver tambm Ribeiro et al., 1990) prope um modelo

    gentico para a Cordilheira Central assente numa tectnica profunda com descolamento do

    soco ao longo do Moho. O autor pensa que a falha do Ponsul que limita a Cordilheira Central

    a sudeste, e a falha de Seia-Lous, que a limita a norte, convergem e se encontram em

    profundidade, originando o levantamento da Cordilheira numa estrutura de tipo pop-up (Fig.

    1.5). Poder-se-ia assim explicar o soerguimento da cordilheira no interior da microplaca

    ibrica.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    13

    1.2. O SUBSTRATO GEOLGICO

    O substrato do sector meridional da Serra da Estrela predominantemente composto por

    granitos com moscovite e biotite de gro grosseiro porfiride, instalados durante a orogenia

    hercnica numa sequncia metassedimentar ante-ordovcica. Essa sequncia um complexo

    epimetamrfico dobrado composto por filitos clorticos com intercalaes de metagrauvaques,

    meta-arenitos e metaconglomerados, surgindo tambm camadas finas de mrmores e

    mrmores dolomticos (Neiva et al., 1987, p. 439-440). Com base nas sequncias de Bouma

    para turbiditos clssicos identificaram-se duas formaes distintas nos metassedimentos (cf.

    Ferreira e Vieira, 1999):

    - a Formao do Rosmaninhal, dominada por metagrauvaques, mas com intercalaes de

    filitos e metaconglomerados;

    - e a Formao de Malpica do Tejo, constituda essencialmente por filitos, mas com

    alguns nveis de metagrauvaques.

    Neiva et al. (1987) referem que os granitides da Serra da Estrela se dividem, de modo

    geral, em granodioritos, granitos de duas micas, prfiros granticos e granitos moscovticos. A

    origem das diferentes variedades petrogrficas est relacionada, segundo os mesmos autores,

    com a cristalizao fraccionada in situ de um magma parental granodiortico: a variedade

    moscovtica deve estar associada diferenciao por difuso termogravtica; o magma

    granodiortico deve ter-se alojado a 720C; e a partir dele, formaram-se os granitos e prfiros

    granticos a 690C, mas apenas cristalizaram completamente a 520-400C; posteriormente, a

    partir de temperaturas de 400-350C e at 260-230C, os granitos de gro grosseiro estiveram

    sujeitos a alterao hidrotermal localizada, dando origem s variedades rseas e avermelhadas

    (ob. cit., p. 453); as massas de granodiorito provavelmente formaram-se pela fuso parcial de

    metassedimentos (ob. cit., p. 450).

    No presente trabalho seguimos essencialmente a classificao dos granitides da carta

    geolgica simplificada do Parque Natural da Serra da Estrela na escala 1:75.000 (in Ferreira e

    Vieira, 1999), com algumas informaes extradas das Cartas Geolgicas na escala 1:50.000

    dos Servios Geolgicos de Portugal.. A classificao da carta simplificada particularmente

    til do ponto de vista da identificao macroscpica e, alm disso, a possibilidade de

    utilizao dos limites dos afloramentos em ambiente SIG, tornou-se particularmente til ao

    longo dos trabalhos. Assim, e seguindo essa classificao, os granitides da parte Sul da Serra

    da Estrela, podem-se dividir em (Fig. 1.6):

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    14

    a) Granito da Estrela um granito moscovtico de gro mdio, podendo haver

    sectores de gro grosseiro e de tendncia porfiride. essencialmente alcalino, mas

    em alguns sectores, pode ter tendncia calco-alcalina. Tem como minerais essenciais:

    quartzo, albite, oligclase, microclina-pertite, pertite, microclina e moscovite

    (Teixeira et al., 1974). A mancha de granito da Estrela apresenta forma em ferradura,

    aberta para a Nave de Santo Antnio, integrando-se no seu interior, a rea do

    Terroeiro, Alto da Torre e a cabeceira do Vale da Candeeira. Encontra-se ainda um

    outro afloramento na vertente sul do Alto da Pedrice e prximo do v.g. de Piornos.

    b) Granito da Pedrice um granito de duas micas de gro fino, e inclui a mancha do

    Alto da Pedrice, bem como a designada em Teixeira et al. (1974), por granito do

    Cabeo da Bica, que se localiza entre o interflvio de Taloeiros e o Vale de Alforfa.

    Segundo Teixeira et al. (1974) essencialmente biottico. Os minerais essenciais so

    o quartzo, albite, albite-oligclase, oligclase, microclina, microclina-pertite,

    micropertite, biotite e moscovite (Teixeira et al., 1974).

    c) Granito do Curral do Vento um granito de duas micas de gro mdio de

    tendncia porfiride, que se estende do Planalto do Curral do Vento at vertente

    norte do Covo do Ferro. A sul do Cntaro Raso, surge integrada neste tipo de

    granito, uma pequena mancha de granito orbicular, que est individualizada na figura

    1.4 (Teixeira et al., 1974; Ferreira e Vieira, 1999). Em geral, um granito alcalino e

    os minerais essenciais so o quartzo, albite, oligclase, microclina-pertite, microclina,

    biotite e moscovite (Teixeira et al., 1974).

    d) Granito da Covilh um granito de duas micas porfiride de gro mdio, e

    corresponde a uma subdiviso da mancha g da Carta Geolgica na escala de

    1:50.000. Os minerais essenciais so o quartzo, microclina-pertite, oligclase, albite,

    microclina, micropertite, oligclase-andesina, biotite e moscovite (Teixeira et al.,

    1974). O granito da Covilh rodeia as manchas referidas acima, e passa atravs de um

    contacto gradativo para o granito de Seia, que se estende numa grande mancha

    ocupando toda a parte noroeste do sector estudado. Os fenocristais tm um eixo

    menor muito curto, o que lhes confere um aspecto

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    15

    Figura 1.6 - Geologia simplificada da rea de glaciao da Serra da Estrela (Daveau et al., 1997). 1 - Depsitos glacirios e fluvioglacirios; 2 - Metassedimentos do Complexo Xistograuvquico; 3 - granito de duas micas, porfiride, de gro grosseiro (Granito de Seia); 4 - granito de duas micas, porfiride, de gro mdio (Granito da Covilh); 5 - granito moscovtico de gro mdio a grosseiro (Granito da Estrela); 6 - granito de duas micas de gro fino (Granito do Cabeo da Bica, includo sob a designao de Granito da Pedrice); 7 - granito de duas micas de gro mdio (Granito do Curral do Vento); 8 - granito orbicular de duas micas, de gro mdio (Granito do Curral do Vento - orbicular); 9 - granito de duas micas, de gro fino (Granito da Pedrice); 10 - granito biottico, de gro fino (Granito do Covo do Curral); 11 - granito biottico porfiride, de gro mdio (Granito de Manteigas); 12 - a) rochas filoneanas; b) falhas.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    16

    tabular. Alm disso, frequentemente esto orientados, reflectindo o fluxo magmtico

    (Ferreira e Vieira, 1999).

    e) Granito de Seia um granito porfiride de duas micas, caractersticas que so

    prximas das do Granito da Covilh, mas o gro grosseiro e os fenocristais tm

    contornos mal definidos, encontrando-se normalmente sem orientao no seio da

    matriz (Ferreira e Vieira, 1999). O Granito de Seia domina no Planalto do Curral do

    Martins, bem como nas vertentes ocidentais da serra, prolongando-se para norte em

    direco a Gouveia e Nabais.

    f) Granito de Manteigas um granito biottico de gro mdio, no porfiride, com

    encraves melanocrticos (dioritos quartzcos), e com composio calco-alcalina com

    tendncia granodiortica. Os minerais essenciais so o quartzo, oligclase-andesina,

    andesina, oligclase, microclina, micropertite, microclina-pertite e biotite (Teixeira et

    al., 1974). Este tipo de granito aflora na rea de Manteigas, numa mancha alongada

    na direco NW-SE, entre o Cho das Barcas e o Cabeo do Moreira. Os

    afloramentos mostram quase sempre um granito muito alterado, facto que alis est

    na origem do carcter amplo do Vale do Zzere prximo de Manteigas.

    g) Granito do Covo do Curral - um granito biottico de gro fino de tendncia

    porfiride, em cuja matriz surgem pequenos cristais de quartzo globular, rodeados de

    biotite (Ferreira e Vieira, 1999). Aflora a norte da Lagoa Comprida, numa pequena

    mancha de contorno irregular. Este afloramento classificado como um granodiorito

    por Neiva et al. (1987).

    Alm dos granitides, encontram-se na Serra da Estrela massas e files aplticos, aplito-

    pegmatitcos e pegmatticos, cortando principalmente os granitos de Seia e da Covilh. Estas

    litologias so particularmente importantes no que se refere aos depsitos de vertente, pois

    muitas vezes so mais resistentes alterao do que a rocha encaixante, e do origem a blocos

    de carcter anguloso, que se podem confundir com macrogelifractos. So tambm frequentes

    os files de quartzo com direces NE-SW e NNE-SSW e, em alguns locais, ocorrem files

    bsicos, principalmente compostos por doleritos, instalados ao longo de falhas hercnicas

    (Neiva et al., 1987).

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    17

    1.3. O RELEVO DO SECTOR MERIDIONAL

    O cariz planltico dos interflvios uma caracterstica fundamental da Serra da Estrela,

    no s devido sua marca na paisagem (ver Ferreira et al., 2003), mas tambm pelo seu efeito

    na morfognese, tanto actual, como herdada, como mostramos neste trabalho. Basicamente, a

    superfcie planltica culminante compreende as altitudes superiores a cerca de 1400 m, mas

    est fortemente dissecada pelo alinhamento submeridiano dos vales do Zzere e Alforfa, que a

    divide em dois sectores (Fig. 1.7): a oeste, entre as Penhas Douradas e o Alto da Torre (ou

    Malho Grosso) encontra-se a parte mais alta, com valores entre 1500 e 2000 m, e que

    designamos neste trabalho por Planalto Ocidental; e a leste, entre o Curral da Nave e o Alto

    da Pedrice, a altitudes entre 1450 e 1760 m, encontra-se o Planalto Oriental. Neles,

    possvel identificar vrios degraus que devem ser, em larga medida, controlados pela

    tectnica, e cujos traos gerais foram identificados por Daveau (1969).

    No Planalto Oriental distinguem-se vrias subunidades, que, no presente trabalho,

    designamos por (Fig. 1.7):

    - Planalto do Curral da Nave (1450 m) - situa-se na parte norte do Planalto oriental, entre

    os vales de Beijames e do Zzere, e prolonga-se para sul, contornando o interflvio do Curral

    do Vento;

    - Planalto do Curral do Vento (1600-1700 m) situa-se a norte do Vale da Ribeira das

    Cortes (Penhas da Sade), e estende-se entre os vrtices geodsicos dos Poios Brancos e do

    Curral do Vento, dominando o Planalto do Curral da Nave;

    - Planalto do Alto da Pedrice (1700-1750 m) situa-se no limite sul do Planalto

    Oriental1.

    Quanto ao Planalto Ocidental, identificam-se trs patamares principais (Fig. 1.7):

    - Planalto das Penhas Douradas (ca. 1500-1550 m) situa-se na parte norte do Planalto

    Ocidental, prolonga-se do Corgo das Ms (Penhas Douradas) at rea de Vale das guas;

    - Planalto do Curral do Martins (ca. 1650-1760 m) limitado a norte pelo interflvio

    da Fraga das Penas, e prolonga-se a sul, at ao v.g. de Piornal, e a oeste, at ao interflvio

    setentrional do Vale da Lagoa Comprida;

    - Planalto da Torre (acima de 1800 m) constitui a superfcie culminante da montanha, e

    prolonga-se desde o interflvio do Rodeio Grande (a noroeste), at ao Alto da Torre (a

    sudeste), incluindo tambm o interflvio da Penha dos Abutres2.

    1 de notar que, por vezes, no texto, por convenincia de localizao, referimo-nos aos planaltos do Curral do Vento e do Alto da Pedrice como uma superfcie nica.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    18

    Figura 1.7 Localizao dos diversos sectores dos planaltos da Serra da Estrela, como referidos no texto: 1 Planalto do Curral da Nave; 2 Planalto do Curral do Vento; 3 Planalto do Alto da Pedrice; 4 Planalto das Penhas Douradas; 5 Planalto do Curral do Martins; 6 Planalto da Torre.

    As superfcies planlticas so limitadas por degraus de declive moderado e com algumas

    dezenas de metros de comando, controlados por fracturao de direco prxima de NW-SE,

    testemunhando o controlo exercido pela tectnica. Descendo no pormenor, verifica-se que as

    superfcies dos planaltos so irregulares, e marcadas por pequenas unidades morfolgicas, que

    apresentamos adiante.

    No que diz respeito aos vales, o mais importante, e o nico que verdadeiramente penetra

    no interior do macio central da Estrela sem perder vigor, o Vale do Zzere, que, como

    2 Na regio da Serra da Estrela, a rea que inclui os planaltos do Curral do Martins e da Torre, frequentemente designada por Planalto Superior.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    19

    referimos, divide os planaltos ocidental e oriental (Figs. 1.7 e 1.8). A montante de Manteigas

    o traado rectilneo do vale na direco NNE-SSW, a regularidade das vertentes, e a forma

    tpica em U aberto, so impressionantes, resultando, em larga medida, do encaixe ao longo

    do alinhamento tectnico que vai de Unhais da Serra at Bragana. Esta linha de fraqueza

    tectnica facilitou a eroso glaciria e a posterior dinmica que na fase paraglaciria

    contribuiu para a regularizao das vertentes. S no troo mais a montante que o Vale do

    Zzere muda de direco, fazendo um cotovelo, e dirigindo-se para a parte mais elevada da

    montanha, com a qual contacta atravs das paredes do circo glacirio do Covo Cimeiro.

    Ainda no mbito da mesma bacia-vertente, merece referncia o pequeno vale tributrio

    suspenso da Candeeira, com cerca de 3 km de comprimento e com uma grande diversidade de

    formas e depsitos glacirios, como apresentamos no captulo 4.4.

    A sul do Vale do Zzere e no mesmo alinhamento tectnico, encontra-se o Vale de Alforfa

    com um traado simtrico ao primeiro, com o qual contacta atravs da ampla portela aplanada

    da Nave de Santo Antnio.

    Alm do referido eixo Zzere-Alforfa, existem vrios vales que entalham os rebordos dos

    planaltos, sem se prolongarem muito para o seu interior, e apresentando um desenvolvimento

    radial em relao parte cimeira. So eles, comeando pelo sector noroeste, no sentido

    inverso aos ponteiros do relgio (Fig. 1.8):

    - o Vale do Alva, importante afluente do Mondego, que se ramifica prximo da vila do

    Sabugueiro, a cerca de 1080 m de altitude em vales tributrios, que se estendem pelos

    planaltos das Penhas Douradas e do Curral do Martins. Neste ltimo planalto, assumem um

    modelado glacirio no Covo do Urso e Nave Descida, sendo tambm de referir o sector de

    fundo amplo do Vale do Conde, onde ocorreu importante sedimentao glaciria (ver mapa

    geomorfolgico em anexo);

    - o Vale da Ribeira da Cania, glaciado a montante do Porto das Vacas (ca. 990 m),

    penetra no Planalto do Curral do Martins atravs do Vale da Lagoa Comprida, uma das reas

    da Estrela onde a aco erosiva dos glaciares foi mais intensa. A parte mais elevada da bacia-

    vertente, situada entre os vrtices geodsicos do Rodeio Grande e do Cume (ca. 1860 m),

    drena o Planalto da Torre. O glaciar que se desenvolvia no Vale da Ribeira da Cania foi

    designado por Lautensach (1929, 1932) por Glaciar do Covo Grande;

    - o Vale de Loriga, glaciado acima de 780 m, que penetra no lado ocidental do Planalto da

    Torre e drena a maior parte da sua rea, um magnfico exemplo de vale glacirio, com um

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    20

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  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    21

    clssico perfil transversal em U, uma sequncia de 4 coves em escadaria bem

    desenvolvidos (Areia, Nave, Meio e Boieiro), e vrias lagoas no contacto com o planalto.

    - o Vale de Alvoco, localizado a sudoeste do Planalto da Torre, no o chega a entalhar.

    Tem um perfil transversal em V e, para alm de uma ampla acumulao fluvioglaciria na

    rea de Corgos, apresenta poucos testemunhos da aco glaciria, em especial no que se

    refere a formas de acumulao, tendo estado glaciado, pelo menos, a partir de 1400 m de

    altitude.

    - o Vale da Estrela, pequeno tributrio do Vale de Alforfa, situa-se a sul do Planalto da

    Torre e a sua caracterstica mais interessante do ponto de vista geomorfolgico, o circo

    glacirio que se desenvolveu na sua cabeceira. Os vestgios glacirios so claros acima de

    cerca de 1300 m de altitude.

    - o Vale da Ribeira das Cortes, que entalha o rebordo sul e sudeste do Planalto do Alto da

    Pedrice, prolongando-se para montante, at ao rebordo sul do Planalto do Curral do Vento.

    Deste vale, apenas a cabeceira, situada na rea das Penhas da Sade, foi estudada.

    - o Vale da Ribeira de Beijames, que est quase na sua totalidade, fora da rea de estudo,

    entalha o Planalto do Curral da Nave por oriente, estendendo-se at portela da Lagoa Seca.

    Nesse local encontra-se um conjunto importante de arcos mornicos de recesso, mas o

    glaciar prolongou-se at pelo menos rea do Vidoeiro, a cerca de 1350 m de altitude,

    embora os vestgios sugiram tratar-se de um episdio glacirio bastante mais antigo do que a

    fase da Lagoa Seca.

    - Finalmente, a norte da rea de estudo, encontra-se o Vale do Mondego, que entalha a

    serra num sentido SW-NE, contactando com a parte norte do Planalto das Penhas Douradas.

    O Vale do Mondego est claramente fora dos limites da(s) glaciao(es).

    No que respeita s grandes unidades morfolgicas, cabe ainda salientar a importncia dos

    flancos sudeste e noroeste da montanha, que constituem imponentes escarpas de falha com

    comandos superiores a 1000 m. As diferenas na litologia so fundamentais para a

    conservao dessas vertentes, verificando-se que elas se encontram ainda frescas nos granitos,

    mas nos metassedimentos a eroso fluvial degradou-as fortemente. Esse facto v-se

    perfeitamente na figura 1.8, especialmente no contraste entre as reas a sul e a nordeste do

    Planalto do Curral da Nave. Nas primeiras, as altitudes so mais elevadas, os vales rectilneos

    e os planaltos impem-se; e nas segundas, as altitudes so menores, os interflvios so cristas

    alongadas e irregulares, e dominam claramente os vales. Alis, a figura ilustra bem o papel da

    eroso diferencial no relevo da Estrela, mostrando, como j referira Daveau (1969), que o

    relevo actual da montanha, no apenas o resultado de uma tectnica compressiva. Uma

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    22

    outra rea onde se nota bem a influncia da litologia no relevo, o flanco meridional da serra,

    na rea a sul do Vale de Alforfa (Fig. 1.8). Alis, uma anlise cuidada da perspectiva obtida

    com base no MNT permite delimitar com algum rigor as reas de contacto entre granitides e

    metassedimentos.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    23

    1.4. CARACTERSTICAS GERAIS DO CLIMA

    O conhecimento acerca das caractersticas climticas das reas altas da Serra da Estrela

    escasso, pois as trs estaes meteorolgicas com dados localizam-se abaixo de 1600 m, ou

    seja, a uma altitude, no mnimo 430 m inferior do Alto da Torre (Fig. 1.9). Alm disso, as

    estaes da Lagoa Comprida (LC 1560 m) e Penhas da Sade (PS 1510 m) deixaram de

    funcionar na dcada de 1980, apenas se mantendo actualmente em actividade a estao das

    Penhas Douradas (PD 1380 m). Neste apontamento breve, baseamo-nos nos trabalhos

    publicados por outros autores, e nos dados das normais climatolgicas de 1941-70. Embora se

    tratem de dados insuficientes para uma caracterizao detalhada do clima da Estrela,

    permitem ter uma ideia geral das condies com influncia na dinmica geomorfolgica

    actual. De sublinhar no entanto que, para melhorar o conhecimento das condies trmicas

    nas partes altas da montanha, tanto ao nvel do ar, como do solo e da rocha, instalmos postos

    termomtricos automticos em vrios locais (Cap. 10).

    1.4.1. A precipitao

    A Cordilheira Central marca geograficamente a transio entre o Sul e o Norte de Portugal

    (Daveau et al., 1977), apresentando as caractersticas tpicas de um clima Mediterrneo com

    veres quentes e secos, embora com precipitaes abundantes no semestre frio, cujos valores

    Figura 1.9 Localizao das estaes meteorolgicas da parte alta da Serra da Estrela cujos dados so usados neste trabalho. 1 Penhas Douradas; 2 Penhas da Sade; 3 Lagoa Comprida.

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

    24

    ultrapassam 2500 mm nas montanhas mais altas (ob. cit.). Estes valores de precipitao muito

    elevados, traduzem j um certo cariz ocenico, e fazem lembrar mais o que se passa no

    Noroeste da Pennsula Ibrica, do que o que se verifica no verdadeiro ambiente mediterrneo.

    Os factores que exercem um controle mais significativo na precipitao na Serra da Estrela

    so a sua orientao (perpendicular ao fluxo das massas de ar hmidas vindas do Atlntico), e

    a altitude. Alis, no estudo de Daveau et al. (1977) acerca da distribuio e ritmo da

    precipitao, notrio o aumento dos quantitativos desta com a altitude. Porm, quando a

    anlise se faz em maior pormenor, o padro espacial mais complexo, e verifica-se que a rea

    mais hmida se encontra descentrada para leste, abrangendo os planaltos da Torre e da

    Pedrice Poios Brancos (Figs. 1.10 e 1.11). escala local, a distribuio da precipitao

    pois, difcil de interpretar, e parece relacionada com a origem das massas de ar, e com o modo

    como a morfologia da serra controla a sua convergncia e divergncia (Daveau et al., 1977).

    Alis, segundo os mesmos autores, a convergncia dos fluxos de ar na rea dos Poios

    Brancos, que deve explicar os elevados valores de precipitao ali encontrados.

    Como referimos acima, a precipitao mdia anual (1931-60) atinge valores superiores a

    2500 mm nos planaltos da Torre e da Pedrice Curral da Nave (Fig. 1.12). Nos sops

    nordeste e sudoeste registam-se os valores mnimos de precipitao, que so prximos de

    1000 a 1200 mm. Os amplos sectores planlticos situados acima de 1400 m, recebem valores

    anuais da ordem dos 2000 a 2500 mm. As irregularidades espaciais nas isolinhas da

    precipitao

    Figura 1.10 Perfil transversal na Serra da Estrela, ilustrando a precipitao mdia anual (linha contnua) e o nmero de dias com precipitao (linha tracejada) para o perodo de 1931-60 (Daveau et al., 1985).

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    Figura 1.11 Precipitao anual no perodo de 1931-60 na regio da Serra da Estrela (extrado do mapa da precipitao de Portugal, na escala 1:500.000, de Daveau et al., 1977).

    Figura 1.12 Nmero anual de dias de precipitao no perodo de 1931-60 na regio da Serra da Estrela (extrado do mapa do nmero de dias de precipitao de Portugal, na escala 1:500.000, de Daveau et al., 1977).

    devem-se especialmente aos vales que se prolongam para o interior da serra, sendo

    particularmente significativa a influncia causada pelo Vale do Zzere.

    Daveau et al. (1977) estudaram tambm a distribuio espacial do nmero de dias de

    precipitao, e notaram que os padres encontrados so distintos dos obtidos para os totais

    anuais. A rea com maior nmero de dias de precipitao (140 a 150 dias), corresponde

  • Captulo 1 Quadro fsico da Serra da Estrela

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    Figura 1.13 Regime mensal mdio dos elementos do clima na estao das Penhas Douradas (Vieira e Mora,

    1998 a partir das Normais Climatolgicas de 1941-70).

    parte mais alta da serra e o principal controlo parece ser exercido pela altitude (Fig. 1.12).

    Assim, a elevada precipitao da rea do Alto da Pedrice Poios Brancos, corresponde

    essencialmente a episdios de precipitao menos numerosos, mas de maior intensidade,

    enquanto na parte ocidental e mais elevada da serra, a precipitao mais frequente, mas ter

    em mdia por episdio, valores inferiores. No que se refere ao contraste entre os planaltos e as

    reas de sop a noroeste e sudeste, verifica-se que os primeiros tm mais de 150 dias de

    precipitao por ano, enquanto os segundos, apenas registam 100 a 110 dias.

    O regime anual da precipitao marcadamente mediterrneo, aspecto que notrio, no

    s nos veres secos, mas tambm, na irregularidade dos valores registados, tanto a nvel inter-

    mensal, como interanual (Fig. 1.13). Os meses mais secos so Julho e Agosto, com valores

    mdios de precipitao inferiores a 23 mm, em qualquer das 3 estaes altas da Serra da

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