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A INTER-RELAÇÃO LEGENDA-IMAGEM NO CINEMA:
A TRADUÇÃO INTERSEMIÓTICA NO FILME O BURACO
Janailton Mick Vitor da Silva (Bolsista PIBIC/CNPq)Universidade Federal de Campina Grande
Sinara de Oliveira Branco (Orientadora PIBIC/CNPq)Universidade Federal de Campina Grande
1 INTRODUÇÃO
O artigo que apresentamos é um recorte da pesquisa PIBIC (CNPq/UFCG), ciclo
2013-2014, intitulada “Legendar ou não? Os gaps e seus sentidos no filme O Buraco”, cujo
objetivo foi descrever o uso da tradução intersemiótica no filme O Buraco, a partir da
compilação, quantificação e estudo de cenas, com o intuito de analisar as implicações de tal
técnica tradutória e seu resultado em tal contexto.
Para o desenvolvimento deste trabalho, apoiamo-nos nas concepções acerca de
legendagem, cinema e tradução intersemiótica, trazendo em discussão, respectivamente: i)
características para confecção e apresentação de legendas; ii) planos que organizam a
sequência de imagens no cinema; iii) a interpretação de signos verbais para não verbais e
vice-versa.
Com base nessas concepções, o objetivo deste artigo é mostrar a inter-relação legenda-
imagem no filme O Buraco, com o afã de comprovar que, tanto legenda quanto imagem são
recursos capazes de transmitir significados que se complementam e, a partir do momento que
a tradução intersemiótica toma efeito, não há problemas na compreensão da trama.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 Legendagem
Legendas são “[...] traduções escritas e condensadas provenientes de diálogo original
que aparecem como linhas de texto, usualmente posicionadas ao fim da tela.”1 (LUYKEN et.
al.,1991, p. 31, tradução nossa).
Georgakopoulou (2009) apresenta alguns passos para a confecção das legendas. Antes
de tudo, é preciso que elas sigam uma adequação ao espaço, tempo e apresentação. A regra é
que haja duas linhas de texto, uma vez que a legibilidade da legenda é muito importante
(DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007). Além disso, seu comprimento está relacionado à sua
duração de tempo na tela. Por fim, a exibição da legenda não pode ocupar mais do que 20%
1 […] condensed written translations of original dialogue which appear as lines of text, usually positionedtowards the foot of the screen. (LUYKEN et. al., 1991, p. 31).
do espaço da tela, tendo que obedecer a fatores como legibilidade, tamanho dos caracteres,
posição na tela e a tecnologia utilizada para projeção no cinema (GEORGAKOPOULOU,
2009).
Em alguns casos, algumas legendas são omitidas devido a algumas restrições, como o
próprio espaço na tela, mas os espectadores podem compreender determinada cena
percebendo o contexto no qual as ações ocorrem. Nesse sentido, Georgakopoulou (op. cit., p.
25, tradução nossa) complementa que “a informação visual frequentemente ajuda os
espectadores a processarem as legendas, e até certo ponto isto compensa a quantidade
limitada de conteúdo verbal que elas contêm.”2
2.2 Cinema
De acordo com Bernardet (2006, p. 11), os irmãos Lumière foram os inventores do
cinema a partir da criação do “cinematógrapho”. Nem mesmo eles acreditavam que o cinema
se tornaria uma grande fonte de entretenimento no futuro.
O cinema trabalha com a impressão da realidade, pois cria a ilusão de que o que
vemos na tela realmente existe no cotidiano. “Essa ilusão de verdade, que se chama
impressão de realidade, foi provavelmente a base do grande sucesso do cinema.”
(BERNARDET, op. cit., p. 12, grifo do autor).
O modo como as imagens são filmadas e organizadas na tela são denominadas de
planos. Para o autor supracitado, há sete variantes das escalas dos planos:
Quadro 01 – Planos elencados por Bernardet (2006, p. 38)
PLANOS DEFINIÇÕES
Plano Geral (PG)“[...] mostra um grande espaço no qual ospersonagens não podem ser identificados[...]”
Plano de Conjunto (PC)“[...] mostra um grupo de personagens,reconhecíveis, num ambiente [...]”
Plano Médio (PM)“[...] enquadra os personagens em pé comuma pequena faixa de espaço acima da cabeçae embaixo dos pés [...]”
Plano Americano (PA) “[...] corta os personagens na altura da cinturaou da coxa [...]”
Primeiro Plano (PP) “[...] corta no busto [...]”Primeiríssimo Plano (PPP) “[...] mostra só o rosto [...]”
Plano de Detalhe“[...] mostra uma parte do corpo que não acara ou um objeto.”
2 The visual information often helps viewers process the subtitles, and to a certain extent this compensates forthe limited verbal information they contain. (GEORGAKOPOULOU, 2009, p. 26-27).
SILVA, J. M. V. Legendar ou não? Os gaps e seus sentidos no filme O Buraco. Campina Grande: PIBIC/CNPq,2014.
Os planos acima serão utilizados na descrição das cenas estudadas neste artigo.
2.3 Tradução Intersemiótica
Enquanto indivíduos sociais, comunicamos e interagimos com o mundo através de
diferentes linguagens a partir da leitura e produção de diversas formas, bem como por meio
“[...] de imagens, gráficos, sinais, setas, números, luzes... Através de objetos, sons musicais,
gestos, expressões, cheiro e tato, através do olhar, do sentir e do apalpar” (SANTAELLA,
2005, p. 10).
Dessa forma, ambientamos um contexto formado por múltiplas linguagens. A esse
respeito, Oustinoff (2011) pontua que precisamos reconhecer que a tradução envolve o campo
oral e escrito, verbal e não verbal. Considerando esse fato, o teórico reforça três espécies de
tradução desenvolvidas por Jakobson (2000, p. 114): i) a “tradução intralingual”, que é a
interpretação de signos verbais por outros signos da mesma língua; ii) a “tradução
interlingual”, que acontece a partir da tradução de signos verbais por significados verbais de
outro idioma; iii) e a “tradução intersemiótica”, que é a interpretação de signos linguísticos
para não linguísticos e vice-versa.
Nesse trabalho com os signos, Plaza (1987) aponta que a expressão do pensamento
humano é limitada pela linguagem, por isso sua relação com o universo é permeada pelos
signos para uma melhor compreensão do mundo. Desse modo, surge a necessidade de
trabalhar a tradução intersemiótica como uma forma de compreender o processo da
transmutação de um signo linguístico para outro não linguístico e vice-versa. No contexto
fílmico, por exemplo, observa-se como a imagem pode ser traduzida na legenda ou a legenda
na imagem, de modo que uma possa complementar a outra para uma melhor significação.
É nesse processo que um signo depende de outro para poder significar, já que a
compreensão sobre um evento só se dá por outra compreensão mediada por uma tradução
intersemiótica. Dito de outra forma, os signos em foco acabam formando “[...] novos objetos
imediatos, novos sentidos e novas estruturas que, pela sua própria característica diferencial,
tendem a se desvincular do original.” (PLAZA, op. cit., p. 30). Contudo, muito embora o
original tenha dado vazão a novas estruturas, ele ainda se faz presente no processo tradutório,
dando origem a novos sentidos, sejam mais idênticos ou um pouco distintos do original.
3 METODOLOGIA
Este artigo se relaciona ao Projeto de Iniciação Científica (PIBIC/CNPq/UFCG), ciclo
2013-2014, intitulado “Legendar ou não? Os gaps e seus sentidos no filme O Buraco”. Para a
realização deste artigo, baseamo-nos no paradigma interpretativista, na metodologia descritiva
e na tipologia qualitativa (MOREIRA; CALEFFE, 2008), e seguimos estes passos:
i) seleção de 43 cenas legendadas do filme O Buraco, através do programa
Fraps, tomando como critério a presença de aspectos intersemióticos, tais
como expressões emotivas (raiva, alegria, euforia, dor, medo, tristeza,
humor, rancor, angústia etc.) e outros elementos (expressões faciais e
corporais, efeitos sonoros, cenários etc.);
ii) escolha aleatória de 4 cenas para o estudo específico da inter-relação
legenda-imagem;
iii) análise dos dados com base em concepções teóricas acerca de
legendagem, cinema e tradução intersemiótica abordadas neste trabalho.
A compilação das 43 cenas foi feita pelo Fraps3, programa disponível gratuitamente
para download na internet. Ele seleciona, de filmes, jogos e vídeos em geral, benchmarks
(quantificação de sequência de imagens em movimento, por segundo), trechos de imagem em
movimento (segmentos menores de vídeos) e captura de tela em até quatro formatos de
imagem (BMP, JPG, PNG, TGA).
Utilizamos a versão 3.5.99. Após a instalação no computador, escolhemos 43 cenas
curtas, que variaram de 01 segundo a 29 segundos, representando os aspectos intersemióticos
aqui definidos. Em seguida, das várias imagens em movimento que formam essas cenas,
pressionando o botão F10, obtivemos imagens estáticas que resumem, mais especificamente,
os aspectos intersemióticos que os trechos apresentam. Das 43 imagens congeladas,
escolhemos 4, aleatoriamente, para o estudo da inter-relação legenda-imagem no filme O
Buraco.
A trama em estudo foi dirigida por Dante e lançada em 2009. Ela narra a história de
dois adolescentes e uma criança: os irmãos Dane e Lucas, que, depois de se mudarem para um
novo bairro com a mãe, conhecem a vizinha, Julie. Juntos, os três descobrem um buraco no
sótão da casa nova. Curiosos, eles não imaginam que, ao abrirem o buraco, além de não ter
fundo, ele funciona como um portal para que cada um deles enfrente seus medos. Em meio a
assombrações e pesadelos que ganham vida, eles são compelidos a encarar seus traumas mais
profundos: Lucas (palhaços); Julie (o fantasma da sua melhor amiga de infância, Annie
Smith); Dane (o pai bêbado que lhe batia).
3 Disponível em: <http://www.fraps.com/>. Acesso em: 09 ago. 2014.
4 A INTER-RELAÇÃO LEGENDA-IMAGEM NO FILME O BURACO
4.1 Cena 01 (00:35:58–00:36:25)
Imagem 01 – Julie expressa sua opinião sobre o buraco que encontrou no porão com Dane e Lucas.
O BURACO. Direção: Joe Dante. Produção: Chris Bender; J. C. Spink; Gary Michael Walters. Los Angeles:Bold Films; BenderSpink, 2009.
Esta primeira cena em estudo apresenta Dane, Lucas e Julie. Os personagens estão
com capacetes e em porte de algumas ferramentas, como martelo e armas de brinquedo, para
se defenderem de alguma ameaça que possa sair do buraco.
Sendo enquadrados num plano americano, os personagens são cortados na altura da
coxa, comendo pizza (BERNARDET, 2006). Como já é tarde da noite, Lucas cogita ligar para
sua mãe e avisar que fizeram uma descoberta no porão da nova casa. Dane o contraria,
argumentando que precisam saber o que há dentro dele antes de falar qualquer coisa com a
mãe.
Em seguida, Julie se aproxima do buraco, olha-o e diz: “Tem um portão para o inferno
na sua casa”. A legenda apresentando esta fala toma um pequeno espaço com duas linhas na
tela (DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007; GEORGAKOPOULOU, 2009). A imagem 01
(00:36:20) ilustra esse momento, no qual a câmera fixa-se apenas na tampa da abertura para o
buraco. Depois, Julie aparece no primeiro plano, cortada no busto, comendo pizza
(BERNARDET, op. cit.).
Abaixo, apresenta-se parte do diálogo dessa cena.
Tabela 01 – Diálogo sobre o buraco no porão da nova casa.
LEGENDAS EM INGLÊS LEGENDAS EM PORTUGUÊSDane I just think we should, you know, see Devemos ter certeza
what we’ve got before we say anything. do que é, antes.
Julie
I know what you’ve got. Eu sei o que é.
You’ve got a gateway tohell under your house.
Tem um portãopara o inferno na sua casa.
And that’s really cool. E é bem legal.
SILVA, J. M. V.; BRANCO, S. O. A inter-relação legenda-imagem no cinema: a tradução intersemiótica nofilme O Buraco. In: ENCONTRO NACIONAL DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL E ENSINO, 5., 2014,Campina Grande. Anais... Campina Grande: Editora Realize, 2014. No prelo.
Nessa cena, percebe-se a tradução intersemiótica entre o que se fala com o que é
focalizado pela câmera, ou seja, entre os signos verbais “portão” e “inferno” com o signo não
verbal representando a imagem da tampa que cobre a entrada para o buraco (JAKOBSON,
2000; OUSTINOFF, 2011; PLAZA, 1987).
Considerando a proposta do filme, nota-se que Julie usou a palavra “inferno”
figurativamente para designar as assombrações que moram naquele espaço e o fato de o
buraco não ter fim, como se fosse um caminho para o inferno, isto é, o local debaixo da Terra,
onde chamas e espíritos habitam um mundo de trevas.
Assim, a legenda e a imagem se complementam de modo a reforçar a abordagem dos
traumas dos três personagens principais. Quando a tradução intersemiótica tomou efeito,
pode-se compreender que aquele portão no porão era mais do que a entrada para qualquer
buraco, mas o local onde os traumas de cada personagem viviam e pelo qual estavam
voltando à realidade.
4.2 Cena 02 (01:05:21–01:07:34)
Imagem 02 – Julie e o fantasma de sua amiga de infância, Annie Smith, conversam no topo da montanha-russa.
O BURACO. Direção: Joe Dante. Produção: Chris Bender; J. C. Spink; Gary Michael Walters. Los Angeles:Bold Films; BenderSpink, 2009.
A cena 02 em estudo traz a solução do conflito de Julie com o fantasma de sua amiga
de infância, Annie Smith, no exato lugar em que Julie deixara sua amiga morrer, quando
ambas eram crianças.
Elas são filmadas num plano de conjunto, mostrando-as sentadas, lado ao lado,
olhando adiante (BERNARDET, 2006). Annie comenta que Julie crescera e, quando a
adolescente percebe que esse comentário remete ao fato de Annie não ter crescido, Julie pede
desculpas. Em seguida, após apresentar os rostos de Julie e Annie, a câmara procede
detalhando o enlaçar das mãos de ambas as personagens num plano de detalhe
(BERNARDET, op. cit.).
A imagem 02 (01:06:24) capta o momento em que Julie e Annie são enquadradas num
plano americano, sendo cortadas na altura da cintura (BERNARDET, op. cit.). Nesse
momento, Annie relembra a atmosfera passada de como se encontrava com Julie anos atrás,
dizendo: “Estamos tão alto, como antes”. A legenda correspondente é curta, com boa
legibilidade, tomando pequeno espaço na tela e apresentando apenas uma linha (DÍAZ
CINTAS; REMAEL, 2007; GEORGAKOPOULOU, 2009).
Em seguida, com bastante amargura e dizendo “Você me deixou cair!”, Annie testa até
que ponto Julie pode lhe “salvar”. O fantasma, cuja face acabara de ser mostrada num
primeiríssimo plano (BERNARDET, op. cit.), joga-se e fica pendurado pela mão de Julie,
tendo essas ações do pulo e resgate filmadas num plano de conjunto (BERNARDET, op. cit.).
Abaixo, observa-se parte do diálogo entre Annie e Julie.
Tabela 02 – Diálogo entre Annie Smith e Julie.
LEGENDAS EM INGLÊS LEGENDAS EM PORTUGUÊS
AnnieYou got bigger, Julie. Você cresceu, Julie.
JulieI know. Eu sei.
I’m sorry. Sinto muito.
Annie
It’s okay. Tudo bem.We’re so high. Just like before. Estamos tão alto, como antes.
You let me fall! Você me deixou cair!
JulieNo! Não!
Hang on! Segure!
Annie, hold on. Annie, segure firme!
SILVA, J. M. V.; BRANCO, S. O. A inter-relação legenda-imagem no cinema: a tradução intersemiótica nofilme O Buraco. In: ENCONTRO NACIONAL DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL E ENSINO, 5., 2014,Campina Grande. Anais... Campina Grande: Editora Realize, 2014. No prelo.
A tradução intersemiótica pode ser notada na correspondência dos signos verbais
“estamos” e “alto” com a representação imagética não verbal de duas personagens, Annie e
Julie, estando sentadas no topo da montanha-russa (JAKOBSON, 2000; OUSTINOFF, 2011;
PLAZA, 1987).
Considerando que ambos os signos se complementam, reforçando o fato de haver duas
pessoas em certa altitude, chama-se atenção para “antes”, que também ganha relevância por
mencionar o passado de tragédia de Annie e Julie numa certa noite.
Se “alto” representa o local onde tudo ocorrera, “antes” reforça que o trauma de Julie
voltou e que agora precisa lidar com ele mais do nunca, naquela mesma altitude onde estivera
anos atrás com Annie. Essa ação também é mostrada na sequência imagética, logo após o
momento congelado na imagem 02, quando Annie se joga e Julie tem que segurá-la pela mão.
Nessa perspectiva, a legenda traduziu a imagem e vice-versa, ilustrando mais do que
simplesmente duas personagens no alto da montanha-russa, mas trazendo à tona o trauma de
Julie e sua dissolução.
4.3 Cena 03 (00:44:00–00:45:48)
Imagem 03 – Creepy Carl está bravo por descobrir que o buraco foi reaberto.
O BURACO. Direção: Joe Dante. Produção: Chris Bender; J. C. Spink; Gary Michael Walters. Los Angeles:Bold Films; BenderSpink, 2009.
A cena 03 exibe a visita dos irmãos e Julie a Creepy Carl, antigo morador da nova
casa de Dane e Lucas. Dane diz que tirou os cadeados que trancavam a tampa do buraco e que
agora ele está aberto. Por este motivo, Carl está bastante irritado.
Na imagem 03 (00:44:38), os personagens estão enquadrados num plano americano,
na altura da cintura (BERNARDET, 2006), enquanto Carl diz: “Não deveriam ter aberto. Que
droga, por que abriram?”. Considerando os aspectos de espaço e apresentação, nota-se que a
legenda referente à fala do personagem possui boa legibilidade, pois ocupa até 20% da tela e
tem duas linhas (DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007; GEORGAKOPOULOU, 2009).
A interação entre os personagens segue exibida no plano americano (BERNARDET,
2006). Porém, tendo em vista a atmosfera de medo que Carl instaura, a câmera foca o rosto de
Lucas e depois o de Carl, cujas ações seguem o primeiríssimo plano (BERNARDET, op. cit.).
Abaixo, observam-se partes do diálogo dessa cena.
Tabela 03 – Falas dos personagens referentes ao encontro com Creepy Carl
LEGENDAS EM INGLÊS LEGENDAS EM PORTUGUÊS
CreepyCarl
You can’t take the locks off. Não podem tirar os cadeados.
JulieWe just want to know
what’s there, where it ends.Só queremos saber
o que tem lá, aonde acaba.
CreepyCarl
The darkness! A escuridão!It saw you, didn’t it? Viram vocês, não é?
Didn’t it? Não foi?Dane No, we saw a little girl.
Okay. You can relax.Não. Vimos uma menina.
Relaxe.
CreepyCarl
No, It saw you. Não, vocês foram vistos.You shouldn’t have opened it.
God damn it! Why did you open it?Não deveriam ter aberto.
Que droga, por que abriram?
DaneWe just want to know. If you built
the hole? And what it’s about.Queremos saber se foi você
que construiu e o que é.
CreepyCarl
Nobody built the hole! Ninguém o construiu.The hole has been here since
the world’s first scream.O buraco está lá desde
o primeiro grito do mundo.And now it’s gonna come for us! E agora virá atrás de nós!
The darkness is gonna come for all of us! A escuridão viráatrás de todos nós!
SILVA, J. M. V.; BRANCO, S. O. A inter-relação legenda-imagem no cinema: a tradução intersemiótica nofilme O Buraco. In: ENCONTRO NACIONAL DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL E ENSINO, 5., 2014,Campina Grande. Anais... Campina Grande: Editora Realize, 2014. No prelo.
A tradução intersemiótica estabelecida nessa cena 03 pode ser percebida pelo “não
deveriam” e “que droga”, pronunciados em tom exclamativo, com o semblante irritado do
personagem Creepy Carl (JAKOBSON, 2000; OUSTINOFF, 2011; PLAZA, 1987).
A expressão em inglês, “God damn it!”, é bastante enfatizada pelos gestos faciais e
pelo tom estridente da voz do personagem no momento em que ele a pronuncia
(SANTAELLA, 2005).
Outro aspecto que vai além dessa inter-relação legenda-imagem relaciona-se ao fato
da história de Carl com o buraco que fora aberto por Dane, Lucas e Julie. Ele não está bravo
apenas porque ele foi reaberto, mas porque a “escuridão” (cf. Tabela 03) virá atrás dele e dos
outros.
A construção imagética também ilustra que Carl tem medo de escuro. É possível
observar as várias lâmpadas que iluminam o local onde ele mora agora. Assim, ter mudado da
atual residência de Dane e Lucas, colocado cadeados trancando o buraco e ido morar num
lugar frio e rodeado de lâmpadas não fora o suficiente para que seu trauma fosse resolvido.
4.4 Cena 04 (01:21:00–01:24:32)
Imagem 04 – Dane reencontra seu medo: o pai que lhe batia.
O BURACO. Direção: Joe Dante. Produção: Chris Bender; J. C. Spink; Gary Michael Walters. Los Angeles:Bold Films; BenderSpink, 2009.
Essa cena exibe a luta pai-filho em meio a um cenário escuro e em desconstrução. O
trauma de Dane começa a diluir à medida que enfrenta o seu pai em forma monstruosa.
Num primeiro plano, a câmera corta Dane no busto, quando ele argumenta que seu pai
não é tão grande quanto parece ser (BERNARDET, 2006). O pai pega-o pelo colarinho e, cara
a cara, como exibido pela imagem 04 (01:22:55) num primeiro plano, ambos se enfrentam
(BERNARDET, op. cit.). Dane diz: “Você só parecia ser, porque eu era pequeno”. A legenda
correspondente obedece aos padrões de espaço e apresentação, tendo em vista sua legibilidade
na tela ocupando até 20% da tela e com duas linhas (DÍAZ CINTAS; REMAEL, 2007;
GEORGAKOPOULOU, 2009).
O pai olha ao redor, observando o cenário que se desconstrói mais rapidamente diante
do impacto gerado pelas palavras do filho. A câmera enquadra os personagens num plano
americano (BERNARDET, op. cit.) enquanto Dane reforça que seu pai tinha medo de todos,
por isso bebia muito e batia nos filhos. Em seguida, com mais pedaços das paredes e do teto
do cenário se despedaçando, a câmera vai de Dane para o pai, cortando ambos no busto, num
primeiro plano (BERNARDET, op. cit.). O pai gira o cinto em menção a bater no filho, mas
Dane pega a outra ponta e toma o cinto para si, cuja mão é focalizada num plano de detalhe
(BERNARDET, 2006).
É possível visualizar partes do diálogo da cena na tabela a seguir.
Tabela 04 – Dane e seu pai, em forma de monstro, lutam.
LEGENDAS EM INGLÊS LEGENDAS EM PORTUGUÊS
DaneI’m not scared of you. Não tenho medo de você.
I’m not scared! Não tenho medo!
PaiWe wouldn’t be here
if that was true.Não estaria aqui,se fosse verdade.
You have been afraid your whole life. Vai ter medo a vida toda.
DaneNot anymore. Não mais.
Because you can’t hurt me now. Porque não pode me ferir.
Pai Tell me, boy. Did that hurt? Diga, menino, isso doeu?
Dane
I know you’re not this big. Sei que você não é tão grande.You just look likecause I was little.
Você só parecia ser,porque eu era pequeno.
That’s why you came after us.Because you were mean.
Por isso nos batia,porque era mau.
But you were just scared. You werescared of everybody else. Weren’t you?
Mas você tinha medo.Tinha medo de todo mundo, não?
Pai Do I look scared to you? Parece que estou com medo?
Dane Do I? E eu?
SILVA, J. M. V.; BRANCO, S. O. A inter-relação legenda-imagem no cinema: a tradução intersemiótica nofilme O Buraco. In: ENCONTRO NACIONAL DE LITERATURA INFANTO-JUVENIL E ENSINO, 5., 2014,Campina Grande. Anais... Campina Grande: Editora Realize, 2014. No prelo.
À primeira vista, relacionar o “eu era pequeno” com o fato de que Dane não é mais
criança e nem pequeno pode parecer contraditório na imagem 04. Porém, levando em
consideração o contexto no qual aquela fala foi dita, seguida de “Sei que você não é tão
grande” (cf. Tabela 04), parte-se da premissa de que Dane poderia ter dito “você só parecia
ser grande”, mas não repetiu o adjetivo “grande”, pois já o havia feito antes.
A tradução intersemiótica então toma efeito entre a relação de “grande” com a estatura
física do pai (JAKOBSON, 2000; OUSTINOFF, 2011; PLAZA, 1987). Indo um pouco além,
percebe-se que o pai agora não é tão “grande”, pois já se passaram anos desde quando
realmente o fora, e Dane está do mesmo tamanho dele. Desse modo, observa-se, pela fala
transcrita na legenda, que o adolescente admite que o pai parecia ser grande porque Dane era
pequeno durante a infância.
Vale pontuar que, no início dessa cena, quando o adolescente reencontra seu pai, este
está em forma de monstro. Parece que aquela forma monstruosa era o que Dane, quando
criança, percebia de seu pai. Como ainda enfrenta o trauma de ter sofrido violência física
quando pequeno, ainda presencia a imagem do pai do mesmo modo que o via na infância.
Porém, ao longo da cena, o cenário em desmoronamento compartilha da desconstrução
da imagem de monstro também. Diante das palavras do filho, tudo ao redor desmorona,
inclusive o pai, por isso ele agora se encontra cara a cara com Dane. Nesse contexto, o signo
verbal complementou o não verbal, auxiliando na compreensão do trauma de Dane e
fornecendo detalhes para a dissolução dele, principalmente pela construção imagética da cena.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As discussões elencadas neste artigo nos levam a crer que legenda e imagem são
capazes de transmitir significados que se complementam e, quando a tradução intersemiótica
ganhou destaque, tal uso não prejudicou a compreensão da trama.
Percebemos que as legendas foram fiéis aos critérios de espaço e apresentação na tela,
garantindo boa legibilidade para o telespectador. Além disso, a união de vários planos
elencado por Bernardet (2006) demonstrou o desenrolar de várias ações e emoções que se
complementaram a partir da mudança constante de imagens.
Buscamos ir além da inter-relação legenda-imagem propriamente dita, abordando os
temas particulares aos personagens do filme para tentar compreender até que ponto e porque
essa correspondência verbal e não verbal fez sentido. Como mostrado, houve algo a mais: i)
imagem 01: portão que traz para o mundo real os traumas de cada personagem (fantasma, o
palhaço que tem vida, o pai-monstro que batia nos filhos); ii) imagem 02: altitude sobre a
montanha-russa, similar àquela de um passado não tão distante, que reúne o fantasma e a
amiga para a dissolução do trauma; iii) imagem 03: irritação que anuncia a escuridão que irá
perseguir cada personagem; iv) imagem 04: tamanho físico do pai-monstro que no passado
impunha medo e autoridade, mas que agora é tão somente grande como qualquer adolescente
ou adulto.
Assim, os resultados apontam a importância de se investigar o uso de imagens e sua
interpretação no cinema, dando relevância à tradução intersemiótica além de legendas em tal
contexto.
REFERÊNCIAS
BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 2006.
DIÁZ CINTAS, Jorge; REMAEL, Aline. Audiovisual translation: subtitling. Manchester: St.
Jerome, 2007.
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ANDERMAN, Gunilla. Audiovisual translation: language transfer on screen. Great Britain:
Palgrave Macmillan, 2009. p. 21-36.
JAKOBSON, Roman. On linguistic aspects of translation. In: VENUTI, Lawrence. (Ed.). The
translation studies reader. London / New York: Routledge, 2000. p. 113-118.
MOREIRA, Herivelto; CALEFFE, Luiz Gonzaga. Metodologia de pesquisa para o professor
pesquisador. 2. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2008.
LUYKEN, Georg-Michael et al. (Ed.). Overcoming language barriers in television: dubbing
and subtitling for the European audience. Manchester: European Institute for the Media, 1991.
O BURACO. Direção: Joe Dante. Produção: Chris Bender; J. C. Spink; Gary Michael
Walters. Intérpretes: Chris Massoglia; Haley Bennett; Nathan Gamble; Teri Polo; Bruce Dern;
Quinn Lord; John DeSantis; Douglas Chapman; Mark Pawson. Roteiro: Mark L. Smith. Los
Angeles: Bold Films; BenderSpink, 2009. 1 DVD (92 min), widescreen, color.
OUSTINOFF, Michael. Tradução: história, teorias e métodos. Trad. Marcos Marcionilo. São
Paulo: Parábola Editorial, 2011.
PLAZA, Julio. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Perspectiva, 1987.
SANTAELLA, Lucia. O que é semiótica. São Paulo: Brasiliense, 2005.
SILVA, J. M. V.; BRANCO, S. O. A inter-relação legenda-imagem no cinema: a tradução
intersemiótica no filme O Buraco. In: ENCONTRO NACIONAL DE LITERATURA
INFANTO-JUVENIL E ENSINO, 5., 2014, Campina Grande. Anais... Campina Grande:
Editora Realize, 2014. No prelo.
SILVA, J. M. V. Legendar ou não? Os gaps e seus sentidos no filme O Buraco. Campina
Grande: PIBIC/CNPq, 2014.