Funções complexas

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Capítulo 2 Funções complexas 2.1. Introdução Neste capítulo consideram-se vários exemplos de funções complexas e ilustram-se formas de representação geométrica destas funções que contribuem para a apreensão geométrica dos seus efeitos e para a compreensão de como podem estender funções reais. O exemplo mais importante considerado nesta secção é a exponencial complexa, em associação natural com funções logaritmo que são inversas da exponencial em conjuntos onde esta é uma função injectiva. Consideram-se também outras funções complexas definidas a partir da exponencial, como é o caso de funções trigonométricas, hiperbólicas, potências e exponenciais de base e expoente complexos. Para o leitor que lidou com estas funções exclusivamente no âmbito dos números reais pode parecer surpreendente que as funções trigonométricas possam ser obtidas das funções exponenciais, dado o comportamento muito diferente destas funções no caso real e o facto de terem originado em contextos claramente distintos. L. Euler foi o primeiro a referir a relação entre funções trigonométricas e a função exponencial, numa carta a Johann Bernoulli 1 em 1740 em que escreveu a fórmula . Na verdade, a exponencial complexa, além do caracter de crescimento geométrico da exponencial real, contém o comportamento oscilatório exibido pelas funções trigonométricas reais seno e coseno. É mais um exemplo do poder unificador e simplificador da análise complexa que encontraremos em muitas outras situações. θ θ θ i i e e + = cos 2 O capítulo termina com as noções de limite e continuidade de funções complexas. 1 Johann Bernoulli (1667-1748). 9

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Capítulo 2 Funções complexas

2.1. Introdução Neste capítulo consideram-se vários exemplos de funções complexas e ilustram-se formas de representação geométrica destas funções que contribuem para a apreensão geométrica dos seus efeitos e para a compreensão de como podem estender funções reais. O exemplo mais importante considerado nesta secção é a exponencial complexa, em associação natural com funções logaritmo que são inversas da exponencial em conjuntos onde esta é uma função injectiva.

Consideram-se também outras funções complexas definidas a partir da exponencial, como é o caso de funções trigonométricas, hiperbólicas, potências e exponenciais de base e expoente complexos.

Para o leitor que lidou com estas funções exclusivamente no âmbito dos números reais pode parecer surpreendente que as funções trigonométricas possam ser obtidas das funções exponenciais, dado o comportamento muito diferente destas funções no caso real e o facto de terem originado em contextos claramente distintos. L. Euler foi o primeiro a referir a relação entre funções trigonométricas e a função exponencial, numa carta a Johann Bernoulli 1 em 1740 em que escreveu a fórmula . Na verdade, a exponencial complexa, além do caracter de crescimento geométrico da exponencial real, contém o comportamento oscilatório exibido pelas funções trigonométricas reais seno e coseno. É mais um exemplo do poder unificador e simplificador da análise complexa que encontraremos em muitas outras situações.

θθθ ii ee −+=cos2

O capítulo termina com as noções de limite e continuidade de funções complexas.

1 Johann Bernoulli (1667-1748).

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Page 2: Funções complexas

10 Funções complexas 2.2. Representação geométrica de funções complexas As funções complexas são funções com valores complexos e definidas num conjunto de números complexos, ℂ, com ℂ. Para , →Sf : ⊂S Syixz ∈+= )( ∈yx,

∈), yxℝ,

a função pode-se escrever na forma , com ℝ. Chama-se às funções

)y ),,( vyxu,() xviuyi += ),( yx(xf + (vu , respectivamente, a parte real e a parte imaginária da função

, e escreve-se . ,

),( vuf f =

De forma análoga ao que se convencionou para funções reais, quando a função é dada por uma expressão sem indicação do domínio, considera-se que o domínio é o máximo subconjunto ℂ para o qual a expressão dá valores complexos. ⊂S

Para visualizar o efeito de funções complexas podem-se usar métodos semelhantes aos adoptados para funções reais de variáveis reais, nomeadamente: imagens de curvas no domínio, gráficos (das partes reais e imaginárias, ou das funções módulo e argumento), conjuntos de nível (das partes reais e imaginárias).

(2.1) Exemplo: A função complexa definida no semiplano superior complexo ℂ: .

2)( zzf =∈= ),{( yxS }0>y

Um método de visualizar geometricamente uma função complexa é baseado na representação das imagens de curvas que preenchem o plano complexo, de forma a obter uma ideia geométrica de como a função deforma regiões do plano quando se passa do domínio para o contradomínio.

Figura 2.1: Transformação definida pela função 2)( zzf =

Para a função considerada neste exemplo é prático analisar o efeito da função, , em termos de coordenadas polares, com )(zfw = )sin,(cos θθrz = e

)sin,(cos ϕϕρ=w . A relação entre e w z pode ser expressa pelas igualdades: e 2r=ρθϕ 2=

20 )(r=ρ

. Cada semicircunferência centrada na origem e de raio no semiplano superior complexo transforma-se no subconjunto da circunferência centrada na origem de raio

obtido retirando-lhe apenas o ponto no semieixo real positivo (Figura 2.1).

0r

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2.2. Representação geométrica de funções complexas 11 Cada semirecta do semiplano superior complexo com origem no ponto zero e consistindo nos pontos de argumento transforma-se na semirecta com origem no ponto zero e com argumento (Figura 2.1). Assim, o semiplano superior complexo transforma-se no plano complexo menos o semieixo real positivo.

))yy) +

02θϕ =

( ),,( yxu

=

y

A função pode ser representada em coordenadas cartesianas, com e . Obtém-se

),( yxz =,()( xvzfw ==xu ,( xyiyxyixyxvi 2)()(),( 222 +−=+= .

Cada recta horizontal do semiplano superior complexo, , é transformada na curva de equações paramétricas u , . Eliminando o parâmetro

0yy =2

02 )( yx −= 02xyv = x , obtém-se

a equação da parábola u (Figura 2.2). Cada semirecta vertical do semiplano superior complexo com origem no eixo real , , é transformada no arco de parábola de equações paramétricas , , . Eliminando o parâmetro , obtém-se a equação da parábola , a qual é simétrica da parábola anteriormente obtida com (Figura 2.2).

20 )(y

0(xu =u

0x=

20

2 )2/( yv −

0y

0>yyx02

20 )2x

,0= xx2y v =

22 /() v−

2) −0(x=

0>y

Figura 2.2: Transformação definida pela função 2)( zzf =

Uma outra forma de representar geometricamente uma função complexa é pelos gráficos das partes real e imaginária da função.

f

No caso presente, estas são as funções reais u e v , com (Figura 2.3).

22),( yxyx −= xyyx 2),( =0>y

Figura 2.3: Gráficos das partes real e imaginária da função definida no semiplano complexo superior por 2)( zzf =

Page 4: Funções complexas

12 Funções complexas Também se pode representar geometricamente uma função complexa pelos conjuntos de nível das partes real e imaginária de . Isto corresponde a determinar os conjuntos de pontos do domínio que são transformados em rectas verticais u e em rectas horizontais .

f

ouf

=ovv =

No exemplo presente estes conjuntos são, respectivamente, o arco de hipérbole de equação cartesiana , com , e o arco de hipérbole , com

. Trata-se de hipérboles equilatras que têm por assímptotas, respectivamente, as bissectrizes dos quadrantes definidos pelos eixos dos

022 uyx =− 0>y 2/0vxy =

0>yxx e dos yy , e os próprios eixos

dos xx e dos yy (Figura 2.4).

Figura 2.4: Curvas de nível das partes real e imaginária da função

definida no semiplano complexo superior por 2)( zzf =

Um outra representação geométrica útil, a que se chama o relevo de , é o gráfico da função

f|)(|),( yixfyx +α . Juntamente com gráficos de um argumento de , f

)( yixf +arg),( yx α , obtêm-se representações geométricas completas da função

.(como o argumento de um número complexo é determinado a menos de um múltiplo inteiro de f

π2 , para facilitar a visualização pode ser útil assegurar a continuidade do gráfico nos pontos onde tal seja possível pela utilização de valores apropriados do argumento em regiões diferentes do domínio, em vez de se optar por uma escolha predeterminada como, por exemplo, o argumento principal).

No caso presente, e (ver Figura 2.5). 2|)(| rerf i =θ θθ 2)(arg =ierf

|f| arg f

Figura 2.5: Relevo e gráfico de um argumento de 2)( zzf =

A função considerada é uma bijecção do semiplano superior complexo para o conjunto obtido retirando ao plano complexo o semieixo real positivo e a origem. Contudo, se a função fosse tomada com domínio em todo o plano complexo, o contradomínio seria todo o plano complexo, mas cada ponto não nulo deste plano seria

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2.2. Representação geométrica de funções complexas 13 imagem de dois pontos distintos, um no semiplano superior complexo unido com o semieixo real positivo e outro igual ao simétrico desse ponto em relação à origem e, portanto, na união do semiplano inferior complexo com o semieixo real negativo. Ou seja, os valores da função ℂ ℂ, com recobrem o plano complexo (com excepção da origem) duas vezes. Neste caso, a função não é injectiva e diz-se que a relação inversa é plurívoca e tem dois ramos contínuos máximos, um com contradomínio igual ao semiplano superior complexo unido com o semieixo real positivo e outro com contradomínio igual ao semiplano inferior complexo unido com o semieixo real negativo. Na verdade, a relação inversa deve, neste caso, dar as raízes quadradas de cada número considerado no plano complexo. Sabemos que cada número tem duas raízes quadradas complexas, as quais são simétricas em relação à origem do plano complexo.

:f → 2)( zzf =

(2.2) Exemplo: A função complexa . )1/(1)( −= zzf

O domínio desta função é ℂ . Com e , obtém-se

=S }1{\ ),( yxz = == )(zfw)( ),(),,( yxvyxu

yi−22)1(

)1()1(1),(),(

yxx

yixyxviyxu

+−−=

+−=+ .

O conjunto de pontos que são transformados numa circunferência de centro na origem e raio , cuja equação é u , é a curva de equação cartesiana

, a qual é a circunferência de centro em ( e raio 1 . O conjunto de pontos que são transformados na união das semirectas de declive com extremidade na origem das coordenadas, cuja equação cartesiana é

00 >r22) y+

20

22 )(rv =+2

0 )/1(1( rx =− )0,1 0/ rm

muv =)0,1(

u}

, com , é a curva de equação cartesiana , com , a qual é

a união das semirectas de declive com origem no ponto (Figura 2.6). O conjunto de pontos do domínio que são transformados no eixo imaginário, , é a recta vertical de equação (Figura 2.4). O contradomínio de é ℂ .

)0,0(≠),( vu )1( −−= xmym−

),( yx)0,1(

\

0{0=

1=x f

Figura 2.6: Transformação definida pela função )1/(1)( −= zzf

O relevo de é, neste caso, o gráfico da função (f |)(|), yixfyx +α 22)1(/1 yx +−= , indicado na Figura 2.7. O gráfico do argumento principal de f

Page 6: Funções complexas

14 Funções complexas pode ser obtido notando que Arg Arg 1 Arg , (ver Figura 2.7).

=+ )( yixf −=+− )( )1(/ iyx ),1( yx −

)1−

n

|f|Arg f

Figura 2.7: Relevo e argumento principal da função /(1)( = zzf

2.3. Funções polinomiais e funções racionais complexas Chama-se função polinomial complexa a uma função da forma

nn

n

k

kk zazaazazP +++==∑

=

Κ100

)( ,

com , onde os coeficientes são números complexos. Diz-se que é o grau da função polinomial. Podem também ser consideradas funções polinomiais complexas com coeficientes reais. Chama-se função racional complexa a uma função que pode ser expressa como quociente de duas funções polinomiais complexas.

0≠na ka

2.4. Exponencial complexa Define-se a função exponencial complexa por (Figuras 2.8 e 2.9)

)sin(cos yiyeee xyixz +== + , para ℂ. ∈= ),( yxz

Note-se que a expressão no lado direito só envolve funções reais de variável real que podem ser definidas pelas séries reais de potências

∑∞

=

=0 !n

nx

nxe , ∑

=

−=0

2

)!2()1(cos

n

nn

nxx , ∑

=

+

+−=

0

12

)!12()1(sin

n

nn

nxx .

É fácil verificar que a exponencial complexa assim definida é uma extensão da exponencial real, visto que , e satisfaz as propriedades usuais das exponenciais, nomeadamente, e , , . Além disso,

, , para todo

xxix eiee =+=+ )0sin0(cos0

10 = zwz ee =+

we zz ee /1=−

0≠ze zReeez =|| z ℂ, , para todo ℝ, e 1|| =iye y ∈ zIm é um argumento de . Também é fácil ver que a função transforma a recta real sobre a circunferência do plano complexo de centro na origem e raio 1, e que o contradomínio da exponencial complexa é ℂ . É ainda útil observar que se e só se

ze yiey α

}0{\ wz ee =πki 2wz =− , com ℤ , e que ∈k zz ee = .

Page 7: Funções complexas

2.5. Funções trigonométricas e funções hiperbólicas complexas 15 Analogamente a funções reais, diz-se que uma função complexa é periódica de período ℂ\{0}, ou que ℂ\{0} é um período de , se para todos os pontos

f) =∈w ∈w f )(( wzfzf +

z do domínio . Neste caso, todos os múltiplos inteiros positivos de , com ℕ, também são períodos de . Diz-se que é um período mínimo de

se é um período de e não existe um seu submúltiplo inteiro que seja um período de . Ao contrário do que acontece para funções reais, uma função complexa pode ter mais de um período mínimo.

f wf

fkw ∈k f w

f

As observações anteriores sobre a função exponencial complexa mostram que é periódica de período π2i e que este é o seu único período mínimo.

u(z) v(z)

Figura 2.8: Gráficos das partes real e imaginária da exponencial complexa

|e |z Arg(e )zz

Figura 2.9: Relevo e argumento da exponencial complexa

2.5. Funções trigonométricas e funções hiperbólicas complexas É claro da definição de exponencial complexa que, para ℝ, se verifica

e sin . As funções complexas coseno e seno definem-se estendendo as correspondentes funções reais por expressões análogas, e a função complexa tangente define-se por (Figuras 2.10 a 2.12):

∈y2/)(cos yiyi eey −+= )2/()( ieey yiyi −−=

(sintanz = )/(cos) zz

2cos

zizi eez−+= ,

ieez

zizi

2

−−=sin , zizi

zizi

eeeeiz −

+−−=tan .

Page 8: Funções complexas

16 Funções complexas Como a exponencial é uma função periódica de período π2i , as funções coseno e seno são periódicas de período π2 . Na verdade, este é o único período mínimo destas funções. A tangente complexa é periódica de período π e este é o seu único período mínimo.

|cos z| Arg(cos z)

Figura 2.10: Relevo e argumento do coseno complexo

u(z) v(z)

Figura 2.11: Gráficos das partes real e imaginária do seno complexo

|tan z|Arg(tan z)

/

/

/

/

Figura 2.12: Relevo e argumento da tangente complexa

Analogamente, definem-se as funções complexas seno hiperbólico, coseno hiperbólico e tangente hiperbólica como extensões das correspondentes funções reais (Figuras 2.13 a 2.15):

2cosh

zz eez−+= ,

2sinh

zz eez−−= , zz

zz

eeeez −

+−=tanh .

Page 9: Funções complexas

2.6. Logaritmos complexos 17 É claro que , e . Portanto, as funções complexas coseno hiperbólico e seno hiperbólico são periódicas de período

izz coscosh = iziz sinsinh −= iziz tantanh −=π2i , a

tangente hiperbólica é periódica de período πi e estes são os seus únicos períodos mínimos. Além disso, o coseno hiperbólico pode ser obtido por uma rotação de 2/π em torno da origem seguida da aplicação do coseno trigonométrico; o seno e a tangente hiperbólicos podem ser obtidos por uma rotação de 2/π em torno da origem seguida da aplicação da correspondente função trigonométrica e, depois, uma rotação de 2/π− em torno da origem, sendo esta última equivalente a trocar a parte real com a imaginária e, no final, mudar o sinal da parte imaginária. Estas observações são facilmente identificadas nos gráficos dados nas figuras para as funções envolvidas.

|cosh z| Arg(cosh z)

/

/

/

/

Figura 2.13: Relevo e argumento do coseno hiperbólico complexo

u(z) v(z)

Figura 2.14: Gráficos das partes real e imaginária do seno hiperbólico complexo

|tanh z| Arg(tanh z)

/

/

/

/ Figura 2.15: Relevo e argumento da tangente hiperbólica complexa

Page 10: Funções complexas

18 Funções complexas

2.6. Logaritmos complexos Dado um número complexo em representação polar , uma vez que

, define-se o seu logaritmo por 0≠= θierz

θθ irir eeez +== lnln

θirz += lnln ,

onde rln designa o logaritmo real de r (Figuras 2.16 e 2.17). Em particular, os números reais negativos têm logaritmos complexos, apesar de não terem logaritmos reais.

0>

Como o argumento θ de cada pode ser escolhido num conjunto infinito de valores que diferem de múltiplos inteiros de

0≠zπ2 , conclui-se que o logaritmo complexo

pode ser escolhido entre infinitos valores que diferem de múltiplos inteiros de π2i . Para assegurar a unicidade de valor e a continuidade de zln , pode-se restringir θ a um intervalo semiaberto ⊂I ℝ de largura π2 (corresponde a separar diferentes “ramos” do logaritmo com “cortes” ao longo de uma semirecta com origem no ponto zero). Cada uma destas escolhas conduz a um ramo contínuo do logaritmo2, θi+rz = lnln , com

I∈θ . Chama-se valor principal do logaritmo de z a , onde designa o argumento principal de

0θiln rz +=ln] ππ,− ]θ0 ∈ z . Os logaritmos complexos assim

definidos são extensões do logaritmo real e têm propriedades básicas semelhantes, como , , (a menos de wln+zln) =zwln( wln−zln) =w/zln( zlnn=z nln πk2i , com

ℤ)3. Por convenção, o logaritmo de um número real positivo é sempre considerado como o seu logaritmo real e, portanto, é definido univocamente, a menos que se diga o contrário.

∈k

|ln z| Arg(ln z)

Figura 2.16: Gráficos das partes real e imaginária do logaritmo complexo

2 É ainda possível obter outros ramos, por exemplo considerando “cortes” ao longo de linhas curvas ilimitadas com origem no ponto zero e sem auto-intersecções. 3 Pode haver situações em que haja números da forma ln que não sejam da forma , embora deles difiram de um múltiplo inteiro de

wz ln+ )ln(zwπ2i . Porém, o contrário não pode acontecer. Aplicam-se

observações análogas às outras fórmulas dadas.

Page 11: Funções complexas

2.6. Logaritmos complexos 19

|ln z| Arg(ln z)

Figura 2.17: Relevo e valor principal do argumento do logaritmo complexo

2.7. Potências e exponenciais complexas de base complexa Dados ∈z ℂ , ℂ ℚ, define-se a potência complexa de base complexa e expoente complexo por (Figura 2.18)

}0{\w

∈w \

zww ezz ln=α . Se z é um número real positivo, então zln é real e wz tem um único valor. Caso contrário zln é um logaritmo complexo e, portanto, wz pode ser definido através de uma escolha em valores que diferem de factores de , com ℤ. Chama-se valor principal da potência complexa à função que se obtém pela expressão acima tomando

wk π2ie ∈kwzz α

zln igual ao valor principal do logaritmo de z . Quando z não é um número real positivo wz tem um único valor possível se e só se é um número inteiro. Neste caso,

wwz pode ser interpretado como uma potência inteira de z e coincide com o

correspondente valor da potência inteira como definida no capítulo 1. Se é um número racional que pode ser reduzido à forma , com

wq/p ∈p ℤ e ℕ sem factores primos

comuns, então ∈q

wz pode ser definido através de uma escolha entre q valores que coincidem com as raízes de ordem q de q pz e, portanto, q pzz =qp /wz = , que também está definida para quando . 0=z 0/= p >qw

As potências complexas satisfazem as propriedades , ww zz /1=− 2121 wwww zzz += , mas ( e , com k ℤ . 22121 2) wkiww ezz ww π= πkizwz w 2lnln += ∈

|f| Arg(f)

Figura 2.18: Relevo e argumento do valor principal da potência complexa4 izz α

4 , pelo que | e . ||ln)||(lnln zizzizizii eeeez ArgArg −+

===zi ez Arg−

=| ||ln ziz =Arg

Page 12: Funções complexas

20 Funções complexas Dados w ∈z, ℂ, com , define-se exponencial complexa de base 0≠z z por (Figuras 2.19)

zww ezw ln=α .

Aplicam-se observações semelhantes às feitas para a potência complexa de base complexa e, analogamente, chama-se valor principal da exponencial complexa de base z à função que se obtém pela expressão acima com zln igual ao valor principal do logaritmo de z .

|f| Arg(f)

Figura 2.19: Relevo e argumento do valor principal da exponencial complexa5

wiw α

2.8. Funções trigonométricas inversas Para definir inversas da função complexa coseno, por zw arccos= , com

== wz cos 2/)( iwiw ee −+ , nota-se que esta relação se pode escrever ( , pelo que

01 =iwe )(2)2 +− iwez12 −±= zziwe e )1ln(arccos 2 −±−== zziwz , ou, atendendo a que 12 −z±z

são números recíprocos (Figura 2.20),

( )1lnarccos 2 −+±= zziz .

Dado que o logaritmo de um número complexo diferente de zero pode ser definido através de uma escolha num número infinito de valores que diferem de múltiplos inteiros de π2i , também zarccos pode ser definido através de uma escolha em infinitos valores que diferem de múltiplos inteiros de π2 . Os valores possíveis de zarccos também incluem os simétricos dos valores do logaritmo considerado (devido ao coseno ser uma função par, isto é, cos( ) que, em geral, formam um conjunto diferente de pontos que diferem entre si de múltiplos inteiros de

)cos() z=z−π2i (os dois conjuntos coincidem se

e só se 12 −+ zz é um número real positivo).

5 i , pelo que 2/ln πiwiww ee ==

2/)(2/2/2| wwiiwiww eeei −−==

πππ| , | e wiw ei Im)2/(| π=

)2/)(()2/()( ||/ wwwiwww eiii −−==

πArgArgArg

we wwiwReArg )2/(2/)()2/()2/) ππ

===+−e wwi

Arg(()2/(π − .

Page 13: Funções complexas

2.8. Funções trigonométricas inversas 21

|arccos z| Arg(arccos z)

//

//

Figura 2.20: Relevo e argumento de um ramo do zarccos complexo

A inversão da função complexa seno pode-se obter facilmente observando que )2/cos(sin ww −= π , pelo que zwz arccos2/arcsin −== π e

( )1ln2

arcsin 2 −+= zziz µπ ,

que também pode ser definido através de uma escolha em infinitos valores que diferem de múltiplos inteiros de π2 .

2.9. Limites e continuidade de funções complexas Observou-se no capítulo anterior que as estruturas topológicas de ℂ e ℝ coincidem. Assim, dada uma função ℂ, com ℂ, e um ponto

ℂ, diz-se que o limite de em existe e é Z , escrevendo-se

0

, se 00

no sentido dos limites de funções em ℝ 2 . Também se consideram limites infinitos e no infinito: se

, se , se .

2

)

→Sf :,( vuf =),)(, yxv

lim)||,||( yx ∞→

Sz ∈

⊂S

,(X=

(zf=

∈= ),( 000 yxz

→,(||lim

),(),( 00

vuyxyx

∞→,(||lim

)||,||(u

yx

)=

(

0z)

, yx

)(z

,( YX=

∞=)(zf=

∞→)(lim zf

f

Zzfzz

=→

)(lim

∞=||),)( yx∞=||),)( yxv

,((lim),(),(

YXuyxyx →

Zzf =∞

)( )(,vu

lim f

→lim

0zz)

||zz →lim||

) Y

) Diz-se que f é contínua num ponto se 0zz→

. Diz-se que é contínua num conjunto se é contínua em cada ponto de , e diz-se que é contínua se é contínua em todo o domínio . É claro que, é contínua em

se e só se é contínua em , como função em ℝ 2 .

0

S,( 00 yx

0

C,( vuf =

SC ⊂

),v

f)

),( 000 yxz = (u )

Resulta imediatamente que o limite da soma, produto e quociente de funções complexas num ponto é, respectivamente, igual à soma, produto e quociente dos correspondentes limites das parcelas (no caso do quociente, desde que o limite do denominador seja diferente de zero).

Analogamente, as somas, produtos, quocientes, composições de funções contínuas são funções contínuas (no caso do quociente, nos pontos onde o valor do denominador é diferente de zero). Em particular, as funções polinomiais complexas são contínuas em ℂ. As funções racionais são contínuas em todos os pontos do seu domínio, isto é, em todos os pontos onde o denominador não se anula.

Page 14: Funções complexas

22 Funções complexas A função que a cada complexo faz corresponder o seu conjugado, zz α é obviamente contínua em ℂ, assim como as funções Re z , Im z , | . A função Arg| z z é contínua em ℂ . As funções complexas exponencial, coseno, seno, coseno hiperbólico e seno hiperbólico são contínuas em ℂ. A tangente complexa é contínua no seu domínio, isto é, no conjunto de pontos onde o denominador na expressão que a define não se anula, ou seja, em ℂ\{ ℂ:

}0:)0,{(\ ≤xx

∈z ∈+= kkz ,2/ ππ ℤ}. O mesmo acontece com a tangente hiperbólica, agora com domínio ℂ\{ ℂ:∈z = iz ∈+2 kk ,i/ ππ ℤ}.

Exercícios 2.1. Determine os valores de , na forma , com a ℝ. i2 ii

,ii2)1(−

tan(,cos ibia + ∈b,

2.2. Determine os valores de sin . )1 i+∈z2.3. Determine todos os valores de ℂ para os quais e é igual a 2 . z iiii 21,1,2/,,1, +−−−−w2.4. Obtenha expressões para em termos de logaritmos. arctan∈z2.5. Prove que z| , para todo πei <| ℂ . }0\{

z2.6. Prove que |cos| é ilimitada. a2.7. Prove que para ℝ e ∈ πθπ ≤<− se verifica e mostre que a

restrição aos valores de θθθθ aiai a sincos)sin(cos +=+

θ é necessária. Mostre que se ℤ a fórmula verifica-se para todo ∈a ∈θ ℝ. Neste caso é conhecida por fórmula de De Moivre6.

2.8. Determine equações cartesianas para os conjuntos do plano complexo que são transformados em rectas paralelas aos eixos coordenados pela função complexa definida por z e represente-os graficamente.

ez +

2.9. Mostre que lim existe para todo nn nz )/1( +∞→ ∈z ℂ e é igual a . ze

z2.10. Determine o contradomínio da restrição de à faixa vertical do plano complexo | Re e indique as imagens das rectas verticais e dos segmentos de rectas horizontais desta faixa.

tan 4/| π≤z

6 Abraham De Moivre (1667-1754). A fórmula de De Moivre apareceu publicada pela primeira vez em 1748 no livro de L. Euler Introductio.