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GENE APC – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR – ESTUDO DAS MUTAÇÕES I1307K E E1317Q A polipose adenomatosa familiar (FAP) é uma doença autossômica dominante caracterizada pelo desenvolvimento de numerosos pólipos adenomatosos e um grande risco para o surgimento de tumores colorretais. Esses pólipos, de natureza geralmente benigna, surgem, nos indivíduos afetados, na puberdade. A natureza adenomatosa e a enorme quantidade de pólipos tornam a possibilidade de degeneração maligna uma preocupação importante em indivíduos não tratados, em que ocorre, geralmente, o desenvolvimento de câncer colorretal em média 10 anos após o desenvolvimento dos pólipos. O defeito genético localiza-se no gene APC (adenomatous polyposis coli), situado no braço longo do cromossomo 5 (5q21). Os polimorfismos I1307K e E1317Q no gene APC são os mais comumente encontrados, com papel importante na predisposição a carcinomas e adenomas colorretais. A inativação do gene APC é geralmente um dos eventos mais precoces na tumorigênese colorretal. A alta frequência de perda na região do cromossomo 5, que inclui o gene APC (5q21), sugere que a perda da heterozigose desse gene esteja envolvida na carcinogênese do cólon nos pacientes com FAP. O CCR é uma doença genética. Seu aparecimento é fruto do acúmulo de mutações genéticas em um determinado clone de células epiteliais do cólon ou reto como resultado de herança ou não e que conferem a essa célula epitelial uma vantagem de crescimento ou mais especificamente, falta de resposta aos determinantes inter e intracelulares de divisão, diferenciação ou morte celular. Oncogenes (K-ras), genes supressores tumorais (APC, DCC e p53) e genes reparadores do DNA (ácido desoxirribonucléico) ou MMR (do inglês, mismatch repair —genes denominados MSH2, MLH1, PMS1, PMS2 e MSH6) são considerados como de participação central no aparecimento do CCR. Foi através de estudos em doentes portadores de PAF, uma das modalidades de CCR hereditário, que foi possível postular o modelo de carcinogênese por múltiplos passos, no qual o acúmulo de mutações genéticas é responsável pela progressão do

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GENE APC – POLIPOSE ADENOMATOSA FAMILIAR – ESTUDO DAS MUTAÇÕES I1307K E E1317Q

A polipose adenomatosa familiar (FAP) é uma doença autossômica dominante caracterizada pelo desenvolvimento de numerosos pólipos adenomatosos e um grande risco para o surgimento de tumores colorretais. Esses pólipos, de natureza geralmente benigna, surgem, nos indivíduos afetados, na puberdade. A natureza adenomatosa e a enorme quantidade de pólipos tornam a possibilidade de degeneração maligna uma preocupação importante em indivíduos não tratados, em que ocorre, geralmente, o desenvolvimento de câncer colorretal em média 10 anos após o desenvolvimento dos pólipos.

O defeito genético localiza-se no gene APC (adenomatous polyposis coli), situado no braço longo do cromossomo 5 (5q21). Os polimorfismos I1307K e E1317Q no gene APC são os mais comumente encontrados, com papel importante na predisposição a carcinomas e adenomas colorretais. A inativação do gene APC é geralmente um dos eventos mais precoces na tumorigênese colorretal. A alta frequência de perda na região do cromossomo 5, que inclui o gene APC (5q21), sugere que a perda da heterozigose desse gene esteja envolvida na carcinogênese do cólon nos pacientes com FAP.

O CCR é uma doença genética. Seu aparecimento é fruto do acúmulo de mutações genéticas em um determinado clone de células epiteliais do cólon ou reto como resultado de herança ou não e que conferem a essa célula epitelial uma vantagem de crescimento ou mais especificamente, falta de resposta aos determinantes inter e intracelulares de divisão, diferenciação ou morte celular. Oncogenes (K-ras), genes supressores tumorais (APC, DCC e p53) e genes reparadores do DNA (ácido desoxirribonucléico) ou MMR (do inglês, mismatch repair —genes denominados MSH2, MLH1, PMS1, PMS2 e MSH6) são considerados como de participação central no aparecimento do CCR. Foi através de estudos em doentes portadores de PAF, uma das modalidades de CCR hereditário, que foi possível postular o modelo de carcinogênese por múltiplos passos, no qual o acúmulo de mutações genéticas é responsável pela progressão do espitélio colônico normal para adenoma displásico e deste para o carcinoma invasivo (Vogelstein, 1988 e Fearon, 1990) — Figura 1. A sequência adenoma-carcinoma pode ser encarada, conforme demonstrado por Vogelstein e cols., como a contrapartida morfológica da hipótese de carcinogênese por múltiplos passos. Provavelmente, no entanto, mudanças moleculares conhecidas ou não e suas seqüelas morfológicas podem levar à formação de uma lesão plano-elevada ou não, grande ou pequena, de crescimento rápido ou lento.

Atualmente, admitem-se duas vias genéticas distintas para a carcinogênese colorretal. A via da instabilidade cromossômica ou perda da heterozigose (LOH, do inglês, loss of heterozygosity) ocorre quando mutações somáticas resultam em inativação dos genes supressores tumorais APC, p53, DCC, MCC ou ativação do oncogene K-ras. É a via genética envolvida no aparecimento da PAF, onde a inativação do primeiro alelo do gene APC (do inglês, adenomatous polyposis coli) é herdada. A segunda via é a da instabilidade microssatélite ou da hipermutabilidade do DNA. Nessa, uma mutação herdada resulta em inativação de um dos alelos dos genes envolvidos no reparo do DNA. É a via envolvida no aparecimento do HNPCC, onde a incapacidade de reparar erros que normalmente ocorrem durante a replicação do DNA leva ao aparecimento do CCR.

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A PAF resulta de uma mutação em um gene supressor tumoral (gene APC, localizado no cromossomo 5) cuja herança é autossômica dominante. Em até 20% dos casos diagnosticados, a mutação genética responsável pela PAF não foi herdada. Esses indivíduos apresentam centenas a milhares de adenomas colônicos e o CCR ocorre por força da degeneração de uma ou mais dessas lesões invariavelmente até a idade média de 45 anos caso o intestino não seja removido. Adenomas extraintestinais também são comuns, particularmente no duodeno (região periampular), podendo originar câncer tardiamente. Tumores desmóides representam outra manifestação da variante da PAF conhecida como síndrome de Gardner e acarretam alta morbidade.

Na síndrome do câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC), o defeito genético é resultado de mutação nos genes reparadores do DNA (MMR). Os quatro principais genes MMR estão localizados nos cromossomos 2 (dois deles), 3 e 7. Como resultado da hipermutabilidade do DNA, as células da mucosa intestinal, entre outras, estão mais propensas a acumular erros de replicação e assumir características neoplásicas. No HNPCC, o CCR se desenvolve mais rapidamente, é precedido por poucos ou nenhum pólipo, ocorre em idade mais jovem (antes dos 55 anos), em localizações mais proximais no cólon ou em localizações múltiplas (tumores sincrônicos) por ocasião do diagnóstico ou durante o seguimento (tumores metacrônicos). Na variante conhecida como síndrome de Lynch tipo II, o CCR ocorre em associação com tumores de outras localizações, mais especificamente, mama, endométrio e menos freqüentemente nos ovários, pâncreas, trato urinário e estômago (Lynch, 1993).

 

A PAF é uma doença genética e representa entre 1 e 2% das neoplasias colorretais. Caracteriza-se pelo fenótipo de múltiplos pólipos ao longo do trato gastrointestinal (mais comumente no cólon, duodeno e estômago) e por manifestações extra-intestinais (tumores desmóides e de partes moles). Nessa síndrome ocorre mutação do gene APC (do inglês adenomatous polyposis coli) (localizado no locus 21 do braço curto do cromossomo 5) e é portanto de herança autossômica dominante. Geralmente os

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adenomas são detectados na segunda década de vida e virtualmente todos os pacientes terão desenvolvido câncer colorretal antes dos 45 anos a menos que o cólon seja removido cirurgicamente. Assim, para prevenção do CCR nesses casos preconiza-se a vigilância por sigmoidoscopia periódica com início antes da puberdade. Modernamente, o diagnóstico da herança da mutação genética determinante dessa afecção pode ser realizado nos pacientes sob risco de desenvolver PAF por meio de testes bioquímicos (pesquisa da proteína truncada) ou por meio de testes genéticos que objetivam detectar a presença de mutação genética do gene APC seja ela conhecida ou não. Em nosso meio, no entanto, a exeqüibilidade desse expediente é restrita. Por outro lado, a sensibilidade dos testes genéticos permanece insatisfatória e abaixo de 80%. Dessa forma, ainda torna-se uma difícil decisão, e provavelmente não recomendável, dar alta da vigilância endoscópica aos pacientes sob risco de desenvolver PAF mas com investigação genética negativa.

A síndrome do câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC) é, aproximadamente, cinco vezes mais freqüente do que a PAF. Nessa síndrome ocorre mutação em um de vários genes reconhecidamente envolvidos na correção dos erros de replicação do DNA (genes MMR, do inglês mismatch repair gene), tornando a célula epitelial mais susceptível a alterações genéticas que poderão promover a carcinogênese12. Caracteriza-se pela ocorrência do câncer colorretal em adultos com idade inferior a 50 anos. Nesses, o câncer é precedido por poucos ou nenhum pólipo, acomete preferencialmente o cólon proximal e lesões metacrônicas ou sincrônicas são comuns. Testes genéticos diagnósticos são eficazes em apenas 60% dos casos4 e a prevenção nos pacientes sob risco deve ser realizada através de colonoscopia anual ou bianualmente a partir dos 20-25 anos de idade. Para os pacientes com diagnóstico de HNPCC, o tratamento cirúrgico é a colectomia total para o câncer de localização no cólon e a retocolectomia total quando localizado no reto. O papel da colectomia profilática para os pacientes com fenótipo de erro de replicação do DNA (teste para pesquisa de instabilidade microssatélite positivo) é controvertido pois o risco de câncer para essa população é desconhecido e as estimativas são conflitantes.

Entramos no novo século com o conhecimento de que a ocorrência de câncer colorretal em uma mesma família cuja investigação clínica e de genética molecular não gfavorece o diagnóstico de PAF nem de HNPCC está associada a maior risco (2-4 vezes maior) de manifestação da doença em parentes de primeiro grau13. Apesar de não haver um modelo genético que explique satisfatoriamente a carcinogênese nesses casos, sabe-se que, para a população em geral, quanto maior o número de casos na família e menor a idade ao diagnóstico, maior será o risco de desenvolver câncer.