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GÊNEROS MULTIMODAIS, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS E ESCOLARIZAÇÃO GUSSO, Angela Mari 1 - PUCPR SANTOS, Karina Pacheco dos 2 - PUCPR SILVA, Fernanda de Souza da 3 - PUCPR Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Apresentamos, nesta comunicação, os dados de uma pesquisa em andamento que investiga se e como os livros didáticos do Ensino Médio vêm orientando os usos dos textos multimodais, com vistas à promoção de letramentos múltiplos dos estudantes. Como fundamentação teórica são tomados os estudos sobre gêneros de Bronckart (2007), as contribuições da área da semiótica discursiva, em especial os trabalhos de Kress e van Leeuwen (2006), além de estudos relativos aos multiletramentos. O propósito é trazer alguma forma de contribuição para construção de uma ponte que inter-relacione os conhecimentos produzidos pela área da semiótica social e o ensino-aprendizagem de leitura e escrita, particularmente de textos multimodais. Essa vertente da semiótica trouxe categorias que permitem análise mais consistente da relação entre o verbal e o não verbal. Portanto, a transposição didática desse referencial teórico poderá apontar caminhos profícuos para o trabalho didático com leitura e produção textual, uma vez que a imagem não pode ser considerada mera ilustração, pois fundindo-se com o verbal geram novos sentidos discursivos. Três coleções didáticas aprovadas no PNLD/2012 foram tomadas como amostra. No primeiro momento, efetuou-se uma seleção dos textos multimodais para constituir o corpus, haja vista a multissemiose ser característica recorrente na quase totalidade dos exemplares que compõem as coleções sob análise. A forma como tais textos são apresentados e abordados na sua exploração foi o passo seguinte do estudo. Os resultados revelam presença significativa de gêneros multimodais, oriundos de diferentes mídias e suportes. Porém, a exploração da função retórica que os recursos utilizados na construção dos gêneros textuais exercem na construção de sentidos dos textos ainda está aquém do desejável a fim de a escola contribuir mais eficazmente para a promoção dos letramentos exigidos pela sociedade contemporânea. Palavras-chave: Multimodalidade. Multiletramento. Livro didático. 1 Doutora em Estudos Linguísticos pela UFPR. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Integra o grupo de pesquisa “Teorias e análises da linguagem e da linguística aplicada”, registrado no CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda em Letras - Português e aluna de Iniciação Científica do programa PIBIC, com bolsa PUCPR. E- mail: [email protected]. 3 Graduanda em Letras - Português/Inglês e aluna de Iniciação Científica do programa PIBIC, com bolsa PUCPR. E-mail: [email protected].

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GÊNEROS MULTIMODAIS, LETRAMENTOS MÚLTIPLOS E

ESCOLARIZAÇÃO

GUSSO, Angela Mari1 - PUCPR

SANTOS, Karina Pacheco dos2 - PUCPR

SILVA, Fernanda de Souza da3 - PUCPR

Grupo de Trabalho - Cultura, Currículo e Saberes

Agência Financiadora: não contou com financiamento Resumo Apresentamos, nesta comunicação, os dados de uma pesquisa em andamento que investiga se e como os livros didáticos do Ensino Médio vêm orientando os usos dos textos multimodais, com vistas à promoção de letramentos múltiplos dos estudantes. Como fundamentação teórica são tomados os estudos sobre gêneros de Bronckart (2007), as contribuições da área da semiótica discursiva, em especial os trabalhos de Kress e van Leeuwen (2006), além de estudos relativos aos multiletramentos. O propósito é trazer alguma forma de contribuição para construção de uma ponte que inter-relacione os conhecimentos produzidos pela área da semiótica social e o ensino-aprendizagem de leitura e escrita, particularmente de textos multimodais. Essa vertente da semiótica trouxe categorias que permitem análise mais consistente da relação entre o verbal e o não verbal. Portanto, a transposição didática desse referencial teórico poderá apontar caminhos profícuos para o trabalho didático com leitura e produção textual, uma vez que a imagem não pode ser considerada mera ilustração, pois fundindo-se com o verbal geram novos sentidos discursivos. Três coleções didáticas aprovadas no PNLD/2012 foram tomadas como amostra. No primeiro momento, efetuou-se uma seleção dos textos multimodais para constituir o corpus, haja vista a multissemiose ser característica recorrente na quase totalidade dos exemplares que compõem as coleções sob análise. A forma como tais textos são apresentados e abordados na sua exploração foi o passo seguinte do estudo. Os resultados revelam presença significativa de gêneros multimodais, oriundos de diferentes mídias e suportes. Porém, a exploração da função retórica que os recursos utilizados na construção dos gêneros textuais exercem na construção de sentidos dos textos ainda está aquém do desejável a fim de a escola contribuir mais eficazmente para a promoção dos letramentos exigidos pela sociedade contemporânea. Palavras-chave: Multimodalidade. Multiletramento. Livro didático.

1 Doutora em Estudos Linguísticos pela UFPR. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Integra o grupo de pesquisa “Teorias e análises da linguagem e da linguística aplicada”, registrado no CNPq. E-mail: [email protected]. 2 Graduanda em Letras - Português e aluna de Iniciação Científica do programa PIBIC, com bolsa PUCPR. E-mail: [email protected]. 3 Graduanda em Letras - Português/Inglês e aluna de Iniciação Científica do programa PIBIC, com bolsa PUCPR. E-mail: [email protected].

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Introdução

Virou lugar comum afirmar que o país enfrenta sérias dificuldades no que se refere à

leitura, e não sem razão. Vejamos alguns fatos: ainda temos um elevado número de pessoas

com mais de 15 anos na condição de analfabetos; dados recentes alarmam com a quantidade

de alunos que, apesar de terem frequentado escola por três, quatro, cinco ou até mais anos,

não aprenderam o funcionamento básico do sistema de escrita, ou seja, não estão

alfabetizados, no sentido estrito do termo. Há vários anos, as estatísticas denunciam o fraco

desempenho dos estudantes em avaliações de leitura, tais como Saeb, Enem ou Pisa, cujo

objetivo é avaliar capacidades leitoras que vão além da mera decifração do código verbal.

Porém, a solução se agrava ainda mais pelo fato de os textos da contemporaneidade

determinarem novas exigências aos leitores. À medida que as novas tecnologias de produção

e divulgação de textos vêm se desenvolvendo – e isso tem acontecido em larga escala neste

início de século – a combinação de linguagens tornou-se recurso cada vez mais frequente nos

diferentes gêneros textuais. Note-se que nos jornais impressos a escrita se combina com fotos,

gráficos, mapas, desenhos; as charges disponíveis na web se valem de som, cor, movimento

associados à palavra; as capas de revista combinam diferentes fontes e cores de letras no

registro da linguagem verbal que se associa a fotos, além de outros recursos de imagem,

dispostos estrategicamente no papel. Diante dessa realidade, não basta apenas o domínio da

linguagem verbal, impõe-se a necessidade de perceber o texto como semioticamente

multimodal, isto é, produzido com a combinação de diferentes linguagens.

Assim como a língua escrita oferece múltiplas possibilidades para um autor produzir o

seu dizer, também o não verbal organiza-se em função das condições sociodiscursivas, ou

seja, manipulam-se imagens na construção de significados: omissão ou explicitação de

determinados detalhes ao produzir imagens não se dão de modo aleatório, mas estão

diretamente relacionados a implicações ideológicas. Isso acontece porque o autor de qualquer

texto está inserido em um espaço cultural e social, portanto seus valores, crenças, aspirações,

frustrações permeiam os textos que produz.

Por essa razão, à escola cabe não apenas desenvolver a competência leitora dos alunos

em relação aos textos verbais, mas também aos textos multimodais, pois essa competência

tornou-se uma exigência da vida cidadã contemporânea para que os sujeitos possam participar

das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e escrita (letramentos) de maneira ética,

crítica e democrática, como defende Rojo (2009).

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Neste estudo apresentamos dados de uma pesquisa que investigou se e como os livros

didáticos vêm orientando os usos dos textos multimodais, com vistas à promoção de

letramentos múltiplos dos estudantes. Como fundamentação teórica são tomados os estudos

sobre gêneros discursivos de Bakhtin (1997), de Bronckart (2007), as contribuições da área da

semiótica discursiva, em especial os trabalhos de Kress e van Leeuwen (2006), além de

estudos relativos aos letramentos. O propósito é trazer alguma forma de contribuição para

construção de uma ponte que inter-relacione os conhecimentos produzidos pela área da

semiótica social e o ensino-aprendizagem de leitura e escrita, particularmente de textos

multimodais. Essa vertente da semiótica trouxe categorias que permitem análise mais

consistente da relação entre o verbal e o não verbal.

A transposição didática desse referencial teórico poderá apontar caminhos profícuos

para o trabalho didático com leitura e produção textual, uma vez que a imagem não pode ser

considerada mera ilustração, mas como texto visual que, tal como acontece em relação ao

verbal, exige posicionamento crítico do leitor. Três coleções didáticas aprovadas no

PNLD/2012 foram tomadas como amostra. No primeiro momento, efetuou-se uma seleção

dos textos multimodais para constituir o corpus, haja vista a multissemiose ser característica

recorrente na quase totalidade dos exemplares que compõem as coleções sob análise. Neste

estudo, optamos por investigar como o cartaz e o anúncio publicitário são abordados em uma

das coleções.

O artigo está organizado em três blocos. O primeiro contempla a questão dos

letramentos, enfatizando os letramentos multissemióticos, a partir de uma discussão sobre a

importância de se valorizar uma forma crítica de percepção dos elementos não verbais, do

mesmo modo como deve ocorrer com os verbais; em seguida, apresenta-se a base conceitual

que orientará a análise dos textos que compõem o corpus deste artigo. No segundo bloco,

inicialmente, há uma caracterização dos gêneros textuais cartaz e anúncio publicitário,

selecionados para realizar a investigação sobre o modo como são explorados na coleção

didática analisada neste estudo, e na sequência, são apresentadas os comentários sobre a

abordagem dada a esses gêneros pelos autores da obra. Na parte final, apresentamos algumas

considerações destacando a relevância da incorporação de aspectos da gramática do visual no

currículo escolar, bem como das implicações dos letramentos multissemiótico e crítico em

sala de aula.

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A base teórica que embasa este trabalho são os novos estudos do letramento,

divulgados no Brasil, especialmente, por Kleiman (1995) e que orientam as pesquisas de Rojo

(2009), em relação ao papel da escola na promoção dos níveis de letramento da população.

Como ferramenta metodológica básica, recorremos a Gramática do Design Visual proposta

por Kress e van Leeuwen (2006), na qual os autores propõem um conjunto de categorias para

a análise da “sintaxe” das imagens, ou seja, da forma como os vários elementos de uma

representação imagética se combinam para formar um todo coerente.

A obra didática escolhida para ser apresentada neste estudo é Linguagens, composta

por três volumes e direcionada a alunos do Ensino Médio. Trata-se de uma coleção aprovada

pelo PNLD 2012, e avaliada como positiva em relação ao trabalho com leitura e excelente em

relação ao modo como encaminha o ensino de produção escrita. Buscamos avaliar se os textos

multimodais são objetos de estudo nessa obra e, em caso afirmativo, que aspectos da

linguagem visual são, efetivamente, tomados como objeto de reflexão sistematizada

favorecendo aos alunos a percepção de que as imagens também reproduzem relações sociais,

comunicam eventos ou questões, além de interagirem com o leitor com força semelhante à do

texto linear, tal como defendem Kress e van Leeuwen (op. cit).

Letramentos múltiplos e escola/ Letramento visual

Apesar do uso intensivo da imagem fora do ambiente escolar, ainda é incipiente um

trabalho sistematizado para desenvolver com o aluno a compreensão de que o conceito de

texto vai além do linear para, consequentemente, haver uma abrangência do conceito de

leitura, por parte dele. As concepções de texto e de leitura atuais contrariam a visão

tradicional de que para ser leitor basta atribuir sentido denotativo ao texto por, meramente,

decodificá-lo. Sem dúvida, uma condição para leitura é a decifração, a identificação do dito,

porém, não menos importante é a realização de inferências para se buscar os implícitos,

diferenciar informação relevante das secundárias, levantar e testar hipóteses a respeito do

conteúdo do texto, perceber o que foi omitido bem como as razões para tal, estabelecer

relações intertextuais, tirar conclusões, enfim, atuar cooperativamente na interpretação e na

reconstrução dos sentidos e interpretações pretendidos pelo autor.

Observe-se tratar-se essa de uma atitude desejável tanto na leitura de textos

monomodais como na de multimodais, no caso deste último, levando em conta, além dos

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elementos linguísticos, as marcas topológicas, pictográficas, tipográficas, as cores, sons,

movimento...

Rojo (2009, p. 107) defende que à escola cabe favorecer condições para os alunos

poderem “participar das várias práticas sociais que se utilizam da leitura e da escrita

(letramentos) na vida da cidade, de maneira ética, crítica e democrática.” (ênfase da autora).

Para tanto, segundo a pesquisadora, é necessário que a educação linguística contemple os

letramentos multissemióticos, visto que o letramento tradicional (materiais impressos, letras)

é insuficiente para as exigências da sociedade contemporânea.

Nesse sentido, há que se levar em conta a necessidade de a escola - em todas as áreas

do conhecimento - ampliar o universo de gêneros textuais com os quais trabalha, para

contemplar textos publicados em suportes variados, oriundos de diferentes esferas sociais de

modo que, além de trazer para objeto de estudo as produções próprias das culturas

valorizadas, contemple também aquelas provindas das culturas locais.

Para tanto, na formação de professores (de base ou na continuada) será essencial

abordar conteúdos relacionados à área de estudos dos letramentos, a fim de que os docentes se

apropriem dos subsídios teóricos necessários para poderem selecionar e abordar de modo

eficaz os textos pertencentes a diferentes gêneros textuais, provindos de diferentes mídias e

culturas. Apoiado em bases teóricas sólidas, o docente encontrará caminhos mais produtivos

para desenvolver a competência linguística dos alunos, no sentido e se tornarem

multiculturais em sua cultura e poliglotas em sua própria língua, conforme postula Rojo

(op.cit). No caso dos textos multimodais, é necessário algum conhecimento sobre o uso de

regras e procedimentos relacionados à(s) modalidade(s) de linguagem(ns) empregadas nesses

textos.

Um material bastante útil para subsidiar o desenvolvimento de habilidades e

competências requeridas para produzir e ler criticamente textos multimodais (gráficos,

infográficos, anúncios, cartazes, tiras, entre outros) é a gramática do design visual, por ela

explicitar um conjunto de recursos auxiliares na interpretação de imagens.

A gramática do design visual como instrumento de análise de textos multimodais

Com o acelerado desenvolvimento tecnológico, cada vez mais a linguagem escrita

vem cedendo espaço para a imagem que, de modo similar à linguagem verbal,

(re)cria/reproduz/propaga valores, crenças, ideologias. Em uma “sociedade cada vez mais

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visual” (Dionísio, 2005, p 160), imagem e palavra vêm se relacionando de maneira mais

integrada, pois as novas tecnologias permitem, no cotidiano, a combinação de modos de

representação tais como palavra e elementos tipográficos, palavra e animação, palavra e som.

Sendo assim, houve também a necessidade de se compreender o uso de recursos

semióticos na mídia impressa ou digital. Para tanto, Kress e van Leeuwen (2006) propuseram

uma forma diferenciada de se analisar imagens, focando a “gramática”, a “sintaxe” das

imagens, ou seja, elaboraram uma ferramenta que nos permite analisar criticamente a forma

como os elementos de uma representação imagética ou multimodal se combinam para formar

um todo coerente. Antes disso, a análise centrava-se no que seria o “léxico” das imagens, ou

seja, apenas no aspecto conotativo ou denotativo dos elementos representados.

Esses autores construíram categorias de análise semiótica que podem ser úteis tanto

para as situações de produção de textos quanto para o leitor interpretar imagens. De acordo

com eles, “Analisar a comunicação visual é, ou deveria ser, uma parte importante das

disciplinas ‘críticas’. (...) vemos todo tipo de imagem como inteiramente inerente ao campo

das realizações e instanciações da ideologia, como meio - sempre – para a articulação de

posições ideológicas.” (KRESS &VAN LEEUWEN, 2006, p.14).

Nesse sentido, pode-se dizer que as imagens são manipuladas para a obtenção de

determinados efeitos: omissão ou explicitação de certos detalhes na apresentação de uma

imagem não se dá de modo aleatório, mas está diretamente relacionada a implicações

ideológicas. Isso acontece porque o autor de qualquer texto encontra-se inserido em um

espaço cultural e social, portanto seus valores, crenças, aspirações, frustrações permeiam suas

produções, quer em linguagem verbal, quer em forma de imagem ou de texto multimodal.

Kress e van Leeuwen (op. cit), a partir da perspectiva de uma semiótica social que

adotam, advogam que imagem conecta-se com o verbal, mas entre ambas não há relação de

dependência. Sendo autônoma em seu significado, uma imagem pode ser metafórica,

desencadear humor, apontar tendenciosidade ou preconceito, entre outras possibilidades.

A Gramática do design visual (KRESS &VAN LEEUWEN, 2006) se organiza em três

níveis recursivos; a fim de explicitar os conceitos que orientarão a análise dos textos que

compõem o corpus deste artigo, tomamos emprestado o Quadro 1, elaborado por Santos-

Costa (2008), com pequenas alterações, para apresentar de modo conciso as categorias de

análise que permitem a realização de uma análise crítica de textos multimodais.

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Metafunção ideacional

Representação das experiências de mundo por meio da linguagem

Representação Estrutura narrativa (Ação transacional, Ação não-transacional, Reação transacional, Reação não-transacional, Processo mental, Processo verbal) Estrutura conceitual (Processo classificacional, Processo analítico e Processo simbólico)

Metafunção interpessoal

Estratégias de aproximação /afastamento para com o leitor

Interação Contato (Demanda ou oferta) Distância Social (Social, pessoal, íntimo) Atitude (Objetividade ou subjetividade) Modalidade (Confiabilidade da imagem)

Metafunção textual:

Modos de organização do texto

Composição Valor de Informação (Ideal-Real, Dado-Novo) Saliência (destaque mínimo ou máximo para elementos da imagem) Moldura (recursos para conectar ou isolar elementos na leitura da imagem)

Quadro 1 – Estrutura básica da gramática do design visual Fonte: Adaptado de Santos-Costa, 2008.

Esse aparato que reúne categorias funcionais para a elaboração de significados tem se

mostrado ferramenta útil na interpretação de imagem, pois no momento da leitura não basta

apenas um olhar intuitivo para se chegar a uma análise crítica. Se no momento da produção, o

autor manipula imagens na construção de significados, o leitor, por sua vez, precisará valer-se

de ferramentas capazes de lhes permitir desvelar as intenções subjacentes, as opacidades

discursivas.

A seguir, será apresentada a caracterização dos gêneros anúncio publicitário e cartaz,

empregando categorias apresentadas no quadro acima para abordagem da representação

imagética de ambos os exemplares tomados como referência.

O gênero anúncio publicitário

O gênero anúncio publicitário, como ferramenta de exploração de desejos e consumo,

exerce importante papel persuasivo nas sociedades altamente capitalistas e competitivas. Para

atingir seus objetivos, há necessidade de o apelo publicitário persuasivo investir em uma

gama de recursos semióticos para convencer seu público-alvo.

Segundo Karwoski e Costa (2011, p. 114), “Os principais elementos constitutivos do

anúncio publicitário são: título, texto, linha de assinatura, slogan, imagens e ilustrações”. Esse

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gênero vale-se de imagens, cores, diferentes formatações, uso de adjetivos, comparações,

figuras de linguagem, repetições, ambiguidade, verbos no imperativo, entre outros recursos,

para que o produto anunciado chame a atenção do leitor. De acordo com os autores, o gênero

tem por objetivos: “[...] vender serviços ou produtos, criar uma disposição, estimular um

desejo de posse ou para divulgar e tornar conhecido algo novo e interessar a massa, ou um de

seus setores”. (SANTANNA, 1998, p. 77 apud KARWOSKI; COSTA, 2011, p. 114).

O texto publicitário pode ser veiculado em rádios, televisão, internet, outdoors,

revistas, jornais e em cartazes colados em estabelecimentos comerciais. Esse é um termo que

abriga uma diversidade de subgêneros: a) comercial - visa promover uma marca ou vender um

produto anunciado por determinada empresa; b) postal - são pequenos anúncios impressos,

nos quais podem ser divulgadas marcas, produtos, empresas e até pontos turísticos; c)

classificado - consiste em anúncios publicados em seções específicas dos jornais ou até

mesmo fixados em pontos públicos, nos quais se visa anunciar a venda, troca, aluguel e até

procura de determinado produto ou serviço; d) publicidade governamental ou institucional -

visa promover uma campanha governamental, que pode ter por objetivo informar ou

conscientizar as pessoas sobre determinado assunto. A imagem 1 servirá de exemplificação

para uma caracterização do gênero textual anúncio comercial.

Imagem 1 – anúncio comercial da empresa de telefonia Claro

Fonte: Blog Portfólio Vanessa R., 2011.

No anúncio acima, o título é constituído por uma pergunta convidativa, a proposta de

falar gratuitamente no telefone celular, que apresenta como resposta sua realização a partir da

oferta da empresa: “Na Claro, é só continuar falando”. O texto localizado abaixo do título

exemplifica o proposto pela campanha da anunciante. Na parte não verbal, a imagem

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composta por um balão de fala com reticências dialoga com o texto verbal, pois indica de

forma imagética que ao adquirir o produto ofertado o cliente poderá falar muito mais, posto

que as reticências se contrapõem nesse sentido ao ponto final, dando ideia de continuidade.

Um aparelho telefônico complementa a parte não verbal, promovendo o produto gratuito

ofertado pela empresa.

A logomarca da empresa está posicionada no canto inferior direito e abaixo dela

encontra-se o slogan da companhia telefônica - “Escolha” - palavra no imperativo indicando

uma ordem. Por fim, na parte inferior do anúncio, constam, em letras de tamanho reduzido,

informações específicas sobre o produto anunciado e o endereço eletrônico da empresa. As

cores predominantes do anúncio são compostas por tons de vermelho, cor chamativa, utilizada

reiteradamente na logo e anúncios da empresa. Todas as partes do anúncio se inter-relacionam

para alcançar seu objetivo: convencer o consumidor sobre as vantagens de adquirir os

produtos e serviços da anunciante.

É importante ressaltar que o anúncio publicitário, tal como acontece com os demais

gêneros, é relativamente estável, pois não se caracteriza de forma única e imutável. Há os que

são constituídos apenas por título, texto não verbal e logo da empresa, entre outras

configurações.

Como esse gênero se vale largamente de estratégias de persuasão, usadas consciente

ou inconscientemente pelo produtor-anunciante no intuito de seduzir o leitor-consumidor, é

importante analisar os aspectos relativos à metafunção interacional da linguagem (Kress e van

Leeuwen, 2006). Assim, as categorias de análise propostas na Gramática do design visual -

Contato, Distância Social, Atitude/Subjetividade, Modalidade - serão observadas no anúncio

publicitário representado na imagem 2, buscando explicitar os sentidos das escolhas feitas

com relação às imagens que o constituem.

Imagem 2 – campanha publicitária da Empresa Unilever

Fonte: Unilever. Anúncio da Campanha Dove pela Real Beleza, 2004.

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Na campanha publicitária da empresa Unilever, que comercializa produtos da marca

Dove, são veiculados anúncios que abordam uma pluralidade de “belezas” femininas em

detrimento de um padrão de beleza pré-estabelecido, no qual as mulheres são representadas

por modelos cujos corpos estão distantes dos padrões reais da sociedade. Em busca de

conquistar uma diversidade de consumidoras, o anúncio não dá destaque a um produto em

específico, mas em mulheres que evidenciam a heterogeneidade estética da sociedade,

aproximando-se das mulheres comuns, e não de uma minoria, consideradas e convencionadas

esteticamente pelo mercado publicitário como padrão ideal a ser seguido.

No caso do anúncio, de acordo com a categoria “demanda”, da Gramática do Design

Visual, a participante representada olha diretamente para as participantes interativas,

esperando delas uma identificação; o mesmo ocorre em relação à escolha do ângulo e do

plano em que foi retratada: ângulo frontal e plano fechado (corte na altura dos ombros)

sugerem relação de proximidade entre os participantes. Observe-se que a participante é o

destaque do anúncio, os detalhes de sua fisionomia são ressaltados pelo brilho dado à

imagem. O texto verbal tem pouco destaque, apenas confirma a ideia central do anúncio, a de

que a real beleza não está em padrões pré-estabelecidos, mas na diversidade, incentivando as

consumidoras a pensarem da mesma forma. Tais estratégias adotadas pela anunciante

caracterizam o objetivo da empresa: que diferentes tipos de consumidoras se identifiquem

com o padrão de beleza representado pela participante e, a partir dessa identificação, utilizem

os produtos de uma marca que se “preocupa” com a heterogeneidade estética e o universo

feminino.

O gênero cartaz

Cartaz é um gênero textual cuja função é expor algo, a fim de informar e/ou persuadir

seu interlocutor por meio de apelos visuais e verbais que buscam sensibilizá-lo ou convencê-

lo daquilo que encerra em si. Geralmente, compõe-se por linguagem verbal e visual, o que o

caracteriza como um gênero multissemiótico. A parte verbal, que tende a ser concisa e

esclarecedora, normalmente, é composta por letras grandes e coloridas para que a atenção do

leitor seja atraída, mas isso não constitui uma regra, diferentemente do que postula a maioria

das descrições disponíveis sobre esse gênero.

O cartaz é muito usado em campanhas governamentais, por ser um meio eficaz de

alcançar a população em geral, já que seu formato facilita sua exposição nas mais diversas

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repartições e locais públicos, e, também, devido a poder ser multiplicado em suportes

elaborados com materiais de baixo custo, oferecendo, assim, uma excelente opção de

disseminação de informações. A publicidade também se utiliza desse gênero, fazendo com

que, muitas vezes, “cartaz” e “anúncio” se confundam. Ocorre que o cartaz pode ser também

suporte para o gênero anúncio, fenômeno citado por Koch e Elias (2008) como

intertextualidade intergêneros ou hibridização.

Notamos que quando o cartaz é usado para a publicidade, a intencionalidade do autor é

persuadir, convencer o leitor, enquanto que para outros fins, ele tem uma função mais

expositiva e informativa. Nesse caso, assim como ocorre com a carta, gênero e suporte

possuem o mesmo nome, sendo chamados de cartaz. Observem-se os exemplos apresentados

nas imagens 3 e 4.

Imagem 3 – Cartaz do governo de Minas Gerais em campanha de vacinação: características mais informativas.

Fonte: Agência Inovate, 2013.

Imagem 4 – Cartaz da Coca-Cola para época de Copa do Mundo: características persuasivas. Fonte: TERRA, Thiago. In: Mundo Marketing, 2009.

A parte imagética do cartaz apresenta grande flexibilidade, porém é desejável que ela

tenha relação direta com a linguagem verbal. Apesar disso, pode estabelecer outras inúmeras

formas de relação, visando proporcionar diferentes reações no leitor. Devido à estrutura e

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propósito desse gênero, o autor busca concentrar o máximo de informações possíveis sem,

contudo, utilizar texto verbal extenso, o que confere ao cartaz um grande teor multissemiótico

passível de inferências, deduções e outros processos cognitivos em sua leitura.

Elaborado de forma mais simples, esse gênero também pode ser usado para

manifestações como passeatas, protestos e acontecimentos públicos que visem reivindicar ou

se expressar de forma concisa e objetiva, mostrando-se versátil e de grande valor informativo.

O tratamento dado aos gêneros cartaz e anúncio na coleção

A coleção didática de Língua Portuguesa Português: Linguagens (2012), é subdividida

em quatro sessões: literatura, produção de textos, língua: uso e reflexão e interpretação de

textos. Em cada uma, encontram-se subseções, por exemplo: literatura comparada, leitura,

para quem quer mais, etc., além de outros norteadores, como boxes e aberturas das unidades.

Para comentar a abordagem dada aos textos multimodais na coleção, foram

selecionados um exemplar do gênero anúncio e outro do gênero cartaz, escolhidos devido ao

fato de serem os únicos utilizados pela coleção para explicitar a funcionalidade dos gêneros

em questão; frequentemente no livro os gêneros anúncio e cartaz foram abordados, porém,

com propósitos não relevantes a esta pesquisa, tais como pretexto para estudo de elementos

gramaticais do texto, na sessão “língua: uso e reflexão”. Na análise, primeiramente, serão

comentados aspectos relacionados à abordagem da coleção didática na proposta das atividades

relacionadas os gêneros; em seguida, serão feitas considerações, referentes às propostas de

análise de textos multimodais, com base na Gramática do Design Visual, de Kress e van

Leeuwen (2006).

Dos três livros da coleção, o único a abordar de forma direta o gênero textual cartaz é

o volume 2. Na seção “Produção de Texto”, o capítulo 2, intitulado “O cartaz e o anúncio

publicitário”, apresenta ambos os conteúdos, o que nos leva a inferir a estreita relação entre

esses gêneros que, não raro, se apresentam como intergêneros.

Cereja e Magalhães (2012) começam o capítulo apresentando o gênero cartaz com um

exemplar veiculador de uma campanha antidrogas, produzida pelo Senac, apresentado na

imagem 5.

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Imagem 5 – Cartaz antidrogas.

Fonte: Cereja e Magalhães, 2012.

Não há nenhuma consideração prévia sobre o gênero ou tema que o texto aborda, as

definições estão presentes em exercícios de análise de um exemplar, para que o aluno explore

o gênero antes de partir para a produção. Nos exercícios, o gênero cartaz é definido como:

Um gênero textual que tem a finalidade de informar as pessoas, sensibilizá-las, convencê-las ou conscientizá-las sobre determinado assunto [...] Os cartazes geralmente afixados em lugares públicos [...] Apresentam linguagem verbal e linguagem visual (CEREJA E MAGALHÃES, 2012, p. 25).

Todos os exercícios do capítulo se baseiam no cartaz apresentado, não há nenhum

outro modelo para comparação; de um total de cinco exercícios, apenas um aborda a questão

da imagem: pergunta-se a “relação entre o texto verbal e a imagem”, porém, não há um

aprofundamento maior em relação à leitura da imagem. O exercício seguinte sugere uma

produção de cartaz com temas sugeridos; nele, há várias recomendações sobre como deve ser

o texto, alertando que a linguagem verbal a ser utilizada deve obedecer ao gênero: “linguagem

simples e direta, de acordo com a norma padrão e adequada ao público a que se destina”.

Sobre o não verbal, apenas recomenda-se que “disponham o texto verbal e imagens (fotos,

ilustrações, colagens) que sirvam de apoio e estímulo à sua leitura”.

A figura humana do cartaz em questão é extremamente simples, porém trata-se de uma

imagem carregada de simbolismos, pois, apesar de possuir características humanas, apresenta-

se também como um vaso de flores que representam os pensamentos e atitudes.

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Analisando-se o cartaz a partir das categorias da Gramática do Design Visual, temos a

imagem como representação de uma estrutura narrativa: o rosto da foto é o sensor, do qual

parte um pensamento simbólico, com as flores representando pensamentos saudáveis, livres

de drogas, uma “cabeça feita” de forma positiva. A imagem, apesar de abstrata, interage

olhando diretamente para quem a observa; essa característica é descrita, na parte da

Metafunção Interpessoal, como demanda, ou seja, o participante representado (que olha)

exige do participante interativo (o leitor) algum tipo de atitude, impele-o a pensar de

determinada maneira, nesse caso, a pensar na importância da recusa às drogas. O personagem

é representado dos ombros para cima, o que caracteriza interação de distância social de

proximidade com o leitor. O texto é simples e objetivo, relaciona-se, de modo direto, com a

imagem pela expressão “fazer a cabeça”.

Uma análise levando em consideração os itens presentes na Gramática do Design

Visual permitiria ao aluno apreender as dimensões e possibilidades do trabalho com imagens

bem como o auxiliaria no entendimento de dizeres subjetivos possivelmente presentes. Nesse

caso, a simplicidade do cartaz escolhido pelos autores do livro “Linguagens”, não permite

exploração ampla do gênero, portanto seriam necessários mais exemplos diferenciados para o

aluno poder apreender a estrutura e possibilidades de produção e leitura.

Para a abordagem do gênero anúncio, a coleção didática seleciona o exemplar

reproduzido na imagem 6.

Imagem 6 – Anúncio da empresa Greenpece

Fonte: Cereja e Magalhães, 2012.

Assim como no gênero cartaz, o livro não faz uma consideração prévia sobre tema e

gênero. Nas atividades referentes ao anúncio, que totalizam oito questões, prioriza-se análise

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da funcionalidade e estrutura do gênero, para servir como base para a produção textual

solicitada em seguida. Apesar de comentar, em uma das questões, que o anúncio não

apresenta uma estrutura rígida e de apresentar mais um exemplo, ele não é explorado;

portanto, a análise limita-se a apenas um anúncio.

Nas oito questões, contemplam-se finalidade, locutor, estratégias de persuasão,

linguagem e temática do gênero. Apenas duas delas priorizam o diálogo entre o verbal e o não

verbal. Na primeira, pergunta-se: “que relação há entre a imagem e o enunciado verbal do

anúncio?” Espera-se que o aluno infira que imagem e palavras são complementares, uma vez

que o texto verbal sugere a necessidade de controlar o aquecimento global, e a imagem

apresentar uma consequência do aquecimento global, o desnível do mar. Na segunda

atividade, pergunta-se: “Na parte visual, qual recurso foi empregado no anúncio: o exagero, a

parte pelo todo ou o contraste?”. Espera-se que o aluno responda “o contraste entre dois

momentos, para mostrar o aumento gradual do nível do mar”. Porém, não são previamente

explorados esses dois momentos sinalizados pela imagem.

Na análise das atividades propostas, percebeu-se que duas das oito questões referem-se

à linguagem visual do anúncio, mostrando-se esta uma abordagem breve e superficial. Na

última questão da atividade, na qual os alunos devem apontar as principais características do

gênero anúncio publicitário, não há menção à presença da imagem no enunciado da questão,

nem na sugestão de resposta dada ao professor. Portanto, o foco de atenção centrou-se apenas

no teor linguístico do texto.

Do mesmo modo, na proposta de produção do gênero anúncio, não há uma abordagem

significativa do texto não verbal, a única menção feita é a seguinte: “Criem ou pesquisem uma

imagem que possa dar sustentação ao texto verbal.” Percebe-se, assim, que a imagem é tratada

apenas como suporte para o verbal, e não como um elemento constitutivo do gênero, com

carga semântica relacionada, porém autônoma em seu significado.

Ao analisarmos a imagem mais a fundo, a partir da Metafunção textual, da Gramática

do Design Visual, é possível perceber que o enfoque da imagem não está no objeto

representado (no caso o barco do pescador), mas sim no mar que, no caso, representa a

natureza como um todo; o brilho e o contraste de cores estão centrados nesse elemento, que

então deve ser analisado com maior atenção pelo interlocutor. No enquadramento, ao dividir a

imagem ao meio, a anunciante revela dois planos e situações distintas, que devem ser

analisadas, em um primeiro momento, separadamente, depois em conjunto, para constituir o

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sentido do anúncio. No primeiro plano, apresentado na esquerda da imagem, mostra-se o

dado, o nível do mar controlado, tal como se apresenta no momento. Na parte direita, mostra-

se o novo, o nível do mar descontrolado, sugerindo que as ações humanas podem causar esse

efeito. Questões relacionadas ao enquadramento, divisão de planos e linhas, brilho e contraste

poderiam ter sido exploradas nessa imagem, pois constituem papel fundamental para a

atribuição de sentidos ao anúncio.

Considerações Finais

Os resultados da análise da coleção apresentada neste trabalho revelam haver presença

significativa de gêneros multimodais, oriundos de diferentes mídias e suportes. Porém, a

exploração da função retórica que os recursos utilizados na construção desses gêneros textuais

exercem na produção de sentidos dos textos ainda está aquém do desejável para a escola

contribuir mais eficazmente para a promoção dos letramentos exigidos pela sociedade

contemporânea. Em relação às orientações aos alunos sobre a composição textual envolvendo

diferentes semioses, elas se restringem aos aspectos linguísticos, desconsiderando-se o papel

efetivo da imagem como recurso para representar os significados pretendidos pelo autor nos

gêneros multimodais.

Isso aponta para a necessidade de o professor, na sua formação acadêmica e/ou

continuada, se apropriar dos elementos que compõem uma “gramática visual” para, lançando

mão desse subsídio teórico, desenvolver estratégias apropriadas para interpretar recursos

visuais dos textos e, ao mesmo tempo, lhe permitir sistematizar a leitura de imagens em

ambientes escolares, bem como orientar a produção textual levando em conta os recursos e

regras característicos da(s) linguagem(ns) que compõem a totalidade da estrutura

composicional do gênero que estiver em foco nas aulas, um saber ainda bastante incipiente no

âmbito escolar.

As considerações aqui apresentadas podem ser vistas como uma contribuição para o

trabalho docente dos professores de todas as áreas do conhecimento, no sentido de se ter

colocado em destaque a mudança sofrida pelos modos discursivos de o texto significar, o que

coloca a necessidade de se dar às imagens a mesma atenção dispensada aos elementos

linguísticos presentes nos textos que produzimos e consumimos na sociedade.

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