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FUNDAÇÃO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANÇAS FUCAPE AMANDA MAGRI ELLER COMPREENDENDO COMO INDIVÍDUOS NEGOCIAM AS FRONTEIRAS ENTRE TRABALHO, ESTUDO E LAR VITÓRIA 2013

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  • FUNDAO INSTITUTO CAPIXABA DE PESQUISAS EM

    CONTABILIDADE, ECONOMIA E FINANAS FUCAPE

    AMANDA MAGRI ELLER

    COMPREENDENDO COMO INDIVDUOS NEGOCIAM AS FRONTEIRAS ENTRE TRABALHO, ESTUDO E LAR

    VITRIA

    2013

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    AMANDA MAGRI ELLER

    COMPREENDENDO COMO INDIVDUOS NEGOCIAM AS FRONTEIRAS ENTRE TRABALHO, ESTUDO E LAR

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Administrao da Fundao Instituto Capixaba de Pesquisas em Contabilidade, Economia e Finanas (FUCAPE), como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Administrao, na rea de concentrao Gesto de Pessoas.

    Orientador: Prof. Dr. Bruno Flix von Borell de Arajo.

    VITRIA 2013

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    AMANDA MAGRI ELLER

    COMPREENDENDO COMO INDIVDUOS NEGOCIAM AS FRONTEIRAS ENTRE TRABALHO, ESTUDO E LAR

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Administrao da Fundao Instituto Capixaba de Pesquisa em Contabilidade, Economia e Finanas - FUCAPE, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Administrao, na rea de concentrao Gesto de Pessoas.

    Aprovada em 21 de outubro de 2013.

    COMISSO EXAMINADORA

    Prof Dr.: BRUNO FELIX VON BORELL DE ARAJO FUCAPE

    Prof Dr.: EMERSON WAGNER MAINARDES FUCAPE

    Prof Dra.: MARIA LUIZA MENDES TEIXEIRA

    UPM

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Agradeo, primeiramente, a Deus pelas oportunidades e graas concedidas;

    A minha famlia, em especial aos meus pais, Roberto e Shirley, e minha irm,

    Camila, por sempre acreditarem em mim e me apoiarem em todos os momentos;

    Ao meu namorado, Fernando, pelo companheirismo, incentivo e conforto nos

    momentos difceis;

    Ao meu orientador, Dr. Bruno Flix von Borell de Arajo, pela pacincia,

    dedicao, contribuio e excelente direcionamento;

    Aos professores e funcionrios da Fucape, por todo ensinamento, disposio

    e auxlio;

    Por fim, Fundao de Amparo Pesquisa do Esprito Santo - FAPES, pelo

    apoio financeiro.

  • 4

    RESUMO

    Este trabalho tem como objetivo analisar as tticas que estudantes no tradicionais,

    definidos como adultos com idade superior a 24 anos, que moram com

    dependentes, retornaram escola e trabalham em tempo integral, utilizam para

    gerenciar as fronteiras entre trabalho, lar e estudo. A partir da viso da construo

    social, na qual o indivduo um coconstrutor de suas fronteiras, em conjunto com os

    membros dos domnios, surge a Teoria das fronteiras, lente terica utilizada neste

    estudo. Por meio da adaptao do questionrio de Kreiner, Hollensbe e Sheep

    (2009), foram realizadas entrevistas em profundidade com estudantes no

    tradicionais mestrandos, de uma Instituio de ensino superior localizada em Vitria,

    ES. No total, foram realizadas 18 entrevistas, com durao mdia de 30 minutos,

    que foram transcritas e analisadas por meio da anlise de contedo. Aps a

    codificao de trechos das entrevistas, foram encontradas tticas de manejo de

    fronteiras, cuja classificao se enquadra nas quatro dimenses apresentadas por

    Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009): comportamentais, comunicativas, fsicas e

    temporais. Apesar de algumas tticas serem similares s encontradas em estudos

    anteriores, a maioria especfica ao contexto emprico deste trabalho, sendo vistas

    como um avano literatura de manejo de fronteiras. A partir dessas tticas,

    indivduos, organizaes, universidades e famlias so capazes de chegar mais

    prximos ao equilbrio entre trabalho-estudo-lar. Os resultados sugerem que

    estudantes no tradicionais negociam a construo ou retirada de fronteiras

    simblicas entre trabalho, lar e estudo com familiares, membros da empresa em que

    trabalham e da instituio em que estudam. Essa negociao permite que as

    pessoas minimizem os efeitos negativos da existncia de demandas entre esses

    domnios.

    Palavras-chave: Tticas. Fronteiras. Estudantes no tradicionais.

  • 5

    ABSTRACT

    This dissertation aims to analyze the tactics that nontraditional students, defined as

    adults aged over 24, who live with dependents, attend college and have full time job,

    use to manage the boundaries between work, home and study. From the view of

    social construction, in which the individual is a co-builder of its borders, together with

    members of domains, there is the theory of boundaries, theoretical lens used in this

    study. By adapting the questionnaire from Kreiner, Hollensbe and Sheep (2009), in-

    depth interviews were conducted with non-traditional Master's students of an

    institution of higher learning located in Vitria, ES. In total, 18 interviews were

    conducted, with an average duration of 30 minutes, which were transcribed and

    analyzed using content analysis. After coding excerpts of interviews, boundary work

    tactics were identified. Their classification falls within the four dimensions presented

    by Kreiner, Hollensbe and Sheep (2009): behavioral, communicative, physical and

    temporal. Although some tactics are similar to those found in previous studies, the

    majority is specific to the empirical context of this work, viewed as an improvement to

    the boundary work literature. From these tactics, individuals, organizations,

    universities and families are able to come closer to balancing work-study-home. The

    results suggest that nontraditional students negotiate the construction or removal of

    symbolic boundaries between work, home and study with their family members, as

    well as with their employers and with their university members. This negotiation

    allows people to minimize negative effects of demands between these domains.

    Keywords: Tactics. Boundaries. Nontraditional students.

  • 6

    SUMRIO

    1 INTRODUO ........................................................................................................ 8

    2 REFERENCIAL TERICO ................................................................................... 13

    2.1 TEORIA DAS FRONTEIRAS ............................................................................. 13

    2.2 TTICAS DE MANEJO DE FRONTEIRAS ....................................................... 17

    2.3 ESTUDOS SOBRE AS INTERFACES TRABALHO-LAR-ESTUDO ................ 23

    2.3.1 Trabalho-lar ................................................................................................... 24

    2.3.2 Trabalho-estudo ............................................................................................ 27

    2.3.3 Estudo-lar ...................................................................................................... 28

    2.3.4 Trabalho-lar-estudo ...................................................................................... 29

    3 METODOLOGIA ................................................................................................... 33

    4 RESULTADOS ...................................................................................................... 36

    4.1 TTICAS COMPORTAMENTAIS ...................................................................... 36

    4.1.1 Utilizando pessoas ....................................................................................... 37

    4.1.2 Permeabilidade diferenciada ...................................................................... 38

    4.1.3 Usando tecnologia........................................................................................ 40

    4.1.4 Negando demandas ...................................................................................... 41

    4.1.5 Adotando ateno progressiva .................................................................. 42

    4.1.6 Negociando flexibilidade em troca de resultados ................................... 44

    4.1.7 Buscando intensidade em cada domnio .................................................. 45

    4.1.8 Recompensando os membros dos domnios ........................................... 46

    4.2 TTICAS COMUNICATIVAS ............................................................................ 47

    4.2.1 Desenvolvendo dilogo ............................................................................... 47

    4.2.2 Gerenciando a imagem de forma a manter flexibilizao ...................... 49

    4.3 TTICAS FSICAS ............................................................................................. 50

    4.3.1 (Des)Construindo fronteiras fsicas .......................................................... 50

    4.3.2 Reduzindo distncias fsicas ...................................................................... 51

    4.3.3 Manipulando objetos simblicos ............................................................... 52

    4.3.4 Usando espaos neutros como coringa ................................................... 53

    4.4 TTICAS TEMPORAIS ..................................................................................... 54

    4.4.1 Usando momentos neutros como coringa ............................................... 55

  • 7

    4.4.2 Aproveitando brechas .................................................................................. 55

    4.4.3 Sincronizando tarefas .................................................................................. 57

    4.4.4 Reservando um tempo para si .................................................................... 58

    5 DISCUSSO E CONSIDERAES FINAIS ....................................................... 62

    5.1 LIMITAES ..................................................................................................... 66

    5.2 FUTURAS PESQUISAS .................................................................................... 66

    5.3 IMPLICAES PRTICAS ............................................................................... 67

    REFERNCIAS ........................................................................................................ 68

    ANEXO A QUESTES DO PROTOCOLO DE ENTREVISTA ........................... 75

    APNDICE A QUESTIONRIO DO ESTUDO .................................................... 77

  • 8

    Captulo 1

    1 INTRODUO

    H mais de 30 anos, quando Kanter (1977) j dizia que o trabalho e no-

    trabalho eram mundos que no podiam ser separados, o gerenciamento de papis j

    se tornava importante e desafiante para indivduos e organizaes (KREINER;

    HOLLENSBE; SHEEP, 2009; ROTHBARD; PHILLIPS; DUMAS, 2005). Hoje, com as

    crescentes demandas da sociedade e o envolvimento dos indivduos em mltiplos

    papis, esse gerenciamento fundamental para que a pessoa e a organizao

    possam conviver em um ambiente de menor estresse, com menos problemas de

    sade, maior produtividade e comprometimento dos funcionrios. Surge da, a

    grande importncia dos estudos dos conflitos e equilbrio entre diferentes domnios

    da vida.

    Durante as ltimas dcadas, tem crescido as evidncias de que os

    trabalhadores esto enfrentando grandes presses no trabalho e na vida pessoal

    (GEURTS; DEMEROUTI, 2003), o que torna o equilbrio entre os domnios trabalho

    e lar questo importante para a fora de trabalho atual. Hoje, muitas organizaes

    esto pressionando seus empregados, esperando mais trabalho de menos gente,

    tornando difcil o gerenciamento das demandas de carreiras profissionais, a criao

    dos filhos, a organizao da casa e outras tarefas do dia-a-dia (HALL; RICHTER,

    1988). Surge da, os conflitos relacionados aos dois principais domnios do

    trabalhador contemporneo.

    Alm das presses do trabalhado e do lar, com a crescente modernizao e

    internacionalizao das empresas, tornando-se mais competitivas e por isso,

    exigindo cada vez mais dos funcionrios, imprescindvel para o trabalhador cursos

  • 9

    de especializao, como mestrados e MBAs. A partir da, passa a existir, alm dos

    vrios papis relacionados aos domnios trabalho e lar, um outro papel que o

    indivduo deve gerenciar: o de estudante. De acordo com Fairchild (2003, p. 11), a

    alta educao apenas uma das muitas atividades em que os estudantes adultos

    esto envolvidos.

    A participao do indivduo em mltiplos papis importante na medida em

    que prov bases para autoestima, competncia e fontes de apoio social, alm de

    permitir o alcance de status econmico e social (MALLINCKRODT; LEONG, 1992;

    PIETROMONACO; MANIS; FROHARDT-LANE, 1986). Por outro lado, tradicionais

    teorias de papis sugerem que o envolvimento de trabalhadores em vrios papis

    pode tornar a vida mais complexa, alm de poder ser muito estressante, levando ao

    conflito de trabalho e no-trabalho (STEYL; KOEKEMOER, 2011). De acordo com

    Carney-Crompton e Tan (2002), aumento nas demandas, nos papis e conflitos de

    tempo esto associados com maior estresse, ansiedade e depresso para as

    pessoas adultas que estudam.

    Devido os diversos problemas que os mltiplos papis causam na vida do

    indivduo e at da organizao que est inserido, muitos autores (ex. AMSTAD et al.,

    2011; EBY et al., 2005; Michel et al., 2011) esto analisando as causas,

    consequncias e fatores ligados aos conflitos e equilbrios entre os domnios.

    Revises recentes da literatura sobre fronteiras tem mostrado que a grande

    maioria das pesquisas foca na relao entre trabalho e famlia (MILLS; LINGARD;

    WAKEFIELD, 2007), sendo que a perspectiva do conflito tem dominado essas

    pesquisas durante as ltimas dcadas (PARASURAMAN; GREENHAUS, 2002).

    Alm dos conflitos, muitos autores examinaram as consequncias do trabalho-

    famlia para o indivduo e para a organizao (EBY et al., 2005; PARASURAMAN;

  • 10

    GREENHAUS, 2002) e prticas que empresas utilizam para reduzir ou equilibrar

    esses dois domnios (Cf. HALL; RICHTER, 1988; RAU; HYLAND, 2002;

    ROTHBARD; PHILLIPS; DUMAS, 2005).

    Em relao ao conflito ou equilbrio trabalho-estudo, alm de haver poucas

    pesquisas, grande parte da ateno neste domnio ao longo das ltimas dcadas

    tem focado em documentar os conflitos entre as demandas do trabalho e estudo,

    com o conflito trabalho-escola sendo um termo chave dessa tenso, que analisa, na

    grande maioria, adolescentes (MARKEL; FRONE, 1998; TEIXEIRA et al., 2004) ou

    estudantes universitrios (MCNALL; MICHEL, 2011), que estudam em tempo integral

    e arrumam emprego a fim de satisfazer alguma necessidade pessoal.

    Apesar da falta de trabalhos com foco na interface trabalho-estudo com os

    estudantes no tradicionais ou adultos, de acordo com Fairchild (2003) eles

    compem um dos segmentos que mais crescem entre os estudantes da alta

    educao. Segundo Carney-Crompton e Tan (2002), mesmo sendo um grupo pouco

    estudado, por eles possurem mais compromissos e responsabilidades que os

    estudantes tradicionais, alm de receberem menos apoio social, possuem mais

    demandas a serem gerenciadas, levando a maiores conflitos.

    Ainda, foram encontrados trabalhos que analisaram os domnios trabalho, lar

    e estudo de uma forma integrada (Cf. GIANCOLA; GRAWITCH; BORCHERT, 2009).

    Nesses estudos, o principal foco dos autores era explorar os processos pelos quais

    o trabalho influencia as experincias escolares e no como um domnio influencia o

    outro.

    De acordo com Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009), h limitada pesquisa que

    busca compreender como as pessoas resolvem os problemas relacionados s

  • 11

    demandas entre trabalho e lar. Nos poucos casos em que o balano entre esses

    dois domnios estudado, o foco dos autores tem sido as aes das organizaes,

    sendo que as estratgias do indivduo em si foram esquecidas. Nota-se que o

    mesmo cenrio se faz presente na literatura sobre as relaes entre os domnios do

    trabalho, lar e estudo.

    A partir do exposto, o presente estudo busca responder ao seguinte problema

    de pesquisa: Como os trabalhadores lidam com as demandas entre trabalho,

    estudo e lar?. Diante do problema de pesquisa, o objetivo examinar as tticas que

    indivduos utilizam para promover o equilbrio entre esses trs domnios. Como

    sujeitos da pesquisa, optou-se por trabalhar com estudantes no tradicionais, que

    so adultos com idade superior a 24 anos, que moram com dependentes, trabalham

    em tempo integral e retornaram escola, no caso dessa pesquisa, cursa mestrado

    por um perodo superior a dez meses.

    Este estudo contribui com o avano da literatura sobre a interface trabalho-lar-

    estudo, ao direcionar o foco do conflito para o alcance do equilbrio entre esses

    domnios. Em relao teoria de tticas de manejo de fronteiras, abordada por

    Nippert-Eng (1996), Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009) e Araujo, Tureta e Araujo

    (2013), espera-se obter um avano ao considerar como os estudantes no

    tradicionais utilizam estratgias para lidar com as demandas dos domnios trabalho,

    lar e estudo. Alm disso, o estudo tambm representa um avano ao considerar um

    terceiro domnio (estudo) nessa relao, o que ressalta a sua originalidade. Em

    termos prticos, espera-se que o estudo apresente solues para que estudantes

    adultos possam minimizar os conflitos vivenciados com as altas demandas dessas

    trs esferas da vida, a fim de que problemas pessoais como estresse e insatisfao

    com a vida e famlia e organizacionais, como absentesmo, rotatividade e baixo

  • 12

    desempenho, advindos das demandas conflitantes sejam erradicados, melhorando o

    bem-estar pessoal e organizacional.

    Este trabalho est organizado em cinco captulos. Aps esta introduo, ser

    apresentado o referencial terico, abrangendo temas como a teoria das fronteiras,

    tticas de manejo de fronteiras e estudos j realizados nessa rea, que serviram de

    base para o trabalho. O terceiro captulo trata dos processos metodolgicos

    utilizados na pesquisa. O quarto captulo referente aos resultados e o quinto trs

    as discusses e consideraes finais sobre o estudo.

  • 13

    Captulo 2

    2 REFERENCIAL TERICO

    Trabalhos recentes sobre a interface trabalho-lar mostram uma tendncia em

    utilizar uma corrente de pesquisa que enquadra a fronteira entre os domnios

    trabalho e lar como socialmente construda (ARAUJO; TURETA; ARAUJO, 2013;

    EBY et al., 2005). Assim, o presente estudo seguir essa abordagem, que, segundo

    Nippert-Eng (1996) permite que os indivduos identifiquem as tticas que utilizam

    para vivenciar, interpretar e moldar o mundo, possibilitando o melhor equilbrio entre

    os domnios. De acordo com Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009) essa abordagem

    alega que o indivduo um coconstrutor de suas fronteiras, em conjunto com os

    membros de domnios como lar e trabalho, e, ao longo do tempo, essas fronteiras

    so modificadas a partir das interaes entre as pessoas. A partir da perspectiva da

    construo social, surge a Teoria das Fronteiras, lente terica adotada neste estudo

    para a anlise das relaes entre trabalho-estudo-lar.

    2.1 TEORIA DAS FRONTEIRAS

    O termo fronteiras tem sido utilizado em diversos contextos, como arte,

    psicologia, arquitetura e teoria das organizaes (KREINER; HOLLENSBE; SHEEP,

    2009), se referindo aos limites ou permetros temporais, emocionais, fsicos e

    cognitivos que separam uma entidade de outra (ASHFORTH; KREINER; FUGATE,

    2000; SUNDARAMURTHY; KREINER, 2008).

    A teoria das fronteiras, muito utilizada por pesquisadores para responder a

    diversas questes, como as que tratam de negcios familiares (SUNDARAMURTHY;

    KREINER, 2008), transies de papis (ASHFORTH; KREINER; FUGATE, 2000) e a

  • 14

    interface trabalho-lar (KREINER; HOLLENSBE; SHEEP, 2006), se dedica a estudar

    a maneira pela qual pessoas criam e sustentam suas fronteiras de modo a

    simplificar e organizar o ambiente no qual esto inseridas (ASHFORTH; KREINER;

    FUGATE, 2000). Cercas mentais (ZERUBAVEL, 1991, p.2) so estabelecidas a

    respeito de reas geogrficas, eventos histricos, pessoas e ideias, de forma a

    configurar os limites existentes entre tais domnios (ASHFORTH; KREINER;

    FUGATE, 2000, p.474). Esferas da vida, tais como trabalho, lar e estudo, so vistas

    por Ashforth, Kreiner e Fugate (2000) como delimitadores da realidade, pois os

    indivduos agem como se as fronteiras entre eles fossem reais. Dentro e,

    geralmente, entre quaisquer domnios, os indivduos podem construir um

    determinado papel (SUNDARAMURTHY; KREINER, 2008), por exemplo, pai,

    esposo, religioso, domstico e empregado (STEYL; KOEKEMOER, 2011). Assim,

    uma pessoa constri, no domnio trabalho, uma identidade relativa aos

    comportamentos que considera adequado a tal ambiente. Da mesma forma, constri

    tambm identidades relativas aos domnios lar e estudo.

    Em se tratando de papis, Rau e Hyland (2002) argumentam que a teoria das

    fronteiras tenta explicar como os indivduos transitam entre seus papis, que so

    separados por fronteiras espaciais, onde o trabalho conduzido, e temporais,

    quando o trabalho conduzido (CLARK, 2000; RAU; HYLAND, 2002, p. 112).

    Segundo eles, as pessoas tentam minimizar a dificuldade na transio dos papis e

    as indesejadas interrupes destes, devido ao fato de desejarem aumentar a

    eficincia de todos os papis que podem assumir. Para Rau e Hyland (2002), apesar

    de os domnios serem importantes, os indivduos tendem a focar nos que so mais

    salientes para eles, ou seja, aqueles que possuem um posicionamento mais

    prioritrio em sua hierarquia de papis.

  • 15

    De acordo com o trabalho de Ashforth, Kreiner e Fugate (2000), as fronteiras

    entre domnios quaisquer podem assumir duas distintas formas: finas e grossas.

    Fronteiras finas so permeveis e permitem maior integrao entre os domnios

    separados por elas. Isso significa que, ao lidar com dois domnios separados por

    uma fronteira fina, nota-se pouca diferenciao entre os papis, com elevada

    incidncia de eventos relacionados a um domnio ocorrendo em momentos e

    espaos fsicos caractersticos do outro domnio. J as fronteiras grossas, criam uma

    segmentao entre os domnios e seus respectivos papis, ou seja, cria uma

    distino marcada entre os domnios, fazendo com que os eventos de um papel

    sejam realizados em momentos e lugares caractersticos de seu respectivo domnio

    (NIPPERT-ENG, 1996). Apesar de existirem, papis totalmente segmentados ou

    integrados so raros, e como possuem custos e benefcios diferentes, as

    preferncias das pessoas em relao a eles diferem entre si (ASHFORTH;

    KREINER; FUGATE, 2000; ROTHBARD; PHILLIPS; DUMAS, 2005), geralmente

    recaindo em algum ponto do contnuo entre esses dois paradigmas (NIPPERT-ENG,

    1996). O que define se um papel ou domnio segmentado ou integrado a

    flexibilidade e a permeabilidade das fronteiras, junto com o contraste dos papis

    (ASHFORTH; KREINER; FUGATE, 2000; RAU; HYLAND, 2002). Flexibilidade a

    extenso pela qual as fronteiras temporais e espaciais podem ser contradas ou

    expandidas, e permeabilidade o grau de envolvimento psicolgico do indivduo em

    um domnio, estando ele fisicamente em outro domnio (HALL; RICHTER, 1988).

    Assim, fronteiras finas so flexveis e provocam maior permeabilidade entre

    domnios, enquanto fronteiras grossas so menos flexveis e impermeveis.

    Uma vez que os indivduos criam socialmente as fronteiras entre diferentes

    domnios, torna-se relevante compreender como os envolvidos se posicionam em

  • 16

    relao a tais fronteiras (KREINER; HOLLENSBE; SHEEP, 2009). Por exemplo, um

    engenheiro de uma empresa que cursa uma ps-graduao e realiza atividades de

    estudo durante o tempo em que est no trabalho, pode receber crticas do seu

    chefe, caso este tenha uma postura segmentadora entre tais domnios. Para esses

    autores, como as pessoas possuem, muitas vezes, diferentes preferncias de

    fronteiras (segmentao ou integrao) entre domnios, elas buscam suavizar o

    conflito entre diferentes papis por meio de uma negociao de tais fronteiras,

    gerenciando, assim, a permeabilidade entre diferentes domnios. Assim, muitas

    empresas esto implantando polticas, como horrio de trabalho flexvel (HALL;

    RICHTER, 1988; RAU; HYLAND, 2002; ROTHBARD; PHILLIPS; DUMAS, 2005),

    teletrabalho (RAU; HYLAND, 2002) e creches locais (ROTHBARD; PHILLIPS;

    DUMAS, 2005), a fim de permitir o empregado a melhor gerir as fronteiras entre o

    trabalho e outros domnios da vida. H evidncias de que melhora o desempenho da

    organizao (PERRY-SMITH; BLUM, 2000). Instituies de ensino tambm tem

    procurado oferecer opes de formao educacional que possibilitem maior

    flexibilidade, tais como as diversas modalidades de ensino distncia (ANTTIC-UR-

    REHMAN; KOUSAR; RAHMAN, 2012; MURTAZA; SHAH; UD DIN, 2011).

    Alm de fatores individuais, como gnero e idade, o contexto situacional,

    como a cultura, tambm influencia na escolha das pessoas por integrar ou

    segmentar seus domnios ou papis (SUNDARAMURTHY; KREINER, 2008).

    Quando a cultura que os indivduos possuem bastante diferente da cultura

    organizacional, eles criaro uma fronteira psicolgica que ir dificultar a transio

    entre os domnios (ASHFORTH; KREINER; FUGATE, 2000). medida que essas

    fronteiras so definidas e institucionalizadas, torna-se muito difcil alter-las ou at

    exclu-las (ZERUBAVEL, 1991). Entretanto, neste estudo defende-se que o

  • 17

    indivduo pode desenvolver estratgias pessoais para gerenciar as fronteiras entre

    os diferentes domnios de sua vida. Essa viso ativa do ser humano explorada

    mais a fundo por meio do conceito de tticas de manejo de fronteiras (NIPPERT-

    ENG, 1996).

    2.2 TTICAS DE MANEJO DE FRONTEIRAS

    Tomando como base terica a Teoria das Fronteiras, Nippert-Eng (1996) criou

    o termo manejo de fronteiras (boundary work), referindo-se s aes tomadas

    pelas pessoas para criar, manter, diminuir ou mudar fronteiras entre dois domnios

    ou papis. Por meio de um estudo qualitativo, realizado com cientistas, a autora

    analisou, por meio de entrevistas e observaes dos domnios trabalho e lar, como

    pessoas utilizam objetos relevantes (como: chaves e calendrios) e aes para

    desenhar as fronteiras entre essas duas esferas da vida. Por exemplo, um indivduo

    pode utilizar diferentes roupas em casa e no trabalho, caso deseje segmentar esses

    domnios, ou usar as mesmas roupas em ambos os ambientes, caso a pessoa

    possua preferncias por integrar tais domnios. De acordo com Nippert-Eng (1996),

    essas tticas nos ajudam a determinar o quanto ns segmentamos/integramos os

    domnios casa e trabalho. A partir da sua definio, vrios autores (ex. CLARK,

    2000; KNAPP et al., 2013) passaram a utilizar os princpios do manejo de fronteiras

    para demonstrar, por exemplo, como os indivduos ou grupos sociais podem

    gerenciar a interface entre dois domnios culturalmente distintos.

    Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009) investigaram como os indivduos

    gerenciam as fronteiras entre trabalho e lar. Por meio de estudo realizado com

    sacerdotes episcopais, os autores desenvolveram um modelo que demonstra como

    as pessoas negociam as fronteiras entre os domnios citados por meio de atividades

  • 18

    do dia-a-dia, que eles intitularam tticas de manejo de fronteiras. O referido modelo

    apresentado na figura 1.

    Figura 1: Modelo de Manejo das Fronteiras Trabalho-Lar. Fonte: Kreiner; Hollensbe; Sheep (2009, p.711). Nota: Traduzida pela autora.

    De acordo com os autores, as pessoas possuem diferentes preferncias em

    termos de como lidar com a interface entre trabalho e lar, o que chamaram de

    influncias individuais quanto s fronteiras trabalho-lar. Algumas se referem a

    esses dois domnios como diferentes esferas da vida, evitando sobreposies entre

    trabalho e lar. Esses so chamados de segmentadores. Os integradores, por sua

    vez, possuem preferncias por no distinguirem os aspectos de cada domnio.

    Como j dito anteriormente, pessoas totalmente segmentadoras ou

    integradoras so raras. Na grande maioria das vezes, as preferncias do indivduo

    recaem em algum ponto no contnuo que vai de alta segmentao a alta integrao

    Preferncias

    Individuais quanto

    s Fronteiras

    Trabalho-Lar

    Influncias

    Ambientais quanto

    s Fronteiras

    Trabalho-Lar

    Dimenses da (In)Congruncia entre Fronteiras Trabalho-Lar

    - Membros da Famlia - Superiores - Subordinados - Clientes - Ocupao

    Tticas de Manejo de Fronteiras

    - Comportamental - Temporal - Fsica - Comunicativa

    Violaes das Fronteiras Trabalho-Lar

    - Intruso - Distncia

    Conflito

    Trabalho-Lar

    Estados Generalizados

    Estados Generalizados

    Comportamento/Evento/Episdio

  • 19

    (NIPPERT-ENG, 1996; RAU; HYLAND, 2002), o que depende de muitos fatores, por

    exemplo, aspectos pessoais, como gnero e status familiar (KOSSEK; NOE;

    DEMARR, 1999).

    Nesse processo de negociao de fronteiras dirias, no s as preferncias

    individuais devem ser levadas em conta, deve-se levar em considerao tambm os

    desejos pela integrao ou segmentao que os indivduos envolvidos nesse

    processo, como familiares, colegas de trabalho e superiores, possuem (NIPPERT-

    ENG, 1996; KREINER, 2006). No modelo citado, esses desejos so chamados de

    influncias ambientais quanto s fronteiras trabalho-lar. Esse processo de

    transio de um domnio a outro pode ser prejudicado na medida em que h

    diferenas entre os nveis esperados de segmentao ou integrao entre o

    indivduo e o ambiente que o cerca. Surge, a partir da combinao dessas

    preferncias a (in)congruncia entre fronteiras trabalho-lar.

    Os autores destacam que as (in)congruncias entre as fronteiras trabalho-lar

    ocorrem em cinco dimenses, conforme quadro 1:

    DIMENSO DESCRIO

    Membros da famlia

    Nvel de (in)compatibilidade entre a preferncia do indivduo em segmentar ou integrar as fronteiras entre trabalho e lar e como os membros da famlia (filhos, cnjuges ou outros residentes no domnio lar) esperam que sejam essas fronteiras (finas/grossas).

    Supervisor/superior Grau de (des)semelhana que a preferncia do indivduo representa em relao ao que o supervisor/superior espera dessas fronteiras.

  • 20

    Subordinado (In)Congruncia entre as preferncias por fronteiras entre lar e trabalho por parte do indivduo e seus subordinados.

    Cliente

    Nvel de (in)compatibilidade entre a preferncia do indivduo e de seu cliente em termos do grau de segmentao ou integrao entre trabalho e lar, esse referente sua ocupao.

    Ocupao

    Grau de concordncia/discordncia entre a preferncia do indivduo em segmentar ou integrar os domnios e as demandas e exigncias de sua ocupao. Assim, como as preferncias dos indivduos so diferentes, nem todas as ocupaes iro suprir o nvel desejado de segmentao de todas as pessoas.

    Quadro 1: Dimenses e caractersticas das fronteiras trabalho-lar. Fonte: Elaborado pela autora.

    Muitos estudos observaram que o ajuste entre as preferncias ambientais e

    pessoais quanto interface trabalho-lar importante para a satisfao,

    comprometimento organizacional, desempenho, rotatividade e bem-estar no trabalho

    (AHMAD; VEERAPANDIAN; GHEE, 2011; EDWARDS et al., 2006). Quando h o

    desajuste entre a pessoa e o ambiente, ou seja, h incongruncia entre as fronteiras

    trabalho-lar, duas consequncias so apontadas: as violaes de fronteiras e o

    conflito trabalho-lar (ARAUJO; TURETA; ARAUJO, 2013).

    Em relao s violaes de fronteiras trabalho-lar, Kreiner, Hollensbe e Sheep

    (2009, p.713) as definem como a percepo do indivduo de que um

    comportamento, evento ou episdio viola ou negligencia uma faceta importante da

    fronteira desejada entre trabalho-lar. Os autores sustentam que tais violaes se

    manifestam de duas maneiras: por intruso ou por distncia. A violao por intruso

    ocorre quando um indivduo segmentador compelido, por algum motivo, a integrar

    os domnios trabalho e lar mais do que o desejado. Um exemplo seria um adulto

    javascript:__doLinkPostBack('','ss%7E%7EAR%20%22Veerapandian%2C%20Kayathry%20a%2Fp%22%7C%7Csl%7E%7Erl','');javascript:__doLinkPostBack('','ss%7E%7EAR%20%22Wee%20Yu%20Ghee%22%7C%7Csl%7E%7Erl','');

  • 21

    recebendo ligaes da sua me no trabalho, mesmo demonstrando uma preferncia

    por segmentar os domnios. Por outro lado, a violao por distncia acontece a partir

    do momento que um indivduo integrador coagido a segmentar os domnios

    trabalho e lar, criando uma certa distncia indesejada entre eles. Nesse caso, um

    exemplo seria um adulto, estando no ambiente de trabalho, resolve finalizar algumas

    pendncias do lar, porm proibido pelo seu chefe de realizar tal atividade.

    Como ilustrado na figura 1, outra consequncia da incongruncia entre as

    fronteiras trabalho-lar o conflito entre esses dois domnios. Segundo Greenhaus e

    Beutell (1985), esses conflitos ocorrem quando presses do domnio trabalho so

    incompatveis com as demandas do domnio lar, e vice-versa, impossibilitando que

    as tarefas de um dos papis sejam realizadas adequadamente. Os conflitos entre

    trabalho e lar tm sido ligados a diversos resultados negativos, tanto para o

    indivduo quanto para a organizao, como diminuio de satisfao com o trabalho

    e com a famlia, aumento de depresso e ansiedade, uso de bebidas alcolicas,

    problemas fsicos, insatisfao com o trabalho, baixo desempenho nas organizaes

    e altas taxas de rotatividade e absentesmo (GRANT-VALLONE; ENSHER, 2001;

    LESLIE; MANCHESTER, 2011). Com esses grandes desafios, torna-se essencial

    buscar o equilbrio entre esses dois domnios, a fim de diminuir tais efeitos

    negativos.

    Uma vez que as incongruncias entre as fronteiras trabalho-lar ocasionam os

    conflitos entre esses dois domnios, as violaes de fronteiras tambm os fazem. De

    acordo com Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009), um aumento das violaes de

    fronteiras trabalho-lar pode levar ao aumento dos conflitos entre esses dois

    domnios. Isso ocorre, pois a partir do momento que as violaes, vistas como

    eventos especficos, vo se tornando frequentes, os conflitos vo sendo construdos,

  • 22

    se tornando mais evidentes e se convertendo em um estado generalizado. Alm

    disso, as violaes que possuem maior intensidade e frequncia so as que mais

    afetam e intensificam os conflitos. Para os autores, a descoberta de que os conflitos

    representam o estado geral e as violaes os eventos especficos permite uma

    melhor compreenso do processo de equilbrio entre trabalho e lar.

    Em resposta a tais problemas advindos desses domnios, Kreiner, Hollensbe

    e Sheep (2009) identificaram as tticas de manejo de fronteiras que indivduos

    utilizam para suavizar as incongruncias, violaes e conflitos. O quadro 2

    apresenta as quatro dimenses das tticas de manejo de fronteiras, bem como as

    tticas classificadas em cada uma dessas dimenses e suas respectivas definies.

    Nome Descrio

    Tticas Comportamentais

    - Uso de outras pessoas Utilizar as habilidades e disponibilidade de outros indivduos que podem ajudar com as fronteiras entre trabalho-lar (p.e., membros da equipe ocultando chamadas).

    - Uso de tecnologia Usar tecnologia para facilitar o manejo de fronteiras (p.e., e-mail de voz, chamada ID, e-mail).

    - Invocao de triagens Priorizar demandas de casa e trabalho aparentemente urgentes e importantes (p.e., emergncia pastoral e emergncia da creche).

    - Permisso de diferentes permeabilidades Escolher quais aspectos especficos da vida de trabalho-casa sero ou no permeveis.

    Tticas Temporais

    - Controle do tempo de trabalho Manipular planos regulares ou espordicos (p.e., acumular tempo dos domnios trabalho ou lar para ser usado mais tarde, bloquear segmentos de tempo, decidir quando fazer vrios aspectos do trabalho).

    - Encontro de trguas Remover voc mesmo das demandas de trabalho-lar por uma quantidade significante de tempo (p.e., frias, escapadas, retiros).

    Tticas Fsicas

    - Adaptao de fronteiras fsicas Montar ou desmontar fronteiras ou barreiras fsicas entre os domnios trabalho e lar.

  • 23

    - Manipulao do espao fsico Criar ou reduzir a distncia fsica ou a terra de ningum entre os domnios trabalho e lar.

    - Gerenciar artefatos fsicos Usar itens tangveis como calendrios, chaves, fotos e e-mail para separar ou combinar aspectos de cada domnio.

    Tticas Comunicativas

    - Estabelecimento de expectativas Gerenciar expectativas antes da violao de fronteiras trabalho-lar (p.e., declarar a preferncia para a parquia ou para a famlia antes do tempo).

    - Confrontar os violadores Dizer aos violadores das fronteiras trabalho-lar durante ou aps uma violao de fronteira (p.e., dizer a um paroquiano para parar de ligar para casa por razes fteis).

    Quadro 2: Tticas de Manejo de Fronteiras Trabalho-Lar. Fonte: Kreiner; Hollensbe; Sheep (2009, p.716-717). Nota: Traduzida pela autora.

    De acordo com esses autores, essas tticas possuem uma certa

    sobreposio conceitual, sendo elas, muitas vezes, complementares. Uma vez que o

    indivduo utilize uma combinao dessas tticas, as violaes das fronteiras entre

    trabalho e lar tendem a ser amenizadas e, consequentemente, o equilbrio entre

    trabalho e lar tende a ser melhor alcanado.

    2.3 ESTUDOS SOBRE AS INTERFACES TRABALHO-LAR-ESTUDO

    Em dcadas recentes, significantes mudanas vm ocorrendo na vida

    profissional e pessoal dos indivduos. Mudanas na estrutura familiar, aumento da

    participao de mulheres na fora de trabalho e mudanas tecnolgicas (PEETERS

    et al., 2005) tem tornado o balano entre os domnios trabalho e lar uma questo

    chave para o trabalhador contemporneo.

    Entender a interface trabalho-lar no uma preocupao apenas para os

    trabalhadores. Muitos pesquisadores de diversas reas vem investigando a fundo a

  • 24

    relao entre os dois domnios, que para muitos indivduos so os dois principais

    domnios da vida (MICHEL et al., 2011).

    Porm, no s trabalho e lar so dimenses importantes para a dinmica

    desse indivduo. A partir do momento em que as empresas esto se

    internacionalizando, buscando trabalhadores competentes e cada vez mais

    capacitados, torna-se necessrio a profissionalizao desses trabalhadores, por

    meio de cursos de especializao, como mestrados e MBAs, fazendo do estudo

    um domnio importante a ser estudado. De acordo com Giancola, Grawitch e

    Borchert (2009), o estudo, quando combinado com trabalho e lar, pode ser um

    estressor importante pra o indivduo. Por esta razo, nesta pesquisa optou-se por

    realizar uma anlise a respeito de como pessoas negociam as fronteiras entre

    trabalho, lar e estudo.

    Nos subtpicos a seguir, apresentada uma reviso da literatura que discute

    a respeito das diferentes combinaes possveis das interfaces entre os trs

    domnios citados.

    2.3.1 Trabalho-lar

    A interface entre trabalho e lar tem sido cada vez mais investigada durante as

    ltimas dcadas e a mais explorada dentre as combinaes possveis entre

    trabalho, lar e estudo (EBY et al., 2005). Pesquisas relacionadas a esse assunto

    esto associadas a mudanas na estrutura familiar e na fora de trabalho, como

    aumento de mulheres nas empresas e casais de duplo lucro.

    Muitas dessas pesquisas tem enfatizado, principalmente, os conflitos entre

    esses dois domnios, focando nos antecedentes bem como nas consequncias

  • 25

    desse construto para o indivduo e para a organizao, e prticas que empresas

    utilizam para equilibrar esse dois domnios. Mais recentemente, no entanto, autores

    (ex.: GREENHAUS; POWELL, 2006; WAYNE et al., 2007) comearam a investigar

    no somente os aspectos negativos dessa relao, mas tambm os pontos positivos

    da interface trabalho-lar, como a facilitao trabalho-famlia, ou seja, quanto a

    participao em um domnio se torna mais fcil quando o indivduo participa de outro

    domnio (BUTLER et al., 2005).

    Em relao ao conflito trabalho-lar, esse construto tem sido central no

    desenvolvimento do campo desses dois domnios (EBY et al., 2005). Muitos autores

    vem analisando os antecedentes e resultados desse conflito. Por exemplo, Kossek e

    Ozeki (1999), por meio de uma reviso com amostra de 27 artigos do ano de 1987 a

    1999, observaram que um maior conflito est relacionado a maior absentesmo e

    rotatividade e menor comprometimento do indivduo com a organizao e com a

    carreira, alm de estar associado ao burnout. Para os autores, o conflito lar-trabalho

    afeta a produtividade, o desempenho e as atitudes da pessoa na organizao,

    ocasionando resultados negativos para a empresa.

    Alm dessas consequncias, de uma forma geral, o conflito trabalho-lar

    tambm tem sido associado com resultados, como: depresso e tenso (KOSSEK;

    LAUTSCH; EATON, 2006), insatisfao na vida e no trabalho (PERREWE;

    HOCHWARTER; KIEWITZ, 1999); inteno de demisso (SHAFFER et al., 2001),

    estresse relacionado ao trabalho (NETEMEYER; BRASHEAR-ALEJANDRO;

    BOLES, 2004) e famlia (CARDENAS; MAJOR; BERNAS, 2004), diminuio do

    bem-estar (AMSTAD et al., 2011), uso de substncias (GRZYWACZ; BASS, 2003) e

    problemas crnicos de sade (GRZYWACZ, 2000).

  • 26

    Greenhaus e Beutell (1985) examinaram a literatura de conflito trabalho-

    famlia e observaram tais antecedentes desse conflito: nmero de horas trabalhadas

    por semana, inflexibilidade no trabalho, estado civil do indivduo, suporte do

    supervisor e da esposa, autonomia das tarefas no trabalho e estressores no

    trabalho, como estresse na comunicao e participao requerida no trabalho.

    Posteriormente, vrios autores confirmaram os achados de Greenhaus e

    Beutell (1985) e encontraram causas adicionais desse conflito, por exemplo, nmero

    e idade das crianas e tamanho da famlia (BYRON, 2005; MICHEL et al., 2011) e

    polticas da empresa, como flexibilidade e teletrabalho (KOSSEK; OZEKI, 1999).

    Tais polticas empresariais tambm tem sido foco de pesquisadores que

    examinam a relao trabalho-lar. Essas polticas so inseridas nas organizaes a

    fim de aliviar tais conflitos, evitando os resultados negativos mencionados (RAU;

    HYLAND, 2002). Creche local, tempo flexvel e teletrabalho so as principais

    polticas analisadas.

    Por fim, a literatura trabalho-lar vem movendo e crescendo seu foco no estudo

    dos aspectos positivos da relao entre esses dois domnios. Termos como

    facilitao, compatibilidade, aprimoramento (GRZYWACZ; BASS, 2003) e

    enriquecimento trabalho-famlia (GREENHAUS; POWELL, 2006) vem sendo

    introduzidos. De acordo com Kossek, Baltes e Matthews (2011), a perspectiva do

    enriquecimento trabalho-famlia enfatiza que recursos como ativos psicolgicos

    (como humor), capital social ou comportamentos podem ser transferidos de um

    domnio a outro, a fim de enriquec-los.

  • 27

    2.3.2 Trabalho-estudo

    Em relao ao conflito ou equilbrio trabalho-estudo, alm de haver poucas

    pesquisas, quando comparado aos estudos de trabalho-lar, grande parte da ateno

    neste campo, ao longo das ltimas dcadas, tem recado nos conflitos entre as

    demandas do trabalho e estudo para adolescentes que esto cursando o colegial ou

    uma graduao e que esto, ao mesmo tempo, trabalhando. Alguns poucos estudos

    (ex.: KIMMEL et al., 2012; MBILINYI, 2006) se dedicam a analisar adultos que

    trabalham e estudam, os estudantes no tradicionais, porm, esses foram

    classificados nesta reviso no tpico Trabalho-lar-estudo, j que a grande parte

    desses adultos so casados e pais de famlia, sendo necessrio o entendimento da

    relao entre esses trs domnios.

    Em relao aos conflitos desses domnios, o grande foco se d nos efeitos

    negativos do trabalho sobre os estudos dos adolescentes. Por exemplo, longas

    horas de trabalho tem sido associadas com baixo desempenho acadmico (MILLER;

    DANNER; STATEN, 2008; TROCKEL; BARNES; EGGET, 2000), baixas habilidades

    de estudo (LAMMERS; ONWEUGBUZIE; SLATE, 2001), menores notas em testes

    (COOPER et al., 1999) e maiores ausncias nas aulas (BARLING; ROGERS;

    KELLOWAY, 1995). Outros fatores como carga de trabalho e insatisfao com o

    trabalho interferem na habilidade de realizar as demandas escolares (MARKEL;

    FRONE, 1998).

    De um modo geral, o trabalho est associado ao atraso na obteno da

    qualificao final (CANABAL, 1998), maiores comportamentos de risco, como fumo,

    bebidas e uso de drogas (BUTLER; DODGE; FAUROTE, 2010), menor propenso

    em participar de atividades patrocinadas pela escola, vistas como importantes para

  • 28

    afastar jovens de crime, e programas escolares (ZIEROLD; GARMAN; ANDERSON,

    2005), alm de afetar o sono (MILLER; DANNER; STATEN, 2008; TEIXEIRA et al.,

    2004)

    Assim como nos estudos sobre trabalho-lar, pesquisadores de trabalho-

    estudo tambm vem examinando, de uma forma mais limitada, os possveis

    aspectos positivos entre esses dois domnios, a facilitao ou o enriquecimento

    trabalho-estudo. Apesar de no haver um vasto campo na literatura a respeito desse

    assunto, Butler (2007) observou que o emprego pode fornecer recursos que facilitam

    o papel escolar para o adolescente. Resultados como, persistncia e finalizao do

    estudo (KING, 2006), quando o trabalho no ultrapassa 15 horas por semana e

    relacionado ao interesse acadmico; aquisio de importantes habilidades no

    trabalho, como networking e gerenciamento de tempo, podem ser usados para

    melhorar o desempenho acadmico (MCNALL; MICHEL, 2011), alm do trabalho ser

    uma oportunidade para testar os conhecimentos acadmicos (BRUNEL; GRIMA,

    2010).

    Ainda, observou-se que h alguns trabalhos referindo-se aos preditores do

    conflito trabalho-estudo. Por exemplo, horas de trabalho, insatisfao com o

    trabalho, carga de trabalho (MARKEL; FRONE, 1998) e controle de trabalho, ou

    seja, controle sobre como o trabalho feito (BUTLER, 2007), foram vistos como

    preditores do conflito.

    2.3.3 Estudo-lar

    A literatura que discute o equilbrio ou o conflito entre diferentes esferas da

    vida, em geral, destaca que o trabalho costuma ser apontado como um domnio

  • 29

    prevalente na relao com as esferas do lar e trabalho. Por esta razo, os estudos

    que se limitam a discutir a relao estudo-lar so escassos tanto na literatura

    internacional (STEYL; KOEKEMOER, 2011) como na nacional.

    Em relao aos trabalhos encontrados, observou-se que a grande maioria

    foca nas consequncias dos comportamentos familiares no engajamento de

    adolescentes na escola. Por exemplo, estudos que examinaram a importncia do

    envolvimento dos pais na educao dos filhos, apontam que esse envolvimento tem

    relao positiva com as notas das provas desses alunos (SINGH et al., 1995), a

    motivao dos estudantes e o engajamento escolar (POMERANTZ; MOORMAN;

    LITWACK, 2007) e o aprendizado do aluno (MO; SINGH, 2008).

    Outro fator, o caos do lar, relacionado ao nvel de barulho e de confuso, foi

    visto como negativamente associado ao desempenho escolar (HANSCOMBE et al.,

    2011), afetando a habilidade de leitura (JOHNSON et al., 2008), as notas (HART et

    al., 2007) e o comportamento do estudante (COLDWELL; PIKE; DUNN, 2006).

    Por fim, o conflito estudo-trabalho tem sido tambm relacionado depresso

    (TEODORO; CARDOSO; FREITAS, 2010) e agressividade de adolescentes nas

    escolas (CARLOS et al., 2008).

    2.3.4 Trabalho-lar-estudo

    Em relao aos domnios trabalho, lar e estudo, foram identificados alguns

    estudos que analisam a relao simultnea entre esses domnios, assim como os

    antecedentes e consequentes da relao entre esses papis. Em geral, esses

    estudos encontram-se focados em estudantes adultos, tambm chamados de no

    tradicionais. Esse grupo de estudantes se caracteriza principalmente pela idade (Cf.

  • 30

    JINKENS, 2009), porm, outros autores acrescentam critrios adicionais para

    caracteriz-los, como o fato de serem reentrantes em atividades educacionais

    (CARNEY-CROMPTON; TAN, 2002) e de trabalharem em tempo integral

    (KASWORM, 2010).

    Entre os antecedentes mais comumente destacados para a sobreposio dos

    papis de trabalho-lar-estudo, encontram-se o aumento da competio global e a

    necessidade de melhor se diferenciar no mercado de trabalho (KIMMEL et al., 2012;

    MBILINYI, 2006) e as limitaes financeiras dos estudantes, que impossibilitam que

    realizem uma pausa nas atividades profissionais para se dedicarem ao estudo

    (RITT, 2008; TIMARONG; TERNAUNGIL; SUKRAD, 2002). Esses fatores, somados,

    mostram que a sobreposio dos papis de trabalho, lar e estudo, uma realidade

    em diversos contextos no mercado de trabalho e, como tal, caracteriza-se como um

    fator que demanda ateno de indivduos, organizaes, universidades e instituies

    de apoio. Para Christensen, Schneider e Butler (2011), essa relao tende a ser

    ainda mais crtica quando os trabalhadores envolvidos possuem filhos, uma vez que

    as demandas do lar aumentam criticamente nesse caso.

    Essa sobreposio leva a expectativas de papis em mltiplos domnios da

    vida que tendem a no ser compatveis, o que conduz a conflitos entre lar, trabalho e

    estudo. O envolvimento ativo em atividades de suporte tem sido apontado como

    uma sada necessria para a minimizao desse conflito (XU; SONG, 2013). A

    seguir, so apresentadas algumas iniciativas de suporte dos diferentes atores

    sociais envolvidos nesse processo encontradas na literatura.

    Encontram-se alguns estudos que tm explorado de que forma as

    organizaes empresariais podem colaborar para diminuir os efeitos negativos

    dessa sobreposio de papis para o indivduo e seu trabalho. Por exemplo, Kimmel

  • 31

    et al. (2012) discutem o papel do ensino online no sentido de facilitar com que o

    empregado alcance o desenvolvimento educacional minimizando esforos de

    locomoo. Xu e Song (2013), por sua vez, destacam a importncia do suporte

    organizacional aos empregados quando estes se encontram realizando cursos que

    demandam considervel esforo.

    Alguns autores destacam a importncia do apoio dos familiares nesse

    processo. Por exemplo, Kirby et al. (2004) identificaram evidncias de que o apoio

    da famlia propicia um menor estresse do indivduo que vivencia o conflito. Xu e

    Song (2013) destacam a importncia da compreenso da famlia no que se refere a

    atrasos no retorno do trabalho ou ao tempo dedicado em casa a atividades de

    estudo.

    H tambm estudos que exploram o papel da instituio de ensino nesse

    processo. Bisoux (2006) destaca a importncia de cursos de ps-graduao serem

    oferecidos noite e aos fins de semana e do desenvolvimento de prticas que

    flexibilizem a atividade profissional concomitante com o desenvolvimento dos

    estudos. Hammer, Grigsby e Woods (1998) sinalizam na mesma direo e apontam

    que a satisfao com a experincia educacional tende a gerar uma sensao de

    maior equilbrio entre os trs domnios discutidos neste tpico.

    O conflito trabalho-lar-estudo, se no for bem administrado, pode trazer

    consequncias nocivas para o indivduo e para a organizao. Por exemplo, Xu e

    Song (2013) encontraram indicativos de que esse conflito tende a levar o indivduo

    depresso. Edwards e Rothbard (2000), Kreiner (2006) e Parasuraman e Greenhaus

    (1992) tambm destacam que esse conflito pode gerar consequncias indesejveis

    para os trabalhadores, tais como estresse, burnout e insatisfao com o trabalho,

    com a vida e com o emprego. J a organizao, pode se deparar com altos graus de

  • 32

    absentesmo, rotatividade e menor comprometimento organizacional (RICE; FRONE;

    MCFARLIN, 1992).

    Em resumo, a literatura sobre conflito/equilbrio trabalho-lar-estudo tem

    focado principalmente em compreender de que forma instituies de ensino,

    empresas e familiares (especialmente cnjuges) podem apoiar indivduos a melhor

    gerenciar as sobreposies de papis evidenciadas nos conflitos entre os domnios

    citados. No entanto, permanecem pouco exploradas as possibilidades de ao que

    os indivduos podem tomar ativamente no sentido de melhor gerenciar as demandas

    conflitantes desse domnio, lacuna essa que este estudo visa preencher na

    literatura.

  • 33

    Captulo 3

    3 METODOLOGIA

    Este trabalho objetiva examinar as tticas que indivduos utilizam para

    promover o equilbrio entre os domnios trabalho, estudo e lar. Para isso, utilizou-se

    uma abordagem qualitativa de pesquisa, visto que pretende-se investigar os

    mecanismos pelos quais trabalhadores buscam gerenciar as demandas entre esses

    trs domnios. De acordo com Eby et al. (2005), abordagens qualitativas so mais

    adequadas para estudar processos, uma vez que possibilitam compreender como

    eles ocorrem. Acredita-se que esta abordagem possa ser mais explorada na

    literatura sobre o equilbrio trabalho-estudo-lar, dada a escassez de estudos e o

    benefcio j argumentado que este tipo de investigao cientfica pode trazer para a

    literatura em questo.

    Em relao coleta de dados, foram feitas entrevistas pessoais, com base

    em um roteiro semiestruturado, que foi produzido por meio de uma adaptao do

    protocolo utilizado no estudo de Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009). No referido

    estudo, o instrumento possibilitava identificar as tticas de gerenciamento de

    fronteiras entre trabalho-lar praticadas por sacerdotes episcopais (ANEXO A). Como

    nesta pesquisa incluiu-se um novo domnio, o estudo, e foram utilizados sujeitos

    distintos- estudantes no tradicionais ao invs de sacerdotes episcopais-, foi

    necessria uma reformulao do roteiro, assim como a traduo para o portugus,

    conforme Apndice A.

    Os sujeitos da pesquisa so estudantes no tradicionais, que so adultos com

    idade superior a 24 anos, que moram com dependentes, trabalham em tempo

    integral e retornaram escola, no caso dessa pesquisa, cursa mestrado por um

  • 34

    perodo superior a dez meses. A escolha desses critrios se justifica pelo fato de os

    estudantes no tradicionais serem os que mais vivenciam os conflitos entre os

    domnios trabalho, estudo e lar (CARNEY-CROMPTON; TAN, 2002); pelo fato de

    que indivduos que moram com dependentes serem mais propensos a possurem

    uma maior responsabilidade familiar, devendo conciliar os estudos, com trabalho e

    famlia. Em relao ao mestrado, esse foi escolhido por abranger uma carga horria

    maior do que outros cursos de ps-graduao, alm de exigir uma dissertao no

    final do curso, demandando maior dedicao dos alunos. O perodo de dez meses

    de participao no curso, no mnimo, foi escolhido por ser um tempo considerado

    suficiente para que o indivduo possa se adaptar a esse novo papel de estudante e

    vivenciar situaes de potencial conflito que nos possibilite realizar observaes com

    fins de produo de conhecimento terico. A escolha do tempo integral de trabalho

    se justifica pelo fato de os trabalhadores com essa carga horria de trabalho

    possurem menos tempo disponvel para assuntos no relacionados ao trabalho,

    ocasionando maiores potenciais tenses e conflitos (EBY et al., 2005).

    Para composio dos sujeitos da pesquisa, foi enviado um e-mail para alunos

    no tradicionais da Instituio analisada, pedindo que entrasse em contato com o

    autor do trabalho para participar da entrevista. A partir das entrevistas realizadas, foi

    utilizada a tcnica bola de neve (HECKATHORN, 1997), na qual os participantes

    indicavam estudantes no tradicionais conhecidos para prximas entrevistas.

    No total, foram realizadas 18 entrevistas, nos meses de junho e julho de 2013,

    com alunos mestrandos de uma instituio de ensino superior localizada em Vitria,

    no Esprito Santo. A quantidade de entrevistados foi definida com base no princpio

    da saturao terica de Glaser e Strauss (1967), que afirma que as entrevistas

    devem ser realizadas at o momento em que no se verifique a descoberta de

  • 35

    novos dados (ARAUJO; TURETA; ARAUJO, 2013). A escolha da instituio se deu

    por esta possuir uma grande quantidade de adultos que possuem as caractersticas

    dos estudantes no tradicionais e por questes de convenincia.

    As entrevistas, com durao mdia de 30 minutos, foram transcritas e

    analisadas por meio de anlise de contedo (BARDIN, 2004). Nessa anlise, frases

    ou trechos das entrevistas so codificados, possibilitando encontrar as tticas que

    indivduos utilizam para gerenciar o trabalho, o estudo e o lar. Aps essa

    codificao, foi permitido classificar as tticas encontradas em 4 tipos:

    comportamentais, comunicativas, fsicas e temporais, que so descritas a seguir.

  • 36

    Captulo 4

    4 RESULTADOS

    Conforme explicado no referencial terico, os conflitos trabalho-lar-estudo e

    as violaes das fronteiras, advindos da incongruncia entre as preferncias

    pessoais e ambientais, ocasionam consequncias negativas tanto para os indivduos

    quanto para as organizaes nas quais esto inseridos. A fim de que esses

    problemas gerados para os domnios do trabalho, estudo e lar sejam reduzidos,

    observou-se que indivduos utilizam tticas de negociao de fronteiras, que foram

    classificadas em quatro dimenses: comportamentais, fsicas, comunicativas e

    temporais.

    Embora tenhamos nos mantido abertos ao aparecimento de outras

    dimenses, todas as tticas apresentadas podem ser inseridas na classificao de

    Kreiner, Hollensbe e Sheep (2009), o que ressalta a saturao encontrada naquele

    estudo e a transferibilidade das categorias encontradas para outras reas

    substantivas. No entanto, algumas tticas especficas ao contexto emprico desta

    pesquisa foram identificadas e so apresentadas a seguir.

    4.1 TTICAS COMPORTAMENTAIS

    As tticas comportamentais so prticas sociais que indivduos utilizam para

    reduzir o conflito entre diferentes dimenses da vida (KREINER; HOLLENSBE;

    SHEEP, 2009). Foram encontrados oito tipos de tticas comportamentais no

    presente estudo: Utilizando pessoas; Permeabilidade diferenciada; Usando

    tecnologia; Negando demandas; Adotando ateno progressiva; Negociando

  • 37

    flexibilidade em troca de resultados; Buscando intensidade em cada domnio e

    Recompensando os membros dos domnios.

    4.1.1 Utilizando pessoas

    De acordo com os dados da pesquisa, uma das tticas mais mencionadas

    pelos entrevistados foi Utilizando pessoas, que se refere ao fato de o indivduo

    fazer uso da colaborao e do incentivo de uma pessoa ligada a um dos domnios

    em questo, como cnjuge, filho, secretria, supervisor e colega de mestrado, para

    facilitar o gerenciamento das fronteiras entre trabalho-estudo-lar.

    Nessa ttica, indivduos usam o apoio de pessoas para ajudar com as

    demandas de um determinado domnio - na maioria das vezes o domnio do lar - a

    fim de que se consiga o melhor equilbrio entre tais domnios, como visto nos trechos

    a seguir:

    Como eu estou em fase de fechamento do mestrado, que que a gente est usando: a gente est usando muito o apoio da famlia...hora minha sogra que vai l para casa...minha sogra mora em Guaran, 35km de Aracruz mais ou menos...ento assim, reveza minha sogra que vai l para casa, ou ento minha me que mora l em Aracruz, a gente vai com a nenm, deixa a nenm na casa da minha me, o escritrio que a gente tem embaixo da casa da minha me e a gente fica nessa vida n, um pouquinho aqui, um pouquinho ali, no tem jeito. (E6)

    Tenho uma pessoa que trabalha 3 vezes por semana, que salvou o casamento, porque voc imagina eu fico o dia inteiro fora, meu marido fica o dia inteiro fora, no tem energia para poder arrumar a casa, n?! E a, logo que a gente casou voc sabe o que aconteceu [me faleceu], tive um problema pessoal e a que eu conseguia olhar menos ainda para minha casa, para o meu casamento, para tudo, n. Ento essa pessoa, que me ajuda hoje, para mim foi fundamental. (E5)

    Quando usada essa ttica, os estudantes no tradicionais contam com a

    ajuda e disponibilidade de pessoas envolvidas no domnio do lar - como nos trechos

    acima, a sogra, a me e a empregada - no desempenho de atividades desse

    domnio, o que reduz a quantidade de tarefas a serem realizadas pelo indivduo e

  • 38

    possibilita que ele foque em demandas prioritrias ou urgentes. Isso facilita o

    gerenciamento de seus papis.

    Muitas vezes, algo mais simples que a colaborao de outras pessoas vista

    como til para diminuir tais conflitos. Houve relatos de que o incentivo recebido de

    outras pessoas so vistos como fundamentais para que o indivduo siga buscando

    equilibrar seus diferentes papis. Os entrevistados frequentemente mencionaram

    que o incentivo da famlia, do cnjuge e filhos e do superior imediato so essenciais

    para que ele se motive a buscar satisfazer as diversas demandas do trabalho, do

    estudo e do lar, como no trecho a seguir:

    Atualmente, eu estou contando com apoio do meu marido e da minha filha, dentro da compreenso dela, mas o fato deu ter trancado [trancou o mestrado por 6 meses] foi justamente porque, a princpio, eu no tive nenhum apoio do meu marido, ento isso era muito complicado [...] Ento, quando eu parei o mestrado, ao invs das coisas melhorarem eu entrei num processo depressivo [...] Hoje eu voltei para o mestrado, meu marido me apoia e est tudo bem. (E14)

    Observa-se que a falta de suporte de indivduos pertencentes aos domnios,

    principalmente do cnjuge, pode dificultar no processo de negociao entre as

    fronteiras entre trabalho, lar e estudo, o que muitas vezes leva a problemas como

    insatisfao com a vida, problemas com a famlia e casos de depresso, o que

    aumenta ainda mais o conflito entre os papis.

    4.1.2 Permeabilidade diferenciada

    Uma outra ttica comportamental citada por muitos entrevistados foi a

    Permeabilidade diferenciada. O emprego dessa ttica permite que os indivduos

    decidam a que pessoas ou assuntos referentes aos domnios trabalho, lar e estudo

    sero aplicados comportamentos de integrao ou segmentao. Por exemplo, na

    maioria dos incidentes relativos a essa ttica, os indivduos demonstravam uma

  • 39

    tendncia em adotar uma postura integradora no lar e nos estudos ao receber

    demandas do superior imediato, ou seja, sempre que o chefe demandava uma

    atividade, essa seria feita em qualquer ambiente e horrio. Ao contrrio do superior,

    pessoas que no necessitavam ser atendidas com urgncia, como colegas de

    trabalho e clientes sem demandas urgentes, no eram possibilitados a violar as

    fronteiras do trabalho, o que permitia que o indivduo se concentrasse em atividades

    prioritrias e possibilitava-o manter o nvel desejado de integrao/segmentao

    entre as fronteiras. A evidncia emprica a seguir prov suporte para essa afirmao:

    O meu chefe eu sempre vou atender. Se for algum cliente e eu j souber o assunto, no atendo. Nmero restrito, que da empresa, eu no atendo dependendo do horrio. (E1)

    Alm do chefe, a famlia tambm foi apontada por muitos como demandadora

    de uma integrao diferenciada. Isso pode ocorrer pelo fato de que a relao com a

    famlia paradoxal: apesar de ela ser considerada como a prioridade central dos

    entrevistados, o domnio do lar apontado frequentemente como o que cede tempo

    e espao a atividades de outros domnios. No entanto, recorrente a afirmao de

    que essa concesso feita pelo bem estar futuro da famlia. Ao conceder uma

    permeabilidade diferenciada a membros da famlia no trabalho ou no domnio dos

    estudos, os entrevistados buscam equilibrar as demandas familiares com a

    disponibilidade de um acesso imediato para comunicaes e solicitaes mais

    importantes. Assim, uma maneira do indivduo compensar essa sua ausncia com

    familiares , por exemplo, atender o telefone sempre que ligam, conforme

    demonstrado pela entrevistada 1:

    Como a minha famlia toda mora longe, a gente nunca acha que vo ligar para dizer que ganharam na mega sena, n? Ento eu atendo e dependendo do assunto digo que ligo depois. Mas famlia eu sempre atendo. (E1)

  • 40

    Alguns outros entrevistados tambm integram/segmentam domnios com

    base na importncia ou urgncia de solicitaes. Assim, como muitos estudantes

    no tradicionais reportaram, eles flexibilizam as fronteiras quando se trata de

    demandas urgentes, j que a no realizao dessas atividades pode resultar em

    srias consequncias negativas ao indivduo ou aos envolvidos. O trecho a seguir

    evidencia esse achado:

    O e-mail fica ligado direto, se for um assunto bobo, que pode esperar, eu leio, leio todos os e-mails, chegou eu leio, se for algo que possa esperar, espera, mas se for algo urgente eu repondo na mesma hora. (E12)

    No geral, assuntos relacionados ao superior imediato so os que mais

    atravessam as fronteiras e o celular foi visto como o instrumento mais utilizado para

    permitir ou bloquear essa travessia.

    4.1.3 Usando tecnologia

    Avanos tecnolgicos tem permitido que indivduos utilizem novas formas de

    comunicao que pode ser til na tarefa de gerenciar seus papis. Se por um lado

    recursos como e-mail, whatsapp e sites de lojas facilitam as violaes das fronteiras

    (BOSWELL; OLSON-BUCHANAN, 2007), j que o indivduo permanece disponvel

    24 horas, por outro essas ferramentas permitem que o indivduo com preferncias

    integradoras mantenham o nvel desejado de permeabilidade entre os domnios

    trabalho, lar e estudo (KREINER; HOLLENSBE; SHEEP, 2009). Tais consequncias

    so descritas nos trechos a seguir:

    Consultoria, cliente est com problema, a usa recursos tecnolgicos para acesso remoto, professor est dando aula, voc est com computador ligado, de vez em quando da uma parada, faz um acesso remoto, resolve um problema do cliente...meio que normal. (E6)

  • 41

    Compra de supermercado eu j fiz pela internet, no trabalho, porque meu marido estava viajando e minha empregada Dona Cntia [nome fictcio] no tem...est faltando arroz, est faltando no sei o que..., ai eu falei assim Meus Deus, que horas eu vou arrumar para ir ao supermercado? Gente, e agora?, a entrei no Vila Delivery [nome fictcio]...j fiz compras pela internet. (E9)

    Os entrevistados mostraram uma propenso a utilizar principalmente a

    internet no ambiente de estudo e de trabalho para resolver assuntos dos demais

    domnios, tais como atender uma demanda de um cliente ou fazer compras para a

    casa, especialmente em situaes/demandas urgentes, o que reduz as fronteiras

    espaciais e temporais entre os domnios. Essa tecnologia ajuda o indivduo de

    maneira que o possibilita resolver problemas ou demandas dos domnios trabalho,

    estudo e lar sem que haja deslocamento fsico, reduzindo assim o tempo gasto com

    cada tarefa, possibilitando-o desempenhar mais atividades.

    De um modo geral, possvel afirmar que, como a grande maioria dos

    estudantes no tradicionais que participaram do estudo integram os domnios do lar,

    estudo e trabalho, eles so beneficiados pelos recursos tecnolgicos, visto que os

    ajudam a manusear suas fronteiras e obter um melhor equilbrio entre os domnios.

    4.1.4 Negando demandas

    Uma outra forma de o indivduo atingir um maior equilbrio entre os domnios

    do lar, trabalho e estudo seria o que chamamos de Negando demandas. Nessa

    ttica, como o nome j diz, a pessoa recusa atividades dos domnios trabalho, lar e

    estudo a fim de manter as suas preferncias em relao s fronteiras ou priorizar os

    domnios de seu interesse, conforme os trechos a seguir:

    Hoje, eu aprendi, depois de um certo tempo de empresa, aprendi a falar no...no, agora, mesmo sendo horrio de trabalho, eu estou resolvendo assunto dos meus estudos ou quando eu aqui [na faculdade] meninas, vocs podem continuar as coisas, mas eu tenho que resolver um assunto

  • 42

    profissional. Ento, por mais que tentem atrapalhar, digamos assim, o andamento do meu fluxo, eu aprendi a dizer no. (E18)

    [...] surgia uma demanda 2 dias a 3 dias e a gente nunca dizia no porque tinha que atender. Agora como a gente tem formalizao de processo, a gente diz muito no. (E4)

    Muito raramente, quando pede alguma coisa e voc tem que falar no, ou por causa de condio de trabalho, ou por causa de uma condio de estudo, assim, falar no para uma pessoa tem um impacto negativo, mas no geral, 90% dos casos, minha famlia entende, compreende, porque eles sabem o que eu quero, eles sabem que eu me preparei para entrar no mestrado. (E6)

    Nessas citaes, observa-se que a grande demanda dos vrios papis que os

    estudantes no tradicionais possuem, torna-se necessrio o uso da palavra no

    para determinadas atividades dos domnios em questo, como uma demanda no

    programada, no papel de empregado, ou um encontro de famlia, no papel de

    cnjuge, filho ou pai. Por meio desse termo, a pessoa comunica com o indivduo

    que o demanda determinada atividade que ele no poder realiza-la por conta de

    seus vrios papis que deve desempenhar, sendo esses prioritrios ou urgentes.

    Com a recusa dessas atividades, a quantidade de tarefas reduz e, assim, os

    possveis conflitos e tenses gerados por elas.

    Em termos gerais, demandas do trabalho foram reportadas como as que mais

    so negadas e mais difcil dizer no famlia, justamente pelo fato de que esta

    costuma ceder frequentemente seu tempo e espao a demandas de outros

    domnios.

    4.1.5 Adotando ateno progressiva

    Uma outra ttica encontrada nas entrevistas o que certificamos como

    Adotando ateno progressiva. Para saber se uma demanda prioritria ou no,

    adota-se a estratgia de no atend-la para verificar se realmente importante ou

    urgente e somente conferir maior ateno a ela se o nvel de dedicao reduzido

  • 43

    empregado anteriormente se mostrar insuficiente ou gerar problemas. Por exemplo,

    podemos citar o ato de no atender o telefone nas primeiras chamadas, no

    responder e-mails imediatamente e, em determinados momentos, s atender

    ligaes aps receber um torpedo, conforme as citaes a seguir.

    Antigamente eu ficava desesperada porque eu ia recebendo os e-mails e eu queria responder. Hoje em dia eu falo ok, recebi um e-mail. Se me mandou por e-mail no urgente, ento eu j combinei com todo mundo da equipe, com quem eu converso olha, se voc me mandar um e-mail eu estou entendendo que eu no preciso responder imediatamente, isso? isso. Porque se for urgente voc vai me ligar. Ento, assim, mas tem umas outras questes, chefe sempre, no tem jeito, mas se me ligam uma vez, eu deixo cair, me ligam outra vez, eu deixo cair, me ligam a terceira vez eu pego porque eu sei que urgente. (E4)

    Normalmente eu s atendo o celular depois das 15 horas ou quando uma coisa urgente que s depende de mim... eles me mandam um torpedo, que foi assim o combinado...o gerente dispensou uma funcionria, ento o RH mandou para mim vai fazer acordo? no vai fazer acordo? Eu preciso responder isso at 12 horas e estavam ligando, ligando e eu no estava atendendo, s com torpedo, a eu saio e resolvo. (E18)

    Para minimizar os efeitos negativos do emprego dessa ttica, alguns

    participantes relataram que combinam com as pessoas envolvidas nos domnios os

    mecanismos a serem seguidos para comunicar que a demanda urgente, tal como

    enviar torpedo ou ligar trs vezes, o que o possibilita realizar suas atividades

    diminuindo o nmero de interrupes indesejadas. Essa tcnica reduz o tempo gasto

    com problemas secundrios, ajudando-o aumentar a eficincia dos papis que pode

    assumir.

    Apesar dessa ttica possibilitar o melhor equilbrio entre os domnios, ela

    pode ser vista como arriscada, a partir do momento que demandas urgentes podem

    ser esquecidas ou ignoradas. possvel tambm que pessoas se fartem dessa

    atividade reativa e no profissional, devido ao alto grau paliativo desta ttica.

  • 44

    4.1.6 Negociando flexibilidade em troca de resultados

    No domnio trabalho, as demandas que cercam o indivduo, geralmente, so

    volumosas, o que dificulta o gerenciamento dos seus papis. Em relao a isso, uma

    ttica utilizada pelos estudantes no tradicionais foi a Negociando flexibilidade em

    troca de resultados. Nesta ttica, o cumprimento das obrigaes relativas a um

    domnio possibilita o ganho de flexibilidade em outros momentos para a satisfao

    das necessidades de outro domnio. Ou seja, a partir do momento que a pessoa

    satisfaz as demandas do trabalho, ela pode, por exemplo, se ausentar da empresa

    para realizar atividades de outro domnio ou realizar tarefas de outros papis no

    ambiente e horrio de trabalho. Tais exemplos so vistos nas seguintes citaes:

    Eu consigo flexibilizar e negociar desde que os resultados sejam entregues. Ento, se eu precisar faltar, ms que vem comea uma optativa que eu vou ter que faltar 5 segundas-feiras, n?! De manh. Est negociado, eu vou faltar as 5 segundas-feiras, mas eu vou ter que compensar isso com resultado, porque a expectativa alta. (E4)

    [...] a ento ela me liberou [a empresa liberou a segunda para fazer o mestrado], desde que voc consiga mandar as planilhas antes, e voc fique flexvel depois das 15 horas para atender telefone. (E18)

    Conforme notado nesses trechos, na medida em que o indivduo consegue

    flexibilidade nos domnios, nesses casos, no trabalho, surge uma maior possibilidade

    dele melhor gerenciar os seus papis, podendo ele priorizar as demandas mais

    importantes e urgentes, estando tanto no ambiente do domnio da tarefa em questo

    ou no ambiente e horrio de outro domnio. Essa estratgia foi utilizada, pois a

    grande maioria dos entrevistados possui uma tendncia em integrar os domnios, e

    assim, ela possibilita que esses indivduos reduzam as fronteiras, ajudando-os a

    atingir um maior equilbrio entre o trabalho, o lar e o estudo.

  • 45

    4.1.7 Buscando intensidade em cada domnio

    Uma outra ttica comportamental utilizada pelos entrevistados para gerenciar

    as demandas dos domnios do trabalho, do lar e do estudo foi Buscando

    intensidade em cada domnio. Como as demandas so diversas e o tempo

    escasso, as pessoas procuram maximizar o aproveitamento de cada domnio, por

    exemplo, prestando o mximo de ateno na aula, realizando todas as demandas do

    trabalho no prprio ambiente de trabalho e satisfazendo as demandas do lar quando

    em casa, a fim de que as fronteiras temporais e espaciais de cada domnio sejam

    mantidas, evitando conflitos entre eles.

    Se eu venho para a aula, procuro aproveitar ao mximo aquele momento para ter o mximo de aprendizado. (E2)

    Mas qual a intensidade com que voc se dedica? Qual a qualidade dessa intensidade? Voc dizer para o seu marido oh, eu te amo. importante a gente est aqui na cama...isso pode ser uma coisa meio leviana, digamos, ou meio esvada de sentido, dentro de um tempo grande que eu possa estar com ele, ou tambm dentro de um tempo pequeno que eu possa estar com ele...independente disso, a qualidade, a intensidade disso que significativa. (E3)

    Quando eu estou com meus filhos, eu procuro estar com eles [...] procuro deixar eles dormirem para poder fazer as atividades acadmicas. (E9)

    [...] no trabalho eu procuro me dedicar ao trabalho [...] Ento eu procuro, quando est em casa, ser de casa mesmo, no trabalho me dedicar ao trabalho e na escola escola. (E10)

    Esses trechos revelam que o indivduo, ao buscar intensidade e produtividade

    em cada domnio, consegue manter uma determinada distncia entre os domnios.

    Dessa forma, busca-se melhorar a qualidade do tempo dedicado a cada domnio, de

    maneira a diminuir as demandas de tempo e espao naquele domnio nos

    momentos subsequentes.

  • 46

    4.1.8 Recompensando os membros dos domnios

    A oitava ttica comportamental identificada Recompensando os membros

    dos domnios. De acordo com os entrevistados, recompensar os membros de um

    domnio, principalmente do domnio lar, como filhos e cnjuges, pode beneficiar o

    indivduo no gerenciamento das fronteiras, na medida em que reduz as violaes

    das fronteiras. Recompensas como doces para os filhos e promessas de benefcios

    futuros foram vistos como facilitadores desse gerenciamento, como ilustrado nos

    trechos a seguir:

    s vezes eu tambm trago recompensas, um chocolatinho para os filhos, uma balinha, para poder amenizar a situao... porque criana no entende. (E7)

    De manh, quando eles esto em casa (eles estudam tarde), eu procuro dar ateno, fazer dever com eles um pouquinho n, e, assim, umas 3 horas mais ou menos e depois falo mame tem que trabalhar. Mame vai fechar aqui a porta e mame vai trabalhar Por que me? porque mame precisa trabalhar. Voc no quer ter seus joguinhos? Eu preciso de dinheiro ah, est bom, a eu fecho a porta e vou trabalhar. Igual viagem mame precisa ganhar dinheiro para a gente viajar depois. (E9)

    Quando eu comecei a estudar eu falei assim amor, o meu objetivo do mestrado atingir isso, isso e isso. Se eu atingir antes, a gente comea a construir a nossa segunda casa, a essa aqui vai para aluguel, a gente vai poder viajar mais.... Ento, quando eu comecei a mostrar os benefcios mais fcil. At meu filho filho, deixa mame estudar para a gente poder passear, para a gente poder fazer outros tipos de passeio? para a gente passear mame? Voc vai comprar meus biscoitos? vou, 2 anos e 8 meses...ento papai, eu vou brincar com voc, porque mame tem que estudar. (E18)

    A partir dessas recompensas prometidas s pessoas que precisam abrir mo

    de ateno em prol dos objetivos de outro domnio, o indivduo consegue manter um

    nvel desejado de integrao entre os domnios, na medida em que convence a

    outra pessoa de que importante executar aquela tarefa naquele momento,

    possibilitando-o realizar demandas dos domnios trabalho e estudo em casa sem

    que haja interferncias familiares indesejveis. importante salientar que a

  • 47

    integrao neste caso unidirecional, envolvendo a entrada de assuntos

    relacionados ao trabalho e aos estudos no domnio do lar.

    4.2 TTICAS COMUNICATIVAS

    Uma vez que os indivduos interagem continuamente com outras pessoas,

    eles comunicam suas preferncias com relao aos tipos de fronteiras desejadas

    entre os domnios, seja integrada ou segmentada (ARAUJO; TURETA; ARAUJO,

    2013). Neste contexto, foram encontradas duas tticas que os estudantes no

    tradicionais utilizaram para se comunicar: Desenvolvendo dilogo e Gerenciando a

    imagem de forma a manter flexibilizao.

    4.2.1 Desenvolvendo dilogo

    A vida de um indivduo que trabalha em tempo integral e possui dependentes

    marcada por diversas demandas, o que gera, muitas vezes, problemas como

    estresse e insatisfao. Ao se inserir em um novo domnio, como o estudo, ou ao

    lidar com aumento na demanda por ateno a algum domnio j existente, essas

    pessoas passam por situaes complicadas, na medida em que a quantidade de

    tarefas a serem realizadas aumenta muito.

    Uma ttica mencionada pelos entrevistados para reduzir potenciais problemas

    advindos desse crescimento no nvel de cobrana em um ou mais papis foi

    Desenvolvendo dilogo. Com essa ttica, os estudantes no tradicionais

    comunicam, principalmente, com seus dependentes, os desafios que enfrentaro

    com esse novo domnio e questionam se esses o apoiaro em todo processo,

    evitando futuros conflitos, conforme o trecho que segue:

  • 48

    Acho que a primeira coisa que tem que fazer deixar as regras do jogo muito claras. Quando eu fui fazer o mestrado, a primeira pessoa que eu conversei foi meu marido olha, eu quero fazer o mestrado. Vai dar trabalho. Talvez eu no consiga te dar ateno, ateno que voc merece, precisa e ele falou Beleza. Se voc quer fazer um mestrado, vamos fazer um mestrado. Ento aquela coisa de jogar junto, todo mundo tem que fazer o mestrado com voc. (E4)

    Alm da famlia, muitos reportaram a necessidade de se comunicar aos

    indivduos envolvidos no ambiente de trabalho o que mudar ao iniciar um curso de

    ps-graduao e se eles tero o apoio esperado da empresa quando precisarem,

    como por exemplo, se ausentar alguns dias e aumentar prazos de entrega de algum

    servio.

    As pessoas tem que entender que o mestrado no uma coisa simples de fazer, por melhor aluno que voc seja e no trabalho a mesma coisa olha, vou fazer um mestrado, voc tem que conversar com seu gestor e falar olha, vou fazer um mestrado. Eu vou conseguir fazer um mestrado? Voc vai me deixar tocar as minhas atividades do mestrado e flexibilizar as minhas atividades do trabalho quando for necessrio?, no estou pedindo para parar de trabalhar, estou pedindo para que quando eu precise faltar 5 segundas-feiras, voc me deixe faltar 5 segundas-feiras. Porque quando voc combina as regras do jogo, o tal do combinado no sai caro [...] porque tem gente que fala ah, eu vou fazer um mestrado, mas tranquilo. No se preocupa, no vai mudar nada na nossa vida...vai, vai mudar muita coisa. Ento voc tem que contar para as pessoas a verdade Vai mudar pra caramba, vai ter fim de semana que vou estar estressada, que eu no vou te dar ateno, que voc vai sozinho no churrasco, ou se voc no quiser ir sozinho voc vai ficar em casa comigo [...] no trabalho vai ter dia que eu vou ter que faltar, eu no vou poder fazer essa entrega, passa para outra pessoa da equipe porque eu estou fazendo mestrado, estou fazendo um trabalho acadmico, uma atividade acadmica que vai me demandar. (E4)

    Bom, isso foi conversado [o fato de entrar no mestrado]. Quando, inclusive o mestrado financiado pela empresa n, ento ns discutimos primeiro. O mestrado faz parte de um projeto da empresa a ns pegamos o programa da Instituio e mostramos para o pessoal, vamos, porque isso vai requerer sacrifcio, ento isso foi discutido abertamente. (E17)

    Com o uso dessa ttica, o estudante no tradicional antecipa aos indivduos

    envolvidos nos domnios os problemas que poder enfrentar ao aumentar a

    quantidade de demanda. Isso possibilita negociar melhor suas demandas, j que os

    indivduos compreendem melhor, por exemplo, quando voc rejeita uma demanda

    de algum domnio para realizar atividades do estudo, como mencionado pelo

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    entrevistado 6, ao dizer que quando voc conversa com essas pessoas, elas so

    capazes de entender e te dar suporte em um momento em que voc fala assim no,

    eu no posso te ajudar porque eu tenho que estudar, e a as pessoas conseguem

    compreender.

    4.2.2 Gerenciando a imagem de forma a manter flexibilizao

    Os indivduos, por temerem perder alguma oportunidade no ambiente de

    trabalho, tentam se passar por pessoas fortes e equilibradas. Acreditam que, se

    demostrarem o seu lado emotivo, que no suporta muita presso, oportunidades

    como uma promoo estariam em jogo, alm do seu emprego estar em risco, o que

    afeta os demais domnios, ocasionando conflitos e tenses. A partir da, eles criam

    uma casca em volta de si para mostrar que so pessoas fortes e aguentam qualquer

    tipo de demanda ou situao.

    Eu tento passar na empresa a questo de estar muito bem. Porque se voc fica muito dramtica e melosa, acaba criando um rtulo, at mesmo de profissional fraco, que no aguenta presso. (E1)

    Uma amiga minha comentou comigo que a moda agora dizer que est fazendo anlise. [...] ela comentou comigo que est fazendo e eu disse para ela sair dessa e deixar de palhaada. Que, infelizmente, se ela falar isso para o chefe, ele pode achar que ela est com problemas pessoais e deixar de demandar coisas. Ela pode perder oportunidades por no estar estruturada. (E1)

    Conforme os dados, ao gerenciar a sua imagem de forma a mant-la

    associada ideia de indivduo forte, o estudante no tradicional comunica a

    impresso de ser mais apto a alcanar maiores oportunidades no trabalho, o que

    tende a resultar em consequncias positivas nos domnios lar e estudo, na medida

    em que aumenta a autoestima, a competncia e o status econmico e social do

    indivduo (MALLINCKRODT; LEONG, 1992; PIETROMONACO; MANIS;

    FROHARDT-LANE, 1986). Assim, essa estratgia permite alcanar um maior

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    equilbrio nos papis, a partir do momento que problemas no domnio trabalho

    acarretam resultados negativos nos demais domnios.

    4.3 TTICAS FSICAS

    Classificamos tticas fsicas aquelas que se referiam ao uso simblico de

    objetos e espaos no sentido de criar ou retirar barreiras entre lar, trabalho e estudo.

    Dentro dessa viso, foram encontradas quatro tticas fsicas: (Des)Construindo

    fronteiras fsicas; Reduzindo distncias fsicas; Manipulando objetos simblicos e

    Usando espaos neutros como coringa.

    4.3.1 (Des)Construindo fronteiras fsicas

    Conforme os dados da pesquisa, uma ttica fsica mencionada pelos

    entrevistados foi (Des)Construindo fronteiras fsicas. De acordo com

    Sundaramurthy e Kreiner (2008), fronteiras fsicas so limites ou permetros fsicos

    que separam uma entidade de outra, podendo ser, por exemplo, uma porta, uma

    janela, uma parede ou um mvel. Assim, o indivduo pode intencionalmente construir

    fronteiras fsicas entre os domnios trabalho, lar e estudo quando deseja segmentar

    tais domnios, ou desmanchar tais fronteiras a fim de manter os domnios integrados.

    Como mencionado, a grande parcela dos entrevistados na pesquisa relataram

    manter uma integrao entre os domnios, pois como a quantidade de atividades a

    serem desempenhadas grande, segmentar trabalho, lar e estudo se torna

    complicado. Assim, manter fronteiras fsicas dentro do lar para separar atividades do

    trabalho e do estudo com as de casa, como, por exemplo, solicitar privacidade em

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    um cmodo para estudar ou trabalhar, foi mencionado por alguns estudantes no

    tradicionais, como ilustrado a seguir:

    Eu tenh