Gênese e evolução do Racismo Real-Doutrinário Quince Duncan … · 2008-11-24 · manos ante o...

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Documentos especializados Gênese e evolução do Racismo Real-Doutrinário Quince Duncan Moodie O ativismo afro-descendente no âmbito dos direitos humanos Carlos Minott Maitland

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Documentos especializados

Gênese e evolução do Racismo Real-Doutrinário

Quince Duncan Moodie

O ativismo afro-descendente no âmbito dos

direitos humanos

Carlos Minott Maitland

Documento I

Gênese e evolução do racismo real-doutrinário

Quince Duncan

Gênese e evolução do racismo real-doutrinário

1. Antecedentes

Quando em 1492, Cristóvão Colombo, na sua rota para o Oriente, descobriu as ilhas do Caribe, deu começo a uma nova era para a humanidade. Um dos aspectos mais problemáticos dessa chamada “descoberta”, foi o encontro com os indígenas. Essa “descoberta” dá lugar a um intenso debate na Europa, já que não se tinham notícias da existência dos povos ame-ricanos. As nações, tribos e comunidades étnicas da Bíblia são aquelas que tinham alguma relação com as grandes civilizações do Egito e Babilônia, e por tanto, com os judeus que foram submetidos a diferentes formas de servidão por esses povos. A experiência européia era fundamentalmente com África e o Médio Oriente, e em menor medida com Ásia. De maneira que foi motivo de grande desconcerto, encontrar-se de repente em presença de povos até então totalmente desconhecidos para eles. A pergunta genérica foi: Os “índios” são ou não descendentes de Adão e Eva? Não estavam mencionados na carta de nações da Bíblia

Assim começa a desenvolver-se pela primeira vez na história da humanidade, a doutrina do racismo tal qual a entendemos hoje. A que denominamos racismo real, para distingui-lo historicamente de discriminações étnicas e de teorias pseudo-racistas inventadas para atenuar a responsabilidade histórica desta criação da civilização ocidental.

Alguns teóricos afirmaram que a disputa do Homo Sapiens e o Homem de Neandertal se pode explicar a partir do racismo. É um esforço por certo grosseiro, porque não há evidência alguma de que tal luta se justificou a partir de uma doutrina racista. Outros quiseram ver na confrontação com os mouros uma manifestação de racismo. No entanto, a disputa nunca se fundamentou sobre a idéia de que as pessoas de determinadas características fenotípicas são absolutamente superiores a outros. Tomemos em conta que pelo lado Islâmico o coman-dante Tarik que invadiu Espanha no ano de 711 frente a um exército de 12 000 soldados era africano de pele escura e que pelo lado espanhol era impossível desenvolver uma teoria de superioridade branca, já que nesse momento perderam a guerra e foram dominados por um período de 700 anos. (Von Sertima. 1993:4).

Também houve argumentos no sentido de que havia racismo nas Cruzadas. Certamente o Papa Urbano II em 1095 chamou para combater a cruel “raça” que se tinha apoderado de Jerusalém, mas a definição de raça não tinha que ver com o conceito posterior. A racionalização das cru-zadas foi mais em termos religiosos (Rebérioux em Comarmond e Duchet, 1972:163).

Outros estudiosos quiseram equiparar o sistema de castas da Índia com o racismo real dou-trinário. A Índia foi invadida por um grupo ariano, isto é, de pele branca, que conquistou e submeteu a população local de pele morena. Impuseram as castas como mecanismo de dominação e a justificaram misticamente com idéias de karma e reencarnação. Mas nos escritos da Índia fomentou-se a mistura, salvo com os intocáveis e em todo caso, não exis-te na Índia nenhuma teoria semelhante ao racismo doutrinário ocidental. Vale dizer, não universalizaram o conceito, nem classificaram toda a humanidade segundo características

fenotípicas. Inclusive, há um grupo de afro-descendentes na Índia que foi trazido por um imperador índio para constituir a guarda do palácio (Harris 1971).

Também não faltou no concerto teórico, a sinfonia do “racismo” africano. Quis-se também ver no conflito entre os tútsis e os hutus, povoadores de Ruanda e Burundi, na África Central, uma manifestação típica de racismo. Sustenta-se que a aristocracia tútsi, que é uma minoria, impõe seu controle sobre a população maioritária hutu e twa com critérios de superioridade racial (van den Berghe 1967:12). A verdade é que após a invasão original e conquista dos tútsi, estes povos conviveram pacificamente por séculos, se misturando entre eles. Não desenvolveram nenhuma doutrina de superioridade racial, até a aparição neste território de belgas e ingleses, medindo crânios, estabelecendo categorias raciais que os africanos não tinham. Criaram assim uma classe elitista aliada, para seus próprios propósitos coloniais.

O racismo real é doutrinário. Resulta de um processo de sobrevalorização, supressão e desvalo-rização dos grupos humanos, baseado em critérios fenotípicos socialmente selecionados.

Raça e racismo real.

Blackburn, (Em, Lang, Berel, 2000) insiste que o conceito de raça não é biológico. Certamente o termo raça foi objeto de muitas definições. Sem dúvida, é um conceito carregado de uma má história. A palavra procede do italiano “razza” (Marquer, 1969) e significa família ou grupo, termo que por sua vez, procede do árabe “ras” indicativo de origem ou descendência. O conceito foi construído socialmente, mas os fatores são fenotípicos e por tanto, transmis-síveis de geração a geração.

Por raça se entendeu muitas coisas ao longo da história. Mas o termo, tal como se utiliza neste ensaio, se refere às diferenças físicas que há entre grupos de seres humanos, tais como a forma dos olhos, a cor da pele, ou a forma do cabelo. Estas características não surgem espontaneamente nos diversos grupos humanos. Mais constituem um conjunto de marcas distintivas de um grupo que tem uma origem territorial comum, e toda a evidência é que se desenvolvem como subprodutos de processos de adaptação do ser humano a diferentes meios. E é incontestável que esses elementos se transmitem geneticamente.

Ora bem, o fato de que o conceito não seja fundamentação biológica, não implica que as raças não existam. Os conceitos construídos socialmente são reais – a Igreja Católica é uma construção social e é real.

Não obstante, é necessário deixar claro que os traços fenotípicos das pessoas não têm ne-nhuma incidência nos aspectos moral, emocional ou mental das pessoas, como os racistas trataram inutilmente de demonstrar. Ninguém é mais ou menos inteligente devido ao grupo fenotípico a que pertence.

“Os grupos nacionais, religiosos, geográfico-linguísticos e culturais não coincidem neces-sariamente com os grupos raciais; e os grandes traços culturais dos ditos grupos não têm nenhuma relação genésica com as características raciais que podem ser demonstradas.

“Como se cometem geralmente graves erros desse gênero ao empregar na linguagem cor-rente o termo raça seria conveniente renunciar o seu emprego de maneira definitiva quando se fala das raças humanas e adotar a expressão grupos étnicos”. (Correio da UNESCO, Vol. 3 Nos. 6-7: pág. 8).

A anterior Declaração que a UNESCO emitiu nos princípios da década dos anos 50, foi uma declaração política orientada a atacar as conotações racistas do termo raça. No entanto, a dificuldade de substituir raça por etnia, é que os fatores que definem etnia e raça não são os mesmos. Etnia se refere à cultura. Os elementos da etnia são estritamente culturais e não se transmitem geneticamente.

Novamente em 1978 a UNESCO emite uma Declaração sobre a raça e os preconceitos raciais. Nela estabelece de maneira contundente que “Todos os seres humanos pertencem à mesma espécie e têm a mesma origem. Nascem iguais em dignidade e direitos e todos fazem parte integrante da humanidade. (Art.1º)

A discriminação a que estão sujeitos os grupos afro-descendentes nas Américas não é pela sua cultura senão pelos fatores fenotípicos que se utilizaram tradicionalmente para tais fins. Na maioria dos casos, não se observam diferenças culturais importantes entre os afro-descendentes e os mestiços. Na maioria dos casos pertencem a um mesmo grupo étnico, isto é, cultural, no entanto sofrem uma discriminação específica.

Não obstante, se se trata de renunciar ao conceito de raça, teria que assumir que a espécie humana se pode agrupar em famílias fenotípicamente diferenciadas, todas com o mesmo nível potencial de inteligência, emotividade e todos com os mesmos atributos. É na realidade a cultura que, em último caso, é o fator de maior determinação.

O racismo real que se desenvolve durante o período da expansão colonial européia, é único na história da humanidade. Estabeleceu a partir do seu conceito de raça uma doutrina de hierarquia universal dos grupos humanos, atribuindo valor intelectual, emocional e moral a ditas diferenças. Ao final, a raça branca foi definida como a raça superior e as outras passa-ram a ocupar lugares de subordinação na escala.

2. Racismo real-doutrinário.

2.1 Gênese

O racismo não é natural. Esta interpretação psicologista não resiste a uma análise rigorosa, apesar de sua grande difusão entre alguns cientistas sociais atuais. Não é verdadeiro que o racismo se possa explicar a partir de um suposto “temor pelo outro” pelo “desconhecido”.

São abrumadoras as evidências de que o sentimento natural que prevalece nos seres hu-manos ante o novo costuma ser curiosidade. Os relatos dos viajantes europeus à África durante a época de exploração são abundantes e apontam nessa direção. Exemplos como

os de “Mungo” Park, um explorador escocês, que ao redor do ano de 1795 se internou na região do Rio Níger. Ao entrar em uma comunidade toda a gente deixou o que estava fazen-do e o rodearam se maravilhando da cor branca de sua pele e seu nariz reto. Pensaram que era artificial. Inclusive o despojaram de sua roupa e chapéu, contaram-lhe os dedos do pé e da mão para corroborar que era realmente humano. Uns dias mais tarde, uma delegação de mulheres o visitou, para comprovar mediante uma inspeção direta se os cristãos praticavam a circuncisão. (Northrup, 2002:13-14).

Por outra parte, milhares de meninos brancos do sul dos Estados Unidos e do Caribe, se alimentaram do leite materno das amas-de-leite. Foram criados por escravas ou libertas ne-gras, em alguns casos parentes. Que temor poderiam sentir os meninos brancos para a mãe substituta que os alimentava com leite de seus próprios peitos e os criava? E, no entanto, foram praticantes do racismo.

Os primeiros fundamentos do racismo doutrinário vêm do Papa Nicolás V (1447-1455) quem a raiz da exploração da costa africana por parte dos portugueses, lançou uma diretriz que deixava em liberdade aos europeus de “atacar, submeter e reduzir à escravatura perpétua aos sarracenos, pagãos e outros inimigos de Cristo ao sul do Cabo Bojador incluindo toda a costa de Guiné” (Hart 1984: 19 ef. n.). Com certeza que a Costa da Guiné é africana.

O segundo fundamento o deu também um religioso. Desta vez o freire espanhol Juan Ginés de Sepúlveda, que proveu a justificativa doutrinária para a conquista. Propôs o que chamou “justos títulos”, segundo os quais os espanhóis tinham direito de tutela sobre os indígenas por estes serem escravos naturais.

O Papa Paulo III estava preocupado pelo avanço da tese poligenista, segundo a qual os seres humanos tinham origens diversas. Emitiu em 1537 a Bula Sublime Deus, em que declarava herética tal idéia e assegurava que os índios e outros povos não deviam ser tratados como bestas de carga, com o argumento de que são “incapazes de converter-se ao catolicismo”. Exercendo sua autoridade como representante “no mundo (do) poder de Nosso Senhor” Paulo III expôs a tese de que “Os índios são verdadeiros homens e (...) não só são capazes de entender a fé católica senão que... desejam... abraçá-la... declaramos... que... os chamados índios e todos os demais povos que mais adiante sejam descobertos pelos cristãos, não devem sob nenhum conceito ser privados de sua liberdade... e não devem em nenhuma forma ser escravizados” (Hart 1984: 22 ef. n)

Mas o chamado do Papa Paulo caiu no vazio.

O processo de conquista e dominação dos povos originários avançava aceleradamente. Atacados militarmente com armas superiores, os ditos povos passaram a ser primeiro escravizados e depois submetidos a outras formas de servidão como a Mita e a Encomenda.

O anterior interrompeu o ciclo de produção alimentício, pois os espanhóis se apoderavam de uma parte substancial dessa produção. O resultado combinado do trabalho forçado e a desnutrição prepararam o terreno para a catástrofe populacional que viria a seguir. Milhões de indígenas morreram em conseqüência das doenças trazidas pelos invasores.

Devido ao processo trágico a que estavam submetidos os indígenas, em 1501 os reis católicos autorizaram a introdução de negros escravizados na ilha La Española.

Isso sim:

“nem mouros, nem judeus, nem hereges nem reconciliados nem pessoas novamente conver-tidas à Nossa Fé, salvo se fossem escravos negros ou outros escravos que tivessem nascido em poder dos cristãos”.

Os primeiros “negros” que chegaram à América, não eram africanos senão afro-descendentes que vinham da Península Ibérica. Àqueles a quem se aplicou originalmente a palavra “la-dina”, muitos deles andaluzes. De fato, o afro-descendente tinha chegado à América desde o princípio, com Colombo. Andrés Menino, mulato português, era o comandante de “A Nina”, uma das três naus que acompanharam Colombo. Posteriormente também chegaram escravizados de Espanha.

Mas a tragédia ia aumentando. Frei Antonio de Montesinos: em 1510 denunciava a escravatura e crueldade em contra dos indígenas na ilha de “La Española”: “Estais em pecado mortal e nele viveis e morreis, pela crueldade e tirania que usais com estas inocentes gentes”.

Por sua vez, o Pai das Casas, nomeado em 1510 “Protetores Geral das Índias” pelo Rei D. Fernando, em seu desespero por proteger os povos originários, perdeu a perspectiva e ao comparecer ante o novo Imperador Carlos V em 1517, apoiou a solicitação dos colonos de importar negros para substituir a mão de obra indígena. Pouco tempo depois o imperador autorizou que se levassem 4000 africanos para a Ilha. Tinha começado, agora sim a sério, o Tráfico Transatlântico.

Como dado interessante o Pai das Casas, em 1550 renunciou a seu bispado e se dedicou a lutar pelos direitos dos escravizados até sua morte em 1566. Em seus escritos sobre as “Índias” confessa que seu apoio à importação de africanos para substituir os indígenas foi um grande erro. “O cativeiro dos negros era tão injusto como o dos índios” e “não tinha a segurança de que esta ignorância do assunto e sua boa intenção o desculpariam ante a divina justiça” (Hart 1984: 22).

Assim começa a instituição da escravatura transatlântica, unida ao tráfico ou comércio de escravos, foi de uma brutalidade inédita na história humana, e com razão foi declarado crime de lesa-humanidade, por sua extrema crueldade e duração.

2.2 Evolução teórica

Como se tem apontado, o racismo doutrinário, que denominamos racismo real, surge durante a expansão colonialista dos Estados europeus ocidentais. A raiz da exploração das costas africanas por parte de Portugal veio primeiro, a já mencionada diretriz do Papa Nicolás V (1447-1455) que autorizava a escravatura perpétua para os africanos (Hart 1984: 19).

Nas cortes européias, a chamada descoberta de América deu lugar a duas correntes teóricas encontradas. Uma delas foi a tradicional noção de que todos os seres humanos vinham de um mesmo tronco comum (Adão e Eva). A outra surge no seio das humanidades e das incipientes ciências sociais. Assim, Paracelso, (1520), explicava a origem das raças baseado na teoria poligenésica, segundo a qual o indígena tinha uma origem diferente às demais raças

Frei Juan Ginés de Sepúlveda, historiador e eclesiástico espanhol, justificava a conquista e colonização espanhola dos indígenas com o que chamou os “justos títulos”. O originário da América é um escravo natural, e por tanto aos espanhóis lhes corresponde o direito de tutela, o qual implica a servidão ou escravatura natural dos indígenas e a condição de amo absoluto dos espanhóis.

Adicionalmente, alegava o Frade, aos índios lhes convém por seu próprio bem se submete-rem aos espanhóis, já que são incapazes de se governarem a si mesmos. Por outra parte, os espanhóis como cristãos, tinham a necessidade de impedir, inclusive pela força, o caniba-lismo e outras condutas antinaturais que praticam os indígenas. E finalmente, dizia o Frade, os cristãos europeus estavam obrigados a salvar as futuras vítimas inocentes que seriam sacrificadas aos deuses falsos. (Pozoblanco, Espanha, h. 1490-id., 1573).

A construção do racismo, não é, pois, o resultado de elucubrações disparatadas de igno-rantes. Pelo contrário, participaram em sua criação algumas das mentes mais brilhantes da Europa.

Vejamos alguns exemplos:

Carl Linneo (1758), reputado naturalista e considerado por alguns o fundador da antropologia européia, lançava a lógica racionalizadora do racismo em seu tratado Systema Naturae, no qual classifica a humanidade em quatro grupos, atribuindo-lhe a cada um uma psique própria. Para ele, o homo americanus (originário da América) é obstinado, alegre, vadio e sujeito a costumes; o homo asiáticus (asiático) é em mudança melancólica, avarento e fastuoso e se rege pela opinião; o homo afer (negro) é preguiçoso, de costumes dissolutos, e se rege pelo arbitrário, e, por suposto, o homo europaeus (branco) é fino, ligeiro, engenhoso e se rege por leis. De fato esta classificação, disfarçada de cientificismo, não é senão uma elaboração ideológica desde a escrivaninha, por parte de um europeu com mentalidade colonialista.

Conde de Bufão (1774), quem sustentou a tese de que a cor original do ser humano é bran-ca, mas em contato com o trópico, sofreu uma degeneração devido a isso foi negrejando e perdendo algumas faculdades mentais. É o primeiro em aplicar a estes grupos humanos a palavra raça. Sua tese seria desenvolvida por um de seus seguidores, Cornelius de Pauw (1774) que assinalou especificamente que na zona do equador, o ser humano torna-se negro e embrutece.

Também houve seguidores de Linneo. P. Camper (1781) aprofunda sua tese contribuindo com uma descrição dos rasgos faciais típicos de cada país, chegando à conclusão de que os traços do negro são simiescos.

Em 1810, a teoria racista tinha conseguido total respeitabilidade na Europa, tanto que se abriu uma especialidade científica na Universidade de Göttingen, onde o professor alemão Barthold Niebuhr “sentou cátedra” afirmando que “raça” é um dos elementos mais impor-tantes da história.

G. W. Hegel postulava em 1830 que o negro representa o homem natural em sua condição selvagem, e não há nada remotamente humano em seu caráter. Tal como Linneo sua tese não estava sustentada pela investigação nem na observação própria, senão sobre as informações dos missionários.

No infausto Congresso de Viena, celebrado em 1815, os europeus repartiram África mediante um tratado. De imediato se levantaram duas teses: a de Marx e Engels (1848, 1867) que explica o progresso humano a partir da luta de classes e a de Arthur Conde de Gobineau quem em seu “Ensaio sobre a Desigualdade das Raças Humanas” (1853), levantou a idéia da luta inevitável entre as raças. Mas lhe deu de passagem um avanço à teoria do racismo doutrinário ao estabelecer a idéia de sub-raças. Exemplo: a raça branca se dividiria nas sub-raças ariana, alpina (mongolóides) e mediterrânea (de origem africana). Em Gobineau classe e raça se confundem.

Não faltaram as posições idealistas como a de Hunt, (1865) para quem o homem branco tinha a responsabilidade de civilizar os demais, como uma pesada carga sobre suas costas.

No entanto, a partir de Houston Chamberlain em seus Fundamentos do Século XIX todos os arianos se consideram concentrados na Alemanha e se chamam teutões. Agora, raça e nação se confundem.

O rei de Alemanha, Kaiser Guilherme II acolheu com muito entusiasmo o livro, converten-do-se em seu principal difusor. Ao mesmo tempo, acrescenta a idéia do “perigo amarelo” eram os chineses, em quem vê uma ameaça para a civilização européia.

O social darwinismo atribuído ao filósofo inglês Herbert Spencer (1820 – 1903) quem, ba-seando-se numa interpretação enviesada das teorias de Charles Darwin e resgatando a idéia de Gobineau, sustentou que a luta entre a raça branca e as demais era inevitável, porque a primeira é cristã, civilizada, e vive num habitat moderado. A natureza proveio de animais grandes, úteis para o trabalho e lhes dotou de uma mente superior. As outras raças praticam o sacrifício humano, são bárbaras, vivem num ambiente tropical, sem grandes animais, e sofrem de um infantilismo crônico e incurável.

Nesse período começaram os esforços por fundamentar cientificamente a idéia da inferiori-dade do africano. Os estudos de craniologia, sugeridos pelo professor de anatomia holandês Pieter Camper (1722-1789), mediam o ângulo craniano dos africanos e os comparava com os europeus, com o qual pretendia demonstrar cientificamente por seu tamanho e forma as supostas diferenças quanto à capacidade intelectual.

Nesse contexto também surgiu a teoria da eugenesia, proposta por Sir Francis Galton (1822 – 1911), explorador e cientista britânico primo de Charles Darwin. Galton pretendia aplicar

uma seleção artificial para melhorar a raça. Sua idéia era promover as “características de-sejáveis” e eliminar as indesejadas, utilizando para isso recursos genéticos. Sua teoria foi acolhida em amplos círculos europeus e nos Estados Unidos.

Ideologicamente alimentou a utopia do nazismo alemão e os posteriores esforços de limpeza étnica que se deu em alguns países europeus. Durante a época nazista, por exemplo, teve uma política de esterilização de pessoas de raça negra, junto com incapacitados, delinqüentes, pobres ou doentes mentais.

Estes inovadores enfoques, pretensamente científicos, contaram de novo com o apoio reli-gioso. Efetivamente, alguns teólogos e missionários protestantes encontraram estas idéias totalmente conseqüentes com o Evangelho Cristão. A teologia protestante acolheu de boa vontade estas concepções. De fato, os missionários se faziam porta voz dessa superioridade branca, e cumpriam nas colônias mais do que um papel evangelizador, um papel “civilizador” vale dizer, aculturizador, e para as metrópoles a de perpetuadores do mito racista.

Por exemplo, um inspetor de missão, em 1859 comentava que era óbvio que as diferenças raciais eram produto de um decreto divino, e sobre essa base se perguntava se tais dispari-dades não implicavam também diferenças frente à salvação. Não será que - se interrogava, “na Nova Aliança, apesar da universalidade da misericórdia que aparece em Cristo, no tempo atual neste mundo há um número de pessoas e nações a quem há que deter até a chegada de um novo período no Reino de Deus”. Em seguida, o pastor dava como exemplo o bosquímano de Papua. Para o Cristão missionário, no bosquímano se destaca “somente as características do homem primitivo, distorcido e materializado pelo pecado” (Luepke, citando a H. Loth 1978, t.n.).

É interessante que, apesar da Revolução Francesa com sua ênfase na igualdade, as idéias que prevaleceram na França sobre a questão racial foram no final as de Voltaire (1694-1778) quem colocava as pessoas de raça “negra” como espécie inferior de homem, com o qual se adscrevia a tese do poligenismo. Conseqüente com as idéias em voga, França institucionalizou o racismo desde o seu Estado em 1881, para aplicá-lo às suas colônias asiáticas e africanas. Sob o título Código do Indigenismo, um corpo de leis carregadas de racismo, privou do status francês a milhões de cidadãos, que passaram a ocupar a categoria de subumanos, no dizer de Jean Paul Sartre.

França deu assim um enorme passo atrás, conseqüente com o Congresso de Viena. O Código instituiu para súditos coloniais a condição de servo da gleba.

Muitas de suas regulamentações reaparecerão no sistema Jim Crow dos Estados Unidos, tais como a proibição de reuniões, o castigo físico, a falta de direitos civis, o desrespeito por olhar de maus modos ou de uma forma que moleste os brancos.

Em termos gerais, a ideologia racista foi transmitida diretamente a todas as paróquias das igrejas européias, incluindo os meninos nas escolas dominicais dos protestantes, com o qual se garantia sua reprodução. Em1932 os “Cristãos Alemães” asseguravam que “na raça, a Nação

e as características nacionais vemos pontos de ordem para nossa vida”. Essa ordem foi estabe-lecida pelo mesmo Deus e por tanto é um dever mantê-los. “Por esse motivo qualquer mistura de raça” deve ser recusada. Manter a pureza de raça era um imperativo dos alemães. “A crença em Cristo não destrói a raça, senão que a aprofunda e santifica” (Luepke, 1978:3).

Novamente a igreja justificava assim a ideologia racista dominante.

Com estas idéias se firmaram as bases para o desenvolvimento da ideologia racista dos nazistas e posteriormente da Apartheid. Efetivamente, Adolfo Hitler relançou na Alemanha dos anos trinta, as idéias de Chamberlain, sobre a superioridade da cultura e da nação alemã e passou a descarregar todo seu ódio sobre os judeus. Em setembro de 1935 os alemães aprovaram a Lei de Nüremberg que proibiu toda a relação matrimonial ou extramatrimonial entre judeus e alemães. Algumas municipalidades foram além, estendendo a proibição aos animais e chegaram a proibir o acasalamento entre uma “vaca judia” e um “touro alemão”.

O último bastião do racismo doutrinário e militante foi a África do Sul. Nessa nação se levou à apoteose a idéia do racismo, no sistema conhecido como Apartheid. Esta doutrina postulava o desenvolvimento separado de cada uma das raças e grupos étnicos. O sistema segregava os habitantes da nação em termos de raça e etnia, definindo por lei os espaços e os serviços que correspondia a cada um e a remuneração que podem receber pelo mesmo trabalho. As diferenças entre os grupos se consideravam de origem divina e por tanto imutáveis. Os brancos como raça superior, constituíram um povo escolhido por Deus e com todo o direito divino mantinham aos negros em reservas chamadas “bantustões”.

3. A escravização do africano

3.1 O sistema Ibero-americano

O trabalho forçado foi à forma típica de dominação colonial nas Américas. Em alguns países, este sistema de trabalho continuou depois da independência. Milhões de indígenas foram escravizados e ainda que abolida a escravatura indígena desde muito cedo, o certo é que por meio das encomendas e “mitas” (repartição por sorteio que se fazia na América) continuou a dominação e exploração da população indígena e mediante a escravização e formas conexas de dominação da população negra.

A contribuição mais significativa dos negros à construção do nosso continente e à construção da Europa foi o seu trabalho. Nas minas, nas plantações de açúcar, o negro levou grande parte do peso do processo de acumulação de capital e desenvolvimento da sociedade européia. A vasta produção de tabaco, gado, algodão, ouro, prata, anil, açúcar, que tanto contribuíram à riqueza dos empresários europeus e crioulos, teve como elemento essencial a mão de obra negra. Por exemplo, no caso da Ilha de Cuba a princípios do Século XIX em pleno auge produtivo se calcula que tinham “155 000 escravos em 750 engenhos açucareiros; 54 000 em 900 cafezais; 36 000 em 13 700 herdades de gado e de tabaco e outros cultivos, e 20 000 em ocupações domésticas (Benítez, p.91).

A escravatura e todas as outras formas de dominação contaram com o apoio real da dou-trina do racismo, que justificou todas as selvagerias daquela época. Citamos as acertadas palavras da estudiosa colombiana Dra. Nina S. de Friedmann: “Para manter os negros escravizados dentro do sistema, se impuseram as mais severas regulamentações e se aplicaram os mais cruéis castigos”. Friedmann documenta as penas por ausência no Ajuntamento de Cartagena em 1570. Abundaram os açoites e outras formas selvagens de castigo físico. Por exemplo, a obrigação de andar durante dois meses com uma calça de ferro no pé, a qual devia pesar doze libras. Tirá-la significava duzentos açoites para o escravo ou escrava e a duplicação dos meses em que deveria carregar a calça. Se um compadecido amo decidisse tirar a calça a seu escravo, devia pagar cinqüenta pesos de multa. (Leis de Felipe II, fevereiro de 1571. Friedemann 1993: 61-62). Situação semelhante se documenta no México. Em 1579 estes incluíam a castração de qualquer negro que se unisse com uma índia e “qualquer escravo negro que se averigúe ter fugido do serviço de seu amo (...) seja preso e capado” Ainda mais:

“os tais negros que fugirem do serviço de seus amos” deviam ser multados; antes de devol-vê-los a seus amos “lhe façam cortar uma orelha” (Martínez Montiel 1988: 44, 45).

Nem Espanha nem Portugal tiveram como política consistente as guerras de extermínio, porque seu objetivo principal era a exploração da mão de obra. É certo que houve práticas cruéis como as paliçadas, esquartejamentos e torturas, mas as mortes dos índios se deram basicamente durante confrontos militares, pela quebra do círculo produtivo e pelas doenças relacionadas com a dificuldade genética ou cultural para enfrentá-las.

Os Estados Nacionais se fundaram sobre bases muito contraditórias. Sem dúvida o objetivo final dos crioulos era a independência, mas para os líderes e as massas afro-descendentes, sua prioridade no processo era a liberdade. Conquanto houvesse um esforço conjunto de ambos os setores pela independência, os chamados crioulos tinham dificuldades para superar sua mentalidade filo européia, e um grande temor às massas afro-descendentes, indígenas e mestiças.

Inicialmente a independência fazia sentido se se conseguia construir um Estado Nacional coeso e forte. Nesse sentido, o Libertador Simón Bolívar foi contundente em seu discurso ao Congresso de Angostura. Disse o prócer que o povo a construir era uma herança de África e América, já que a Espanha que conquistou América já não era européia, porquanto com séculos de dominação dos mouros se tinha africanizado.

Mas esse sonho tinha suas limitações, tal como o assinalava José de San Martín, cujo exército libertador era composto em 1/3 parte de afro-descendentes:

“O único inconveniente que ocorreu na prática do projeto (...) é a impossibilidade de reu-nir num só corpo as diversas raças de brancos e pardos (...) seria utopia achar que por um transtorno inconcebível se aplanasse o amo a apresentar-se numa mesma linha com seu escravo” (Anglarill, 1994).

3.2 América anglófona

3.2.1 Estados Unidos

A presença africana na América do Norte começa com a chegada a Jamestown, Virginia em 1619, de duas dúzias de negros, comprados ao capitão de um navio holandês. Após 12 anos de fundada a colônia de Jamestown adquiriu dessa maneira sua raiz negra.

Estes primeiros africanos eram considerados “serventes a prazo” (indentured servants) de-vido a que estavam submetidos à servidão por um prazo. Ademais, Virginia era considerada por seus habitantes, território inglês e por tanto, aplicavam a lei britânica, sob a qual não se permitia a escravatura em território de Sua Majestade.

Não houve ao princípio importação em massa por vários motivos: os serventes brancos valiam a metade que um negro, e segundo, os colonos duvidavam da possibilidade de assemelhar aos africanos. Mas pouco durou as reservas e escrúpulos dos colonos, pois em 1661 a Colônia de Virginia tomou a decisão de aplicar o princípio de escravatura perpétua aos africanos.

Nos Estados Unidos, igual que em América do Sul, milhões de indígenas também foram escravizados. Estima-se que em 1730 quase 25% dos escravos das duas Carolinas eram indígenas, Cherokee, Creek, e de outras nações. Igualmente, uma pequena minoria de bran-cos, entre os Séculos XVI e XVII foram escravizados por crimes e dívidas ou simplesmente indigentes seqüestrados nas ruas metropolitanas e transferidos para as colônias.

Mas rapidamente, começou a importação em massa de africanos. As leis ditadas estavam dirigidas a manter o status quo a toda costa. Não houve nesse contexto um sistema de castas propriamente ditas, nem nenhuma outra forma de ascensão social.

A norma sobre a escravatura perpétua de toda pessoa negra, “índia” ou parda1, fez-se extensiva aos filhos de mãe escrava. Proibiu-se a educação do negro, de maneira estrita, inclusive em alguns casos sob pena de morte para quem violava a lei, por exemplo, alfabetizando-o2.

Houve uma efetiva privação de todos os direitos civis, incluindo acesso à justiça. Em estrita consonância com o racismo, uma corte norte-americana declarou que “Nossos escravos não podem fazer nada por direito próprio, não podem ter propriedade, nem vender, nem comprar, nem tomar, nem dispor de nada sem autorização do amo ou vedor3”.

Os escravistas tinham direito absoluto sobre a vida dos escravizados, podendo inclusive matá-los, pois se presumia que se o fazia seria em defesa própria, pois ninguém ia matar a

1 Massachusetts, 1698; Connecticut e New Jersey, 1704; Pennsylvania e Nova Iorque, 1706; Carolina do Sul, 1712; Delaware, 1721; Rhode Island, 1728; Carolina do Norte, 1741.2 Normas de Alabama, Mississippi, Louisiana e Carolina do Sul.3 Chief Justice Roger B. Taney. United States Supreme Court. Dred Scott v. Sandford, 60 U.S. 393 (1856).

sua propriedade. Assim mesmo, tinham direitos sexuais sobre as mulheres negras, que foram empregadas na reprodução do sistema contra sua vontade.

Igual que no resto do Continente, com as exceções de Haiti e Brasil, misturaram-se as dife-rentes etnias e nações, para evitar toda a solidariedade entre os negros que pudesse levar a uma rebelião concertada, com o qual se perdeu rapidamente as línguas originárias. Mas no Norte, ademais, chegou-se a proibir o uso do tambor.

Contudo, os escravizados passaram pouco a pouco a ser indispensáveis no sistema produtivo colonial e pós-colonial. Já no final do Século XVIII não era possível pensar a economia do Sul dos Estados Unidos ou no Caribe, sem o aporte dos afro-descendentes. Isto também resultou certo em boa parte das colônias hispano-americanas, em diferentes períodos da história. Os afro-descendentes contribuíam com a mão de obra básica e especializada nos trabalhos de mineração, agricultura, pecuária, artesanato, comércio, e o trabalho doméstico.

3.2.2 O Caribe

Sobre o trabalho diário dos escravos no Caribe, temos os escritos de James Ramsay, um clérigo escocês da Igreja Anglicana, que viveu no caribe vinte anos e publicou em 1784 seu depoimento. Resumimos: O trabalho dos escravos começava na plantação às quatro da manhã. Às nove tinham meia hora para o café da manhã, que consumiam no mesmo posto de trabalho. Seguia o trabalho até as onze ou as doze do dia, quando a população se disper-sava para recolher “junto às cercas, nas montanhas, terrenos baldios, ervas e lianas para os cavalos e gado”. Este trabalho durava até a uma ou às duas da tarde, quando entregavam o recolhido e regressavam ao campo. Meia hora antes do pôr do sol voltavam a recolher erva e ao final do dia, entre as sete da noite ou mais tarde se o capataz assim o decidia, iam de caminho para suas choças. De caminho recolhiam sua própria dotação para chegar e preparar seus alimentos nas suas barracas. Dormiam a partir da meia noite e isto todos os dias. Esta realidade era bastante universal, embora em alguns casos, sobretudo nas colônias espanholas, proibia-se esse trabalho aos domingos e dias de sueto.

3.3 Liberação do escravo

Em Inglaterra se fundou em 1787 a Sociedade Abolicionista, encabeçada por Granville Sharp, Thomas Clarkson e mais dez pessoas, a maioria deles quáqueros. Eventualmente participaram ativamente nestas lutas marcantes escritores afro-descendentes como Olaudah Equiano, de origem africana e ex-escravo no Caribe, e Sancho; e Ignatius Sancho, de origem afro-colombiana.

Seu objetivo era lutar contra o tráfico de escravos. Sua estratégia era ao estilo dos modernos “lobby” parlamentares, dirigidos à aristocracia política. Alguns setores apregoavam por um processo gradual de emancipação, outros queriam somente abolir o tráfico. “Produzir nossos escravos em vez de comprá-los” apregoava o parlamentar britânico Wilberforce. O debate durou vários anos, até que em 1807 foi abolido o comércio internacional ou tráfico de escravos pelo Parlamento Britânico

Os Estados Unidos por sua vez, em 1814 assinaram o tratado de Ghent em que se prometeu combater o tráfico de escravos a nível internacional e a Grã-Bretanha comprometeu sua frota na captura dos barcos negreiros em águas internacionais e à libertação de todos os escravos que estivessem a bordo.

A revolução haitiana aboliu a escravatura em 1794. Miguel Hidalgo (1810) e José Maria Morelos (1813) em México, em seu levantamento contra o poderio espanhol, declararam livres os escravos. No entanto, ambos foram derrotados pelas forças realistas. Foi a 15 de setembro de1829 que o Presidente Vicente Guerrero, ao celebrar mais um ano de indepen-dência, decretou a abolição definitiva da escravatura do território mexicano.

A sua vez, as nações do istmo aboliram a escravatura em 1824, com um ato do congresso da República Federal da América Central.

No Sul, a abolição se deu em vários momentos. Pelos espanhóis como mecanismo de aliança com os negros em sua tentativa por recuperar a colônia, por Bolívar, a quem independentemente das suas convicções se lhe fez indispensável prometê-la para conseguir o apoio do Haiti e para desarmar a estratégia espanhola. No entanto não foi senão em 1854 durante o governo de José Gregorio Monagas que a Venezuela decretou a liberdade definitiva dos escravos.

4. O sistema de castas

4.1 Branquear a família em seis gerações.

O sistema colonial de Espanha e Portugal criou as castas, ou a ascensão social por bran-queamento, segundo o qual se permitia a “ascensão social” dos afro-descendentes por um processo de sucessivas mestiçagens e através de várias gerações. Esta institucionalização da ideologia do branqueamento teve conseqüências diretas que repercutem ainda hoje em nossa maneira de pensar. No Capítulo Terceiro, Lei 6ª do primeiro Código Negro, estabelece-se que o ensino das primeiras letras e os rudimentos da religião se vinha dando por igual a “todas as classes e para os pardos e negros livres” com “sinistras impressões de igualdade e familiaridade entre eles” e, portanto, devia restringir-se. No futuro todos os negros e pardos principiantes devem destinar-se à agricultura, sem que possam por isso misturar-se com os brancos, as terceiras e, quartas gerações e demais, que possam pôr-se em salas de aula separadas, mas dirigidas por pessoas brancas honradas e com instrução, que imprimam desde seus primeiros anos em seu coração os sentimentos de respeito e inclinação aos brancos, com quem devem equiparar-se algum dia”.

Certamente, o Código não se aplicou da mesma maneira em todos os contextos. Mas o que interessa aqui não é a aplicação literal, senão a ideologia que está por detrás. Em todas as colô-nias hispano-americanas podemos comprovar na prática, exemplos de sobra desta doutrina.

Em concreto, este sistema das castas desenvolvido por Espanha e Portugal não se funda-mentava na exclusão absoluta senão no mito da ascensão gradual das famílias por via de

seus descendentes. Precisavam-se seis gerações para branquear-se. De maneira que as castas chegaram a ser “categorias de gente que sem ser branca aspirava ou andava na senda de consegui-lo” (Friedemann 1993: 64).

No Brasil, por exemplo, igual que no resto da Sub-região, deram-se casos de mulatos decla-rados legalmente brancos, seja por reconhecimento a algum serviço prestado ao Estado ou porque suas condições econômicas e seu nível educativo assim o permitissem.

Isto deu origem à tão generalizada idéia em algumas comunidades de América Latina da conveniência de “subir” ou de “levantar” a cor. Do ponto de vista da auto-estima, fez muito dano, fomentando em alguns setores o desprezo por sua herança cultural e por si mesma. A cor chegou a ser para muitos uma marca. O “ideal de beleza” o modelo a emular, era o europeu e não houve modelos alternativos com os que pudessem identificar-se os que não tinham os rasgos físicos correspondentes.

Tem que levar em consideração que o sistema como tal funcionou. Até final da colônia, havia na América Latina uma grande quantidade de negros libertos que tinham atingido posições importantes na estrutura social e econômica da época.

5. Social darwinismo latino-americano.

5.1 Bases teóricas.

Passada a euforia da independência, em finais do Século XIX, as elites latino-americanas enfrentaram uma realidade difícil de aceitar: a crescente perda de suas vantagens comparativas no mercado internacional, frente ao desenvolvimento aberto e frutífero dos seus vizinhos do norte. Frente a essa realidade, as elites latino-americanas se deram à tarefa de elaborar uma explicação satisfatória, algo que não pusesse sobre as suas próprias costas a responsabilidade em termos de incapacidade. Para tais fins, recorreram ao social darwinismo.

Na América Latina podemos afirmar que o social darwinismo reveste características euro-centristas, etnofóbicas e endofóbicas. O eurocentrismo se expressou como culto à Europa. O termo eurofilia, é aplicável como fator de um processo de identidade europeizante assu-mida pelos mestiços e brancos crioulos. A população mestiça da América Latina lutou pela sua independência política e econômica e terminou expulsando aos espanhóis. No entanto, uma vez que conseguiram esse objetivo, assumiram a identidade do conquistador, com uma França idealizada, e ainda que com menos força, retomariam o tema de Espanha ou Portugal como a Pátria Mãe, declarando-se branco e europeu e incorporando a essa categoria a grande maioria dos mestiços, incluindo os afro-mestiços de características fenotípicas mais próximas às européias.

Domingo Faustino Sarmiento falando de França dizia:

“O francês de hoje é o guerreiro mais audaz, o poeta mais ardente, o sábio mais profundo, o elegante mais frívolo, o cidadão mais zeloso, o jovem mais dado aos prazeres, o artista

mais delicado e o homem mais macio em seu trato com os outros. Suas idéias e suas modas, seus homens e suas novelas, são hoje o modelo e a pauta de todas as outras nações” (Citado por Schwartz, 1999: 13)

O escritor Ventura García Calderón por sua vez cantava Paris da seguinte maneira:

“A exemplo de teus parques civilizados que obedecem a uma oculta geometria, quero mondar cada manhã à alma bárbara” (Cantilenas 17, citado por Schwartz, 1999: 15).

E o poeta centro-americano Rubén Darío pregava que “Paris tudo recebe e tudo o embeleza qual com o mágico influxo de um império secreto” (Peregrinações, Citado por Schwartz, 1999: 11).

A segunda característica do social darwinismo latino-americano é a etnofobia. As elites latino-americanas, em seu afã para terminar com toda a recordação das castas e já em posse da doutrina social darwinista, chegaram a considerar à diversidade étnica como uma ame-aça para a unidade nacional, fato que deveio numa verdadeira fobia, um grande temor pela diversidade.

Efetivamente, o darwinismo social, em sua versão crioula atualizada por Juan Domingo Sarmiento, postulava a impossibilidade de progredir dos povos e comunidades das diversas etnias indígenas e negras, o qual levou aos Estados nacionais a promover a imigração euro-péia em massa e a muitos deles a pôr em prática políticas de terra arrasada.

Juan Bautista Alberdi, um dos principais teóricos da fase de construção do Estado Nacional, afirmava que “Na América tudo o que não é europeu é bárbaro”. E se localizava de imedia-to entre o setor civilizado; não há maior divisão do que esta: o indígena que ele considera selvagem e “o europeu, isto é, nós, os que nascemos na América e falamos em espanhol, os que acreditamos em Jesus Cristo”. (Anglarill, 1994.)

Bem dizia de Juan Bautista Alberdi a historiadora uruguaia Graciela Sapriza, “cunhou o conceito de “governar é povoar”, mas visualizou nitidamente aos agentes civilizadores como europeus dos países mais desenvolvidos.

“Povoar é civilizar quando se povoa com gente civilizada isto é com povoadores da Europa civilizada”. (1 Alberdi, J. B. “As bases e os pontos de partida para a organização política da República Argentina”. A cultura Argentina, Buenos Aires, 1928. Citado pela historiadora Graciela Sapriza)

Encontramos nele sua vocação eurofílica, e também uma visão etnofóbica com relação às populações locais.

No que se refere especificamente ao afro-descendente, Carlos Bunge sociólogo e jurisconsulto (1875-1918) afirmava que o africano tinha uma capacidade de pensamento e de trabalho menor do que a européia. “Isso é evidente – afirmava do negro – ele não inventou o telégrafo

nem o transporte ferroviário, não é artista criador, não é empresário perseverante (...) até hoje, em nenhum clima e sob nenhum governo o negro prestou à Humanidade serviços de classe intelectual e diretora” (Anglarill, 1994) 4.

Uma citação do jornal chileno El Mercúrio resume genialmente o pensamento latino-ame-ricano daquela época:

Há americanos de raça indígena, americanos de raça africana e americanos de raça euro-péia. Foram os últimos os que fundaram a civilização na América. Os índios e os africanos a recusaram sempre e por seus instintos bárbaros puseram obstáculos aos esforços da raça branca para impô-la. (El Mercúrio, 7.8.1863. Citado por Fernández Retamar, em Casa das Américas, No. 102, p.44).

Algumas vezes a etnofobia é tão extrema que nos exibe frente ao mundo como pessoas de duvidosa seriedade. Por exemplo, o intelectual e político dominicano Joaquín Balaguer, afirmava com contundência que “A raça etiópica (negros) é por natureza indolente e não aplica seu esforço a nenhum objeto útil senão quando tem necessidade de obter por essa via sua própria subsistência”. O mesmo Balaguer, apoiando-se na opinião de Euclides Gutiérrez Félix, trata de convencer a seus leitores de que não há nenhum traço afro no merengue, baile típico por excelência na República Dominicana (Balaguer, Joaquín, 1998: 84-85, 212).

Esta rejeição à diversidade não se limitou aos intelectuais, senão que conseguiu contagiar toda a sociedade, em ocasiões de maneira muito explícita, e inclusive, afetando a vida legal, com um impacto direto e às vezes extremamente doloroso na história dos afro-descendentes.

Na Costa Rica ao assinar-se um contrato com Smith e Cooper para a construção e exploração do trem de ferro para o Pacífico se estabeleceu expressamente:

“É entendido que o concessionário não introduzirá gente de raça asiática para os trabalhos na linha férrea, nem asiáticos ou negros para lavrar ou colonizar as terras que se lhe outorgam” (Decreto IV, Art. 18,25.11.1891).

O historiador Iván Molina cita as palavras de Clodomiro Picado, o mais marcante cientista costarriquenho do século XX, que publicou uma carta no Diário de Costa Rica em maio de 1939 na qual sustentava:

“NOSSO SANGUE SE ENEGRECE!, e de seguir assim, do crisol não sairá um grão de ouro senão um pedaço de carvão. Pode que ainda seja tempo de resgatar nosso patrimônio sanguíneo europeu que é o que possivelmente nos salvou até agora de cair em sistemas de

4 Deixando de lado as grandes civilizações africanas da antigüidade e a Universidade de Tumbuctu que precede às européias, é interessante citar alguns afro-descendentes contemporâneos de Bunge, que estavam fazendo grandes contribuições no campo da tecnologia: Jan Mazeliger, (1882); inventor da máquina indus-trializadora do sapato; Elijah McCoy (1872) inventor do dispositivo que permitiu a lubrificação contínua dos trens (antes tinham que parar para tais efeitos) e Garret Augustus Morgan (1923) inventor do semáforo.

africana catadura, seja no político ou, em gostos que remedam a arte ou a distinção, em tristes formas ridículas.” (Picado, Clorito, “Nosso sangue se enegrece diz o Dr. Clodomiro Picado”. Obras completas, t. VI (Cartago, Editorial Tecnológica de Costa Rica, 1988), p. 299).

E poderíamos contribuir, a terminar, a postura do socialista e ligado à psiquiatria José Ingenieros, para quem “Os homens de raça de cor não deverão ser política e juridicamente nossos iguais; são ineptos para o exercício da capacidade civil e não deveriam considerar-se pessoas no conceito jurídico (“As raças inferiores”, 1906, ef.n.).

O terceiro elemento, a endofobia, é uma conseqüência lógica dos anteriores. Efetivamente, trata-se da rejeição que a cultura latino-americana, em termos gerais, mostrou da sua própria herança. Inclusive, em alguns casos, essa rejeição chega ao ódio de si mesmos.

O sociólogo e jornalista Laureano Ballenilla Lanz (1870-1936) justificava o caudilhismo, ao considerá-lo necessário e natural para controlar “a massa bárbara, analfabeta, que entende a liberdade como uma licença, um rebanho humano em estado natural, desafetados, negros e mestiços” (Cesarismo democrático, citado por Devés Valdez, 2000:69).

E Carlos Octavio Bunge, falando da composição psíquica da população latino-americana dizia “os espanhóis nos dão a arrogância, indolência, decoro; os índios, fatalismo e fe-rocidade; os negros, servilismo, maleabilidade”, mas como as três raças se misturaram se nota no hispano-mestiço, “certa inarmonia psicológica, relativa esterilidade e falta de sentido moral” (Nossa América, citado por Devés Valdez, 2000:71).

Por outra parte, Salvador Mendieta escrevia a princípios do século XX que os povos cen-tro-americanos se caracterizavam por sua debilidade física, sua preguiça, falta de iniciativa, luxúria, tristeza, e outros tantos epítetos. O autor centro-americano considerava o seu pró-prio povo moralmente covarde, integrado por indivíduos que se envergonham do país onde nasceram. (A Doença da América Central, 1906. Citado em Devés Valdés, 76-77).

O mesmo José Ingenieros celebrava que “Uma nova raça <euroargentina> culta, laboriosa e democrática, cresceu a expensas da colonial raça gaúcha, analfabeta, anarquista e feudal” 5.

6. Bio-Determinismo estadunidense

Igual que no período genesíaco do social darwinismo latino-americano, o social determinis-mo norte-americano, tem o seu primeiro fundamento na teologia. Os teólogos protestantes se empenharam em demonstrar que a escravização dos afro-descendentes era um direito divino.

5 Houve neste sentido pensamentos contestatórios como a teoria do branqueamento e a Democracia Racial brasileiras; a idéia da mestiçagem plasmada nas teorias da raça cósmica no México e no seio da comunidade negra o movimento cultural da “negritude”, e o movimento de Marcus Garvey, mas ditos movimentos trans-cendem os limites deste estudo.

Para tais efeitos, por exemplo, retoma o famoso relato Bíblico de Noé e Cam, para justificar primeiro a escravização e para depois justificar as nascentes idéias racistas do Ocidente. Efetivamente, segundo o relato bíblico, (Gene. 9:18 e seguintes), Noé, estando bêbado, foi visto nu por seu filho Ham. Os demais irmãos o cobriram. Ao recuperar a sobriedade Noé se incomodou pela atitude de Ham e amaldiçoou a Cam, filho de Ham. A maldição foi no sentido de que Cam e seus descendentes tinham que ser servos de seus irmãos e seus descendentes.

A Bíblia não diz que Cam seja o pai de todas as nações negras. De fato se nos atemos à tabela de nações que dá a mesma Bíblia, resulta que Ham teve quatro filhos, os quais se supõem deram lugar a quatro nações. Cush (Etiópia), Mizraím (Egito) Phut (que se supõe pai dos demais norte-africanos) e Canaã. Se a maldição foi sobre Cam então caiu sobre os Canaânicos (inimigos históricos de Israel) e não sobre os demais filhos de Ham (Gene. 10:6 e sigs.) E como vimos, Mizraim, Cush e Phut eram também filhos de Ham, mas Noé não amaldiçoou a Ham. Então os africanos nem sequer descendiam do filho maldito.

Por outra parte, se os teólogos se tivessem atido à filosofia do Antigo Testamento, as maldi-ções afetam até a quarta geração e estaríamos em presença de milhares de anos de diferença entre o momento em que se supõe ocorre esta história e o Século XVII. E se se ativessem à teologia do Novo Testamento, nem sequer os canaânicos deviam nada, porque se supõe que o ato do sacrifício voluntário de Cristo saldou todas as contas anteriores da humanidade, de maneira que não podia ser que 1500 anos depois os africanos, que também não eram canaânicos, tivessem de repente que começar a pagar a suposta ofensa de Cam.

No começo do século XIX houve um intenso debate no órgão Legislativo de Virginia. Thomas R. Dew, professor de economia política publicou um resumo desses debates, num folheto titulado Review of the Debate em 1832. Em suas teses o professor faz questão de sua visão mítico-religiosa.

Diz em resumo: Não há nada no Velho ou o Antigo Testamento que nos indique que a escravatura deva ser abolida. De fato, os patriarcas de Israel tinham abundantes escravos, precisamente durante um período em que estavam especialmente sob a direção de Jeová. Jesus Cristo por sua vez, não teve condenação alguma para a escravatura. O autor cita em seu apoio a idéia de Paulo (1 Corinto VII: 20-21) de que cada um devia permanecer na con-dição em que estava quando foi chamado a fazer parte da fé cristã. No entanto, não utiliza a citação completa em sua argumentação. Por exemplo, na mesma citação o Apóstolo agrega “ainda que tenhas oportunidade de conseguir tua liberdade deves aproveitá-la. Pois o que era escravo quando foi chamado a acreditar no Senhor, agora é um homem livre ao serviço do Senhor”.

Quanto à citação de Pedro (Pedro ii. 18,20), efetivamente chamava aos serventes a submeter-se a seus amos, sejam estes bons ou maus. Podemos ou não discrepar da opinião apostólica, mas há que tomar em conta que a escravatura que conhecia Pedro era a típica escravatura oriental, que era uma servidão a prazo, e muitas vezes voluntária em que os escravos nunca perdiam sua condição humana.

Em todo caso, concluía o Sr. Dew, ainda que a escravatura fosse moralmente condenável, o fato é que já existe e não foi instituída pela sua geração. Aboli-la em câmbio, traria confusão e sofrimento a brancos e negros.

Como se vê, citando-as e interpretando-as enviesadamente, os racistas do Sul se apoiavam nos textos Bíblicos para justificar este sistema tão absolutamente contrário da mesma visão cristã dos direitos humanos.

A segunda característica fundamental o racismo nortenho, foi a adesão e os aportes teóricos à tese européia sobre a superioridade absoluta do branco. Levaram-se a cabo grandes esforços para sustentar esse mito com argumentos pseudocientíficos. A tese foi atualizada na América pelo médico e naturalista Samuel George Morton (1799 – 1851) oriundo de Philadelphia.

Graduado da Universidade de Edinburgo (Escócia) o Dr. Morton regressou aos Estados Unidos imbuído da doutrina de superioridade branca que imperava na Europa, para ocupar o posto de professor de anatomia na Universidade de Pensilvânia. Se lhe considera o fundador da etno-grafia americana. Formulou sua visão das raças a partir de seu livro Crânia Americana.

Ainda que Morton cuidasse de não negar explicitamente a unidade da espécie humana, so-bretudo por não contravir a tese bíblica, seus seguidores, Josiah C. Nott e George Gliddon postularam em seu livro Types of Mankind (1854) que as investigações de Morton provavam concludentemente a teoria do poligenismo.

Esta teoria, como se expôs, é em realidade a primeira marca do chamado racismo científico que foi seguido com afinco por um bom número de pesquisadores no campo das ciências naturais. Em realidade, esta visão postula que as diferenças entre os grupos de seres huma-nos, não são simples variações da espécie, senão que cada “raça” constitui em realidade espécies diferentes.

Conseqüente com os estudos de craniología sugeridos pelo holandês Pieter Camper (1722-1789) Morton sustentou que era possível determinar o nível intelectual de uma pessoa segundo o ta-manho e forma de seu crânio. Assim, quanto maior a cavidade craniana, maior inteligência.

O ponto é que para ele de fato, os “caucásicos” (raça Branca) eram mais inteligentes por ter crânios maiores. Aplicados seus estudos aos antigos egípcios chegou à conclusão de que eram brancos.

Enquanto ponderava a raça “caucásica” como superior, etiquetava os asiáticos como raça “que sempre estão mudando de um objeto a outro”. Considera os nativos americanos sujeitos a um estado mental cronicamente infantil, incapazes de um processo contínuo de raciocínio abstrato. Os negros, segundo esta visão, são supersticiosos e cruéis, mas uma vez dominados resultam surpreendentemente dóceis e adaptáveis às mais variadas circunstâncias. São pouco inventivos, agregou Morton, mas com grandes capacidades imitativas. (Crania Americana, 1839).

Por certo que esta visão racista se fazia extensiva aos latino-americanos. A este respeito, William Walker o filibusteiro norte-americano que invadiu América Central em 1856, con-siderava os centro-americanos como “uma raça mista, degenerada, disfarçada de branca”. Daí a justificativa de seu direito manifesto:

“Só os idiotas podem falar de manter relações estáveis entre a raça americana, pura e bran-ca, e a raça misturada indo-espanhola, tal e como existe no México e América Central. A história do mundo não oferece exemplos de nenhuma utopia na que uma raça inferior ceda pacífica e mansamente à influência diretora de um povo superior”. (Citado por Leopoldo Zea, Revista Universum Ano 12-1997).

A terceira característica que interessa destacar quanto ao bio-determinismo é a tese do in-fantilismo crônico e incurável do negro. John Caldwell Calhoun (1782 – 1850), foi um político sulista proeminente nos Estados Unidos, chegando a ocupar entre outros os cargos de Vice-presidente, Ministro de Guerra, Senador e formado em Ciências Políticas. O inte-ressante, para este estudo foi a sua postura em relação à escravatura, defendida de maneira notável num célebre discurso pronunciado no Senado em fevereiro de 1837, para opor-se à abolição da escravatura.

Sua tese fundamental era que a escravatura, longe de ser um mal necessário, era um bem po-sitivo. Sua exposição, tingido de um giro paternalista postulava que aos negros lhes convinha ser escravos e que viviam felizes e resignados à sua sorte, sabendo que o branco se encarrega de cuidá-los. Nunca antes, sustentava a “raça centro-africana”, desde os começos da história até ao presente, tinha conseguido tal nível de civilização como no Sul escravista. Melhorou – sustentava vigorosamente o Senador, física, moral e intelectualmente. Inclusive, assinalava, era óbvio que os negros no Sul estavam melhores do que o proletariado europeu.

E era precisamente seu infantilismo crônico, que fazia os negros conformarem-se, agrade-cidos com a sorte de terem como tutor a Raça Mestra branca. Esta idéia foi muito divulgada nos Estados Unidos e foi aplicada tanto à população negra como aos indígenas.

A quarta característica do bio-determinismo foi o Mito de Jauja. A expressão “viver em jauja” vem do Peru e se refere a uma região onde se supõe a gente vivia muito bem. No con-texto do bio-determinismo se aplicou a mesma idéia com a expressão “living on clover”. Na visão de Thomas R. Dew já citado, não havia que ser mais feliz na face da terra do que o escravo negro dos Estados Unidos. Porque, se a escravatura não estava proibida por Deus e se o escravo estava feliz, teriam de desarticular o sistema. Se o sistema existe e funciona, que interesses se serviriam infundindo na mente dos escravos o desejo vão e indefinido pela liberdade, sendo algo que o negro de todos os modos não pode compreender e que o único que fará é pôr fim à sua felicidade?

Dew, como se vê, combina muito bem três das quatro características: o direito divino, o infantilismo crônico e incurável e a idéia da felicidade do escravo que está agradecido por sê-lo.

7. Racismo no Caribe

O racismo no Caribe anglófono e francófono seguiram pautas ligeiramente diversas. Os franceses optaram no Haiti pelo sistema de castas que, ainda que em sua estrutura guarda certa simetria com o brasileiro, não foram capazes de permitir a flexibilidade necessária para consolidar em termos de classes os diferentes status sociais. A população mulata sofreu das mesmas considerações que suas contrapartes latino-americanas.

A partir de 1666 se documenta a participação em massa da França no tráfico de negros, destinando-se os escravizados às colônias que iam adquirindo por conquista ou por tráfico nas Américas.

Supõe-se que as relações entre escravos e amos estavam regidas pelo Código Negro, pro-mulgado por Luis XIV. Em dito Código, o escravo em realidade só conservava o direito a uma alimentação mínima que o mesmo Rei estabelecia e a ser batizados na Fé Católica. Mas era despojado de todos seus direitos civis.

Tanto assim que o Artigo 30 lhes proibia exercer funções públicas, ser administradores de negócios, árbitros, ou testemunhas efetivas, pois suas declarações só seriam complementares, mas não podiam configurar elemento de prova.

O racismo foi elaborado de maneira grosseira por Voltaire. Para ele o negro era uma espécie diferente de ser, duvidosamente humano. Comparava os macacos, elefantes e negros “que têm uma linguagem que não escuto” dizia, e se tivesse que escolher entre os três, qual era o animal razoável escolheria ao elefante. (Voltaire, Traité de Métaphysique, 1734).

Igual mau conceito tinha dos mulatos. Depois de caracterizar o negro desde o ponto de vista físico, declarava-se oposto à tese naturalista segundo a qual o negro era produto da degeneração do ser humano no trópico.

Os negros asseguravam o afamado filósofo, transportados aos países mais frios, procriam animais de sua própria espécie, e os mulatos é só uma raça bastarda. (Voltaire, Essai sul lhes mœurs, Tome 1 1756).

Apesar das previsões do Código Negro e das idéias de Voltaire, as classes mestiças foram crescendo. No entanto, se lhes negavam direitos civis.

Em tais condições se deu o levantamento dos mulatos haitianos, comandados por Vincente Ogé em 1790. A insurreição foi esmagada, Ogé condenado a morrer esquartejado e foi se-guido por um massacre sem precedentes. Isto fez que as relações entre mulatos e brancos se fizessem irreconciliáveis.

O resultado desta e as confrontações seguintes, teve como resultado a radicalização da luta. Os negros e mulatos influenciados pelos líderes da Revolução Francesa, começaram a luta final. Os mulatos por adquirir os direitos civis e os negros por conseguir sua liberdade. Ao final, coincidiram na criação de uma Nação.

Nas colônias britânicas, a tônica seguiu as mesmas coordenadas com algumas variações. As autoridades coloniais gozavam de certa autonomia em suas decisões, de maneira que criaram uma série de disposições para regular as relações entre escravos, “pessoas de cor” termo que se aplicou originalmente à classe mulata e aos donos das plantações e fazendas.

Um dos ideólogos mais conotados foi Edward Long, autor de The History of Jamaica, pu-blicado em 1774. Segundo ele os negros:

“Em geral carecem de inteligência, e parecem ser incapazes de fazer algum progresso em civilidade e ciências. Entre eles não existe um sistema moral. A barbárie até seus filhos re-baixa aquela dos animais. Carecem de sensações morais: seu único prazer são as mulheres; comem e bebem com excesso; não desejam outra coisa que vaguear… São representados por todos os escritores como os mais vis da espécie humana, com a que têm semelhança só no que concerne à sua fachada exterior. (Long, citado por Hart 1984: 89).

Long se adscreve ao bio-determinismo, invocando o direito divino. “Nem por um momento du-videmos que cada membro da criação esteja devidamente colocado e adaptado para certos usos e confinado dentro dos limites traçados pelo Divino Criador”. E repete a tese de que o negro pertence não a uma classe diferente, senão a uma espécie diferente (Long, citado por Hart 1984: 90).

As Assembléias coloniais foram conseqüentes com esta visão. Igual que na América do Norte, os negros foram declarados escravos perpétuos (Assembléia de Antiga, 1702). Severas medidas foram aprovadas em todo o West Indies, inclusive com sentenças de morte para o escravo e para quem o ajudasse; despojando de toda a possibilidade ao mulato de herdar propriedade de seus pais brancos, ou cortando as orelhas dos fugitivos6.

Pode-se postular que o racismo no Caribe Britânico, fundamentava-se, pois sobre as seguintes bases: o direito divino; diferenciação biológica (espécie diferente); a estigmatização, (selvagem, canibal – ge-neralização difamatória que inclusive foi desmentida por alguns africanistas menos desonestos).

Sobre a escravatura no Caribe informava Charles Leslie,

“Aplicam os mais severos castigos. Não há país que os avantajem no tratamento bárbaro dos es-cravos ou nos métodos de crueldade com que as executam” (Leslie citado por Hart 1984: 84).

7.1 Sistema Jim Crow

Não se admitem cachorros, negros nem mexicanos neste negócio.

O texto com que se inicia esta seção se tomou literalmente de um dos rótulos do sistema Jim Crow. Pode-se localizar este sistema de discriminação racial, entre os finais do Século XIX até o Movimento dos Direitos Civis nos anos 60 do Século XX.

6 Barbados 1917; Jamaica 1761)

O nome foi tomado de um personagem cômico, protagonizado por um branco pintado de negro, que pretensamente imitava os negros num ânimo de ridicularizar.

Como produto da revolução americana, em que cerca de meio milhão de negros lutaram com as forças do Norte, aboliu-se as leis racistas e se deu liberdade aos escravizados. Como resultado deste ato, muito cedo uma grande quantidade de negros conseguiram ser eleitos nas Assembléias Legislativas dos Estados, e inclusive alguns chegaram a ocupar posições na Estrutura Federal.

No entanto, no final do Século XIX se deu o processo que se chamou da “Reconstrução”, mediante o qual se traíram todos os ideais relativos à igualdade e se despojou o negro por meios legais ou por meio do terrorismo aplicado por grupos como os do Ku Klux Klan.

Esta prática racista, em realidade foi um sistema de classe-casta, baseada no conceito de raça, tal como foi socialmente construída nos Estados Unidos. Embora fosse bem mais severo este sistema no Sul e nos estados fronteiriços com o México, não teve estado que escapasse de algum grau de aplicação da ideologia de Jim Crow.

Foi, sobretudo, a consolidação das idéias da superioridade branca, no plano do cotidiano, e contou com a ajuda e apoio do que se chamou o racismo científico. As pseudociências conhecidas como craniologia (já comentada), a eugenesia – doutrina de superioridade branca, alguns dos cujos defensores chegaram a propor a eliminação das raças e indivíduos pretensamente inferiores; a frenologia – inventado pelo médico alemão Franz Joseph Gall (1758-1828) que associava o tamanho do cérebro e o caráter dos indivíduos, e afirmava que a mente humana constava de uma série de faculdades diferentes detectáveis medindo as correspondentes regiões do crânio; social darwinistas, citados supra, e a vetusta teologia do direito divino, que pregava que os brancos eram o povo escolhido e os negros estavam malditos por Deus desde os tempos de Noé.

Pode-se caracterizar ao sistema Jim Crow da seguinte maneira:

ÿEstigmatização do afro-descendente como “nigger”, “oscurana” e outros qualificativos que reforçavam estereótipos anti-negros. Nisto jogaram um papel preponderante os jornais e revistas.

ÿÊnfase na suposta superioridade intelectual, moral e social do branco sobre o ne-gro.

ÿProibição absoluta da mestiçagem, pois se considerava que esta destruiria a sociedade estadunidense.

ÿNormas sociais rígidas que recordavam ao branco seu senhorio e ao negro sua in-ferioridade e servidão. Nesse contexto, o negro não devia dar a mão a um homem branco por não ser seu par, nem podia oferecer nenhuma parte de seu corpo a uma mulher branca já que isto se consideraria uma tentativa de violação.

ÿSegregação dos espaços públicos, incluindo hospitais, escolas, igrejas, barbearias, bibliotecas, prisões, restaurantes, serviços sanitários, trens, ônibus.

ÿEstabeleceram-se na prática zonas residenciais exclusivas para brancos e se criaram, portanto bairros e guetos de negros nas grandes cidades.

ÿDevia-se servir primeiro a um branco antes que a um negro em todos os casos, in-dependentemente de quem chegou primeiro.

ÿOs negros não podiam mostrar afeto uns pelos outros em público. Por exemplo, estava proibido beijarem-se, pois se considerava ofensivo para o branco.

ÿNas apresentações, em todos os casos tinha que se apresentar a pessoa negra à pessoa branca e nunca ao revés. Os negros deviam dirigir-se sempre à pessoa branca como senhor, senhorita ou senhora. As pessoas brancas não usavam estes títulos com as pessoas negras

ÿNão era tolerável que uma pessoa negra demonstrasse ou tratasse de demonstrar inteligência superior ou maior conhecimento do que uma pessoa branca, nem que se referisse a ela como de classe ou grupo inferior.

ÿOs pedestres e os motoristas brancos tinham sempre prioridade de passagem.

ÿCertos tipos de labores estavam reservados exclusivamente para as pessoas brancas. Quando pessoas de ambas as raças desempenhassem uma mesma tarefa, o salário das pessoas brancas seria muito superior.

ÿDespojou-se ao cidadão negro o direito ao voto que tinham adquirido depois da guerra civil e a abolição da escravatura, mediante vários mecanismos, entre os quais estava o famoso exame oral no que se lhe pedia aos que queriam registrar-se nomear uma longa lista histórica de autoridades.

ÿA cidade de Birmingham, em 1930 proibiu a brancos e negros compartilhar jogos de mesa e Geórgia na década dos anos 30 do Século XX estabeleceu parques separados para brancos e negros.

7.2 Eugenesia: estratégia para melhorar a raça

As idéias de Francis Galton, relativos à eugenesia, tiveram grande aceitação nos Estados Unidos. Encontramos uma lei do estado de Connecticut (1896) que proibia ao demente ca-sar-se. Em 1921 o Segundo Congresso Internacional sobre Eugenesia, realizado em Nova Iorque, declarou que a ciência devia “ilustrar ao governo na prevenção e a disseminação e multiplicação dos membros inúteis da sociedade”.

Segundo os dados a mão, estas teorias foram levadas em conta para estabelecer a política mi-gratória dos Estados Unidos durante os anos 30 e ainda em 1974 se comprovou a esterilização de 25% das mulheres indígenas e curiosamente houve um decréscimo da fertilidade entre mu-lheres afro-descendentes e hispanas (CCHR, A psiquiatria, uma indústria da morte, 2006).

Estas idéias ainda prevalecem nos círculos da psiquiatria norte-americana. Em seu livro The Bell Curve: Intelligence and Class Structure in American Life publicado em 1994, pelos psiquiatras Richard J. Herrnstein, que fora professor de Harvard até a sua morte pouco depois de publicado o texto e Charles Murray, sustenta-se que desde o ponto de vista genético, tanto os afro-americanos como os hispanos são intelectualmente inferiores, devido à sua herança genética. De maneira que não podem melhorar a sua condição, nem por meio da educação nem pelo treinamento. O autor, diga-se de passagem, cita em seu apoio autores associados consistentemente ao movimento nazista internacional.

8. A Convenção necessária

A futura Convenção Interamericana contra o Racismo e Toda Forma de Discriminação e Intolerância, justifica-se a partir de três motivos principais. Primeiro, vem sendo um reconhe-cimento da validez das lutas dos afro-descendentes no Continente e como tal, o rompimento definitivo do silêncio histórico sobre uma iniqüidade não resolvida, e enfrenta de maneira direta o problema da negação do problema. Segundo, trata-se da criação de eqüidade social, conceito que pertence às sociedades democráticas avançadas e por tanto, aponta a erradicar o racismo residual de nossos países. Terceiro, responde a um compromisso assumido por nossos países com os direitos humanos e se aspira a que quando seja aprovado o texto final tenha superado o existente.

A postura histórica dos Estados das Américas tem uma grande nitidez a partir da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem (Nona Conferência Internacional Americana Bogotá, Colômbia, 1948). Adicionalmente, os Estados assumem o desafio, na Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial de “tomar medidas imediatas e eficazes, especialmente nas esferas do ensino, a educação, a cul-tura e a informação, para combater os preconceitos que conduzam à discriminação racial e para promover o entendimento, a tolerância e a amizade entre as nações e os diversos grupos raciais ou étnicos.” E estes princípios foram ratificados na Conferência Regional das Américas (Santiago de Chile, 2000) e na Declaração Final e Plano de Ação da Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância (Durban, 2001).

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Documento II

O ativismo afro-descendente no âmbito dos

direitos humanos

Carlos Minott

O ativismo afro-descendente no âmbito dos diretos humanos

Nos documentos jurídicos internacionais em matéria de direitos humanos que se foram ela-borando posteriormente à criação da Organização das Nações Unidas, os Estados aceitaram que todos os membros da família humana têm direitos iguais e inalienáveis e se comprome-teram a garantir e defender esses direitos.

No entanto, a discriminação racial segue dificultando o pleno sucesso dos direitos humanos. Pese os progressos realizados em algumas esferas, as distinções, exclusões, restrições e preferências baseadas na raça, cor, ascendência, origem nacional ou étnica, seguem criando e agravando conflitos. Devido ao caráter fundamentalmente injusto da discriminação racial, bem como dos perigos que representa, sua eliminação se converteu numa meta da ação das Nações Unidas.

Ante a preocupação cada vez maior da discriminação racial, em 1963 a Assembléia Geral da ONU decidiu aprovar oficialmente a Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Prontamente foi elaborada, também, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Desde 1945 a comunida-de internacional se dotou de vários instrumentos jurídicos para combater o antigo e grave flagelo do racismo, a discriminação racial e a intolerância.

Pese o importante progresso no âmbito das Nações Unidas, o sistema interamericano, emol-durado na Organização dos Estados Americanos, não conta com um instrumento sobre a matéria, o que demonstra a urgente necessidade de sua negociação e adoção.

O movimento afro-descendente latino-americano teve, no entanto, um muito ativo papel por colocar a temática do racismo e a discriminação racial, principalmente, mas também de ou-tras formas de discriminação e intolerância – por identidade de propósitos – que igualmente evidencia que, complementar ao esforço dos Estados, a sociedade civil compartilha em sua agenda a necessidade de contar com um instrumento convencional regional interamericano sobre a matéria. A seguir se assinalam alguns dos avanços do movimento em direitos huma-

nos estabelecidos no atual Projeto de Convenção Interamericana contra o Racismo e Toda Forma de Discriminação e Intolerância.

O processo de luta para o direito ao reconhecimento da existência e presença da população afro-descendente nas Américas, praticamente se consolida a partir da Conferência Regional das Américas, conhecida como Prepcom, celebrada em Santiago do Chile. Esta Conferência de Santiago se sustenta na ampla participação da sociedade civil e das organizações e líde-res afro-descendentes, gerada pela Conferência Cidadã contra o Racismo, a Xenofobia, a Intolerância e a Discriminação, realizada como preâmbulo da Conferência Regional.

Edna Maria Santos Roland, em sua conferência apresentada na III Conferência Regional das Américas em Santiago7, argumenta sobre o uso do termo afro-descendente, que posterior-mente servirá de base para o movimento de identidade de reivindicação étnica da América Latina. O termo afro-descendente foi proposto inicialmente pela brasileira Sueli Carneiro numa oficina sobre Etnicidade e Identidade, ditado no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro, realizado nos dias 1 a 5 de setembro de 1996, no marco do 4º Congresso Luso – Afro-brasileiro de Ciências Sociais. Este termo é definido como os descendentes das populações africanas que foram vítimas da escravização transatlântica8.

Durante o Primeiro Seminário Regional sobre Afro-descendentes nas Américas que teve lugar na Ceiba, Honduras, em 2002, as pessoas participantes no seminário9 exortaram aos governos da região a que “reconheçam a existência da população afro-descendente também nas constituições de seus países, e admitam que os países das Américas têm sociedades multiculturais e multiétnicas…”.

Quanto aos direitos coletivos e direito ao território, é importante assinalar como, na Carta da Sociedade Civil Afro-descendente das Américas, estabelece-se num dos seus considerandos que: “... em todo o continente os territórios das comunidades afro-descendentes constituem um patrimônio e uma mostra da construção cultural, da memória e das contribuições à conservação do médio ambiente. Os Estados devem garantir de maneira efetiva o acesso e a preservação do direito à propriedade de seus territórios, ao uso de seus recursos naturais, à proteção e conservação dos conhecimentos tradicionais, ao consentimento prévio livre e informado tal e como está disposto na legislação internacional” 10.

7 Evento preparatório para a Conferência Mundial contra o Racismo, a Discriminação, a Xenofobia e a Into-lerância em Durban, África, 2001.8 http://www.ecoportal.net/content/view/full/65202, Vanesa Verástegui Ollé. “Recuperando os ancestrais afri-canos”. Nov. 30, 2006.9 Declaração e recomendações do Seminário Regional sobre os Afro-descendentes nas Américas. La Ceiba (Honduras), 21 a 24 de março de 2002. 10 Carta da Sociedade Civil Afro-descendente das Américas e Caribe, reunida na cidade do Panamá a 28 e 29 de março de 2008, no marco do Seminário sobre “Populações Afro-descendentes na América Latina”, convo-cado pela Secretaria Geral Ibero-americana, SEGIB.

Nesta mesma Carta, as pessoas participantes concordaram: “Impulsionar ações que permitam assegurar o território ancestral das comunidades afro-descendentes como uma estrutura necessária para assegurar a vida, a cultura, a liberdade e a identidade afro-descendente”. Também, propu-seram “a realização de um seminário sobre a situação dos direitos territoriais e ambientais dos afro-descendentes da América Latina e do Caribe, onde sejam analisadas as políticas nacionais e internacionais e se façam recomendações aos Estados para a proteção efetiva destes direitos”.

Na Carta da Sociedade Civil já citada se propõe também: “Recomendar aos países da Cúpula Ibero-americana onde se desenvolvem mudanças constitucionais, que se preservem os direitos que os afro-descendentes ganharam em conquistas sociais; e, particularmente, recomendar à Assembléia Constituinte do Equador preservar o status do povo e de direitos coletivos destas comunidades. Também, incluir o princípio da não discriminação, o reconhecimento do racismo como prática sistemática de negação de direitos humanos e a incorporação de medidas de ação afirmativas para combater o racismo e a discriminação” 11.

Para tanto, a Assembléia Geral da Organização Negra da América Central, manifesta que continuará “... com as gestão e ações ante os governos da América Central e os organismos multilaterais, para culminar o processo de recuperação de terras e territórios das comunidades afro-descendentes, em seus três eixos: Titulação, Ampliação e Saneamento” 12.

Com relação aos deveres dos Estados e quanto a medidas especiais, as organizações mem-bros da Organização Negra da América Central (ONECA)13, expressam com respeito os compromissos que deveriam adotar os Estados, seu “… total respaldo à implementação das políticas de Ação Afirmativa que demandam os afro-descendentes, como resultado da III Conferência Mundial Contra o Racismo e em respaldo aos seminários de La Ceiba, Honduras e Montevidéu, Uruguai, ambos eventos auspiciados pelo Escritório do Alto Comissionado dos Direitos Humanos das Nações Unidas”. Também manifestam sua “preocupação pelo pouco interesse dos governos da Região da América Central para fazer efetiva a Declaração Plano de Ação de Durban, principalmente no relativo a pôr em marcha políticas de ação afirmativa para os afro-descendentes”, dando seu total respaldo à implementação de ditas políticas.

Avançando em suas propostas, no III Encontro de Legisladores Afro-descendentes das Américas14, no que se constitui o Parlamento Negro das Américas, assinala-se: “A forma como redefinimos a democracia que temos, fez que se abordassem as experiências nacionais sobre avanços de políticas públicas e leis nacionais a favor dos afro-descendentes, destacando o instrumento de

11 Carta da Sociedade Civil. Idem. Parágrafo 10.12 Declaração da IX Assembléia Geral da Organização Negra da América Central. Celebrada na Cidade de Nova Iorque, USA, 4-7 dezembro de 2003.13 Idem.14 O III Encontro de Legisladores Afro-descendentes das Américas se realizou na Costa Rica, nas cidades de San José e Limón de 28 a 31 de agosto de 2005.

ação afirmativa como um passo que possibilita aprofundar o princípio democrático de igualdade através do princípio de equidade15. Reconheceu-se que a Conferência de Durban conseguiu que nossas democracias se questionem, porque são democracias racistas. Os conceitos que utilizamos como democracia não deve homogeneizar realidades, nem negá-las, menos invisibilizar-nos a força de pertencer à unidade nacional”.

Diversas organizações afro-descendentes em Foros Sub-regionais enfatizam a necessidade de erradicar o racismo estrutural e institucionalizado e a discriminação racial, que se expressa no campo trabalhista mediante a definição de mecanismos de classificação de acordo à capa-cidade técnica institucional16. Igualmente, propõem: “adotar medidas para a eliminação de estereótipos e preconceitos raciais dos programas de estudos e textos escolares nos sistemas educativos dos Estados membros da OEA”.17

No Primeiro Seminário Regional sobre Afro-descendente anteriormente citado, reco-menda-se aos meios de comunicação de massas a criar “... um código de ética para os meios de comunicação que inclua a Internet e que exija a cessação de toda a prática discriminatória, com o fim de garantir a cobertura eqüitativa e equilibrada das ques-tões que afetam às comunidades afro-descendentes; a garantia de que a diversidade cultural se reflita nas instituições dos meios de comunicação através da representação de pessoas com variadas origens e culturas; a erradicação da proliferação de idéias de superioridade racial, da justificativa do ódio racial e de todas as formas de discri-minação através da Internet”.

Quanto à visibilidade da população afro-descendente nos censos, no dito III Encontro de Legisladores18 se estabelecem outros desafios a partir de que: “A participação dos e das afro-descendentes nos órgãos legislativos na região é absolutamente escassa, se for considerada que de acordo com a informação sistematizada que menos de uma centena de pessoas desta origem (excluindo o Caribe) representam, segundo os dados, cerca de 150 milhões de pessoas. Este constitui um indicador irrefutável das débeis democracias representativas, que não conseguem um reflexo em seus órgãos formais de representação da composição da população. A exclusão dos e das afro-descendentes nas instituições de-

15 Os painéis que abordam estes temas foram Leis e decretos em favor dos afro-descendentes a cargo do deputa-do do Equador, senhor Rafael Erazo Reasco; o deputado do Brasil, senhor Luis Alberto do Santos; a presidente do Centro de Mulheres Afro-costarriquenhas, senhora Ann Mc Kinley; o deputado de Honduras, senhor Olegá-rio López em representação de Celeo Álvarez da Organização Negra de América Central e moderado pelo depu-tado do Brasil, senhor Vicente Paulo da Silva. E o painel Políticas públicas e leis afirmativas donde participaram o deputado do Brasil João Granado, o ex-deputado de Costa Rica, Walter Robinson e por Global Afro Latino and Caribbean Iniciatives, Humberto Brown, moderados pela deputada de Colômbia, Maria Isabel Urrutia. 16 Organizações afro-descendentes reunidas em Manágua, Nicarágua, 1 e 2 de fevereiro de 2007; em Bogotá, Co-lômbia, 15 e 16 de março e em São Paulo, Brasil, 19 e 20 de abril, no marco dos Foros Sub-regionais citados.17 As organizações afro-descendentes reunidas nas cidades citadas na nota anterior. 18 III Encontro de Legisladores Afro-descendentes já citado.

mocráticas é o resultado do racismo estrutural e das seqüelas da escravatura e do tráfico transatlântico de pessoas africanas, que foi reconhecido como crime contra a humanidade pelos governos das Américas na Declaração e Plano de Ação da Conferência Regional (Santiago de Chile, 2000)”.

Por outra parte, organizações afro-descendentes em Foros Sub-regionais solicitam “in-cluir em todos os procedimentos estatísticos oficiais e dos Estados, metodologias que assegurem o devido registro dos dados sobre a situação das populações e comunidades afro-descendentes” 19.

Os participantes no Seminário20 Regional sobre Afro-descendentes exortam aos Governos, a que “abordem a questão da origem étnica/racial nos censos nacionais e outras enquetes de população, concentrando-se em indicadores sociais como os de educação, saúde, mo-radia, rendimentos e emprego, a fim de formular políticas sociais adequadas para reduzir as disparidades entre as comunidades afro-descendentes e a população em geral; também a que apóiem a realização de estudos sobre as comunidades afro-descendentes com vista a dar maior visibilidade a essas comunidades; e que reúnam dados e informação decompostos sobre as comunidades afro-descendentes desfavorecidas, com o fim de elaborar a política futura de promoção e proteção dos direitos dos afro-descendentes”.

Entre as conclusões e recomendações do Relatório do Seminário Regional de Especialistas para América Latina e o Caribe sobre o cumprimento do Programa de Ação adotado em Durban, “Intercâmbio de idéias para uma ação futura”, inclui-se a seguinte: “O Seminário requer às Nações Unidas iniciar, sob a coordenação do Instituto de Investigações das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social (UNRISD), um programa específico de investigação coordenado com centros de estudos afro americanos das universidades ao longo do hemisfério e alguns centros de estudos extracontinentais, focalizados na po-pulação afro-descendente da América Latina e do Caribe dentro da agenda prioritária de curto prazo, que sirva de insumo aos governos, organizações não governamentais e centros acadêmicos, para avançar no diagnóstico e formulação de propostas de políticas públicas. A investigação e promoção devem cobrir os âmbitos locais e regionais, nacio-nais e internacionais, nos aspectos históricos, sociológicos e culturais, tanto do passado como contemporâneos, relacionados com a presença de africanos e afro-descendentes no continente americano e o Caribe21.

19 Organizações afro-descendentes reunidas em Manágua, Nicarágua, 1 e 2 de fevereiro 2007; em Bogotá, Colôm-bia, 15 e 16 de março e em São Paulo, Brasil, 19 e 20 de abril, em março dos Foros Sub-regionais sobre a participa-ção e incidência dos e das afro-descendentes no processo da Cúpula das Américas e as Assembléias Gerais. 20 Declaração e recomendações do Seminário Regional sobre os Afro-descendentes nas Américas. La Ceiba (Honduras), 21 a 24 de março de 2002. 21 Relatório do Seminário Regional de Expertos para América Latina e Caribe sobre o cumprimento do Pro-grama de Ação adotado em Durban: “Intercambio de idéias para uma ação futura”. E/CN.4/2003/18/Add.1. 18 de outubro de 2002. Pág. 12. Parágrafo 41.

Com relação à administração de justiça, as pessoas participantes no Foro Interamericano de Afro-descendentes, consideram que deve existir uma regulação do sistema penal de justiça para adolescentes, particularmente afro-descendentes22.

Existe uma Coligação Internacional de Cidades contra o Racismo, iniciativa impulsionada pela UNESCO no ano 2004, que pretende criar uma rede de cidades interessadas no intercâmbio de experiências com o objetivo de melhorar suas políticas de luta contra o racismo, a discriminação e a xenofobia. As cidades participantes se comprometem a utilizar todos os mecanismos que o poder põe a seu alcance para contra-arrestar o racismo e a discriminação por razões de etnia, raça, religião, nacionalidade, gênero, questões de saúde, orientação sexual e todo outro tipo de marginalização e exclusão mediante o cumprimento dos dez compromissos. As administrações assinantes se responsabilizam da implantação, coordenação e execução de regulamentos mu-nicipais contra o racismo e a discriminação. Estas medidas se decidirão, em cada caso, depois de um processo consultivo com quem sofrem diretamente o racismo e a discriminação, e em estreita colaboração com representantes da sociedade civil (ONGS, acadêmicos, associações, etc.). Sob a liderança de Montevidéu, um Comitê de experientes latino-americanos e caribenhos debateu sobre um plano similar, adaptado a esta região23.

Quanto ao movimento de mulheres afro-descendentes, a Rede de Mulheres Afro-caribenhas e Afro-latino-americanas, alenta os governos “... a trabalhar na elaboração de um índice de igualdade racial internacional que permita a adequação, estandardização e regulação do exame das formas atuais de discriminação e racismo, sua quantificação e a formulação de indicadores específicos, tomando em consideração a realidade particular das mulheres afro-descendentes” 24. Também, dita instância manifestou que “… realizará a incorporação em sua

22 Num seminário de seguimento da Conferencia Mundial, realizado no México de 1 a 3 de julho de 2002, or-ganizado pela Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), o destacado especialista Héctor Faúndez indicou que a justiça é um dos principais instrumentos para combater o racismo e a discriminação, para o que deve cumprir-se com certas condições como sua independência e compromisso com os direitos humanos. No entanto, os sistemas judiciais na região apresentam uma série de problemas como o alto nível de impunidade e a falta de compromisso dos magistrados com os direitos humanos. O documento, que menciona os âmbitos temáticos da Conferência contra o Racismo, abordou temas como o diagnóstico da situação; acesso à justiça sem discriminação e a adoção de medidas para desterrar a xenofobia e a discriminação nos sistemas judiciais; representação eqüitativa na administração da justiça; procedimentos judiciais necessários para investigar os atos de racismo; adoção de medidas para proteger as vítimas de atos de racismo, incluído o direito a solicitar reparação pecuniária; e capacitação para os funcionários públicos. O especialista agregou que o documento recomenda considerar a implementação de mecanismos adequados de resolução de conflitos, a administração de justiça em áreas remotas e os perigos da excessiva formalização do sistema jurídico. Também se deve ava-liar o sistema judicial no marco do conceito de “bom governo” e uma necessária distinção sobre as diferentes formas de direito existentes no interior dos países (direito internacional, direito nacional, direito indígena, etc.). Neste sentido se deve conhecer e valorizar o direito consuetudinário.23 Coligação Latino-americana e Caribenha de Cidades contra o Racismo, a Discriminação e a Xenofobia. Plano de Ação de 10 pontos. (Aprovado pelo Grupo de Especialistas e Representantes de Cidades Latino-americanas e Caribenhas reunidos em Montevidéu de 21 a 23 de junho de 2006). 24 Reunião Preparatória do III Encontro da Rede de Mulheres Afro-caribenhas, Afro-latino-americanas e da

agenda de temas de alta preocupação como a situação das mulheres migrantes e/ou desloca-das com ênfases na Colômbia, Haiti e Estados Unidos (Katrina), impulsionando campanhas de denúncias em massa, missões políticas de visitas in situ; ao igual que a visibilização da afetação dos direitos das mulheres afro-descendentes na Convenção Interamericana para a Eliminação da Discriminação Racial, propiciando a criação de Observatórios de Gênero, Etnia e Pobreza”25.

O Seminário Regional de Especialistas insta as Nações Unidas a iniciar, sob a coordenação do Instituto de Investigações das Nações Unidas para o Desenvolvimento Social (UNRISD), um programa específico de investigação coordenado com centros de estudos afro-america-nos das universidades ao longo do hemisfério e alguns centros de estudos extracontinentais, focalizados na população afro-descendente da América Latina e do Caribe dentro da agenda prioritária de curto prazo, que sirva de insumo aos governos, organizações não governa-mentais e centros acadêmicos, para avançar no diagnóstico e formulação de propostas de políticas públicas.

A iniciativa do processo de seguimento e avaliação dos acordos atingidos na Conferência Cidadã e a Reunião Regional das Américas de Santiago de Chile, 2000, foi aprovada depois da proposta de quatro redes e instituições da sociedade civil regional, que se baseando no item 188 da Declaração de Durban e seu Plano de Ação, impulsionaram a realização deste processo avaliativo do estado de implementação do Plano de Ação de Santiago (Santiago+5). Também deve mencionar-se a Conferência Regional das Américas contra o Racismo “Avanços e desafios no Plano de Ação contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e formas conexas de intolerância”, celebrado em Brasília em julho de 2006.

Enquanto, a IX Assembléia Geral da Organização Negra da América Central solicita “que os governos da América Central procedam à criação das Comissões Nacionais de Combate ao Racismo e a Discriminação Racial” 26, e organizações afro-descendentes, reunidas na Nicarágua “solicitam aos governos que facilitem a criação de um observatório racial e que trabalhem na difusão dos instrumentos internacionais em matéria de combate à discriminação racial” 27.

Em relação à cooperação internacional, as organizações afro-descendentes solicitam aos governos que facilitem a criação de um observatório racial e que trabalhem na difusão dos

Diáspora e da Conferencia Regional das Américas sobre os Avanços e Desafios no Programa de Ação contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e as Formas Conexas de Intolerância, Manágua, Nicará-gua, 14 a 17 de Julho de 2006.25 Idem. Item IV.26 Em marco da realização da IX Assembléia Geral de ONECA já citada.27 Organizações afro-descendentes reunidas em Manágua, Nicarágua, 1 e 2 de fevereiro 2007; em Bogotá, Colômbia, 15 e 16 de março, e em São Paulo, Brasil, 19 e 20 de abril no marco dos Foros Subregionales.

instrumentos internacionais em matéria de combate à discriminação racial28. Também, mediante a Carta da Sociedade Civil Afro-descendente, propõe-se o apoio tendo em vista concretizar a realização da Convenção Interamericana de Discriminação Racial e o apoio às ações mais eficazes do gabinete do Relator Especial Afro-descendente da OEA. Também, impulsionar em todos os países da Cúpula Ibero-americana uma agenda para o alcance dos Objetivos e Metas do Milênio nos Afro-descendentes; isto implica ações de investigação e acordo de agendas de desenvolvimento local, bem como apoiar condições nos países da Cúpula Ibero-americana para a avaliação do impacto dos 10 anos do Plano de Ação de Durban e gerar condições para seu cumprimento29.

A seguir se realiza uma recontagem das ações desde a sociedade civil, e particularmente das organizações de afro-descendentes, implementadas posteriormente às Conferências de Santiago e Durban.

• VIII Assembléia da Organização Negra da América Central (ONECA), San Isidro de Coroado, San José, Costa Rica, os dias 5, 6 e 7 de Dezembro de 2002.

• Seminário regional sobre os afro-descendentes nas Américas, La Ceiba, Honduras, dias 21 a 24 de março de 2002.

• Seminário Regional de Especialistas para América Latina e o Caribe sobre o cumprimento do Programa de Ação adotado em Durban: “Intercâmbio de idéias para uma ação futura”, México D.F., de 1 a 3 de julho de 2002

• Oficina RegionalparaaAdoçãoeImplementaçãodePolíticasAfirmativasparaAfro-descendentes da América Latina e Caribe convocado pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OACNUDH), Montevidéu, Uruguai, de 7 a 9 de maio de 2003

• II Encontro de Parlamentares Afro-descendentes das Américas e do Caribe, Câmara de Representantes de Colômbia, Ministério do Interior e de Justiça, Universidade Externado de Colômbia, Diálogo Interamericano.

• III Encontro de Parlamentares/as Afro-descendentes da América e o “Foro Interamericano Afro-descendente”, San José, Costa Rica, de 28 de agosto a 2 de setembro de 2005

28 Idem.29 Carta da Sociedade Civil. Op. Cit. Parágrafo 10. Carta da Sociedade Civil. Op. Cit. Parágrafo 10.

• Encontro cultural de jovens afro-descendentes, Arica, Chile, de 27 de fevereiro a 2 de março de 2005.

• AçõesAfirmativaseosObjetivosdoMilênio, Brasília, 28 e 29 de junho de 2005

• SeminárioInstrumentoseMecanismosJurídicosInternacionaisnaLutacontraa Discriminação, realizado em Montevidéu, Uruguai, outubro de 2003

• Terceiro Foro Andino Permanente Contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia, a Intolerância e suas Formas Conexas, Atacames, Equador, de 14 a 16 de setembro de 2004

• II Conferência Regional das Américas (Santiago + 5), em Santiago de Chile, em junho 2005

• II Conferência Regional contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância, no Brasil, dezembro 2005.

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