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http://6cieta.org São Paulo, 8 a 12 de setembro de 2014. ISBN: 978-85-7506-232-6 GEOGRAFIA E GEÓGRAFOS DAQUI E D'ALHURES: INFLUÊNCIAS EXTERNAS NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL Jane Roberta de Assis Barbosa Universidade de São Paulo– USP Bolsista do CNPQ [email protected] PLANEJAMENTO PARA QUEM? ALGUMAS NOTAS PARA INICIAR O DEBATE A trajetória do planejamento das ações do Estado com vistas à transformação dos territórios, não é recente. Já nos anos de 1920 ele foi apropriado pelos governos nacionais, para reduzir as desigualdades regionais em países de economia socialista, como a União Soviética, ou capitalista, a exemplo dos Estados Unidos da América. Nos anos que se seguiram a Segunda Guerra Mundial, o planejamento continuou a ser empregado na França, Itália e Inglaterra, desta vez para recuperar a infraestrutura dos territórios afetados pela guerra. No final dos anos de 1950 esses países influenciaram as ações de planejamento nos países emergentes de economia capitalista, como o Brasil, que começou a fazer uso de uma diversidade de conceitos e metodologias para qualificar suas ações. Tratou-se, então, de importar paradigmas que influenciaram não somente na elaboração dos planos regionais de desenvolvimento, mas na formação dos técnicos brasileiros (IANNI, 1971). A Geografia brasileira inseriu-se nesse processo, como destacou Abreu (1994, p. 40), que atribuiu a difusão das atividades de planejamento territorial na Europa no período do pós-guerra, e sua expansão no Brasil no final da década de 50, [as quais] constituíram-se em força centrípeta de grande intensidade, completando o processo de atração dos geógrafos para a chamada área urbano-regional. A partir da década de 1960 a Geografia Brasileira passou a dar maior atenção em suas reuniões científicas à temática do planejamento regional, sobretudo, por que em 25 de 2395

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GEOGRAFIA E GEÓGRAFOS DAQUI E D'ALHURES:INFLUÊNCIAS EXTERNAS NA ELABORAÇÃO DOSPLANOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DO

RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

Jane Roberta de Assis Barbosa

Universidade de São Paulo– USP

Bolsista do CNPQ

[email protected]

PLANEJAMENTO PARA QUEM? ALGUMAS NOTAS PARA INICIAR O DEBATE

A trajetória do planejamento das ações do Estado com vistas à transformação

dos territórios, não é recente. Já nos anos de 1920 ele foi apropriado pelos governos

nacionais, para reduzir as desigualdades regionais em países de economia socialista, como a

União Soviética, ou capitalista, a exemplo dos Estados Unidos da América. Nos anos que se

seguiram a Segunda Guerra Mundial, o planejamento continuou a ser empregado na França,

Itália e Inglaterra, desta vez para recuperar a infraestrutura dos territórios afetados pela

guerra. No final dos anos de 1950 esses países influenciaram as ações de planejamento nos

países emergentes de economia capitalista, como o Brasil, que começou a fazer uso de uma

diversidade de conceitos e metodologias para qualificar suas ações. Tratou-se, então, de

importar paradigmas que influenciaram não somente na elaboração dos planos regionais de

desenvolvimento, mas na formação dos técnicos brasileiros (IANNI, 1971).

A Geografia brasileira inseriu-se nesse processo, como destacou Abreu (1994, p.

40), que atribuiu

a difusão das atividades de planejamento territorial na Europa no período do

pós-guerra, e sua expansão no Brasil no final da década de 50, [as quais]

constituíram-se em força centrípeta de grande intensidade, completando o

processo de atração dos geógrafos para a chamada área urbano-regional.

A partir da década de 1960 a Geografia Brasileira passou a dar maior atenção em

suas reuniões científicas à temática do planejamento regional, sobretudo, por que em 25 de

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janeiro de 1962 o governo brasileiro promulgou a Lei N. 01 criando o Ministério

Extraordinário do Planejamento. A promulgação dessa Lei não passou despercebida pelos

geógrafos, haja vista a realização da Reunião Anual da Associação dos Geógrafos Brasileiros

– AGB, ocorrida em Penedo, no estado de Alagoas em 1962, cujo tema foi: Geografia e

Planejamento Regional.

Ainda na década de 1960 estavam ocorrendo frutuosos diálogos entre Geografia

Francesa e a Geografia Brasileira, que culminou na realização de alguns eventos, dentre os

quais destaca-se o seminário internacional do Centre National de la Recherche Scientifique –

C.N.R.S, La Régionalisation de l’espace au Brésil, realizado no Centre de d’Études de Géographie

Tropicale de Bordeaux em 1968. Na ocasião, estiveram presentes Pierre Monbeig

(organizador), Bernard Kayser, Pierre George, Michel Rochefort, Manuel C. de Andrade, Lysia

Bernardes e Milton Santos. O evento, além de servir para divulgação das pesquisas

produzidas sobre o Brasil, solidificou a relação entre a Geografia Francesa e a Geografia

Brasileira tendo o objetivo de desenvolver reflexões a respeito do planejamento regional

brasileiro dentre outras temáticas.

O Brasil do final dos anos de 1960 estava despertando a atenção dos geógrafos

franceses, para os quais,

le Brésil offrait un terrain privilégié pour l’étude des problèmes d’organisation de

l’espace: immensité du pays, diversité des conditions du milieu physique,

importance des effets “régionalisateurs” de l’histoire et des cycles économiques

successifs, vigueur actuelle du développement urbain remettant en question,

dans le Brésil moderne, le canevas des régions créées par les villes coloniales,

enfin recherches très poussées menées par les géographes et les organismes

brésiliens de Planification sur les régions de programme (C.N.R.S, 1971, p.8)1.

Em consulta ao catálogo de teses disponibilizado pela École des Hautes Études

en Science Sociale (EHESS), foi possível identificar no período de 1823 a 2012, 334 teses

defendidas nas Ciências Humanas a respeito do Brasil. Todavia foi apenas em 1969 que elas

passaram a incorporar o planejamento como tema central. A primeira tese defendida na

1 “O Brasil ofereceria um terreno privilegiado para o estudo dos problemas de organização do espaço: imensidão do país (a concepção de pays na geografia francesa pode ter vários sentidos, a saber: escala nacional, espaço político, escala local), diversidade das condições do meio físico, importância dos efeitos regionalizadores, da história e dos sucessivos ciclos econômicos. Além do vigor atual do desenvolvimento urbano, que coloca em questão no Brasil moderno, os traçados regionais criados para as cidades coloniais. Enfim, diversas pesquisas muito avançadas realizadas por geógrafos e instituições brasileiras ligadas ao planejamento das Regiões Programa (Tradução livre da autora)”.

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França sobre planejamento brasileiro foi: Urbanisation et Sousdéveloppement: principes

fondamentaux pour la planification d’une ville brésilienne, L’Université Paris VIII, 1969, cujo

autor é Jorge de Rezende Dantas, tendo como orientador Yves Lacoste.

É preciso lembrar que nas décadas de 1960 e 1970 a região era considerada a

principal referência para os estudos de planejamento na Geografia, tendo ainda os

seguintes geógrafos franceses: Bernard Kayser (1966), Pierre George (1966) e Michel

Rochefort (1960), exercido grande influência nas concepções de planejamento na Geografia

Brasileira.

O Rio Grande do Norte2 (ver mapa 1), situado no Nordeste do Brasil, como se

verá ao longo desse artigo, não foi negligenciado. Foram formuladas normas, planos,

programas, projetos; além disso, criaram-se Secretarias e Conselhos. Ou seja, promoveu-se

uma tecnoesfera e uma psicoesfera3 do planejamento das ações públicas, as quais tem

origem a partir das ações de dois grandes grupos: os agentes hegemônicos que controlam a

tomada das decisões mais importantes, sobretudo a realização das grandes obras de

engenharia (Estado, empresas, algumas ONGs, organismos internacionais, oligarquias); e os

sujeitos da participação (população). A psicoefera do planejamento corporativo seletivo é

constituída por normas (leis, decretos, portarias) e ações. Já os Ministérios, Secretarias,

Superintendências, Conselhos e Associações em sua estrutura física, configuram a

tecnoesfera do planejamento que vem sendo praticado no Rio Grande do Norte.

2 Estado da federação brasileira situado na Região Nordeste, cuja população de 3.168.027 habitantes, de acordo com o censo 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, distribuida em 167 municípios. O Rio Grande doNorte possui uma área de 52.796,8 km².

3 De acordo com Santos (2004, p. 256), “a tecnosfera se adapta aos mandamentos da produção e do intercâmbio e, desse modo, frequentemente traduz interesses distantes”. Já a psicoesfera, ainda com base nesse autor, diz respeito a um conjunto de crenças, desejos.

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Mapa 1 – RIO GRANDE DO NORTE: localização geográfica

Base cartográfica: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, 2010. Elaboração Cartográfica: Diego Tenório daPaz; Organização dos dados: Jane Roberta de Assis Barbosa.

É importante lembrar que o planejamento corporativo seletivo

norte-rio-grandense obedece às diretrizes da política nacional brasileira4, que define o

território como uma “plataforma de integração das políticas públicas” (BRASIL 2008). E tem

como foco dessas políticas o combate às desigualdades regionais e sociais, o que para o

governo implica na promoção do desenvolvimento das regiões menos dinâmicas do país.

Difere, portanto, da concepção de território adotada neste artigo, que tem no pensamento

de Santos ([1996] 2008), a base para percebê-lo como um território efetivamente usado por

todos, por isso dinâmico, opondo-se a inércia do território como plataforma contida nas

4 Política Nacional de Desenvolvimento Regional – PNDR e a Política Nacional de Ordenamento Territorial – PNOT. Estaúltima, mesmo não tendo sido implementada apresenta definições e conceitos que servem de orientação às ações de planejamento do governo em suas distintas escalas de atuação (Federal, Estadual e Municipal).

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proposições do Governo Federal. Segundo Ribeiro (2003, p.37), o território usado “é uma

configuração espessa de mediações (materialidade e imaterialidades) que concretiza o agir

político. O território usado e praticado”. As definições de território em Santos ([1996] 2008) e

em Ribeiro (2003), deixam evidente o hiato existente entre a maneira como os geógrafos em

suas perspectivas teóricas lidam com o território, e o modo como ele é definido nas políticas

públicas e pelas instituições de planejamento. Essas perspectivas foram forjadas ao longo

dos anos que se seguiram a importação de paradigmas externos ao território nacional, bem

como por racionalidades políticas sobremodo elitistas.

Cabe então questionar quais as consequências deixadas no uso território

quando os agentes externos e internos apropriaram-se do planejamento

norte-rio-grandense. Para responder essa pergunta o artigo apoiou-se na análise de

documentos (planos, mensagens de governo); entrevistas com técnicos ex-secretários de

planejamento e políticos do estado do Rio Grande do Norte.

A tese defendida nesse artigo é que as ações do Estado norte-rio-grandense

através da importação de paradigmas externos ao seu território convergiu para a criação de

um planejamento corporativo seletivo, que tem como referência um “território plataforma”,

priorizando o uso seletivo do território em detrimento ao uso de todos.

No Rio Grande do Norte, as ações de planejamento estão sob a atribuição da

Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças – SEPLAN, criada pela Lei

Complementar n. 139/1996. Cabe a ela a responsabilidade de planejar, coordenar, executar,

supervisionar, controlar e avaliar os sistemas estaduais de planejamento, orçamento e

finanças.

Essas ações estão definidas no Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio

Grande do Norte, publicado em 1997, o qual tem como principal objetivo oferecer subsídio

para promover o crescimento econômico, a melhoria da qualidade de vida e a redução das

desigualdades sociais no território norte-rio-grandense.

Uma de suas características marcantes é a falta de quadros técnicos preparados

para lidar com os problemas do território e da administração pública, tornando as

prefeituras e o próprio Estado cativos das assessorias e consultorias privadas, nacionais ou

estrangeiras.

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A IMPORTÂNCIA DAS INSTITUIÇÕES PÚBLICAS NO PLANEJAMENTO CORPORATIVO SELETIVO

Em certo sentido, as políticas atuais para o desenvolvimento do Nordeste

parecem não ser muito distintas do que era proposto no início do século XX. Instituições

como a Inspetoria de Obras Contra a Seca – IOCS (1909), que em 1945 assumiu a

denominação de Departamento Nacional de Obras Contra as Secas – DNOCS, foram criadas

para dirimir a desigualdade nordestina frente às regiões mais desenvolvidas do Brasil, a

saber: Sul e Sudeste, mas ao cabo consolidaram práticas políticas pouco inovadoras tendo

na ocorrência das secas periódicas o foco de sua atenção. Somente a partir dos anos de

1950 emergiram novos procedimentos governamentais para lidar com a probelmática das

secas e o atraso da Região Nordeste, pautados na concepção de planejamento (COHN, 1978;

OLIVEIRA, 1981).

Esses procedimentos estavam longe de serem de fato inovadoress, pois a

intervenção pública não sofreu grandes mudanças, conduzindo a uma insatisfação da

sociedade brasileira, que passou a exigir uma nova perspectiva para lidar com os problemas

do Nordeste, levando a criação do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste

– GTDN (1958), sob a coordenação de Celso Furtado, a partir do qual teve origem a

Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste – SUDENE (1959). Inspirada na

empresa estadunidense, Tennessee Valley Authority – TVA (DINIZ, 2009; MIDLIN LAFER,

1970), o modelo da TVA era estimulado até mesmo por geógrafos franceses como Gottmann

(1952) que a considerava a mais célebre experiência de planejamento regional do século XX,

e por isso representava um modelo a ser seguido por sociedades capitalistas como o Brasil

ou socialistas a exemplo da União Soviética.

A criação da SUDENE fundamenta-se, como nos ajuda a pensar Oliveira (1981),

em uma referência externa à Região, onde a partir do estabelecimento de uma divisão

regional do trabalho, ratifica o Nordeste como suporte para as atividades industriais do

Sudeste brasileiro. Tanto é assim, que as indústrias que passaram a ser ali instaladas,

atendiam as demandas e interesses do centro econômico do país.

Mesmo assim, sua atuação trouxe importantes resultados nas dinâmicas

territoriais do Nordeste brasileiro, onde é possível destacar a expansão e modernização da

infraestrutura de transportes, energia e saneamento básico; criação e fortalecimento do

planejamento regional e sua execução nos estados nordestinos; capacitação do corpo

técnico e acadêmico das Universidades Federais, através de diversificados programas de

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formação de mestres e doutores; desenvolvimento através do Fundo de Investimentos do

Nordeste – FINOR de uma base industrial moderna; implantação, ampliação e modernização

de empreendimentos competitivos com base na concessão de isenção total ou parcial do

imposto de renda; e, finalmente a implantação de sistema de desenvolvimento das

pequenas e médias empresas para completar os círculos produtivos regionais.

Contudo, Nóbrega (1969) chama atenção para o fato de que, embora tenha sido

criada em 1959, os primeiros projetos industriais financiados pela SUDENE no Rio Grande do

Norte datam de 1962. Neste mesmo ano, enquanto o Rio Grande do Norte contava com 2

projetos aprovados, Pernambuco já tinha 36, seguido pela Bahia com 26, Paraíba com 18 e

Ceará com 11 projetos. No documento Estudos de Desenvolvimento Regional (Rio Grande

do Norte), produzido em 1959, já se chamava atenção para a desigualdade de

oportunidades do Rio Grande do Norte em relação aos estados de Pernambuco, Bahia e

Ceará.

Durante o período de 1960 a 1967 (ver gráfico 1), era para Pernambuco e Bahia

que estava sendo direcionado o maior volume de financiamentos para projetos industriais.

O primeiro com 258 projetos de industrialização e o segundo com 154. Em seguida vinha o

estado do Ceará com 106 projetos, depois a Paraíba totalizando 96, e finalmente o estado

do Rio Grande do Norte com 28 projetos aprovados durante esse mesmo período. A partir

da leitura do gráfico, ratifica-se o eixo Pernambuco e Bahia na condição privilegiada de

atenção do Governo Central e suas instituições, e o Rio Grande do Norte, mais uma vez,

permanecia à margem dos investimentos, seguindo a sina estabelecida desde o período

colonial, seja pela ação externa dos colonizadores, ou pela ação interna da Capitania da

Bahia e da Capitania de Pernambuco, e mais recentemente pelo direcionamento das

políticas públicas e financiamento de projetos.

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Gráfico 1 – NORDESTE: Projetos Industriais Financiados pela SUDENE 1960 – 1967

Fonte: Nóbrega (1969). Dados organizados e adaptados pela autora.

Tanto o DNOCS como a SUDENE, foram apropriados pela oligarquia

algodoeiro-pecuária que cuidou de esvaziar o seu sentido de criação (IANNI, 2004),

passando a utilizá-las para o seu benefício. Como bem demonstrou Oliveira (1981, p. 93) o

IFOCS e o DNCOS acabaram “transformando-se, ao mesmo tempo, em resultado e

pressuposto da hegemonia oligárquica”.

É curiosa, para dizer o mínimo, a força das tradicionais oligarquias

norte-rio-grandense que se deixa revelar não somente no âmbito da política, mas como

ressaltou Costa (2011), através de sua expressão monumentalizada em Natal e em outras

cidades do estado. São bustos, praças, nomes de ruas, teatros, aeroportos, escolas que

receberam a denominação de alguns membros das famílias, as quais compõem o quadro

oligárquico estadual. Para mostrar a força representativa dessas oligarquias no cotidiano

das cidades, serão listados a seguir alguns objetos geográficos (monumentos, prédios)

erguidos em sua homenagem:

• Aeroporto Aluízio Alves (São Gonçalo do Amarante);

• Aeroporto Augusto Severo (Parnamirim);

• Square Pedro Velho, posteriormente Praça das Mães (Natal);

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• Praça da República, em 2013 passou a se chamar Praça Augusto Severo

(Natal);

• Grupo Escolar Augusto Severo (Natal);

• Teatro Alberto Maranhão, antigo Teatro Carlos Gomes (Natal).

Pode-se então refletir acerca da existência de uma solidariedade

política-organizacional para modernizar o território norte-rio-grandense através de uma

ação burocrática que privilegia as oligarquias potiguares e as empresas a elas solidárias.

Admite-se junto à Faoro (1958, p. 43) que se está diante de uma “nobreza burocrática”. Essa

“nobreza burocrática” é “detentora do monopólio dos poderes de direção e mando do

Estado”, mas elas não atuam sozinhas, são apoiadas (e apoiam) por empresas (nacionais e

estrangeiras), bem como por algumas organizações não-governamentais, e por

solidariedades políticas na escala da região e do território nacional

Há, portanto, um planejamento corporativo seletivo, o qual apresenta as

seguintes características: 1) privilegia os interesses das oligarquias e das empresas, em

detrimento dos interesses da população; 2) utiliza financiamentos e parcerias internacionais

no Rio Grande do Norte, bem como do governo central, para promover e expandir o

processo de modernização do seu território. Dos agentes financiadores internacionais

tem-se: Banco Mundial, através do Banco Internacional para a Reconstrução do

Desenvolvimento – BIRD; JICA (5); e o Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID; 3)

apropria-se de modelos externos ao território nacional e regional para formulação de suas

políticas e formação de técnicos.

INFLUÊNCIAS EXTERNAS NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS REGIONAIS NO RIO GRANDE DO NORTE

A gênese das influências externas no planejamento norte-rio-grandense

remonta a gestão de Aluízio Alves ao Governo do Estado (1961-1966), quando formulou o

Decreto N. 3.804 de 01 de fevereiro de 1961, por meio do qual foi criada a Comissão

Estadual de Desenvolvimento – CED. O objetivo era estar em consonância com os propósitos

da SUDENE, e com isso promover a modernização do território, através da expansão da

energia elétrica e da insdustrizalização. Para isso foram firmadas parcerias com a Comissão

5 A JICA é o órgão do Governo Japonês responsável pela implementação da Assistência Oficial para o Desenvolvimento(ODA) que apoia o crescimento e a estabilidade socioeconômica dos países em desenvolvimento.

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Econômica para a América Latina e o Caribe – CEPAL6, por exemplo, com vistas a formação

de pessoal qualificado para lidar com as ações de planejamento.

Em continuidade ao seu governo, Monsenhor Walfredo Gurgel (1965-1970),

promoveu a eletrificação rural (1965) e realizou o estudo Regiões Polarizadas do Rio Grande

do Norte (1968), onde identificava-se os centros polarizadores de segunda e terceira

categorias, em escala estadual. Foi a primeira vez que houve no Rio Grande do Norte a

iniciativa de se identificar os centros que eram dotados de um sistema terciário polarizador,

capazes de orientar o desenvolvimento econômico nas suas áreas de influência. Com base

na metodologia do geógrafo francês Michel Rochefort, o estudo foi coordenado pela

Assessoria de Planejamento Coordenação e Controle e o Departamento de Serviço Social do

Estado, sendo desenvolvido sob a responsabilidade do economista José Arnaud Júnior e do

geógrafo húngaro István Imre Lászlo Árbocz.

No estudo é possível encontrar referência a ideia de áreas e regiões polarizadas,

onde, ambas são consideradas delimitações de porções do estado do Rio Grande do Norte.

A região, para eles é uma porção do território delimitada e de maior tamanho, que exerce

influência sobre uma porção menor, denominada de área (ou área de influência). Aponta-se

para a existência de três regiões, as quais são polarizadas por grandes centros urbanos:

Campina Grande-PB, Natal e Mossoró. Estudos dessa natureza ajudaram a produzir no

território norte-rio-grandense aquilo que Santos (2009 [1994], p.135) denominou de uma

“seletividade planejada”, uma vez que as cidades polo de cada região deveriam concentrar

os principais investimentos e serviços.

Com as bases para a modernização do território brasileiro e

norte-rio-grandense, os governos militares (1964-1985), recuperaram ideias e teorias já

consolidadas como a de desenvolvimento polarizado de François Perroux, formulada na

década de 1950, por meio de uma nova roupagem: a criação de polos rurais (SILVA, 2007), a

exemplo do POLONORDESTE (1975). Inspirado na experiência desenvolvida no Rio Grande

do Norte em 1973, denominada Vilas Rurais, que despertou o interesse do Banco Mundial, e

foi aplicada pelo governo central em todo território nacional através da denominação de

Desenvolvimento Rural Integrado – PDRI. Além disso, o governo militar cuidou em

6 A CEPAL foi criada em 1947 durante uma Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas – ONU. Através do estudos das regiões menos desenvolvidas, a CEPAL propunha o desenvolvimento da América Latina através da industrialização dos seus países. Ela foi de grande influência intelectual na América Latina, pois buscava uma teorização sobre o subdesenvolvimento. Seu primeiro Secretário Executivo (1948-1962) e maior representante foi Raúl Prebisch. Seu livro, O desenvolvimento econômico da América Latina (1949) foi de grande relevância para a formulação da ideologia Cepalina.

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estabelecer o planejamento como princípio fundamental da administração pública, através

do Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, criou a Secretaria Nacional de

Planejamento (1974), e o Sistema Estadual de Planejamento – SISPLAN (1974).

O período correspondente ao Governo Militar brasileiro (de 1964 até 1985) foi de

grande importância para o planejamento regional, pois foram criadas leis, normas e

incentivou-se a formação de técnicos com vistas a institucionalizar o planejamento e exercer

o controle do Território Nacional. Ressalte-se o Decreto-lei nº 200, de 25 de fevereiro de

1967, onde se estabeleceu o planejamento como princípio fundamental da administração

pública; e a lei n. 6.036 de 01 de maio de 1974, que criou a Secretaria Nacional de

Planejamento.

No Rio Grande do Norte este também foi um período emblemático. De acordo

com entrevista concedida por Marcos César Formiga Ramos (Ex-Secretário de Planejamento

1971-1975) no dia 30 de junho de 2014, foi apenas no início dos anos de 1970 que os

militares passaram a exigir dos Estados o adequado planejamento de suas ações. Para isso

o então Ministro do Planejamento João Paulo dos Reis Veloso formou um colegiado

integrado pelos secretários estaduais de planejamento, dentre os quais estava Marcos

Formiga, com vistas a criar um Sistema Nacional de Planejamento. Ao mesmo tempo

investiu-se na formação de técnicos para colocar em prática uma racionalidade

desenvolvimentista no Brasil. Conforme Rezende (2009, p. 6) “a criação do Sistema Federal

de Planejamento em 1972 (Decreto 71.353) dá um caráter formal a um processo de

planejamento que alcança todas as suas fases”. Por meio dele foi possível não apenas

modernizar os instrumentos de administração e ação pública, mas coordenar e acompanhar

a execução de planos e programas, conferindo maior controle das práticas políticas

estaduais e municipais. Para dar respaldo as transformações que estavam sendo

fomentadas, o governo estadual criou a Secretaria de Planejamento e Coordenação Geral, e

a Secretaria de Administração (1971).

Ao fazer a análise dos planos que respaldam a prática do planejamento no Rio

Grande do Norte nos anos de 1960 e 1970, é notória a influência de profissionais de origem

francesa, quais sejam: Henri Méot, Jean Paul Barriou. Marcos Formiga, em entrevista

concedida no dia 30 de junho de 2014 para a pesquisa que originou esse artigo, lembra que

Jean-Paul Barriou era um consultor da CEPAL e passava grande parte do seu tempo

percorrendo os municípios norte-rio-grandenses, com vistas a obter um conhecimento mais

detalhado do território, e estava em constante diálogo com o Governo do Estado durante os

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anos de 1970.

Ressalte-se que até os anos de 1970 a CEPAL teve grande relevância na formação

de técnicos para atuar nas instituições de planejamento no Rio Grande do Norte, tendo com

isso influenciado Geraldo Melo, que foi o representante maior da CED no perído de 1961 a

1966, e tornou-se governador do estado (1987-1991); bem como Marcos César Formiga,

ex-secretátio de planejamento do governo de José Cortez Pereira (1971-1975) e depois foi

prefeito de Natal (1983-1986).

Henri Méot, também foi consultor da CEPAL e atuou na elaboração do

Diagnóstico Estrutural do Rio Grande do Norte (1974), tendo ainda se sobressaído na

formação de técnicos para atuar no planejamento regional. Como resultado, o diagnóstico

propôs a divisão do Rio Grande do Norte em 8 zonas homogêneas continentais (litoral

oriental, Mossoroense, Alto do Apodi, Agreste, Caicó, Currais Novos, Litoral Norte e Serras

Centrais) e 3 zonas homogêneas marítimas (plataforma continental, talude continental,

abissal desconhecida). É importante mencionar que as 8 zonas homogêneas continentais,

permanecem como sendo a base para a regionalização do planejamento atual.

É interessante notar que na página 34 desse diagnóstico é dado destaque as

elites norte-rio-grandenses, as quais eram consideradas fatores sumamente positivos para

desenvolvimento do Rio Grande do Norte e, por isso não deveriam ser desprezadas no

processo de planejamento. Eram então, os interesses das elites estaduais e não os da

população que realmente importavam na formulação das políticas nesse período?

A influência francesa também pode ser observada nas ações da Secretária de

Educação do Rio Grande do Norte. De acordo com Marcos Guerra (Secretário Estadual de

Educação no período de 1991-1995), em entrevista realizada no dia 01 de julho de 2014, foi

firmada uma parceria entre o Governo Estadual e Instituts Universitaires de Formation des

Maîtres, através da contratação do consultor Michel Brault, o qual foi incubido de implantar

o modelo francês para a formação de professores.

A gente criou o Instituto de Formação de Professores – IFP (Escola Kennedy),

nessa época, numa parceria com o Ministério da Educação e com o Governo

Francês, o qual permitiu que a gente adaptasse o modelo francês da IUFM,

Instituts Universitaires de Formation des Maîtres. A gente implantou com uma

inovação imensa, por que pegava professores em serviço. Ou seja, para você

estudar lá precisa estar ensinando. Você ensina de manhã, vem estudar a tarde.

Ensina a tarde, vem estudar de manhã. Conta no tempo de currículo aquele

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tempo que você tá ensinando como monitor, e de tarde você está aprendendo

com professores e também com outros monitores. Essa criação totalmente

original, agente adequou do francês, permitiu planejar que professores teriam

curso superior em 2 anos e meio. Trouxemos então um consultor francês, Michel

Brault. A professora Eleika Bezerra foi a primeira diretora e co-autora desse

projeto. E o projeto foi implantado com o apoio da Universidade Estadual de

Mossoró. Na época a reitora era a professora Nevinha Gurgel.

Outra influência marcante diz respeito a inserção da aparente preocupação com

a sustentabilidade e o meio ambiente na formulação das políticas, sejam elas do Estado ou

das empresas.

Em meados da década de 1990, foi criado o Projeto Áridas, que tinha como

suporte o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura – IICA, e a Fundação

Grupo Esquel. Seu objetivo era “ajudar” os estados nordestinos a compatibilizar o

desenvolvimento econômico e social com sustentabilidade (TINOCO, 2005), de modo que

cada estado deveria elaborar o seu Plano de Desenvolvimento Sustentável. A “ajuda”

oferecida através das instituições anteriormente mencionadas, nos permite refletir em

conformidade com George (1981), que a politica dos países que comandam essas

instituições frente aos países em desenvolvimento, sempre conferirá vantagens aos

detentores do poder. E é pouco provável que sua “ajuda” à esses países, seja de fato bem

intencionada.

Desse modo, a partir de 1994, o Governo do Estado do Rio Grande do Norte

passou a estimular, a elaboração de parceria com o IICA, Universidade Federal do Rio

Grande do Norte – UFRN, Universidade Estadual do Rio Grande do Norte – UERN,

Universidade Federal de Pernambuco – UFPE, Sociedade Civil Organizada etc.; os Planos

Regionais de Desenvolvimento Sustentável. Criou-se 8 Planos Regionais de Desenvolvimento

Sustentável7, os quais seguem as orientações definidas a partir do Plano de

Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte (1997), onde contempla-se 5 grandes

dimensões: econômica, social, ambiental, tecnológica e político-institucional. O plano

considera a necessidade de compatibilizar o crescimento econômico, com a conservação

ambiental e equidade social.

7 Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região do Seridó (2000); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Litoral Norte (2002); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Agreste e Traíri (2004); Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região do Alto Oeste (2006); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Médio Oeste; Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região Metropolitana de Natal (2007); Plano de Desenvolvimento Sustentável da Região Mossoroense (2009); Plano de Desenvolvimento Sustentável do Vale do Açu (2009).

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A incorporação da ideia de desenvolvimento sustentável nos planos regionais e a

preocupação com o meio ambiente parecem ainda distantes nas práticas de planejamento e

gestão que visam dirimir as desigualdades espaciais e as dificuldades para o licenciamento

de obras no território norte-rio-grandense. De acordo com entrevista concedida pela

Senhora Ivani Matias (Técnica da Secretaria de Estado do Planejamento e das Finanças –

SEPLAN/RN e da Federação de Municípios do Rio Grande do Norte – FEMURN) em 23 de

setembro de 2013, apenas em 2005 – ou seja, mais de 10 anos após o início da elaboração

do Plano de Desenvolvimento Sustentável do Rio Grande do Norte (concluído em 1997) – é

que começou a ser discutido o processo de capacitação dos técnicos municipais que

deveriam executar a política de meio ambiente. Ainda, segundo Ivani Matias, apenas 6

municípios do Rio Grande do Norte são atualmente aptos, à realizar licenciamentos

ambientais para liberação de obras e empreendimentos, quer sejam da iniciativa pública ou

privada.

Destaque-se que o planejamento não promoveu o desenvolvimento das regiões

menos favorecidas. Todavia, promoveu o fortalecimento dos estados da região sudeste do

Brasil e contribui para a desigual distribuição da renda no Rio Grande do Norte, onde o

auxílio governamental através de programas como o Bolsa Família, é uma fonte de renda

fundamental para os 139 munciípios com população menor que 18 mil no estado, e, por

conseguinte com menor potencial de arrecadação de impostos e pouca dinâmica

econômica.

Ao observar atentamente o mapa 2, onde expressa-se a relação entre o número

de habitantes e o número de famílias cadastradas no Programa Bolsa Família no Rio Grande

do Norte, vê-se a comprovação da afirmação feita no parágrafo anterior.

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Mapa 2 – RIO GRANDE DO NORTE: população total e o total de famílias beneficiadas pelo programabolsa família, por município, 2014.

Fonte: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Censo Demográfico- IBGE, 2010. ElaboraçãoCartográfica: Diego Tenório da Paz; Organização dos dados: Jane Roberta de Assis Barbosa

A proporcionalidade entre o circulo utilizado para representar o número de

habitantes é muito próxima ao circulo utilizado para representar a quantidade de famílias

beneficiadas pelo Programa. Pode-se então refletir acerca da quantidade de famílias em

situação de pobreza no território norte-rio-grandense, pois se um dos critérios para ser

aceito no Bolsa Família é a baixa renda, o mapa revela que a pobreza não é algo

insignificante. Programas como este são apenas um paliativo para um problema que carece

de medidas estruturais para o seu enfrentamento. Foi neste sentido que a partir de Kahil

(2010), o artigo considerou a participação de agentes internos e externos ao Rio Grande do

Norte na produção de uma escassez generalizada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As influências externas no planejamento praticado no Rio Grande do Norte,

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aliadas aos interesses hegemônicos locais contribuiu para que através da adoção de

modelos e metodologias baseadas em racionalidades externas ao Estado, ocorresse, a um

só tempo, a modernização do território e uma generalização das desigualdades. Uma vez

que para atender as demandas das empresas e oligarquias políticas-econômicas, o Estado

passou a se ocupar cada vez mais de ações que viessem assegurar a construção de

infraestruturas, sobretudo para fazer circular as mercadorias produzidas, passando assim a

promover um planejamento corporativo seletivo.

Devido a crescente articulação do Estado para assegurar o interessa das

empresas instaladas no território nacional, a partir dos anos de 1980, o planejamento

passou a ser criticado por vários estudiosos, a exemplo de Costa (1977), Cohn (1978) e

Oliveira (1981), Rochefort (1998).

A grande contradição observada nessa prática política é que ao adotar os

paradigmas ofertados por influências externas ao território nacional, o governo federal e

estadual alegava ter como objetivo de suas políticas a redução das desigualdades regionais,

mas acabaram direcionando um esforço maior para a dotação das infraestruturas com

vistas a viabilizar o fortalecimento das atividades econômicas. Passando assim, a valer-se da

apropriação de conceitos como sustentabilidade com vistas a demonstrar uma preocupação

com o bem-estar das futuras gerações. Todavia, a utilização desse conceito nas políticas

públicas estadual apresenta-se mais como uma falácia para mascarar as intencionalidades

políticas e econômicas, que ajuda a manter o Rio Grande do Norte numa condição de

subordinação aos interesses externos.

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GEOGRAFIA E GEÓGRAFOS DAQUI E D'ALHURES: INFLUÊNCIAS EXTERNAS NA ELABORAÇÃO DOS PLANOS REGIONAIS DE DESENVOLVIMENTO DO RIO GRANDE DO NORTE, BRASIL

EIXO 3 – Desigualdades urbano-regionais: agentes, políticas e perspectivas

RESUMO

A prática do planejamento brasileiro sofreu ao longo dos anos a influência de paradigmas

externos ao seu território, os quais contribuíram na formação dos técnicos, bem como na

elaboração dos planos e estudos que respaldam a prática do planejamento regional adotado

pelos estados da federação. Para melhor compreender como se deram essas influências, o artigo

analisou a atuação dos geógrafos e demais profissionais, brasileiros e estrangeiros, na elaboração

dos planos de desenvolvimento regional para o estado do Rio Grande do Norte. Empregando-se

como metodologia a análise de documentos (planos e mensagens de governo) e entrevistas com

políticos e técnicos ligados ao planejamento estadual. Por meio da metodologia adotada foi

possível observar que a importação de modelos baseados em experiências externas ao território

norte-rio-grandense e sua apropriação pelas oligarquias8 estaduais, contribuiu para a realização

de um planejamento corporativo seletivo9. Com isso, ao mesmo tempo em que se promoveu a

modernização do território, aprofundaram-se as desigualdades espaciais.

Palavras-chave: planos de desenvolvimento regionais; desigualdade espacial; meio

técnico-científico-Informacional

8 Essas oligarquias são famílias de grande representatividade na vida política e econômica do Rio Grande do Norte, e surgiram com o fundador do Partido Republicano, Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. As oligarquias que a ele se seguiram foram: Bezerra de Medeiros, Mariz, Alves, Maia e Rosado, que também construiram seus impérios econômicos, ligados ao açucar, algodão, pecuária, comunicações e mineração. (SPINELLI, 1992).

9 É um processo constituído através de uma demanda de racionalização territorial, regido por ações normativas e técnica, que serve como “instrumento” para ação política.

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