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Magali Gavazzoni FUNDAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ASILO CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MÃE DE PIRACICABA/SP 1896 - 1912 UNISAL Americana 2009

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Magali Gavazzoni

FUNDAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ASILO

CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MÃE DE

PIRACICABA/SP – 1896 - 1912

UNISAL

Americana

2009

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Magali Gavazzoni

FUNDAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ASILO

CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MÃE DE

PIRACICABA/SP – 1896 - 1912

Dissertação apresentada como exigência

parcial para obtenção do Grau de Mestre

em Educação Sócio-comunitária à

Comissão Julgadora do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo,

sob a orientação do Professor Dr. Paulo

de Tarso Gomes.

UNISAL

Americana/SP

2009

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Ficha Catalográfica:

Gavazzoni, Magali

L851d Fundação e primeiros anos da prática educativa do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe de Piracicaba/SP – 1896 - 1912 / Magali Gavazzoni. – Americana: Centro Universitário Salesiano de São Paulo, 2009.

219 f. Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP. Orientadora: Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes. Inclui bibliografia 1. História da Educação. 2. Franciscanismo. 3.

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe. 4. Práticas educativas – Brasil. I. Título.

CDD – 371.2

Catalogação elaborada por Terezinha Aparecida Galassi Antonio Bibliotecária do Centro UNISAL – UE – Americana – CRB-8/2606

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Dedicatória

A inspiradora de toda essa pesquisa – Irmã Cecília

do Coração de Maria e todas as suas co-Irmãs que

continuam levando a diante o jeito franciscano de

ser e a presença do Coração de Maria no cuidado

da vida.

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Agradecimentos

A Deus por conduzir a minha vida, me conceder os dons necessários para servir e amar

o meu próximo;

À minha família que, apesar da distância, é o alento, a proteção e o chão que firma o

meu projeto de vida;

Às minhas Irmãs de Congregação Religiosa, que diariamente não me deixam esquecer

do único fundamental na minha vida;

À minha Superiora Provincial – Irmã Terezinha Catarina Andreola – amiga, mãe e

mestra, que aceitou e possibilitou a realização desta pesquisa;

À minha fraternidade, especialmente na pessoa da guardiã – Irmã Neuza Hirata, que me

incentivou, compreendeu e apoiou em todos os momentos;

À Irmã Norma Barnabé, pelo apoio, incentivo e por partilhar comigo a história da

Congregação.

Às professoras, alunos e colaboradores do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe,

que são a continuidade da inspiração de Irmã Cecília e comungam comigo do grande

sonho de levar adiante esse projeto educativo;

Aos professores e colegas de mestrado, pela partilha dos dons: conhecimento,

informações, vivências, leituras, presença;

Ao meu orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes, por colaborar na descoberta das

palavras e expressões mais adequadas, pelo seu profissionalismo e seu jeito lúdico e

simples de ensinar.

A todos a minha reverência e gratidão.

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Resumo

A pesquisa Fundação e primeiros anos da prática educativa do Asilo Coração de

Maria Nossa Mãe de Piracicaba/SP – 1896 – 1912 faz uma análise do contexto

histórico em que está inserido o Asilo Coração de Maria e dos seus idealizadores,

principalmente Irmã Cecília do Coração de Maria e Frei Luiz Maria de São Tiago.

Apresenta também, a proposta franciscana de educação por meio das suas diversas

dimensões que influenciaram a maneira de se viver e educar no Asilo. A última parte da

pesquisa foi dedicada à análise de fontes primárias que possibilitaram uma compreensão

da organização, estrutura e manutenção da Instituição, bem como conhecer a demanda

atendida e a formação que as alunas recebiam. A principal questão que norteia a

pesquisa se formula por: Como se estabeleceu o projeto educativo do Asilo Coração de

Maria Nossa Mãe e qual sua importância na vida dos seus atendidos, para as Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria e para a sociedade piracicabana no período

pesquisado? Buscando responder essa indagação, o trabalho foi construído a partir da

pesquisa de cunho histórico, tendo como centralidade a proposta educativa do Asilo, seu

atendimento, sua organização, sua estrutura, enfim, o processo histórico que resultou na

permanência da Entidade até aos dias atuais. A metodologia utilizada na dissertação

pautou-se no levantamento de informações a partir dos documentos no arquivo histórico

da Congregação e de diversas leituras bibliográficas, principalmente das que foram

elaboradas para o processo de canonização de Irmã Cecília. Em relação às leituras,

destaco: CAMARGO (1992); LIMA (1992); MARCON (1992); MERINO (1999);

NETTO (2000); PEDROSO (1996 e 2003), entre outros. Redescobrir a história do Asilo

Coração de Maria Nossa Mãe revelou uma proposta franciscana de se educar, pautada

pelo jeito materno de cuidar da vida e que se estendeu por 110 anos de história.

Palavras - chave: História da Educação, Franciscanismo, Asilo Coração de Maria

Nossa Mãe, Práticas educativas.

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Abstract

The research Foundation early years and educational process of the nursery Asilo

Coração de Maria Nossa Mãe in Piracicaba/SP 1896 – 1912 is analyzing the historical

background of the nursery Coração de Maria and their creators, especially sister Cecilia

do Coração de Maria and father Luiz Maria de São Tiago. It also presents the

Franciscan proposal of education in its different dimensions which influence the way of

living and educating in the nursery. The last part of the research is dedicated to

analyzing the primary sources which enable the understanding of the organization, the

structure and the maintenance of the institution as well as the awareness of the request

being met as the instructions that the pupils received. The main question of the research

is the following: in which way was the educational project of the nursery of Coração de

Maria Nossa Mãe established and what is the importance in the life of the pupils, the

Franciscan Sisters do Coração de Maria and for the society of Piracicaba during the time

of the research? Trying to answer this question, the work was constructed from the

historic research, with the educational proposal of the nursery in its center, as also its

attendance, organization, structure, and the historic process which led to consistency of

the entity our days. The methodology used in the dissertation was based on information

from historic documents files of the congregation and different biographic readings,

especially those which had been elaborated during the process of canonization of Sister

Cecilia. As for the bibliography I emboss: CAMARGO (1992); LIMA(1992);

MARCON(1992); MERINO(1999); NETTO(2000); PEDROSO(1996 and 2003); and

others. To rediscover the history of the nursery of Coração de Maria Nossa Mãe

revealed a Franciscan way of educating, headlined by the maternal caretaking of 110

years of history.

Key-words: History of the Education, Franciscan, Asilo Coração de Maria Nossa Mãe,

Educational practices.

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Sumário

Introdução................................................................................................................ 01

Capítulo I - Asilo Coração de Maria Nossa Mãe: seus idealizadores e o contexto

de fundação .............................................................................................................

05

1. Cenário piracicabano............................................................................................ 06

2. A Igreja no contexto da fundação do Asilo Coração de Maria........................... 09

3. Porque a implantação do Asilo Coração de Maria dentro do referido contexto

social e religioso?.....................................................................................................

13

4. Biografia de Antonia Martins de Macedo........................................................... 14

4.1 Primeiros anos e formação............................................................................. 15

4.2 Vocação religiosa e casamento...................................................................... 16

4.3 Ingresso na Ordem Terceira Secular e a fundação do Asilo Coração de

Maria........................................................................................................................

18

4.4 A difícil escolha entre ser mãe e fundadora da Congregação: os anos no

Chalé.........................................................................................................................

26

4.5 O retorno ao Asilo do Coração de Maria e os últimos anos........................... 28

5. Biografia de Frei Luiz Maria de São Tiago.......................................................... 30

5.1 Nascimento e formação.................................................................................. 30

5.2 Vinda ao Brasil............................................................................................... 31

5.3 Atuação de Frei Luiz em Piracicaba e Taubaté: a Ordem Terceira

Secular...................................................................................................................... 33

5.4 Idealizador e co-Fundador do Asilo Coração de Maria.................................. 38

5.5 Outras contribuições significativas de Frei Luiz ao franciscanismo no

Brasil......................................................................................................................... 40

5.6 Retorno à Itália e últimos anos....................................................................... 41

6. Outros atores que contribuíram na formação e Expansão do Asilo Coração de

Maria......................................................................................................................... 43

6.1 Os Frades Capuchinhos.................................................................................. 43

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6.2 A Ordem Terceira Secular.............................................................................. 45

6.3 Voluntárias e a população de Piracicaba........................................................ 48

Capítulo II – A proposta franciscana de educação no contexto de fundação do

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe......................................................................... 51

1. Os Capuchinhos no Brasil: especificidades de sua atuação no século XIX......... 51

2. Proposta Franciscana de Educação...................................................................... 58

2.1 Dimensão de comunhão entre o ser humano e as criaturas............................ 59

2.2 Dimensão da paz, diálogo e acolhimento....................................................... 60

2.3 Dimensão de liberdade................................................................................... 63

2.4 Dimensão do serviço humilde e gratuito........................................................ 65

2.5 - Dimensão da ludicidade............................................................................... 66

3. O perfil do educador franciscano......................................................................... 69

Capítulo III - Educação Franciscana no Coração de Maria Nossa Mãe – 1898 a

1912.............................................................................................................. 73

1. Análise do Estatuto do Asilo Coração de Maria de 1897..................................... 74

2. Análise do livro de matrículas.............................................................................. 90

3. Análise do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria............................................ 100

4. Educação Franciscana do Coração de Maria expressa nas Constituições e

Diretórios das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria......................................... 105

5. A visão educacional das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria registradas

nas Fontes Históricas da Congregação..................................................................... 115

6. Testemunhos de alunas internas e religiosas do Asilo Coração de Maria............ 122

6.1 Testemunho coletado por Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus.............. 123

6.2 Testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo......................................... 124

6.3 Testemunho da Irmã Maria Júlia da Eucaristia.............................................. 125

6.4 Testemunho da Irmã Maria Apparecida Rocha.............................................. 128

6.5 Testemunho Maria Aparecida Pereira Cotrim................................................ 130

6.6 Testemunho de Bárbara Vicentin Cordeiro.................................................... 130

6.7 Testemunho Magdalena de Faria Gonçalves.................................................. 131

6.8 Testemunho de Rosa Leite............................................................................. 132

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6.8 Testemunho de Zuleika Furlani...................................................................... 134

6.9 Testemunho de Therezinha Cangiani Borges................................................. 134

6.10 Testemunho de Maria Cristina Toledo Hatz................................................ 135

Considerações finais................................................................................................. 137

Referência Bibliográfica.......................................................................................... 141

Anexos...................................................................................................................... 146

1. Fotografias referentes o período e o contexto pesquisado.................................... 146

2. Fotografias do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe........................... 158

3. Certidão de batismo de Antonia Martins de Macedo.......................................... 166

4. Certidão de Casamento de Antonia Martins de Macedo..................................... 168

5. Certidão de óbito de Antonia Martins de Macedo............................................... 170

6. Escritura de doação do terreno do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe.............. 172

7. Escritura de compra de outros terrenos do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe. 176

8. Primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe................................... 181

9. Lista de doações para o Asilo Coração de Maria Nossa Mãe.............................. 193

10. Amostras do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – 1898........ 201

11. Amostras do Primeiro Livro de Matrículas do Asilo Coração de Maria Nossa

Mãe – 1898............................................................................................................... 204

12. Cartas de pedido de auxílio de Irmã Cecília à Câmara de Vereadores de

Piracicaba – 1900, 1902 e 1905................................................................................ 213

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Introdução

“A história é a mestra da vida”.

(Cícero)

Voltar às fontes, às origens, ao passado é uma das maneiras de buscar as

razões pelas quais se vive o presente, é descobrir os caminhos trilhados que se

estenderam até o hoje da história. É muito mais que uma simples lembrança ou um

saudosismo que cristaliza as ações. É investigar e descobrir as raízes de uma Instituição,

que se tornou uma Congregação religiosa. É encontrar a verdadeira identidade, o germe

que possibilitou a construção de uma obra a se estender por vários espaços do Brasil e

da África e que se desenvolveu e continua atuando no campo da educação, da saúde, da

assistência social e da evangelização.

Criar um projeto de pesquisa que buscasse perceber a origem do Asilo

Coração de Maria Nossa Mãe e analisar os primeiros anos de fundação e a prática

educativa tornou-se algo extremamente inquietante e prazeroso. Frente aos desafios em

levantar dados, diante da escassez dos registros na área educacional, pois basicamente

todas as fontes são primárias, cada vez mais me animava a prosseguir o trabalho que se

tornou uma alegria em trazer à luz uma Instituição piracicabana de 110 anos de

existência, que é o berço acolhedor da minha opção religiosa e de inúmeras co-irmãs,

portanto o trabalho foi extremamente significativo.

Outros fatos influenciaram a minha pesquisa. O primeiro foi de assumir em

2006 a direção pedagógica do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe,

denominado anteriormente de Asilo Coração de Maria e verificar a amplitude do

atendimento, os vários projetos que são executados na obra e, ao mesmo tempo,

perceber que não houve uma sistematização da origem deste trabalho. No aspecto

religioso há diversas informações, dados e registros, porém na área educativa a falta de

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fontes é grande, pois em 1898, ano da fundação do Asilo, não existia uma legislação

que exigisse tal estrutura. Outro aspecto que impulsionou a minha pesquisa foi a

convivência com os alunos do Lar Escola e descobrir a alegria e o interesse das crianças

na participação dos diversos projetos oferecidos pela Instituição. Os pequenos querem

vir para creche até nos finais de semana e os maiores ficam tristes por deixarem a

Instituição aos 11 anos. Então passei a me perguntar: qual é o verdadeiro sentido do Lar

Escola na vida destas crianças? O que os motiva estar participando deste projeto?

Almejando encontrar respostas para minhas inquietações, me reportei aos

primeiros anos de fundação do Asilo e levantei novos questionamentos: Por que

trabalhar com educação e cuidar de uma demanda social menos favorecida? Quais as

influências que o Asilo Coração de Maria recebeu nos primeiros anos de fundação?

Quem auxiliou no início dos trabalhos da Instituição? Como foram os primeiros passos

da obra e qual a linha de trabalho que foi sendo tecida? Como entender uma Instituição,

formada apenas por mulheres, que há 110 anos sustentam uma obra educacional com

recursos de doações, promoções e trabalhos?

As perguntas são inúmeras, mas no decorrer da pesquisa pretendo tecer

algumas considerações e encontrar algumas respostas, principalmente em relação às

influências que o Asilo recebeu nos primeiros anos, a caracterização dos atendidos e a

linha de trabalho adotada pelos fundadores da Instituição. O trabalho abrangerá um

período histórico determinado: 1896 a 1912. Fiz essa opção porque em 1896 aconteceu

a Inspiração1 de Irmã Cecília, que posteriormente resultou no Asilo Coração de Maria e

termino em 1912 porque é o ano em que a fundadora deixa de ser a responsável direta

pela Instituição. Posteriormente explicarei melhor a influência desses fatos na história

do Asilo, da Instituição Religiosa e para a sociedade piracicabana.

1 É denominada Inspiração a idéia que Irmã Cecília teve de morar juntas, com outras Irmãs, numa casa e

levar uma vida de oração, trabalho e evangelização.

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A primeira parte da pesquisa objetiva apresentar o contexto de Piracicaba no

período pesquisado e a posição da Igreja na fundação do Asilo, suas influências e

organização. Abordará também, os idealizadores do Asilo Coração de Maria - Irmã

Cecília e Frei Luiz Maria de São Tiago, bem como aos demais atores que contribuíram

para a expansão da Instituição – os Freis Capuchinhos, a Ordem Terceira Secular, as

voluntárias e a população piracicabana.

O segundo capítulo será dedicado a proposta franciscana de educação no

contexto de fundação do Asilo Coração de Maria, principalmente pela presença dos

Frades Capuchinhos e da influência exercida na atuação das primeiras Irmãs.

A terceira e última parte da pesquisa será dedicada aos aspectos

educacionais dos primeiros anos de fundação do Asilo Coração de Maria. Os dados

foram obtidos por meio da análise documental do livro de matrículas, do primeiro livro

de registro, dos aspectos educacionais presentes nas fontes históricas e nos diretórios e

constituições da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Analisarei,

também, alguns testemunhos de religiosas e alunas internas que viveram ou tiveram

contato com a fundadora do Asilo – Irmã Cecília.

Encerrarei o trabalho destacando as características mais relevantes da

Educação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria praticadas no período

pesquisado e que muitas perduraram no decorrer do tempo.

A pesquisa é de cunho histórico e sua centralidade está em perceber a

proposta educativa do Asilo, seu atendimento, sua organização, sua estrutura, enfim

entender um pouco do processo histórico que resultou na permanência da Entidade até

os dias atuais.

A metodologia utilizada na dissertação pautou-se no levantamento de

informações a partir dos documentos no arquivo histórico da Congregação e de diversas

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leituras bibliográficas, principalmente as que foram elaboradas para o processo de

canonização de Irmã Cecília. Em relação às leituras, destaco: CAMARGO (1992);

LIMA (1992); MARCON (1992); MERINO (1999); NETTO (2000); PEDROSO (1996

e 2003), entre outros.

As revistas comemorativas da Congregação das Irmãs Franciscanas do

Coração de Maria também foram fontes de pesquisa que auxiliaram na percepção do

trabalho e da organização dos primeiros anos de fundação do Asilo.

Enfim, toda essa busca resultou no presente trabalho, que rememora a vida

dos primeiros anos de uma instituição centenária tecida de esperança, em meio a

desafios, a conflitos, a descobertas, a vivência partilhada, incansável luta. É uma

história que ensina, que faz pensar, que orienta e que faz vislumbrar o caminho

percorrido, com respostas criativas, na fidelidade ao Evangelho.

Afirma Cícero: “a história é a mestra da vida”, que desperta a cada dia um

novo olhar, novas indagações. É o encantador processo de contemplar o passado como

um bom educador para tecer o presente com coragem e planejar o futuro com força

decisiva, sensibilidade, liberdade e co-responsabilidade; sempre como pertença de um

mundo necessitado de ajuda, na decisão firme de torná-lo melhor.

A história que lhes apresento confirma o quanto é importante a vocação da

mulher educadora – vivida na perspectiva de uma nobre missão.

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Capítulo I

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe:

seus idealizadores e o contexto de fundação

“Seus nomes duram através das gerações”.

(Eclesiástico 44, 14)

Esse primeiro capítulo da pesquisa esboça alguns aspectos históricos, tendo

como enfoque geral os fatores que compõem o cenário em que surge o principal núcleo

da minha pesquisa - o Asilo Coração de Maria. Procurarei estabelecer interfaces com os

campos da economia, da política, da educação e com os problemas sociais existentes no

período, a fim de perceber o entorno do objeto e as influências recebidas, almejando

compreender a expansão, as interconexões, a abrangência e o vigor da obra pesquisada.

Apresentarei um breve relato histórico e biográfico da vida de Antonia

Martins de Macedo e Frei Luiz Maria de São Tiago - fundadores da referida Instituição

– posteriormente dos demais colaboradores a quem se deve a expansão e a continuidade

do Asilo.

Para se chegar a esse resultado terei como referência AQUINO, 1985;

CAMARGO, 1900; CAMARGO, 1979; MARCON, 1992; NETTO, 2000; PEDROSO,

1996, que apresentam o contexto da sociedade piracicabana no final do século XIX e

início do século XX.

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1. Cenário piracicabano

No final do século XIX e início do século XX, Piracicaba ocupou um lugar

de destaque no cenário nacional, principalmente por suas iniciativas e seu

desenvolvimento.

Conforme apresenta NETTO, a população neste período era de 25.374

habitantes, sendo 13.114 mulheres e 12.260 homens. Desta população, 14 mil residiam

na região urbana. A cidade tinha aproximadamente 2.252 prédios, quatro igrejas –

Matriz de Santo Antonio, Coração de Jesus, São Benedito e Assunção. O Almanak de

Piracicaba de 1900 (CAMARGO, 1900, p. 141 a 155) traz o nome de vinte escolas, que

atendem aproximadamente 1.381 alunos matriculados, porém o total é de 2.016 crianças

no município.

Em 1909, Piracicaba era considerada a quinta cidade em população do

estado de São Paulo e a segunda em educação, que lhe conferiu o título de Ateneu

Paulista (NETTO, 2000, p. 35). A educação estava em pleno advento e era apoiada por

pessoas influentes da sociedade piracicabana.

Esse acentuado desenvolvimento educacional está intimamente relacionado

ao movimento do cenário nacional denominado Entusiasmo pela Educação e

posteriormente o Otimismo Pedagógico, que objetivavam melhorias no ensino público

no país, conforme explicita GHIRALDELLI em sua obra (1994, p. 15).

As principais escolas piracicabanas foram: Escolas confessionais: Colégio

Piracicabano – 1881; Colégio Nossa Senhora de Assunção – 1883; Asilo Coração de

Maria - 1898 e a Escola Sagrado Coração de Jesus – 1890 (Anexo 1), das quais falarei

posteriormente. Escolas públicas: 1º e 2º graus – 1º Grupo Escolar, hoje Barão do Rio

Branco; Escola Complementar – hoje Sud Menuci, ambas de 1897 (Anexo 1); Escola

Prática de Agricultura Luiz de Queiroz – 1901. (CAMARGO, 1900, p. 149 a 155)

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Destaco a Escola Sagrado Coração de Jesus, dirigida pelos Frades

Capuchinhos, que atendiam os filhos dos italianos e filhos de escravos libertos, bem

como, o Asilo Coração de Maria que era destinado as órfãs abandonadas e para os filhos

das famílias mais necessitadas, principalmente da zona rural, por se tratar de um

internato.

Outra notável experiência foi a criação da Sociedade “Egualitária Instructiva,

formada por negros para atender a pessoas da raça negra”. Foi fundada em 13 de maio

de 1898. (NETTO, 2000, p. 65)

A fundação da referida instituição é uma resposta que o próprio grupo de

escravos libertos procura dar ao problema emergente do preconceito e da desintegração

social que assolavam não só Piracicaba, mas também o pais.

Piracicaba destaca-se, também, por outras melhorias que garantem uma vida

mais saudável e confortável para a população: Chegada da Ferrovia Cia. Ituana em

1877, que possibilitou maior escoamento dos produtos e facilidade, rapidez e segurança

no transporte de passageiros. Atendimento à saúde realizado pela Santa Casa de

Misericórdia, que iniciou os seus trabalhos em 1883. Em 1887 começa a instalação do

Serviço de água do município, que era retirada do Rio Piracicaba, porém ainda não era

filtrada. O Mercado Municipal foi inaugurado em 1888 (Anexo 1), disponibilizando à

população uma grande variedade de produtos. A rede de telefonia começou a ser

implantada em 1889. Início da circulação do Jornal de Piracicaba em 1900. Instalação

de um banco em 1891, sendo a 8ª cidade a conquistar esse privilégio no estado. A rede

elétrica de iluminação que foi implantada em 1893, mas não atendia toda a população e

deixava muito a desejar. A rede de Esgoto teve seu início em 1898 no município. A

população reivindicava melhorias urgentes no tratamento da água e na qualidade da

iluminação pública. (NETTO, 2000, p. 34 e 41)

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A cidade de Piracicaba torna-se pioneira na instalação da iluminação

elétrica, serviço de água e esgoto e em telefonia – resultados do trabalho árduo do

visionário Luiz Vicente de Souza Queiroz. (NETTO, 2000, p. 50)

Outro aspecto que merece destaque são as indústrias, que colocaram a cidade

num patamar de destaque no estado e nação. O Engenho Central criado em 1881

(Anexo 1); a Fábrica de tecidos Santa Francisca de 1896; as indústrias: Engelberg,

Krahenbul, Blumer, que criam e produzem máquinas.

Não poderia deixar de mencionar a produção agrícola das grandes fazendas

de algodão, frutas cítricas, café e de cana-de-açúcar, que alimentavam as indústrias e

proporcionavam mão-de-obra para inúmeros imigrantes e brasileiros, principalmente

escravos libertos.

Segundo TORRES,

A cidade ia-se tornando mais culta, adquirindo novos hábitos,

com um esboço de Biblioteca sob a forma de Club de Leitura,

com novo Teatro Santo Estevão, com seu Clube Piracicabano,

onde se reunia a Sociedade Piracicabana, e ainda com suas

bandas de música, uma tradição na cidade e o seu acentuado

gosto pela música em geral, pois havia bons professores de

piano que davam aulas particulares, não apenas no perímetro

urbano, mas também na zona rural, nas casas dos alunos, e nas

fazendas. (2003 p.162)

Piracicaba era uma cidade promissora, porém repleta de conflitos. Muitos

criticavam exacerbadamente a ascendência que o clero exercia sobre o povo, afirmando

que o sentimento religioso era tal que chegava ao fanatismo e à intolerância. Conflitos

entre negros e brancos, brasileiros e estrangeiros, republicanos e monarquistas, católicos

e protestantes.

O problema era nacional: em vez de dar emprego e terras ao

negro liberto, o Brasil fora em busca de imigrante europeu. Em

Piracicaba eles eram numerosos, especialmente os italianos. Os

negros continuavam em subempregos ou vivendo uma nova

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forma de escravidão. Eles eram muitos, pois Piracicaba,

durante a escravidão, tivera uma mancha feia a marcar-lhe a

história: fora a terceira cidade de São Paulo em número de

escravos, cerca de cinco mil. (NETTO, 2000, p. 52)

Uma das soluções para os conflitos entre negros e brancos, brasileiros e

estrangeiros, foi a criação de diversas Sociedades beneficentes: Italiana – 1887;

Espanhola – 1898, Igualitária – 1893, Sociedade Síria – 1902. (NETTO, 2000, p. 35)

Os principais problemas sociais do período analisado, segundo GRACIANI,

eram realizados pela sociedade civil, que aos poucos foi forçando o governo a implantar

a política de assistência social que assegurasse a garantia de direitos, principalmente à

criança e ao adolescente.

Voltando ao período colonial até os dias de hoje, verifica-se na

dinâmica da elaboração das chamadas políticas públicas –

programas de atenção à infância e adolescência – que elas

tiveram sua gênese por iniciativa e empenho da sociedade civil,

como compromisso das iniciativas privadas preocupadas com a

criança. Pelo seu caráter de resistência, essas iniciativas foram

ao longo do tempo correlacionando forças com os governos e

sendo adotadas como políticas governamentais. (GRACIANI,

1997, p. 255)

Neste período do final do século XIX e início do XX existia uma luta

política dos republicanos, anticlericalistas e maçons, contra a Igreja Católica e os

monarquistas. Em Piracicaba foi muito acentuado o conflito, algumas vezes declarado

outras velado, como veremos posteriormente.

2. A Igreja no contexto da fundação do Asilo Coração de Maria

No Brasil colonial e imperial, não era cidadão quem não fosse católico.

Todos pagavam dízimo ao Rei de Portugal e depois ao Imperador e eram essas

autoridades que mantinham bispos, padres, religiosos e hospitais. Era o regime chamado

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de “Régio Padroado”, acertado entre os reis de Portugal e os Papas. Por isso, a Igreja era

totalmente dependente dos soberanos. Eram eles que nomeavam os bispos e davam

autorização para as ordenações dos clérigos.

Desde o início da colônia, os missionários católicos eram destinados

principalmente aos índios. Algumas ordens, como os beneditinos, mantinham-se nas

cidades ou em suas fazendas, mas não assistiam ao povo. O clero diocesano era muito

mal preparado e a maioria mantinha esposas e filhos. Em geral eram muito pobres,

mestiços e dependentes das famílias poderosas. Nunca pregavam, nem nas missas de

domingo. Na verdade, até o século XIX, houve uma intensa vida católica – com todas as

suas limitações – porque as próprias famílias educavam seus filhos e escravos na fé,

tendo no máximo o auxílio de ermitães leigos. (ZAGONEL, 2001, p. 301 e 302)

Essa educação dava fundamentos a uma forma de catolicismo popular,

muitas vezes em conflito com a hierarquia da Igreja. Um exemplo disso é Dom Frei

Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o primeiro capuchinho brasileiro, pertencente à

província da Sabóia, que é tido como um mártir porque chegou a ser encarcerado pelo

governo e se diz que morreu envenenado. (ZAGONEL, 2001, p. 305)

A presença franciscana em terras brasileiras é desde 1500, quando foi

celebrada a primeira Missa por um franciscano. Depois, foram sendo trazidos

primeiro os Jesuítas, que fizeram um trabalho de missão e catequese, posteriormente

vieram outros Franciscanos, Beneditinos, Carmelitas, Oratorianos e os Lazaristas.

Religiosas vieram muito poucas até o século XIX: Clarissas, Carmelitas,

Concepcionistas, Dorotéias. Mais tarde, as irmãs de Caridade de São Vicente de

Paulo. A atuação dessas ordens e da Igreja no Brasil Colônia era mantida pelo

Concílio de Trento.

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Houve sérios problemas com alguns grupos de religiosos, porque o

governo dizia que eles eram inúteis e também porque cobiçavam os bens dos

beneditinos e dos carmelitas, que tinham grandes fazendas. Pouco a pouco, no século

XIX, os religiosos foram sendo proibidos de receber noviços.

O resultado desse movimento foi uma Igreja cada vez mais abrasileirada e

distante das normas de Roma. Nesse processo incluem-se até mesmo as cartas do

Papa, que só eram publicadas se o Rei permitisse.

A população com a instrução católica, que era pouca, sob a influência das

religiões dos escravos, produziram um sincretismo religioso; a superstição e a

resignação passiva, fenômenos característicos da religiosidade popular brasileira,

constituindo grandes desconfianças para a pastoral no período. (BRUNEAU, 1979, p.

39 e 40)

Outro conflito interno da Igreja do Brasil ocorreu a partir do século XIX,

quando os bispos e alguns religiosos, especialmente os vindos de fora, fizeram um

amplo movimento de obediência e maior adaptação à Igreja Romana – na prática, isso

consistiu, muitas vezes, em serem mais europeus e se afastarem do povo mais

humilde, de quem só os capuchinhos e os oratorianos cuidavam.

Os Franciscanos Capuchinhos constituíram um caso bem específico: fora

uma primeira incursão que acompanhou invasores franceses no Norte, os frades vinham

ao país como enviados da “Propaganda Fidei”. Não podiam acolher noviços, recebiam

uma pequena ajuda, e seus trabalhos eram dispostos pelo Ministério da Consciência e

Ordens. Foram fundadores de cidades e paróquias e seu número não chegou a diminuir

significativamente.

No século XIX os Capuchinhos de Trento, enviados a pedido do

Imperador Dom Pedro II por Frei Bernardo de Andermatt, foram os primeiros que

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tiveram permissão para abrir seminário e noviciado. Não dependiam mais da

Propaganda Fidei e, como a República foi proclamada e a Igreja separada do Estado,

apenas alguns dias depois de sua chegada, também tiveram mais liberdade. Umas das

coisas que mais chamou a atenção em Piracicaba, o primeiro lugar em que se

estabeleceram, foi a pregação nas missas de domingo, a catequese, a pregação de

missões populares, a renovação das Ordens Terceiras e o fato de terem imediatamente

começado a receber candidatos brasileiros, filhos de escravos, coisa que outros

religiosos só começaram a fazer mais de quarenta anos depois.

Nesse momento de separação entre Igreja e Estado, vieram muitos

religiosos europeus e começaram a ser fundadas Congregações femininas brasileiras.

Dentro do meu objeto de estudo destaco a fundação da Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria, fundada por Irmã Cecília, em 1900.

Em termos de hierarquia da Igreja, o contexto piracicabano sofreu várias

alterações. Conforme consta no Anuário Católico de 2000, inicialmente o município

de Piracicaba pertencia a Diocese de São Paulo, situada ao leste do Estado de São

Paulo e foi criada aos 6 de dezembro de 1745, pela Bula “ Candor Lucis aeterne” do

Papa Bento XIV, desmembrada da então Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Posteriormente passa a pertencer a Diocese de Campinas, situada na região

centro-leste do Estado de São Paulo, foi criada aos 7 de junho de 1908 pela Bula

“Dioecesium nimiam amplitudine” do Papa Pio X, desmembrada da então Diocese de

São Paulo. Destaco o primeiro bispo Dom João Batista Correia Nery (1908-1920),

por fazer parte do período pesquisado e exercer papel significativo no afastamento de

Irmã Cecília da sua própria Congregação, como veremos posteriormente.

Atualmente o Asilo pertence a Diocese de Piracicaba, situada na região

centro-interior do Estado de São Paulo, criada aos 26 de fevereiro de 1944, pela Bula

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“Vigil Campinensis Ecclesie”, do Papa Pio XII, desmembrada da então Diocese de

Campinas. (Anuário Católico, 2000, p. 189, 601)

3. Porque a implantação do Asilo Coração de Maria dentro do referido contexto

social e religioso?

Após a apresentação sucinta do contexto histórico da sociedade piracicabana

e da Igreja Católica do final do século XIX e início do século XX, é possível levantar

algumas hipóteses que explicam o surgimento do Asilo Coração de Maria.

Primeiramente o Asilo surgiu para atender as meninas pobres e necessitadas

de Piracicaba, pois não havia nenhuma instituição educacional católica para essa

demanda.

Surgiu, também, para difundir a fé católica, os valores evangélicos e trazer

mais fiéis à Igreja. Esse era um dos objetivos da evangelização dos capuchinhos e esse

legado foi transmitido para as primeiras religiosas Franciscanas do Coração de Maria.

A vivência do jeito franciscano de ser foi outro aspecto que impulsionou a

fundação do Asilo e sua continuidade, pois essa proposta traz, em sua essência, o

comprometimento com os excluídos da sociedade e uma das poucas oportunidades para

estar sempre na observância do carisma.

Oferecer educação para filhos de ex-escravos era outra novidade para o

período e as Irmãs e os Capuchinhos não mediram esforços para concretizar essa

iniciativa. O Asilo surgiu numa época em que pouca gente tinha oportunidade de

estudar, muito menos os filhos de escravos, pobres e os filhos de pequenos agricultores.

Esses são alguns critérios que viabilizaram o surgimento do Asilo Coração

de Maria e, com o surgimento da Congregação religiosa, a partir da Instituição, o

trabalho do Asilo se multiplicou em outras filiais.

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Tendo apresentado o contexto histórico da sociedade piracicabana no limiar

do século XX, destacando os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais,

passarei às apresentações dos idealizadores e cooperadores do Asilo Coração de Maria

Nossa Mãe.

Primeiramente apresentarei um breve relato histórico e biográfico da vida de

Antonia Martins de Macedo e Frei Luiz Maria de São Tiago - fundadores da referida

Instituição – posteriormente dos demais colaboradores a quem se deve a expansão e a

continuidade do Asilo.

4. Biografia de Antonia Martins de Macedo

Essa breve biografia de Antonia Martins de Macedo – Madre Cecília – se

fundamenta nos seguintes documentos: Um coração de Maria, obra de PEDROSO

(1996); Um pouco de nossa história, obra de CAMARGO (1979); Fontes históricas da

Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, obra de AQUINO (1985),

dos quais sintetizamos as informações que julgamos relevantes para contextualizar em

sua vida, a fundação do Asilo Coração de Maria.

O relato histórico sobre a vida de Antonia Martins de Macedo, com sucinta

biografia, apresenta as principais características da fundadora do Asilo Coração de

Maria que, como veremos, foi filha – ficando solteira até 35 anos, esposa – por

determinação do pai - mãe, viúva, educadora, religiosa e, ao mesmo tempo, uma pessoa

comprometida com a causa dos menos favorecidos.

Antonia Martins de Macedo – que na Ordem Terceira Franciscana e depois

como religiosa e fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de

Maria – ficou conhecida como Madre Cecília do Coração de Maria - foi quem fundou o

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe, denominado na época, Asilo de Órfãs Coração de

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Maria, objeto desta pesquisa, obra à qual dedicou boa parte de sua vida para que essa

Entidade beneficente pudesse cumprir com eficiência sua missão.

Quem foi Antonia Martins de Macedo? Pergunta simples, cuja resposta não

é tão simples assim. Colocarei os dados principais, para que os leitores possam conhecer

um pouco dos aspectos históricos da vida dessa mulher que, sendo filha de Piracicaba e

conhecedora de seu contexto histórico empenhou-se num trabalho relevante e

significativo na sociedade piracicabana.

4.1 Primeiros anos e formação

Antonia nasceu aos 7 de julho de 1852 na cidade de Vila Nova da

Constituição, que passou a ser denominada Piracicaba por meio da lei nº 21, de 13 de

abril de 1877 (NETTO, 2000, p. 25). Era filha de Pedro Liberato de Macedo e Rosa

Martins Bonilha, foi a quinta filha, entre nove irmãos. Batizada na Paróquia de Santo

Antônio aos 7 de novembro de 1852 pelo Pe. João José de Almeida2 (Anexo 3). Sua

certidão de nascimento não foi encontrada apenas, a de batismo. Sabe-se que na época

em diversos lugares, a certidão de batismo tinha validade no civil e isto justifica a

ausência do referido documento.

Antonia teve uma infância normal, aprendeu os cuidados da casa, bordado e

costura para ser uma boa modista. Com isso tornara-se independente e conseguiu que as

portas das famílias mais abastadas e importantes da sociedade se abrissem para ela.

Aprendeu a relacionar-se bem e isso foi muito útil para si e para as outras pessoas que

dependiam de suas iniciativas.

A vivência das virtudes cristãs aprendeu com sua mãe, que era uma mulher

muito piedosa e simples. O pai passava grande parte de seu tempo às margens do rio

2 O registro original se encontra na Paróquia Santo Antônio (Catedral) em Piracicaba/SP, livro do ano de

1852 à folha 22v.

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Piracicaba durante o período das cheias, entretendo-se em pescarias, porém seu trabalho

era com homeopatia atendendo a doentes da cidade e de outros locais, ao ser solicitado.

Em relação à formação intelectual Antonia freqüentou provavelmente a

escola pública, recebendo certamente instrução fundamental – embora não haja prova

documental quanto a seu grau de instrução - pois sabemos que Antonia lia muito bem,

sabia escrever corretamente e administrou sua família e, posteriormente, o Asilo

Coração de Maria, com denodo e eficiência. Esses são os indicativos que nos fazem

concluir que Antonia freqüentou algum estabelecimento de ensino e fez com proveito

seu tirocínio escolar.

4.2 Vocação religiosa e casamento

Desde jovem Antonia queria ser religiosa, porém ficou solteira até aos 35

anos. Testemunhos indicam que Antonia julgava ter sido chamada por Deus a uma vida

consagrada, mas teve que enfrentar dificuldades e, só posteriormente, pôde concretizar

seu sonho. (PEDROSO, 1996, p. 14; CAMARGO, 1979, p.10)

Uma grande dificuldade foi a não aceitação do pai em ver uma filha

consagrada e obrigou-a a se casar, quando já estava com quase 36 anos, um caso

excepcional em sua época, pois as moças casavam-se bem novas. Outra dificuldade foi

em relação ao dote - quantia em dinheiro que a jovem que queria ser religiosa deveria

levar ao entrar numa congregação. Isto causava certamente, preocupação a Antonia que

costurava para ajudar a família.

Além destas dificuldades, existia o problema da distância até São Paulo ou

Itu/SP, cidades mais próximas que tinham convento e recebiam jovens que almejavam

ser religiosas, pois não havia ferrovia que ligava as cidades, tornando as viagens

perigosas e demasiadamente demoradas.

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O casamento de Antonia aconteceu em 1888 com Francisco José Borges

Ferreira, na matriz de Santo Antônio3 (Anexo 4). Ele era um português, marceneiro e

músico. Desta união matrimonial, que durou apenas cinco anos e nove meses, nasceram

três filhos: Rosa, João e Antônio.

De 1888 a 1894 foi um período de provação na vida de Antonia.

Contratempos e tristezas a acometeram: casou-se contra sua vontade com um homem

que nem conhecia. Em 1889 teve sua primeira filha, que era deficiente mental, quase

totalmente cega, surda e muda; em maio 1893 perdeu seu pai, o Sr. Pedro Liberato de

Macedo; em dezembro desse mesmo ano perde seu marido de infecção pulmonar e em

1894 morre Rosa Martins de Macedo, mãe de Antonia.

Além de todas essas dificuldades teve que suportar o marido alcoólatra por

quase seis anos de convívio matrimonial. Muitas vezes deixou faltar à família o

alimento necessário, mas não a agressividade. Francisco maltratava a filha deficiente,

batia em seus filhos, porém nunca agrediu a esposa. Certo dia Antonia afirmou: “É para

meu castigo, fui infiel à minha vocação, não devia ter-me casado” (LIMA, 1992, p. 41).

E, após a morte dos seus familiares mais próximos Antonia se viu sozinha para cuidar,

sustentar e educar os seus três filhos. Certo dia expressou seus sentimentos: “[...] tenho

chorado tanto que não sei o que será de minha vida”. (LIMA, 1992, p. 42)

Outro aspecto importante da vida de Antonia é sua dedicação ao trabalho.

Desde moça exercia a função de costureira e artesã, auxiliando sua família na

manutenção da casa. Após o casamento continuou o seu ofício, tendo um atelier de

costura do qual conseguia recursos para manutenção dos filhos e do marido que, como

foi dito, pouco a auxiliava nesta tarefa. Constata-se portanto, ter sido Antonia uma

3 O registro se encontra à página 150 do livro de assentamentos de casamentos nº 6 da Catedral de

Piracicaba/SP.

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mulher corajosa, de longa visão, que avança e não se sujeita a permanecer na

dependência do próprio marido ou simplesmente dedicar-se aos serviços domésticos.

Em relação à sua vida de fé e de sua atividade apostólica, os que

conviveram com ela ressaltam que Antonia sempre foi muito empenhada,

comprometida com a causa dos mais necessitados e muito fervorosa na participação da

vida da Igreja, de oração e piedade. Aos domingos Antonia ensinava o catecismo às

crianças e jovens, visitava os presos e chegou a auxiliar os leprosos em abrigos que se

encontravam fora da cidade. Levava-lhes refeição e rezava o terço com eles.

Mesmo com dificuldade na vida, D. Antonia não deixou sua

vivência religiosa, pois – muito sensível à fé cristã e fiel aos

anseios da piedade e oração, sempre disponível aos planos de

Deus – dedicava-se aos necessitados.

O Apostolado era a concretização de sua vida de piedade e

oração.

Em companhia de suas amigas de trabalho dedicava-se, aos

domingos, à catequese em capelas da cidade e arredores. De

tempo em tempo, visitava a cadeia local, levando aos presos o

conforto de suas palavras, com ensinamentos de vida cristã e

algum auxílio material que lhe fosse possível. (CAMARGO,

1979, p. 14)

Por esses fatos concluímos que, a compreensão da caridade e o desejo de se

assemelhar às atitudes de Jesus Cristo e São Francisco são amplamente vivenciados por

Antonia, que nunca deixou de estar do lado dos mais necessitados, como Camargo

descreve muito bem em seu texto.

4.3 Ingresso na Ordem Terceira Secular e a fundação do Asilo Coração de Maria

Antonia após o falecimento do seu esposo começou a fazer parte de um

grupo religioso denominado Ordem Terceira Secular ou Ordem Franciscana Secular

(OFS), como é conhecida até hoje. É uma Ordem fundada por São Francisco de Assis,

no século XIII, para homens e mulheres que vivem em suas próprias casas, no dia-a-dia,

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a espiritualidade franciscana, isto é, o seguimento de Jesus Cristo na pobreza, na vida

fraterna, na oração e no trabalho. Antonia ingressou nesta Ordem em 31 de dezembro de

1895, quando recebeu o hábito religioso, como era costume, e passou a ser chamada de

Irmã Cecília, conforme consta nos livros de registro da referida Ordem de Piracicaba4.

Naquele tempo as pessoas que entravam para uma Ordem religiosa ou Congregação

mudavam de nome, significando que haviam deixado tudo o que era do mundo e

passariam a ser pessoas consagradas a Deus. Mesmo que fossem seculares

denominavam-se Irmãos ou Irmãs.

Enquanto Antônia participou da Ordem Terceira Secular foi eleita primeira

zeladora em 1 de janeiro de 1896, fez profissão no dia 6 de janeiro de 1897,

permanecendo no cargo por seis meses, tendo sido eleita em seguida primeira ministra5

aos 8 de junho de 1896 e em 1899 foi eleita segunda conselheira6. Depois de ter

trabalhado muito na Ordem Terceira, passa definitivamente para o Asilo Coração de

Maria Nossa Mãe (Anexo 1), anteriormente denominado, também, de Asilo de Nossa

Mãe, como servidora incansável dos pobres.

Gostaria de esclarecer a questão dos nomes da Instituição. No início a obra

era denominada Asilo de órfãs7, Asilo de Nossa Mãe

8 ou Asilo Coração de Maria Nossa

Mãe9, mas também algumas pessoas usavam outras expressões similares, porém não

oficiais. A partir da Lei Estadual 1943, de 04 de dezembro de 1952, passa a denominar-

se definitivamente Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, porém no presente

trabalho utilizarei apenas Asilo Coração de Maria ou simplesmente Asilo.

4 O atestado que comprova a entrada de Antonia na Ordem Terceira Secular encontra-se nos livros I e II

do Arquivo da Ordem Terceira de Piracicaba/SP. 5 Ministra era a denominação que a pessoa recebia quando era eleita em Capítulo Geral da Fraternidade

para ser responsável pela Ordem Franciscana Secular por um triênio. 6 Dados extraídos do livro de relatórios da Ordem III de São Francisco de Assis em Piracicaba – p. 9 a 47.

7 Nome expresso na Ata do lançamento da primeira pedra do edifício. O original encontra-se nos

Arquivos Históricos da Congregação (AHC).

8 Essa denominação é do 1º Estatuto do Asilo de Nossa Mãe dedicado ao Imaculado Coração de Maria,

com data de 27/02/1896. O Original se encontra no AHC. 9 Frase escrita na fachada do prédio por sugestão de Frei Luiz. (PEDROSO, 1996, p. 47)

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O Asilo Coração de Maria localizava-se, como até aos dias atuais, na Rua

Boa Morte (Anexo 1). Em 1896 essa rua pertencia à região periférica de Piracicaba,

hoje já faz parte da região central da cidade. Era essa entidade uma obra destinada,

conforme o primeiro Estatuto, logo no primeiro artigo, para “[...] educar e sustentar

meninas desvalidas, órfãs ou não, sem distinção de cor ou de classe” (MARCON, 1992,

v. 4, p. 132). Irmã Cecília ocupou, até 1912, o cargo de Diretora da Instituição ou de

Mãe, como Frei Luiz descreve no primeiro Regimento que elaborou para os membros

do Asilo. (PEDROSO, 1996, p. 47)

Irmã Cecília do Coração de Maria, no dia 6 de janeiro de 1896 em seu

atelier de costura junto com algumas Irmãs da Ordem Terceira Secular teve uma idéia,

verdadeira inspiração, que confiou à sua amiga Rosa Cândida, na Ordem: Irmã

Nazária10

:

Anda em minha mente, Cândida, uma idéia que não sei se será

inspiração ou tentação. Desejava arranjar uma casa onde,

morando com algumas Irmãs Terceiras, pudéssemos, além de

levar uma vida de oração e trabalho, nos dedicar ao apostolado

das almas, auxiliando os nossos capuchinhos em suas

missões11

.

Todas as Irmãs ficaram animadas com a idéia mas não tinham noção de

como iriam concretizar tamanha realização. Certa ocasião Irmã Cecília disse:

Tenho no cofre quatro moedinhas de vintém. Só com elas nada

posso, mas com Jesus e Maria e os quatro vinténs poderei fazer

tudo isso e muito mais, não eu, mas o Coração de Maria. Basta

que eu saiba ser esta a vontade de Deus e não loucura ou

tentação. (CAMARGO, 1979, p. 17)

10

Rosa Cândida recebeu o nome de Irmã Nazária quando entrou para a Ordem Terceira Franciscana. 11

Retirado da Revista dos 75 anos da Congregação, 1975, p. 23 e da Revista dos 40 anos da

Congregação, 1940, p. 8. Encontra-se também no Arquivo Histórico da Congregação (AHC), num

documento mimeografado que não traz nem data e nem assinatura.

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21

Com o intuito de esclarecer a dúvida, Irmã Cecília e suas companheiras

procuraram por Frei Luiz Maria de São Tiago, um padre da Ordem dos Frades Menores

Capuchinhos, que era diretor espiritual da Ordem Terceira, e pediram que as ajudassem.

Após ouvir a inspiração Frei Luiz afirmou: “Nem loucura, nem tentação, minhas filhas,

mas verdadeira inspiração de Deus”12

. Neste momento, Frei Luiz apresenta uma

proposta arrojada e desafiadora, pois diz: “E seja esta casa, que esperam fundar, um

asilo para meninas pobres e desvalidas, órfãs ou não”13

.

A princípio Irmã Cecília, como diziam algumas Irmãs, teve resistência e não

queria aceitar o trabalho de cuidar de meninas órfãs. Entretanto, Frei Luiz encheu-as de

coragem e as encaminhou para o vigário da cidade, para que as autorizasse a pedir

esmolas em benefício da futura casa das órfãs. Pe. Francisco Galvão Paes de Barros

acatando a idéia como inspiração divina concedeu às Irmãs uma lista para que pedissem

ajuda aos paroquianos14

. Nesta lista o padre já cita a doação de dois terrenos para a

construção do Asilo Coração de Maria. (LIMA, 1992, p. 45)

Frei Luiz acaba por determinar o trabalho que as Irmãs deveriam realizar,

mesmo contra a vontade delas, que simplesmente queriam viver uma vida fraterna de

oração, de trabalho, de apostolado e de auxílio às missões dos Frades Capuchinhos.

Irmã Cecília, no início, resistiu em aceitar construir e cuidar de uma Instituição de

meninas:

Esse alvitre encheu Ir. Cecília de indescritível repugnância, não

sentia coragem para começar essa obra de educação da

infância. Mas Frei Luiz sabe impor encorajando. Nem lhes

oculta as inúmeras dificuldades e sofrimentos que adviriam

com toda a certeza, para ficar bem provado ser obra de Deus.

(AQUINO, 1985, p. 2)

12

Retirado da revista dos 40 anos da Congregação, 1940, p. 8. 13

Retirado da revista dos 50 anos, p. 28. 14

O documento original da subscrição dada à Madre Cecília para esmolar encontra-se no AHC e contém

a assinatura de Pe. Francisco, o assunto, a data de 08 de julho de 1896 e 196 assinaturas com as referidas

doações.

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22

Os textos evidenciam claramente que na inspiração de Irmã Cecília não

estava explícita a constituição de uma congregação religiosa, embora implicitamente

nos elementos da inspiração estão as bases para uma vida religiosa: oração, vida fraterna

e trabalho apostólico. Porém a idéia do trabalho educativo é de Frei Luiz Maria. Irmã

Cecília e suas companheiras simplesmente aceitam a proposta e passam a levar adiante,

no intuito de organizar e concretizar o ideal legado pelo fundador.

Em relação à doação do terreno, um relato, porém sem documentação

oficial, mas citada em revistas e livros da Congregação das Irmãs Franciscanas do

Coração de Maria, que conta o fato da aquisição do espaço para construção do Asilo

Coração de Maria.

Um dia, passando pela rua Boa Morte com sua amiga

Mariquinha Morato, na altura onde ficava, nesse tempo, a casa

provisória dos capuchinhos, D. Antônia ficou encantada com

uma bela paineira em flor, do outro lado da rua, e manifestou

que aquele poderia ser um bom lugar para construir o Asilo.

Surpresa, Mariquinha declarou que aquele terreno era de sua

família e que ela teria a maior alegria em conseguir sua doação.

(PEDROSO, 1996, p. 44)

A doação foi realizada e registrada em cartório15

, sendo doadora D. Maria

das Dores Morato e o outorgado é o Asilo Coração de Maria Nossa Mãe, sociedade

beneficente, com sede em Piracicaba e representado por sua Diretora, D. Antonia

Martins de Macedo. (Anexo 6)

Posteriormente Irmã Cecília adquire outros terrenos, a fim de ter espaço

suficiente para construir cômodos necessários ao alojamento das órfãs e das Irmãs16

.

(Anexo 7)

15

A escritura de doação foi registrada no Primeiro Tabelião da cidade de Piracicaba, Estado de São Paulo,

no livro nº 141, à fls. 65 e no livro 171, à fls. 59. 16

Os documentos originais encontram-se registrados no 2º Cartório de Registro de Imóveis, no livro 3-Y,

à fls. 281, sob o nº 40.874; 40.876; 40.877 e 40.875.

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23

No dia 21 de fevereiro de 1897 aconteceu o lançamento da primeira pedra

do Asilo. A Ata foi escrita pelo Sr. Antonio de França Júnior e diz que a cerimônia foi

realizada pelo Pe. Francisco Galvão Paes de Barros e menciona algumas pessoas

participantes17

.

Apenas um ano após o lançamento da pedra fundamental o Asilo é

inaugurado, aos 2 de fevereiro de 1898; porém, algumas alas ainda não estavam

concluídas, mas o primeiro grupo de Irmãs Terceiras: Cecília do Coração de Maria,

Názaria de São Rafael, Virgínia de São Bernardo e Valéria, bem como as duas órfãs:

Maria Joaquina e Odila, e também, os três filhos de Antonia já se instalaram na nova

casa.

Durante a inauguração Frei Luiz Maria fez um discurso solene que expressa

o verdadeiro sentido da Instituição e antecipa o que posteriormente seria expresso e

assumido como carisma18

da Congregação religiosa, constituindo sua identidade. Assim

ele proclama:

[...] que dali em diante, em Piracicaba, as meninas pobres, e

sem mãe não chorariam mais a lágrima da orfandade, pois o

Coração de Maria nossa Mãe, a todas oferecia carinho e

agazalho (sic) maternais. [...] Por isso aquela casa se chamaria

para sempre, Asilo Coração de Maria Nossa Mãe. (As Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, p. 13)

O Asilo era uma construção muito simples e pobre, que existe até aos dias

atuais, tendo passado por muitas reformas, incluindo ampliações e remanejamentos de

salas e espaços. No frontispício do prédio, no dia da inauguração, foi colocado um

quadro do Coração de Maria e na fachada os dizeres: Asilo Coração de Maria Nossa

Mãe. Essa idéia foi de Frei Luiz que disse: “Dia e noite, este dístico atrairá os olhares

17

A ata encontra-se no AHC. É um documento bem antigo e um tanto danificado. 18

Carisma para as congregações religiosas significa o modo de ser, viver e trabalhar de um referido grupo

de pessoas. Expressa a essência da vida religiosa, identifica e diferencia o grupo religioso dos demais

grupos ou congregações.

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24

dos transeuntes, e assim todos, católicos, hereges, indiferentes e infiéis, lendo a

inscrição hão de dizer: Coração de Maria Nossa Mãe”. (PEDROSO, 1996, p. 47)

As instalações do Asilo nos primeiros anos eram bem precárias. Não havia

água encanada, nem luz e poucos móveis. Conta a história que as Irmãs e cada órfã que

chegava usavam lata vazia de marmelada como prato; as alunas andavam descalças e,

como as Irmãs, faziam as refeições sentadas no chão. (PEDROSO, 1996, p. 47)

Lentamente a situação foi melhorando com doações recebidas e muito trabalho das

Irmãs, que ficavam bordando até tarde da noite à luz de lampião, com objetivo de venda

para angariar recursos ao sustento das meninas.

Antes mesmo de o Asilo ficar pronto, Irmã Cecília e suas companheiras se

preocuparam em organizar um Estatuto e constituir uma Diretoria, com reconhecimento

civil. Percebe-se, portanto, que aquelas senhoras sabiam das leis de sua época e eram

cientes de seu dever de cidadania e, certamente, experientes e expertas para se sentirem

seguras naquilo que realizavam.

O primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe é de 27 de

fevereiro de 1896 e foi registrado em cartório no dia 26 de fevereiro de 189719

. Este

documento comprova o que acabamos de dizer acima. As responsáveis tinham clareza

do que estavam fazendo, pois os registros lhes asseguravam a legalidade do trabalho a

ser desempenhado.

Em relação a essa questão, GRACIANI afirma:

O que se percebia, no início do século XX, era um enorme

crescimento da criação de entidades assistenciais para o

atendimento de crianças órfãs, para a atenção aos abandonados

e aos delinqüentes, ligados à Igreja Católica, em duas

modalidades educativas fundamentais: de um lado,

ensinamento moral e, de outro, a preparação para o trabalho.

Nesse sentido, percebe-se a mobilização dos sindicatos em

19

O texto original encontra-se nos AHC, num fascículo com 9 folhas de papel almaço, manuscrito e

assinado de próprio punho pelo oficial de Registro Geral, Joaquim Moreira Coelho.

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25

torno de reivindicações vinculadas à infância e ao trabalho da

mulher, em 1907, exigindo a regulamentação e denunciando a

exploração da mão-de-obra infantil. (GRACIANI, 1997, p.

258)

Os filhos sempre foram uma preocupação para Irmã Cecília, pois eles

davam bastante trabalho e o Asilo não era um lugar adequado para os meninos. Para

resolver essa situação Irmã Cecília procura ajuda; primeiramente deixa João e Antônio

na casa de parentes, posteriormente consegue uma vaga no Liceu Coração de Jesus em

São Paulo, instituição dirigida pelos Salesianos, e os meninos passam a residir e estudar

no referido colégio. Os gastos com os estudos são assumidos pelo Sr. José Estanislau do

Amaral (Revista: As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 15). A

filha Rosa, continua com Irmã Cecília, pois requeria cuidados especiais, devido a sua

deficiência.

Irmã Cecília e suas primeiras companheiras receberam o hábito religioso

aos 30 de setembro de 1900 (Anexo 1). Aos 30 de outubro de 1901 fizeram os votos

temporários de pobreza, obediência e castidade. Ambas as celebrações aconteceram na

antiga capela do Asilo. As celebrações foram presididas por Frei Bernardino de Lavalle,

Comissário Provincial dos Capuchinhos. No dia 20 de maio de 1921 o primeiro grupo

de Irmãs fez a profissão religiosa perpétua20

na Congregação das Irmãs Franciscanas do

Coração de Maria21

(Anexo 1), desse grupo fazia parte Irmã Cecília do Coração de

Maria. Essa celebração aconteceu na Igreja Coração de Jesus presidida pelo Bispo

Diocesano de Campinas, Dom Francisco de Campos Barreto.

20

Na vida religiosa existe uma seqüência na formação, primeiro se recebe o hábito de religioso, depois se

faz a profissão temporária ou simples, isto é, os votos de pobreza, obediência e castidade. Chama-se

profissão temporária porque é feita por um ano, quando chegar ao final deste, faz-se necessário renovar os

votos. A etapa seguinte é a profissão definitiva ou perpétua destes mesmos votos, que é feita

publicamente, dentro de uma celebração própria, onde a pessoa consagra-se definitivamente a Deus, a

serviço de sua Igreja. 21

Dados extraídos do Livro para registro de admissão ao postulado, noviciado e profissão temporária das

Irmãs da Congregação – apêndice p. 1.

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26

Desde a fundação do Asilo, 1898 até 1912, Irmã Cecília, já conhecida por

Superiora Geral – título outorgado a quem exerce o cargo de responsável de uma

Congregação religiosa - ou Mamãe Cecília - como era carinhosamente chamada pelas

crianças e Irmãs (75 anos de presença, amor e serviço – Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria. Campinas, 1975, p. 25) - exerceu o cargo de

Diretora da Instituição e em 1900 de Superiora Geral da Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria. Quando deixou a função de responsável pela

Instituição e pela Congregação religiosa foi designada a residir em Jundiaí/SP, como

superiora do hospital São Vicente.

É necessário esclarecer o título outorgado a Irmã Cecília em alguns escritos

e até mesmo na citação oficial das fontes que fazem parte do processo de canonização,

pois, por determinação do bispo diocesano de Campinas, Dom João Batista Corrêa

Nery, a superiora geral da Congregação deveria ser chamada de Madre Geral. Essa

decisão ficou registrada no livro Atas I de 1898 a 1927 e entrou em vigor dia 22 de

julho de 1912. Neste período Irmã Cecília tinha deixado de ser a Superiora Geral.

4.4 A difícil escolha entre ser mãe e fundadora da Congregação: os anos no Chalé

A partir de 20 de dezembro de 1916 Irmã Cecília passa a residir numa

pequena casa, ao lado do Asilo Coração de Maria, denominada “Chalé”22

(Anexo 1),

junto com sua filha Rosa e a Irmã Maria do Carmo, ficando quase exilada da

Congregação que fundara. Sua transferência para o chalé aconteceu por diversos

motivos, mas o principal foi a carta enviada pelo Bispo Dom João Batista Corrêa Nery,

que propunha à Irmã Cecília só poder receber os filhos, que estudavam em São Paulo,

22

Chalé é a denominação que as Irmãs deram para um pequeno sobradinho ao lado do Asilo. Este imóvel

foi adquirido por Irmã Ignez Meneghetti, no dia 1/09/1913.

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27

da sala de visita para fora, ou então ela se retiraria da Congregação23

, alegando que os

meninos atrapalhavam o silêncio da clausura e provocavam as noviças e internas do

Asilo, não respeitando o regulamento da casa.

Irmã Cecília como boa mãe optou por deixar a fraternidade e as Irmãs e

residir no chalé, para cuidar de sua filha e receber os seus filhos. Mas não se desligou

definitivamente da sua Congregação religiosa. Continuou a sua vida de oração e

vivência fraterna, pois sempre teve a companhia da Irmã Maria do Carmo. (PEDROSO,

1996, p. 84)

Ausente do convívio das Irmãs e órfãs manteve-se sempre muito unida,

jamais deixou de pensar, preocupar-se e rezar por elas, sendo fiel aos seus

compromissos de consagrada. Essa postura revela o domínio de si, a renúncia e a

firmeza de Irmã Cecília. (Anexo 1)

Teve que permanecer no chalé dos 64 aos 95 anos. Suas forças

físicas foram diminuindo. Foi então que, mais do que nunca,

mais do que na luta para ficar solteira e entrar no mosteiro, na

luta para manter um casamento difícil e sustentar três filhos

pequenos, mais do na batalha para construir o Asilo, fundar a

Congregação e abrir novas casas, perder o cargo e agüentar o

“exílio”, ela recebeu o maior chamado de Deus. O de enfrentá-

lo no silêncio e no abandono. E, mais uma vez, esteve à altura.

(PEDROSO, 1996, p. 86)

Irmã Cecília acompanhou todos os fatos da sua querida Congregação

religiosa, alguns com alegria, tais como: votos perpétuos os quais também professou em

1921, mesmo residindo no Chalé; a ereção canônica da Congregação, que aconteceu em

1928; o nome definitivo da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,

em 1931; o Decreto Pontifício de Louvor enviado pela Santa Sé em 1945 à

23

O texto da carta do bispo foi conservado por Irmã Celina Simões no seu caderno de anotações

denominado posteriormente “caderno verde”: “Madre ... cumprimentos. Se a senhora puder conservar os

seus filhos do locutório para fora, poderá ficar em qualquer casa; do contrário, ficará dispensada da

Comunidade, em lugar onde possa recebe-los e cuidar deles”. (LIMA, 1992, p. 9)

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28

Congregação e o início da celebração dos 50 anos de fundação da Congregação. Por

outro lado os sofrimentos também foram inúmeros: a transferência do noviciado para

Campinas/SP, em 1930; a morte de seus dois filhos, Antônio em 1929 e João em 1940;

perde, também, sua companheira dos 28 anos de exílio no Chalé, Irmã Maria do Carmo,

falecida em 1947.

É preciso indicar ainda que em 1940, Irmã Cecília elabora o seu testamento

em que entre outras providências deixa seus bens e os cuidados de sua filha deficiente à

Congregação, evidenciando o vínculo de pertença que se manteve, apesar da provação

imposta.

4.5 O retorno ao Asilo do Coração de Maria e os últimos anos

Aos 07 de abril de 1947, a Superiora Geral Madre Angelina Maria da

Sagrada Face, após consultar Irmã Cecília a acompanha de volta ao Asilo, terminando,

assim, o seu tempo de provação, com quase 95 anos. Mas já se encontrava bem

debilitada sua saúde e, com 98 anos, aos 06 de setembro de 1950 encerra sua caminhada

neste mundo deixando como herança à Congregação, da qual o Asilo Coração de Maria

faz parte, sua filha Rosa, que necessitava de contínuos cuidados (Anexo 5). Rosa veio a

falecer cinco anos após a mãe.

Aos 6 de dezembro de 1956, a Congregação recebeu o Decreto de

Aprovação Definitiva24

outorgado pelo papa Pio XII. A partir dessa data a Congregação

passa a ser de Direito Pontifício, isto é, está diretamente sob a responsabilidade da Santa

Sé Romana.

Antonia Martins de Macedo - Irmã Cecília do Coração de Maria,

finalizando o século XIX e no limiar do século XX marcou o seu tempo e deixou um

24

O documento original encontra-se no AHC.

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29

legado significativo para o povo piracicabano – o Asilo Coração de Maria do qual

falarei posteriormente, e para a Igreja e o povo brasileiro – a Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria, que atualmente se faz presente em sete estados

brasileiros, mantém diversas instituições sociais e de ensino e trabalhos pastorais. A

partir de 2008 iniciou uma frente missionária na África.

Toda sua vida revela a vivência heróica de virtudes evangélicas:

solidariedade, atenção, carinho, delicadeza, ternura e respeito para com as pessoas,

conforme apresenta CAMARGO,

Costumava após o jantar, contar às crianças belas histórias

despertando-lhes a alegria, o amor ao belo, ao útil e ao

agradável. Na festa de santo Antonio, levava-as para a fazenda

pertencente ao Dr. Elias Chaves, onde seu irmão Nhonhô era o

administrador. Zelava também pela saúde delas. (CAMARGO,

1979, p. 31 e 32)

Outro aspecto que merece destaque na vida de Irmã Cecília é sua

sensibilidade às necessidades do outros, sua prudência e atenção:

Irmã Isabel do Sagrado Coração – Mamãe encontrou-a pela

estrada. Tinha 4 a 5 anos e acompanhava uma companhia de

circo. Tão judiada e fraca, o corpo coberto de cicatrizes e

contusões das judiações que sofria.

Temendo que morresse logo, e ficasse mal para o asilo algum

boato de que as meninas morriam de judiação das Irmãs,

Mamãe Cecília, prudente como era, chamou 2 testemunhas

para examinarem o estado da menina na sua entrada. Mas a

caridade venceu e ela sarou e fortificou-se. Então Mamãe

chamou de novo as mesmas testemunhas para atestarem a fé da

verdade. (AQUINO, 1985, p. 23)

Dentro de sua perspectiva religiosa mantinha uma postura de gratidão pelos

bens que recebia, pelos cuidados e atenção a ela dispensados, principalmente nos

últimos anos de sua vida. “Como Nosso Senhor é bom, manda gente para cuidar desta

miserável”. (AQUINO, 1985, p. 43)

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Irmã Cecília foi mulher de iniciativa decidida e de capacidade

empreendedora. Apesar de não possuir formação acadêmica, soube administrar o Asilo

Coração de Maria por 14 anos, enviar Irmãs à Santa Casa de Descalvado/SP, aos 22 de

fevereiro de 1904; e ao Externato Imaculada Conceição, em Descalvado/SP, aos 20 de

fevereiro de 1905, ao Hospital em Jundiaí/SP, em 1º de março de 1906 e a Creche Bento

Quirino, aos 31 de março de 1910.

Irmã Cecília escreve um artigo e publica no Jornal de Piracicaba aos 6 de

junho de 1946, quando ainda se encontra fora da Congregação e está com 94 anos,

solicitando ao povo piracicabano para que ajudem na construção da catedral.

(AQUINO, 1985, p. 65). Esse exemplo vem confirmar que Irmã Cecília sempre atenta

às necessidades da Igreja e da sociedade, não media esforços para participar, contribuir

e suscitar o auxílio da população.

Destaquei algumas posturas de Irmã Cecília - no meu modo de considerar –

verdadeiras virtudes evangélicas, pois julguei de suma importância ressaltar mais

nitidamente a nobreza desse coração feminino. Mulher intrépida, operosa, confiante,

voltada para Deus e para o próximo, como comprovam os textos já mencionados.

5. Biografia de Frei Luiz Maria de São Tiago

Após comentar sucintamente os aspectos históricos da vida de Madre

Cecília, é de fundamental importância destacar aspectos da vida do co-fundador do

Asilo Coração de Maria, Frei Luiz Maria de São Tiago.

5.1 Nascimento e formação

Nasceu na cidade de San Giacomo – Trento, na Itália, no dia 26 de abril de

1862 e recebeu o nome de Benjamim Zucali. O nome da cidade traduzida em português

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é São Tiago. Como vimos no caso de Irmã Cecília, também no ato da profissão religiosa

trocava-se de nome e em algumas ordens religiosas se acrescentava o nome do local de

origem. Benjamim recebeu a denominação de: Frei Luiz Maria de São Tiago.

Aos 15 anos ingressou na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos25

e

tornou-se um frade. Estudou filosofia e teologia nos conventos de Rovereto e Trento –

Itália. Foi um moço muito estudioso, inteligente e com muita clareza e convicção de sua

decisão para a vida religiosa e sacerdotal.

Frei Luiz fez sua profissão temporária no dia 29 de setembro de 1878 e a

profissão definitiva aos 15 de maio de 1883. Ordenou-se sacerdote em 21 de setembro

de 1884, quando tinha apenas 22 anos de idade.

Após sua ordenação dedicou-se ao trabalho missionário popular e,

posteriormente, como professor.

5.2 Vinda ao Brasil

Os frades menores sempre foram reconhecidos pela vida simples, abnegada,

voltados para o anúncio do Evangelho e a defesa dos menos favorecidos: pobres,

doentes, excluídos e marginalizados.

Destacaram-se, também, pela evangelização de novos povos em países

estrangeiros, com intuito de tornar a palavra de Deus conhecida, bem como, revitalizar a

própria Ordem, que havia decaído significativamente entre o século XVIII e XIX.

No capítulo de 1889 dos frades capuchinhos da Província de Trento/Itália,

Frei Luiz é escolhido para fazer parte do primeiro grupo que seria enviado para o Brasil

25

A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos é uma das subdivisões da Ordem dos Freis fundados por

São Francisco de Assis no ano de 1209, na cidade de Assis – Itália. O carisma dos freis é o seguimento do

evangelho de Jesus Cristo, vivendo a minoridade, a fraternidade e sem nada de próprio. A Ordem dos

Frades Menores teve sua última cisão em 1525 a 1528, quando um grupo, desejoso de viver a radicalidade

da proposta franciscana, decide formar um novo seguimento – a Ordem dos Frades Menores

Capuchinhos. É bom ressaltar que este grupo faz parte da primeira família franciscana, pois existe a

segunda, que são das Irmãs Clarissas e a terceira, que é a Ordem Franciscana Secular.

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em missão. Essas missões em terras brasileiras haviam sido solicitadas ainda pelo

governo imperial. Os missionários vinham também com o objetivo de despertar

vocações entre os filhos dos imigrantes.

Os frades de outras províncias e de outras famílias franciscanas já atuavam

em terras brasileiras desde a chegada dos portugueses. Esses missionários, como foi

dito, vinham com uma missão específica, implantar uma província capuchinha e iniciar

seminários para formar novas vocações.

O grupo era formado por dois freis sacerdotes: Felix de Lavalle e Luiz

Maria de São Tiago e dois irmãos leigos: Frei Vigílio de Trento e Frei Caetano de

Pietramurata. O Frei Vigílio contraiu tifo e morreu em alto mar.

Antes de os Frades partirem para a missão, dirigiram-se a Roma para

pedirem a bênção do Santo Padre o Papa Leão XIII, que os abençoou e lhes deu uma

estampa do Coração de Jesus, recomendando que propagassem essa devoção. Frei Luiz

Maria assume em seu coração o encargo de divulgar, também, a devoção ao Coração de

Maria. Ambas as missões foram cumpridas, pois a primeira Igreja que os Frades

construíram em solo brasileiro foi dedicada ao Coração de Jesus e o povo piracicabano

consagrado ao Coração de Maria. Porém a devoção continuou e o Asilo Coração de

Maria e a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, obras co-fundadas

por Frei Luiz Maria recebem o nome da Mãe de Jesus.

Os Frades, ao virem para o Brasil, afastaram-se das terras brasileiras,

passando alguns dias em terras argentinas, por motivo de uma epidemia de tifo; ao invés

de ancorarem no Rio de Janeiro seguiram a Montevidéu. Chegaram finalmente ao seu

destino no dia 6 de outubro 1889.

Bem recebidos pelo Prefeito Apostólico, Fr. Fidélis de Avola,

não encontram nele nenhuma boa vontade em auxiliá-los na

execução do projeto sonhado. A preocupação, não sem

fundamentos, dos missionários que aqui atuavam na Catequese

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33

indígena, nas Missões populares, na substituição de párocos,

era de que a implantação da Ordem confiada aos trentinos

viesse obrigá-los a enquadrar-se na regular observância da vida

conventual ou voltar para a Itália. Um frade do Hospício do

Rio lhes joga em rosto que “não pode nem ver reformadores.

(ZAGONEL, 2001, p. 306)

Após um período no Rio de Janeiro para aprenderem o português, e sentindo

a impossibilidade de realizarem a tarefa que tanto almejavam – fundar um seminário e

uma província, atender os imigrantes italianos, Frei Felix recorreu ao bispo diocesano

de São Paulo, Dom Lino Deodato, pedindo autorização para fundar uma casa em sua

diocese. Este os encaminha a Tietê/SP, com intuito de atender aos imigrantes italianos.

Ao chegarem encontraram algumas dificuldades: o sacerdote da localidade não estava

interessado no trabalho dos frades e os italianos do local não acolheram muito bem a

evangelização dos missionários.

Com o intuito de resolver essa problemática, Frei Felix procurou outros

locais para a instalação do novo convento, encontrando, assim, a cidade de Piracicaba,

que os acolhe e para onde o grupo se transferiu, a partir de 16 de março de 1890.

5.3. Atuação de Frei Luiz em Piracicaba e Taubaté: a Ordem Terceira Secular

O grupo de missionários chegou a Piracicaba e foi morar no Colégio

Assunção, que estava preparado para receber as Irmãs de São José de Chambery, porém

essa residência foi provisória, pois logo adquiriram um terreno com uma casa. Os frades

iniciaram, também, a construção da Igreja Sagrado Coração de Jesus (Anexo 1) e o

convento, que serviria de residência para os frades e casa de formação para as novas

vocações.

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34

O trabalho evangelizador também foi iniciado, através de pregações,

atendimentos aos doentes, catequese, preparação para primeira comunhão e a instalação

de uma pequena escola, da qual Frei Luiz Maria foi o primeiro professor.

O jeito simples, a alegria franciscana e o fervor em anunciar o evangelho

contagiaram a população piracicabana, causando comentários de admiração, como

também críticas severas, gerando posições contraditórias:

[...] Não conseguem entender como podemos viver apenas de

esmola e fazer o que fazemos sem pretender dinheiro... de

maneira que não sei dizer o que seja maior: o entusiasmo dos

brasileiros por nossa conduta ou a consolação dos italianos por

nossa chegada a esta infeliz cidade. (ZAGONEL, 2001, p. 306)

Depois de ouvir, ó frade, a tua prática.

Em linguagem boçal, de lavadeiras,

Recheada de insultos à gramática

E do princípio ao fim cheia de asneiras. (ZAGONEL, 2001, p.

308)

Diante do desejo de expansão da missão capuchinha, outros frades vieram

contribuir para o bom êxito do trabalho: Frei Silvério – da missão de Pernambuco e os

freis: Gregório de Rumo, Mansueto de Valfloriana e Benjamim de Vigo, todos da Itália.

Os capuchinhos estavam animados com os novos trabalhos e com a

possibilidade de, finalmente viverem a observância regular: vida de oração comunitária,

silêncio e convivência fraterna, bem como, a dedicação ao trabalho pastoral: missões,

atendimento a confissões, serviço aos enfermos, pregação de tríduos, novenas, semana

santa, mês de maio e preparação para eucaristia e catequese.

Todos esses trabalhos eram feitos com muito zelo e ardor, sendo tudo

anotado e prestado conta. Após um ano de trabalho, Frei Luiz Maria envia notícias ao

superior da Província em Trento/Itália, como podemos observar através do relatório:

[...] atendi cerca de duas mil confissões, preguei cinco missões

em italiano, catequizei e admiti à primeira comunhão cerca de

setenta crianças, e ainda assisti a muitos doentes”.

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35

“[...] Na escola foram matriculados 130 rapazes, que ficaram

todos juntos até os primeiros dias de agosto, época em que,

com a chegada de novos companheiros, formamos duas

classes, com 61 alunos na dos grandes e 69 na dos pequenos.

Eu fiquei com a classe dos maiores, lecionando quatro horas

por dia. O cansaço, para dizer a verdade, foi enorme, e o

aproveitamento, levando em conta que no primeiro ano nem

tudo estava bem organizado, foi satisfatório. (PEDROSO,

2003, p. 14 e 15)

É interessante destacar que cada frade fazia o seu relatório e além dos

trabalhos realizados apresentavam outros dados, que são fundamentais para se

compreender a vida, os serviços e o contexto em que os missionários estavam inseridos.

[...] De resto, para mim, como para muitos outros, o Brasil não

é muito favorável para a saúde do corpo, tanto pelo clima

ardente como pelas febres freqüentes, os insetos que

atormentam de dia e de noite, e tantas outras coisas: mas não

vou perder a coragem por causa disso, pois acho que esses são

presentezinhos dos pobres missionários. (PEDROSO, 2003, p.

15)

No relatório de 1894, Frei Luiz Maria faz um breve comentário das

dificuldades que vem encontrando, principalmente em seu trabalho pastoral; afirma:

[...] Já faz quatro anos e meio, Reverendíssimo Padre, que parti

de minha amada província de Trento. Nesse tempo tive que me

convencer de que a vida do pobre missionário é uma vida de

sacrifício, tanto pelas contradições, que encontra em toda parte

o exercício do ministério apostólico, como também pelos

incômodos corporais a que se está sujeito [...]. (PEDROSO,

2003, p. 16)

Frei Luiz Maria inicia suas atividades sempre com espírito ardoroso,

devoção inigualável e visão apuradíssima de grandes projetos. Teve a ousadia em

fundar uma escola e lecionar, sendo que mal falava o português.

A foto a seguir é referente à primeira turma da escolinha de 1890. Nela

percebemos o grupo de alunos atendido pelos frades, tanto filhos de italianos como

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36

brasileiros e afros descendentes, o que não era comum para a época. Destaco o carinho

de Frei Luiz Maria com seus alunos, pois a criança que nele se apóia volta o olhar à cruz

da coroa26

que os frades traziam à cintura.

Fonte: Província dos Capuchinhos de São Paulo.

A foto da turma de Taubaté/SP revela a mesma atenção e carinho de Frei

Luiz para com seus alunos, chegando a pegar um em seu colo e o outro se volta para o

crucifixo que o colega segura, não se importando de estarem sendo fotografados.

Percebemos que é algo natural e espontâneo.

Fonte: Província dos Capuchinhos de São Paulo.

26

Coroa é um objeto de piedade parecido com o terço; mas tem 7 dezenas com dez continhas em cada

uma. Serve para rezar a coroa das sete alegrias de Nossa Senhora. Enquanto a coroa das Dores de Maria,

nas dezenas contém apenas sete continhas.

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37

Destaco mais dois aspectos importantes, o primeiro é a posição séria dos

frades e alunos, algo que é muito próprio da época; as pessoas não sorriam para tirar

fotografia. O segundo é a debilidade do Frei Luiz Maria, que apresenta um semblante

bem mais cansado na foto de Taubaté. Ele já está com muitos problemas de saúde, um

dos fatores que o levaram a deixar a missão no Brasil e regressar para sua província.

Frei Luiz Maria residiu por dois períodos em Taubaté/SP, 1892 a 1894 e

1898 a 1902, sendo notório seu incansável ardor apostólico e seu dinamismo de

professor. Também nesta cidade reformou a Ordem Terceira Secular, que estava

desestruturada. No final do século XIX esse movimento encontrava-se em crise. Era

uma organização grande, forte, com pessoas influentes, inclusive ligadas à maçonaria,

que recebiam prestígios, vantagens e gostavam de serem reconhecidas perante a

sociedade e a Igreja.

Com orientações da Igreja de Roma Frei Luiz Maria inicia o trabalho de

reestruturar a Ordem Terceira Secular, mas foi um trabalho que exigiu muito diante das

dificuldades e das resistências. Temos um testemunho de Frei Tiago de Cavêdine, que

afirma:

Quantos casos, episódios, lutas, dificuldades e vitórias não

contava ele com referência aos seus trabalhos... e também das

dificuldades que encontrara na reforma da Venerável Ordem

Terceira segundo a Regra de Leão XIII, pois a fraternidade

estava eivada pelo espírito dos tempos da maçonaria.

(PEDROSO, 2003, p. 42)

Fundou também em Piracicaba/SP a Ordem Terceira Secular. Essa fundação

foi bem diferente, pois aconteceu a implantação do movimento franciscano e foi sendo

estruturada em conformidade com o carisma próprio e as orientações da Igreja. Temos

um testemunho de uma das primeiras Irmãs, que apresenta o caráter primoroso de Frei

Luiz Maria:

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[...] Foi esse dia de grande festa para o povo piracicabano. A

hora aprazada, a Igreja regorgitava de fiéis, quando saíram da

sacristia e prostraram-se perante o santo altar para receber o

Santo Hábito as fundadoras, entre as quais Antonia Martins de

Macedo, que recebeu o nome de Irmã Cecília, e Rosa Candida

de Jesus, o de Irmã Nazária. A seguir fizeram sua profissão as

citadas: D. Benedita e Irmã Virginia. Era o primeiro passo que

se dava pelo surgir da nossa querida Congregação [...].

A vida dos frades, em especial do nosso santo fundador, era um

exemplo vivo que atraia, arrastava após si os Terceiros

Seculares, os quais viviam em contínua porfia, querendo cada

qual ser o mais pobre, o mais humilde. (AQUINO, 1985, p. 1)

A Ordem Franciscana Secular foi um apoio contínuo para os frades e sua

ação evangelizadora, bem como para o Asilo Coração de Maria e a Congregação das

Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, que surgiu posteriormente. Além do incentivo

e da vivência do carisma franciscano, a implantação do movimento demonstra a visão

que os primeiros frades tiveram em relação à participação dos leigos na Igreja.

5.4. Idealizador e co-Fundador do Asilo Coração de Maria

Outra iniciativa de Frei Luiz foi a fundação do Asilo Coração de Maria, no

qual nasceu a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Quando Irmã

Cecília consultou Frei Luiz sobre sua decisão de morar numa casa com outras

companheiras e levar vida de oração, trabalho e auxiliar os capuchinhos na missão, foi

ele que sugeriu a idéia de ser essa casa para crianças pobres, desvalidas, órfãs ou não.

A planta do Asilo foi desenhada pelo próprio Frei Luiz, bem como o

primeiro regimento e horário. É um texto significativo, que revela a organização, a

finalidade e o objetivo daquela comunidade que iniciava uma obra social e uma

observância religiosa - a princípio denominada: Recolhimento.

Todas devem estar prontas para prestar auxílio às Irmãs

conforme o exigir a necessidade ou pedido da Mãe (tradução

direta da palavra Madre em italiano: era Mamãe Cecília).

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[...] À Mãe e às duas Conselheiras pertencerá aceitar

definitivamente as órfãs, como também, excluí-las, porém será

bom e prudente que a Mãe se aconselhe acerca disso também

com as outras Irmãs. Na diversidade de parecer se passe à

votação entre a Mãe e as duas conselheiras.

A Mãe terá dois registros em que assentará, por meio da

Secretária, o ativo e o passivo, em dinheiro, do Asilo. Os

objetos assentar-se-ão em livro particular, com o nome do

ofertante. A Mãe guardará no quarto o dinheiro necessário,

pouco mais ou menos, para uma semana; o mais entregará para

a Irmã Tesoureira, assentando esta, tudo o que receberá e

entregará a pedido da Mãe – à Mãe mesma. A Mãe cada mês

deverá apresentar as contas às duas Conselheiras para que as

examinem e as subscrevam se as acharem justas. A Irmã

Tesoureira, cada mês, deverá dar contas à Mãe.

Guardar-se-á o horário que já está na mão da Mãe, nos

domingos e dias santos, o tempo nos outros dias marcado para

a escola, servirá para exercícios de piedade, para estudo, etc.,

conforme o que a Mãe quiser.

[...] Na escola ensinar-se-á a Doutrina Cristã (História

Sagrada), leitura, contas, etc., caligrafia grande e pequena.

Compor contas (quatro operações), um pouco de canto,

civilidade e trabalho de agulha, de lavar, de engomar e tudo o

que for necessário para uma mãe de família pobre.

(PEDROSO, 1996, p. 47 e 48)

Além de dar as primeiras orientações para o início da Instituição, Frei Luiz

preocupava-se com a sobrevivência e manutenção do grupo, chegando a pedir para ver

as provisões da despensa e trazer doações em gêneros alimentícios.

Quando Frei Luiz deixou Piracicaba, em 1898, continuou acompanhando e

orientando o grupo através de cartas. Relativamente restaram poucas, que se encontram

no Arquivo Histórico da Congregação, pois segundo alguns testemunhos orais das

Irmãs mais antigas, Frei Luiz Maria escreveu inúmeras cartas e muitas não foram

conservadas.

Enquanto Frei Luiz Maria esteve em Taubaté/SP e depois na Itália, Frei

Bernardino de Lavalle e seus co-irmãos continuaram ajudando e apoiando a

comunidade de senhoras - Irmãs Terceiras - que se constituiu em Congregação, presente

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em diversos estados brasileiros e no exterior, dedicando-se à educação, saúde,

assistência social, trabalhos paroquiais e evangelização.

5.5 Outras contribuições significativas de Frei Luiz ao franciscanismo no Brasil

Podemos afirmar, também, que Frei Luiz Maria foi o co-fundador da

Província dos Capuchinhos de São Paulo27

- Procasp - por fazer parte do primeiro grupo

e contribuir imensamente na propagação do espírito franciscano em terras brasileiras e,

incentivar e ajudar na organização do primeiro seminário de formação das futuras

vocações capuchinhas.

Merece destaque a contribuição de Frei Luiz Maria na implantação do

seminário, pois neste período não se acreditava em vocações brasileiras, porém os

primeiros frades não se deixaram levar por essa idéia e apostaram na instituição de um

espaço para formação. O primeiro frade capuchinho foi Frei Serafim de Piracicaba, um

afro-descendente, que fora aluno de Frei Luiz Maria e se ordenara em 1906.

Os conventos de Taubaté e Piracicaba, que foram idealizados e construídos

por Frei Luiz Maria, bem como as escolinhas e as duas Ordens Terceiras Seculares

foram as sementeiras vocacionais da Província, das quais emergiram muitos frades.

O dinamismo e o espírito vigoroso de Frei Luiz Maria deixaram marcas

significativas na vida dos seus alunos e dos jovens que estudavam para serem frades.

Percebemos isso através do testemunho de um dos seus alunos de 1899: José Maria

Assis Pinheiro,

Era uma vez um frade moço, alegre e sobretudo virtuoso,

chamado Frei Luiz. Parece-me vê-lo na direção de um colégio

em que eu me educava.

27

A Ordem se implanta quando estabelece províncias: grupos que têm um território definido onde

formam frades de acordo com a Igreja e a cultura do local. A província de São Paulo foi criada

oficialmente em 8 de dezembro de 1953 e dedicada à Imaculada Conceição. (PEDROSO, 2003, p. 21)

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Frei Luiz era um verdadeiro pedagogo, que sabia associar à

severidade na disciplina um sentimento de ternura quase

maternal!

Uma infração mais grave contra o estatuto colegial era punida

com seu olhar repassado de tão profunda mágoa que o culpado,

arrependido, pedia perdão com o propósito firme de não

reproduzi-la. (PEDROSO, 2003, p. 31)

Frei Luiz Maria residiu apenas 07 anos em Piracicaba (1889 a 1892 e 1894 a

1898), porém conseguiu deixar marcas profundas na vida do povo, principalmente para

as Irmãs Franciscanas do Coração de Maria e Ordem Terceira Secular.

5.6 Retorno à Itália e últimos anos

Frei Luiz Maria por motivos de saúde regressou para Itália em 1902 Anexo

1, p. 147), onde continuou o seu trabalho de professor e guardião28

. Deste período temos

um testemunho de Frei Tiago de Cavêdine, que diz:

Homem preparado e de muita experiência como era, aliava em

si e na sua atividade zelosa um coração humilde, simples e de

uma jovialidade quase infantil. Conosco parecia mais um

colega do que um Superior. O assunto preferido dele, quer no

recreio quer na aula, era sua Missão.

Quantos casos, episódios, lutas, dificuldades e vitórias não

contava ele com referência aos seus trabalhos na fundação do

Convento de Piracicaba, na fundação do asilo Coração de

Maria Nossa Mãe, em lutas contra a maçonaria e protestantes,

assim com também as dificuldades encontradas na reforma do

antigo convento franciscano de Taubaté, as pregações

extraordinárias por todo o vale do Paraíba, a propaganda da sua

devoção particular ao Puríssimo Coração de Maria, e também

as dificuldades que encontraram na reforma da Venerável

Ordem Terceira [...]. (PEDROSO, 2003, p. 35)

Em vários escritos encontramos a sua luta contra a maçonaria e os

protestantes, por isso, apresentarei mais adiante uma reflexão sobre essa problemática e

28

Guardião é o termo utilizado por diversas Ordem religiosas para denominar a pessoa responsável pela

casa e pelas pessoas que ali residem. É aquele que guarda, cuida, zela.

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sua influência no trabalho de evangelização dos frades, bem como, da Igreja de maneira

geral.

Além do seu problema de saúde, que ele mesmo manifestava em seus

relatórios, das adversidades causada pelos que são contra a Igreja, Frei Luiz Maria

sofreu inveja de seus próprios co-irmãos. Frei Bernardino de Lavalle, superior da

missão de São Paulo, escreve para o superior geral uma carta em alemão, em sigilo

absoluto, dizendo:

[...] Ninguém de nós trabalhou e realizou tanto aqui quanto ele.

[...] Tanto zelo e tão incansável operosidade provocou até, e

muitas vezes, depoimentos públicos de admiração dos próprios

inimigos da religião. Infelizmente, porém, este mesmo espírito

empreendedor causou desgostos, aborrecimentos. Além das

perseguições do Inimigo do bem, ele encontrou no próprio

convento, principalmente como guardião, constantes oposições.

Oposições procedentes dos co-irmãos de hábito a quem

faltavam as virtudes, as qualidades, a coragem e a vontade do

Pe. Luiz [...]. (PEDROSO, 2003, p. 61)

Todos esses fatos acentuaram os seus problemas de saúde e, após sofrer dois

derrames, morreu aos 24 de julho de 1910, com apenas 48 anos de idade, mas com uma

vida entregue à grande vocação que recebera – de frade menor capuchinho.

Esse pequeno histórico com traços biográficos de Frei Luiz Maria, termino-

o com a descrição deixada por Irmã Virgínia, uma das primeiras Irmãs da Congregação

das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria:

Da primeira leva de missionários fazia parte o Rer.mo Frei

Luiz Maria de São Tiago, operoso apóstolo, dotado de um zelo

infatigável, energia máscula para o bem, qualidades essas

aliadas a uma jovial benignidade. De estatura midiana,

corpulento, tez morena, farta a negra barba, mantinha

comumente uma postura decisiva, apertando com a mão

esquerda os pés do crucifixo de missionário, enquanto a direita

aberta acima do cordão, introduzia o polegar entre a dobra do

hábito ao mesmo tempo. O olhar espraiava-se além, parecendo

divisar qualquer coisa, lá bem distante. Era voz corrente entre o

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povo que toda empresa em que Frei Luiz pusesse as mãos

vingaria cheia de forças e vida. [...] (PEDROSO, 2003, p. 63)

Essa é a imagem de Frei Luiz Maria, uma pessoa de fé e de genialidade na

arte de evangelizar, educar, transformar e construir.

Os textos citados nos fazem concluir que Frei Luiz Maria foi uma pessoa

incansável, sempre voltado para o bem e em defesa dos mais necessitados. Acreditou no

povo brasileiro, deixou marcas e obras extremamente edificantes.

6. Outros atores que contribuíram na formação e Expansão do Asilo Coração de

Maria

Apresentados os autores principais da fundação do Asilo Coração de Maria -

Irmã Cecília e Frei Luiz Maria, não poderia deixar de mencionar os coadjuvantes, que

são de igual grandeza e importância, pois foram pessoas que ajudaram a estruturar,

organizar e expandir a Instituição, bem como apoiaram, incentivaram e defenderam o

trabalho das Irmãs.

6.1 Os Frades Capuchinhos

Primeiramente os Frades da Província dos Capuchinhos de São Paulo que,

pela ausência do fundador, Frei Luiz Maria, dedicaram-se na continuidade do Asilo.

Merece destaque especial Frei Bernardino de Lavalle29

, então Comissário

dos Capuchinhos, que assume a incumbência de levar adiante aquele grupo de senhoras

que se preparava para se constituírem em Congregação Religiosa. Redigiu Estatutos

Disciplinares e submeteu-os à aprovação do Bispo de São Paulo – Dom Antônio

Cândido de Alvarenga e também orientou-as na elaboração do Estatuto Civil.

29

Bernardino de Lavalle nasceu em 1843 em Wengen, no Tirol austríaco. Foi provincial em Trento/Itália

e quem enviará o primeiro grupo de missionários ao Brasil. Em 1894 torna-se missionário em Piracicaba,

e logo assume o cargo de comissário dos capuchinhos. Morreu em 1930, com 86 anos, em São Paulo. Foi

um homem de visão abertíssima e de uma energia incalculável. (PEDROSO, 1996, p. 55)

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A preparação para a recepção do hábito religioso foi realizada por Frei Félix

de Lavalle e a formação religiosa nos primeiros anos foi assumida por Frei Bernardino.

Durante muito tempo as Irmãs receberam o hábito religioso das mãos de um Frade

Capuchinho dentro de uma celebração solene. Inclusive eu, que agora escrevo essa

dissertação, fiz todas as minhas profissões religiosas dentro de uma celebração presidida

por um Frei Sacerdote Capuchinho.

Após a aprovação dos Estatutos Disciplinares em maio de 1905, pelo Bispo

Dom José de Camargo Barros, as Irmãs puderam realizar o primeiro Capítulo Geral, o

qual foi presidido por Frei Bernardino de Lavalle e Irmã Cecília foi eleita Superiora

Geral, com 14 votos, sendo que as capitulares eram 15, portanto com maioria absoluta.

O segundo capítulo também foi presidido por Frei Camilo de Valda,

delegado por Dom João Batista Corrêa Nery, então Bispo de Campinas/SP – diocese da

qual Piracicaba fazia parte. Irmã Cecília foi novamente reeleita. O terceiro capítulo, de

1912, foi presidido por Monsenhor Antônio Pereira Reimão – sacerdote diocesano - e

Irmã Cecília deixou o cargo de Superiora Geral, sendo eleita a quarta conselheira.

Os Frades Capuchinhos marcaram presença nos principais acontecimentos

da Congregação. Na maioria das vezes pregam retiros para as Irmãs, auxiliam nos

Capítulos Gerais e Provinciais, nas assembléias, enfim, são irmãos que partilham da

vida consagrada na mesma espiritualidade.

Lembramos que, nem todos os frades da época apoiavam a iniciativa

daquela pequena comunidade de Irmãs, que, a princípio se denominou Recolhimento.

Julgavam inútil tão grande esforço, algo que não iria prosperar. Ficou registrado o que

disse um Frade à Irmã Cecília, ao término de uma missa: “Não se alegre muito não,

porque essa obra não irá avante, mas dará tudo em nada, por fim”. (MARCON, 1992, v

4, p. 157)

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6.2 A Ordem Terceira Secular

Também contribuiu expressivamente desde o início - na formação e

expansão do Asilo Coração de Maria - a Ordem Terceira Secular, da qual Irmã Cecília

era membro como conselheira e, depois, ministra por um período. Essa Ordem, como

mencionei anteriormente, foi fundada em Piracicaba/SP por Frei Luiz Maria e segue a

espiritualidade de São Francisco de Assis, optando por uma vida simples, abnegada,

voltada para Deus e dedicada aos mais necessitados.

Fundar a Ordem Terceira foi um testemunho válido da visão

que esses pioneiros tiveram da presença dos leigos nos

movimentos religiosos. Na época, isso era feito com a crença,

expressa pelo Papa Leão XIII, de que os irmãos terceiros

poderiam mudar a sociedade. Eles estavam levantando uma

bandeira contra o espírito, até então reinante, de ser terceiro só

para gozar de benefícios, materiais ou espirituais. (PEDROSO,

1996, p. 42)

Em vários momentos da vida do Asilo Coração de Maria e da Congregação

das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria os Irmãos Terceiros30

se fizeram presentes.

No ato da inspiração de Irmã Cecília, em seu atelier de costura, encontravam-se as

Irmãs Terceiras – Nazária e D. Luizinha (Luiza Josefina de Matos). A última

acompanhou Irmã Cecília para conversarem com Frei Luiz Maria e pedirem a sua

aprovação sobre a idéia de morarem juntas e levarem vida de oração e trabalho

apostólico. Outra Irmã Terceira – Maria das Dores Morato, chamada por Mariquinha,

contribuiu, juntamente com a sua família, na doação do primeiro terreno para a

construção do Asilo. Os demais foram sendo adquiridos pela própria Irmã Cecília.

Sabe-se que Manoel Morato de Carvalho, o doador, ficou em má situação financeira e

teve que vender outros terrenos. (MARCON, 1992, v. 4, p. 122)

30

Irmãos Terceiros é outra denominação dada aos membros da Ordem Franciscana Secular, pois foi o

terceiro grupo fundado por São Francisco de Assis.

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46

Na revista dos 40 anos da Congregação as senhoras: Luiza Josefina de

Matos e Maria das Dores Morato são apresentadas como co-fundadoras do Asilo

Coração de Maria, com Irmã Cecília e Irmã Nazária. As três primeiras foram a São

Paulo pedir a aprovação e a bênção do bispo Dom Joaquim Arcoverde Cavalcante e

expor-lhe tudo aquilo que almejavam fazer. O bispo concedeu autorização para pedirem

esmolas em toda a diocese.

Vários franciscanos fizeram doação em dinheiro ou de material para a

construção do Asilo. Contribuição, essa, que favoreceu poder se inaugurar o Asilo

Coração de Maria um ano depois do lançamento da primeira pedra.

No ato do lançamento da primeira pedra da Instituição, aos 21 de fevereiro

de 1897, a Ordem Franciscana Secular se fez presente, bem como no dia da

inauguração, aos 2 de fevereiro de 1898 (As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,

1900-1940, p. 13). O responsável pela construção do Asilo foi um membro da Ordem

Franciscana Secular, José Perches de Menezes, grande colaborador das Irmãs Terceiras.

É importante ressaltar que as primeiras companheiras de Irmã Cecília que

foram residir no Asilo Coração de Maria, eram todas da Ordem Terceira Secular, Irmãs:

Názaria de São Rafael (Rosa Cândida da Silva), Virgínia de São Bernardo (Francisca da

Silva) e Valéria (Idalina Ferraz). (As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1900-

1940, p. 13)

O traje habitual das Irmãs era o hábito da Ordem Terceira Secular: “vestido

preto, e charpe amplo, também preto, e uma medalha do Coração de Maria pendente de

uma fita azul a qual receberam no dia da consagração [...]” (MARCON, 1992, v 4, p.

153). As Irmãs receberam o novo hábito em 30 de setembro de 1900, data oficial em

que se fizeram religiosas, constituindo-se em Congregação. Nesta data se comemora a

Fundação da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.

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As Irmãs Terceiras pediam esmolas às pessoas da comunidade e da região.

Enquanto Irmã Cecília saía para esmolar nas chácaras e sítios, seus filhos, que moraram

por dois anos no Asilo, eram cuidados por Rosa Cândida de Jesus – Ir. Nazária, na

Ordem Terceira Secular e futura religiosa das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.

As Irmãs residentes no Asilo Coração de Maria, até setembro de 1900,

observavam a Regra da Ordem Terceira Secular de São Francisco, hoje Ordem

Franciscana Secular; possuíam Estatutos Disciplinares com aprovação diocesana e

seguiam um regulamento escrito de próprio punho pelo Fundador Frei Luiz Maria.

Atualmente as Irmãs seguem a Regra e Vida dos Irmãos e das Irmãs da Terceira Ordem

Regular, aprovada em 8 de dezembro de 1982 pelo Papa João Paulo II e possuem uma

Constituição e Diretório próprios.

As colaboradoras da primeira hora – Maria das Dores Morato e Luiza

Josefina de Matos auxiliaram significativamente o Asilo Coração de Maria. Fizeram

parte da primeira Diretoria e das Assembléias, porém nunca residiram na Instituição,

nem ficaram freiras, mas continuaram na Ordem Terceira Secular. Preferiram continuar

em suas casas. Constituíram família e contribuíram para a expansão e manutenção da

nascente casa que abrigava meninas necessitadas de Piracicaba. Na revista dos 40 anos a

primeira, denominada carinhosamente de dona Mariquinha, foi elogiada como: piedosa,

delicada, cheia de cultura e habilidade. A segunda, chamada, também, de dona

Luizinha, recebeu a referência de: calma, dedicada e amante da música. (As Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 13)

Os Irmãos e Irmãs da Ordem Franciscana Secular foram pessoas atuantes na

Igreja, na vida do Asilo e dos Frades Capuchinhos, devido às ações que promovem para

a paz e o bem. Pela sólida formação cristã e franciscana que receberam, são pessoas que

mostraram através do testemunho e da prática, aquilo em que acreditavam.

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Os Irmãos Terceiros foram sempre bons e dedicados amigos da

nascente instituição e a auxiliavam à medida de suas posses,

particularmente os sitiantes e fazendeiros como ainda

atualmente o fazem. (MARCON, 1992, v 4, p. 154).

6.3 Voluntárias e a população de Piracicaba

Não poderia deixar de ressaltar o trabalho e a contribuição de outro grupo de

pessoas que atuaram significativamente na vida do Asilo Coração de Maria - as

senhoras piracicabanas voluntárias.

Denominei-as assim, por serem consideradas pessoas importantes na

sociedade, de grande influência e condições financeiras tais, que puderam auxiliar

grandemente a obra social beneficente e educacional que nascia.

Através do primeiro Estatuto do Asilo, de 1897 e da revista dos 40 anos da

Congregação conhecemos entre outras os seus nomes: Baroneza de Resende, Francisca

Carolina Pinto de Mattos, Maria Rosa Lopes Pinto, Escolástica Morato de Almeida,

Idalina Augusta de Almeida Morato, Ambrozina J. de Almeida Morato, Maria das

Dores Morato, Águeda Sebastiana Pinto de Toledo e Luiza Josefina de Matos. (As

Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 17)

Este grupo de voluntárias foi um esteio na vida do Asilo. Fizeram parte da

organização dos Estatutos e das Assembléias, realizaram bazares beneficentes e venda

de bordados que ajudavam financeiramente a Instituição. Apoiavam a nova iniciativa,

colaboravam nas atividades apostólicas, enfrentando desafios: pois muitas pessoas eram

contrárias às obras e movimentos ligados à Igreja Católica.

Nos primeiros anos, conforme consta do Estatuto de 1897, as mestras, isto é,

as responsáveis pelas meninas eram algumas dessas senhoras chamadas de benfeitoras.

Porém, a partir de 1900, toda a incumbência em relação ao cuidado das órfãs era das

Irmãs residentes no Asilo Coração de Maria e as benfeitoras passaram a colaboradoras

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externas. Faziam pedidos de alimentos, roupas, material escolar e conseguiam condução

para passeios das crianças.

O Asilo Coração de Maria contou, também, com o auxílio da senhora Tatá

Botelho, que foi a primeira professora das Irmãs - um serviço voluntário, não tendo

honorários para a Instituição. A senhora Olímpia, que era irmã da religiosa Nazária e a

senhora Vitória, mãe de Irmã Canuta, também contribuíram na prestação dos seus

serviços voluntários (LIMA, 1992, p. 24). Algumas ajudavam na costura para as

meninas, conserto de roupas ou aulas particulares.

Finalizando, quero destacar a sociedade piracicabana que muito contribuiu

na expansão do Asilo Coração de Maria e até aos dias atuais, quer por órgãos públicos,

quer pela indústria e casa comercial, ou colaborações pessoais, continua auxiliando na

manutenção desta Entidade social, com 110 anos de história e de trabalho no campo da

educação. O povo piracicabano em geral se voltou com carinho, ofereceu seus préstimos

e visitou as internas até 1981, quando se encerrou o Regime de Internato.

Na ata da sessão ordinária das mestras do Asilo, de 10 de outubro de 1899,

consta que a Instituição recebeu uma verba do Governo do Estado de três contos de réis

para o presente ano e outros três contos de réis para o ano subseqüente. (CAMARGO,

1992, v 3, p. 54). Provavelmente alguém influente indicou e fez os trâmites legais para

que o Asilo Coração de Maria pudesse receber o referido benefício.

Um gesto expressivo da sociedade piracicabana é a lista de doação (Anexo

9). O documento foi dado à Irmã Cecília pelo Padre Francisco Galvão Paes de Barros,

para angariarem esmolas. Na lista constam 196 assinaturas e as respectivas doações,

sendo diversas de valor monetário significativo para a época, como por exemplo:

5.000$000 (cinco mil contos de réis).

No enunciado da referida lista, temos a finalidade da Instituição:

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[...] Nós vemos que tantas meninas se perdem por falta de uma

educação moral e religiosa que farão conhecer os seus deveres.

Nesta casa que vão ficar se ensinará a ler, escrever, contas

triviais e trabalhos domésticos, e mormente o catecismo, que é

a base de toda a educação. Deus Nosso Senhor abençoará aos

que contribuírem para tão justo fim. (MARCON, 1992, v 4, p.

124)

Os piracicabanos acompanharam o nascimento e crescimento do Asilo

Coração de Maria em muitos momentos significativos da Instituição: Inauguração,

transladação da imagem do Coração de Maria da Matriz para o Asilo, profissão religiosa

das primeiras Irmãs, datas comemorativas da entidade, aniversário das crianças

(comemorava-se a cada mês) e turmas de catequese. Esses eventos foram marcados por

uma presença expressiva da comunidade, inclusive de autoridade locais – prefeito, juiz

de direito, promotor, médicos e de benfeitores e outras pessoas amigas. (MARCON,

1992, v 4, p. 155)

Todos esses atores de uma forma ou de outra são responsáveis diretos e

indiretos, ou seja, participaram da formação e atendimento de milhares e milhares de

crianças e adolescentes beneficiados nestes 110 anos de caminhada. O mérito desse

trabalho de assistência social, educação e sobretudo, de evangelização cabe a todos.

Conforme apresenta a citação de Eclesiástico, “seus nomes duram através

das gerações”, é possível concluir que os gestos, as atitudes e a própria vida desses

homens e mulheres marcaram a história de muitas pessoas, portanto os seus feitos

permaneceram e poderão ser rememorados.

Na próxima parte do trabalho explicarei a influência da proposta franciscana

na prática educativa do Asilo, mas principalmente nas vivências cotidianas das

primeiras religiosas e das alunas internas e como essas vivências marcaram a educação

das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.

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51

Capítulo II

A proposta franciscana de educação no contexto de fundação do

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe

Onde há caridade e sabedoria, não há medo nem ignorância.

Onde há paciência e humildade, não há ira nem perturbação.

Onde à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza.

Onde há paz e meditação, não há nervosismo nem dissipação.

Onde há misericórdia e prudência, não há prodigalidade nem

dureza de coração. (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 69 e 70)

1. Influência do Franciscanismo no contexto histórico do Asilo Coração de Maria

Nesta parte da dissertação abordarei a presença franciscana no Brasil, mais

particularmente dos capuchinhos trentinos que vieram com intuito de instalarem uma

província em terras brasileiras. Destacarei alguns dos trabalhos realizados pelos frades,

sendo que um deles resultou na fundação do Asilo Coração de Maria.

Ressaltarei a influência da proposta de educação segundo os princípios do

franciscanismo, que marcou consideravelmente a estrutura, a organização, o perfil e a

proposta educacional do Asilo.

1.1 Os Capuchinhos no Brasil: especificidades de sua atuação no século XIX

Os capuchinhos estão no Brasil desde 1612, através da Província de Paris e

se estabeleceram no Maranhão. A partir de então, outros frades de outras províncias

também fizeram parte da história deste país; influenciaram significativamente o trabalho

evangelizador, catequético, principalmente aos povos indígenas e posteriormente

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atendendo aos imigrantes. Estão normalmente junto ao povo simples e pobre

desenvolvendo obras assistenciais e de educação.

No início, como foi mencionado anteriormente, os frades eram missionários

da “Propaganda fide”, uma ação de propagação da fé católica aos povos, portanto não

constituíram província em terras brasileiras.

A presença dos capuchinhos da Província de Trento – Itália é mais tardia,

não por opção dos frades, mas porque o governo do Brasil Imperial proibia a abertura

do noviciado. Essa postura não era boa para as Ordens religiosas, pois indicava uma não

continuidade da formação de novas vocações.

O Governo Imperial chegou a realizar pedidos para que os capuchinhos

viessem para as Províncias do Sul. Uma carta de 11 de maio de 1889, afirmava:

Os serviços dos capuchinhos no Brasil têm sido de tal valia que

o governo não cessa de instar pela vinda de novos

missionários, não hesita em fazer as necessárias despesas e em

manter os respectivos hospícios, e é certo que sem esses

religiosos será impossível prosseguir na quase abandonada

catequese dos índios.

Assim cumpre-se a Vossa Paternidade que no Brasil não há lei

que haja alterado ou renovado o direito que têm as Ordens

Religiosas de admitir noviços e de professarem estes a Regra

para que sintam vocação e finalmente que não está dentro da

competência do Governo fazer alteração nesta matéria. Deus

guarde Vossa Paternidade. (BERTO, 1989, p. 4 e 5)

No presente texto percebe-se nitidamente a intenção do Governo Imperial

resolver o problema com os nativos. A catequização era uma forma de deixá-los mais

dóceis e receptíveis às leis do império. O governo imperial permitiu pela primeira vez a

abertura de casas de formação31

. O pedido foi feito pelo Ministro das Relações

Exteriores, Ferreira Viana, que era um membro da Ordem Franciscana Secular.

Porém, os objetivos dos capuchinhos eram outros:

31

A proibição da abertura de casas de formação religiosa era de 30 de janeiro de 1764. Um decreto do

ministro Marquês de Pombal. (MIRANDA, 1976, p. 92)

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- a faculdade apostólica de instalar-se canonicamente no

Império do Brasil, onde, até agora os capuchinhos se

estabeleceram apenas como missionários;

- abrir Escola Seráfica e Noviciado...

- receber noviços ao hábito e à profissão...

- fundar casas e conventos regulares, sujeitos ao Ministro Geral

e ao Provincial de Trento. (BERTO, 1984, p. 8)

Além destes objetivos, a Igreja está no auge da romanização dos povos, um

movimento conhecido como ultramontanismo, que desejava atrair os fiéis à sede da

Igreja, implantado costumes, devoções, festas religiosas próprias da cultura européia.

Os ultramontanos têm como eixo principal do seu pensamento a

Igreja institucional, estabelecida nos moldes tridentinos e

fortalecida em sua posição antiliberal durante o século XIX. Na

perspectiva ultramontana prevalece o conceito da Igreja

universal, mas cuja unidade está centralizada na Sede Romana:

trata-se, portanto, de um universalismo comandado por Roma, a

partir do qual tendem a ser diluídas as características próprias

das Igrejas locais. (AZZI, 1994, p. 72)

Com certeza os frades estavam imbuídos dessas idéias e as implantaram nas

missões, pois era uma determinação da Igreja trazer novamente todos os fiéis para o seu

redil. Sendo assim, as festas, novenas, celebrações, procissões e outros costumes

europeus vão substituindo as devoções coloniais. Os maiores propagadores do

catolicismo ultramontano em terras brasileiras no início da República são os religiosos

vindo da Europa.

É bom relembrar que no Brasil Império a Igreja do Brasil estava atrelada ao

Estado e a religião oficial era a católica. Neste período houve muitos abusos, os padres

tinham muitos privilégios e não serviam de exemplo para suas comunidades pastorais.

A Igreja passa por turbulências e enfrenta um tempo de decadência.

Aos 6 dias de outubro de 1889 o primeiro grupo de frades trentinos chega ao

Brasil. Os religiosos encontram uma igreja precária: má formação do clero, padres

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exercendo ofício no governo, não vivência do celibato, pouco trabalho pastoral e de

evangelização e um território imenso e uma enorme população para ser atendida e

catequizada, porém com poucos recursos. Mas este cenário não diminuiu o ardente

desejo daqueles missionários de formarem excelentes comunidades e ampliar o Reino

de Deus nestas terras.

Penso que é de suma importância transcrever o contexto sócio-eclesial

brasileiro descrito por Frei Félix em 1891:

Pela falta de padres, o povo humilde do interior, que constitui a

maioria, nasce, vive e morre sem jamais ter visto um ministro

de Deus. A parte mais culta terá maiores conhecimento

literários e científicos, mas, em questão de conhecimento

religioso, está mais ou menos no mesmo nível da classe

inferior, senão mais baixo [...]. Nem sequer nas igrejas há

instrução religiosa, pois aos domingos há uma só missa pelas

onze horas, ficando as igrejas fechadas o dia todo, como em

dias de semana. As exceções são raríssimas. Daí há 330 lojas

maçônicas. Daí derivam também os concubinatos, etc. Dessa

ignorância, o imoderado interesse se torna o ídolo predileto dos

ricos e fonte de sangrentos e vergonhosos crimes de

vagabundos e encabrestados. Talvez seja esse interesse ou

ambição o principal obstáculo às vocações religiosas, pois, os

principais aspirantes ao Colégio Seráfico são desviados do seu

intento pelos próprios pais. E assim, dos 10 rapazes, entre os

160 alunos que no ano passado mostravam toda boa vontade de

entrar pra o Colégio Seráfico, agora são apenas 4 e todos

europeus: 3 trentinos e 1 alemão. (ZAGONEL, 2001, p. 309)

Percebemos no texto a grande presença da maçonaria, que difundia com

força as suas idéias anticlericais, especialmente contra o clero estrangeiro acusado de

propagar a cultura européia, enriquecer-se à custa do povo brasileiro e alienar as pessoas

com suas concepções de pecado e de um Deus que vigia e castiga qualquer ato contrário

à religião e aos bons costumes.

Além desta dura realidade da Igreja brasileira, os frades chegaram num

período de transição, pois a monarquia caiu e em seu lugar surge a República, com suas

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idéias liberais, um estado leigo e contrário ao espírito e à educação religiosa. A

princípio os frades não perceberam as mudanças. Não receberam auxílio financeiro que

a monarquia havia prometido, mas, também, não sofreram represálias na realização da

missão.

A Igreja, com a implantação da República, perdeu muito espaço e diversos

privilégios, não ocupando um lugar de destaque na participação política. O que passa a

ser mais valorizado é o laicismo nas diversas estruturas da sociedade: educação,

política, cultura, valores éticos e morais. A nova ordem vigente prioriza a liberdade e o

liberalismo.

Objetivando modificar essa postura amplamente difundida, a Igreja numa

atitude opositora inicia diversas associações católicas, tais como: Confraria do Sagrado

Coração de Jesus, Apostolado da Oração e até mesmo a Ordem Franciscana Secular,

apesar de ser uma instituição anterior ao surgimento da República e mesmo do

descobrimento do Brasil. Tais associações têm como objetivo manter os fiéis ligados à

Igreja e ser um empecilho às idéias dos liberais e dos socialistas.

Neste período de transição, tanto a Igreja quanto os que são contrários a ela

apresentam uma visão muito forte e negativa dos dois lados, dificultando a noção real

da situação. Percebe-se um extremismo muito acentuado. A Igreja acusa o Estado leigo

como sendo o culpado das maiores atrocidades e por sua vez, o Estado não concebe

mais o poder centralizador e alienador da Igreja.

Parece estar o inferno em peso desencadeado e solto,

desesperado contra a Igreja, atacando-a nos paroxismos de uma

raiva que talvez nunca se viu o triste espetáculo em países

católicos. (ZAGONEL, 2001, p. 301 e 302)

Em todos esses movimentos rurais existe uma tônica constante:

a condenação do regime republicano pelo seu caráter leigo,

imposta sob a influência do positivismo e do liberalismo.

Essa mentalidade estava em plena sintonia com a pregação que

muitos clérigos ultramontanos vinham fazendo desde as

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últimas décadas do período imperial. De certo modo pode-se

mesmo dizer que essa atitude de condenação da República era

um eco da própria postura oficial da Igreja do Brasil. (AZZI,

1994, p. 91)

Toda essa problemática passa a atingir diretamente a atuação dos frades que

com o tempo recebem críticas severas, tanto pessoalmente como através do jornal. Os

opositores da pregação e dos trabalhos dos frades não se calaram diante da renovação

das práticas religiosas realizadas pelo grupo de missionários e atacavam com

veemência. Temos um texto que diz:

Fundada a Ordem III, o mesmo pasquim não poupava os

pobres Irmãos chasqueando-os por andarem vestidos de saias,

chamando-lhes de “fanáticos discípulos de um fanático” e

ameaçando-os caso quisessem apresentar-se na rua vestidos de

tal maneira... (PEDROSO, 2003, p. 42)

A Ordem Franciscana Secular fundada por Frei Luiz passa a ser um esteio

na vida dos frades, ajudando na evangelização, apoiando as iniciativas, realizando

trabalhos; inclusive de construção, fazendo arrecadações para manutenção dos frades,

entre outros.

Percebe-se por meio de diversas iniciativas que os frades capuchinhos

trazem um frescor e um dinamismo à fé católica e uma das marcas mais significativas,

segundo a minha interpretação, é o trabalho voltado aos mais necessitados: início da

escola para meninos pobres, fundação da Ordem Franciscana Secular, que iniciou três

atividades significativas: Asilo Coração de Maria - que trabalhava com educação de

meninas pobres e abandonadas; Asilo Santa Isabel e o Asilo de Velhice e Mendicidade

(BERTO, 1984, p. 45); fundação do seminário São Fidélis em Taubaté/SP e

posteriormente transferido para Piracicaba, visando à formação de sacerdotes.

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O início de todas essas obras sociais tem uma intenção bem definida: formar

o povo dentro de uma religiosidade com valores morais, respeito a Deus, observância

fiel às determinações da Igreja e aceitação da própria condição de vida. Outro aspecto

interessante é que ninguém olhava para esse grupo de pessoas excluídas e

marginalizadas da sociedade. Portanto, as instituições religiosas principalmente as

franciscanas, na maioria das vezes, defenderam e auxiliaram os menos favorecidos.

A proposta franciscana de educação apresenta uma grande flexibilidade e se

adapta com mais facilidade no atendimento à criança, à maneira como os frades se

adaptam às realidades mais adversas, à compreensão que possuem da pessoa e da

natureza, o despojamento, a vida simples e abnegada fazem uma enorme diferença no

trabalho que realizam.

Nesta perspectiva, a educação passa a fazer parte da missão dos frades no

início do trabalho em terras brasileiras. Em quase todas as cidades em que iniciaram

uma atividade pastoral, abriram também uma escola: Piracicaba, Taubaté, Penápolis,

Birigui e São Paulo.

Destacarei em seguida, algumas dimensões da proposta franciscana no

campo da educação, mas gostaria de encerrar esse tópico com uma parte do artigo

publicado no Jornal de Piracicaba, aos 16 de abril de 1950, por ocasião do sextuagésimo

aniversário da chegada dos frades trentinos ao Brasil. Esse artigo revela um pouco da

vida, da obra, das iniciativas e da missão dos franciscanos.

[...] Dizer o que têm sido estes sessenta anos de apostolado

realizado pelos queridos capuchinhos seria relatar toda uma

série de sacrifícios, de renúncias, de trabalho pertinaz e de

vitórias esplêndidas, conquistadas pelos franciscanos.

O exemplo de sua vida humilde, de trabalho profícuo em prol

da coletividade vem calando profundamente no espírito de

gerações de católicos em nosso município, que é percorrido em

toda a sua extensão pelos discípulos do santo de Assis. Onde

quer que se faça sentir a necessidade de um conforto espiritual,

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por mais penosa que seja a missão, lá estará presente o

capuchinho, sempre solícito, bondoso e afável.

No setor educacional, centenas de jovens receberam instrução e

educação por intermédio dos frades franciscanos; no âmbito da

caridade, ei-los a socorrer os pobres, a fundar asilos e abrigos,

a pregar a solidariedade humana, sempre com blandícia e com

compreensão. [...] (BERTO, 1984, p. 93)

2. Proposta Franciscana de Educação

A reflexão das dimensões da proposta franciscana de educação foi pautada

no livro de MERINO: Humanismo Franciscano – Franciscanismo e Mundo atual e

SILVEIRA e REIS: São Francisco de Assis – Escritos e biografias de São Francisco de

Assis – Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. Esse último livro

é considerado também, as Fontes Franciscanas, isso é, uma coletânea de biografias,

hagiografias e escritos. É um dos textos mais completos sobre franciscanismo.

O Franciscanismo, desde sua origem, apresenta um jeito de viver e de ser

que restabelece a dignidade do ser humano e faz com que este ocupe seu devido lugar

no cosmo e na sociedade. Difere de outros modelos da época, quanto ao conceito e à

formação da pessoa.

Na visão Franciscana, todo ser humano, em seu agir e pensar expressa Deus.

Não como alguém que manipula, condiciona ou aliena; a dimensão libertadora,

humanizante é fraterna e possibilita um olhar transparente, um convívio humanitário,

benévolo e afável entre os semelhantes.

O Fundador dessa proposta, São Francisco de Assis, viveu essa experiência

intensamente; por isso sua vida foi marcada por encontros consigo mesmo, com os

irmãos, com Deus e com a natureza, tornando-se um espelho e um exemplo para todos.

Alguns comportamentos de Francisco caracterizaram a antropologia

específica da Escola Franciscana:

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- Presença – o outro merece o seu todo;

- Relação – tudo era importante, válido e interessante;

- Encontro – estava sempre buscando a plenitude;

- Acolhida – mantinha uma profunda vivência fraterna com todos;

- Olhar – olha a todos como irmãos;

Seguindo a perspectiva de MERINO, a relação de Francisco com o

transcendente, com o ser humano e com as demais criaturas desdobra-se numa

dimensão de comunhão, de paz, diálogo e acolhimento, dimensão de liberdade, de

serviço humilde e gratuito, dimensão da ludicidade, levando-o a uma confraternização

cósmica e de respeito. Todas essas dimensões foram amplamente vividas antes de serem

tematizadas.

2.1 Dimensão de comunhão entre o ser humano e as criaturas

[...] convidava com muita simplicidade os trigais e as vinhas, as

pedras, os bosques e tudo que há de bonito nos campos, as

nascentes e tudo que há de verde nos jardins, a terra e o fogo, o

ar e o vento, para que tivessem muito amor e fossem

generosamente prestativos.

Afinal, chamava todas as criaturas de irmãs, e de uma maneira

especial, por ninguém experimentada, descobria os segredos do

coração das criaturas, porque na verdade parecia já estar

gozando a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. (SILVEIRA;

REIS, 1996, p. 236)

Segundo Celano32

, o primeiro biógrafo da vida de São Francisco, a

comunhão entre o ser humano e as criaturas é vivida por Francisco e seus

companheiros. A relação é de fraternidade, de convivência harmoniosa e de serviço, isto

é, utiliza-se a natureza para a sobrevivência dentro de um equilíbrio natural, sem

destruição, pilhagem e saques.

32

Frei Tomás de Celano entrou na Ordem de São Francisco e escreveu a primeira biografia do Santo de

Assis, a pedido do Papa Gregório IX, em 1229. Escreveu também a Vida II de São Francisco, Tratado dos

Milagres e Legenda para ser usado no coro.

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O ser humano não é superior e nem inferior às demais criaturas, mas um

entre elas, gerando um relacionamento de cumplicidade, de necessidade e de irmandade.

Na compreensão contemporânea as coisas criadas existem para ser

exploradas em proveito próprio, são inferiores ao homem e deve-se tirar o máximo de

proveito para gerar lucros altíssimos. Percebe-se uma falta de consciência ecológica e

um não comprometimento com o planeta terra, que é a casa do próprio homem. Tudo

acaba tornando-se descartável e o ser humano se acha no direito de manipular, explorar,

destruir, enfim, fazer-se dono.

Na perspectiva franciscana é diferente, o ser humano é parte integrante de

toda a criação, o mundo é sua casa, portanto há uma reciprocidade, um cuidado, um

respeito e uma harmonia muito grande. Surgem relações de fraternidade e benevolência

numa dependência recíproca, para se viver em paz.

A natureza é um convite de louvor para o franciscanismo, pois é uma

expressão da liberdade, da simplicidade, da beleza e da magnificência do Criador. Com

ela todo o ser humano deveria aprender a viver segundo os princípios pelo qual foi

criado: amar, servir, alegrar e doar-se, numa profunda atitude de gratidão e reverência.

2.2 Dimensão da paz, diálogo e acolhimento

O período da história em que viveu Francisco é um período de conflitos,

tanto na sociedade: nobres, burgueses e camponeses, quanto na igreja: clero, grupos de

penitentes itinerantes e fiéis.

Francisco pertencia à burguesia e participou ativamente dos conflitos,

inclusive foi à guerra defendendo o interesse do Papa, mas, abandonou a vida do século

para viver livremente pelo mundo; quis seguir Jesus Cristo pobre. Não almejou uma

revolução social, política, econômica ou religiosa; deixou sua influência e seu estilo

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original e independente de servir e amar a todos. A amplidão do olhar de Francisco

abarca todas as categorias sociais, propiciando uma atenção particularizada, conforme

as necessidades existenciais de cada um.

Conforme consta na Legenda Maior de São Boaventura33

, (SILVEIRA;

REIS, 1996, p. 524) Francisco, vários anos depois de sua conversão, vai em plena

guerra à Síria ao encontro do Sultão, com o intuito de oferecer a própria vida para que a

paz aconteça. Francisco ao passar pelas tropas inimigas é preso e levado ao Sultão.

Através de um breve diálogo, o chefe dos exércitos fica admirado com o espírito

benévolo do pobre de Assis que decide libertá-lo.

Nesse exemplo percebemos a vitalidade do franciscanismo, o desejo da

construção de uma sociedade pacífica, onde todos possam perceber que são irmãos e

que se faz necessário olhar para os que são desprezados e excluídos, conforme descreve

a regra: “[...] mas sejam mansos, pacíficos, modestos, afáveis e humildes, tratando a

todos honestamente, como convém”34. (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 134)

Francisco foi um pregador incansável da paz, capaz de reconciliar políticos,

classes sociais, famílias e membros da própria Igreja, pois seu objetivo era reconciliar o

ser humano com Deus35

.

Os franciscanos não viveram apenas a dimensão religiosa, mas também a

dimensão social e política; para eles o amor de Deus se traduzia em amor aos homens; e

33

São Boaventura, doutor da Igreja, escreveu a biografia que foi oficial por muitos séculos, denominada

Legenda Maior, que foi concluída em 1263. Escreveu, também, a Legenda Menor, que é um resumo da

primeira, para os frades lerem no coro. 34

O texto é extraído da Regra Bulada, que foi aprovada pelo Papa Honório III (1223). A Ordem possui o

pergaminho original em Assis. É a Forma de Vida dos Frades Menores, desde 1223. 35

“Louvado sejas, meu Senhor, pelos que perdoam por teu amor, e suportam enfermidades e tribulações.

Bem-aventurados os que as sustentam em paz, que por ti, Altíssimo, serão coroados”. (SILVEIRA; REIS,

1996, p. 72).

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tanto a fé36

quanto a mística37

estão intimamente ligadas à vida social, cultural, política

e histórica.

Francisco não foi apenas um reformador social, pois suas idéias e atitudes

influenciaram também na gestação da democracia.

O pobre de Assis não fez uma opção de classe menosprezando a outra, mas

quis ser pobre como Cristo, portanto foi livre não pertencendo à hierarquia da Igreja –

num tempo em que essa hierarquia era efetiva expressão de poder temporal e político -

optando por ser simplesmente filho da Igreja e livre para amar todos os irmãos.

Na dimensão da paz há também a concepção da formação da pessoa –

educação – que no franciscanismo não acontece no isolamento e no individualismo, mas

na convivência, na pertença, na fraternidade.

Bem-aventurado o servo que ama ao seu confrade enfermo, que

não lhe pode ser útil, tanto como ao que tem saúde e está em

condições de lhe prestar serviços. Bem-aventurado o servo que

tanto ama e respeita o seu confrade quando está longe como se

estivesse perto nem diz na ausência dele coisa alguma que não

possa dizer na sua presença sem lhe faltar à caridade.

(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 69)

Para o cultivo da paz, do diálogo e do acolhimento faz-se necessário o pleno

exercício da convivência fraterna, que é observado, mesmo estando distante da pessoa; é

uma atitude e um modo de ser fundamental na proposta franciscana.

36

“Para a bíblia, a fé é a fonte e o centro de toda a vida religiosa. Ao plano que Deus vai executando no

tempo deve o homem responder pela fé. A palavra apresenta dois pólos: a confiança que se presta a uma

pessoa “fiel” e engaja o homem todo inteiro; e, doutro lado um procedimento da inteligência à qual uma

palavra ou sinais possibilitam acesso a realidades que não se vêem.” (LÉON-DUFOUR, 1972, p. 336 e

337) 37

A definição de mística que melhor condiz com a proposta franciscana aqui apresentada é: “Diante do

mistério que o transborda, o homem expressa sua incapacidade de falar pelo silêncio, pela mística: quer

designar realidades secretas da ordem religiosa e moral. Mística vem do grego myo = fechar os olhos ou a

boca: para não ver o segredo e para não revelar nada. O silêncio é saudável. Na linguagem do amor, feita

de palavras e de silêncios, nós nos movemos num modo de falar que pode parecer impreciso para quem

não descobriu a precisão da arte, tão carregada de força e de verdade. Nela, o homem se ajoelha para

recolher as riquezas do mistério. Celebra-o. Quando o mistério é muito grande, adora. Mas não foge do

mistério, vive dele”. (PEDROSO, 2009, p. 7)

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2.3 Dimensão de liberdade

Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente

meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos

libertará. (Bíblia de Jerusalém, 2003, p. 1865)

Um dos aspectos mais evidentes do ser humano é a busca da liberdade. E a

vida é essa constante busca e uma luta resistente contra a própria escravização e

manipulação.

Para ser livre precisa querer, ter esperança e buscar a liberdade, canalizando

toda a vitalidade num processo de purificação e criatividade. É preciso despojar-se de si

mesmo, ser senhor de si e não deixar-se conduzir ou manipular. Faz-se necessário ter

uma liberdade crítica para não cair em uma falsa e enganosa liberdade.

Para Francisco a pobreza é um dos caminhos para a liberdade. Não só uma

pobreza na dimensão econômica, mas também na dimensão antropológica e existencial.

Pois o não possuir em qualquer dimensão alarga horizontes, seja nas relações sociais ou

espirituais e amplia a sua compreensão de fraternidade.

Francisco faz o processo de ruptura com todas as formas de dependência,

poder, submissão; torna-se cada vez mais dependente do absoluto, já que Deus é a

própria liberdade.

Um dos exemplos mais contundentes dessa sua postura é o rompimento com

a família:

Agora poderei dizer livremente: Pai nosso, que estais nos céus,

e não meu pai Pedro Bernardone, a quem devolvo não só o

dinheiro mas também toda a roupa. Irei nu para o Senhor.

(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 295)

O caminho da liberdade para o franciscano é uma vida simples, despojada e

pobre, para se conquistar a liberdade e para a vivência do fundamental – Deus.

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Mas, desde os primórdios da humanidade a pessoa não consegue equilibrar

o ser e o ter e normalmente, o ter sufoca e anula o ser.

O ter não está apenas na dimensão material, mas nas diversas dimensões do

homem: social, afetivo, psicológico e espiritual. O ser e o ter são dois modos

fundamentais da experiência humana, isto é, são potencialidades da natureza humana.

A dinâmica realizada por Francisco foi a de usar das coisas sem possuí-las e

sem se deixar possuir por elas - o que o tornaria um escravo - portanto perderia a

liberdade.

Com isso percebe-se uma nova forma de estar no mundo, uma forma

fraterna, cujo fim último é Deus, criador e Senhor de tudo, mas sem se apossar de nada

até ao ponto de entregar o seu próprio Filho para libertação da humanidade.

O conceito de liberdade está um tanto longe do seu real significado, mas

através da Escola Franciscana resgata-se esse conceito, afirmando que é a expressão da

forma perfeita de existência, na qual o ser humano intervém como ele é, por meio da

reflexão que vem do entendimento, com a autodeterminação que vem da vontade e com

suas mais variadas limitações e ambigüidades.

A visão de liberdade na Escola Franciscana envolve o ser humano em sua

amplitude: entendimento, vontade, afetividade, corporeidade e sociabilidade, na

convicção de que tudo é recebido gratuitamente do Criador e a cada ser cabe acolher,

buscando realizar em plenitude a própria existência.

Como diz o Evangelho de São João, um dos caminhos para se conquistar a

liberdade é a fidelidade à verdade e esta só se adquire na coerência entre fé, razão e

vida.

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2.4 Dimensão do serviço humilde e gratuito

E os irmãos que forem capazes de trabalhar trabalhem; e

exerçam a profissão que aprenderam enquanto não prejudicar o

bem de sua alma e eles puderem exercê-lo honestamente.

(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 146)

Nos escritos de São Francisco e na Escola Franciscana não há um tratado

específico sobre o trabalho, mas há alguns escritos e, sobretudo, a própria atitude de

Francisco muito o valoriza e apresenta-o como graça, como uma possibilidade de fazer

o bem, de sustentar-se e ajudar a sustentar a fraternidade. É seguir a dinâmica de Deus

que é um trabalhador, que cria e recria a vida a cada instante, e a todos nos sustenta e

conserva.

Na época de Francisco ainda existia a visão de trabalho como escravidão,

entretanto o poverello de Assis condena esse modo de ver e igualmente a ociosidade.

Reconhece o trabalho braçal e doméstico como dimensão humana.

O trabalho tem o sentido da pobreza, do despojamento e do serviço simples

e honesto. Também era uma forma de ajudar os mais necessitados.

Todas as ações são consideradas trabalho para os Franciscanos: orar, pregar,

evangelizar, conviver, fazer algo para sustentar-se, cuidar dos irmãos, estudar, trabalhar

com as mãos e outros.

Os primeiros franciscanos realizaram trabalhos simples: cuidavam de

leprosos, reconstruíam igrejas, trabalhavam no campo, na cozinha, cuidavam das

Igrejas, mas eram atividades úteis e honestas. Essa atitude ajudava-os no cumprimento

fiel da própria vocação.

No Franciscanismo o trabalho não é voltado para o lucro e muito menos

coisifica o homem, é uma ação mediadora da fraternidade com o mundo social e

essencialmente humanizante.

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66

A partir do Renascimento se instaurou a visão humanista, antropocêntrica,

com tudo, historicamente, o modo de produção capitalista vai aos poucos gerando

diversas necessidades, aumentando a produção e transformando o ser humano em uma

pessoa altamente consumista.

A técnica se sofisticou, tornando-se cada vez mais aperfeiçoada, criaram-se

necessidades artificiais que escravizam o homem, causando uma profunda insatisfação,

com a perda de valores pessoais: liberdade, esperança, amizade, alegria, criatividade...

No decorrer da história surgiram muitos movimentos, principalmente

religiosos, que procuravam restabelecer esses valores perdidos. O Franciscanismo é um

exemplo dessas organizações que apresenta uma nova proposta, como estamos expondo

algumas idéias neste capítulo.

O Franciscano trabalha para viver e não vive para trabalhar. Não se

preocupa em acumular. A ganância, o egoísmo, os excessos e o lucro exagerado não

ocupam lugar na sua mente e coração. Portanto, a dimensão franciscana do trabalho

apresenta um caminho onde o ser humano executa suas ações, convive e vive um modo

de ser moderado e simples.

A visão Franciscana possibilita ao homem perceber que ele é

essencialmente relação e dependência, que as atividades proporcionam a humanização,

o bem estar, o desenvolvimento pessoal e fraterno, a alegria de viver, quer ao serem

feitas na gratuidade, quer quando assumidas para própria sustentação ou da fraternidade.

2.5 Dimensão da ludicidade

Após esboçar a dimensão humana do trabalho dentro do Franciscanismo,

apresentarei outra característica muito peculiar, a ludicidade, a alegria, a festa. Essa

característica está expressa em todas as outras dimensões da vida franciscana, aos quais

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a pessoa é extremamente encantada, realista, não perde a esperança, o amor, faz da

existência uma celebração festiva.

Francisco, mesmo antes de sua conversão, que só aconteceu aos 25 anos, foi

um jovem alegre, considerado o rei das festas, gostava de aventuras. O livro dos Três

Companheiros afirma que: “seu natural era folgazão e jovial”. (SILVEIRA; REIS, 1996,

p. 649)

A Igreja no período da Idade Média condenava a alegria, o riso, as festas e

as danças. Francisco resgata todos esses valores com seu jeito jovial e festivo e

demonstra a ludicidade no decorrer de sua vida.

Temos alguns textos de Celano que revelam a alegria de Francisco:

[...] ria-se e fazia pouco das cadeias.

[...] escolheram-no como chefe, porque tinham experiência de

sua liberalidade e esperavam que pagasse as despesas de todos.

[...] não cabia mais em si de tanta alegria e, mesmo sem querer,

deixou escapar alguma coisa aos ouvidos dos outros.

[...] com alegria redobrada, começou a cantar em voz alta pelos

bosques louvores ao criador de tudo. (SILVEIRA; REIS, 1996,

p. 289, 291, 184 e 190)

Esses são alguns dos inúmeros textos que expressam o júbilo do santo de

Assis, sua liberdade, seu modo alegre de viver e sua sensibilidade que exemplificam sua

vida equilibrada e a sua riqueza humana, pois viveu intensamente a própria existência,

reconhecendo-a como dom gratuito de Deus Pai.

Os primeiros Franciscanos cultivavam o bom ânimo, a benignidade, eram

atentos e bondosos. Um exemplo é o livro Fioretti38

, que retrata uma vida simples,

verdadeira, despojada, num estilo excepcionalmente alegre e lúdico. São histórias de um

grupo que não está contaminado pela amargura, ganância e agitação.

A música e o canto são destaques entre os Franciscanos. O fundador do

franciscanismo, inclusive, compôs um ofício (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 115) para ser

38

Fioretti é um texto escrito entre os anos 1331 e 1337 por frei Hugolino de Montegiogio. Fioretti quer

dizer “ramalhete de flores”. São fatos sobre a vida de São Francisco e seus companheiros contados por

outros frades.

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recitado nas orações litúrgicas e outros Franciscanos também contribuíram grandemente

com canções alegres e festivas e ainda o fazem. Temos a satisfação de conhecer e

conviver com alguns franciscanos compositores e músicos em Piracicaba.

A religião em seus momentos litúrgicos e celebrativos utiliza-se da dança,

da música e do símbolo, maneiras de expressar algo que não pode ser falado, para

manifestar a fé.

Analisando a história da humanidade percebe-se que o jogo está presente na

vida do ser humano, antes mesmo que outros aspectos da cultura. E traz consigo

elementos simbólicos que se integram na aventura humana, dando leveza, suavidade,

beleza, harmonia e despertando a fantasia e a criatividade.

Essa dimensão, após a industrialização, vem passando por crises e modos de

viver que causam preocupações e atitudes demasiado sérias, pois a eficiência, o êxito e

o lucro são extremamente valorizados. Faz-se necessário recuperar a alegria, o bom

humor e restabelecer uma convivência mais prazerosa.

A alegria é uma das maneiras mais eficazes de proporcionar ao ser humano

saúde mental, equilíbrio emocional, atitudes maduras, singular relação interpessoal.

Sabe-se que o bom humor e saber rir de si mesmo tornam a própria existência mais

agradável e jovial.

Quem vive assim, aos poucos se assemelha a Deus, que é vida, luz, alegria,

plenitude. E o Franciscanismo na força do seu carisma intuiu plenamente essa

concepção de Deus.

O universo Franciscano traz em si os ideais e as condições para substituir as

relações de competitividade e de superioridade por uma convivência harmoniosa e de

relações de serviço, como substituição à mentalidade mercantilista e cumulativa. Cria,

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portanto, relação de confraternização. É ainda possível humanizar a técnica de tal modo,

que na solidariedade e na gratuidade se construa a civilização do amor.

A ludicidade é associada, também, no Franciscanismo com a flexibilidade e

o improviso. Francisco e seus seguidores se adaptam às diversas realidades, porém sem

perder seu referencial. Um exemplo dessa postura é o episódio do Lobo de Gúbio,

narrado no livro Fioretti (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 1122), onde Francisco acalma um

lobo feroz, na cidade de Gúbio e encarrega as pessoas da referida cidade para cuidarem

do animal.

Francisco, através das suas atitudes, indica a necessidade de adaptação e

análise da realidade, de interferência precisa, mas sem prejudicar ninguém – nem as

pessoas e nem os animais e sem afastar-se dos valores essenciais.

As dimensões esboçadas acima deixam nítida a Proposta Franciscana na

formação da pessoa e, conseqüentemente, são utilizadas pelos educadores franciscanos.

E nesta perspectiva, a Pedagogia Franciscana é hoje ainda uma proposta de esperança e,

seguramente, um caminho para a construção de um futuro melhor. Garante também, que

o sonho e a utopia continuam vivos. Com sua mensagem de aceitação do diferente e

ajuda mútua, de simplicidade, de ternura e de pobreza, assegura que vale a pena, com

todas as forças e grande empenho, reencantar o futuro e a educação.

3. Perfil do Educador Franciscano

Concluo este segundo capítulo reforçando o perfil do educador franciscano,

tendo como base o texto de PICCOLO, que faz referência a diversas atitudes necessárias

ao educador franciscano.

Segundo a concepção do autor o educador franciscano é:

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Servidor – essa postura indica que o educador deve estar disponível para

sempre servir, acompanhar e orientar os seus educandos, fazendo-os crescer como

pessoas e cidadãos. Não almejar um retorno imediato por parte dos alunos, mas auxiliá-

los na gratuidade, acreditando no potencial de cada um.

Animador – essa segunda característica expressa que o professor

franciscano deve saber acolher seus alunos, identificar-se com eles, com o intuito de

procurar entender suas reais necessidades e encorajá-los a buscar sempre mais, tanto o

conhecimento como desenvolver-se espiritualmente, e assim não desistir diante dos

obstáculos e dificuldades, mantendo sempre viva a chama da esperança.

Sábio – neste aspecto o professor deve visar à formação permanente,

contínua e integral, isso quer dizer: aulas bem preparadas; que atendam às necessidades

dos alunos, utilização de recursos adequados e domínio do conteúdo. O professor deve

educar com o coração, de maneira equilibrada, reconhecendo que cada aluno é um ser

humano carregado de possibilidades, sentimentos, experiências e com uma história de

vida toda especial, que deve ser levada em consideração no processo de aprendizagem.

Verdadeiro – neste item o professor deve saber elogiar os acertos e o esforço

de seus alunos, bem como, saber corrigir e orientar nas falhas e erros, mas com muita

paciência, humildade e respeito. Exige-se neste quarto aspecto muita sinceridade,

transparência, equilíbrio, justiça e reverência por parte dos educadores.

Cortez – a quinta postura do educador franciscano é muito exigente, pois

faz-se necessária uma atitude de benignidade e amabilidade muito grande, mesmo

diante da agressividade e rebeldia de alguns alunos. O professor deve tratar com

respeito, cortesia e gentileza seus alunos, despertando-os para a sensibilidade e

suavidade da vida.

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Renovador – nesta dimensão o educador deve adotar paradigmas

renovadores, ser criativo, ter sonhos e buscar implantar uma gestão participativa. É

preciso ter idéias novas e atuais, mostrar que há caminhos para serem trilhados e

projetos a serem desenvolvidos, portando, não deixar os alunos caírem na rotina e

mesmice, que pode levá-los ao fracasso e desistência de seus ideais. Nesta postura o

professor é convocado a ser uma pessoa de idealismo criativo.

Alegre – a alegria é um dos valores mais estimados pelo franciscano, por

isso, o perfil do educador dessa pedagogia deve ser alegre, estar de bem com a vida,

sorrir, acolher bem, semear esperança, mostrar que as desventuras e os sofrimentos não

são maiores que as potencialidades do ser humano.

Solidário – atitude do verdadeiro ideal franciscano, que é viver como

irmãos: pessoas, animais e toda a natureza formando a fraternidade universal. O

educador deve ser amigo, solidário, ter consciência ecológica e uma postura ética diante

de todas as situações.

Pacífico – a penúltima atitude do educador franciscano é o cultivo da paz

entre as pessoas, nas famílias e onde se trabalha. É criar um ambiente descontraído,

agradável e que estimule o trabalho em equipe. É, no meio da turbulência diária, ser

uma pessoa pacífica, portadora da tranqüilidade e da harmonia.

Espiritual – finalmente a última dimensão é ser uma pessoa de amor a Deus,

isto é, de vida interior, ser uma pessoa de fé, equilibrada, que defende a justiça e a

solidariedade, capaz de dar a vida em defesa da própria vida e pela causa do Reino. Ter

a consciência de que a missão é educar para a vida em plenitude.

Destaquei algumas dimensões do franciscanismo e do perfil do educador

franciscano, pois são posturas que refletem diretamente a vida e ação dos Frades

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Capuchinhos, dos Irmãos e Irmãs da Ordem Terceira Secular e das Irmãs Franciscanas

do Coração de Maria.

Todo trabalho destes Franciscanos, como mencionamos nos textos

anteriores e citaremos na proposta educativa do Asilo Coração de Maria, foi voltado

para a formação da pessoa e restabelecimento de sua dignidade e para que essa pessoa

formada possa ajudar na transformação do bem estar social.

Não é possível afirmar que a proposta franciscana de educação é um método

de ensino, mas são valores possivelmente aplicáveis na prática pedagógica das

instituições de ensino, bem como, na vida das pessoas que almejam seguir essa

espiritualidade.

No próximo capítulo será abordada, com maior ênfase, a proposta educativa

do Asilo Coração de Maria, observando o período histórico dos primeiros anos de

fundação – 1896 a 1912 e destacando a sua organização, funcionamento, estrutura e

demanda.

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Capítulo III

Educação Franciscana no Coração de Maria – 1898 a 1912

O homem sonha continuamente com o futuro, pintando-o numa

tela dourada, encenando-o numa apoteose de triunfo; e,

quando cessa o sonho, evoca a tranqüilidade do passado,

revivendo fatos, vultos e cousas que lhe passam então pela

mente envoltas numa doce poesia, num sentimento indefinível

de saudade. (PINHEIRO, Assis; Apud. AQUINO, 1985, p. 99)

Nos capítulos anteriores apresentei o contexto histórico da sociedade

piracicabana, berço acolhedor da inspiração de Irmã Cecília e Frei Luiz, que favoreceu

o surgimento do Asilo Coração de Maria, juntamente com a colaboração de inúmeras

pessoas que acreditaram num sonho, num ideal, efetivando o crescimento de uma

Instituição educacional e assistencial.

Nesta parte da pesquisa farei uma análise do primeiro Estatuto do Asilo

Coração de Maria, do Livro de Matrículas das internas, do Livro Caixa e, através de

outros documentos e testemunhos ainda existentes, esboçarei as características

peculiares da Educação Franciscana do Coração de Maria.

Existem poucas fontes sobre a fundação e o desenvolvimento do Asilo no

período de 1896 a 1912. Estão disponíveis o Estatuto (Anexo 8), o Livro de Matrículas

das Internas (Anexo 11), o Livro Caixa39

(Anexo 10) e alguns testemunhos e dados

coletados em vista do processo de canonização de Irmã Cecília.

39

O livro caixa está no AHC, com data de 09/02/1897. Ele não possui termo de abertura e encerramento.

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1. Análise do Estatuto do Asilo Coração de Maria de 1897

Durante muito tempo o Asilo Coração de Maria se norteou pelos Estatutos,

pela experiência das Irmãs que seguiam a Proposta Franciscana de Educação, herança

legada pelos Freis Capuchinhos, pela Ordem Franciscana Secular e, posteriormente,

pelo estudo das próprias Irmãs que se constituíram em Congregação Religiosa,

alicerçada na espiritualidade franciscana.

Portanto, nos primeiros anos, não existia um Plano de Ação ou um Projeto

Pedagógico sistematizado. A ausência desse instrumento se justifica, porque nesse

período não havia essa exigência, principalmente nas pequenas cidades. Também não

havia uma política educacional nacional bem definida, pois o Ministério da Educação

foi criado apenas em 1930 e estava ligado à saúde, o que não significa a ausência de um

trabalho educacional no país.

Até a década de 1950 as aulas eram ministradas dentro do Asilo Coração de

Maria, por religiosas da Congregação, existem os livros de chamada que comprovam o

atendimento educacional.

A partir de 4 de dezembro de 1952, por Lei Estadual nº 1943, todos os

internatos passaram a se denominar Lar Escola. E por algum tempo ainda a instrução

intelectual, as alunas recebiam no Lar Escola até ao terceiro ano, hoje denominado

terceira série e o quarto ano era ministrado em outra entidade da Congregação. Depois

as internas passaram a freqüentar escolas estaduais num período, ou de manhã ou à

tarde, conforme o ano escolar.

No final do ano de 1981, por determinação da Diretoria, conforme consta na

Ata do dia 18 de setembro, foi decidido fechar o internato e implantar o regime de

creche. Os motivos desta decisão são apresentados no Plano de Trabalho para 1982, que

se encontra no arquivo do Lar Escola e diz:

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Devemos considerar que a grande maioria dos casos que

procuram a obra, não são casos de internação; procuramos

solucionar o problema utilizando-se do sistema de semi

internato.

Considerando ainda que a idade de 0 a 7 anos, é o período em

que a família desempenha um papel decisivo no processo de

maturação física, psíquica e social da criança. A criança sendo

desvinculada do meio da família, poderá, mais tarde apresentar

problemas ineversíveis de comportamento.

Justifica-se ainda que o baixo salário; o alto custo dos aluguéis;

doenças; desqualificação profissional; faz com que as mães

trabalhem fora do lar, para aumentar a receita familiar; desta

forma a família se utilizando do semi internato, continuará a

sentir-se responsável pela criança e não há acomodação por

parte dos parentes, fato que geralmente ocorre quando a criança

está internada. (Plano de Trabalho, 1982)

A partir de 1982 surge uma nova proposta de atendimento, assim definida:

Jardim da infância, Pré primário e Educação Complementar. As crianças de dois a sete

anos recebiam atendimento em período integral e as de sete a doze anos apenas em meio

período (matutino ou vespertino), pois no período oposto freqüentavam a escola

pública.

A década de 80, como afirmamos anteriormente, pode ser

considerada histórica, por duas razões fundamentais: a

primeira, a gradual e difícil redemocratização política do país,

e a segunda, a discussão, elaboração e aprovação da

Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que, de certa

forma, propiciou um impacto significativo real, não só para a

América Latina, mas principalmente no Brasil. (GRACIANI,

1997, p. 268)

A colocação de GRACIANI é pertinente, pois neste período acentuam-se as

reflexões e os estudos que resultaram na promulgação das novas leis nacionais:

Constituição de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, Lei Orgânica de

Assistência Social de 1993, que dão seguridade à infância e valorizam a matricialidade

familiar.

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Em 2002, com a implantação da Educação Infantil, as atividades passaram a

ser organizadas e as ações norteadas pelo Plano de Ação Pedagógica. (Anexo 2)

Abordarei, nesta parte do trabalho, alguns aspectos relevantes do primeiro

Estatuto, o qual dá uma visão bem clara do atendimento e das atividades desenvolvidas

no Asilo.

No primeiro Estatuto40

, logo no 1º artigo, lia-se: “[...] um instituto destinado

a educar e sustentar meninas desvalidas, órfãs ou não, sem distinção de cor ou de

classe”. (MARCON, 1992, v. 4, p. 132) Essa afirmação é de fundamental importância,

pois deixa claro que é uma Instituição voltada para a educação, tanto de cunho formal,

como também, não-formal, isto é assistemática (LIBÂNEO, 1992, p. 17 e 18). O Asilo

surgiu para atender uma necessidade muito particular, que eram as meninas desvalidas,

isto é, abandonadas ou as quais a família não conseguia sustentar e meninas que não

eram órfãs, mas necessitavam de outro tipo de atendimento, por exemplo, local para

residir enquanto estudavam. As famílias desejavam complementação de ensino: boas

maneiras, bordado, costura ...

Dois aspectos interessantes merecem destaque: a acolhida de meninas sem

distinção de etnia e classe social, portanto uma instituição que rompe com alguns

preconceitos e conflitos, conforme foi mencionado no primeiro capítulo.

O estatuto estabelecia uma idade mínima para a admissão das alunas: cinco

anos para cima, entretanto é um fato que nem sempre condiz com a lista de matrículas:

crianças cuja idade é inferior a cinco anos. Não existe uma justificativa documentada

para essa determinação. O que podemos concluir é que a prioridade nos primeiros anos

40

O Estatuto Original se encontra no Arquivo Histórico da Congregação. Porém na presente pesquisa foi

utilizada sua cópia, que consta na Prova documental - Trajetória da Congregação das Irmãs Franciscanas

do Coração de Maria, v 4. É um documento com 5 capítulos, 38 artigos e mais as Disposições

Transitórias com 10 artigos.

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de vida de uma criança é a convivência familiar e as que eram acolhidas com idade

inferior à estabelecida, era por consenso das Irmãs, visto a necessidade emergencial.

As alunas que ingressavam no Asilo Coração de Maria permaneciam até

completar a educação escolar e só deixavam a Instituição por alguns motivos

específicos: casamento, um desenvolvimento precoce, alguma doença grave ou

contagiosa ou em casos de incorrigibilidade. (Estatuto Art.3º) Na análise do livro de

matrículas apresentarei as tabelas que expressam os motivos pelos quais as internas

deixavam a Instituição, porém, em relação ao desenvolvimento precoce não encontrei

nenhum caso e nem mesmo uma explicação, portanto não é possível explicar a

aplicação dessa categoria.

Em relação ao desligamento do Asilo não há muitos dados, o que consta no

livro de matrículas é que algumas alunas deixavam o Asilo. Um testemunho afirma o

casamento de uma aluna e o falecimento de outra, ao mesmo tempo, logo no início da

obra.

Desde o primeiro dia, as Irmãs tomaram a peito a educação e

instrução das órfãs, cujo número se elevou em pouco tempo.

Ensinava-se-lhes o catecismo, as primeiras letras, trabalhos

domésticos e de agulha, enquanto se lhes ia formando o

coração às práticas piedosas. Correspondendo a esses desvelos,

diversas fizeram-se religiosas, outras tomaram outro estado,

segundo o chamado de Deus, dando muitas a consolação de ver

que a boa semente germinara em seus coraçõezinhos, como em

terra fértil. Dentre as que se fizeram religiosas, convém

mencionar Maria Madalena Silveira, que em 1909 tomou o

S[anto] Hábito com o nome de Ir[mã] Isabel do Sagrado

Coração, desempenhou o cargo de Mestra de Noviças de 1912

a 1915, vindo a falecer santamente no ano de 1917.

A menina matriculada sob o número 2, Maria Joaquina, foi a

primeira florzinha transplantada do Asilo para o trono do

Coração de Maria. Conta-se que levara um pequeno arranhão

num dos pés, de que não fez caso, por ser coisa sem

importância. Depois de brincar e muito saltar no recreio, à

noite, sentiu febre; manifestara-se o tétano que, entre

convulsões, levou-a dentro de 3 dias à sepultura. Mamãe

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Cecília, carinhosa em extremo, alentava-a dizendo: “coragem,

minha filha, você é o primeiro lírio a ser arrancado para eu

oferecer ao Coração de Maria”. Nas dores e espasmos, a

menina repetia: “Mamãe, como custa arrancar es[se] lírio”. E

assim, após 3 dias, faleceu santamente, rodeada pelas Irmãs e

assistida pelo facultativo que em vão empenhou todos os

esforços para arrancá-la [d]as garras da morte. Triste

coincidência, registrada numa folha local de então: - Carolina

de Souza, sob o n[úmero] 4, ia sair do Asilo para tomar o

estado matrimonial. Estava marcado o dia de seu casamento e

tudo preparado, pobre, mas carinhosamente, quando se

manifesta a moléstia de M[ária] Joaquina. Ignorando-se o

futuro, nada se modificou e, justamente à hora em que o

médico entrava para assistir à morte de uma, encontra-se com o

cortejo que conduzia a outra aos pés do Altar. Estranha

comoção se apoderou dele, o que determinou o ponderoso

artigo publicado, como disse, num jornal, cujo pensamento

principal era este: “As duas virgens. Enquanto se oferece uma

no altar da dor, para ser entregue à Rainha das Virgens, outra

se imola também no Santo altar, mas para ficar no mundo.

Qual das duas será a mais feliz? (LIMA, 1992, p. 22 e 23)

Citei o texto na íntegra, pois revela alguns aspectos importantes.

Primeiramente destaca o cuidado e a sensibilidade maternal das religiosas na educação

das meninas e que o número das atendidas era significativo desde o início da obra.

Outra questão é em relação à opção de vida das órfãs. Não era imposta a vida religiosa,

mas as meninas podiam escolher a vida consagrada ou o casamento e até mesmo

ficarem solteiras. As Irmãs procuravam educar para a vida, educar dentro de uma

religiosidade, deixa-lhes a livre escolha. Merece destaque a questão do lazer. As órfãs

brincavam livremente no pátio. Essa postura quebra um pouco o rigorismo que rotula as

instituições religiosas e muitas vezes são vistas apenas como instituições fechadas,

disciplinadoras, com leis severas, punitivas, quando não opressoras.

Esse fato destaca, também, a preocupação e o zelo de Irmã Cecília e suas

primeiras companheiras junto às internas. Revela o carinho, a dedicação atenta e a

coragem de uma verdadeira mãe junto da filha que sofre. Por outro lado, destaco a

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precariedade do atendimento de saúde que existia na época; sem recurso adequado para

conter o tétano, tirando a vida de uma criança, apesar do atendimento médico solicitado

pelas Irmãs.

Vemos ainda que a coincidência entre dois destinos aparentemente tão

opostos - um casamento e uma morte no mesmo dia, na mesma Instituição – levando a

uma situação inusitada e de algum modo constrangedora, por manifestar alegria e

tristeza, numa ambivalência difícil de gerenciar, era lida à luz da fé por aquelas

religiosas que tanto participavam da alegria da jovem que se casava, como viviam a dor

que levava a vida da outra jovem, provavelmente sob a perspectiva comum da

esperança, com a qual conduziam a obra ainda iniciante.

Voltemos ao primeiro Estatuto dando seqüência à reflexão sobre a

organização e gestão, nos primeiros anos de fundação do Asilo Coração de Maria. Em

seu artigo 4º afirma que o número de alunas deve condizer com o espaço físico e os

recursos disponíveis. Diante do cenário educacional do país, que muitas vezes não

apresentava uma estrutura adequada na maioria das escolas, essa preocupação não é

negligenciada pelas Irmãs, pois buscavam propiciar um espaço favorável ao bom

desenvolvimento das alunas e atendê-las em suas necessidades.

Alguns dados, conforme apresenta AQUINO em relação à vida das

primeiras Irmãs e das internas mostram um período de muita dificuldade, carência,

obstáculos e sofrimentos: porém o bom ânimo, a força de vontade e a confiança na

Providência Divina era muito grande. Aquele grupo acreditava que a obra do Asilo era

conduzida pela força e ação de Deus, conforme expressam os fatos:

[...] Inesperadamente, entra o Fundador, e, dirigindo-se a

Mamãe Cecília, pede para ver as provisões da despensa. –

Provisões? Não há necessidade, recebemos no momento

preciso ... Retirando-se, ele mandou para o Asilo um

abastecimento dos gêneros mais necessários, entre os quais um

saco de fubá e um deçúcar (de açúcar) preto [...]

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[...] Um dia, porém visitando o Asilo o negociante Sr. Luiz de

Toledo, confrangeu-se-lhe o coração ao presenciar aquela

pobreza. De volta a sua casa, enviou seu donativo, constando

de talhas, pratos, jarros e demais utensílios que achou

necessários. (AQUINO, 1985, p. 8)

Outro fator importante está expresso no art. 6º do Estatuto, que apresenta as

matérias que as alunas aprenderiam: Religião, História Sagrada, Caligrafia, Leitura,

Composição, Noções de Aritmética, Noções de geografia e história – com especialidade

de Geografia e História do Brasil, Trabalhos manuais e especialmente Costura,

Civilidade, Serviços domésticos e de cozinha, Música. Para o contexto histórico de

então, conforme apresentaremos mais adiante a comparação do currículo do Asilo com

os de outras escolas da época, essas disciplinas eram suficientemente satisfatórias para

as meninas adequarem-se a uma habilidade e se tornarem ótimas donas de casa.

Conforme consta no Livro de Matrículas, que veremos posteriormente,

diversas alunas conseguiram emprego ou se casaram, tornando-se exímias bordadeiras e

costureiras. Enfim, tiveram possibilidade de sobreviver a partir do próprio trabalho.

Essas considerações provocam interesse para uma análise da própria

demanda da Instituição, destinada ao atendimento de meninas da classe mais pobre da

sociedade. Desde o seu nascimento o Asilo Coração de Maria traz consigo a marca

assistencial, um olhar para aqueles e aquelas que mais necessitavam. É importante

destacar que, neste período, não havia uma política de assistência social como

conhecemos hoje. Aquelas senhoras juntamente com frei Luiz intuíram que alguém

precisava olhar, sensibilizar-se e ajudar os mais necessitados.

Outro aspecto significativo é a preocupação com a formação afetiva, social e

psicológica das alunas. Em relação a esse fato, temos um testemunho referente à Irmã

Cecília:

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Era enérgica, mas também muito carinhosa. Haja vista a morte

da primeira órfã, Maria Joaquina, o primeiro lírio. Ensinava-

lhes a trabalhar com muita perfeição e asseio nos serviços

caseiros. Costura, bordados, crivo, tudo faziam. Na sala de

costura, fazia cada qual trabalhar no próprio enxoval. Cuidava

também muito pela saúde delas. Levava-as a passeios fora da

cidade, onde podiam andar e respirar bem... (PEDROSO, 1996,

p. 51 e 52).

Percebe-se que o objetivo do Asilo, desde o seu marco fundacional, é

atender à infância abandonada e aos desprotegidos da sociedade, fornecendo-lhes

suporte para que exerçam a plena cidadania e autonomia.

Irmã Cecília passa a exercer o papel de mãe-educadora, aquela que cuida,

orienta, protege, mas também corrige quando necessário. O texto de PEDROSO destaca

muito bem a preocupação de ensinar com perfeição e despertar à responsabilidade. Cada

aluna fazia seu próprio enxoval, não recebia pronto. As atividades eram feitas em grupo,

sendo que cada qual aprendia a bordar, costurar e passar. E com esses ensinamentos, as

educandas exercitavam-se nas virtudes implícitas: convivência, responsabilidade,

paciência e perseverança de fazer o trabalho até o fim, alegria de ver os frutos do

próprio esforço. Era um conhecimento mais artesanal, isto é, feito lentamente, pelo qual

se percebe a evolução gradativa, as transformações acontecendo.

Aquele grupo de senhoras – educadoras sempre atentas à saúde,

organizavam pequenos passeios em lugares adequados, atendendo à necessidade de se

respirar o ar puro em chácaras e bosques. Irmã Cecília sente que a educação não

acontece apenas dentro de “quatro paredes” (Asilo), mas se faz necessário buscar outros

recursos, novos horizontes.

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Para confirmar o sobredito existe um manuscrito41

do co-fundador, Frei

Luiz Maria de São Tiago, que afirma a necessidade de se ensinar doutrina cristã, leitura,

contas, caligrafia grande e pequena, compor, um pouco de canto, civilidade e trabalho

de agulhas, lavar, engomar, enfim, tudo o que for necessário para uma mãe de família

pobre.

Esse manuscrito é o primeiro Regimento das Irmãs residentes no Asilo

Coração de Maria. É relativamente curto, contendo apenas sete itens de orientação geral

para o bom funcionamento da vida em comum. Frei Luiz apresenta duas propostas

fundamentais. A primeira indica a Irmã Cecília – responsável pela comunidade - como

Mãe e Mestra. São expressões muito fortes do Franciscanismo, principalmente o

conceito Mãe: “E cada um ame e alimente o seu irmão como a mãe ama e nutre seu

filho; e o Senhor lhe dará sua graça” (SILVEIRA, REIS, 1996, p.149). A palavra Mãe,

traz consigo toda a peculiaridade do ser que gera vida, alimenta, cuida, protege, faz

crescer. Pessoa abnegada, que não mede esforços e sacrifícios para ver o bem e a

felicidade dos filhos. Expressa, também, a ternura, a firmeza e a responsabilidade de

quem zela pela casa e pela família.

Irmã Cecília, como vimos em sua biografia, era mãe biológica de três filhos,

portanto carregava a força e o vigor da maternidade, de tal forma, que as meninas, órfãs

ou não, passaram a chamá-la de mamãe. Essa singela expressão transferiu-se para as

demais Irmãs e perdura até os dias atuais. Inúmeras religiosas e pessoas mais

conhecidas e devotas costumam dizer: “Mamãe Cecília”.

A segunda proposta refere-se à atitude que as Irmãs devem cultivar:

disponibilidade em servir umas às outras. É a concepção de fraternidade e de trabalho,

41

O manuscrito se encontra no Arquivo Histórico da Congregação. Não possui data e nem a assinatura,

porém é de autoria de Frei Luiz. É possível fazer essa afirmação, pois no processo de canonização de

Madre Cecília foi realizada uma comparação com as cartas escritas e assinadas por ele, que se encontram

no mesmo arquivo, confirmando a autenticidade da caligrafia.

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descritas à maneira de o Franciscanismo conceber a educação: “Todas devem estar

sempre prontas a prestar auxílio às outras Irmãs conforme o exigir a necessidade, ou a

pedido da Mãe”. (MARCON, 1992, p. 161).

Os demais artigos do Estatuto descrevem a organização e administração do

Asilo Coração de Maria, sob a responsabilidade da Diretora, sendo a primeira – Antonia

Martins de Macedo – Irmã Cecília. O cuidado das internas é da incumbência das

mestras, que devem ser pessoas religiosas, maiores de vinte anos, instruídas, educadas e

com saúde razoável.

A Diretora exerce o cargo de administradora geral da Instituição. É ela que

tem o poder de distribuir os trabalhos, convocar as assembléias, gerenciar os recursos

financeiros, juntamente com a tesoureira e admitir ou excluir as internas, sendo que para

o ato de exclusão é aconselhável consultar as mestras em assembléia. Poderá também,

contratar terceiros para trabalhar na Instituição como professora ou outro cargo

necessário.

Como mencionei anteriormente, alguns parentes das primeiras Irmãs

exerceram funções no Asilo como voluntárias; só posteriormente, quando a Instituição

já estava um pouco mais organizada é que começou a contratação de funcionários.

Encontrei o primeiro registro de pagamento de funcionário no Primeiro Livro Caixa, no

ano de 1899.

A incumbência de apresentar um relatório contendo todos os fatos

anualmente, também era encargo da Diretora. Não foi encontrado nenhum registro

desses relatórios, somente as atas das assembléias. O que se pode concluir que eles

foram apresentados oralmente em assembléia ou registrados no primeiro livro tombo do

Asilo Coração de Maria, que é dado como desaparecido.

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O fato de o primeiro livro tombo ter sumido é um dado passível de

interpretação, pois as Irmãs sempre foram muito responsáveis no arquivamento dos

documentos. Encontram-se guardados no Arquivo Histórico da Congregação todos os

livros tombos, caixas, atas dos anos posteriores do Asilo, bem como das outras

Instituições da Congregação. O que justifica tal desaparecimento é a suposição de que

no referido livro poderia conter como e quais pessoas estiveram envolvidas no

afastamento da Irmã Cecília de sua Congregação por determinação do bispo, como já

foi mencionado no capítulo anterior.

Em relação às mestras, continua o Estatuto, quatro devem morar no Asilo,

mas as demais poderão ser do grupo das benfeitoras. Essa determinação só perdurou até

1900, quando houve uma adequação de Estatuto e todo o cuidado interno da Instituição

ficou sob a responsabilidade das Irmãs residentes, vinculando o Asilo à fundação da

Congregação.

O Estatuto afirma que as assembléias deveriam ser convocadas por meio de

ofício e, anualmente, ou sempre que a Diretora ou mestras convocassem, para os

assuntos costumeiros: admitir ou excluir alunas, eleger novas mestras, escolher a

substituta da Diretora. As atas eram registradas em livros próprios. Quem presidia à

assembléia era uma benfeitora aclamada pelo grupo, portanto, não era da

responsabilidade da Diretora.

O governo da Instituição era trocado a cada quatro anos, sendo eleito novo

governo dentro de uma assembléia eletiva. Caso a diretora não convocasse a assembléia,

por algum motivo, duas mestras poderiam fazê-lo. A eleição deveria acontecer

secretamente e era eleita quem obtivesse maioria absoluta, assim como, as mudanças ou

deliberações.

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Em relação às benfeitoras, o estatuto deixa claro que o Asilo poderá contar

com o auxílio de tal grupo, porém, devem ser senhoras, casadas ou solteiras, religiosas,

acima de trinta anos e que seja merecedora deste título, isto é, trabalhem para o bem e

para o crescimento da Instituição.

Está previsto no Estatuto que, se houvesse necessidade de dissolução da

Instituição, isso só poderia acontecer numa assembléia com a presença da Diretora e

dois terços das benfeitoras e mais duas mestras.

Em seu artigo 32º, o estatuto afirma que o asilo é um “Instituto religioso e

está sob a inspeção do Bispo Diocesano”. Não pode agir contrariamente às normas,

costumes e disciplina da “religião católica, apostólica, romana”. Essa expressão

provavelmente foi legada pelos Frades Capuchinhos, confirmando o que já foi descrito

anteriormente, a necessidade de se legitimar a submissão irrestrita à Igreja Romana.

A fidelidade e obediência à Igreja Romana é o que determina até hoje a

Regra dos Irmãos e Irmãs, em seu capítulo primeiro diz: “[...] obediência e reverência

ao Papa e à Igreja católica”. No capítulo segundo: “[...] têm verdadeiramente adesão a fé

católica”. No capítulo nove afirma: “E sempre súditos a Santa Igreja e estáveis na fé

católica”. (REGRA, 2000, p. 12 e 25) A afirmação é muito mais que uma expressão

usual, é uma regra de vida a ser observada em todos os institutos religiosos que estão

sob a jurisdição da referida regra.

O Estatuto prevê a subsistência da própria Instituição. Em seu artigo 34º,

afirma que a manutenção da obra é extraída do trabalho das mestras, alunas, das

doações e das esmolas que as Irmãs poderiam pedir à comunidade.

Diante deste artigo, vale à pena mencionar dois fatos marcantes, que

servirão para uma melhor compreensão do trabalho das primeiras Irmãs e das

dificuldades que encontraram na manutenção do Asilo.

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O primeiro é o testemunho da Irmã Virgínia de São Bernardo, que se

encontra registrado nas Fontes Históricas da Congregação:

Prescrevia o horário um tempo de trabalho, de 9 e meia às 10

horas da noite. Ora, depois das lides diárias, as Irmãs sentiam-

se fatigadas; e além disso, não havendo ainda iluminação

elétrica, difícil, se tornava cumprir esse pontozinho, mas não o

descuravam apesar de tudo por “se tratar de uma obediência”.

As vezes, compadecida, mamãe Cecília, reunia-as a essa hora

em sua cela, onde carinhosamente, dispensava o silêncio,

entregando-se a entretenimentos, espirituais ou reminiscências

– dos primórdios do Asilo; depois, repartia entre elas “um

docinho” que tinha conseguido angariar. Com alegria juvenil,

serviam-se do que o Senhor lhes dava; não sei, porém, qual a

maior das doçuras: si aquelas provindas do açúcar, ou a doçura

espiritual daqueles carinhos e palavras de céu que ouviam...

(AQUINO, 1985, p. 8 e 9)

O presente texto expressa bem a vida laboriosa das Irmãs, mesmo após um

dia intenso de trabalho e vida de oração, realizavam atividades à noite. As Instituições

mantidas pelas Irmãs, bem como a Congregação, sempre se mantiveram com o fruto do

trabalho árduo das Irmãs e o auxílio da comunidade que acreditava na seriedade e

compromisso da causa assumida por aquelas senhoras. Essa postura se mantém até os

dias atuais.

Revela o coração materno de Irmã Cecília que percebe e sente as

necessidades de suas co-irmãs e através de um gesto de carinho, uma palavra de

conforto e alguns instantes de convivência degustam a alegria da vida fraterna,

recuperando as energias gastas em prol de um ideal bem maior que elas próprias. São

pessoas bem humanas, movidas pela fé.

Todo o trabalho interno era realizado pelas Irmãs e alunas, apenas os

serviços mais pesados eram feitos por dois funcionários, pois o quintal e pomar eram de

grande extensão.

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O segundo texto também é registrado nas Fontes Históricas da

Congregação, porém é fruto da pesquisa da Irmã Maria Lavínia e diz:

Tratando-se da perseguição surda da maçonaria, ao Asilo das

órfãs temos a prova dos requerimentos enviados à Camara por

Mamãe Cecília e rejeitados pelos maçons vereadores; caro

custou para finalmente no volume XXV fls. 28v – 34 – 39 –

73, Indicação nº 43, ler-se o seguinte: “Sendo o Asilo de órfãs

uma instituição que vem prestando, desde longos anos, valiosos

serviços à infância desamparada, modesta casa onde recebe

agazalho numeroso grupo de crianças pobres – que jamais

souberam o que seja conforto, onde se ministra a instrução

necessária a seus futuros ministeres, onde se tem dado sóbria,

porém boa educação doméstica, incutindo-lhes no espírito o

amor ao trabalho; ensinamentos esses que um dia virão pô-las

ao abrigo da mendicidade e, muitas vezes da desonrada; e

considerando que todos, os estabelecimentos de caridade desta

cidade são subsidiados pela Municipalidade e numerosas

associações também o são, continuando – o Asilo a ser único

que não obteve da nossa sempre justa e conceituada Edilidade

um auxílio, embora pequeno, submeto, nesse sentido, à

aprovação da Câmara o seguinte projeto de Lei: Art. 1º. É

concedida a mensalidade de cem mil réis ao Asilo de órfãs

desta cidade. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.

Sala das Sessões, 02 de junho de 1913 Dr. Cariolano Ferraz do

Amaral. Parecer nº 48 A. A Comissão de Finanças, abaixo

assinada, é de parecer que seja aprovada a Indicação do

vereador Dr. Cariolano Ferraz do Amaral para que seja

concedida a subvenção mensal de 100$000 ao Asilo Coração

de Maria Nossa Mãe. Piracicaba, 07 de julho de 1912

(AQUINO, 1985, p. 79 e 80)

Irmã Cecília, no período de 1898 a 1912, fez sete pedidos à Câmara dos

vereadores de Piracicaba e todos foram indeferidos (Anexo 12), conseguindo apenas em

1913 uma pequena subvenção. O texto deixa claro que as outras obras assistenciais

recebiam recursos da prefeitura e Irmã Cecília conhecedora desta situação, não desiste,

é perseverante e persistente até conseguir um posicionamento melhor e assim, o

benefício auxiliou na manutenção do Asilo Coração de Maria.

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Em caso de extinção do Asilo, o artigo 38º do Estatuto descreve que o

mesmo deverá ser passado para uma instituição congênere, isto é, de caridade existente

em Piracicaba, portanto, não poderia ser vendido e nem repartido entre as associadas.

As disposições transitórias que se encontram no final do Estatuto são artigos

que descrevem a data da primeira assembléia, o tempo de mandato da primeira diretoria,

que a Diretora ficará responsável pelos donativos e pela quitação da obra, bem como, de

inscrever o Estatuto e publicar um estrato no diário oficial. Finaliza apresentando o

nome das benfeitoras, que já foram descritas no capítulo anterior e segue a assinatura de

todas.

Da análise do primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria, penso que fica

explícito a questão da Gestão e Planejamento dos primeiros anos de fundação da

Instituição. Para concluir a presente análise utilizarei as reflexões de Afonso Murad, no

intuito de ampliar a reflexão sobre gestão e planejamento, devido à sua abordagem

numa visão voltada para instituições confessionais, pois afirma: “Gestão é a habilidade

e a arte de liderar pessoas e coordenar processos, a fim de realizar a missão de qualquer

organização”. (MURAD, 2007, p. 71)

Essa definição nas instituições religiosas ou sociais expressa algo maior e

mais profundo do que uma simples gestão de cunho empresarial, que na maioria das

vezes visa apenas ao lucro e ao sucesso. A finalidade principal é realizar a missão da

instituição através da gestão e do planejamento.

Nos âmbitos social e religioso, as pessoas engajam-se em uma

missão na qual acreditam e estão dispostas a empenhar a vida.

“Oportunidade”, por sua vez, não significa, simplesmente,

demanda potencial de clientela ou ocupação de espaço vazio,

mas sim escuta atenta aos sinais dos tempos, discernimento

para descobrir os apelos na realidade atual, visando atualizar e

recriar um carisma de origem. (MURAD, 2007, p. 79)

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A colocação de Murad é de suma importância, pois revela que a maioria das

instituições religiosas estão fortemente ligadas a um carisma, a uma missão e, portanto

suas obras de atuação, geralmente estão voltadas para uma realidade excluída e

marginalizada da sociedade. O objetivo maior é sempre o ser humano e o

restabelecimento de sua dignidade e para que isso aconteça, a gestão é pautada pela

sensibilidade, pelo compromisso, pela participação, pelo diálogo, pelas ações solidárias

e pelo comprometimento de todos os envolvidos.

Para o bom êxito da gestão faz-se necessário alguns princípios, tais como:

[...] capacidade de pessoas para atuarem em conjunto, inserção

na cultura, compromisso com metas e valores compartilhados,

aprendizado constante, comunicação e responsabilidade,

critérios de desempenho, resultado focado em seu destinatário.

(MURAD, 2007, p. 75)

Essa colocação faz parte de uma concepção mais contemporânea, porém são

atitudes dos fundadores do Asilo, como mencionei anteriormente. As ações eram

planejadas pela associação e a finalidade principal era ajudar no crescimento e bom

desenvolvimento das crianças e adolescentes que não tinham acesso ao ensino e à

formação de valores.

Em relação ao planejamento, podemos afirmar que é um mecanismo

utilizado para elaborar, organizar e direcionar um conjunto de procedimentos que

auxiliam e ajudam na preparação, execução, avaliação e acompanhamento de toda

práxis42

educativa.

Quando as atividades são planejadas e pensadas previamente, a

possibilidade de êxito e de atingir os objetivos propostos é maior do que as ações

improvisadas e mal organizadas.

42

A compreensão de práxis é a mesma apresentada por Vázquez: “[...] práxis como atividade material do

homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano”. (1977, p. 3)

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Portanto, em educação se faz necessária uma previsão metódica, constante e

permanente no que diz respeito ao planejamento, porém que não seja inflexível e

estático, mas sujeito a mudanças, aperfeiçoamento, adequação à realidade em que será

executado. Neste sentido o planejamento é dinâmico e deve envolver a todos os seus

protagonistas.

As primeiras Irmãs e as benfeitoras que auxiliaram na elaboração do

primeiro Estatuto e na organização durante os primeiros anos de trabalho no Asilo

Coração de Maria não se expressavam com essas definições e conceitos, mas traziam

dentro de si um desejo veemente e uma intuição de prestar serviços à comunidade,

ajudando na formação e na educação daquelas meninas que não tinham a quem recorrer.

Após a análise do primeiro Estatuto, concluo que as ações da Instituição

eram em vista da melhoria e aperfeiçoamento de vida das educandas – órfãs ou não - e

voltadas para a formação humana, que proporciona à pessoa a possibilidade de

emancipar-se.

2. Análise do livro de matrículas

Após analisar o Estatuto do Asilo Coração de Maria e observar como era a

organização da Entidade e sua finalidade, julguei pertinente fazer um levantamento do

perfil da primeira demanda do Asilo, coletando dados no livro de matrículas.

O primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria está no

Arquivo Histórico da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, em

Campinas/SP. Ele não possui termo de abertura e encerramento, nem assinatura da

pessoa responsável. O livro tem aproximadamente 60 páginas, mas não é numerado,

com tamanho de 27 x 37 cm, capa dura cinza, com uma etiqueta: Livro I, Matrículas

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1898. O início dos registros é de 1898, ano da fundação do Asilo e a última matrícula é

de 1921.

Os registros ocupam duas páginas do livro e trazem os seguintes dados:

número de matrícula; número de ordem no ano; nomes; dia, mês e ano de nascimento;

naturalidade; dia, mês e ano da matrícula; filiação; data de saída e observação.

A primeira verificação foi em relação ao número de atendidas no período da

minha pesquisa: 1898 a 1912. Constatei que o Asilo atendeu 153 meninas.

Outro dado importante seria em relação à orfandade, porém o livro não

registra se a mãe ou o pai eram falecidos; sabemos de alguns casos, como já foram

mencionados, mas sobre os demais não há informação.

A tabela que segue é uma tentativa de perceber a filiação das internas,

quantas foram registradas com o nome dos pais:

Tabela 1: Registro de filiação de alunas internas

Filiação Quantidade Porcentagem

Registro que contém nome do pai e da

mãe

116 76%

Registro no nome do pai 5 3%

Registro no nome da mãe 20 13%

Desconhecida 7 5%

Sem registro de filiação ou outra anotação 5 3%

Total 153 100% Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

Essa tabela revela alguns dados importantes. O primeiro é observar o

registro que as primeiras Irmãs fizeram dos dados familiares, pois a maioria foi

registrada com o nome do pai e da mãe, mesmo que a mãe já houvesse falecido, como é

o caso das internas Odila Evangelista e Maria Joaquina. O segundo aspecto é que

muitos registros foram feitos apenas com o nome da mãe, porém, o mais intrigante é

perceber que 12 meninas não possuem filiação, são de origem desconhecida. Sobre elas

não consta nenhum dado.

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A próxima tabela destaca a questão do dia, mês e ano de nascimento, pois

de algumas internas só consta o ano. Este dado é importante e mostra a faixa etária do

atendimento.

Tabela 2: Registro de nascimento de alunas internas

Data de nascimento Quantidade Porcentagem

Dia, mês e ano 19 12%

Apenas o ano 126 82%

Não consta nenhuma

informação

8 6%

Total 153 100% Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

Essa tabela comprova o que foi dito no primeiro capítulo em relação à

certidão de nascimento, pois muitas pessoas não tinham esse documento, dificultando a

comprovação exata da data de nascimento e consequentemente da idade. A maioria dos

registros das órfãs só tem o ano de nascimento e não existe outro documento no Asilo

que comprove a faixa etária a não ser o livro de matrículas.

Em relação à idade com que as meninas ingressavam no Asilo, o Estatuto

diz, em seu artigo 2º, que a idade mínima é de cinco anos, mas no livro de registro

encontrei as seguintes informações:

Tabela 3: Alunas internas distribuídas por idade

Idade Quantidade Porcentagem

Até 4 anos 11 8%

5 anos 13 9%

6 anos 15 10%

7 anos 14 9%

8 anos 19 14%

9 anos 14 9%

10 anos 19 14%

11 anos 15 10%

12 anos 13 9%

13 anos 7 5%

14 anos 2 1%

15 anos 3 2%

Total 145 100% Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

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O total nesta tabela é 145, pois oito meninas, conforme consta na Tabela 2,

não apresentam data de nascimento.

Pela Tabela 3 é possível perceber que a idade mais atendida é entre 5 e 11

anos, porém é expressiva a quantidade inferior a 5 anos – 11 meninas. Neste último

caso, conclui-se que as Irmãs veem a necessidade da criança muito mais que a própria

legalidade.

Complementando as Tabela 2 e 3, a próxima apresentará a quantidade de

meninas que ingressaram no Asilo em relação ao período histórico pesquisado.

Tabela 4: Fluxo de alunas internas 1898-1912

Ano

Quantidade que

ingressaram

Quantidade

que saíram

Tornaram-se

religiosas

Faleceram Quantidade que

permaneceu no

Asilo

1898 12 0 0 0 12

1899 11 1* 0 0 22

1900 15 0 0 0 37

1901 06 2 0 0 41

1902 10 5 1 1 44

1903 11 3 0 0 52

1904 07 1 2 0 56

1905 07 10 0 0 53

1906 07 3 0 0 57

1907 13 13 0 0 57

1908 16 6 0 0 67

1909 09 11 1 2 62

1910 11 6 0 0 67

1911 11 3 0 0 75

1912 07 11 0 0 71

Total 153 75 4 3 71 *O livro registra a data de saída em 20 de novembro de 1889, mas penso que seja erro de registro, pois

nesta data o Asilo não existia e a menina ingressou em 1898. Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

Na Tabela 4 verifica-se o total de atendimento no período de 1898 a 1912,

destacando a quantidade de meninas que ingressaram no Asilo por ano, as que deixaram

a Instituição foram 75, que corresponde a 49%, as que se tornaram religiosas neste

período foram apenas quatro – indicando 3%, porém outras jovens que não eram

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internas do Asilo entraram para ser consagradas. E, para finalizar, três internas

faleceram, perfazendo 2%.

O Asilo encerrou suas atividades em 1912, ano que Irmã Cecília deixa o

Governo Geral da Congregação e a Direção da Instituição, com 71 internas.

A Tabela 5 apresenta os motivos pelos quais as internas deixam o Asilo,

pois é um número expressivo no período de 1898 a 1912 – 49%.

Tabela 5: Motivo de saída de alunas internas

Motivo da saída Quantidade Porcentagem

Regresso para a família 30 40%

Casamento 3 4%

Trabalho 25 34%

Adoção 9 12%

Doença contagiosa 2 3%

Expulsa por incorrigibilidade 3 4%

Estudar em outra cidade 1 1%

Transferida para outro orfanato 1 1%

Encaminhada para o Juiz de Direito 1 1% Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

Constatamos que a maioria das órfãs regressou para a família, considerando:

pai, mãe, tios e avós. Uma porcentagem considerável arrumou trabalho. Conforme

informação oral de religiosas antigas da Congregação, amigos, benfeitores e pessoas

que conheciam o Asilo, procuravam as meninas aí residentes, para trabalharem em suas

casas ou no comércio, pois tinham uma excelente formação, sabiam cuidar muito bem

da casa e tinham princípios e valores confiáveis.

Em conformidade com o Estatuto, em seu artigo 3º, apenas três meninas

foram expulsas por incorrigibilidade – uma com 13 anos, outra com 15 anos e a última

com 17 anos. A porcentagem é pequena, porém, a questão da expulsão realmente

acontecia e, como podemos constatar, era no período da adolescência e início da

juventude. Não há outra informação que apresente as causas, mas o que se pode propor

como hipótese é: por motivo de namoro e comportamentos indesejáveis que

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influenciariam as meninas menores, tais como: agressividade, alto índice de

desobediência, utilização freqüente de vocabulário impróprio, transgressão assídua do

regimento.

A Tabela 6 procura responder ao questionamento da nacionalidade das

alunas internas no Asilo Coração de Maria.

Tabela 6: Nacionalidade das alunas internas

Nacionalidade Quantidade Porcentagem

Brasileiras 102 67%

Italianas 25 16%

Portuguesa 4 2%

Austríaca 1 1%

Não consta nenhuma informação 21 14% Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.

Destaco, nesta Tabela, a quantidade de meninas brasileiras, pobres e órfãs,

que necessitavam de um atendimento educacional e assistencial, ressaltando o que fora

mencionado no primeiro capítulo, em relação ao ensino precário neste período.

A análise do livro de matrículas foi sumamente importante e possibilitou

uma visão da demanda atendida no Asilo Coração de Maria, bem como do trabalho das

Irmãs.

Para concluir a análise do livro de matrículas, averigüei o primeiro Livro

Ata da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, objetivando perceber

o número de Irmãs, suas funções e como estavam distribuídas nas diversas Instituições,

no período pesquisado, a fim de compreender melhor como era realizado o atendimento

das alunas internas e dos demais assistidos da Congregação.

O primeiro Livro Ata tem um tamanho de 24 x 33 cm, com capa dura

marrom, aproximadamente 100 folhas, porém apenas 34 foram utilizadas. Ele foi

encerrado em 1927, por Madre Gertrudes do Divino Amor.

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A primeira distribuição das Irmãs por função e nas fraternidades religiosas

aconteceu no Capítulo Geral de 1906 e, ficou assim constituída:

Piracicaba - Asilo Coração de Maria:

Superiora Geral – Irmã Cecília Macedo

Superiora Local, Primeira Conselheira Geral e Mestra das Noviças: Irmã

Nazaria Martins

Vigária, Terceira Conselheira Geral, Mestra das Noviças e Diretora de

ensino: Irmã Gertrudes do Amaral.

Secretária Geral, Mestra das meninas: Irmã Margarida Oliveira

Sacristã e enfermeira: Irmã Gabriella Costa

Mestra de disciplina e porteira: Irmã Clara Graciano

Mestra de Cozinha: Irmã Maria Conceição

Mestra das Meninas: Irmã Inez Meneghetti

Belém do Descalvado - Hospital

Superiora Local e Quarta Conselheira Geral: Irmã Virginia da Silva

Enfermeira: Irmã Maria do Carmo

Farmacêutica: Irmã Verônica Ramos

Belém do Descalvado - Externato

Diretora, Segunda Conselheira Geral – Irmã Canuta Vieira

Mestra – Irmã Catharina Godoy

Mestra – Irmã Thereza Matta

Jundiaí - Hospital

Superiora Local: Irmã Francisca Lobato

Ecônoma: Irmã Escolástica da Silva

Enfermeira: Irmã Jacintha Colturato.

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Neste Capítulo ficou decidido que as Irmãs utilizariam o nome da Ordem e

o sobrenome dos pais; portanto, o nome completo de muitas não coincide com outras

referências, porém, essa decisão não perdura por muito tempo.

No Capítulo de 1909 aconteceu uma nova designação de função e os

trabalhos foram assim organizados:

Piracicaba - Asilo Coração de Maria

Superiora Geral e Local: Irmã Cecília Macedo

Vigária, Secretária e Professora das meninas: Irmã Canuta Vieira

Mestra das Noviças: Irmã Ignez Meneghetti

Mestra das Meninas: Irmã Gertrudes do Amaral

Mestra de cozinha: Irmã Gabriella

Mestra de disciplina: Irmã Clara Graciano

Mestra da disciplina das pequenas: Irmã Ângela Nunes

Mestra da lavanderia, roupeira e enfermeira – Irmã Maria do Carmo

Porteira e Costureira – Irmã Escolástica Silva

Refeitoreira – Irmã Crescencia

Belém do Descalvado - Santa Casa de Misericórdia

Vice superiora Geral e local – Irmã Francisca Lobato

Farmacêutica – Luiza Bosshard

Enfermeira – Irmã Maria do Carmo

Belém do Descalvado - Asilo da Imaculada Conceição

Superiora e mestra do externato – Irmã Margarida de Oliveira

Mestra do externato – Irmã Nazaria Martins

Mestra do externato – Irmã Thereza Matto

Mestra do externato – Irmã Catharina Godoy

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Mestra do Asilo – Irmã Jacintha Colturato

Jundiaí - Hospital

Superiora local – Irmã Virgínia da Silva

Farmacêutica – Irmã Verônica Ramos

Enfermeiras: Irmã Rosa Siqueira e Seraphina Pereira

Neste Capítulo foi decidido, conforme consta na ata, o seguinte:

“determinou-se que nos Asylos haja uma Directora especial das orphãs e que esta deve

prover as necessidades das mesmas e vijiar assiduamente para que tudo proceda com

ordem e se guardarem a disciplina”. (Livro Ata I, p. 8)

Em reunião do Governo Geral da Congregação das Irmãs Franciscanas do

Coração de Maria, de 1910, foi decidido abrir o Asilo Santa Maria em Campinas/SP, as

Irmãs designadas para a obra foram: Irmã Francisca Lobato, Superiora Local, Irmã

Clara Graciano, auxiliar. (Ata I, p. 8v).

O referido asilo não teve continuidade e fechou no mesmo ano, porém não

constam os motivos. Outro dado relevante é que no último governo de Irmã Cecília foi

aberta outra fraternidade religiosa com uma obra social em Campinas/SP, que é o

Colégio Santo Antonio e, posteriormente transformou-se em Creche Bento Quirino.

Essa informação não consta no Livro Ata.

O último Capítulo Geral analisado foi o de 1912, quando Irmã Cecília

deixou de ser a Superiora Geral e passou a ser a quarta conselheira. Neste capítulo ela

escolheu residir em Jundiaí/SP. As atividades das Irmãs ficaram assim definidas:

Governo Geral de 1912

Superiora Geral – Irmã Ignez Meneghetti

Primeira Conselheira – Irmã Gertrudes do Amaral

Segunda Conselheira – Irmã Nazaria Martins

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Terceira Conselheira – Margarida de Oliveira

Quarta Conselheira – Cecília de Macedo

Piracicaba - Asilo Coração de Maria

Superiora - Irmã Ignez Meneghetti

Mestra das Noviças – Irmã Isabel do Sagrado Coração

Secretária Geral, ecônoma e professora das Irmãs e meninas – Irmã

Gertrudes do Amaral

Mestra de disciplina, sacristã, vigilante do dormitório um – Irmã Gabriella

Roupeira, vigilante do dormitório dois – Irmã Ana Maria de São Leonardo

Vigilante da lavanderia e do dormitório três – Irmã Edvirges do Coração de

Maria

Florista e costureira – Irmã Clara Graciano

Porteira, costureira e enfermeira – Irmã Beatriz do Coração de Maria

Professora de trabalho – Irmã Thereza do Coração de Jesus

Mestra de cozinha – Irmã Maria

Professora (classe das pequenas) – Irmã Paulina de Oliveira

Refeitoreira – Irmã Veridiana

Vigilante de recreio (uma cada semana) – Irmãs: Clara, Paulina, Beatriz e

Anna.

Belém do Descalvado - Santa Casa de Misericórdia

Superiora – Irmã Nazaria

Farmacêutica – Irmã Luiza

Enfermeira – Irmã Maria do Carmo

Ajudante – Irmã Jacintha

Jundiaí - Hospital São Vicente de Paulo

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Superiora – Irmã Cecília

Farmacêutica – Irmã Canuta

Enfermeiras – Irmãs Rosa e Crescencia

Ajudante – Irmã Imaculada

Belém do Descalvado - Asilo da Imaculada Conceição

Superiora e professora – Irmã Margarida

Professora, vigilante de dormitório e refeitório e recreio das internas – Irmã

Catharina

Porteira, vigilante de cozinha – Irmã Escolástica

Costureira, vigilante de recreio – Irmã Ângela

Campinas - Colégio Santo Antonio

Superiora – Irmã Francisca

Professora – Irmã Magdalena, Virginia e Seraphina

Vigilante de cozinha – Irmã Josephina.

Após descobrirmos o número de crianças atendidas no período pesquisado

em cada ano no Asilo, é relevante destacar que a quantidade de Irmãs que trabalhavam

com as internas não era muito grande e tinham como função: administrar a entidade,

ensinar e cuidar das meninas, pedirem esmolas nas cidades e na região rural e fazer a

manutenção da casa. Portanto conclui-se que as religiosas tinham uma carga horária de

trabalho significativa, mas conseguiram levar adiante cinco obras grandes e atenderam

muitas crianças e doentes.

3. Análise do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria

O primeiro livro caixa do Asilo é de 1898 e se encontra no Arquivo

Histórico da Congregação. É um livro vermelho, de capa dura, tamanho: 16 x 23 cm.

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Tem aproximadamente 100 folhas, sem numeração e sem rubrica. Está gravado:

Primeiro Registro do ASYLO. O segundo Livro de Registro do Asilo é de capa dura

cinza, tem aproximadamente 100 folhas e inicia em 1910.

Analisar esse documento é de fundamental importância, pois aponta, pelo

menos parcialmente, a movimentação financeira da Instituição. Quais eram as entradas

e saídas? Como era a manutenção do Asilo? Constatar se realmente o Asilo vivia de

doações e do trabalho das Irmãs e internas? Verificar se os testemunhos sobre a pobreza

são verídicos? Observar se ficou registrado quem fazia as doações e se elas eram

regulares ou esporádicas? Enfim, a análise do livro ajudará a responder algumas dessas

indagações e complementará a pesquisa dos documentos que se referem ao período em

questão.

O livro caixa é um documento muito extenso, pois a cada mês há o registro

das entradas, assim agrupadas: trabalhos, ofertas indeterminadas ou determinadas e

ofertas das benfeitoras; e o das saídas: alimentação (víveres), saúde (médico e

farmácia), escola e outros. Como o tabelamento das informações ficaria um texto

demasiadamente longo e poderia não responder aos objetivos desta pesquisa, optei por

verificar o fluxo de caixa de três anos: 1898 – ano da abertura do Asilo, 1906 – data do

primeiro capítulo geral e 1912 – quando Irmã Cecília deixa de ser a Superiora Geral.

Gostaria de informar que a moeda utilizada neste período era contos de réis.

Tabela 1 – Caixa de 1898

Data Ativo Passivo A - P

Trabalhos

Ofertas Ofertas das benfeitoras

Alimentação

Saúde Escola Outras despesas

02/1898 38,000 250,000 400,000 151,000 ------ 53,000 107,500 376,500

03/1898 30,000 20,000 100,000 109,100 ------ -------- 50,000 - 9,100

04/1898 --------- 66,000 300,000 120,000 ------ -------- 53,000 193,000

05/1898 47,000 92,000 ----------- 160,400 ------ -------- 127,300 - 148,700

06/1898 --------- 283,000 ----------- 181,500 ------ 7,500 56,000 38,000

07/1898 --------- 63,000 150,000 202,100 2,000 19,100 70,000 - 80,200

08/1898 16,000 33,500 240,000 159,000 3,000 21,500 106,000

09/1898 --------- 67,500 100,000 148,100 5,800 34,000 - 20,400

10/1898 28,000 334,500 1.050,000 171,800 ------- 5,000 256,000 979,700

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11/1898 --------- 54,000 150,000 185,900 -------- 16,200 27,000 - 25,100

12/1898 20,000 112,500 ---------- 183,800 3,000 40,000 37,000 - 131,300

Total 179,000 1.376,000 2.490,000 1.772,700 5,000 149,600 839,300 1.278,400

Fonte: Primeiro Registro do ASYLO

Analisando a Tabela 1 é possível perceber que o maior volume de entradas é

em relação a doações, tanto o realizado pelas benfeitoras, que no livro traz especificado

o nome da pessoa que fez a doação, quanto as doações determinadas e indeterminadas.

Nos meses que não houve a doação de um dos grupos ou que ela foi num valor menor,

percebe-se que o gasto de alguns meses expressa um déficit.

Em relação às despesas, fica evidente que o maior gasto é com a

alimentação e ainda não expressa o gasto real, pois as Irmãs recebiam muitos

mantimentos dos agricultores e comerciantes.

O investimento em saúde – médico e farmácia, é irrisório, porém o livro

menciona em diversos meses a palavra “grátis”, indicando que as Irmãs e internas

receberam atendimento, mas sem honorários para a Instituição.

Em relação aos gastos com a escola, também, é um valor baixo, mas o que

se conclui é que as aulas eram ministradas na própria Instituição, não se pagava

professor, sendo necessário apenas a compra de material, que no máximo era caderno e

lápis, pois não se utilizava livro e a diversidade de material escolar deveria ser muito

insignificante no período.

O item outras despesas, na maioria das vezes, o livro especifica os gastos:

pagamento de luz e água, viagens de carro, concertos, sapatos, fazenda (tecido para

roupas), utensílios, pagamento de mão-de-obra, entre outros.

O primeiro ano de funcionamento do Asilo, conforme consta no livro,

fechou o caixa com um saldo positivo, porém não traz os gastos com a construção do

prédio e as dívidas advindas deste investimento. Portanto, não é possível afirmar

claramente se a Instituição tinha ou não esse dinheiro em caixa.

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Tabela 2 – Caixa de 1906

Data Ativo Passivo A - P

Trabalhos Ofertas Ofertas das benfeitoras

Alimentação Saúde Escola Outras despesas

01/1906 93,600 184,360 144,000 19,400 -------- 0,800 1.043,190 - 641,430

02/1906 51,500 286,140 90,000 93,340 ------- 30,000 273,160 31,140

03/1906 58,500 42,400 --------- 122,200 ------- 5,700 25,500 -52,500

04/1906 4,200 26,140 150,000 26,500 ------ 5,600 235,600 - 87,360

05/1906 18,600 144,640 170,000 84,380 ------- 2,000 270,250 - 23,39

06/1906 25,000 142,630 152,000 304,500 ------- ------ 318,900 - 303,770

07/1906 17,000 408,520 3.050,000 146,660 64,610 83,200 2.370,775 810,270

08/1906 18,000 52,240 150,000 77,840 ------- 24,100 668,900 - 550,600

09/1906 91,000 77,700 50,000 121,050 1,000 13,400 53,600 29,650

10/1906 99,500 836,640 30,000 13,620 200,000 17,480 156,600 578,440

11/1906 6,000 54,200 770,000 49,700 --------- 30,420 37,000 713,080

12/1906 344,000 162,320 ----------- 149,220 --------- 23,050 244,000 90,050

Total 826,900 2.417,930 4.756,000 1.208,410 265,610 235,750 5.697,480 593,580

Fonte: Primeiro Registro do ASYLO

O livro de Primeiro Registro do Asilo recebeu, em 1906, o visto e aprovação

de Frei Bernardino de Lavalle, que acompanhou o primeiro Capítulo Geral da

Congregação, como Comissário dos Capuchinhos.

A Tabela 2 reforça o que foi mencionado na Tabela 1, no que diz respeito a

doações, pois são as maiores receitas do Asilo.

Em relação às despesas há uma alteração: o livro especifica na Tabela 2, no

item outras despesas, material de construção como: ferro, madeira e ainda mão-de-obra,

pintura, o que permite a conclusão de que o Asilo está sendo reformado ou ampliado.

Isso não aparece na Tabela 1.

Está incluso nas outras despesas o pagamento de funcionário, que não havia

no primeiro ano analisado. Provavelmente é apenas um, pois aparece um pagamento por

mês e está no singular – ao empregado – e o valor que foi gasto.

Outro dado importante é que os seis primeiros meses do ano ficam

praticamente negativos, as entradas insuficientes para cobrir os gastos. Em julho há uma

entrada significativa e a ecônoma do Asilo registrou que foi uma doação recebida do

Governo do Estado, no valor de 3.000,000.

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Após a instabilidade dos primeiros meses, o Asilo acaba fechando o ano

com um saldo positivo. Há aumento das doações e não há mais registro de gastos com

construção, estabilizando a movimentação financeira da Instituição.

Tabela 3 – Caixa de 1912

Data Ativo Passivo A - P

Trabalho Ofertas Ofertas das Benfeitoras

Alimentação Saúde Escola Outras despesas

01/1912 60,500 220,200 629,000 70,900 17,700 5,400 469,600 346,100

02/1912 71,000 66,700 387,000 234,600 --------- ------- 191,700 98,400

03/1912 120,000 117,800 1.795,000 167,700 --------- 11,500 457,500 1.396,100

04/1912 74,000 79,300 180,000 100,800 --------- -------- 364,700 - 132,200

05/1912 20,500 269,750 210,000 132,200 0,500 2,400 507,700 - 142,550

06/1912 102,500 449,500 168,000 55,100 --------- ------- 195,300 469,600

07/1912 ---------- 129,600 339,000 206,300 -------- ------- 749,630 - 487,330

08/1912 25,000 132,000 3.110,000 155,500 --------- -------- 171,300 2.940,200

09/1912 19,500 78,000 110,000 20,200 --------- -------- 107,800 79,500

10/1912 115,000 117,000 ----------- 149,600 --------- -------- 340,000 - 257,600

11/1912 42,000 67,900 235,000 22,800 --------- -------- 277,500 44,600

12/1912 314,00 24,500 50,000 194,400 79,600 87,750 305,000 - 278,250

Total 964,000 1.752,25 7.213,000 1.510,100 97,800 107,050 4.137,730 4.076,570

Fonte: Segundo Registro do ASYLO

O saldo final de 1912 é o maior dos três anos analisados. Irmã Cecília deixa

o cargo de superiora geral e de diretora da Instituição com a situação financeira

relativamente estável. As doações, tanto as indeterminadas como as das benfeitoras são

significativas, confirmando o que foi mencionado no capítulo primeiro desta pesquisa,

que as referidas voluntárias e a sociedade piracicabana contribuíram significativamente

para a expansão do Asilo.

É possível perceber que, no mês de agosto, há um novo repasse do Governo

do Estado, no valor de 3.000,000 contos de réis, como acontecera no ano de 1906.

Pesquisei os demais anos e constatei que houve repasse de recurso em: dezembro de

1899 - no valor de 2.990,000; em abril de 1900 - no valor de 2.990,00; em abril de 1901

– no valor de 2.990,000; em outubro de 1904 – no valor de 2.975,000; em julho de

1906, conforme consta na Tabela 2; em agosto de 1907 – no valor de 1.750,000; em

julho de 1908 – no valor de 2.000,000; em novembro de 1908 – no valor de 2.250,000;

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em janeiro e agosto de 1910 – no valor de 3.000,000 cada parcela; em outubro de 1911

– no valor de 3.000,000 e finaliza com a doação apresentada na Tabela 3, no ano de

1912.

O que foi possível averiguar é que por meio do repasse do Governo

Estadual, o Asilo conseguiu saldar suas dívidas e terminar o ano com recurso em caixa.

A breve análise financeira dos três anos propiciou verificar as principais

entradas – as doações, mas também perceber que a venda dos trabalhos das Irmãs e

internas foi um recurso contínuo. Os maiores gastos foram com a manutenção – tanto a

alimentação como as reformas e construções.

Outra questão relevante é construir um asilo, cuidar de 50 a 70 meninas em

média e 8 a 10 religiosas com dinheiro de doação, que é um recurso incerto, pois a

Instituição pode, como também, não pode receber. Penso que este foi um dos maiores

desafios e neste aspecto aparece a vivência da pobreza, que norteia o seu seguidor a

viver apenas com o suficiente, esperando que Deus em sua providência divina, tenha

compaixão dos seus filhos e filhas.

4. Educação Franciscana do Coração de Maria expressa nas Constituições e

Diretórios das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria

Observando as Constituições e os Diretórios das Irmãs Franciscanas do

Coração de Maria, foi possível encontrar alguns aspectos relevantes em relação à

Educação. No primeiro Estatuto Disciplinar e Diretório do Noviciado – 1906, há poucas

referências, pois a maioria dos capítulos dizem respeito à vida religiosa. A mesma idéia

aparece na Regra e Constituições de 1921.

Os documentos subseqüentes trazem informações fundamentais sobre a

Educação Franciscana do Coração de Maria. O que se pode concluir é que as primeiras

Irmãs vivenciaram e foram descobrindo um caminho, um método, um jeito de educar e,

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106

só posteriormente foi possível sistematizar o processo em forma de artigos inclusos nas

Constituições e Diretórios.

Nos Estatutos Disciplinares e Diretório do Noviciado de 1906 encontram-se

apenas dois parágrafos que se referem ao trabalho das Irmãs com as meninas internas.

Citarei os textos conforme o original, procurando garantir a centralidade e a

essencialidade do contexto. O primeiro é do Capítulo II em seu parágrafo VIII, que diz:

Procurem as Irmãs edificar-se reciprocamente, bem como ás

proprias alumnas, mediante uma santa emulação no esforço

assíduo de emitar a N. S. Jesus Chisto, a Sua SS. Mãe e ao

nosso Serafico Padre; e sejam diligentes em despertar na

infancia o amor da modestia, da piedade, do trabalho e de todas

as virtudes. (p. 37)

Evidenciam-se neste texto os valores religiosos que eram ensinados, a

imitação de Jesus Cristo, de Nossa Senhora e de São Francisco - aqui denominado por

Seráfico Padre. Outro aspecto bem difundido entre as Irmãs e alunas era a vida simples,

modesta, sem ostentação, a dedicação ao trabalho e a vivência das virtudes.

Essas atitudes são muito peculiares às Ordens e Congregações religiosas

franciscanas. A exigência na vivência das virtudes era mais rigorosa para as Irmãs, que

faziam um voto e dedicavam-se na observância das leis estabelecidas, porém essas

mesmas virtudes eram ensinadas para as alunas, como parte integrante do cronograma

de disciplinas do Asilo Coração de Maria.

No Capítulo III em seu parágrafo II, diz:

A Superiora geral visite annualmente todas as suas Casas, e

examine com toda a diligencia, mas tambem com muita

caridade e prudencia, todas as Religiosas, particularmente a

cerca da observancia da santa Regra e destes estatutos, do

espirito de oração, do silencio, da caridade e concórdia entre as

irmãs, do tratamento das infermas, da disciplina, educação e

instrucção das alumnas. (p. 61)

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Destaquei esse texto, pois menciona que a responsabilidade da educação e

instrução das alunas é, em primeiro lugar, da Superiora Geral da Congregação. Ela tem

a incumbência de zelar pela observância da vida religiosa, bem como de todo trabalho

realizado pelas Irmãs.

Neste período de 1906 a Congregação já possui três filiais: Santa Casa e

Externato Imaculada Conceição em Descalvado/SP e o Hospital em Jundiaí/SP.

Portanto há necessidade de a Superiora Geral acompanhar todas as ações das Irmãs,

para que o carisma, o espírito da vida religiosa e as virtudes evangélicas sejam

vivenciadas por todas.

A Regra e Constituições das Irmãs Terceiras Regulares de Piracicaba – eram

chamadas assim neste período, porém são as mesmas Irmãs Franciscanas do Coração de

Maria - de 1921, apresenta o Capítulo VII sobre a educação nos asilos. No número 176

a 181 diz:

176 - Nos Asylos o compartimento destinado ás Irmãs, será

separado do das meninas. Estas nunca devem ser admitidas nos

logares regulares, nem terão relações, senão com suas Mestras

e a Superiora.

As Irmãs com ellas não se comunicarão sem necessidade e

nunca lhes confiarão recado algum para fora do Convento.

177 – Tanto as Mestras como as outras que se acharem em

communicação com as meninas deverão considerar como

principal cuidado o formar á virtude o coração dellas e ensinar-

lhes a conhecer a Deus.

Em tão nobre e caridoso officio as Irmãs devem mostrar todo o

seu zelo, e com paciencia esforçar-se por insinuar na mente das

creanças os bons principios da instrução intellectual a par de

um cuidado e zelo especial para inspirar-lhes uma boa e solida

instrução moral christã.

178 – O programma do ensino a observar-se nas escolas, será o

mesmo adoptado pelos Grupos Escolares e por outras

Congregações congêneres á nossa.

179 – As Irmãs que forem escolhidas para o ensino, procurarão

ser claras e comprehensiveis em suas lições, sem ostentação,

pois vã é a sciencia quando não é acompanhada da humildade.

Serão diligentes na vigilância continua das meninas que lhes

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forem entregues, visto como onera a consciencia da Superiora e

das Irmãs o mal que as meninas consciente ou

inconscientemente venham a commetter por falta de vigilancia.

180 – Evitem as Irmãs alimentar e muito mais manifestar

sympathia ou affeição para com alguma em particular, embora

apresente melhores qualidades que outras.

Amem as suas alumnas não com amor de sympathia natural, ou

amizade particular, mas com verdadeiro affecto de caridade, de

compaixão e de estima.

Lembrem-se sempre que Jesus Christo N. Senhor mostrava

grande attractivo para as creancinhas e garantia que dellas é o

reino dos céos.

Procurem as Irmãs tratar as meninas com affago materno,

compassivo, como si fossem suas proprias filhas, sempre

dentro dos limites da conveniencia religiosa, illustrando e

ennobrecendo o coração das meninas, para que um dia possam

entrar na sociedade, educadas e saibam se comportar sem

prejuizo da salvação de sua alma. O cargo de mestra por

conseguinte, é de grande responsabilidade, pois, depende do

bom ensino e da perfeição dos trabalhos domesticos a honra do

Instituto e o aproveitamento de muitas creanças que vivem no

abandono e na ignorancia.

181 – As Irmãs, portanto destinadas pela obediência a

exercerem esses cargos tão melindrosos e difíceis procurem

desempenhal-os com diligencia e zelo, scientes de que estão

praticando uma das mais importantes obras de caridade.

Cuidem de formar nas discipulas um espírito docil, alegre e

recto, tirando das lições, as reflexões moraes e opportunas;

evitando o mau trato e palavras asperas e pezadas para com

ellas.

Não sejam porém de demasiada condescendencia e abstenham-

se absolutamente de dar indiscrecta confiança ás meninas,

porque isso prejudica á disciplina da Casa e faz que as creanças

se tornem desrespeitosas, insubordinadas á Directora e Mestra

que mais confiança lhes derem.

Em summa deverão alliar a doçura com a auctoridade, o rigor

com a benignidade de forma que sejam não só estimadas, mas

respeitadas e temidas pelas discípulas; moderadas em suas

palavras, como modestas e decorosas no comportamento,

evitando modos contrarios á gravidade religiosa. (p. 114 a 119)

Os referidos números da Constituição trazem aspectos do modo como as

Irmãs concebiam a educação, como procediam com as alunas, os valores que eram

ensinados, as posturas das professoras.

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As alunas ficavam separadas da casa religiosa e não mantinham contato com

todas as Irmãs, só com suas professoras e mestras. Essa separação era para favorecer a

liberdade dos grupos, pois se exigia silêncio quase absoluto na vida religiosa neste

período, uma vida intensa de oração, penitência e jejum. Porém, as alunas tinham os

momentos de lazer, recreação, brincadeiras e gostavam de conversar enquanto

trabalhavam.

Outro aspecto que merece destaque: o relacionamento das Irmãs professoras

com as alunas. As Constituições orientavam que deveria se cultivar um amor sem

acepção de pessoas, o mesmo amor com que Jesus Cristo amou toda a humanidade.

Neste aspecto há uma preocupação em relação à exclusão das que apresentassem algum

tipo de dificuldade, ou até mesmo preconceito em relação a etnia, aspectos físicos ou

asseio corporal. Todas as alunas devem ser tratadas com amor e receber os cuidados e a

instrução devida.

Novamente o texto apresenta a questão da maternidade, muito própria do

franciscanismo e totalmente assumida pelas Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,

que possuem a missão de ser presença do Coração Materno de Maria no mundo. O texto

diz que as Irmãs devem amar suas alunas como se fossem suas próprias filhas.

O ato de corrigir deve manter o equilíbrio, ser de forma dócil, porém com

autoridade; com rigor, mas com benignidade. É a postura que a verdadeira mãe tem na

hora de educar seus filhos, sempre os corrige, mostra o caminho certo, educa, mas numa

postura de quem ama, de quem quer bem, de quem tem um coração benigno e

magnânimo.

Um dado curioso é que as Irmãs nunca devem confiar às alunas recados a

serem transmitidos fora do convento. Há todo um rigor próprio daquele período com

respeito à vida religiosa em conversar com as pessoas na rua, receber visitas – desde que

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não sejam familiares - enfim, uma preocupação um tanto demasiada para os tempos

atuais, porém aceitáveis para a época. A grande preocupação era perder a constância da

vida religiosa.

As Irmãs tinham a responsabilidade para com as internas, pois queriam

evitar qualquer coisa que prejudicasse o bom desenvolvimento das mesmas. Elas

deveriam regressar às suas famílias, casarem-se ou conseguirem um trabalho, sem que

nada de mal as acometesse. Portanto, havia uma preocupação até mesmo exagerada,

mas era em vista do cuidado de vidas que não pertenciam às Irmãs e pelas quais

deveriam responder legalmente.

Em relação ao número 178 - que diz que as escolas da Congregação devem

seguir o mesmo cronograma de ensino das demais escolas - fiz uma pesquisa sobre o

que se ensinava em algumas escolas deste período e, constatei o seguinte:

Disciplinas ensinadas no Asilo Coração de Maria, conforme Estatuto:

“Religião, História Sagrada, Caligrafia, Leitura, Composição, Noções de Aritmética,

Noções de geografia e história – com especialidade de Geografia e História do Brasil,

Trabalhos manuais e especialmente Costura, Civilidade, Serviços domésticos e de

cozinha, Música”. (MARCON, 1996, v. 4, p. 133)

Grupo Escholar: Leitura e princípios de gramática; escripta e

calligraphia; calculo arithetico sobre números inteiros e

fracções; Geometria practica (tachimetria) com as noções

necessárias para as suas applicações á medição de superfícies e

volumes; Systema métrico decimal; Desenho a mão livre;

Moral practica; Educação cívica; Noções de geographia geral;

Cosmographia; Geographia do Brazil e especialmente do

Estado de S. Paulo; Noções de sciencias physicas, chimicas e

naturaes, nas suas mais simples applicações, especialmente á

hygiene; Historia do Brazil e leitura sobre a vida dos grandes

vultos da historia; Leitura de musica e canto; exercícios

gymnasticos, manuaes e militares apropriados a edade e ao

sexo. (CAMARGO, 1900, p. 146)

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O referido Grupo Escolar foi fundado em 13 de maio de 1897 em

Piracicaba/SP e segue o programa das escolas modelos do Estado na época.

Comparando um programa com o outro percebe-se pouca diferença – o primeiro

menciona as áreas do conhecimento; o segundo acrescenta algumas e explica o que é

trabalho sucintamente em cada disciplina.

O cronograma do Asilo Coração de Maria traz um diferencial muito próprio

das Instituições confessionais, que é o ensino da História Sagrada e Religião, como

também de matérias específicas para mulheres: Trabalhos manuais e especialmente

Costura, Serviços domésticos e de cozinha.

A Eschola de D. Eulalia, de ensino particular, fundada em 15 de maio de

1876 em Piracicaba/SP, ensinava: “Arithmetica, Geographia, Historia, Civilidade,

Catechismo e Trabalhos de agulha” (CAMARGO, 1900, p. 150).

O Collegio da Assumpção de Nossa Senhora, fundado em 1896 em

Piracicaba/SP e dirigido pelas Irmãs de São José, ensinava-se as seguintes matérias:

Doutrina Christã; Leitura e calligraphia; Lições de cousas;

Lingua portugueza e franceza – isto é: grammatica, arte de

compor com correcção, declamação, etc; Arithmetica e

Desenho linear; Geographia e Cosmographia; Historia Sagrada,

Universal e Patria; Noções de Botanica e Historia Natural;

Noções de Physica e Chimica; Canto; Toda a espécie de

trabalho de agulha; Civilidade, etc; Gymnastica de salão.

Lições especiais: línguas Ingleza e Allemã; Piano; Desenho de

gosto. (CAMARGO, 1900, p. 152)

O Colégio Assunção era um internato particular para meninas e depois

tornou-se um colégio externo.

Mencionei alguns cronogramas de outras escolas, pois julguei pertinente

fazer a comparação entre as escolas estaduais, particulares e de caridade (assistência

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social) e perceber que há diferenças, porém o núcleo comum é mantido no Asilo, apesar

da falta de recursos, contando sempre com as doações da comunidade.

Retornando aos documentos da Congregação, no Diretório de 1934

encontram-se diversas questões utilizadas para exame de consciência43

das Irmãs que

eram educadoras. O texto traz as seguintes reflexões:

Estou compenetrada de que Deus me pedirá conta de cada

creança por elle confiada aos meus cuidados? Defendo sempre

a innocencia e virtude de meus discípulos? Amo a todos,

somente por amor de Deus? Tenho particularidade para com

algum delles? Preparo bem minhas licções? Tenho zelo pelo

progresso de cada alumno? Procuro conhecer o caracter, o

temperamento, as boas e más qualidades de cada creança, para

poder dirigir-lhe os primeiros passos na vida moral e ensinar-

lhe, pouco a pouco, a proceder, por própria determinação, afim

de que saiba evitar os perigos e escolher o caminho do dever e

da virtude? Deixei as creanças entregues a si proprias ou a

pessoas incompetentes, na classe, nos recreios ou em outros

lugares? Procurei exercer vigilancia constante, mas suave? Se

fui obrigada a castigar, fi-lo na proporção da falta e após ter

exgotado os meios de bondade e persuasão? Dou aos alumnos

o exemplo de zelo e paciencia? Procuro, sempre, incutir no seu

espirito a estima pela virtude e o temor do peccado? (p.36)

O referido exame de consciência aponta diversas posturas das Irmãs

Educadoras e por se tratar de vida religiosa, qualquer postura contrária era considerada

pecado, portanto não favorecia a perfeição e por conseguinte não se conquistava a

salvação. Com isso quero afirmar que tais atitudes eram amplamente observadas e

vivenciadas pelas Irmãs.

Primeiramente o texto afirma que quem confiou o cuidado das crianças às

Irmãs foi o próprio Deus, portanto elas devem esmerar-se pelo crescimento e

43

Exame de consciência é um exercício de piedade feito à noite, antes de dormir, para analisar todas as

ações diárias, pedir perdão a Deus pelas falhas e pecados e louvá-Lo pelas atividades benéficas que foram

realizadas.

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aperfeiçoamento das mesmas. A fé cultivada na época e até os dias atuais, é que Deus

vai pedir contas de tudo o que Ele concedeu e confiou a cada pessoa.

Posteriormente é a preocupação da educadora em defender a inocência e as

virtudes das alunas. É evitar que se deixem contaminar pelo pecado, pela crença em

outras seitas religiosas, que se desviem da vivência das virtudes cristãs, que se tornem

pessoas maléficas, capazes de explorar, enganar e mentir.

O terceiro aspecto é o mesmo que já mencionado anteriormente em relação

ao amor sem fazer diferenças. Amar as alunas com o mesmo amor de Deus, isto é, ama

a todos igualmente, pois são todos seus filhos.

Merece destaque também, a preocupação em preparar as aulas

adequadamente, sempre pensando no bom desenvolvimento de cada aluna. Preparar

bem as lições para poder ser entendida de maneira muito simples. A expressão “bem”,

quer dizer de todo coração, conforme a necessidade de cada um, com todo cuidado, com

toda atenção, enfim, como Deus faz, que é o Sumo e verdadeiro Bem. Portanto, a

palavra “bem” para a vida religiosa é uma exigência radical.

O exame de consciência revela que a Irmã educadora deve conhecer o

caráter e o temperamento da sua aluna, para ajudá-la, para fazer as interferências

necessárias e ensinar-lhe o caminho da verdadeira virtude. O ato de educar da Irmã

Franciscana do Coração de Maria não consiste apenas na formação intelectual, em

transmitir conhecimentos historicamente acumulado, mas também conhecer a vida e os

sentimentos das suas alunas, com intuito de formar a integralidade da pessoa.

O texto menciona a questão dos castigos às alunas, porém esses só poderiam

ser dados após terem-se esgotado todas as demais possibilidades de correção, através da

bondade e do diálogo, do convencimento do que é correto. Não menciona a forma de

castigo, porém deve ser proporcional às faltas. Isto quer dizer que o castigo de uma

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criança não deve ser tão rigoroso, pois não possui a maturidade de planejar, de querer e

fazer o mal. Crianças cometem pequenas desobediências ou transgressões que devem

ser corrigidas, mas com suavidade, conforme diz o texto.

Outro texto do mesmo Diretório, menciona mais alguns dados relevantes

sobre as professoras e assistentes das meninas:

Para as professoras e assistentes alcançarem seus elevados fins,

sobre a infância e juventude, devem, como jardineiras, cultivar,

no terreno dos corações infantis, as flores variegadas das

virtudes. Alli, devem brotar o gosto e o amor ao estudo serio,

prompta obediência, e respeito profundo á legitima autoridade.

Alli, também, deve florescer sinceridade infantil, piedade

solida e illibada pureza. As educadoras e assistentes acautelem-

se de querer desconhecer ou abafar os sentimentos de

independencia e iniciativa pessoal dos alumnos. A sua tarefa é

somente envereda-los pelo recto caminho. Ensinem ás creanças

a aspirar o bem, livremente, não constrangidas. Só obterão

verdadeira formação do carecter e liberdade interior, quando

tiverem levado os educandos a empregar toda disciplina em

robustecer a vontade, para conquistar a mais bella virtude – a

victoria de si mesmo. Meios meramente naturaes não são

sufficientes para alcançar tão altos fins. O que uma educadora

verdadeiramente implora, antes de tudo, do Pae das luzes, é a

illustração do alto e a graça divina para si e seus educandos. A

razão e a fé, motivos e meios naturaes e subrenaturaes, quando

unidos, effectuam o que nem um nem outro – só – conseguiria.

(p. 90)

Esse texto descreve algumas características fundamentais da educadora – a

questão da preparação do terreno para o cultivo; não é a transposição da terra, mas a

utilização de tudo o que a criança já possui, procurando não tolher sua liberdade e

iniciativa, mas mostrar como é possível melhorar, ampliar horizontes, desvendar novos

caminhos.

Reforça a questão da união entre fé e razão, as duas vias que possibilitam o

verdadeiro desenvolvimento do ser humano. Para as instituições católicas não há como

separar essa duas forças que favorecem todo o saber da pessoa.

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5. A visão educacional das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria registradas

nas Fontes Históricas da Congregação

As Fontes Históricas da Congregação: coletânea de textos feitos por

religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, com a

finalidade de se juntar o conteúdo esparso em outros cadernos; apostilas e anotações

constantes no arquivo, para constituir um único volume, o que facilitaria às Irmãs o

conhecimento de dados até então desconhecidos e serviria como um documento de

pesquisa. É intitulado Fontes Históricas da Congregação, elaborado por ocasião do

Capítulo Geral de 1985.

O texto é mimeografado, com cento e quarenta e três páginas e retrata os

principais fatos da Congregação religiosa, acontecimentos da origem, revela atitudes,

modo de ser e pensar, iniciativas e trabalhos das primeiras obras. Para a elaboração

desse volume o testemunho das primeiras Irmãs, que nesse período ainda viviam, foi de

grande valia, bem como referencias do arquivo da Província dos Capuchinhos de São

Paulo.

Embora as Fontes Históricas relatem dados importantes sobre a vida

religiosa nos primeiros anos da Congregação, no presente texto apresentarei apenas

informações referentes ao trabalho com as internas, à maneira como as Irmãs cuidavam

e educavam as meninas, no início do Asilo Coração de Maria.

Antes mesmo de inaugurar a casa, que inicialmente se denominou:

Recolhimento, Irmã Cecília e Irmã Valéria já haviam acolhido duas órfãs em suas

residências: Maria Joaquina, que ficou com Irmã Cecília e Odila, com Irmã Valéria

(AQUINO, 1985, p. 4). As órfãs residiram por um ano nas casas das Irmãs da Ordem

Terceira, até à inauguração do Asilo em 1898. Esse fato merece destaque, pois revela

que as Irmãs Cecília e Valéria já haviam se comprometido com a obra educacional e

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assistencial; estavam dispostas a levar adiante o desejo do Frei Luiz Maria de abrir uma

casa para acolher e educar meninas pobres de Piracicaba/SP.

Em relação à órfã Maria Joaquina, AQUINO apresenta um texto

significativo:

Enquanto se prosseguiam as obras da construção do Asilo,

Mamãe Cecília, que freqüentava a Igreja Coração de Jesus, dos

frades, começou a notar uma menina, sempre ajoelhada aos pés

do altar de Nossa Senhora, rezando com muito fervor. Um dia

chamou-a de parte e perguntou que era e o que pedia. A

menina respondeu: “chamo-me Maria Joaquina, sou órfã e

venho todos os dias pedir a Nossa Senhora que fique pronto

logo o Asilo para eu poder entrar”. O coração compassivo de

M. Cecília comoveu-se. Levou a menina para sua casa,

cuidando-a com carinho maternal e no dia da inauguração do

Asilo matriculou-a sob o nº 2. (1895, p. 23)

O texto apresenta uma problemática da época, a questão da orfandade, pois

pelos vários casos citados nas Fontes Históricas e outros que já foram apresentados

nesta pesquisa, as crianças não tinham um lugar definido e, algumas famílias não

tinham condições de cuidar na ausência da mãe.

Diversas órfãs ou alunas que entraram no Asilo Coração de Maria para

estudarem optaram pela vida religiosa, porém, desde o início, essa decisão sempre foi

livre. Já foi apresentado o caso da Irmã Isabel do Sagrado Coração, acolhida por Irmã

Cecília num estado lastimável, doente, desnutrida e sem cuidados necessários para uma

criança. Em seguida apresentarei mais dois casos que julguei pertinente por se tratar de

situações bem diferentes.

Irmã Catarina Dermira de Godoy – perdera a mãe muito cedo e

teve a infelicidade de ver sua madrinha passar-se ao

espiritismo. O pai, seu único arrimo, temendo que por sua

morte a filha fosse acolhida pela madrinha e obrigada a aderir à

odiosa seita, logo depois de aberto o Asilo, entregou-a a Madre

Cecília, dando parte de seus temores e pedindo que recebesse a

sua filha. De boa vontade foi atendido e N. Senhor coroou esta

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caridade dando vocação religiosa a essa órfã, que passou a

considerar-se 2 vezes filha de Mamãe Cecília.

Irmã Filomena Maria Vooca – órfã de mãe, morava com o pai

nos confins de um bairro piracicabano. O pai não era bom,

deixava a menina sozinha em casa até altas horas e muitas

vezes voltava embriagado. Ela quase morria de pavor de ser

atacada por algum malfeitor. Sabendo da abertura do Asilo,

veio bater às portas, sendo recebida muito carinhosamente por

Mamãe Cecília. Faleceu mui santamente. (AQUINO, 1985, p.

23 e 25)

As Fontes Históricas registram também, sete cartas de Irmã Cecília à Irmã

Maria Imaculada, num tratamento muito familiar de mãe e filha. A razão dessa

proximidade chama a atenção, pois quando Irmã Cecília iniciou os trabalhos em

Descalvado/SP, denominada na época de Belém do Descalvado, passou um período no

hospital para auxiliar as Irmãs na organização dessa casa de saúde. Durante esse tempo,

uma senhora estava muito doente e foi cuidada pelas Irmãs. Antes de falecer entregara

sua filha Tereza aos cuidados das Irmãs. Posteriormente a menina ficou no Asilo

Coração de Maria e optou pela vida religiosa, recebendo o nome de Irmã Maria

Imaculada. (AQUINO, 1985, p. 82)

Dentro deste mesmo contexto, encontramos outra órfã, Cesira M. Graciano,

que fora acolhida ainda menina por Irmã Cecília e recebera o nome religioso de Irmã

Clara. Desta Irmã, as Fontes Históricas da Congregação apresentam três cartas redigidas

por Irmã Cecília, sempre demonstrando cuidado, atenção e acima de tudo incentivo na

fidelidade à vida religiosa.

Apresentarei uma carta que Irmã Cecília destina a Teresa – Irmã Maria

Imaculada - retrata uma postura muito particular do jeito da Irmã Franciscana do

Coração de Maria educar.

12/07/1905 – Estimada Teresa, Boa Filha.

Recebi a vossa carta e também o cartão (bilhete de satisfação)

tive grande prazer vendo a sua boa vontade assim fazendo dará

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grande gosto a sua boa Mestra, a Nossa Senhora; e à pobre

Mãe, continue boa filha um dia ficará mais contente, quando

compreender as misérias de outros que não querem seguir o

bom caminho; reze sempre, filha, pelas, órfãs e abandonadas,

você graças a Deus tem aí as Irmãs e a boa Vitória que dia e

noite zelam por você e a Mãe longe mesmo não esquece-se aos

pés d’Aquele bom Jesus preso e desprezado (pelo nosso amor

fica em nossas casas) dos homens; lembra sempre de fazer

visitas e nessas peça pela Mãe que tanto precisa de orações.

[...] Abraçando a filha peço que continue a enviar-me boas

notas. Vossa em Jesus Cristo.

Mãe e amiga.

Irmã Cecília. (AQUINO, 1985, p. 56)

O texto é de uma singeleza singular e esse modo de se relacionar revela a

educação transmitida pelas Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. No ato de ensinar

faz-se necessário a proximidade, o conhecimento da pessoa, da sua história, dos seus

sonhos e ideais. Há uma reciprocidade, uma troca experiência e informações.

Nesse contexto cria-se um ambiente familiar, um espaço onde a criança e o

adolescente sentem-se seguros, tranqüilos, confiantes. É uma particularidade do próprio

carisma congregacional – ser presença do Coração Materno de Maria. A postura de Irmã

Cecília demonstra uma mãe que está empenhada na boa educação da filha, por isso se

alegra com as informações recebidas, transmite orientações, faz refletir, mostra os

valores fundamentais. Neste momento as interferências vão ocorrendo e o conhecimento

vai sendo elaborado.

Faço uma ressalva: Esses valores são conservados até os dias atuais e

transparecem em algumas atitudes das crianças e adolescentes do Lar Escola. Por

exemplo: os alunos gostam de ficar descalços na creche – o espaço é seguro, familiar.

Um menino do jardim II, com apenas cinco anos, quer vir para a creche aos sábados e

domingos; outra aluna do maternal II, três anos, não quer ir para casa no final do dia,

após passar dez horas na creche e longe da mãe. Neste último caso a família não

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apresenta nenhuma negligência. Os alunos de 11 anos – última turma– ficam tristes,

pois não poderão mais freqüentar a Instituição no ano seguinte. Todas essas situações

foram vivenciadas por mim e me fazem questionar: qual é o verdadeiro sentido do atual

Lar Escola – antigo Asilo Coração de Maria - para essas crianças? O que os motiva estar

participando deste projeto?

Esse jeito de acolher, ensinar, conviver é uma herança legada pelas

primeiras Irmãs e aprendida através do modo de ser franciscano, que prioriza a

dignidade da pessoa, a convivência fraterna, a partilha e a pertença.

AQUINO descreve, também, como era a primeira estrutura física do Asilo

Coração de Maria:

A CASA – para aproveitar melhor o terreno, construiu-se um

edifício de três andares, sendo o terceiro um tanto baixo,

poeticamente apelidado pelas Irmãs de “paraíso.

Ao lado, um portão e um pequeno patamar. Entrando-se no

prédio – propriamente dito por um corredor, vai-se deixando

lateralmente, escritório, locutório, refeitório, copa, cozinha.

Uma escada elevada ao segundo andar, onde se achava a

Capela, com janelas para o nascente, e celas das irmãs.

Primitivamente as meninas tinham seu dormitório no “paraíso”.

Nos fundos do edifício havia uma pequena área que servia para

as recreações das orfãzinhas. (1985, p. 7)

O texto apresenta uma estrutura simples, mas com espaço suficiente para

atender o primeiro grupo de Irmãs e internas, que, no início, era pequeno. Merecem

destaque algumas considerações. Primeiro é o aproveitamento do terreno, pois foi

construído um prédio de três andares para que as educandas tivessem espaço adequado.

O objetivo era de expansão, de empreendedorismo, de possibilitar uma estrutura

condizente ao bom funcionamento e atendimento da obra.

Um segundo fator é o cuidado das Irmãs para com as órfãs, que é expresso

no texto de duas formas: a primeira é a transferência do dormitório, que no início

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localizava-se no “paraíso”, um espaço grande, porém muito quente por estar próximo ao

telhado. O “paraíso” é hoje um depósito. A segunda é a área de lazer para as meninas

brincarem, uma particularidade muito própria da educação franciscana, que defende a

idéia da fraternidade universal, onde todos são irmãos, inclusive a natureza. O contato

com as plantas, com o ar e com a terra, para o franciscano, favorece o desenvolvimento

físico, afetivo, cognitivo e espiritual.

Em relação ao terreno do Asilo Coração de Maria, ficou guardado o desenho

de Irmã Clara que residiu no Asilo como aluna, tendo o nome de Cesira M. Graciano. E

mostra que o espaço era grande principalmente o pomar, que tinha plantação de

jabuticabeiras, laranjeiras, ameixeiras e mangueiras (LIMA, 1992, p. 47). O prédio não

era muito grande, mas tinha dois andares e o terceiro – que ficava perto do telhado,

denominado paraíso – também era utilizado no início, como dormitório. A construção

era dividida em salas de aula, dormitórios, refeitório, clausura, capela, escritório,

cozinha e lavanderia.

Esse mesmo terreno, hoje passou por diversas alterações, ampliando os

espaços e expandindo o atendimento, bem como a planta foi refeita.

Existem alguns testemunhos de Irmãs que conviveram com Irmã Cecília e

revelam um pouco o modo de ser da fundadora e o que ela transmitiu às suas

companheiras. Merecem destaque, pois deixam transparecer a postura educacional dos

primeiros anos. São informações importantes, já que não dispomos de documentos

próprios que revelam os princípios educativos do Asilo Coração de Maria.

Em 1968, foi coletado um testemunho de Irmã Geralda, que diz:

[...] pudemos confirmar o que sabemos sobre a sua grande

preocupação no amparo e auxilio aos pobres, nomeadamente as

crianças órfãs. Queria, dizia ela – poder amparar, proteger e

bem encaminhar a todas as orfãzinhas de nossa cidade.

Costurando para as crianças pobres, dizia às suas

colaboradoras: “além de ser uma obra de misericórdia vestir os

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nus, devemos nos empenhar em promover a higiene física e

mental dessas pobrezinhas”. E mais tarde, lutando sempre para

conseguir realizar seu sonho de assistência aos pobres, dizia:

Minhas filhas, se penoso é lutar, mais glorioso e consolador é

pensar que procuramos o bem e se Deus nos tem provado com

dificuldades é sinal certo de que está contente com nosso

esforço; não vamos parar. (AQUINO, 1985, p. 101 e 102)

A utopia de Irmã Cecília era a formação da inteireza da pessoa: cognitiva,

afetiva, psíquica e social, assegurando seus direitos e possibilitando o seu

comprometimento com os deveres, que estão intimamente relacionados com a

autonomia, restabelecimento da dignidade e emancipação da pessoa, para que possa

viver bem e ser feliz.

O testemunho de Frei Timóteo de Miranda, aos 2 de fevereiro de 1984,

expressa a preocupação de Irmã Cecília para com as alunas e para o com os formandos

capuchinhos, do qual ele fazia parte. Ele expressa:

[...] Durante o tempo da provação ela exerceu, com ternura e

afetos de mãe, quase se esquecendo de si mesma, o encargo de

orientadora do seu grupo no cuidado da criação e educação, das

criancinhas carentes e desamparadas no Lar Coração de Maria

Nossa Mãe, onde nasceu também da fecundidade do seu grande

amor a Deus no serviço dos irmãos, a Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria. Eu me lembro que estando

no noviciado ali pertinho no Convento Sagrado Coração de

Jesus, em Piracicaba, no tempo das laranjas a gente saboreava

de vez em quando uma cesta de laranjas que Madre Cecília

mandava para os fradinhos. O pé de laranja era nomeado por

ela como sendo: “A laranjeira dos Noviços Capuchinhos”.

Depois vinham os docinhos, os biscoitos que nós tanto

apreciávamos. (AQUINO, 1985, p. 102 e 103)

O testemunho deixa evidente a questão da maternidade de Irmã Cecília, sua

abnegação e dedicação no atendimento às alunas. Sua postura de mãe não se restringe

apenas às alunas do Asilo, mas extrapola os muros da Instituição e abrange os Irmãos

Capuchinhos, dos quais Irmã Cecília nutria um afeto especial. Destaco também, que

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nesse período Frei Timóteo estava no noviciado, Irmã Cecília encontrava-se no chalé,

afastada da convivência fraterna das Irmãs.

As Fontes Históricas, como já foi mencionado, trazem poucas informações

sobre a proposta educativa dos primeiros anos de fundação do Asilo, porém os

testemunhos são precisos para compreender a dimensão do trabalho realizado pelas

Irmãs, as proporções que a entidade foi adquirindo e o zelo, o esforço e o empenho

aplicados, para que houvesse a expansão da instituição; acima de tudo é sensível a

dedicação em ensinar com esmero e cuidar com amor e zelo materno da primeira

comunidade de educadoras.

6. Testemunhos de alunas internas e religiosas do Asilo Coração de Maria

Apresentarei alguns testemunhos de ex-alunas internas do Asilo Coração de

Maria e de religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria que

conviveram com Irmã Cecília. Os dados foram extraídos dos volumes 1 e 2 dos

Testemunhos escritos sobre a serva de Deus Madre Cecília do Coração de Maria

(MARCON, 1992), porém os textos originais – alguns datilografados outros

manuscritos – encontram-se no Arquivo Histórico da Congregação. Os referidos livros

foram elaborados em vista do processo de canonização de Madre Cecília do Coração de

Maria, portanto, trazem diversas informações sobre o modo de agir, as virtudes que

revelam a santidade da fundadora. Destacarei apenas o que diz respeito à educação das

alunas, convivência, situações peculiares que envolveram Irmãs e internas.

Outro fator a ser destacado em relação à análise dos testemunhos é que eles

foram coletados muitos anos depois, portanto, as alunas e religiosas que viveram no

Asilo já se encontravam idosas, porém lúcidas para redigir ou ditar as informações

solicitadas.

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6.1 Testemunho coletado por Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus

Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus coletou alguns testemunhos em

1985 a pedido da Superiora Geral – Irmã Armanda Franco Gomes de Camargo, de

religiosas que conviveram no Asilo.

O primeiro testemunho é de Irmã Luíza de Santa Sofia. Ela tomava conta do

refeitório do Asilo e certo dia, não tinha nada para servir como lanche para as internas,

então foi comunicar a Irmã Cecília:

- Não temos nada, pra pôr na mesa. Mamãe lhe disse:

- Faz aquele tal bolinho de fubá e um pouco de trigo.

- Tem fubá, tem um pouco de trigo, mas, não tem gordura para

fritar.

Acabando de falar, tocaram a aldrava da portaria. Chegou uma

bandeja grande com os tais bolinhos ainda quentes. Eram

tantos que todas comeram bem. Quando a pessoa entregou os

bolinhos foi-lhe perguntado em qual endereço deveriam

devolver a bandeja. Foi respondido: A bandeja pode ficar aí.

(MARCON, 1992, v. 1, p. 32)

O fato narrado por Irmã Luíza vem confirmar o que foi apresentado nos

textos anteriores em relação à pobreza, sendo que, muitas vezes, não tinham o

necessário para comer. Confirma, também, a generosidade do povo piracicabano, que

sempre ajudou na manutenção do Asilo.

O segundo testemunho é da Irmã Aurora Maria de São Francisco. Ela

relatou que Irmã Nazária, a co-fundadora, gostava de fumar cachimbo e ao ingressar no

Asilo, Irmã Cecília deu-lhe licença para continuar fumando, porém, longe das Irmãs e

internas.

Destaquei esse dado, pois desde o início até hoje é proibido fumar nas casas

religiosas. Não é um bom testemunho, além de prejudicar a própria saúde e a das

demais pessoas. No entanto, Irmã Cecília abre uma precedência para Irmã Nazária, que

já tinha certa idade e não conseguia deixar o vício. Respeitou a diferença, mas manteve

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o necessário cuidado em relação às crianças e às outras Irmãs. Essa postura é expressão

de acolhimento e aceitação das diferenças. Atitudes próprias dos franciscanos.

6.2 Testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo

O testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo, que nasceu em

Descalvado/SP, entrou na Congregação em 1909 e faleceu em 25 de setembro de 1980,

foi escrito por Irmã Maria Júlia da Eucaristia e diz:

Mamãe Cecília se preocupava com a saúde da gente. Quando

lhe pedi para ser franciscana, ela me perguntou entre outras

coisas: Você tem boa saúde? Acha que vai agüentar? Me

parece tão pálida... Derepente, me perguntou: Você quer bem

sua mãe? Até me assustei, Mamãe Cecília pegava a gente de

todo jeito, não era moleza, não! Ela sempre falava que a Irmã

tem que gostar muito da oração e também de trabalhar. Ela se

preocupava de uma Irmã Josefina dizendo: Perde tempo, não

tem amor à oração, por isso é que não gosta de trabalhar

também. A Irmã que não tem amor à oração e não gosta de

trabalhar, não é do espírito de São Francisco. (MARCON,

1992, v. 1, p. 56)

O referido texto destaca duas características muito particulares da vida

religiosa: a Oração e o Trabalho. Essas virtudes são vivenciadas não apenas entre as

Irmãs, mas também transmitidas às internas e posteriormente às alunas. É com esses

elementos que entendemos melhor as disciplinas trabalhadas no Asilo: Religião,

História Sagrada, trabalhos manuais, costura, serviços domésticos e de cozinha.

A preocupação com a saúde é um fator que até nos dias atuais é levado em

consideração para quem queira se tornar religiosa, pois o artigo 111.1 das atuais

Constituições das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria diz que: “as postulantes,

para ingressarem no noviciado, não podem sofrer doença grave ou mal crônico”. (Regra

e Constituições Gerais da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,

2000, p. 89)

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As Irmãs se preocupavam com a saúde das jovens que almejavam tornar-se

religiosas. Primeiro, por ser um quesito fundamental na formação da pessoa humana e

segundo, porque eram necessárias pessoas sadias para os trabalhos da Instituição, tanto

na formação, como na manutenção.

6.3 Testemunho da Irmã Maria Júlia da Eucaristia

Irmã Maria Júlia da Eucaristia ingressou na congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria em 23 de dezembro de 1933 e tornou-se religiosa em

28 de novembro de 1942. Encontrou-se algumas vezes com Irmã Cecília e foi num

destes momentos que recebeu uma tarefa da fundadora: “cuide bem das crianças”.

(MARCON, 1992, v. 1, p. 72)

Irmã Maria Júlia na ocasião da visita à Irmã Cecília morava em Barra

Fria/SC e trabalhava com escola e catequese. O fato aconteceu em 1949, portanto Irmã

Cecília estava com 97 anos, mas sua atenção ainda estava voltada para o cuidado das

crianças. O conselho é dado pela mãe que continua se preocupando com o bem estar das

suas filhas.

Diante dessa orientação dada por Irmã Cecília e que permeou os seus 98

anos de vida, penso que se faz necessária uma breve colocação sobre o ato de “cuidar”

de crianças. Essa postura envolve todas as dimensões do ser humano: cuidados

relacionais, cuidado das dimensões afetivas, cuidado quanto aos aspectos biológicos,

cuidado quanto aos aspectos cognitivos e psíquicos, enfim, é um cuidado que abarca o

desenvolvimento integral da pessoa.

A breve expressão – “cuide bem das crianças” – não pode ser analisada de

maneira simplista, pois carrega a força de um carisma e de uma espiritualidade

congregacional, trazendo presente a lembrança que Deus cuida. É uma ação concreta e

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possível de ser realizada, que está ao alcance de todos. É a mesma postura do Bom

Samaritano (Bíblia de Jerusalém, 2002, p. 1808), que não conhecia quem estava

precisando de cuidados, simplesmente vê a pessoa e atende suas necessidades porque

ela era uma filha de Deus.

Neste sentido o educador – aquele que cuida – deve estar atento à criança,

suas necessidades, suas expressões, seu contexto histórico, seus sentimentos e suas

manifestações, para que possa compreendê-la e saber orientá-la.

Na perspectiva do cuidado, FOREST comenta:

Para cuidar é preciso um comprometimento com o outro, com

sua singularidade, ser solidário com suas necessidades,

confiando em suas capacidades. Disso depende a construção de

um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado. É preciso que

o professor possa ajudar a criança a identificar suas

necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma

adequada. Deve-se cuidar como pessoa que está num contínuo

crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua

singularidade, identificando e respondendo às suas

necessidades, Isso inclui interessar-se sobre o que a criança

sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à

ampliação desse conhecimento e de suas habilidades, que aos

poucos, a tornarão mais independente e mais autônoma. (p. 5)

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, também, traz

uma colocação sobre o cuidado com crianças:

A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro

a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e

ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em

relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão

expressiva e implica em procedimentos específicos. (Brasil,

1998, p. 24)

A dimensão do cuidado para Irmã Cecília e suas companheiras está mais na

perspectiva religiosa, na dimensão de que Deus cuida de nós diariamente e a nossa

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missão é cuidar dos irmãos e da natureza, pois a pessoa é continuadora da criação

divina.

As Irmãs se dispõem a servir do jeito franciscano, pois assumem a tarefa do

cuidado da pessoa, como imagem do próprio Cristo. Só é capaz de amar a Cristo quem

ama e ajuda os que Cristo amou: a humanidade.

Pois a extraordinária devoção da caridade elevava-o para as

coisas divinas, que sua afetuosa bondade dilatava-o para os que

eram seus consortes, pela natureza e pela graça. Pois não é para

admirar que aquele que a piedade do coração tornara irmão das

outras criaturas, fazia-se pelo amor de Cristo ainda mais irmão

dos que se distinguem pela imagem do Criador e foram

remidos pelo sangue de seu Autor. Não se considerava amigo

de Cristo se não procurava ajudar as almas que Ele remiu.

(SILVEIRA, 1996, p. 527)

Outro testemunho deixado por Irmã Evangelina Maria de São Francisco,

que ingressou na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria em 26 de

julho de 1925 e tornou-se religiosa em 3 de janeiro de 1933, afirma o que ouviu de Irmã

Cecília:

Todo cuidado é pouco, dizia, para dar aos pobres doentes a

assistência que eles precisam e esperam, tanto material como

espiritual. Que a Irmã enfermeira não se recolha antes de

verificar se os doentes estão bem e não precisam de alguma

coisa. (MARCON, 1992, v. 1, p. 99)

A mesma Irmã Evangelina deixa outro texto, com data de 7 de agosto de

1983, que diz:

Durante o tempo de postulado e ano canônico pude sentir

quanto de ternura existia no coração de nossa querida Mamãe

Cecília. Era notável sua preocupação pela saúde física e vida

de oração de cada uma de nós. Perguntava sempre se a gente

estava contente, se gostávamos de rezar e também de trabalhar.

Não escondia igualmente o seu grande amor e zelo pelas órfãs.

Mesmo nos últimos tempos de sua existência, já quase sem a

integridade de suas faculdades mentais não se esquecia das

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meninas pobres, órfãs e necessitadas ou desamparadas.

(MARCON, 1992, v. 1, p. 100)

O ato de “cuidar bem” é uma característica que aparece em diversos textos,

portanto é possível concluir que esse é o modo mais expressivo de educar das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria.

6.4 Testemunho da Irmã Maria Apparecida Rocha

A Irmã Maria Apparecida Rocha ingressou na Congregação das Irmãs

Franciscanas do Coração de Maria em 20 de novembro de 1938 e tornou-se religiosa em

2 de fevereiro de 1947, recebeu o nome de Irmã Eleta.

Ela afirma um fato peculiar que aconteceu:

Sempre dadivosa não deixava ninguém sair de sua companhia

sem servir-se de uma guloseima, apresentada com muito

carinho:

- Minha filha, quer comer uns docinhos?

- Não, mãe, hoje é 6ª feira.

- Eu posso dar licença, minha filha. (MARCON, 1992, v. 1, p.

160)

Mencionei esse fato porque há dados peculiares sobre a formação. Primeiro,

a atenção de Irmã Cecília para com as pessoas que dela se aproximam, conforme foi

mencionado no primeiro capítulo. Um segundo elemento é a desobediência a uma

norma estabelecida, pois sexta feira é um dia de penitência, recordando a paixão e morte

de Jesus, portanto não se serviam doces e nem carne. A única pessoa que poderia

dispensar essa prática era a superiora ou uma autoridade eclesiástica.

Irmã Cecília, neste episódio encontra-se no chalé, fora da vida fraterna, mas

mesmo assim, assume a postura de quem pode dispensar outra Irmã de seus

compromissos religiosos.

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O fato expressa a flexibilidade de Irmã Cecília diante dos acontecimentos.

Os encontros devem ser celebrados com alegria e festa, mesmo que seja dia de

penitência. É a mesma atitude de Jesus que diz: “Vocês acham que os convidados de um

casamento podem fazer jejum enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está

presente, os convidados não podem fazer jejum”. (Bíblia de Jerusalém, 2002, p. 1762)

O testemunho de Irmã Justa Maria afirma a mesma postura que mencionei,

anteriormente, de Irmã Cecília:

Mamãe Cecília já residia no Chalé. Certamente achando a falta

de mim, foi ao Lar para me ver e encontrando-me doente,

mandou chamar Madre Gertrudes e Madre Inês e disse-lhes o

que estavam esperando; que chamassem um carro e, ela que me

levou à santa Casa e fiquei quase 2 meses internada;

certamente o caso era de inspirar cuidados: rins. Explico-me: o

carro era puxado por 2 cavalos, era de 4 rodas, 2 assentos. No

da frente o que dirigia os animais, e, atrás, quem alugava. Era

coberto por lona preta, bem protegido. Havia charretes de

aluguel, mas eram sem cobertura. Bonita a atitude de Mamãe!

Pegou o melhor! (MARCON, 1992, v. 1, p. 176)

Neste texto a postura de Irmã Cecília é mais radical ainda, ela quebra o

protocolo, dando uma ordem para a própria Superiora Geral – Irmã Inês e para a

Superiora Local – Irmã Gertrudes.

Irmã Cecília coloca a vida do doente acima de qualquer cargo e é capaz de

deixar sua casa (chalé) e acompanhar a Irmã que necessita de atendimento médico. Com

essa atitude ensina para suas Irmãs como deve ser o cuidado para com os doentes.

Mesmo afastada da obra e da vida fraterna, Irmã Cecília continua ensinando

um aspecto fundamental na educação franciscana do Coração de Maria: a flexibilidade,

quanto aos acontecimentos, à capacidade de adaptar-se às mais diversas situações e ao

sentido de pertença. Mesmo estando longe ou fora da comunidade, a Irmã ou a

educanda faz parte do grupo, da família religiosa.

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6.5 Testemunho de Maria Aparecida Pereira Cotrim

Maria Aparecida Pereira Cotrim é ex-religiosa e ingressou na Congregação

das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria em 1951, fez a profissão definitiva em

1959 e pediu o indulto de secularização em 1971.

O testemunho é significativo, pois retrata uma convivência cotidiana com a

fundadora do Asilo e algumas atitudes que eram bem particulares de Irmã Cecília.

Maria Aparecida conheceu Irmã Cecília a partir dos sete anos, pois tornou-se sua

vizinha.

Toda minha família era muito unida a ela num contacto

humano, fraterno e filial pois para nós todos, ela era a Mamãe

Cecília muito querida; ela participava de nossa vida familiar,

desde fornecendo água aos pedreiros que construíram nossa

casa, acompanhava quando viajávamos dizendo-nos que

tomava conta da casa; me esperava das viagens com doces que

ela guardava; interessava-se pela minha formação autorizando

uma das irmãs do Lar Escola (Asilo de órfãs) a me ensinar

piano; ela mesma me ensinou renda turca e ponto cruz; se

preocupava com minha saúde e ensinava chás e outros remédios

como vermífugo que ela mesma preparava (MARCON, 1992,

v. 2, p. 329)

Os cuidados da fundadora extrapolam os muros do Asilo e até mesmo o

chalé, onde residia. Destaco o fato da solicitação que Irmã Cecília fez às Irmãs do Asilo,

para que fornecessem aula de piano para Maria Aparecida.

O título de Mamãe Cecília, não é só das Irmãs e das órfãs, mas também da

comunidade e das pessoas que a conheciam, pois o testemunho retrata que a família de

Maria Aparecida usava o referido tratamento.

6.6 Testemunho de Bárbara Vicentin Cordeiro

Bárbara Vicentin ingressou na Congregação em 1953, fez os votos

religiosos definitivos em 1959 e pediu o indulto de secularização em 1971, deixando

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definitivamente a vida religiosa. Bárbara, além de interna do Asilo, ajudou a cuidar da

filha de Irmã Cecília – Rosa – no chalé.

O ingresso de Bárbara no Asilo aconteceu em 1939, quando tinha oito anos.

Seu testemunho é muito simples, porém retrata a questão das normas e das exigências

no Asilo.

Mamãe Cecília era rígida, muito boa, mas era enérgica. [...] no

Asilo tudo era bem regulamentado e com isso aprendi muitas

coisas. Tudo isso foi Mamãe Cecília quem ensinou, sempre

com a preocupação de educar as crianças. Convivi com pessoas

enérgicas e por isso aprendi a: é ou não é. (MARCON, 1992, v.

2, p. 335)

O fato apresenta a postura firme de Irmã Cecília quando está à frente do

Asilo. A expressão “tudo era bem regulamentado”, demonstra a organização e a

disciplina do Asilo. Naquele tempo a observância das normas, regras e horários eram

seguidos sem contestação, fazia parte da educação e dos bons costumes. Indicavam,

também, fidelidade a Deus, pois os superiores eram os representantes d’Ele na terra.

6.7 Testemunho Magdalena de Faria Gonçalves

Magdalena tornou-se religiosa em 1941, mas pediu o indulto de

secularização em 1985. Residiu no Asilo de 1939 a 1944 e exerceu a função de

professora das internas.

Uma ocasião fui levar-lhe uma carta, a mandado de Madre Gertrudes.

Quando cheguei, Mamãe Cecília notou que eu estava de hábito, murça

e véu novos e perguntou onde é que eu ia. Disse-lhe que ia ao cinema

com as meninas a fim de ver uma sessão de prestidigitação.

Mamãe Cecília imediatamente proibiu mandando um recado para

Madre Gertrudes dizendo que esse lugar não era ambiente nem para as

Irmãs nem para as meninas. Eu fiquei apavorada. Ao chegar perto de

Madre Gertrudes dei o recado – ela ralhou comigo por ter falado e

disse que ela era a superiora da casa e ... quem manda aqui dentro sou

eu e, todo o mundo foi ao espetáculo. (MARCON, 1992, v. 2, p. 370)

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O testemunho de Magdalena apresenta um fato hilário, porém que deixa

claro a postura enérgica e decisiva da fundadora do Asilo, mesmo afastada da

comunidade religiosa.

6.8 Testemunho de Rosa Leite

Rosa Leite foi aluna interna do Asilo no tempo de Irmã Cecília. Era órfã e

foi acolhida por Irmã Canuta – uma das primeiras religiosas do Asilo. Quando deu o seu

testemunho em 1984 estava com 76 anos e morava na cidade de São Roque/SP. Ela diz:

Bem, estou fazendo o trabalho de Mamãe Cecília. O sacrifício

que ela fez por mim, faço pelas meninas. Trabalho, não ganho

nada de ninguém, sacrifico-me e não quero que elas sofram

humilhações por serem necessitadas. Já criei umas quinze.

Umas casaram, outras me abandonaram que nem sei por onde

andam.

No momento tenho quatro comigo. Uma já é professora,

comprou seu próprio piano e já está no 2º ano do conservatório.

(MARCON, 1992, v. 2, p. 407)

O testemunho apresenta a continuidade do projeto de Irmã Cecília em suas

ex-alunas, pois Rosa deixa o Asilo e posteriormente passa a cuidar de meninas pobres e

necessitadas. Por meio da sua ação minimiza o sofrimento de quem sofre a dor do

abandono, assim como foi atendida na infância.

Em outra parte do testemunho, Rosa afirma como Irmã Cecília era exigente

com as alunas internas. Queria tudo perfeito.

Era enérgica. Queria as coisas muito direitas, tanto que as

primeiras alunas foram moças ótimas, boas donas de casa.

Passava o dedo nos pratos, talheres, panelas – se estivessem

engorduradas, deixava a culpada mais uma semana para bem

aprender. Revirava os trabalhos, as costuras os avessos dos

trabalhos bordados, exigindo sempre o mais perfeito.

Quando havia alguma traquinice ela chamava a atenção das

meninas incutindo nos seus “pitos” o respeito à presença de

Deus.

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Nunca vi ela por a mão numa menina (para castigá-la) mas

sempre as corrigia com severidade se preciso. (MARCON,

1992, v. 2, p. 408)

As religiosas sempre almejaram a perfeição, pois seguem o exemplo de

Jesus que diz: “Sede perfeitos como vosso Pai do céu é perfeito”, por isso, sempre

houve um primor no ensinar, até mesmo as coisas mais simples, como: cuidar de uma

casa, fazer uma costura ou um bordado. Em relação ao conhecimento isso, também, era

exigido. Fazia-se muito exercício, até ficar muito bom. Era uma prática comum, própria

do contexto histórico e da educação tradicional, que acreditava que a repetição

constante era a mais adequada para aquisição de conhecimento.

Constata-se no testemunho que os erros das alunas não eram corrigidos com

agressões. Havia uma severidade e uma firmeza, porém na medida certa. Outros

testemunhos, já mencionados, revelam a postura educadora de Irmã Cecília, que tem a

postura precisa de ensinar.

Rosa menciona a questão da pobreza no Asilo nos primeiros anos:

A pobreza era tanta que não tínhamos sapatos. Quando algum

negociante mandava alguns pares, umas calçavam o pé direito,

outras o esquerdo e amarrando um dedinho do pé, parecia que

estava ferido e assim bom número tinha sapatos.

Com o tempo foi melhorando porque começaram a receber

encomendas de enxovais. As Irmãs se esmeravam em trabalhar

e ensinar-nos. Eu me especializei em bainha de olho ou

point’ajur e fazia franjas nas toalhas. (MARCON, 1992, v. 2, p.

409)

Realmente a dificuldade financeira era grande no início, como vimos através

da análise do livro caixa do Asilo, porém a criatividade e o árduo trabalho das Irmãs e

alunas internas ajudaram a superar a pobreza e foi possível educar 153 meninas em

quatorze anos, bem como, possibilitar que a instituição chegasse a 110 anos de história.

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6.8 Testemunho de Zuleika Furlani

Zuleika não foi aluna interna do Asilo, mas era neta do João Perchs, o

construtor da entidade. O fato narrado revela a postura maternal de Irmã Cecília quando

Zuleika perdeu sua avó.

Como eu não parasse de chorar, Mamãe Cecília, puxou-me para

si e consolando-me disse: “Deus levou sua avó para o céu, eu

fico sua vovó no lugar dela”. E desde esse dia só a chamei

desse jeito. (MARCON, 1992, v. 2, p. 418)

O testemunho é simples, porém reforça a postura maternal de Irmã Cecília,

seu olhar e atenção em relação aos que mais precisam, sua fragilidade diante do

sofrimento.

Todos esses fatos forneceram os elementos e as bases para a elaboração e a

efetivação do jeito franciscano das Irmãs do Coração de Maria educar e realizar as ações

que são próprias da Congregação Religiosa.

6.9 Testemunho de Therezinha Cangiani Borges

Segundo o testemunho, Therezinha foi para o Asilo com três anos e

permaneceu até os treze. O motivo pelos quais ela passou a residir com as Irmãs foi

porque sua mãe precisava trabalhar e não tinha onde deixar os quatro filhos, então as

três meninas ingressaram no Asilo e o irmão foi para o colégio dos padres.

Lembro-me muito da Madre Canuta que seria a superiora e bem

mais de Irmã Clara que foi a minha mãe. Na hora de sua morte

ela mandou entregar o terço dela para mim. Foi minha

verdadeira mãe. Eu a chamo de mamãe até hoje. (MARCON,

1992, v. 2, p. 422)

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O testemunho reforça a idéia de maternidade presente nas seguidoras de

Irmã Cecília, uma presença marcante de afetividade, atenção, cuidado, zelo e postura

educativa que deixou marcas significativas na vida das alunas.

Os testemunhos fazem referência a posturas, ensinamentos e convivência

que jamais foram esquecidas, pois marcaram profundamente a vida das alunas. Quase

não há presença de negatividade, revolta e correção demasiadamente severa. Em

hipótese isso poderia ter acontecido, porém não aparecem nos textos.

6.10 Testemunho de Maria Cristina Toledo Hatz

Maria Cristina perdeu a mãe muito cedo e era a oitava filha do casal. O pai e

os irmãos mais velhos não conseguiram cuidar da criança, por isso, ela foi encaminhada

para o Asilo. Morou com as Irmãs até aproximadamente dez anos, quando sua irmã

forçou-a a ir morar com ela, porém logo se separaram e Maria Cristina foi trabalhar no

Instituto Penido Burnier em Campinas/SP, no qual as Irmãs trabalhavam.

Mamãe Cecília tinha um coração que não era dela. Tinha uma

presença que não sei explicar. Ela transmitia confiança,

carinho. Nunca tive medo dela. Que força vinha dela pra mim!

É como se trocássemos energia sem saber. Criatura fantástica!

Ah! Bons tempos! Antes não tivesse saído, sabe por que? Ali

era um pedacinho do céu que a gente vivia.

Ela tinha um coração que se desmanchava. Era só uma criança

estar um pouco magrinha já ela recomendava que lhe dessem

um mingau dizendo: “Está muito magrinha a menina”.

Ela tinha atenção com as meninas e foi aí que ela ficou sabendo

que uma das Irmãs era violenta com as meninas. Então mandou

que transferissem a Irmã.

Se eu sei bordar muito bem e tenho senso de vida, de

orientação, eu devo às Irmãs.

Eu era por demais arteira mas, lá era minha casa. Se não

pintasse lá, onde iria pintar? Ao sair Mamãe Cecília me disse:

Minha filha, se você precisar, se você se sentir deslocada lá

fora, volte aqui, porque aqui é sua casa. (MARCON, 1992, v.

2, p. 472)

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Termino essa parte dos testemunhos constatando que restaram apenas as

boas lembranças, mesmo em meio à pobreza e muito trabalho, o que permaneceu foi a

formação sólida, os exemplos edificantes, a lembrança de uma convivência sadia e

fraterna, a clareza que o Asilo era mais que um simples internato, era a casa, a moradia

de inúmeras meninas e um espaço onde se cultivavam os valores e a religiosidade.

A análise das fontes primárias do Asilo apresentadas neste terceiro capítulo

possibilitou uma melhor compreensão dos dados que compuseram a primeira e segunda

parte da pesquisa, pois exemplificou a própria organização, estrutura e as influências

que o Asilo recebeu nos primeiros anos de fundação.

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Considerações finais

Ao término desta pesquisa gostaria de acentuar algumas relações entre a

pedagogia franciscana e a educação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, fruto

da permanência do Asilo Coração de Maria, hoje Lar Escola.

A dimensão do serviço na perspectiva franciscana está estritamente

vinculada à dedicação, desvelo e cuidado das Irmãs em educar as crianças,

especialmente as que mais necessitavam. Por meio dos documentos e dos testemunhos

analisados, foi possível perceber a amplitude do trabalho das primeiras Irmãs, bem

como, a generosidade e gratuidade em servir. Elas não mediam esforços para

restabelecer a dignidade das crianças, pediam esmolas, trabalhavam o dia todo e

ensinavam as internas a trabalharem para manterem o Asilo.

O franciscanismo vivencia a minoridade, que é a capacidade de estar a

serviço. Ser menor para o franciscano é aquele que serve, simplesmente porque Deus é

servidor de todas as criaturas. O exemplo máximo desta perspectiva e a centralidade do

franciscano e das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria é a pessoa de Jesus Cristo.

A disposição do viver e do trabalhar do franciscano é sempre de discípulo,

que está aos pés do mestre; do que aprende, tem os olhos e os ouvidos grudados no

mestre, é aprendiz, nunca sabe o suficiente, busca sempre mais, é dócil e obediente.

A educação das Irmãs Franciscanas está repleta de religiosidade, almejando

conscientizar as pessoas de sua dignidade como ser humano, filhos e filhas de Deus.

Despertar para o seguimento de Jesus Cristo, mantendo as pessoas como membros

ativos da comunidade eclesial.

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Outra característica muito peculiar dos franciscanos é a dimensão maternal,

que está intimamente relacionada com a comunhão, com a vida fraterna, com o cuidado

de todas as criaturas.

A tônica maior do franciscanismo é o amor de Deus, que se manifestou

através da encarnação de seu Filho. Ele é o Emanuel – Deus conosco. Portanto, o centro

da vida do ser humano e do mistério da encarnação não é o pecado e sim o amor. Deus é

paternal, maternal, fraternal e unificador. A partir dessa experiência, nasce a proposta

educacional franciscana. Quando o educando se sente amado como pessoa pelo simples

fato de ser gente, ele se sente respeitado e convocado a crescer a partir do amor. As

pessoas que roubam, matam e exploram, são frutos de uma sociedade que não as amou.

Irmã Cecília e suas primeiras companheiras assumiram essa dimensão na

vivência da maternidade. A mãe gera, gesta, dá a luz, cuida, orienta, guia, mostra o

caminho, indica, deixa fazer, ama, dispõe-se, nada guarda para si, tudo faz, doa-se.

Os testemunhos evidenciam toda essa dimensão da maternidade, a tal ponto

de as meninas, órfãs ou não, chamarem as Irmãs de mães, pois recebiam carinho,

educação, cuidado com a saúde e aprendiam as noções básicas de uma profissão:

costura e bordado.

Em relação ao aspecto da liberdade está estritamente vinculada à

compreensão da fraternidade, onde todos são irmãos e tudo é dom de Deus, portanto

faz-se necessário desapropriar-se. A fraternidade cósmica de Francisco não é algo

simplesmente romântico; é antes de tudo um compromisso com a natureza e com o ser

humano. O ser humano reconciliado com Deus, com os irmãos e com a natureza é um

ser livre, pobre, irmão. Essa é uma escolha feita a partir de uma experiência profunda de

Jesus, portanto não é algo imposto. O ser que não tem nada a perder é livre. É um

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peregrino que está em constante aprimoramento da própria existência: é um sair de si

em busca da maturidade.

O despojamento e a pobreza sempre acompanharam a vida das Irmãs,

porque são aspectos da própria espiritualidade franciscana. O empenho de ensinar a

cuidar bem da casa e até mesmo ter uma profissão de costureira ou artesã, que eram

atividades mais próprias das mulheres da época, era objetivando proporcionar a

manutenção da família, evitando assim a miséria, mas cultivando uma vida simples e

modesta.

A opção de trabalhar com os mais necessitados é o real caminho da

liberdade, que olha o ser humano com os olhos do coração. Desta forma a educação está

mais voltada para a coletividade, para a fraternidade. A educação franciscana não é

voltada para si, nem apenas para a família. Ela é bem mais ampla, pois há o sentido de

comunhão, de co-responsabilidade.

Busca educar para a vida e não apenas para o trabalho. Nesta visão se ensina

a viver bem, a buscar o que é essencial para a vida. O educador é um gerador de vida no

mundo.

Essa proposta é mais humanista e nela os valores humanos: alegria, paz,

solidariedade, liberdade e autonomia são fundamentais, porém, a formação intelectual

não é deixada de lado, há uma busca constante pelo saber científico, um cultivo do amor

e do gosto pelos estudos. Nesta perspectiva a técnica não é o centro da formação, mas a

própria pessoa que, utilizando as técnicas, é capaz de formar-se e auxiliar no processo

de formação dos demais.

Na visão franciscana o mundo e as pessoas são dons. Nele e com eles é

possível vivenciar a fraternidade e encontrar um espaço para o pleno desenvolvimento

da criatividade geradora da beleza, da cortesia, da bondade e da verdade.

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140

A tarefa da Irmã Franciscana do Coração de Maria é assumir a educação

como missão, educar a modo do Coração de Maria, na gratuidade; atenção a realidade

do educando; aliar doçura e autoridade, rigor e benignidade; ser mãe e mestra; ser

vigilante e disponível, ser dócil, alegre serena; ter firmeza inabalável; preparo

profissional.

A presente pesquisa respondeu alguns dos questionamentos iniciais,

principalmente no que diz respeito a organização que as Irmãs tiveram ao implantarem a

Instituição. Ficou evidente o auxilio das voluntárias e da sociedade piracicabana na

expansão e na própria manutenção do Asilo.

Em relação às hipóteses apresentadas no início do texto, podemos afirmar

que o Asilo foi criado para atender crianças pobres e abandonadas, fornecer educação de

cunho católico e franciscano, difundindo assim os valores evangélicos. As referências

feitas, os testemunhos apresentados e as reflexões das fontes primárias asseguram tal

afirmação.

Enfim, a educação franciscana do Coração de Maria é hoje, ainda, uma

proposta de esperança e uma possibilidade de uma construção de futuro diferente.

Garante, também, que o sonho e a utopia continuam vivos e, sobretudo, com sua

mensagem de bondade, de simplicidade, de ternura e de pobreza; assegura que vale a

pena, com todas as forças, reencantar o futuro e a educação.

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Anexo 1

Fotografias referentes o período pesquisado – 1896 a 1912

1. Fachada do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1898

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

2. Detalhe da foto anterior, em que se lê na fachada: Asylo do Coração de

Maria Nossa Mãe

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3. Irmã Cecília do Coração de Maria

Fundadora do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1903

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

4. Frei Luiz Maria de São Tiago

Co-fundador do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1902

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

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5. Primeiro grupo de Irmãs Franciscanas do Coração de Maria

que fizeram votos perpétuos em 1921

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

6. Chalé onde residiu Irmã Cecília por 31 anos (1916 a 1947)

Alunas do Asilo participam da procissão de Corpus Christi - 1926

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

7. Primeiras alunas do Asilo coração de Maria Nossa Mãe – 1898 a 1901

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

8. Irmã Cecília encontrando-se com as crianças. A fotografia é referente ao

período que se encontra afastada da administração do Asilo e da congregação –

1935. Neste período a fundadora residia no “Chalé”

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

9. Alunas que deixaram a Instituição visitam Irmã Cecília e o

Asilo Coração de Maria Nossa Mãe - 1948

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

10. Irmãs e alunas residentes no Asilo Coração de Maria Nossa Mãe

recebem a visita de um Frei Evaristo OFMCap. - 1934

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

11. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe fazem apresentações para as

Irmãs: Madre Angelina Maria – Superiora Geral, Irmã Cecília, Madre

Gertrudes, Madre Ignez Maria de Jesus - 1946

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

12. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe em momentos de recreação

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

13. As alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe

realizando atividades na cozinha

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

14. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

15. Rua Boa Morte no início do século XX.

O Asilo Coração de Maria localiza-se nesta rua de Piracicaba/SP

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16. Engenho Central, fundado em Piracicaba/SP em 1881, foi a primeira

unidade açucareira paulista.

17. Plantação de cana-de-açúcar na região de Piracicaba/SP.

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18. Plantação de café na região de Piracicaba/SP

19. Mercado Municipal – 1888 – Piracicaba/SP

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20. Igreja Sagrado Coração de Jesus – 1895 – Piracicaba/SP.

21. Colégio Nossa Senhora da Assunção – 1883 – Piracicaba/SP

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22. Escola Complementar ou Normal de Piracicaba, hoje Sud Menuci - 1897

23. Asilo de Velhice e Mendicidade – 1906 – Piracicaba/SP

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Anexo 2

Fotografias do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe

As fotografias apresentadas no anexo 2 não fazem parte do objeto de

pesquisa, porém apresentam a continuidade do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe,

hoje Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, atendendo uma solicitação da banca de

qualificação.

1. Projeto: Cantando, dançando e brincando – arte do saber

Alunos participam semanalmente das aulas de musicalização – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

Alunos participam semanalmente das aulas de expressão corporal – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

2. Projeto: Construindo o saber

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Alunos participam diariamente de atividades pedagógicas – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

3. Projeto: Família – espaço de convivência e transformação

As famílias participam das atividades proporcionadas pelo Lar Escola – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

4. Projeto: Tecendo saber

Alunos participam de atividades de artes – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

5. Projeto: Brincar resgatando valores

Os alunos diariamente participam de brincadeiras livres e dirigidas – 2008

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

6. Projeto: Vida Saudável

Alunos participam semanalmente de aulas de Educação Física e Judô – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

7. Projeto: Construindo valores para a formação de pessoas de paz

Alunos participam semanalmente das aulas de Ensino Religioso

e Formação de valores – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

8. Projeto: Informática – inclusão digital

Semanalmente os alunos participam de oficinas de informática – 2008

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

9. Projeto: Pequenos chefes

Mensalmente os alunos preparam uma receita para o lanche ou

para sobremesa do dia – 2008

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

10. Projeto: Eco vida

Os alunos realizam periodicamente atividades de horticultura – 2008

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

11. Projeto: Saúde e bem estar

Os alunos participam de atividades que proporcionam vida mais sadia – 2008

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Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.

Foto: Magali Gavazzoni

Nota: Os anexos 3 ao 12 encontram-se no texto da autora, na Biblioteca da Unisal -

Maria Auxiliadora Americana - São Paulo.