Fundamentos de Jacques Lacan

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Ocupação

Jacques Lacan nasceu em 1901. Seria preciso apenasvinte e cinco anos para que começassem a despontar nopalco do mundo os efeitos desse nascimento. Após 1920,Freud introduziu o que irá chamar de segunda tópica:uma tese que torna o “eu” (ego) , uma instânciareguladora entre o “isso” (id- fonte das pulsões), osupereu (superego- agente das exigências morais) e arealidade (lugar onde se exerce a atividade). Pode surgir,no neurótico, um reforço do eu, para “harmonizar” essascorrentes, como uma finalidade de tratamento. Ora, Lacanfaz sua entrada no meio psicanalítico com uma tesecompletamente diferente: o eu, escreveu ele, constrói-seà imagem do semelhante e primeiramente da imagem queme é devolvida pelo espelho- este sou eu. O investimento libidinal desta forma primordial, “boa”,porque supre a carência de meu ser, será a matriz dasfuturas identificações. Assim, instala-se odesconhecimento em minha intimidade e, ao querer forçá-la, o que irei encontrar será um outro; bem como umatensão ciumenta com esse intruso que, por seu desejo,constitui meus objetos, ao mesmo tempo em que osesconde de mim, pelo próprio movimento pelo qual ele meesconde de mim mesmo. É como outro que sou levado aconhecer o mundo: sendo, desta forma, normalmenteconstituinte da organização do “je” (eu inconsciente, Isso,Id), uma dimensão paranóica. O olhar do outro devolve aimagem do que eu sou. O bebê olha para a mãe buscandoa aprovação do Outro simbólico.O artigo “O Estádio do Espelho como formadora daFunção do ‘jé’” foi apresentado, em 1936, ao Congressointernacional de psicanálise, sem encontrar outro ecosenão o toque de campainha de E.Jones, interrompendouma comunicação demasiado longa. Sua reapresentaçãoem Paris, em 1947, não suscitou maior entusiasmo. O termo “Estádio do Espelho” teria sido inventado porHenri Wallon entretanto Lacan apresentou com uma outraforma. Ele apresenta iniciando com um mito e apóia-se naidéia de que o ser humano é um ser prematuro nonascimento com uma incoordenação motora constitutiva.A idéia é que o bebê só conseguirá encontrar uma soluçãopara tal estado de desamparo por intermédio de uma“precipitação” pela qual ele “antecipará” o amadurecimentode seu próprio corpo, graças ao fato de que ele seprojeta na imagem do outro (figura materna) que seencontra como que por milagre diante dele. Essaprecipitação na imagem do outro, é que leva o bebê sairda sua prematuração neonatal, sendo que estemovimento de precipitação, neste outro, leva o bebê a

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uma alienação. O bebê tem (é obrigado) a se “alienar”para que se constitua um “sujeito”.O “falo” (falus, falta) da mãe é completado com onascimento do filho. A mãe deseja ter um filho (lhe dá umnome), engravida. Reconhece que seu filho é um serhumano e este chora porque está com fome e lhe dá o“Objeto seio” para a satisfação do bebê no prazer daoralidade (leite/alimento e a catexia da libido oral)passando o bebê da natureza (instinto-animal) para acultura (pulsão-homem). Estabelece uma “linguagem” como “simbólico” mãe. Este passa por um processo de“alienação” para se constituir como sujeito. Com o fim dafase oral (canibalesca 0 a 1,5 anos). O bebê antes do“Estádio do Espelho” (6 meses a 18 meses) não se vêcomo um corpo unificado, se sente como um corpofragmentado. Sua mãe/seio faz parte dele e ela (mãe,“boca do jacaré”) sente como se ele (filho/falo) fosseparte dela.Com o princípio prazer/desprazer verificamos que aenergia é maior no desprazer, o bebê busca o prazeratravés do seio materno (leite e libido oral). Porém sóquando o bebê perde o objeto do seu desejo (mãe/seio)é que ele verifica que sua mãe não faz parte do seu corpoe não é completa (completude). Esta perda/separaçãovem através do “Significante Nome do Pai” que são as leise limitações naturais da vida (trabalho, individualidade,necessidades outras, etc.). Chamamos “boca do jacaré oucrocodilo” o desejo da mãe de possuir (comer, canibalizar)o seu filho como se fosse parte do seu corpo. Estedesejo natural coloca o filho em uma situação de escolhadefinitiva : ou se torna independente pela falta da mãe setransferir para o filho e se tornar um “sujeito faltante” oué engolido pela “boca de jacaré” da mãe e se torna um“altista” ou um doente mental, fragmentado sem unidade,dependente da mãe. Quando a criança se torna umapsicótica a figura materna não o reconheceu como serhumano e não aconteceu a alienação com separação. Estaescolha, na verdade não é uma escolha. Lacan cita umrelato da escolha que mostra esta situação, de umaameaça de um ladrão onde ele pergunta : “Ou a bolsa oua vida”. Na verdade não seria uma pergunta, seria umaescolha lógica e única: “Você perde a bolsa e ganha avida” ou “Perde a bolsa e perde a vida”. O bebê na grandemaioria das vezes escolhe ser um “sujeito faltante” ou um“sujeito neurótico normal”, todos nós.A alienação tem o sentido de que o bebê não tem umaunificação, e ele constitui como sujeito devido aoresultado do efeito que esse outro (mãe) tem no bebê.Nessas condições, o bebê (eu, sujeito), é senão a imagemdo outro. É no outro e pelo outro que aquilo que querome é revelado. Meu desejo é o desejo do outro. Não seinada de meu desejo, a não ser o que o outro me revela.De modo que o objeto de meu desejo é o objeto dodesejo do outro. O desejo é, acima de tudo, uma seqüeladessa constituição do eu no outro. O “sujeito”, que definea alienação constitutiva do ser, no encontro com oespelho, verifica o “rapto” que esse outro opera nele. É

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no espelho que a criança vê seu corpo unificado, deixandode ser fragmentado. No espelho a criança vê que eleexiste e não é o Outro (mãe), existindo duas pessoasdistintas. Neste momento identifica a “falta”, a separaçãoda mãe e a constituição do “sujeito faltante”.No sujeito humano se produzem substituições de posiçãoque fazem com que , a partir do momento em quecomeça a falar, o sujeito já não é como antes. O serhumano é constituído, de saída por uma dívida., que nãofoi ele que a contraiu, embora tenha que pagá-la. Noentanto, foi nas gerações precedentes que ela foicontraída; o destino do ser humano é absorver as dívidasdo Outro, substituir o Outro para pagar a dívida emquestão. O sujeito neurótico paga uma dívida que nãocontraiu, uma dívida contraída pelos outros, que oantecipa em sua história. Quando realizamos uma análise,pela primeira vez, não vemos o discurso do Outro, ou oque o Outro queria ou via em nós.Conseguimos inserir nosso problema inicial, essa históriade alienação no outro, conseguiremos, ao torna-la“simbólica”, ao torná-la um processo histórico constituídopelo e no “Outro”, inseri-la na linguagem; porconseguinte, pensamos poder encontrar uma saída para arepetição da dívida, e poder encontra-la na “fala”. Na falaencontraremos a saída para a “repetição da dívida”. Oinconsciente é o lugar onde se encontra a dívida, namedida em que substituímos um Outro que a contraiu pormim. Sendo que o “desejo”, que é o “desejo do Outro”,definirá os caminhos que o Outro me prescreveu. Oinconsciente é o discurso do Outro, na medida que osujeito humano é efeito da linguagem, isto é, efeito deuma dívida constitutiva.Quando queremos ler Lacan, é necessário reconstituir oselos faltantes no que ele escreve, se não quisermosdeixar-nos levar pela parcela de dissimulação que suaescrita comporta. Lacan reinterpretou o esquemalingüístico de Ferdinand Saussure e utilizou a teoria do“só-depois” para saber ler Freud. A criação do significante(e do significado, por conseguinte) residia no corte deelemento distinto, que separando sons e pensamentos,engendrava o signo. É a criação de “cortes” que produz aordem Significante e Lacan chamaria estes de “ponto debasta” com a operação do “Nome-do-Pai” (As leis dacultura: trabalho, obrigação, corte, etc. É o Significantedo Nome do Pai).Outros conceitos foram desenvolvidos por Lacan que sócom o tempo, “paciência” e sem medo de aprender novostermos que vamos nos acostumamos. Se existe um mais-além da demanda; que a demanda é dirigida ao Outro;que o próprio Outro demanda, mas que há um mais-alémdessa demanda. Esse além assumiu o nome próprio de“desejo”. Esse desejo, em Lacan, foi o nome próprioassumido pelo mais-além da demanda. O mais-além dademanda foi interpretado como o significante. Osignificante inconsciente, que marca o desejo do Outro éa “pulsão”. Este salto foi fundamental pois “apagou”efetivamente a problemática do mais-além e passou a

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dissimula-la por completo.

Se a linguagem é um sistema de elementos discretos, quedevem sua pertinência não à sua positividade, mas à suadiferença, segundo a análise de F. de Saussure, eladesnaturaliza o organismo biológico submetido a suasleis, ao priva-lo, por exemplo, de um acesso àpositividade; a não ser que esse organismo estenda,sobre o interstício dos elementos, a tela iluminada doimaginário – primeira imagem fixa: o eu.A prática analítica é a colocação à prova dos efeitos dessadesnaturalização de um organismo pela linguagem, corpocujas “demandas” são pervertidas pela exigência de umobjeto sem fundamento, sendo, por isso, impossíveis desatisfazer; cujas “necessidades” são transformadas pornão se achar apaziguamento a não se sobre um fundo deinsatisfação; cujas próprias “pulsões” parecemorganizadas por uma montagem gramatical; cujo “desejo”apresenta-se articulado por um fantasma que desafia oeu e o ideal, violando seu pudor pela busca de um objeto,cujo resgate provocaria o desgosto. O lugar onde odesejo adquire voz é chamado de inconsciente, e é porpoder reconhece-la como sua própria voz que o sujeitoescapa da psicose. A linguagem se torna, assim, símbolodo pacto daquilo ao qual o sujeito renuncia: a maestria deseu sexo, por exemplo, em troca de um gozo do qual setorna servo. Sim, mais qual?De fato, “não há relação sexual”, dirá Lacan, paraescândalo tanto de seus seguidores como de seusdetratores. Ele lembrava, com essa fórmula (que choca,porque contraria dois séculos de fé religiosa) que, se odesejo visa ao intervalo velado pela tela onde se projeta aforma excitante, a relação não se faz senão com umaimagem; imagem do que? A do instrumento que faz asignificância da linguagem, isto é, o “Falo” (causa do pan-erotismo censurado em Freud). É por isso que umamulher se consagra a representá-lo, ao fazer semblantedo ser (é a hipocrisia feminina), enquanto que o homem,esse faz semblante de tê-lo (é o cômico viril). Se deveriahaver relação nisso, essa seria feita imaginariamente como Falo (verdade experimental, para o homossexual), e nãocom a mulher, que não existe. O espaço intermediáriodesigna, assim o lugar “Outro” (Outro porque não podeter nenhuma relação com ele), e, ao se colocar nestelugar, “uma” mulher (artigo indefinido) não pode neleencontrar aquilo que a fundaria, em sua existência, e fariadela “a” mulher. Aliás, é conhecida a inquietude comumdas mulheres sobre o bem-fundado de sua existência e ainveja que têm do rapaz que, sem nenhuma necessidadede comprova-lo, já se julga legitimado.Na concepção lacaniana, a castração não se definesomente pela “ameaça provocadora da angústia” domenino, nem pela constatação de uma falta na origem da“inveja do pênis” na menina; ela se define,fundamentalmente, pela “separação entre a mãe e acriança”. Segundo Lacan, a castração é o corte produzidopor um ato que cinde e dissocia o vínculo imaginário e

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narcísico entre a mãe e o filho. Como vimos, a mãe, naqualidade de mulher, coloca seu filho no lugar imaginário,e o filho, por sua vez, identifica-se com esse lugar parapreencher o desejo materno. O desejo da mãe, tal comoo de toda mulher, é ter o falo. Assim, a criança seidentifica como sendo, ela mesma, esse falo- o mesmofalo que a mãe deseja desde que entrou no Édipo. Porisso a criança se aloja na parte faltosa do desejoinsatisfeito do Outro materno. Assim se estabelece umarelação imaginária consolidada entre uma mãe queacredita ter o falo e o filho que acredita sê-lo. O atocastrador incide, portanto, não exclusivamente sobre acriança, como poderíamos enunciar com Freud, mas sobreo vínculo mãe-filho. O agente dessa operação de corte é,em geral, o pai, que representa a lei da proibição doincesto. Ao lembrar à mãe que ela não pode reintegrar ofilho em seu ventre, e ao lembrar ao filho que ele nãopode possuir a mãe, o pai castra a mãe de qualquerpretensão de ser o falo para a mãe. A palavra paterna queencarna a lei simbólica consuma, portanto, uma castraçãodupla: castrar o Outro materno de ter o falo e castrar acriança de ser o falo.A castração é simbólica, e seu objeto, imaginário. Issoquer dizer que ela é a lei que rompe a ilusão de cada serhumano de se acreditar possuidor ou identificado comuma onipotência imaginária. Neste momento podemosconceber uma acepção do falo simbólico, enquantoassemelhado por Lacan à própria lei em seu poderproibidor do incesto e separado do vínculo mãe-filho.Achamo-nos, portanto , diante de um paradoxo singular:o mesmo falo, enquanto imaginário, é o “objeto” visadopela castração, e, enquanto simbólico, é “o corte” queefetua a castração. A dificuldade de discernir claramente ateoria lacaniana do falo. O pênis real, por estar investido,existe apenas como falo imaginário; o falo imaginário, porsua vez, por ser permutável, só existe como falosimbólico; e o falo simbólico, enfim, por ser significante dodesejo, confunde-se com a lei separadora da castração.Entre as formulações originais de Lacan, é essencial acategoria do “Outro”, pois ela designa primordialmente,no interstício, o lugar vazio, mas também potencialmentepreenche, elementos de linguagem de todo tipo, capazesde se inserir em minha enunciação, dando nela a entenderum sujeito que não posso deixar de reconhecer comomeu, sem nem por isso faze-lo falar da minha maneira,nem saber o que ele quer: esse é o sujeito doinconsciente.Dessa forma, um significante (S1), dirá Lacan, é o querepresenta um “sujeito”($) para um outro significante(S2). Mas o fato deste último (S2) vir do lugar “Outro” odesigna também como sintoma, se for verdade queinfalivelmente falhará em atender a meu apelo, fazendoassim fracassar a relação.O signo designa alguma “coisa” (como a fumaça é sinal defogo; a cicatriz, da ferida; a subida do leite, de um parto,dizem os estóicos), porém, para “um” qualquer; de fato,em presença da coisa, o “je” se desvanece. A fórmula

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lacaniana do fantasma $<> a (leia-se “S” barrado punçãode pequeno a) liga a existência do sujeito ($) à perda dacoisa (a), o que a teoria também refere como castração. Aeventual emergência em meu universo perceptivo doobjeto perdido singular, que me funda como sujeito – deum desejo inconsciente- o oblitera, não me deixandosenão a angústia própria do indivíduo (“um”-divíduo).Sem dúvida, foi-se sensível ao deslocamento radicaloperado, desse modo, na tradição especulativa. Oenunciado de que o significante não possui funçãodenotativa, mas representativa, representativa não de umobjeto, mas do sujeito, que não existe em si mesmo, anão ser pela perda do objeto, não é, no entanto, umaassertiva que se acrescente ás demais, que aantecederam na tradição. Com efeito, não se autoriza umdizer, mas o exercício de uma prática verificável e repetívelpelos outros.Quanto à mudança do significante em signo que denota acoisa, é divertido verificar que os exemplos tomados aosestóicos indicam todos qualquer “um” ao qual se dirigem,em suas representações urinária, castradora oufecundante: o Falo, em relação ao qual são tambémapelos. Se este é um motivo da impossibilidade da relaçãosexual, deve-se considerar uma outra categoria, que nãoa do imaginário e do simbólico: a do real, precisamentecomo impossível. Não se trata do impossível de conhecer,próprio do número kantiano, nem mesmo do impossívelde concluir, próprio dos lógicos (quando se preocupamcom Göbel); mas da incapacidade própria do simbólico dereduzir o buraco, do qual é autor, pois o abre à medidaque tenta reduzi-lo, sendo “nada” a resposta própria doreal às tentativas feitas para obriga-lo a responder. Essetratamento do real rompe com as alternativas demasiadoclássicas: o racionalismo positivista, o ceticismo ou omisticismo.“Scilicet” – “Tu podes saber” -, foi este o título dado porLacan à sua revista . Saber o que, senão o objeto “a”,pelo qual tapa o buraco no “Outro”, e transformas oimpossível em gozo? Gozo este que por isso ficoumarcado. Não obstante, irás suficientemente longe noconhecimento disso, para saber que objeto tu és? Sejacomo for, a empresa psicanalítica poderá inscrever-se natradição do racionalismo, mas dando-lhe, com ascategorias do imaginário e do real, alcance econseqüências que esse trabalho não poderia suspeitar,nem esgotar.Sem dúvida, era previsível que esse rebuliço (Lacan teriadito “remue-méninges”) [remove-meninges], emboratirada de Freud e de sua prática, provocasse reações. Desaída, isso não seria incompreensível, pois estaria emruptura com os hábitos mentais – o conforto – que vaimuito além daquilo em que se acredita? Na realidade, ele oera sobretudo por seu suporte lógico – uma topologianão euclidiana -, a fase do espelho marcando aquilo que afamiliaridade do pensamento e nossa intuição devem àmiragem plana do narcisismo.Porém, seria o campo psicanalítico apropriado a um

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tratamento científico, isto é, à certeza de uma respostasempre idêntica do real à formalização que o solicita? Ou,mesmo, ele seria capaz de calcular as respostassuscetíveis de serem dadas por um sujeito, as quais ateoria dos jogos construiu, dentro das ciênciasconjecturais? Sim, admitindo-se que existe, uma clínicadas histerias, isto é, um inventário dos modos dacontestação feita pelo sujeito da ordem formal, que ocondena à insatisfação.Existe então em projeto uma revisão do estatuto dosujeito tal que valoriza seu humanismo cristão. Seria issoem prol de uma mortificação, a exemplo do budismo?Certamente não, se a finalidade do tratamento é darnovamente ao sujeito o acesso à fluidez própria dalinguagem, sem que ele identifique nela outro ponto fixosenão uma arrumação por meio de um desejo acéfalo, oseu.No entanto, Lacan irá voltar, mais tarde, a essa esperançade cientificidade (o que, por exemplo, justificaria oanonimato dos artigos do “Scilicet”, a exemplo dos livrosde Bourbaki), sem explica-la de outra forma senão pelosenunciados que antes tinha repudiado, tais como: “Foicom minha parte inconsciente que tentei avançar...”Entretanto, é possível uma interpretação: se a ciência,limitada entre o dogmatismo e o ceticismo, não tem outraalternativa a não ser a de tentar dominar o real (e aforcluir a castração) e a afirmação de um incognoscível,que demonstra a pluralidade dos modelos (renuncia-se àverdade em favor daquilo que é operatório), é justificáveluma outra abordagem do real, precisamente apsicanalítica.

É pelo fato de não mais ser buscada a consistência doreal, do simbólico e do imaginário, em sua associação,como o sintoma (que é defesa contra o real), que aciência continua a sua tradição, mas em outro campo: ofísico-matemático do nó borromeu (três círculos decordão atados de forma que o corte de qualquer um delesdesfaz os outros dois), no qual as três categorias (R.S.I.)devem ser mantidas juntas, não mais por seu enlace pormeio de um quarto nó (o do sintoma), mas pelapropriedade borromeana do nó por sua consistência decorda. A castração, ou seja, aquilo que provoca a insatisfaçãosexual e o mal-estar da civilização, é estrutural oucultural? O Édipo, isto é, o culto do Pai, será necessárioou contingente? Isso é o que está em jogo nessasúltimas reflexões, a respeito da possibilidade de escrevero nó com três ou com quatro círculos, com o último, oedípico, devendo sua consistência ao enlace, pelo círculodo sintoma. A afasia motora, contra a qual Lacan lutou,silenciou essa tentativa.Fosse qual fosse o visitante, Lacan sempre lhe oferecia,antes de mais nada, seu interesse e simpatia: não estariapartilhando com ele a sorte do “falasser”, isto é, daqueleque formula a pergunta do ser porque ele fala? Eleesperava, em troca, que fosse privilegiada a honestidade

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intelectual: reconhecer e dizer o que há. Apesar dasrepetidas decepções vindas de seus mestres, que odesaprovaram, de seus amigos, discretos demais a seurespeito (em que Lévi-Strauss ou Jakobson o tinhamcitado?), dos alunos que desejariam vende-lo, guardavasempre um investimento que não era jamaispreconceituoso, nem desconfiado.Nem por isso era um santo. Se o desejo é a essência dohomem, como escreveu Spinoza, Lacan não temia levar atermo seus impasses, neles confrontando, ao mesmotempo, aqueles e aqueles que tinham sido convidados.Parece que poucos encontraram o fio do labirinto: poisesse não existe. Porém, queixar-se de ter sido seduzidocontinua sendo uma leviandade que é uma das licenças denossa época; são sempre atuais os processos pordiabolismo.Seria preciso dizer ainda pelo menos uma palavra arespeito de seu estilo, considerado obscuro. Algum dia seirá perceber que se tratava de um estilo clássico degrande beleza, isto é, sem ornamentos, regido pelo rigor,este último difícil de perceber. Quanto aos jogos depalavras, que perpassam suas propostas, essescontinuam umas tradições retóricas, que remonta pelosmenos aos Padres da Igreja, quando se conhecia e seutilizava o poder do Verbo.A intenção de Lacan foi assegurar à psicanálise umestatuto científico que teria protegido suas conclusões damalversação dos taumaturgos e também o teria impostoao pensamento ocidental: reencontrar o Verbo, queexistia no começo e que se encontra hoje bem esquecido.Mas também mostrar que não se tratava, com ela, deuma teoria, mas das condições objetivas que determinamnossa vida mental. E, depois, por um termo a esserecomeço pelo qual cada geração parece quererreescreve-la, como se, precisamente, suas conclusõespermanecessem inaceitáveisNa história do movimento psicanalítico, chama-selacanismo a uma corrente representada pelos diversospartidários de Jacques Lacan, sejam quais forem suastendências. Foi entre 1953 e 1963 que ganhou corpo, naFrança, a reformulação lacaniana, que depoisdesembocou, com a criação da École Freudienne de Paris(EFP), em 1964, num vasto movimento institucional e, emseguida, num vasto movimento institucional e, emseguida, numa nova forma de internacionalização, numrompimento definitivo com a International PsychoanalyticalAssociation (IPA). Depois da morte de Lacan, em 1981, olacanismo fragmentou-se numa multiplicidade detendências, grupos, correntes e escolas que formam umapoderosa nebulosa, implantada de maneiras diversas emmuitos países.Tal como o annafreudismo, o kleinismo e várias outrascorrentes externas ou internas à IPA, o lacanismopertence à constelação freudiana, na medida em que sereconhece na doutrina fundada por Sigmund Freud e sedistingue claramente das outras escolas de psicoterapiapor sua adesão à psicanálise, ou seja, ao tratamento pela

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fala como lugar exclusivo do tratamento psíquico, e aosgrandes conceitos freudianos fundamentais: oinconsciente, a sexualidade, a transferência, o recalque ea pulsão.Entretanto, diversamente do annafreudismo, da EgoPsychology e da Self Psychology, o lacanismo não é umasimples corrente, mas uma verdadeira escola. Com efeito,constitui-se como um sistema de pensamento, a partir deum mestre que modificou inteiramente a doutrina e aclínica freudianas, não só forjando novos conceitos, mastambém inventando uma técnica original de análise daqual decorreu um tipo de formação didática diferente dado freudismo clássico. Nesse sentido, é comparável aokleinismo, nascido dez anos antes; na verdade, aparenta-se sobretudo com o próprio freudismo, o qual reivindicaem linha direta, à parte os outros comentários, leituras ouinterpretações da doutrina vienense.O lacanismo acha-se, portanto, numa situaçãoexcepcional. Lacan foi, com efeito, o único dos grandesintérpretes da doutrina freudiana a efetuar sua leitura nãopara “ultrapassa-la” ou conserva-la, mas com o objetivoconfesso de “retornar literalmente aos textos de Freud”.Por ter surgido desse retorno, o lacanismo é uma espéciede revolução às avessas, não um progresso em relação aum texto original, mas uma “substituição ortodoxa” destetexto.Assim, o lacanismo situa-se na direção inversa à dasoutras tendências do freudismo, em especial de todas assuas variações norte-americanas, pejorativamentequalificadas de “psicanálise norte-americana”. Por essevocábulo, Jacques Lacan e, depois dele, seus discípulos eherdeiros designam o neofreudismo, o annafreudismo e aEgo Psychology. Todas essas correntes remetem,segundo eles, a uma concepção “desviada” da psicanálise,isto é, a doutrina centrada no eu e esquecida do isso, auma visão adaptativa ou culturalista do indivíduo e dasociedade.O lacanismo tem em comum com o kleinismo o fato dehaver estendido a clínica das neuroses a uma clínica daspsicoses, e de ter levado mais longe do que o freudismoclássico a interrogação sobre a relação arcaica com a mãe.Nesse sentido, inscreveu a loucura bem no cerne dasubjetividade humana. Mas, ao contrário do kleinismo,perseguiu, sem aboli-la, a interrogação sobre o lugar dopai, a ponto de ver na deficiência simbólica deste a própriaorigem da psicose. Daí seu interesse pela paranóia, maisdo que pela esquizofrenia. Por outro lado, o lacanismoprocedeu a uma completa reformulação da metapsicologiafreudiana, inventando uma teoria do sujeito (distinto doeu, do ego, do self, etc.), isto é, introduzindo umafilosofia do sujeito e do ser bem no coração do freudismo.Além disso, para pensar o inconsciente, apoiou-se nãomais num modelo biológico (darwinista), mas num modelolingüístico.Pretendendo-se mais freudiano do que as diferentescorrentes do freudismo dos anos cinqüenta, epretendendo até mesmo expulsa-las em nome de um

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retorno à pureza originária, o lacanismo ocupa, portanto,um lugar único na história da psicanálise da segundametade do século XX. Não apenas não é separável, comoteoria, da obra original da qual pretende se o comentário,como está condenado a se transformar na própriaessência do freudismo cuja bandeira reergue,assimilando-o a uma revolução permanente ou a umapeste subversiva. Donde o seguinte paradoxo: olacanismo só existe por se constituir historicamente comoum freudismo e, mais ainda, como a essência do“verdadeiro” freudismo. Por isso, só pode fundar-seacrescentando o próprio nome de Freud a sua trajetória esuas instituições.É por isso que, depois de ser expulsa da IPA, lugarsupremo da legitimidade freudiana, a corrente lacanianaviu-se obrigada, a partir de 1964, a criar um novo modelode associação, mais legítimo do que a antiga legitimidade:assim, chamou de escola o que era denominado desociedade ou associação, para expressar o caráterplatônico de sua reformulação, e se apoderou do adjetivo“freudiano”, para deixar bem claro que se pautava noverdadeiro mestre, e não em seus herdeiros.No plano político, o lacanismo implantou-se maciçamente,exportando o modelo institucional francês, em dois paísesdo continente latino-americano (a Argentina e o Brasil),onde, no entanto, fragmentou-se numa centena degrupos e tendências, e onde coabita com um kleinismomuito poderoso no interior da Federação Psicanalítica daAmérica Latina (FEPAL), ramo latino-americano da IPA.Obteve uma penetração importante na parte francófonado Canadá. Na Europa, o lacanismo conheceu umprogresso variável, conforme os diferentes países. Foi naFrança que se implantou melhor. Na década de 1990,recensearam-se cerca de cinqüenta grupos e escolas,distribuídas pela totalidade do território.O legitimismo lacaniano é encarnado, na França, porJacques-Alain Miller, executor testamentário e genro deJacques Lacan. É ele quem dirige, além disso , ainternacional lacaniana, a Association Mondiale dePsychanalyse (AMP).Fora da França, da Espanha e dos países da AméricaLatina, e especialmente nos países anglófonos (EstadosUnidos, Grã-Bretanha, Austrália), o lacanismo pouco seexpandiu. Mas, em alguns casos, desenvolveu-se nauniversidade, nos departamentos de filosofia e literatura,onde a obra de Lacan é ensinada e comentada,independentemente de qualquer formação psicanalítica. Éo que acontece em muitas universidades norte-americanas.Quando começou a se implantar como médico clínico, porvolta de 1970, o lacanismo enveredou no mundo inteiropelo caminho da psicologia clínica, assim se tornando,frente a um freudismo amplamente medicalizado, oinstrumento de uma expansão da análise leiga no campodas diversas escolas de psicoterapia e, em alguns casos,até no interior da IPA.É interessante notar que emergiram correntes

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separatistas a partir de 1990, tendendo a fazer dolacanismo um movimento externo ao freudismo, emborasem renegar este último. Testemunho disso é, porexemplo, o primeiro dicionário publicado em língua inglesasobre o assunto, em 1996. Seu título e seu conteúdo dãoa entender que existiria uma “psicanálise lacaniana” (coisaque Lacan jamais desejou).Assim como o kleinismo, o lacanismo gerou um fenômenode idolatria do mestre fundador, uma hagiografia, umdogmatismo específico e algumas “súmulas” que fazem oinventário de seus conceitos e sua história.Sempre estaremos atualizando este Site. Maisinformações: CLIQUE nos LINKS acima e ao lado.

Bibliografia:RAMOS, HELSON- Aulas no Colégio Espaço Moébius, Ba-2001.

MARINI, MARCELE- Lacan a Trajetória do seu Ensino,Artes Médicas, RS-1991.

ROUDINESCO, ELISABETH - Dicionário de Psicanálise,Jorge Zahar Editor, RJ-1997.

CHEMAMA, ROLAND - Dicionário de Psicanálise Larousse,Artes Médicas, RS-1995.

LAPLANCHE E PONTALIS – Vocabulário da Psicanálise,Martins Fontes, SP-2000.

KAUFMANN, PIERRE – Primeiro Grande DicionárioLacaniano, Jorge Zahar Editor, RJ-1996.

NASIO,J.-D.- Introdução às Obras de Freud, Ferenczi,Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan, Jorge ZaharEditor, RJ-1997.

NASIO, JUAN DAVID- Os 7 Conceitos Cruciais daPsicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1995.

NASIO, JUAN DAVID- Cinco Lições Sobre a Teoria deJacques Lacan, Jorge Zahar Editor, RJ-1993.

NASIO, JUAN DAVID- O Prazer de Ler Freud, Jorge ZaharEditor, RJ-1999.

NASIO, JUAN DAVID- Como Trabalha um Psicanalista?,Jorge Zahar Editor, RJ-1999.

NASIO, JUAN DAVID- O Livro da Dor e do Amor, JorgeZahar Editor, RJ-1997.

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DOR, JOEL- Introdução à Leitura de Lacan ,Estrutura doSujeito, Artes Médicas, RS-1995.

DOR, JOEL- O Pai e Sua Função em Psicanálise, JorgeZahar Editor, RS-1997.

LACAN, JACQUES- Escritos, Campo Freudiano no Brasil,Jorge Zahar Editor, RJ-1998.

LACAN, JACQUES- O Seminário I, Os Escritos Técnicos deFreud, Jorge Zahar Editor, RJ-1986.

LACAN, JACQUES- O Seminário II, O Eu na Teoria deFreud e na Técnica da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1985.

LACAN, JACQUES- O Seminário III, As Psicoses, JorgeZahar Editor, RJ-1988.

LACAN, JACQUES- O Seminário IV, A Relação de Objeto,Jorge Zahar Editor, RJ-1995.

LACAN, JACQUES- O Seminário V, As Formações doInconsciente, Jorge Zahar Editor, RJ-1999.

LACAN, JACQUES- O Seminário VII, A Ética da Psicanálise,Jorge Zahar Editor, RJ-1986.

LACAN, JACQUES- O Seminário VIII, A Transferência,Jorge Zahar Editor, RJ-1997.

FELDSTEIN, RICHARD- Para Ler o Seminário XI de Lacan,Jorge Zahar Editor, RJ-1997.

LACAN, JACQUES- O Seminário XI, Os Quatro ConceitosFundamentais da Psicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1981.LACAN, JACQUES- O Seminário XVII, O Avesso daPsicanálise, Jorge Zahar Editor, RJ-1992.

LACAN, JACQUES- O Seminário XX, Mais, Ainda, JorgeZahar Editor, RJ-1996.

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