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FUNCIONÁRIO DE ESCOLA: reflexões sobre o seu papel no trabalho

pedagógico da escola e a mediação do pedagogo nesta organização.

AUTORA: Vilma Santos Costa1

ORIENTADORA: Maria Aparecida Zanetti2

RESUMO

Este artigo tem como objetivo refletir sobre o papel pedagógico dos

funcionários de escola e como os (as) pedagogos (as) podem articulá-lo de

forma a contribuir para a melhoria da qualidade do processo ensino-

aprendizagem. A Lei 12.014/09, que altera a atual LDB, considera o

funcionário de escola como educador, pois, para além dos conteúdos

científicos trabalhados em sala de aula pelos professores/as, também

considera relevante a aprendizagem adquirida em outros espaços escolares e

proporcionada também pelos demais agentes educacionais. Portanto, a nova

legislação educacional fomenta a necessidade de repensar as práticas

pedagógicas das escolas e levanta uma serie de outras necessidades, entre

elas, estabelecer novas articulações entre os diversos segmentos escolares,

assim como outras relações entre os diferentes profissionais da educação. A

aproximação dos funcionários e pedagogas é necessária para o

desenvolvimento de uma educação de fato democrática, inclusiva e .

Palavras chaves: funcionário de escola, pedagogo, organização do trabalho

pedagógico, educador.

1 Introdução

1 Professora; Pedagoga da Rede Estadual de Educação do Estado do Paraná e da Rede Municipal de Educação de Curitiba; Professora PDE 2010/2012; Especialista em Organização do Trabalho Pedagógico pela UFPR. 2 Pedagoga; Professora do Setor de Educação da UFPR; Especialista em Filosofia da Educação; Mestre em Educação; Doutoranda em Educação na Linha de Políticas Educacionais.

O tema escolhido para ser desenvolvido neste trabalho refere-se ao

papel dos funcionários de escola e a mediação das pedagogas no

desenvolvimento desse papel, de forma a melhor contribuir na organização

escolar e no processo ensino-aprendizagem.

Com a alteração da LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação

Nacional, através da Lei nº12. 014/09 surge na escola à necessidade de um

novo olhar quanto aos que ocupam as mais diversas funções realizadas pelos

funcionários de escola. A Lei estabelece que ao concluir o curso Técnico de

Formação – Profuncionario, o funcionário será considerado "educador não

docente." Este fato trará para a escola novas necessidades, entre elas, a

atuação mais próxima das pedagogas com esses profissionais,

instrumentalizando e qualificando seu trabalho, de forma a contribuir para a

melhoria do processo ensino/aprendizagem.

A origem deste trabalho resultou da participação da autora no programa

de formação continuada, PDE – Programa de Desenvolvimento Educacional,

da Turma 2010/2012 e da sua atuação no Curso Técnico Profuncionario no ano

de 2009 e primeiro semestre de 2010, enquanto professora tutora no Colégio

Estadual Deputado Arnaldo Faivro Busato no município de Pinhais.

O material busca condensar estudos e coletas de dados ocorridos,

durante a elaboração do Projeto de pesquisa e da intervenção pedagógica,

realizada na escola. A coleta e reflexão sobre os dados ocorreram através da

aplicação de questionários, depoimentos e debates realizados com os

diferentes segmentos escolares.

Para a elaboração deste artigo foram consultados os cadernos utilizados

no próprio curso de Profuncionario, produções da CNTE – Confederação

Nacional dos Trabalhadores em Educação, materiais produzidos pela APP

Sindicato, documentos legais: leis, resoluções, projetos de leis, além de obras

de diversos autores relacionados ao referencial deste material.

Assim, este artigo traz em seu primeiro momento um breve relato do

histórico das lutas e conquistas na configuração da profissionalização dos

funcionários de escola enquanto educadores. Num segundo momento,

discutimos o papel pedagógico do funcionário de escola, apontando

possibilidades, necessidades e limites em suas atuações. Após, trata da

relação das pedagogas com os/as funcionários/as de escola no sentido de

articular, encaminhar, orientar, assessorar este trabalhador/a para que se

tenha, de fato, uma atuação pedagógica que influencie na qualidade do

trabalho pedagógico da escola. E, por fim, tratamos da gestão da escola e da

participação e contribuição destes sujeitos na construção da escola num viés

democrático.

2 A Construção Histórica da Profissionalização dos Funcionários de

Escola

A história dos funcionários de escola no Brasil inicia-se no período da

escola jesuítica no século XVI. Nesse período, chegam os primeiros

funcionários de escola que na época foram chamados de irmãos coadjutores.

Eles tinham as mais variadas funções e trabalhavam em escolas internatos que

funcionavam em lugares amplos. Por isso, havia a necessidade de contar com

pessoas que dessem conta do trabalho nos espaços de cozinha, lavanderia,

enfermaria, horta, pomar, igrejas, sacristias, entre outros espaços.

Assim, os religiosos se dividiam entre os que se ocupavam da formação

espiritual e os que providenciavam toda a estrutura para que a escola internato

funcionasse dando conta da aprendizagem. Em certos momentos, os próprios

irmãos coadjutores se envolviam diretamente na aprendizagem quando

ocupavam o papel de interpretes entre indígenas e jesuítas e “nas escolas,

além de cuidar da materialidade dos espaços, também se dedicavam a

algumas ações educativas: bibliotecários, inspetores de disciplinas,

escriturários das avaliações escolares e até mesmo repetidores de lições e

mestres de primeiras letras” (MONLEVADE, 2009, p. 340).

Após a expulsão dos jesuítas em 1759, o sistema educacional

comprometeu a qualidade atingida na época, substituindo os jesuítas por leigos

ou sacerdotes de outras congregações religiosas. Do mesmo modo os irmãos

coadjutores foram substituídos por escravos que vieram a desenvolver tarefas

menos qualificadas, até porque o espaço da escola também foi deteriorado,

passando a funcionar em salas de prédios públicos não escolares ou nas

próprias casas dos professores.

Segundo Monlevade (2009, p. 341) “para efeito da história dos

funcionários de escola, a novidade registrada por documentos e pela literatura,

como no romance o Ateneu, diz respeito aos inspetores de alunos e aos

bedéis, presentes nos colégios públicos e privados”. Já no período jesuítico, a

identidade existente do coadjutor era colada à identidade do jesuíta educador.

Dessa forma, a identidade dos funcionários de escola foi historicamente

sendo marginalizada ou construída como algo menos importante, um papel

secundário quase que desnecessário ao fazer pedagógico.

Somente nas décadas de 1920 e 30 são publicadas as primeiras

legislações sobre funcionários de escola referindo-se a eles como “pessoal

administrativo”. Em seguida surgem em documentos oficiais o reconhecimento

das demais funções como porteiros, zeladores, inspetores de alunos,

serventes, entre outros. Mas, o grande aumento de funcionários nas escolas

ocorre a partir de 1946 quando o ensino primário aumenta significativamente o

número de suas matrículas e dos grupos escolares, além da ampliação do

tamanho do prédio e das realizações de aulas em vários turnos de trabalho,

que exigiram um número maior de funcionários para a limpeza e a conservação

da escola. Segundo Monlevade (2009, p. 344) “estima-se que o número de

funcionários tenha evoluído nesse período de cem mil para oitocentos mil,

concorrendo às áreas de alimentação e limpeza com a criação de 80% dos

novos postos de trabalho”.

No período de 1970 com a Lei 5.692/71 que normatiza o curso de

pedagogia com as habilitações, reforçam-se as atividades não docentes nas

escolas. Monlevade os denomina como “funcionários de colarinho branco”.

Afirma que é neste grupo que se acirra a divisão entre os trabalhadores

docentes e não docentes e entre os próprios não docentes3. Assim, afirma

Monlevade:

Criou-se, então, uma hierarquia entre os próprios não-docentes: no topo, os especialistas; no meio, os que trabalhavam em secretarias e bibliotecas; e na base, o pessoal da alimentação escolar, da limpeza e da vigilância – estes últimos as vítimas do clientelismo e da desvalorização consentida (MONLEVADE, 2009, p. 345).

Já no final deste período e início dos anos 80, professores e

funcionários, assim como os demais trabalhadores lutam contra as altas

inflações que aumentam diariamente de forma impressionante, na mesma

proporção em que aumenta o arrocho salarial. Proibidos de ter seus próprios

sindicatos4, os servidores organizam-se em associações com dinâmicas

diferentes das associações tradicionais, dando-lhes um caráter reivindicatório.

Esse movimento serve também para impulsionar e pressionar a elaboração da

nova Constituição Federal, com vistas ao atendimento das necessidades dos

trabalhadores. Com a publicação da Constituição Federal em 1988, vislumbra-

se nesta, a valorização e reconhecimento dos funcionários de escola quando

determina a criação de planos de carreira e o ingresso via concurso público.

Na década de 90, a CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores

em Educação recomenda a junção de funcionários de escola aos sindicatos de

professores. No Paraná ocorre um longo debate que conclui-se em 1997 com a

33 Embora do ponto de vista histórico, o estabelecimento de pedagogos nas escolas tenha contribuído enormemente na organização do trabalho pedagógico e na efetivação da de escola. para a hierarquização do trabalho, do ponto de vista pedagógico este profissional tem atuado qualidade da prática escolar inclusiva e democrática, inclusive no processo de formação continuada dos funcionários.

4 Sobre este aspecto, ver CLIFFORD, A. W. A semente foi plantada: as raízes paulistas do movimento sindical camponês no Brasil, 1924-1964. São Paulo. Editora Expressão Popular, 2010.

unificação dos sindicatos de professores e funcionários em uma nova

organização: APP Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do

Paraná.

Nos últimos anos novas leis têm sido produzidas ampliando os direitos

dos trabalhadores como fez a Mensagem Ministerial do MEC, enviada ao

Conselho Nacional de Educação – CNE que cria a 21ª área profissional, que

ficou conhecida como área 21. Esta tem a função de criar o curso técnico nas

habilitações de Gestão Escolar, Alimentação Escolar, Multimeios Didáticos e

Meio Ambiente e Manutenção da Infraestrutura Escolar. Junto a esta, surge o

Programa Profuncionario que traz novas perspectivas quanto à formação inicial

daqueles que hoje já atuam como funcionários nas escolas públicas.

Outra normatização refere-se à Lei nº 12.014/09 que altera a LDBEN

9394/96 em seu artigo 61, reconhecendo os funcionários como profissionais da

educação:

Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são:

(...)

III – trabalhadores em educação, portadores de diploma de curso técnico ou superior em área pedagógica ou afim.

Além de recuperar a formação de um grande setor de trabalhadores da

escola, traz à tona a necessidade de romper com a fragmentação entre os

sujeitos envolvidos com o ato de educar. Conforme NORONHA (2009, p. 165)

esta Lei “incentivará os trabalhadores das escolas da educação básica a

buscar formação técnica em sua área de atuação e graduação em pedagogia”.

A prerrogativa estabelecida nesta Lei possibilita também a inclusão

deste segmento no Piso Salarial Profissional Nacional – PSPN que estabelece

entre outras conquistas, a de ter um piso mínimo para os servidores de todos

os estados e municípios brasileiros. Embora reconheçamos esses avanços,

permanece ainda a necessidade de transformar as leis em efetiva política

pública em todos os Estados brasileiros, pois, a exemplo do curso Técnico

Profuncionario, ainda não se tem a adesão de todos os estados e municípios

do país. Estados importantíssimos como São Paulo, Minas Gerais e Distrito

Federal, entre outros, encontram-se fora desta política.

Apesar de a Constituição Federal determinar em seu artigo 206 como

princípio a “valorização dos profissionais da educação escolar, garantindo, na

forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso

público de provas e títulos, aos das redes públicas” ainda está muito distante

da realidade nacional o cumprimento deste preceito. Em grande parte do país,

inclusive no Paraná, os funcionários de escola não são admitidos por concurso

público e, menos ainda, são vinculados a educação. Isto tem causado grandes

perdas aos trabalhadores e conseqüentemente à educação.

No Paraná, a gestão do governo anterior efetivou políticas públicas

contemplando este segmento escolar: sancionou o Plano de Cargos, Carreiras

e Vencimentos, Lei nº 123/08, acatou o Programa Profuncionario e investiu em

formação continuada, buscando articular os diferentes segmentos escolares.

Entretanto, estamos longe ainda de efetivar uma ação que incorpore os

funcionários na prática pedagógica da escola: falta reconhecimento dos

mesmos em relação aos demais sujeitos pedagógicos no interior e exterior da

escola, assim como ainda é muito deficitária a construção de uma atuação

educativa dos funcionários na escola.

3 O Papel Pedagógico dos Funcionários de Escola

Da história da construção da profissionalização dos funcionários de

escola, destacamos algumas de suas conquistas. Os avanços foram muitos,

mas, ainda se faz necessário questionar se os mesmos foram suficientes para

obter valorização, reconhecimento e profissionalização. Na busca pela

desconstrução da invisibilidade deu-se a construção do processo de

profissionalização dos funcionários. Temos hoje, ao menos em termos legais,

uma estrutura adequada que dá suporte para o desenvolvimento da

profissionalização dos funcionários de escola.

A profissionalização, no entanto, só se efetivará quando se efetivar a

valorização e o reconhecimento destes profissionais. Valorização e

reconhecimento andam juntos, uma é conseqüência da outra.

Institucionalmente a valorização ocorre quando se tem uma boa carreira e

remuneração, quando há condição de trabalho e quando se têm atendidas as

reivindicações referentes às necessidades da profissão. Assim, o Estado

valoriza os servidores quando reconhece a importância e a necessidade do seu

trabalho. Socialmente, é necessário o reconhecimento do profissional, o

entendimento de que as atividades por ele desenvolvidas são fundamentais à

prática educativa escolar.

Na escola em estudo, os alunos ainda vêem os funcionários como

serviçais, são os que “ajudam” na escola e, porque “ajudam”, desenvolvem

trabalhos secundários ao processo de ensino–aprendizagem. Citam como

tarefas desenvolvidas pelas funcionárias: pegar materiais, providenciar

uniformes, cuidar dos alunos quando tem aulas vagas, levar os alunos até a

sala das pedagogas, entre outras. Reconhecem artificialmente ser a

funcionária, uma profissional da educação e, ainda que trabalhe em outros

espaços da escola e sem conteúdos específicos, “elas também educam”,

dizem os alunos. Entretanto, não relacionam suas funções com o processo de

formação humana em sentido mais amplo.

Outro aspecto que chamou atenção no decorrer da implementação do

Projeto na escola foi o fato dos alunos chamarem as funcionárias de tia. Nunca

pelo nome ou por seus cargos. Este fato confirma a artificialidade do

reconhecimento profissional atribuído a estes profissionais. Alguns afirmam

tratá-las assim por considerar “um termo carinhoso”. Outros, afirmam utilizar

este tratamento porque acreditam que ajuda a ter uma relação mais próxima.

As funcionárias não reclamam da forma como são tratadas. Sabiamente,

gostam da relação mais próxima, pois consideram “importante para a

convivência escolar e assim demonstram o apego que sentem pelos alunos”

(Inspetora de alunos). De fato, atribuir importância devida à afetividade neste

processo, tão démodé nos dias de hoje, inclusive nas relações escolares, é no

mínimo, admirador. Nas palavras de FREIRE (1996, p. 141) “[...] preciso estar

aberto ao gosto de querer bem, às vezes, à coragem de querer bem aos

educandos e a prática educativa de que participo.”

Freire ainda ressalta que estudar não precisa ser um ato ranzinza, no

entanto, não pode abrir mão da sua rigorosidade pela aprendizagem. Não se

pode confundir escola alegre com escola frouxa que relaxa ao ato de estudar e

aprender.

[...] não é preciso enrijecer as mesas mais do que a madeira já as faz endurecidas; não é preciso endurecer o porte das crianças, não é preciso pôr colarinho e gravata na criança para que ela, imbuída de certo sofrimento, que é o sofrimento do saber, possa aprender. Não. Mas, por outro lado, é preciso não afrouxar, para que a criança não se perca apenas no brinquedo, apenas em alegria. Saber é um processo difícil, realmente, mas é preciso que a criança perceba que, por ser difícil, o próprio processo de estudar se torna bonito. (FREIRE, 1995, p. 95)

Mas, voltando ao tratamento dispensado às funcionarias, nota-se que

não só os alunos, mas os demais profissionais que trabalham na escola como

professores, direção e pedagogas também as chamam de tia. “... peça pra tia

da limpeza...”, “veja com a tia do corredor...”, “pede pra tia que ta no pátio vir

até aqui, por favor,”. Estas posições nos remetem as considerações feitas por

Paulo Freire a cerca do cuidado na utilização do termo que descaracteriza a

profissionalização:

A tarefa de ensinar é uma tarefa profissional que, no entanto, exige amorosidade, criatividade, competência cientifica, mas recusa a estreiteza cientificista, que exige a capacidade de brigar pela liberdade sem a qual a própria tarefa fenece. (FREIRE, 1998, p. 10)

O trato afetivo dos alunos e demais profissionais da escola não pode

desviar a compreensão do ser profissional, educadora. Exercer atividade

profissional exige mais do que uma relação afetiva, dispensada pelo grau de

parentesco da tia. Exige-se, segundo FREIRE (1998, p.11) “responsabilidade

profissional de que faz parte a exigência política por formação permanente”.

Este tratamento, segundo Freire (1998), deve ser negado por apresentar

uma compreensão equivocada da função profissional e, sobretudo, desvelar a

trama ideológica que se esconde sob o pretexto da afetividade. Assim,

questiona FREIRE (1998, p.12) “Quem já viu dez mil tias fazendo greve,

sacrificando seus sobrinhos, prejudicando-os no seu aprendizado?” Ainda

segundo Freire, o que fica evidente, do ponto de vista ideológico é a

representação da figura de tia. As tias se relacionam com os sobrinhos sem a

cobrança devida de cumprimento de certas condicionantes para exercer o

papel de tia. Já a funcionária de escola que se vê como profissional, exigirá da

administração, condições de trabalho adequado, formação necessária para

desempenhar sua função, carreira e salário compatíveis com seu cargo. Se

precisar, organizadamente e através da sua representação de classe, comporá

um conjunto de atividades reivindicatórias que pressionem o Estado a assumir

suas responsabilidades.

Por outro lado, enquanto se ocupa de tarefas pequenas como as que os

alunos citaram, deixam de evidenciar questões prioritárias como as de analisar

mais criticamente a realidade nutricional, a leitura de uma mídia sobre outros

aspectos, observar a necessidade do prédio. Para Freire:

A tentativa de reduzir a professora [funcionária] à condição de tia é uma “inocente” armadilha ideológica em que, tentando-se dar a ilusão de adocicar a vida da professora [funcionária] o que se tenta é amaciar a sua capacidade de luta ou entretê-la no exercício de tarefas fundamentais. (FREIRE, 1998, p. 15).

Os funcionários e funcionárias são educadores. A este sentido

profissional Monlevade assim explica:

Às merendeiras cabe a educação alimentar; aos encarregados da limpeza e manutenção, a educação ambiental; às auxiliares de bibliotecas, dos laboratórios, de vídeos, a educação para

a cultura, para a comunicação, para o lazer; aos que trabalham nas secretarias, a educação para a gestão democrática, para a responsabilidade cidadã. E ainda, são educadores escolares por pertencerem ao corpo de trabalhadores das escolas, instituições formais da educação. (MONLEVADE, 2008, p. 62).

Culturalmente na escola ao iniciarem suas vidas estudantis, as crianças

pequenas quando chegam à escola, não distinguem professoras de

funcionárias. Acreditam que todos/as os/as adultos/as que trabalham na escola

são responsáveis pela sua educação, pelos seus cuidados. Quem classifica e

hierarquiza as funções é o próprio sistema social, que trata de estender aos

trabalhadores/as esta compreensão. Portanto, cabe aos próprios/as

trabalhadores/as organizados e de posse dos conhecimentos alterarem esta

situação. Ou como afirma Marx

[...] têm os trabalhadores de se unir e, como classe, compelir a que se promulgue uma lei que seja uma barreira social intransponível, capaz de impedi-los definitivamente de venderem a si mesmos e à sua decência ao capital, mediante livre acordo que os condena à morte e à escravatura. (MARX, 2002, p. 346)

Considerar que a merendeira deva realizar a educação alimentar

significa que esta profissional, além de entender de educação, necessita

apropriar-se de conhecimentos específicos sobre a cultura alimentar do país e

das regiões, dos componentes químicos existentes nos cereais, hortaliças,

grãos, entre outros alimentos, e suas reações no organismo humano, além de

conhecer as condições de vida dos educandos. Implica em saber que relação

há entre as condições de vida e a alimentação consumida saudavelmente. Que

possibilidade existe de alimentação com as condições de vida que têm os

educandos? E se houver condições satisfatórias de boa alimentação, mas, tiver

restrição cultural ou religiosa? Como conscientizar os educandos para resistir

aos apelos midiáticos da alimentação prazerosa, fácil e rápida dos fast food?

É bastante complexo sim. Ainda é inicial a formação. Ainda não dá para

exigir uma atuação com este nível de intervenção. Mas, é o que se delineia por

exemplo, com um curso superior nos moldes do Profuncionario para todos/as

os trabalhadores não docentes que possibilite a eles/as responder estas e

outras questões aos educandos e a toda a comunidade escolar.

Para além das práticas pedagógicas e representações sociais, implica

também em observar os documentos internos, aproximando-os do que

pensamos sobre funcionários enquanto educadores. Como exemplo, o caderno

de referência para a elaboração do Regimento Escolar produzido pela SEED e

encaminhado para as escolas, apresenta as competências de cada

profissional, estabelecendo relações de trabalho a partir da sua função

pedagógica.

Dentre as funções relacionadas no documento (PARANÁ, 2007, p. 44)

em relação aos funcionários, percebe-se entre inúmeras outras atribuições:

“[...] conhecer o projeto político pedagógico do estabelecimento [...]”, o que se

pode considerar como uma ação importantíssima, afinal, trata-se do documento

que sistematiza a concepção de educação da comunidade escolar, os

princípios que a mesma defende para a gestão pedagógica, administrativa e

financeira, além de prever as ações para a cotidianidade escolar. Entretanto,

ainda que seja importante o conhecimento deste documento, é preciso além de

conhecer, participar ativamente da elaboração deste projeto. Pode-se

questionar, por exemplo, a possibilidade de detalhar as funções do secretário

escolar de forma que extrapole as tarefas estritamente burocráticas.

Há no mesmo documento vinte e nove itens descrevendo as funções do

secretário escolar. Mas pela análise da redação disposta, não se percebe a

importância da relação que este estabelece com o educando, com os

familiares, com as histórias de vida que passam por ele. São relevantes outros

dados que não constam nos documentos dos educandos? Ou só os números

importam? O número do RG, os números que identificam a data da sua

emissão, os números que demonstram as datas de nascimento. E as histórias

de vida que estão por traz destes documentos, destes números? Reprovou

tantas vezes. Por quê? Será que importa ao secretário saber o porquê? A

secretaria é o local da recepção do educando e da comunidade escolar. São

acolhidos? Como são acolhidos? São-lhes ofertadas vagas, ou lhes são

negadas? Será que recebem respostas como: “deixe seu nome na lista de

espera” ou “aqui só matriculamos quem mora nesta região”. Por várias vezes

colocamos fronteiras na educação. Ou quem sabe nos servem de desculpas

para não matricular quem não queremos na escola. Segundo Arroyo esta

situação pode ser compreendida, mas não aceita.

Realmente as escolas estão cheias, o número de alunos cada vez é maior nas apertadas salas de aula, como vê-los? Aprendemos a conhecer os alunos. Um conhecimento bastante impressionista, impreciso. Todos são alunos de diferentes gêneros, raças, classe social, idades, mas, em comum alunos. É isso que interessa. Aí todos se igualam em uma imagem de alunos sem contornos, nem matizes. Todos e todas nos parecem iguais, mudam cada ano, em cada série, mas nosso olhar pode ser genérico, distante e superficial. (ARROYO, 2004, p. 54).

Dessa forma, pode-se afirmar que ser educador é mais do que ser

sensível aos problemas do educando. É mais do que ser cuidador dos

estudantes e dos espaços da escola. Ser educador implica em adquirir

competências mais complexas que precisam ser aperfeiçoadas na escola, na

vida, no sindicato, em outras entidades e nas universidades. É esse o papel do

funcionário que a escola necessita? O verdadeiro papel do funcionário que se

quer educador, precisa considerar o aspecto humano do aluno. Ouvir sua

história, se interessar pela sua vida. Sentir em que realidade vive,

freqüentemente corresponde à mesma realidade do próprio funcionário. Desta

forma irá dedicar a ele outro atendimento. Irá compreender a importância de

ambos estarem na escola.

Repensar o papel educativo dos funcionários, passa pela organização

do trabalho pedagógico da escola e, portanto pelo papel dos pedagogos que

tem como uma de suas tarefas básicas, a articulação e organização da prática

pedagógica manifesta no projeto político-pedagógico da instituição escolar.

4 A Relação das/os Pedagogas/os com os/as Funcionários/as: Uma

Tarefa a Mais?

Funcionários de escolas e pedagogos são sujeitos da educação que têm

no decorrer das suas trajetórias muitos elementos em comum na história da

educação. Estiveram em determinados momentos mais ou menos presentes

em termos numéricos no interior da escola, conquistaram mais ou menos a

atenção das políticas públicas, foram mais ou menos felizes no

desenvolvimento das suas tarefas educacionais. Agora é hora de juntar estas

trajetórias e de articulá-las para superar os limites da identidade profissional.

O funcionário já teve neste documento, ainda que de forma não tão

aprofundada, sua trajetória relatada no contexto da historia da educação

brasileira. Agora, vamos lembrar rapidamente um pouco da historia dos

pedagogos no cenário nacional.

Em relação à história dos pedagogos, segundo Saviani (1985, p. 27) na

Grécia antiga, pedagogo era a pessoa que conduzia as crianças até o local

onde aprenderiam os conhecimentos. Na condição de escravas por causa das

guerras, em pouco tempo elas mesmas passaram a serem professores,

educadores, pois eram pessoas dotadas de conhecimentos aprofundados.

No Brasil, o curso de Pedagogia tem inicio em 1939 com um perfil

técnico. Anos mais tarde ocorre à regulamentação das licenciaturas com a Lei

nº 4024/61 e anos depois são criados os cursos de especialização. O curso foi

assim, se transformando nos anos posteriores de acordo com as concepções

de educação e também a necessidade da sociedade.

Assim, percebemos que o pedagogo sempre foi uma figura setorizada,

exercendo suas funções nas mais diversas repartições escolares, alem de

diferenciar-se a cada Estado Brasileiro como, por exemplo: “há cinqüenta anos

no estado de São Paulo, exigiam-se no concurso de secretario de ginásios e

colégios o titulo de pedagogia com habilitação em administração escolar”

(MONLEVADE, 2008, p. 44).

Nos últimos anos presenciamos o importante debate em nível nacional

sobre o curso de formação de pedagogas, com a existência de duas posturas

claramente colocadas: a primeira defendida pela ANFOPE - Associação

Nacional de Formação de Professores e Profissionais da Educação que

pretendia um curso que tivesse, entre outros quesitos, de acordo com Lima e

Gomes (2008, p. 175) “uma base nacional comum de formação; ter a docência

como base para a formação do (a) professor (a) e do (a) especialista”.

A segunda posição é defendida por Libâneo e Pimenta e afirma que

“pedagoga é uma profissional não necessariamente docente, pois lida com os

processos educativos de forma ampliada e em espaços diversos não se atendo

única e exclusivamente ao espaço escolar.” (LIBANEO, 2002, p. 74)

Dessa polêmica, sem consenso na época, resultou um Decreto

Presidencial em 1999 – Decreto nº 3276/99. A partir deste, houve

manifestações contestando a interferência inadequada e a conseqüência de

uma formação de tipo rápida aos professores das séries iniciais. Após este

episódio intensificam-se os debates e nos anos seguintes há uma sucessão de

legislações neste sentido, concluindo-se em 2006 com a definição das

Diretrizes Curriculares Nacionais para o Novo Curso de Pedagogia em âmbito

nacional que, segundo a Resolução nº 05/2005 da CNE, levam em conta

proposições formalizadas nos últimos 25 anos e em análises da realidade

educacional brasileira. O mesmo Parecer estabelece ainda que:

É central a proposição, realização, análise de pesquisas e a aplicação de resultados, além da participação e organização da gestão, organização e funcionamento de sistemas e instituições, o conhecimento da escola como uma organização complexa que tem a função social e formativa de promover, com equidade, educação para e na cidadania.

Portanto, cabem às pedagogas, utilizando os conhecimentos da

pedagogia enquanto ciência, a tarefa de articular todo o espaço escolar,

compreendendo a prática pedagógica como critério de investigação da

realidade com vistas ao envolvimento e participação de todos os segmentos da

comunidade escolar. Assim, educadores não docentes são sujeitos da

comunidade escolar que devem ser considerados no processo educativo dos

educando/as.

Pensamos que a reflexão necessária para os/as pedagogas e demais educadores/as nesse momento histórico é aquela que tem como ponto de partida e de chegada um projeto de emancipação humana, não perdendo de vista os/as professores/as como uma categoria profissional. Entendida dessa maneira, a reflexão não é uma atitude individual, ela pressupõe relações sociais, revela valores e interesses sociais, culturais e políticos, não é um processo mecânico nem tampouco gerador de novas idéias. É antes uma prática que deve expressar o nosso poder de reconstrução social (PIMENTA E GHEDIN, 2008, p. 164).

Assim, a tarefa das pedagogas é, junto com os educadores, docentes e

não docentes, pensar sobre a realidade escolar e social de forma a questionar,

identificar os problemas e planejar novas ações a fim de superá-las.

Educadores que não refletem sobre sua ação, afirma Lima e Gomes (2008, p.

68) “tendem a aceitar de maneira acrítica a realidade cotidiana das escolas,

buscando meios para alcançar os fins e resolver problemas que são, de

maneira geral, decididos pelos outros, para eles”.

Mas, em que medida é possível mediar às tarefas dos funcionários de

escola, de modo que venham a contribuir ainda mais na aprendizagem dos

alunos?

De forma geral, os funcionários de escola não têm dificuldades em

realizar suas tarefas, se pensarmos do ponto de vista técnico. Mas, o como

desempenhar esta função de forma a torná-la pedagógica?

A equipe que trabalha na secretaria escolar fornece informações a toda

comunidade. Trata-se de informações técnicas, mas que são também

pedagógicas na medida em que explicam o funcionamento da escola, também

discorrem sobre os processos de gestão escolar, conceituando-os enquanto

democráticos, participativos, autoritários ou centralizadores.

Para compreender sobre a gestão escolar, os trabalhadores não

docentes, assim como os docentes tem que compreender qual é o projeto

educacional que a escola defende e implementa na prática cotidiana. E isto não

é possível adquirir sem uma formação continuada desenvolvida também pela

equipe pedagógica.

Dessa forma, o refletir exige que sejam resgatadas cotidianamente

respostas de para quê e para quem serve a escola. A função que a escola tem

efetivado na prática proporciona o desvelamento da realidade social? Têm-se

conseguido convencer educandos e familiares da importância da escola e do

aprender? Continuamos com o discurso que é importante aprender para ser

alguém na vida? Como afirma Freire (1995, p. 28) “o que é preciso é esta

procura constante, crítica, para compatibilizar o dito com o feito. Redizer o dito

quando o que fazer exija”.

Com os docentes a prática da reflexão já está mais ou menos constituída

enquanto cultura escolar, porém com os funcionários de escola, esta ainda

precisa ser construída. Como exemplo, uma merendeira escolar que após a

profissionalização (curso Profuncionario) passa a trabalhar com a alimentação

escolar com uma perspectiva mais aprofundada, precisa ter seu trabalho

articulado com os demais setores escolares e com os docentes. Para isso faz-

se necessário a mediação das pedagogas a partir da formação continuada.

Nesta, a pedagoga precisa estabelecer reuniões onde possa discutir com

funcionários e professores o que significa uma alimentação adequada? Que

influências trazem para a saúde uma alimentação saudável? As condições de

vida que os educandos têm, possibilitam uma alimentação adequada? Os

educandos têm condições financeiras e o hábito de alimentar-se

adequadamente? Enfim, estas são algumas indagações que podem ser

discutidas com funcionários e professores, num movimento de articular o

trabalho, produzindo maior compreensão. Além disso, pode-se, por exemplo,

publicizar o cardápio da semana, apresentando as receitas de seu preparo,

informações nutricionais, deliberando juntamente com os educandos o

cardápio, construindo neste sentido, também uma possibilidade de participação

dos educandos e reflexão sobre os hábitos e condições de alimentação, assim

como, sobre a gestão participativa. Tudo isto precisa ser mediado pelos

pedagogos da escola.

O conjunto dos profissionais da educação precisa debruçar-se a pensar e

propor um novo jeito de fazer escola, e neste, o pedagogo tem papel

fundamental. Incentivar a pesquisa, o estudo sistematizado, a reflexão das

ações, levar o funcionário a identificar-se com o que faz, reconhecer a tarefa

pedagógica dos funcionários e divulgar sem exceção essa importante e

necessária tarefa. Desta forma, a relação com os funcionários de escola não

significa uma tarefa a mais, antes disso, ela constitui o todo do trabalho

pedagógico que precisa ser implementado para que, de fato, a escola cumpra

sua função social.

5 A Gestão Escolar e os Funcionários de Escola

A gestão democrática foi reivindicação dos movimentos sociais

organizados durante o período da ditadura militar e continua sendo até os dias

atuais. Tornou-se um dos princípios da educação no decorrer da elaboração da

Constituição Brasileira de 1988. A partir da Constituição, criaram-se perspectivas

para resgatar o caráter público e participativo da administração, estabelecendo o

controle da sociedade civil sobre a educação, introduz–se a eleição de

diretores, garante-se a liberdade de expressão, de pensamento, de criação e

organização coletiva na escola, além de facilitar a luta por condições materiais,

para a aquisição e manutenção dos equipamentos e por salários dignos aos

profissionais da educação.

Na LDBEN nº 9394/96, também está prevista a gestão democrática,

enquanto princípio educacional e consta do artigo 3º, no inciso VIII: “gestão

democrática do ensino público, na forma desta lei e da legislação dos sistemas

de ensino.” A mesma Lei no artigo 14 direciona os princípios da gestão

democrática:

Os sistemas de ensino definirão as normas de gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:

I – participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto Político Pedagógico da escola;

II – participação das comunidades escolar e local em conselhos ou equivalentes.

Nesse sentido, a articulação do projeto político pedagógico e a sua

sustentação exigem à compreensão do funcionamento e do papel social desta

instituição escolar, assim como os princípios para uma gestão democrática que

exige a participação de toda a comunidade, a tomada de decisões na

coletividade e a manutenção e melhoria da estrutura escolar pelo poder

público. A este aspecto DOURADO assim se manifesta:

[...] a construção coletiva do Projeto Político Pedagógico, envolvendo professores, estudantes, funcionários, pais e comunidade é um aprendizado da gestão democrática e participativa. Pois, a democracia implica, portanto, compreender a Cult/ura da escola e dos seus processos, bem como articulá-los cm as relações sociais mais amplas. A compreensão dos processos culturais da escola envolve toda comunidade local e escolar, seus valores, princípios, atitudes, comportamentos, historia e cultura. Nesse sentido, a gestão democrática contribui para democratizar as instituições e as praticas sociais. (DOURADO, 2006, p. 52)

A Proposta Político Pedagógica das escolas deve descrever a

compreensão de que esta é um espaço de socialização do conhecimento

científico e cultural. Especificamente a escola pública é o espaço destinado

aos filhos da classe trabalhadora e tem a função de propiciar os conhecimentos

através dos quais, devem inserir-se na organização social a fim de transformá-

la de forma a satisfazer as necessidades humanas.

Cria-se, dessa forma, um espaço aberto por meio do qual surgem

condições para a formação de um novo tipo de Cidadão: um cidadão ativo,

participante, crítico, atuante. Para Freire significa uma escola que ensine o

educando a questionar, a ler a realidade e organizar-se coletivamente para

alterar sua realidade local, regional ou global.

A gestão democrática da escola significa identificação de problemas,

apontamento de soluções, tomada de decisão bem como a sua execução,

acompanhamento e avaliação. Essas decisões devem contar com a

participação de um maior número de pessoas, não podendo ser hierarquizada

ou centralizada na figura do diretor, para que sejam considerados e debatidos

diferentes pontos de vista, de forma coletiva.

A participação é um componente essencial para ocorrer a democracia

na escola. Esta não é dada e nem conquistada e sim construída coletivamente

e exige necessariamente o envolvimento de todos os segmentos escolares.

Para Freire “a participação não pode ser reduzida a uma pura colaboração que

setores populacionais pudessem dar à administração pública”.

“A participação [...] implica, por parte das classes populares, um estar presente na Historia e não simplesmente nela estar representada. Implica a participação política das classes populares através de suas representações ao nível das opções, das decisões e não só do fazer o já programado. Por isso é que uma compreensão autoritária da participação a reduz, obviamente, a uma presença concedida das classes populares a certos momentos da administração.” (FREIRE, 1995, p. 75)

Além da participação da comunidade, é imprescindível a participação

dos profissionais da educação: docentes e não docentes. Na maioria das vezes

a participação tem contribuído com o processo formativo que se desenvolve na

escola objetivando uma educação de qualidade. Para considerar o

cumprimento da sua função social, é mesmo necessário contar com todos

participando.

Em relação aos funcionários de escola é de extrema importância que

esse segmento conheça toda a legislação educacional, a escola em que

trabalha, a comunidade onde a escola está inserida, os processos de trabalho

descritos no projeto político pedagógico e o regimento escolar, os mecanismos

de participação e principalmente, que possua a disposição de participar das

várias instâncias democráticas buscando contribuir com a construção da escola

participativa.

Dessa forma, a participação tem que ser coletiva, visando o

envolvimento da comunidade escolar como um todo na perspectiva

fiscalizadora, propositiva e deliberativa em relação ao processo organizativo

escolar e a própria gestão administrativo-pedagógica.

Assim, a gestão democrática vai além da simples participação,

pressupõe a constituição de sujeitos coletivos e organizados. Numa prática que

compreenda, que queira realmente a participação de todos os sujeitos e que

construa, num processo cotidiano esta participação, na medida em que

envolve, além dos professores, os funcionários de escola nas mais diversas

ações desenvolvidas na escola, vivencia uma gestão democrática.

Parafraseando Freire, não dá para transformar a escola de autoritária para

democrática exigindo participação através de um documento oficial. Ou seja,

“não se democratiza a escola autoritariamente.” (FREIRE, 1995, p.25)

Nas entrevistas feitas na Escola de Intervenção Pedagógica, os

funcionários comentaram que “a participação deles ainda não é a ideal. Ela é

parcial. Os funcionários não participam em horário que não seja de trabalho”

(funcionária do setor administrativo).

Contudo, para que a gestão seja de fato participativa e, portanto,

democrática, precisa contar com a participação efetiva de todos os segmentos

da escola e para isso é preciso que na escola exista um clima que estimule os

trabalhos conjuntos, a valorização igualitária das vozes tanto de professores

quanto de funcionários, considerando as especificidades de cada setor.

Outra necessidade existente é de se afirmar a idéia de que a gestão

colegiada na escola reconhece que o Conselho Escolar é o órgão máximo de

direção, com sentido deliberativo, fiscalizador e organizativo e não no sentido

de assumir tarefas de manutenção do ensino público, de responsabilidade do

governo. Ao contrário, deve ser um fórum de pressão e resistência, de

cobrança do dever do Estado. Dourado afirma que

[...] os conselhos escolares instituídos nas escolas são espaços de exercício da cidadania e valorização do sentimento de pertencimento, de acolhimento da pluralidade das vozes da comunidade, da incorporação e de defesa dos direitos sociais, enfim um dos instrumentos efetivos de participação e de tomada de decisões democráticas. (DOURADO, 2006, p. 61)

Além do Conselho Escolar há outros mecanismos internos para

democratizar a escola: assembleias, conferências, congressos, grupos de

trabalho e de estudo, comissões, entre outros.

Contudo, a despeito de quaisquer mecanismos adotados, o essencial é

garantir a participação efetiva. Ela proporcionará uma atuação abrangente que

promova uma interferência nos mais variados espaços, contemplando as vozes

dos diferentes sujeitos num processo de reconhecimento dos saberes e

contribuições de todos. Aniquilando dessa forma, o poder centralizado na figura

da direção escolar.

6 Conclusão

No decorrer deste trabalho pudemos sinalizar os avanços obtidos pelos

funcionários de escola ao longo da sua existência na história da educação

brasileira. Conquistas como o reconhecimento legal da sua formação e atuação

enquanto educador, o estabelecimento de diretrizes e prazos para a

elaboração dos planos de carreira, entre outros, oferecem condições para que

a categoria aprofunde as lutas em torno de novas reivindicações, necessárias

para a conclusão de uma base sólida, que contemple a sua valorização

enquanto profissional imprescindível à educação. Questões como a revisão do

porte de escola, que considere suas especificidades e respeite o número

adequado de funcionários; a efetivação do quadro fixo com profissionais

contratados a partir de concursos públicos; a garantia de concursos de

remoção ao final do ano letivo, de forma a assegurar ao funcionário a escolha

de seu local de trabalho; a remuneração digna, de acordo com os demais

funcionários estaduais que tem a mesma formação acadêmica, proporcionando

uma melhor atuação, são pontos imediatos a serem perseguidos.

Em relação à atuação, há hoje uma crescente compreensão de todos os

segmentos de que este profissional tem papel importante na educação.

Contudo, ainda que observemos as consistentes respostas dos funcionários

em torno da relação com os educandos, da função social da escola e da

clareza do conceito de participação, podemos considerar ainda frágil a sua

atuação enquanto educadores.

Obviamente esta atuação não se constrói unilateralmente, há que se

contar com a participação de outros segmentos e, em especial com a equipe

pedagógica da escola. Esta, ainda precisa ser convencida de que é sua a

função de articulação entre os diferentes segmentos da escola, assim como a

organização da formação continuada com foco principal na organização

pedagógica.

Portanto, trabalhar com os funcionários de escola não significa uma

tarefa a mais. Mas, a possibilidade de dialogar com este segmento importante

no interior da escola e que tem papel essencial na educação dos educandos,

além de contribuir com informações, observações e sugestões para o

desenvolvimento da função social da escola, que é a de revelar e desvelar o

mundo possibilitando ferramentas para reinventá-lo.

Para tanto, é preciso uma atuação mais consciente e engajada de

ambos os setores – funcionários e pedagogos - no sentido de reconhecer que a

participação, inclusive no interior da escola, além de ser uma conquista é

também uma construção e que depende também do seu envolvimento. Mas, se

os demais segmentos não conseguem perceber esta importância, então, são

os próprios funcionários que devem provocar essa articulação e promover

interfaces com outros espaços e com outros sujeitos, forjando transformações

no cotidiano escolar.

Romper com o pensamento da escola tradicional, muito presente ainda

hoje, em que os sujeitos escolares se encerram em professores e alunos e os

funcionários são considerados pessoas desconectadas, exige desenvolver a

capacidade de indignar-se com uma postura de hierarquização, negar-se a

cultura do medo, do mando e da obediência.

O desafio é implantar uma relação dialógica, relacionar-se e interagir

com outros profissionais, compreendendo a escola como espaço coletivo,

organizado a partir de princípios definidos no projeto político-pedagógico da

instituição. Desempenhar seu papel significa valorizar, refletir, repensar sua

atuação na escola e com a escola, demonstrando que os demais espaços

escolares, para além da sala de aula, também são espaços educativos e,

portanto, constroem saberes, valores, culturas, atitudes e posturas. Significa

contribuir para que ocorram ações significativas, democráticas e inclusivas que

contribuam com a formação humana, inclusive entre os profissionais da

educação. Significa construir uma identidade educativa para o seu fazer,

exigindo reconhecimento intra e extra-escolar.

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