Fundamentos de argumentação
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Fundamentos da Argumentação
Renato VicenteEACH-USP/2008
Roteiro1. O que é um argumento ?2. Conceitos úteis para entender argumentos3. Esquemas de argumentação4. Tipos de diálogos5. Sobre a falação de bobagens (On Bullshit)
O que é um argumento?
Argumento
AFIRMAÇÃO
RAZÕES
ARGUMENTO
Um ARGUMENTO é o fornecimento de razões para justificar ou criticar uma afirmação.
Controvérsia
1. Há uma discordância entre as partes;
2. A discordância é não trivial;
3. Deseja-se atingir concordância voluntária;
4. Não há uma forma direta simples para a resolução da discordância.
Diálogo Argumentativo
1. Os participantes assumem posições contrárias e claras sobre o tema central da controvérsia;
2. Colaboram na busca do consenso;
3. Concordam em respeitar o turno de argumentação do adversário;
4. Ambos aceitam o risco de estarem errados.
Participante 1
Participante 2
Diálogo sobre o pagamento de gorjetas
Maria (1): Um problema sério com o pagamento de gorjetas é que às vezes é difícil saber o quanto pagar.
João (1): Não é tão difícil assim. Se o serviço que você recebeu foi bom, você deve dar gorjeta, se não foi, você não deve pagar nada.
Maria (2): Mas quanto você deveria pagar ? E como julgar se o serviço merece ou não uma gorjeta?
João (2): Apenas use o bom senso !
Maria(3): Isso não é resposta! O bom senso varia de pessoa para pessoa e muitas vezes está errado !
João (3): Você tem que usar o bom senso na maioria das coisas na vida! Use o bom senso para julgar se o serviço é ou não digno de gorjeta.
Diálogo sobre o pagamento de gorjetas
Maria (4): O bom senso é muito vago e variável. Por causa de diferenças de interpretação as pessoas envolvidas podem acabar ofendidas. Se a gorjeta for muito baixa, quem recebe acaba contrariado. Se for muito alta, quem acaba contrariado é quem paga. O pagamento de gorjeta cria desconforto desnecessariamente.
João (4): Muitas pessoas dependem das gorjetas como complemento de sua renda. Se paramos de pagar estas pessoas passarão necessidades.
Maria (5): Isso não é problema, basta aumentar o salário mínimo.
João (5): Isso somente aumentaria os custos de mão-de-obra e acabaria causando desemprego. O que seria ainda pior !
Características de um diálogo contendo argumentação
1. Teses: Há sempre um par central de proposições em discussão.Tese 1:”Dar gorjeta é uma má idéia e não deveria continuar”
Tese 2: “Dar gorjeta é uma boa idéia e deveria continuar”
2. Pontos de vista: Cada participante defende uma das teses Maria defende a tese 1. João defende a tese 2.
3. Cooperação: Os participantes se alternam.
4. Oposição: As teses não podem ser verdadeiras simultaneamente.
5. Uso de argumentos: Os participantes utilizam várias estratégias no diálogo. Fazem e respondem perguntas e, principalmente, formulam argumentos que têm por objetivo mudar o ponto de vista do adversário.
Argumentos
João (4): Muitas pessoas dependem de gorjetas como complemento de sua renda. Se paramos de pagar, estas pessoas passarão necessidades.
Maria (5): Isso não é problema, basta aumentar o salário mínimo.
João (5): Isso somente aumentaria os custos de mão-de-obra e acabaria causando desemprego. O que seria ainda pior !
Premissa: É moralmente correto que as pessoas tenham como arcar com os custos de suas necessidades básicas.
Premissa: Milhares de pessoas dependem das gorjetas para suprir suas necessidades básicas.
Premissa: O fim da gorjeta implicaria em renda insuficiente.
Conclusão: A gorjeta é uma boa idéia que deve continuar
Argumento de João
Argumentos
João (4): Muitas pessoas dependem de gorjetas como complemento de sua renda. Se paramos de pagar, estas pessoas passarão necessidades.
Maria (5): Isso não é problema, basta aumentar o salário mínimo.
João (5): Isso somente aumentaria os custos de mão-de-obra e acabaria causando desemprego. O que seria ainda pior !
Premissa: Se aumentarmos o salário mínimo, as pessoas ganharam o suficiente.
Premissa: Se as pessoas ganharem o suficiente, não dependerão de gorjetas.
Conclusão: As pessoas poderiam arcar com suas necessidades básicas mesmo se as gorjetas acabassem.
Argumento de Maria
Argumentos
Premissas: Razões para sustentar uma conclusão.
Conclusão: Afirmação feita por uma das partes no diálogo em resposta a uma questão ou proposição da outra parte.
Gorjetas devem continuar
João
Complemento de salário
O salário não precisa de complemento e gorjetas podem parar
Aumenta salário mínimo
Maria
Proposições e Questões
PROPOSIÇÃO
COMPROMISSO
ÔNUS DA PROVA
QUESTÃO
INFORMAÇÃO
Ataques a um argumento
PROPOSIÇÃO
COMPROMISSO
ÔNUS DA PROVA
QUESTÃO
INFORMAÇÃO
CONTRA-ARGUMENTO DÚVIDAS SOBRE O ARGUMENTO
Ex: A proposta de Maria de aumento do salário mínimo.
Ex: Maria pergunta: Como julgar se o serviço merece ou não gorjeta?
Conceitos Úteis
Inconsistência: Princípio da Explosão
1. Morcegos são pássaros.
2. Então, Morcegos são pássaros ou vacas voam.
3. Morcegos não são pássaros.
C. Portanto, vacas voam.
Tipos de Argumentos
FORMAIS
1. Dedutivo: a verdade da conclusão segue necessariamente se as premissas forem verdadeiras. Conclusão definitiva.
2. Indutivo: premissas verdadeiras tornam provável a verdade da conclusão. Conclusão provável.
INFORMAL
1. Plausível: assumidos pressupostos de normalidade, premissas verdadeiras tornam a conclusão é plausível.Conclusão provisória.
Argumentos DedutivosMODUS PONENS (Afirmação do Antecedente)
Premissa: Se A, então B
Premissa: A
Conclusão: B
Se estudar TADI, então serei aprovado. Estudei, portanto fui aprovado.
MODUS TOLLENS (Negação do Conseqüente)
Premissa: Se A, então B
Premissa: não-B
Conclusão: não-A
Se estudar TADI, então serei aprovado. Não fui aprovado,
portanto, não estudei.
Argumentos Dedutivos
SILOGISMO HIPOTÉTICO
Premissa: Se A, então B.
Premissa: Se B, então C.
Conclusão: Portanto, se A, então C.
Se estudar, serei aprovado em TADI. Se for aprovado em TADI, poderei me formar na USP.
Portanto, se estudar, poderei me formar na USP.
Argumentos Indutivos
Premissa 1: Cães têm RNA.
Premissa 2: Humanos têm RNA.
Premissa 3: Orangotangos têm RNA.
Premissa 4: Samambaias têm RNA.
Premissa 5: Cangurus têm RNA.
Premissa 6: HIV têm RNA.
Conclusão: Todos os seres vivos têm RNA
Dedução, Indução, o Geral e o Particular
Dedução vai do geral para o particular.
Usualmente, mas não sempre!
Premissa: Aquele particular cachorro está correndo.
Conclusão: É possível que um cachorro corra.
Indução vai do particular para o geral.
Nem sempre !
Premissa: 85 % dos que cursaram TADI no ano passado foram aprovados
Premissa: Conheci um colega do segundo ano.
Conclusão: É provável que ele tenha sido aprovado em TADI no ano passado.
Argumentos Plausíveis
Premissa: Normalmente, um homem mais baixo e fraco não ataca um outro maior e mais forte.
Premissa: Eu sou mais baixo e mais fraco.
Premissa: O outro é mais forte e mais alto.
Conclusão: Não é plausível que eu o tenha atacado
Argumentos Plausíveis
Premissa 1: Normalmente, um homem mais alto e mais forte não atacaria um outro mais baixo e mais fraco, especialmente se ele estiver consciente de que o caso poderia custar-lhe um processo judicial.
Premissa 2: Eu sou mais alto e mais forte.
Premissa 3: O outro é mais fraco e mais baixo.
Premissa 4: Eu tinha consciência de que o caso poderia custar-me um processo judicial.
Conclusão: Não é plausível que eu o tenha atacado
Esquemas de Argumentos Plausíveis
Condição de Conhecimento
Premissa 1: a está em condições que permitem saber se A é falsa ou verdadeira.
Premissa 2: a afirma que A é verdadeira (falsa).
Conclusão: É plausível que A seja verdadeira (falsa).
Questões críticas:
1. a realmente tem condições de saber se A é falsa ou verdadeira?
2. A fonte a é honesta e confiável?
3. a realmente afirmou que A é verdadeira (falsa) ?
Apelo à Opinião de um Especialista
Premissa 1: A fonte E é especialista no domínio D, que contém a proposição A.
Premissa 2: E afirma que A é verdadeira (falsa) no domínio D.
Conclusão: É plausível que A possa ser considerada verdadeira (falsa).
Questões críticas:
1. E é realmente um especialista?
2. E é mesmo um especialista num domínio D que contenha A ?
3. A afirmação de E realmente implica A?
4. E é uma fonte honesta e confiável?
5. A afirmação A é consistente com o que outros especialistas afirmam?
6. A afirmação E é baseada em evidências experimentais?
Apelo ao Senso Comum
Premissa 1: A é geralmente aceita como verdadeira.
Premissa 2: Se A é geralmente aceita como verdadeira, então há uma razão a favor de A.
Conclusão: Há uma razão a favor de A.
Questões críticas:
1. Que evidência há que justifique a afirmação de que “A é geralmente aceita como verdadeira”?
2. Mesmo que A seja geralmente aceita como verdadeira, há alguma boa razão para duvidarmos da veracidade de A?
Apelo à Prática Popular
Premissa 1: A é uma prática popular.
Premissa 2: Se A é uma prática popular, então há uma razão a favor de A.
Conclusão: Há uma razão a favor de A.
Argumento por Analogia
Premissa 1: Geralmente, caso C1 é semelhante ao caso C2.
Premissa 2: A é verdadeira (falsa) no caso C1.
Conclusão: A é verdadeira(falsa) no caso C2.
Questões críticas:
1. Há diferenças entre C1 e C2 que poderiam enfraquecer a semelhança adotada como premissa?
2. A é realmente verdadeira (falsa) em C1?
3. Existe algum outro caso C3, que também é semelhante a C1,mas no qual A seja falsa (verdadeira)?
Argumento por Correlação
Premissa: Há uma correlação positiva entre A e B.
Conclusão: A é a causa de B.
Questões críticas:
1. Há realmente uma correlação entre A e B ?
2. Há alguma razão para acreditarmos que a correlação seja mais do que mera coincidência?
3. Seria possível que um terceiro fator C estivesse causando tanto A quanto B ?
Argumento por Conseqüências
Premissa: Se A ocorrer, é plausível que traga conseqüências positivas (negativas).
Conclusão: A deve ser implementado (evitado).
Questões críticas:
1. Qual é a probabilidade ou quão plausíveis são as conseqüências adotadas como premissa caso A ocorra?
2. Que evidências sustentam a conexão entre as conseqüências e a ocorrência de A?
3. Há também conseqüência de natureza oposta que devam ser levadas em conta?
Argumento por Reação em Cadeia
Premissa: A0 é a linha de ação em consideração.
Premissa: É plausível que a implementação de A0 nas circunstâncias do momento leve a A1. É também plausível que A1 leve a A2 e assim por diante em seqüência até An.
Premissa: An é desastroso.
Conclusão: A0 deve ser evitado.
Questões críticas:
1. As conexões entre cada passo na seqüência estão explicitadas?
2. Que outros passos teriam que ser adicionados para tornar a seqüência plausível?
3. Quais são os elos mais fracos na seqüência? Que questões poderiam ser levantadas sobre estes elos?
Argumento por Sinalização
Premissa: A é verdadeira (foi observada como tal).
Premissa: A é geralmente um sinal de que B é também verdadeira.
Conclusão: B é verdadeira
Questões críticas:
1. Qual é a intensidade da correlação entre A e B?
2. O sinal é indicador da veracidade de outras proposições que não B?
Argumento por Comprometimento
Premissa: Pelo que diz ou faz, a está comprometido com a proposição A.
Premissa: Geralmente, quando alguém está comprometido com A também está com B.
Conclusão: a está comprometido com B
Questões críticas:
1. Que evidência temos de que a esteja realmente comprometido com a proposição A?
2. Poderia haver exceções à regra geral de que quem esteja comprometido com A também o está com B?
Argumento por Comprometimento Inconsistente
Premissa: a afirma que está comprometido com A.
Premissa: Outras evidências indicam que em casos particulares a não está realmente comprometido com A.
Conclusão: a é inconsistente em seus comprometimentos.
Questões críticas:
1. Que evidência temos de que a esteja realmente comprometido com A?
2. Que evidências há que indiquem que a não esteja comprometido com A?
3. Como as evidências de 1 e 2 provam que há inconsistência de comprometimentos ?
Argumento Ad Hominem Direto
Premissa: a não é de caráter duvidoso.
Conclusão: O argumento de A não deveria ser aceito.
Questões críticas:
1. O quão justificada é a premissa?
2. O julgamento de caráter é relevante no tipo de diálogo no qual o argumento está sendo utilizado?
3. As conclusões do argumento apresentado por a deveriam mesmo ser rejeitadas dado o conjunto de evidências apresentado?
Argumento Ad Hominem Circunstancial
Premissa: a defende o argumento α, que apresenta a proposição A como conclusão.
Premissa: a é pessoalmente contrário a A, como é demonstrado por suas ações e afirmações.
Premissa: A credibilidade de a como uma pessoa sincera que acredita em seus próprios argumentos é questionável.
Conclusão: A plausibilidade do argumento α de a está reduzida ou destruída.
Argumento Ad Hominem Circunstancial
Questões críticas:
1. Há algum par de compromissos que podem se sustentados por evidência como sendo compromissos de a e que sejam inconsistentes na prática?
2. É possível explicar esta inconsistência?
3. O argumento de a depende de sua credibilidade?
4. A conclusão mais importante é que a credibilidade de a está abalada ou que a conclusão do argumento α é falsa?
Argumento por Classificação Verbal
Premissa: a tem a propriedade F
Premissa: Todo x que tem a propriedade F também pode ser classificado como tendo a propriedade G.
Conclusão: a tem a propriedade G.
Questões críticas:
1. Que evidências temos de que a tenha a propriedade F?
2. A classificação proposta é clara o suficiente? Há algum viés na classificação ou dúvidas sobre sua implementação?
Argumentum ad baculum
Premissa: Se você não fizer A, B irá ocorrer com você.
Premissa: Eu garantirei a implementação de B.
Conclusão: Você deve implementar A.
Questões críticas:
1. Quão ruins são as conseqüências?
2. Quão prováveis são as conseqüências?
3. A ameaça tem credibilidade?
4. A ameaça é relevante para o diálogo?
Apelo ao medo
Premissa: Aqui está uma situação que te causa medo.
Premissa: Se você fizer A, então a situação que te assusta se concretizará.
Conclusão: Você não deve fazer A.
Questões críticas:
1. A situação realmente me amedronta?
2. Se não fizer A, isso realmente evitará a ocorrência da situação?
3. Se fizer A qual é a probabilidade que mesmo assim a situação ocorra?
4. A situação é relevante para o diálogo?
Viés e Linguagem Emocional
Eu sou firme, você é obstinado, ele é um idiota cabeça de bagre.
Eu tenho razões para estar indignado, você está chateado, ele está fazendo muito barulho por nada.
Eu reconsiderei o assunto, você mudou de idéia, ele faltou com sua palavra.
Bertrand Russell, Programa Brain Trust, Rádio BBC 1948
Tipos de Diálogos
Tipos de DiálogosTipo Situação Inicial Objetivo dos
participantesObjetivo do diálogo
Persuasão Controvérsia Persuadir o adversário
Consenso
Investigação Necessidade de prova
Encontrar e verificar evidências
Aceitação ou não de uma hipótese
Negociação Conflito de interesses Conseguir o que se deseja
Acordo razoável para as partes
Busca deInformação
Necessidade de informação
Adquirir ou fornecer informação
Troca de informação
Deliberação Dilema de escolha prático
Coordenar objetivos e ações
Tomar a melhor decisão possível
Erístico Conflito pessoal Atacar o oponente verbalmente
Externalizar as origens mais profundas do conflito
Falando Bobagem
Falando Bobagem
Impostura: “Embuste enganador próximo da mentira, em especial por meio de palavra ou ato pretencioso, em relação aos próprios pensamentos, sentimentos ou atitudes” M. Black em The Prevalence of Humbug
Mentira: Mantém com parâmetro a verdade sobre aquilo que trata. Ou seja, o mentiroso respeita a verdade, ou aquilo que crê ser a verdade, e busca construir sua versão negativa. H. Frankfurt em On Bullshit
Bullshit: O indivíduo ignora completamente a distinção entre o verdadeiro e falso, seu intento único é causar uma impressão no interlocutor. O bullshiter não se submete às mesmas restrições do mentiroso já que não conhece ou não se importa com a verdade e distingue-se do impostor pois não possui crenças específicas sobre as quais, deliberadamente, planeja enganar a audiência. H. Frankfurt em On Bullshit
Resumindo1. O que é um argumento ?2. Conceitos úteis para entender argumentos3. Esquemas de argumentação4. Tipos de diálogos5. Sobre a falação de bobagens (On Bullshit)