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    O MISTRIO

    DAS CATEDRAIS

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    Ttulo Original: Le mystre des cathdrales Jean-Jacques Pauvert, 1964Traduo de Antnio Carvalho

    Capa de Alceu Saldanha CoutinhoDireitos reservados para todos os pases de Lngua Portuguesa

    Edies 70, Lda., Av. Duque de vila, 69, r/c. Esq. 1000 LISBOA

    Telefs. 57 83 65/55 68 98/57 20 01Telegramas: SETENTATelex: TEXTOS P

    Delegao no Norte: Rua da Fbrica, 38-2, sala 25 4000 PORTOTelef. 38 22 68

    Distribuidor no Brasil: LIVRARIA MARTINS FONTESRua Conselheiro Ramalho, 330-340 So Paulo

    Esta obra esta protegida pela Lei.No pode ser reproduzida, no todo ou em sua parte,

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    E xerocpia, sem previa autorizao do Editor.Qualquer transgresso Lei de Direitos de Autor,

    Ser passvel de procedimento judicial.

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    FULCANELLI

    O MISTRIO

    DAS CATEDRAIS

    E A INTERPRETAO ESOTRICA

    DOS SIMBOLOS HERMTICOS

    DA GRANDE OBRA

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    Aos irmos de Helipolis

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    NDICE

    PREFACIO DA PRIMEIRA EDIO..........................................................................12

    PREFACIO DA SEGUNDA EDIO..........................................................................15

    PREFCIO DA TERCEIRA EDIO.........................................................................29

    O MISTRIO DAS CATEDRAIS.................................................................................45

    I....................................................................................................................................46

    II...................................................................................................................................50

    III..................................................................................................................................53

    IV.................................................................................................................................57

    V..................................................................................................................................60

    VI.................................................................................................................................62

    VII................................................................................................................................65

    VIII...............................................................................................................................73

    IX.................................................................................................................................80

    PARIS..........................................................................................................................86

    I....................................................................................................................................87

    II...................................................................................................................................91

    III..................................................................................................................................97

    IV...............................................................................................................................111

    V................................................................................................................................119

    VI...............................................................................................................................180

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    VII..............................................................................................................................186

    VIII.............................................................................................................................198

    AMIENS.....................................................................................................................202

    BOURGES................................................................................................................221

    I..................................................................................................................................221

    II.................................................................................................................................226

    A CRUZ CCLICA DE HENDAIA..............................................................................250

    CONCLUSO...........................................................................................................258

    NDICE DE GRAVURAS

    GRAVURA I. NOTRE-DAME DE CONFESSION: VIRGEM NEGRA DAS CRIPTASSAINT-VICTOR, EM MARSELHA............................................................................127

    GRAVURA II. NOTRE-DAME DE PARIS : A ALQUIMIA.....................................128

    GRAVURA III. NOTRE-DAME DE PARIS : O ALQUIMISTA..................................129

    GRAVURA IV. NOTRE-DAME DE PARIS : A FONTE MISTERIOSA AO P DOVELHO CARVALHO.................................................................................................130

    GRAVURA V. NOTRE-DAME DE PARIS : O ALQUIMISTA PROTEGE OATHANOR.................................................................................................................131

    GRAVURA VI. NOTRE-DAME DE PARIS : O CORVO PUTREFAO...........132

    GRAVURA VII. NOTRE-DAME DE PARIS : O MERCRIO FILOSFICO............133

    GRAVURA VIII. NOTRE-DAME DE PARIS : A SALAMANDRA CALCINAO....................................................................................................................................134

    GRAVURA IX. NOTRE-DAME DE PARIS : PREPARAO DO DISSOLVENTE

    UNIVERSAL..............................................................................................................135

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    GRAVURA X. NOTRE-DAME DE PARIS : A EVOLUO CORES E REGIMESDA GRANDE OBRA.................................................................................................136

    GRAVURA XI. NOTRE-DAME DE PARIS: OS QUATRO ELEMENTOS E AS DUAS

    NATUREZAS............................................................................................................137

    GRAVURA XII. NOTRE-DAME DE PARIS: O ATHANOR E A PEDRA.................138

    GRAVURA XIII. NOTRE-DAME DE PARIS : CONTRIO DO ENXOFRE E DOMERCRIO...............................................................................................................139

    GRAVURA XIV. NOTRE-DAME DE PARIS : OS MATERIAIS NECESSRIOS ELABORAO DO DISSOLVENTE........................................................................140

    GRAVURA XV. NOTRE-DAME DE PARIS : O CORPO FIXO................................141

    GRAVURA XVI. NOTRE-DAME DE PARIS: UNIO DO FIXO E DO VOLTIL....142

    GRAVURA XVII. NOTRE-DAME DE PARIS: O ENXOFRE FILOSFICO.............143

    GRAVURA XVIII. NOTRE-DAME DE PARIS : A COOBAO..............................144

    GRAVURA XIX. NOTRE-DAME DE PARIS: ORIGEM E RESULTADO DA PEDRA

    ...................................................................................................................................145

    GRAVURA XX. NOTRE-DAME DE PARIS: O CONHECIMENTO DOS PESOS.. .146

    GRAVURA XXI. NOTRE-DAME DE PARIS: A RAINHA DERRUBA O MERCRIO....................................................................................................................................147

    GRAVURA XXII. NOTRE-DAME DE PARIS. O REGIME DE SATURNO..............148

    GRAVURA XXIII. NOTRE-DAME DE PARIS. O SUJEITO DOS SBIOS.............149

    GRAVURA XXIV. NOTRE-DAME DE PARIS. A ENTRADA DO SANTURIO......150

    GRAVURA XXV. NOTRE-DAME DE PARIS : A DISSOLUO COMBATE DASDUAS NATUREZAS.................................................................................................151

    GRAVURA XXVI. NOTRE-DAME DE PARIS : OS METAIS PLANETRIOS........152

    GRAVURA XXVII. NOTRE-DAME DE PARIS. O CO E AS POMBAS.................153

    GRAVURA XXVIII. NOTRE-DAME DE PARIS: SOLVE ET COAGULA.................154

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    GRAVURA XXIX. NOTRE-DAME DE PARIS: O BANHO DOS ASTROS CONDENSAO DO ESPRITO UNIVERSAL........................................................155

    GRAVURA XXX. NOTRE-DAME DE PARIS : O MERCRIO FILOSFICO E A

    GRANDE OBRA.......................................................................................................156

    GRAVURA XXXI. CAPELA S. TOMS DE AQUINO. ESCUDO SIMBLICO.......157

    GRAVURA XXXII. SANTA CAPELA DE PARIS. O MASSACRE DOS INOCENTES....................................................................................................................................158

    GRAVURA XXXIII. CATEDRAL DE AMIENS. O FOGO DE RODA........................159

    GRAVURA XXXIV. CATEDRAL DE AMIENS: A COCO FILOSFICA............160

    GRAVURA XXXV. CATEDRAL DE AMIENS: O GALO E A RAPOSA..................161

    GRAVURA XXXVI. CATEDRAL DE AMIENS: AS MATRIAS-PRIMAS...............162

    GRAVURA XXXVII. CATEDRAL DE AMIENS: O ORVALHO DOS FILSOFOS....................................................................................................................................163

    GRAVURA XXXVIII. CATEDRAL DE AMIENS: O ASTRO DE SETE RAIOS........164

    GRAVURA XXXIX. BOURGES PALCIO JACQUES COEUR: A VIEIRA DECOMPOSTELA.........................................................................................................165

    GRAVURA XL. BOURGES PALCIO JACQUES COEUR: GRUPO DETRISTO E ISOLDA.................................................................................................166

    GRAVURA XLI. BOURGES MANSO LALLEMANT: O VASO DA GRANDEOBRA........................................................................................................................167

    GRAVURA XLII. BOURGES MANSO LALLEMANT. LENDA DE S.CRISTVO.............................................................................................................168

    GRAVURA XLIII: BOURGES MANSO LALLEMANT: O TOSO DE OURO.. 169

    GRAVURA XLIV: BOURGES MANSO LALLEMANT: CAPITEL DO PILAR.LADO DIREITO.........................................................................................................170

    GRAVURA XLV. BOURGES MANSO LALLEMANT. TETO DA CAPELA

    (FRAGMENTO).........................................................................................................171

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    GRAVURA XLVI. BOURGES MANSO LALLEMANT : ENIGMA DA CREDENCIA....................................................................................................................................172

    GRAVURA XLVII. HENDAIA (BAIXOS PUUNUS): CRUZ CCLICA....................173

    GRAVURA XLVIII. HENDAIA: CRUZ CCLICA. AS QUATRO FACES DOPEDESTAL...............................................................................................................174

    GRAVURA XLIX. ARLES IGREJA SAINT-TROPHIME: TMPANU DO PRTICO(SC. XII)..................................................................................................................175

    PREFCIOS

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    PREFACIO DA PRIMEIRA EDIO

    tarefa ingrata e incmoda para um discpulo apresentar a obra escrita

    pelo seu prprio Mestre. Por isso no me proponho analisar aqui O Mistrio das

    Catedrais, nem sublinhar a sua beleza formal e o seu ensinamento profundo. A este

    respeito, confesso muito humildemente a minha incapacidade e prefiro deixar aos

    leitores o cuidado de o apreciarem na sua validade e aos Irmos de Helipolis o

    prazer de recolher esta sntese, to magistralmente exposta por um dos seus. O

    tempo e a verdade faro o resto.

    H j muito tempo que o autor deste livro no est entre ns. Extinguiu-se

    o homem. S persiste a sua recordao. E eu sinto uma certa dor ao evocar a

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    imagem do mestre laborioso e sbio, a quem tudo devo, lamentando que tenha

    desaparecido to cedo. Os seus numerosos amigos, irmos desconhecidos que

    esperavam dele a soluo do misterioso Verbum dimissum, vo chor-lo comigo.

    Podia ele, tendo chegado ao ponto mais alto do Conhecimento, negar-se

    a obedecer s ordens do Destino? Ningum profeta na sua terra. Este velho

    adgio d-nos, talvez, a razo oculta da perturbao que produz a centelha da

    Revelao na vida solitria e estudiosa do filsofo. Sob os efeitos dessa chama

    diurna, o homem velho consome-se inteiramente. Nome, famlia, ptria, todas as

    iluses, todos os erros, todas as vaidades se desfazem em p. E, como a Fnix dos

    poetas, uma personalidade nova renasce das cinzas. Assim o pretende, pelo menos,

    a Tradio filosfica.

    O meu Mestre sabia-o. Desapareceu quando soou hora fatdica, quando

    se produziu o Sinal. E quem se atreveria a esquivar-se Lei? Eu prprio, apesar

    de dilacerado por uma separao dolorosa, mas inevitvel, agiria do mesmo modo,

    se me acontecesse hoje o feliz sucesso que obrigou o Adepto a renunciar s

    homenagens deste mundo.

    Fulcanelli j no existe. No entanto, e isso nos consola, o seu

    pensamento mantm-se, ardente e vivo, encerrado para sempre nestas pginas

    como num santurio.Graas a ele, a Catedral gtica revela-nos o seu segredo. E assim nos

    damos conta, com surpresa e emoo, de como foi talhada pelos nossos

    antepassados a primeira pedra dos seus alicerces, gema resplandecente, mais

    preciosa que o prprio ouro, sobre a qual Jesus edificou a sua Igreja. Toda a

    Verdade, toda a Filosofia, toda a Religio, repousam sobre esta Pedra nica e

    sagrada. Muitos, cheios de presuno, julgam-se capazes de model-la; e, no

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    entanto, so to raros os eleitos cuja simplicidade, cuja sabedoria, cuja habilidade,

    lhes permitem alcan-lo!

    Mas isso pouco importa. Basta-nos saber que as maravilhas da nossa

    Idade Mdia contm a mesma verdade positiva, o mesmo fundo cientfico que as

    pirmides do Egito, os templos da Grcia, as catacumbas romanas, as baslicas

    bizantinas.

    Esse o alcance geral do livro de Fulcanelli.

    Os hermetistas ou, pelo menos, os que so dignos desse nome

    descobriro nele outra coisa. Costuma dizer-se que do conflito das idias que

    nasce a luz; eles descobriro que, aqui, graas ao confronto do Livro com o

    Edifcio que se desprende o Esprito e morre a Letra. Fulcanelli fez para eles o

    primeiro esforo; aos hermetistas cabe fazer o ltimo. O caminho que falta percorrer

    curto. Mas devemos conhec-lo bem e no caminhar sem saber para onde vamos.

    Quer eis que vos diga algo mais?

    Sei, no por t-lo descoberto por mim mesmo, mas porque o autor mo

    afirmou, h mais de dez anos, que a chave do arcano maior dada, sem qualquer

    fantasia, por uma das figuras que ornamentam a presente obra. E essa chave

    consiste simplesmente numa cor manifestada ao arteso desde o primeiro trabalho.

    Nenhum Filsofo, que eu saiba, descobriu a importncia deste ponto essencial. Aorevel-lo, cumpro as ltimas vontades de Fulcanelli e sigo os ditames da minha

    conscincia.

    E agora que me seja permitido, em nome dos Irmos de Helipolis e em

    meu prprio nome, agradecer calorosamente ao artista a quem o meu mestre

    confiou a ilustrao da sua obra. , efetivamente, ao talento sincero e minucioso do

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    pintorJulien Champagne que O Mistrio das Catedrais deve o envolvimento do seu

    esoterismo austero por um soberbo manto de figuras originais

    E. CANSELIET

    F.C.H

    Outubro de 1925

    PREFACIO DA SEGUNDA EDIO

    Quando O Mistrio das Catedrais foi redigido, em 1922, Fulcanelli no

    tinha recebido O Dom de Deus mas encontrava-se to perto da Iluminao suprema

    que julgou necessrio esperar e guardar o anonimato, alis por ele constantemente

    observado, mais ainda talvez por inclinao de carter do que por questo de

    obedincia rigorosa regra do segredo. Porque devemos dizer que este homem de

    uma outra idade, pelo seu comportamento estranho, pelas suas maneiras

    antiquadas e pelas suas ocupaes inslitas, atraa, sem querer, a ateno dos

    ociosos, dos curiosos e dos tolos, muito menos, no entanto, do que a que devia

    alimentar, pouco mais tarde, o desaparecimento total da sua personalidade comum.

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    Assim, desde a reunio da primeira parte dos seus escritos, o mestre

    manifestou a sua vontade absoluta e sem apelo de que ficasse na sombra a

    sua real entidade, de que desaparecesse o seu rtulo social, definitivamente trocado

    pelo pseudnimo exigido pela Tradio e desde h muito familiar. Esse nome

    clebre est to solidamente implantado nas memrias, at s geraes futuras

    mais longnquas, que positivamente impossvel substitu-lo por qualquer patrnimo

    que seja, mesmo que aparentemente certo, o mais brilhante ou o melhor

    Mas, pelo menos, devemos convencer-nos de que o pai de uma obra de

    to alta qualidade no a abandonou assim que foi dada a conhecer sem ter razes

    pertinentes, seno imperiosas, profundamente amadurecidas. Estas, num plano

    muito diferente, levaram-no renncia, ame mo pode deixar de exigir a nossa

    admirao quando os autores mais puros, entre os melhores, se mostram sempre

    sensveis vaidade pueril da obra impressa. Deve acrescentar-se que o caso de

    Fulcanellino semelhante a nenhum outro no reino das Letras do nosso tempo,

    visto que depende de uma disciplina tica infinitamente superior, segundo a qual o

    novoAdepto concilia o seu destino com o dos seus raros antecessores, tal como ele

    sucessivamente aparecidos na sua poca determinada, balizando a estrada imensa,

    como faris de salvao e misericrdia. Filiao sem mancha, prodigiosamente

    mantida, a fim de ser reafirmada sem cessar, na sua dupla manifestao espiritual ecientfica, a Verdade eterna, universal e indivisvel. Tal como a maior parte dos

    antigos Adeptos, deitando s urtigas do fosso os despojos do homem velho,

    Fulcanelli s deixou no caminho o vestgio onomstico do seu fantasma, cujo

    altaneiro carto de visita proclama a aristocracia suprema.

    *

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    Para quem possui algum conhecimento dos livros de alquimia do

    passado, impe-se como aforismo de base que o ensino oral de mestre a discpulo

    prevalece sobre qualquer outro. Fulcanelli recebeu a iniciao desse modo, como

    ns prprios a recolhemos junto dele, no sem que devamos declarar que, pela

    nossa parte, Cylianinos tinha j aberto a porta do labirinto, durante a semana em

    que, em 1915, apareceu o seu opsculo reimpresso.

    Na nossa Introduo s Douze Clefs de Ia Philosophie repetimos

    expressamente que Basile Valentin foi o iniciador do nosso mestre, e isso tambm

    para que nos fosse dada ocasio de mudar o epteto do vocbulo, ou seja, substituir

    por razes de exatido o adjetivo numeral primeiro pelo qualificativo

    verdadeiro, que tnhamos utilizado outrora no nosso prefcio das Demeures

    Philosophales. Nessa poca, ignorvamos a existncia da carta to comovente que

    reproduzimos um pouco mais adiante e que extrai toda a sua impressionante beleza

    do impulso de entusiasmo, do acento de fervor que inflamam de repente o autor,

    tornado annimo pela assinatura raspada, o mesmo acontecendo com a indicao

    do destinatrio devido falta de sobrescrito. Esse foi, sem dvida, o mestre de

    Fulcanelli, que deixou entre os seus papis a epstola reveladora, cruzada por duas

    listas bistres no lugar das dobras por ter estado muito tempo guardada na carteira,

    onde pelo menos a vinha procurar a poeira impalpvel e suja do enorme fornocontinuamente em atividade. Assim, o autor do Mistrio das Catedrais conservou

    como um talism, durante anos, a prova escrita do triunfo do seu verdadeiro

    iniciador, que nada nos probe de publicar hoje, sobretudo porque d uma idia

    poderosa e justa do domnio sublime em que se situa a Grande Obra. No cremos

    que nos censurem a extenso da estranha epstola da qual, sem dvida, seria pena

    que se suprimisse uma nica palavra:

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    Meu velho amigo,

    Desta vez, recebestes verdadeiramente o Dom de

    Deus; uma grande Graa e pela primeira vez compreendo

    como esse favor raro. Considero, efetivamente, que no seu

    abismo insondvel de simplicidade o arcano no se pode

    encontrar apenas pela fora da razo, por subtil e exercitada

    que ela seja. Enfim, possuis o Tesouro dos Tesouros, demos

    graas Luz Divina que vos fez seu participante. Alis,

    mereceste-o inteiramente pela vossa f inabalvel na Verdade,

    pela constncia no esforo, pela perseverana no sacrifcio e

    tambm, no o esqueamos... pelas vossas boas obras.

    Quando minha mulher me anunciou a boa nova,

    senti-me atordoado pela alegre surpresa e no consegui

    dominar-me perante tanta felicidade. De tal maneira que dizia a

    mim prprio: Oxal no paguemos esta hora de entusiasmo

    com algum terrvel despertar. Mas embora sumariamente

    informado acerca da questo, julguei compreender, e o que me

    confirma na certeza que o fogo s se apaga quando a Obraest terminada e toda a massa tintorial impregna o vidro que,

    de decantao em decantao, fica absolutamente saturado e

    se torna luminoso como o sol.

    Levastes a vossa generosidade a associar-nos a

    esse alto e oculto conhecimento que vos pertence de pleno

    direito e inteiramente pessoal. Mais do que ningum, ns

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    avaliamos o seu preo e tambm melhor do que ningum

    somos capazes de vos guardar eterno reconhecimento. Sabeis

    que as mais belas frases, os mais eloqentes protestos no

    valem a simplicidade comovente destas nicas palavras: sois

    bom e por essa grande virtude que Deus colocou na vossa

    cabea o diadema da verdadeira realeza. Ele sabe que fareis

    nobre utilizao do cetro e do inestimvel apangio que ele

    comporta. Ns conhecemo-vos h muito tempo como sendo o

    manto azul dos nossos amigos nas provaes; o manto

    caridoso estendeu-se de repente, porque agora todo o azul

    do cu e o seu grande sol que cobrem os vossos nobres

    ombros. Que possais gozar muito tempo dessa grande e rara

    felicidade para alegria e consolao dos vossos amigos e

    mesmo dos vossos inimigos, porque a desgraa tudo apaga e,

    a partir de agora, dispondes da varinha mgica que realiza

    todos os milagres.

    Minha mulher, com essa inexplicvel intuio dos

    seres sensveis, teve um sonho verdadeiramente estranho. Viu

    um homem envolvido em todas as cores do prisma e elevadoat ao sol. A sua explicao no se fez esperar. Que

    Maravilha! Que bela e vitoriosa resposta minha carta, no

    entanto cheia de dialtica e teoricamente exata; mas to

    distante ainda do Verdadeiro, do Real! Ah! quase pode dizer-se

    que aquele que saudou a estrela da manh perdeu para

    sempre o uso da vista e da razo porque fascinado por essa

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    falsa luz e precipitado no abismo... A menos, como no vosso

    caso, que um grande golpe de sorte venha tir-lo bruscamente

    da beira do precipcio.

    Ardo em desejos de vos ver, meu velho amigo, de

    vos ouvir contar-me as ltimas horas de angstias e de

    triunfos. Mas acreditai que nunca saberei traduzir em palavras

    a grande alegria que sentimos e toda a gratido que temos no

    fundo do corao. Aleluia!

    Abraa-vos e felicita-vos o vosso velho...

    Aquele que sabe fazer a Obra apenas pelo mercrio

    encontrou o que h de mais perfeito ou seja, recebeu a luz e

    cumpriu o Magistrio.

    *

    Uma passagem ter, talvez, espantado, surpreendido ou desconcertado o

    leitor atento e j familiarizado com os principais dados do problema hermtico.

    Precisamente quando o ntimo e sbio correspondente exclama:

    Ah! quase pode dizer-se que aquele que saudou a

    estrela da manh perdeu para sempre o uso da vista e da

    razo porque fascinado por essa falsa luz e precipitado no

    abismo.

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    Esta frase no parece estar em contradio com o que afirmamos h

    mais de vinte anos num estudo sobre o Toso de Ouro1, a saber, que a estrela o

    grande sinal da Obra, que ela autentica a matria filosofal, ensina ao alquimista que

    no encontrou a luz dos loucos mas sim a dos sbios; que consagra a sabedoria; e

    denominada estrela da manh. Notaram que precisamos resumidamente que o

    astro hermtico primeiramente, admirado no espalho da arte ou mercrio antes de

    ser descoberto no cu qumico onde alumia de maneira infinitamente mais discreta?

    No menos preocupado com o dever de caridade do que com a observncia do

    segredo, embora passssemos por entusiasta do paradoxo, teramos podido ento

    insistir sobre o maravilhoso arcano e, com esse fim, recopiar algumas linhas escritas

    num velho caderno, aps uma dessas doutas conversas de Fulcanelli, as quais,

    temperadas com caf aucarado e frio, faziam as nossas delcias profundas de

    adolescente assduo e estudioso, vido de inaprecivel saber:

    A nossa estrela est s e, no entanto, dupla.

    Sabei distinguir a sua marca real da sua imagem e notareis

    que ela brilha com mais intensidade luz do dia do que nas

    trevas da noite.

    Declarao que confirma e completa a de Basile Valentin (Douze Clefs),

    no menos categrica e solene:

    Duas estrelas foram concedidas ao homem pelos

    Deuses para o conduzirem grande Sabedoria; observa-as,

    1 Cf. Alchimie, pg. 137. J. J. Pauvert diteur.

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    homem! e segue com persistncia a sua claridade porque nela

    se encontra a Sabedoria.

    Sero essas duas estrelas que nos mostra uma das pequenas pinturas

    alqumicas do convento franciscano de Cimiez, acompanhada da legenda latina

    exprimindo a virtude salvadora inerente radiao nocturna e estelar:

    Cum luce salutem; com a luz, a salvao.

    Em todo o caso, possuindo algum sentido filosfico e dando-se ao

    trabalho de meditar sobre estas palavras de Adeptos incontestveis, ter-se- a

    chave com a qual Cylianiabre a fechadura do templo. Mas se no se compreende,

    que se leiam os Fulcanellie que se no v procurar noutro lado um ensinamento

    que nenhum outro livro poderia dar com tanta exatido.

    H, portanto, duas estrelas que, apesar de parecer inverossmil, formam

    realmente uma s. A que brilha sobre a Virgem mstica simultaneamente nossa

    me e mar hermtico, anuncia a concepo e apenas o reflexo da outra que

    precede a miraculosa vinda do Filho. Porque se a Virgem celeste ainda chamada

    stella matutina, a estrela da manh; se lcito ver nela o esplendor de um sinaldivino; se o reconhecimento dessa fonte de graas d alegria ao corao do artista,

    trata-se, no entanto, apenas de uma simples imagem refletida pelo espelho da

    Sabedoria. Apesar da sua importncia e do lugar que ocupa para os autores, essa

    estrela visvel, mas inatingvel, atesta a realidade da outra, da que coroou o divino

    Menino no seu nascimento. O sinal que conduziu os Magos para a caverna de

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    Belm, ensina-nos S. Crisstomo, veio, antes de desaparecer, pousar-se na cabea

    do Salvador e rode-la de uma glria luminosa.

    *

    Insistimos neste ponto, to certos estamos de que alguns nos

    agradecero: trata-se verdadeiramente de um astro noturno cuja claridade irradia

    sem grande brilho no plo do cu hermtico. Tambm importa, sem nos deixarmos

    enganar pelas aparncias, instruirmo-nos acerca desse cu terrestre de que fala

    Vinceslas Lavinius de Moravie e a propsito do qual insistiu Jacobus Tollius:

    Ters compreendido o que o Cu pelo meu

    pequeno comentrio que se segue e pelo qual o Cu qumico

    ter sido aberto. Porque

    Este cu imenso e reveste os campos de luz

    [purprea,

    Onde se reconhecem os seus astros e o seu sol.

    indispensvel ponderar que o cu e a terra, embora confundidos no

    Caos csmico original, no so diferentes em substncia nem em essncia mas

    tornam-se diferentes em quantidade, em qualidade e em virtude. A terra alqumica,

    catica, inerte e estril, no contm, todavia, o cu filosfico? Seria ento impossvel

    ao artista, imitador da Natureza e da Grande Obra divina, separar no seu pequeno

    mundo, com a ajuda do fogo secreto e do esprito universal, as partes cristalinas,

    luminosas e puras, das partes densas, tenebrosas e grosseiras? Ora essa

    separao deve ser feita, consistindo em extrair a luz das trevas e em realizar o

    trabalho do primeiro dos Grandes Dias de Salomo. atravs dela que podemos

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    conhecer o que a terra filosofal e o que os Adeptos denominaram o cu dos

    sbios.

    Filaleto que, no seu livro Entrada Aberta no Palcio Fechado do Rei, se

    alargou mais acerca daprtica da Obra, assinala a estrela hermtica e conclui pela

    magia csmica da sua apario:

    o milagre do mundo, a juno das virtudes

    superiores nas inferiores; por isso que o Todo-Poderoso o

    marcou com um sinal extraordinrio. Os Sbios viram-no no

    Oriente, ficaram surpreendidos e souberam logo que um Rei

    purssimo tinha nascido no mundo.

    Tu, quando tiveres visto a sua estrela, segue-a at

    ao Bero; a vers o belo Menino.

    OAdepto desvenda seguidamente a maneira de operar:

    Tomem-se quatro partes do nosso drago gneo

    que esconde no seu ventre o nosso Ao mgico, do nosso

    man nove partes; misturem-se juntas por meio de Vulcano

    ardente, em forma de gua mineral, onde sobrenadar umaespuma que dever ser afastada. Rejeite-se a crosta, tome-se

    o ncleo, purifique-se trs vezes pelo fogo e pelo sal, o que

    ser fcil se Saturno viu a sua imagem no espelho de Marte.

    Enfim, Filaleto acrescenta:

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    E o Todo-Poderoso imprime o seu selo real nessa

    Obra e ornamenta-a particularmente.

    *

    A estrela no verdadeiramente um sinal especial do labor da Grande

    Obra. Podemos encontr-la numa quantidade de combinaes arqumicas,

    processos particulares e operaes espagricas de menor importncia. No entanto,

    ela oferece sempre o mesmo valor indicativo de transformao, parcial ou total, dos

    corpos sobre os quais se fixou. Um exemplo tpico -nos fornecido porJean-Frdric

    Helvtius nesta passagem do seu Bezerro de Ouro (Vitulus Aureus) que traduzimos:

    Um certo ourives de La Haye (cui nomen est

    Grillus), discpulo muito prtico na alquimia mas homem muito

    pobre segundo a natureza dessa cincia, h alguns anos1

    pedia ao meu maior amigo ou seja, a Jean-Gaspard

    Knttner, tintureiro de panos esprito de sal preparado de

    maneira diferente da vulgar. A Knttner, informando-se se esse

    esprito de sal especial seria ou no utilizado para os metais,

    Gril respondeu: para os metais; seguidamente, deitou esse

    esprito de sal em cima de chumbo que tinha colocado num

    recipiente de vidro utilizado para os doces ou alimentos. Ora,

    aps duas semanas apareceu, sobrenadando, uma

    muito curiosa e resplandecente Estrela prateada, como

    disposta com um compasso por um artista muito hbil. Da que

    Gril, cheio de imensa alegria, nos anunciou ter j visto a estrela

    Cerca de 1664, que o ano da edio princeps e desaparecida do Vitulus Aureus

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    visvel dos Filsofos, acerca da qual, provavelmente, se tinha

    instrudo em Basile (Valentin). Eu e muitos outros homens

    honrados olhvamos com extrema admirao essa estrela

    flutuante sobre o esprito de sal enquanto, no fundo, o chumbo

    continuava cor de cinza e inchado como uma esponja.

    Entretanto, com sete ou nove dias de intervalo, essa umidade

    do esprito de sal, absorvida pelo grande calor do ar do ms de

    Julho, desaparecia, a estrela atingia o fundo e pousava sobre

    esse chumbo esponjoso e terroso. Esse foi um resultado digno

    de admirao e no apenas para um pequeno nmero de

    testemunhas. Finalmente, Gril copelou sobre um cadinho a

    parte desse mesmo chumbo colhida com a estrela aderente e

    recolheu, de uma libra desse chumbo, doze onas de prata de

    cadinho e, alm disso, dessas doze onas, duas onas de ouro

    excelente.

    Esta a descrio de Helvtius. Damo-la apenas para ilustrar a presena

    do sinal estrelado em todas as modificaes internas de corpos tratados

    filosoficamente. Entretanto, no quereramos ser a causa de infrutferos e

    decepcionantes trabalhos empreendidos certamente por alguns leitores entusiastas,apoiando-se na reputao de Helvetius, na propriedade de testemunhas oculares e,

    talvez, tambm na nossa constante preocupao de sinceridade. por isso que

    fazemos notar, queles que desejariam retomar o processo, que faltam nesta

    narrativa dois dados essenciais: a composio qumica exata do cido hidroclrico e

    as operaes previamente executadas no metal. Nenhum qumico nos contradir se

    afirmarmos que o chumbo vulgar, qualquer que seja, nunca tomar o aspecto da

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    pedras-pomes submetendo-o, a frio, ao do cido muritico. Vrias preparaes

    so, portanto, necessrias para provocar a dilatao do metal, separar as suas

    impurezas mais grosseiras e os elementos morredoiros, para o conduzir, enfim, pela

    fermentao requerida, ao enchimento que o obriga a tomar uma estrutura

    esponjosa, mole e manifestando j uma tendncia muito marcada para a

    transformao profunda das propriedades especficas.

    Blaise de Vigenre e Naxgoras, por exemplo, dissertaram acerca da

    oportunidade de uma longa coco prvia. Porque se verdadeiro que o chumbo

    comum est morto visto que sofreu a reduo e que uma grande chama, diz

    Basile Valentin, devora um pequeno fogo no menos verdade que o mesmo

    metal, pacientemente alimentado de substncia gnea, se reanimar, retomar

    pouco a pouco a sua atividade abolida e, de massa qumica inerte, tornar-se- corpo

    filosfico vivo.

    *

    Podero admirar-se que tenhamos tratado to abundantemente um nico

    ponto da Doutrina, consagrando-Ihe, inclusivamente, a maior parte deste prefcio,

    com o qual, conseqentemente, receamos ter ultrapassado o fim designado

    habitualmente aos textos do mesmo gnero. No entanto, aperceber-se-o de como

    era lgico que desenvolvssemos este tema que introduz, no mesmo nvel

    diremos ns o texto de Fulcanelli. Desde o incio, efetivamente, o nosso mestre

    deteve-se longamente sobre o papel capital da Estrela, sobre a Teofania mineral que

    anuncia, com certeza, a elucidao tangvel do grande segredo encerrado nos

    edifcios religiosos. O Mistrio das Catedrais, eis, precisamente, o ttulo da obra de

    que damos aps a tiragem de 1926, constituda apenas por 300 exemplares

    uma segunda edio, aumentada com trs desenhos de Julien Champagne e com

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    notas originais de Fulcanelli, reunidas exatamente, sem o menor acrescento nem a

    mais pequena modificao. Estas referem-se a uma questo angustiante que

    ocupou durante muito tempo a pena do mestre e de que diremos algumas palavras a

    respeito das Demeures Philosophales.

    De resto, se o mrito do Mistrio das Catedrais tivesse de ser justificado,

    bastaria apenas assinalar que este livro voltar a trazer para a luz a cabala fontica,

    cujos princpios e aplicao tinham cado no mais total esquecimento. Aps esse

    ensinamento detalhado e preciso, aps as breves consideraes que fizemos a

    propsito do centauro, do homem-cavalo de Plessis-Bourr, em Deux Logis

    Alchimiques, no se poder mais confundir a lngua matriz, o idioma enrgico,

    facilmente compreendido embora jamais falado e, sempre segundo Cyrano

    Bergerac, o instinto ou a voz da Natureza com as transposies, as intervenes, as

    substituies e os clculos no menos abstrusos do que arbitrrios da kabbala

    judaica. Eis porque importa diferenciar os dois vocbulos cabala e kabbala, a fim de

    os utilizar com conhecimento de causa: o primeiro derivando de ou dolatim caballus, cavalo; o segundo, do hebraico kabbalah, que significa tradio.

    Finalmente, no se dever alegar como pretexto os sentidos figurados, alargados

    por analogia, de conventculo, de ardil ou de intriga para recusar ao substantivo

    cabala o emprego que s ele capaz de assegurar e que Fulcanelli lhe confirmou

    magistralmente, recuperando a chave perdida da Gaia Cincia, da Lngua dos

    Deuses ou dos Pssaros. Essas mesmas que Jonathan Swift, o singularDeo de

    Saint-Patrick, conhecia a fundo e praticava sua maneira, com tanta cincia e

    virtuosidade.

    SAVIGNIES, Agosto de 1957.

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    PREFCIO DA TERCEIRA EDIO

    Mieux vault vivre soubz gros bureaux

    Povre, qu'avoir este seigneur

    Et pourrir soubz riches tombeaux!

    Qu'avoir este seigneur! Que dys?

    Seigneur, Ias! et ne l'est il mais?

    Selon les davitiques diz,

    Son lieu ne congnoistras jamais.

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    Franois Villon. Le Testament,

    XXXVI e XXXVII.

    Era necessrio e, sobretudo, do mais elementar cuidado de salubridade

    filosfica que O Mistrio das Catedrais reaparecesse o mais cedo possvel. Para

    Jean-Jacques Pauvert coisa feita da maneira que bem lhe conhecemos e que,

    para felicidade dos pesquisadores, satisfaz sempre dupla preocupao de ajustar

    no melhor sentido a perfeio profissional e o preo de venda ao leitor. Duas

    condies extrnsecas e capitais muito agradveis exigente Verdade que Jean-

    Jacques Pauvert, por acrscimo, quis aproximar bastante, ilustrando, desta vez, a

    primeira obra do mestre com a fotografia perfeita das esculturas desenhadas por

    Julien Champagne. Assim a infalibilidade da pelcula sensvel, na confrontao com

    o modelo original, vem proclamar a conscincia e a habilidade do excelente artista

    que conheceu Fulcanelli em 1905, dez anos antes de ns recebermos o mesmo

    inestimvel privilgio, pesado no entanto e muitas vezes invejado.

    *

    Que a alquimia para o homem seno, verdadeiramente provenientes de

    um certo estado de alma que releva da graa real e eficaz, a procura e o despertar

    da Vida secretamente entorpecida sob o espesso invlucro do ser e a rude crosta

    das coisas? Nos dois planos universais, onde residem conjuntamente a matria e o

    esprito, o processo absoluto, consistindo numa permanente purificao at

    ltima perfeio.

    Com este fim, nada nos fornece melhor o modo de operar do que o

    apotegma antigo e to preciso na sua imperativa brevidade: Solve et coagula,

    dissolve e coagula. A tcnica simples e linear, exigindo a sinceridade, a resoluo

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    e a pacincia e apelando para a imaginao, ai de mim! quase totalmente abolida,

    na maioria, na nossa poca de agressiva e esterilizante saturao. Raros so

    aqueles que se aplicam idia viva, imagem frutfera, do smbolo que permanece

    inseparvel de toda a elaborao filosofal ou de toda a aventura potica e que se

    abrem pouco a pouco, em lenta progresso, em direo a maiores luz e

    conhecimento.

    Vrios alquimistas disseram, e a Turba em particular, pela voz de Baleus,

    que a me sente piedade pelo seu filho mas este muito duro para com ela . O

    drama familiar desenrola-se, de modo positivo, no seio do microcosmos alqumico-

    fsico, de modo que se pode esperar, para o mundo terrestre e sua humanidade, que

    a Natureza perdoe, finalmente, aos homens e se acomode o melhor possvel aos

    tormentos que eles lhe fazem perpetuamente sofrer.

    *

    Eis o mais grave: enquanto a Franco-Maonaria procura sempre a palavra

    perdida (verbum dimissum), a Igreja universal (katholik), que possui esse Verbo,

    est em vias de o abandonar no ecumenismo do diabo. Nada favorece mais essa

    falta inexpivel do que a receosa obedincia do clero, muitas vezes ignorante, ao

    falacioso impulso, pretensamente progressivo, recebido de foras ocultas visando

    apenas destruio da obra de Pedro. O mgico ritual da missa latina,

    profundamente alterado, perdeu o seu valor e agora caminha, a par do chapu mole

    e do fato completo adotados por certos padres felizes com o seu travesti, em

    prometedora etapa para a abolio do celibato filosfico...

    De acordo com esta poltica de incessante abandono, a funesta heresia

    instala-se na raciocinante vaidade e no desprezo profundo das leis misteriosas.

    Entre estas, a inevitvel necessidade de putrefao fecunda de toda a matria,

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    qualquer que ela seja, a fim de que a vida prossiga a, sob a enganadora aparncia

    do nada e da morte. Diante da fase transitria, tenebrosa e secreta que abre

    alquimia operativa as suas espantosas possibilidades, no ser terrvel que a Igreja

    consinta agora nessa atroz cremao que ela recusava de modo absoluto?

    Que horizonte imenso descobre, no entanto, a parbola do gro entregue

    ao solo, que S. Joo relata:

    Em verdade, em verdade vos digo que se o gro de

    trigo que cai na terra no morrer, fica s; mas, se morrer,

    produz muitos frutos (XII, 24).

    semelhana do discpulo bem-amado, esta outra preciosa indicao do

    seu Mestre, a respeito de Lzaro, de que a putrefao do corpo no quereria

    significar a abolio total da vida:

    Disse Jesus: Tirai a pedra. Respondeu-lhe

    Marta, a irm do defunto: Senhor, ele j cheira mal porque

    est l h quatro dias. Disse-lhe Jesus: No te disse que se

    tu creres, vers a glria de Deus? (XI, 39 e 40).

    No seu esquecimento da Verdade hermtica que assegurou a sua

    fundao, a Igreja, ante a questo da incinerao dos cadveres, toma, sem

    esforo, a sua m razo da cincia do bem e do mal, segundo a qual a

    decomposio dos corpos, nos cemitrios cada vez mais numerosos, ameaaria de

    infeco e de epidemias os vivos que respiram ainda a atmosfera das proximidades.

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    Argumento to capcioso que nos faz pelo menos sorrir, sobretudo quando se sabe

    que ele foi j citado muito a srio, h mais de um sculo, quando floria o estreito

    positivismo dos Comte e dos Littr! Enternecedora solicitude, enfim, que no se

    exerceu no nosso tempo bendito, nas duas hecatombes, grandiosas pela durao e

    pela multido dos mortos, em superfcies quase sempre reduzidas, em que a

    inumao demorava, muitas vezes bem longe do prazo e da profundidade

    regulamentares.

    Em oposio, este o lugar de lembrar a observao, macabra e

    singular, a que se aplicaram no comeo do Segundo Imprio, num esprito muito

    diferente, com a pacincia e a determinao de uma outra idade, os clebres

    mdicos, tambm toxiclogos, Mathieu-Joseph Orfila e Marie-Guillaume Devergie,

    sobre a lenta e progressiva decomposio do corpo humano. Eis o resultado da

    experincia conduzida at ento no fedor e na intensa proliferao dos vibries:

    O odor diminui gradualmente; chega enfim um

    tempo em que todas as partes moles espalhadas no cho

    formam apenas um detrito lamacento, enegrecido e com um

    cheiro que tem qualquer coisa de aromtico.

    Quanto transformao do fedor em perfume, deve notar-se a

    surpreendente semelhana com o que declaram os velhos Mestres, a propsito da

    Grande Obra fsica e entre eles, em especial, Morien e Raymond Lulle, precisando

    que ao odor infecto (odor teter) da dissoluo obscura sucede o mais suave

    perfume, porque prprio da vida e do calor (quia et vitae proprius est et caloris).

    *

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    Depois do que acabamos de delinear, quanto no devemos recear o que,

    nossa volta, e no plano em que nos encontramos, podem representar o

    testemunho contestvel e a argumentao capciosa? Propenso deplorvel que

    invariavelmente mostram a inveja e a mediocridade e de que temos o dever de

    destruir, hoje, os desagradveis e persistentes efeitos. Isso vem a propsito de uma

    retificao muito objetiva do nosso mestre Fulcanelli, estudando, no Museu de

    Cluny, a esttua de Marcelo, bispo de Paris, que se erguia em Notre Dame, o vo do

    prtico de Santa Ana, antes de os arquitetos Viollet-le-Duc e Lassus o terem

    substitudo, cerca de 1850, por uma cpia satisfatria. Assim, o Adepto do Mistrio

    das Catedrais foi levado a corrigir os erros cometidos por Louis-Franois Cambriel

    que podia, no entanto, fornecer pormenores da escultura primitiva que permaneceu

    sempre na catedral desde o princpio do sculo XIV, e que escrevia ento, no

    reinado de Carlos X, a sua breve e fantasiosa descrio:

    Este bispo leva um dedo boca para dizer queles

    que o contemplam e que vm tomar conhecimento do que ele

    representa... Se reconheceis e adivinhais o que represento por

    este hierglifo, calai-vos!... No digais nada! (Cours de

    philosophie hermtique ou d'Alchimie en dix-neuf leons, Paris,Lacour et Maistrasse, 1843).

    Estas linhas, na obra de Cambriel, so acompanhadas pelo esboo

    desajeitado que lhes deu origem ou que elas inspiraram. Como Fulcanelli,

    imaginamos dificilmente que dois observadores, a saber, o escritor e o desenhador,

    tenham podido separadamente ser vitimas da mesma iluso. Na estampa, o santo

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    bispo, que aparece com barba, em evidente metacronismo, tem a cabea coberta

    com uma mitra decorada com quatro pequenas cruzes e segura com a mo

    esquerda um curto bculo na concavidade do seu ombro. Imperturbvel, leva o

    indicador ao nvel do queixo na expresso mmica do segredo e do silncio

    recomendados.

    A verificao fcil, conclui Fulcanelli, visto que

    possumos a obra original e a fraude salta aos olhos primeira

    vista. O nosso santo , segundo o costume medieval,

    completamente escanhoado; a sua mitra, muito simples, no

    mostra qualquer ornamento; o bculo, que segura com a mo

    esquerda, apia a sua extremidade inferior sobre a goela do

    drago. Quanto ao gesto famoso dos personagens do Mutus

    Liber e de Harpcrates, saiu inteiramente da imaginao

    excessiva de Cambriel. S. Marcelo representado

    abenoando, numa atitude cheia de nobreza, a testa inclinada,

    o ante-brao dobrado, a mo altura do ombro, o indicador e o

    dedo mdio levantados.

    *Como acabamos de ver, a questo estava nitidamente resolvida,

    constituindo na presente obra o tema de todo o pargrafo VII do captulo PARIS e de

    que o leitor pode desde j tomar conhecimento na sua totalidade. Todo o engano

    estava ento desfeito e a verdade perfeitamente estabelecida quando Emile-Jules

    Grillot de Givry, trs anos mais tarde, no seu Muse des Sorciers, escreveu a

    respeito do pilar mdio do prtico sul de Notre-Dame estas linhas:

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    A esttua de S. Marcelo que se encontra

    atualmente no portal de Notre-Dame, uma reproduo

    moderna que no tem valor arqueolgico; faz parte da

    restaurao dos arquiteto Lassus e Viollet-le-Duc. A verdadeira

    esttua, do sculo XIV, encontra-se atualmente relegada para

    um canto da grande sala das Termas do Museu de Cluny, onde

    a fizemos fotografar (fig. 342). Pode ver-se que o bculo do

    bispo mergulha na goela do drago, condio essencial para a

    legibilidade do hierglifo e indicao de que um raio celeste

    necessrio para acender o fogo do athanor. Ora, numa poca

    que deve ter sido os meados do sculo XVI, esta esttua

    antiga tinha sido retirada do portal e substituda por uma outra

    na qual o bculo do bispo, para contrariar os alquimistas e

    arruinar a sua tradio, tinha sido feito deliberadamente mais

    curto e j no tocava a goela do drago. Pode verse essa

    diferena na nossa figura 344, em que representada esta

    antiga esttua, tal como era antes de 1860. Viollet-le-Duc f-la

    retirar e substituiu-a por uma cpia bastante exata da doMuseu de Cluny, restituindo assim ao portal de Notre-Dame a

    soa verdadeira significao alqumica.

    Que confusa embrulhada esta, para no dizer mais, segundo a qual, em

    resumo, uma terceira esttua se teria inserido, no sc. XVI, entre a bela relquia

    depositada em Cluny e a cpia moderna, visvel na catedral da Cite h mais de cem

    36

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    anos! Dessa esttua renascentista, ausente dos arquivos e desconhecida das mais

    esclarecidas obras, Grillot de Givry, em apoio da sua afirmao pelo menos muito

    gratuita, forneceu uma fotografia de que Bemard Husson fixa deliberadamente a

    data e faz um daguerretipo. Eis a legenda que renova, por baixo da fotografia, a

    sua insustentvel justificao:

    FIG.344 ESTTUA DO SC. XVI SUBSTITUDA, CERCA

    DE 1860, POR UMA CPIA DA EFGIE PRIMITIVA.

    Portal de N.-D. de Paris.

    (Coleo do Autor.)

    Infelizmente para esta imagem, o pressuposto S. Marcelo no possui a

    vara episcopal que lhe atribui a pena de Grillot, decididamente perdido at a

    impossvel solicitao. Quando muito, distingue-se na mo esquerda do prelado

    trocista e abundantemente barbado uma espcie de grande barra desprovida, na

    sua extremidade superior, da voluta ornada que teria podido constituir um bculo de

    bispo.

    Importava, evidentemente, que se induzisse do texto e da ilustrao que

    esta escultura do sculo XVI oportunamente inventada fosse a que Cambriel,

    passando um dia diante da igreja de Notre-Dame de Paris examinou com muitaateno, visto que o autor declara na prpria capa do seu Curso de Filosofia que

    terminou este livro em Janeiro de 1829. Desta maneira, encontravam-se acreditados

    a descrio e o desenho devidos ao alquimista de Saint-Paul-de-Fenouillet, que se

    completam no erro, enquanto esse irritante Fulcanelli, demasiado preocupado com a

    exatido e a sinceridade, era reconhecido culpado de ignorncia e de inconcebvel

    desprezo. Ora a concluso, neste sentido, no to simples; podemos constat-lo

    37

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    desde j na gravura de Franois Cambriel, em que o bispo portador de uma vara

    pastoral seguramente encurtada mas completa, com o seu baco e com a sua parte

    em espiral.

    *

    No nos detenhamos na explicao de Grillot de Givry, verdadeiramente

    engenhosa mas um pouco elementar, do encurtamento da vara pastoral (virga

    pastoralis); no deixemos, pelo contrrio, de denunciar esta bizarria, que

    evidentemente visava, sem a nomear inocentemente, precisar Jean Reyor,

    pretendendo que tivesse sido de maneira fortuita a pertinente correo do

    Mistrio das Catedrais, da qual impossvel que um esprito to avisado e curioso

    como o seu no tivesse conhecimento. Com efeito, este primeiro livro de Fulcanelli

    tinha aparecido em Junho de 1926, quando datado de Paris, 20 de Novembro de

    1928 Le Muse des Sorciers saiu em Fevereiro de 1929, uma semana aps a

    morte sbita do seu autor.

    Nessa altura, o processo, que no nos pareceu particularmente honesto,

    causou-nos tanta surpresa como desgosto e desconcertou-nos profundamente.

    certo que nunca teramos falado disso se, depois de Marcel Clavelle alis Jean

    Reyor Bernard Husson no tivesse sentido recentemente a inexplicvel

    necessidade, a trinta e dois anos de distncia, de voltar a tocar no caso e vir em seu

    socorro. Daremos apenas neste lugar a presunosa opinio do primeiro no Voile

    d'Isis de Novembro de 1932 visto que o segundo f-la inteiramente sua, sem

    refletir nem sentir o menor escrpulo que gostaramos que tivesse em relao ao

    Adepto admirvel e ao Mestre comum:

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    Toda a gente partilha a virtuosa indignao de

    Fulcanelli. Mas o que sobretudo lamentvel a leviandade

    deste autor nesta circunstncia. Vamos ver que no havia

    motivo para acusar Cambriel de 'truque', 'fraude' e desaforo'.

    Ponhamos as coisas nos seus devidos lugares: o

    pilar que se encontra atualmente no portal de Notre-Daine

    uma reproduo moderna que faz parte da restaurao dos

    arquitetos Lassus e Viollet-le-Duc, efetuada cerca de 1860. O

    pilar primitivo encontra-se desterrado no Museu de Cluny. No

    entanto, devemos dizer que o pilar atual reproduz bastante

    fielmente, no seu conjunto, o do sculo XIV, com exceo de

    alguns motivos do pedestal. Em todo o caso, nem um nem

    outro destes pilares correspondem descrio e figura dadas

    por Cambriel e inocentemente reproduzidas por um conhecido

    ocultista. E, no entanto, Cambriel no tentou de maneira

    nenhuma enganar os seus leitores. Descreveu e fez desenhar

    fielmente o pilar que todos os parisienses de 1843 podiam

    contemplar. que existe um terceiro pilar S. Marcelo,

    reproduo infiel do primitivo, e este pilar que foi substitudo,cerca de 1860, pela cpia mais honesta que vemos

    atualmente. Esta reproduo infiel apresenta todas as

    caractersticas assinaladas pelo bom Cambriel que, longe de

    ser um trapaceiro, foi, pelo contrrio, enganado por essa cpia

    pouco escrupulosa, mas a sua boa-f est absolutamente fora

    de causa e isso que desejaramos estabelecer.

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    *

    A fim de melhor fundamentar o que dizia, Grillot de Givry o conhecido

    ocultista citado por Jean Reyor em Le Muse des Sorciers, apresentou, sem

    referncia, como vimos, uma prova fotogrfica cuja estereotipagem revela a

    confeco recente. Qual ser, no fundo, o valor exato deste documento que ele

    utilizou para reforar o seu texto e rejeitar, com toda a aparncia de irrefutabilidade,

    o julgamento imparcial de Fulcanelli a propsito de Franois Cambriel? Julgamento

    talvez severo mas seguramente fundamentado, que Grillot de Givry, sabemo-lo

    tambm, evitou assinalar. Ocultista em sentido absoluto, mostrou-se no menos

    discreto quanto provenincia da sua sensacional fotografia...

    No ser, muito simplesmente, que essa imagem, que representaria a

    esttua retirada no ltimo sculo, durante os trabalhos de Viollet-le-Duc, foi

    realmente levada de outro lugar que no a Notre-Dame de Paris, se que ela no

    oferece o simulacro de outro personagem que no o bispo Marcellus da antiga

    Lutcia?...

    Na iconografia crist, numerosos santos tm junto deles o drago

    agressivo ou submisso, entre os quais podemos nomear: Joo Evangelista, Tiago

    Maior, Filipe, Miguel, Jorge e Patrcio. No entanto, S. Marcelo o nico que toca

    com o bculo a cabea do monstro, de acordo com o respeito que pintores e

    escultores do passado tiveram sempre pela sua lenda. Esta rica e entre os ltimos

    feitos do bispo conta-se o seguinte (inter novssima ejus opera hoc annumeratur)

    que relatado pelo padre Grard Dubois d'Orlans (Gerardo Dubois Aurelianensi)

    na sua Histoire de lglise de Paris (in Historia Ecclesiae Parisiensis) e que ns

    resumimos, traduzindo e aproveitando o texto latino:

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    Certa dama, mais ilustre pela nobreza de raa do

    que pelos costumes e pelos rumores de boa reputao,

    completou o seu destino e ento, com pomposos funerais foi

    colocada conveniente e solenemente no tmulo. A fim de puni-

    la pela violao da sua cova, uma horrvel serpente avana

    para a sepultura da mulher e alimenta-se dos seus membros e

    do seu cadver, cuja alma tinha corrompido com os seus

    funestos silvos. No lugar de repouso no a deixou repousar.

    Mas, prevenidos pelo rudo, os antigos servidores da mulher

    ficaram extremamente aterrorizados e a multido da cidade

    comeou a acorrer ao espetculo e a alarmar-se com a viso

    do enorme animal...

    O bem-aventurado prelado, prevenido, sai com o

    povo e ordena que os cidados sejam apenas espectadores.

    Ele prprio, sem receio, coloca-se diante do drago... que,

    como se suplicasse, se prostra junto dos joelhos do santo

    bispo, parece adul-lo e pedir-lhe perdo. Ento Marcelo,

    batendo-lhe na cabea com o seu bculo, lana sobre ele a

    sua estola (Tum Marcellus cuput ejus baculo percutiens, in eum

    orarium1 injecit); conduzindo-o em crculo por duas ou trs

    milhas, seguido pelo povo, ele extraa (extrahebat) a sua

    marcha solene diante dos olhos dos cidados. Em seguida,

    apstrofa o animal e ordena-lhe que, para o futuro, se

    Orarium, quod vulgo stola dicitur. (Glossarium Cangii) Orarium, o que vulgarmente se chama estola.(Glossaire de Du Cange.)

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    mantenha perpetuamente nos desertos ou que v precipitar-te

    no mar...

    Seja dito de passagem que quase no h necessidade de sublinhar aqui

    a alegoria hermtica na qual se distinguem as duas vias, seca e mida. Corresponde

    exatamente ao 50 emblema de Michel Maier no seu Atalanta Fugiens, no qual o

    drago enlaa uma mulher no apogeu da idade, vestida e jazendo inerte no buraco

    da sua cova, violada de modo semelhante.

    *

    Mas voltemos pretensa esttua de S. Marcelo, discpulo e sucessor de

    Prudncio, que Grillot de Givry pretende que tenha sido colocada, cerca dos meados

    do sculo XVI, no tremo do portal sul em Notre-Dame, ou seja, no lugar do admirvel

    vestgio conservado na margem esquerda, no Museu de Cluny. Acentuemos que a

    efgie hermtica est atualmente guardada na torre setentrional da sua primeira

    morada.

    Para contestarmos solidamente essa afirmao destituda de qualquer

    fundamento, possumos o testemunho irrecusvel do senhor Esprit Gobineau de

    Montluisant, gentil-homem de Chartres, na sua Explication trs curieuse des

    Enigmes et Figures hierogliphiques,physiques, qui sont au Grand Portail de l'glise

    Cathedrale et Metropolitaine de Notre Dame de Paris. A nossa testemunha ocular

    considerando atentamente as esculturas, fornece-nos a prova de que o alto relevo

    transportado para a Rue du Sommerard por Viollet-le-Duc se encontrava no pilar

    mdio do prtico da direita na quarta-feira 20 de Maio de 1640, vspera da gloriosa

    ascenso do Nosso Salvador Jesus-Cristo:

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    No pilar que fica ao meio e que separa as duas

    portas deste Portal, existe ainda a figura de um Bispo cravando

    o seu Bculo na goela de um drago que est a seus ps e

    que parece sair de um banho ondulante, em cujas ondas

    aparece a cabea de um Rei, com tripla coroa, que parece

    afogar-se nas ondas e depois emergir de novo.

    O relato histrico patente e decisivo no perturbou Mareei Clavelle (cujo

    pseudnimo Jean Reyor) que foi ento obrigado, a fim de se desenvencilhar, a

    remeter para o reinado de Lus XIV o nascimento da esttua, completamente

    desconhecida at que Grillot bruscamente a inventou, de boa ou de m-f.

    Igualmente incomodado pela mesma evidncia, Bernard Husson no arranjou

    melhor soluo do que propor, sem cerimnia, que o sculo XVI, na pgina 407 do

    Muse des Sorciers, seja apenas uma gralha tipogrfica felizmente retificada na

    legenda por sculo XVII, o que, realmente, no se descobre l, como se pde

    verificar mais atrs.

    *

    E ainda mais, com desprezo de toda a exatido, no ser inconcebvel

    irreflexo admitir que um restaurador do perodo dos Valois, prosseguindo a sua

    iniciativa simultaneamente culpvel e singular, tivesse levado para um museu

    inexistente na poca a magnfica esttua que s se encontra a guardada, sem

    dvida, h um bom sculo, numa sala das Termas desenterradas junto do

    encantador palcio reconstrudo por Jacques d'Amboise? Como seria extravagante

    que, seguidamente, esse arquiteto do sculo XVI tivesse tido, em relao figura

    gtica e imberbe que teria substitudo, o zelo de conservao que o cuidadoso

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    Viollet-le-Duc no devia mostrar, trezentos anos mais tarde, pelo bispo barbudo,

    obra do seu longnquo e annimo confrade!

    Que Mareei Clavelle e Bernard Husson, um aps outro, se tenham

    mostrado tolamente cegos pelo intenso prazer de apanhar em erro o grande

    Fulcanelli, ainda passa; mas que Grillot de Givry, logo partida, no tenha visto o

    monumental ilogismo da sua inconseqente refutao, eis o que se mostra difcil de

    toda a possvel digesto.

    De resto, temos de convir, sem dvida, que importava, a propsito desta

    terceira edio do Mistrio das Catedrais, que fosse nitidamente estabelecido o

    fundamento da censura de Fulcanelli dirigida contra Cambrel e que,

    conseqentemente, fosse dissipado de modo radical o aflitivo equvoco criado por

    Grillot de Givry; e, se se quiser, que fosse realmente resolvida e definitivamente

    encerrada uma controvrsia que sabamos tendenciosa e sem verdadeiro objeto.

    Savignies, Julho de 1964. Eugne CANSELIET.

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    O MISTRIO DASCATEDRAIS

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    I

    A mais forte impresso da nossa primeira juventude tnhamos ento

    sete anos , de que guardamos ainda uma viva recordao, foi emoo que

    provocou na nossa alma de criana a viso de uma catedral gtica. Sentimo-nosimediatamente transportado, extasiado, preso de admirao, incapaz de nos

    furtarmos atrao do maravilhoso, magia do esplndido, do imenso, do

    vertiginoso que se desprendia dessa obra mais divina que humana.

    Desde ento, a viso transformou-se mas a impresso permanece. E se o

    hbito modificou o carter impulsivo e pattico do primeiro contacto, nunca nos

    pudemos defender de uma espcie de arrebatamento perante esses belos livros de

    imagens erguidos sobre os nossos adros e que estendem at ao cu as suas folhas

    de pedra esculpida.

    Com que linguagem, por que meios poderamos exprimir-lhes a nossa

    admirao, testemunhar-lhes o nosso reconhecimento, todos os sentimentos de

    gratido de que o nosso corao est cheio por tudo o que nos ensinaram a

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    apreciar, a reconhecer, a descobrir, at essas obras-primas mudas, esses mestres

    sem palavras e sem voz?

    Sem palavras e sem voz? que dizemos! Se estes livros lapidares tm

    as suas letras esculpidas frases em baixos-relevos e pensamentos em ogivas,

    no falam menos pelo esprito imorredouro que se exala das suas pginas. Mais

    claros do que os seus irmos mais novos manuscritos e impressos possuem

    sobre eles a vantagem de traduzir apenas um sentido nico, absoluto, de expresso

    simples, de interpretao ingnua e pitoresca, um sentido purificado das subtilezas,

    das aluses, dos equvocos literrios.

    A lngua de pedras que esta arte nova fala, diz com

    muita verdade J. F. Colfs1, simultaneamente clara e sublime.

    E tanto fala alma dos mais humildes como dos mais cultos.

    Que lngua pattica, o gtico das pedras! Uma lngua to

    pattica, com efeito, que os cnticos de um Orlande de Lassus

    ou de um Palestrina, as obras para rgo de um Haendel ou de

    um Frescobaldi, a orquestrao de um Beethoven ou de um

    Cherubini e, maior do que tudo isso, o simples e severo canto

    gregoriano, talvez o nico canto verdadeiro, s por acrscimo

    dizem algo mais do que as emoes causadas pela catedral

    em si prpria. Ai daqueles que no amam a arquitetura gtica

    ou, pelo menos, lamentemo-los como deserdados do corao.

    Santurio da Tradio, da Cincia e da Arte , a catedral gtica no deve

    ser olhada como uma obra unicamente dedicada glria do cristianismo, mas antes

    como uma vasta condenao de idias, de tendncias, de f populares, um todo

    J. F. Colfs,La Filiation gnalogique de toutes les coles gothiques. Paris, Baudry, 1884.

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    perfeito ao qual nos podemos referir sem receio desde que se trate de penetrar o

    pensamento dos ancestrais, seja qual for o domnio: religioso, laico, filosfico ou

    social.

    As abbadas ousadas, a nobreza das naves, a amplido das propores

    e a beleza da execuo fazem da catedral uma obra original, de harmonia

    incomparvel, mas que o exerccio do culto no parece dever ocupar por inteiro.

    Se o recolhimento sob a luz espectral e policroma dos altos vitrais, se o

    silncio convidam orao, predispem para a meditao, em compensao o

    aparelho, a estrutura, a ornamentao, desprendem e refletem, no seu

    extraordinrio poder, sensaes menos edificantes, um esprito mais laico e,

    digamos a palavra, quase pago. Podem a descobrir-se, alm da inspirao ardente

    nascida de uma f robusta, as mil preocupaes da grande alma popular, a

    afirmao da sua conscincia, ia sua vontade prpria, a imagem do seu pensamento

    no que ela tem de complexo, de abstrato, de essencial, de soberano.

    Se h quem entre no edifcio para assistir aos ofcios divinos, se h quem

    penetre nele acompanhando cortejos fnebres ou os alegres cortejos das festas

    anunciadas pelo repicar de sinos, tambm h quem se rena dentro delas noutras

    circunstncias. Realizam-se assemblias polticas sob a presidncia do bispo;

    discute-se o preo do trigo ou do gado; os mercadores de panos fixam a a cotaodos seus produtos; acorre-se a esse lugar para pedir reconforto, solicitar conselho,

    implorar perdo. E no h corporao que no faa benzer l a obra-prima do seu

    novo companheiro e que no se rena uma vez por ano sob a proteo do santo

    padroeiro.

    Outras cerimnias, especialmente atrativas para o povo, se mantiveram a

    durante todo o belo perodo medieval. Foi a Festa dos Loucos ou dos Sbios

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    quermesse hermtica processional, que partia da igreja com o seu papa, os seus

    dignitrios, os seus entusiastas, o seu povo o povo da Idade Mdia, ruidoso,

    travesso, chistoso, transbordante de vitalidade, de entusiasmo e de ardor e se

    espalhava pela cidade... Stira hilariante de um clero ignorante, submetido

    autoridade da Cincia disfarada, esmagado sob o peso de uma indiscutvel

    superioridade. Ah! A Festa dos Loucos, com o seu carro do Triunfo de Baco

    conduzido por um centauro e uma mulher-centauro, nus como o prprio deus,

    acompanhado pelo grande Pan; carnaval obsceno tomando posse das naves

    ogivais! Ninfas e niades saindo do banho; divindades do Olimpo sem nuvens e sem

    enfeites: Juno, Diana, Vnus, La tona, reunindo-se na catedral para a ouvirem

    missa! E que missa! Composta pelo iniciado Pierre de Corbeil, arcebispo de Sens,

    segundo um ritual pago e em que as paroquianas do ano 1220 soltavam o grito de

    alegria das bacanais: Evoh! Evoh! E os homens do coro, em delrio,

    respondiam:

    Haec est clara dies clararum clara dierum!

    Haec est festa dies festarum festa dierum1!

    Foi ainda a Festa do Burro, quase to faustosa como a precedente, com a

    entrada triunfal, sob os arcos sagrados, de mestre Aliboron, cujos cascos pisavam

    outrora a calada judia de Jerusalm. O nosso glorioso Christophore era a

    celebrado num ofcio especial em que se exaltava, aps a epstola, esse poder

    asinino que valeu Igreja o ouro da Arbia, o incenso e a mirra do pas de Sab.

    Pardia grotesca que o sacerdote, incapaz de compreender, aceitava em silncio, a

    cabea curvada sob o ridculo lanado s mos cheias por esses mistificadores do

    Este dia clebre entre os dias clebres! Este dia dia de festa entre os dias de festal

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    pas de Sab ou Caba, os cabalistas em pessoa! E o prprio cinzel dos mestres

    imagistas do tempo que nos confirma estes curiosos divertimentos. Com efeito, na

    nave de Notre-Dame de Estrasburgo, escreve Witkowski

    , o baixo-relevo de um

    dos capitis dos grandes pilares reproduz uma procisso satrica em que se

    distingue um porco, portador de uma pia de gua benta, seguido de burros vestidos

    com hbitos sacerdotais e de macacos munidos de diversos atributos da religio,

    assim como uma raposa encerrada num relicrio. a Procisso da Raposa ou da

    Festa do Burro.

    Podemos acrescentar que uma cena idntica, com iluminuras, figura no

    folio 40 do manuscrito n. 5055 da Biblioteca Nacional.

    Foram enfim estes costumes bizarros, em que transparecia um sentido

    hermtico por vezes muito puro, que se renovavam em cada ano e tinham por teatro

    a igreja gtica, como a Flagelao da Aleluia, na qual os meninos de coro

    expulsavam a grandes golpes de chicote os seus ruidosos sabots para fora das

    naves da catedral de Langres; o Cortejo de Carnaval, a Diabrura de Chaumont; as

    procisses e banquetes da Infantaria de Dijon, ltimo eco da Festa dos Loucos, com

    a sua Me Louca, os seus diplomas rabelaisianos, o seu estandarte em que dois

    irmos, ps com cabea e cabea com ps, se divertiam a descobrir as ndegas; o

    curioso Jogo da Pelota, que se disputava na nave de Saint-Etienne, catedral deAuxerre que desapareceu cerca de 1538 etc.

    II

    G. J. Witkowski, LArt Profane Lglise. Etranger. Paris, Schemit, 1908, pg. 35. Pio com perfil de Tau ou Cruz. Em cabala, sabot equivale a cabot ou chabot, o chat bott (gato de botas) dashistrias da carochinha. A bolacha da Epifania contm, por vezes, um sabot em vez de uma fava.

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    A catedral o refgio hospitaleiro de todos os infortnios. Os doentes que

    vinham implorar a Deus o alvio dos seus sofrimentos em Notre-Dame de Paris

    permaneciam nela at a sua cura completa. Destinavam-lhes uma capela situada

    perto da segunda porta e iluminada por seis lamparinas. A passavam as noites. Os

    mdicos davam as suas consultas na prpria entrada da baslica, volta da pia da

    gua benta. Foi a que a Faculdade de Medicina, abandonando no sculo XIII a

    Universidade para viver independente, veio dar as suas sesses e se fixou at 1454,

    poca da sua ltima reunio, convocada por Jacques Desparts.

    o asilo inviolvel das pessoas perseguidas e o sepulcro dos mortos

    ilustres. a cidade dentro da cidade, o ncleo intelectual e moral do aglomerado, o

    corao da atividade pblica, a apoteose do pensamento, do saber e da arte.

    Pela abundante florao dos seus ornamentos, pela variedade dos temas

    e das cenas que a enfeitam, a catedral aparece como uma enciclopdia muito

    completa e variada, ora ingnua, ora nobre, sempre viva, de todos os

    conhecimentos medievais. Estas esfinges de pedra so assim educadoras,

    iniciadoras, em primeiro lugar. Este povo cheio de quimeras, de figuras grotescas,

    de figurinhas, de carrancas, de ameaadoras grgulas drages, vampiros e

    tarascas o guardio secular do patrimnio ancestral. A arte e a cincia, outrora

    concentradas nos grandes mosteiros, escapam-se da oficina, acorrem ao edifcio,agarram-se aos campanrios, aos pinculos, aos arcobotantes, suspendem-se das

    abbadas, povoam os nichos, transformam os vitrais em pedras preciosas, o bronze

    em vibraes sonoras e desdobram-se pelos portais numa alegre revoada de

    liberdade e de expresso. Nada mais laico do que o esoterismo deste ensinamento!

    Nada mais humano do que esta profuso de imagens originais, vivas, livres,

    movimentadas, pitorescas, por vezes desordenadas, sempre interessantes; nada

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    mais impressionante do que estes mltiplos testemunhos da existncia quotidiana

    do gosto, do ideal, dos instintos dos nossos pais; nada mais cativante, sobretudo,

    que o simbolismo dos velhos alquimistas habilmente traduzido pelos modestos

    estaturios medievais. A este respeito, Notre-Dame de Paris, igreja filosofal, sem

    dvida um dos exemplares mais perfeitos e. como disse Victor Hugo, a sntese

    mais satisfatria da cincia hermtica, de que a igreja de Saint-Jacques-la-Bou-

    cherie era um completo hierglifo.

    Os alquimistas do sculo XIV encontram-se ai, semanalmente, no dia de

    Saturno, no grande portal ou no portal de S. Marcelo, ou ainda na pequena Porta

    Vermelha, toda decorada de salamandras. Denys Zachaire informa-nos que o hbito

    se mantinha ainda no ano de 1539, "nos domingos e dias de festa" e Nol du Pail diz

    que "o grande encontro de tais acadmicos era em Notre-Dame de Paris1".

    A, no deslumbramento das ogivas pintadas e douradas2, dos cordes das

    voltas das abbadas, dos tmpanos com figuras multicores, cada um expunha o

    resultado dos seus trabalhos, desenvolvia a ordem das suas pesquisas. Emitiam-se

    probabilidades, discutiam-se possibilidades, estudava-se no prprio local a alegoria

    do belo livro e a exegese abstrusa dos misteriosos smbolos no era a parte menos

    animada destas reunies.

    Aps Gobineau de Montluisant, Cambriel e tutti quanti, vamos

    empreender a piedosa peregrinao, falar s pedras e interrog-las. Ai de ns! j

    bem tarde. O vandalismo de Soufflot destruiu em grande parte o que, no sculo XVI,

    o assoprador podia admirar. E se a arte deve algum reconhecimento aos

    Nol du Fail, Props rustiques, baliverneries, contes et discours d'Eutrapele (cap. X). Paris, Gosselin, 1842. Nas catedrais tudo era dourado e pintado de cores vivas. Possumos o texto de Martyrius, bispo e viajantearmnio do sc. XV, que disso d testemunho. Este autor diz que o portal de Notre-Dame de Paris resplandecia

    como a entrada do Paraso. Viam-se a a prpura, o rosa, o azul, a prata e o ouro. Podem ainda perceber-se traosdo dourado no cimo do tmpano do grande portal. O da igreja de Saint-Germain-lAuxerrois conservou as suas

    pinturas, a sua abbada azulada, constelada de ouro. Souffleur, simples emprico, contrrio do Adepto, que o verdadeiro alquimista. (N. do T.)

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    eminentes arquitetos Toussaint, Geffroy Dechaume, Boeswillwald, Viollet-le-Duc e

    Lassus, que restauraram a baslica, odiosamente profanada pela Escola, a Cincia

    nunca reencontrar o que perdeu.

    Seja como for, e apesar destas lamentveis mutilaes, os motivos que

    subsistem ainda so bastante numerosos para que se no tenha de lamentar o

    tempo e o trabalho de uma visita. Ficaremos, portanto, mais satisfeitos e largamente

    pagos pelo nosso esforo se pudermos despertar a curiosidade do leitor, reter a

    ateno do observador sagaz e mostrar aos amadores do oculto que no

    impossvel recuperar o sentido do arcano dissimulado sob a aparncia petrificada do

    prodigioso engrimano.

    III

    Antes, porm, devemos dizer duas palavras acerca do termo gtico

    aplicado arte francesa que imps as suas diretrizes a todas as produes da Idade

    Mdia e cuja irradiao se estende dos sculos XII a XV.

    Alguns pretenderam erradamente que provinha dos Godos, antigo povo

    da Germnia; outros julgaram que se chamava assim a esta forma de arte, cujas

    originalidade e extrema singularidade provocavam escndalo nos sculos XVII e

    XVIII, por zombaria, atribuindo-lhe o sentido de brbaro: tal a opinio da Escola

    clssica, imbuda dos princpios decadentes do Renascimento.

    A verdade, que sai da boca do povo, no entanto, manteve e conservou a

    expressoArte gtica, apesar dos esforos da Academia para substitu-la porArte

    ogival. H a uma razo obscura que deveria obrigar a refletir os nossos lingistas,

    sempre espreita das etimologias. Qual a razo por que to poucos lexiclogos

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    acertaram? Simplesmente porque a explicao deve ser antes procurada na origem

    cabalstica da palavra, mais do que na sua raiz literal.

    Alguns autores perspicazes e menos superficiais, espantados pela

    semelhana que existe entre gtico e gotico pensaram que devia haver uma

    estreita relao entre a arte gtica e a arte gotica ou mgica.

    Para ns, arte gtica apenas uma deformao ortogrfica da palavra

    argtica cuja homofonia perfeita, de acordo com a lei fontica que rege, em todas

    as lnguas, sem ter em conta a ortografia, a cabala tradicional. A catedral uma obra

    de art goth ou de argot. Ora, os dicionrios definem o argot como sendo uma

    linguagem particular a todos os indivduos que tm interesse em comunicar os seus

    pensamentos sem serem compreendidos pelos que os rodeiam. , pois, uma

    cabala falada. Os argotiers, os que utilizam essa linguagem, so descendentes

    hermticos dos argonautas, que viajavam no navio Argo, falavam a lngua argtica

    a nossa lngua verde navegando em direo s margens afortunadas de

    Colcos para conquistarem o famoso Toso de Ouro. Ainda hoje se diz de um

    homem inteligente mas tambm muito astuto: ele sabe tudo, entende o argot. Todos

    os Iniciados se exprimiam em argot, tanto os vagabundos da Corte dos Milagres

    com o poeta Villon cabea como os Frimasons ou franco-maons da Idade

    Mdia, hospedeiros do bom Deus, que edificaram as obras-primas argticas quehoje admiramos. Eles prprios, estes nautas construtores, conheciam a rota do

    Jardim das Hesprides...

    Ainda nos nossos dias os humildes, os miserveis, os desprezados, os

    insubmissos, vidos de liberdade e de independncia, os proscritos, os errantes e os

    nmadas falam argot, esse dialeto maldito, banido da alta sociedade, dos nobres

    que o so to pouco, dos burgueses satisfeitos e bem pensantes, espojados no

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    arminho da sua ignorncia e da sua presuno. O argot permanece a linguagem

    de uma minoria de indivduos vivendo margem das leis estabelecidas, das

    convenes, dos hbitos, do protocolo, aos quais se aplica o epteto de vadios

    (voyous), ou seja, de videntes (voyants) e, mais expressivo ainda, de Filhos ou

    Descendentes do sol. A arte gtica , com efeito, a art got ou cot (Xo), a arte da Luz

    ou do Esprito.

    Pensar-se- que so apenas simples jogos de palavras. E ns

    concordamos de boa vontade. O essencial que guiem a nossa f para uma

    certeza, para a verdade positiva e cientfica, chave do mistrio religioso, e que no a

    mantenham errante no labirinto caprichoso da imaginao. Aqui em baixo no existe

    acaso, nem coincidncia, nem relao fortuita; tudo est previsto, ordenado,

    regulado e no nos pertence modificar a nosso bel-prazer a vontade imprescutvel

    do Destino. Se o sentido usual das palavras nos no permite qualquer descoberta

    capaz de nos elevar, de nos instruir, de nos aproximar do Criador, o vocabulrio

    toma-se intil. O verbo, que assegura ao homem a incontestvel superioridade, a

    soberania que ele possui sobre tudo o que vive, perde a sua nobreza, a sua

    grandeza, a sua beleza e no mais do que uma aflitiva vaidade. Ora, a lngua,

    instrumento do esprito, vive por ela prpria, embora no seja mais do que o reflexo

    da Idia universal. Nada inventamos, nada criamos. Tudo existe em tudo. O nossomicrocosmos apenas uma partcula nfima, animada, pensante, mais ou menos

    imperfeita, do macrocosmos. O que ns julgamos descobrir apenas pelo esforo da

    nossa inteligncia existe j em qualquer parte. a f que nos faz pressentir o que

    existe; a revelao que nos d a prova absoluta. Muitas vezes passamos ao lado

    do fenmeno, at mesmo do milagre, sem dar por ele, cegos e surdos. Quantas

    maravilhas, quantas coisas insuspeitadas descobriramos se soubssemos dissecar

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    as palavras, quebrar-lhes a casca e libertar o esprito, divina luz que eles encerram!

    Jesus exprimia-se somente por parbolas; poderemos ns negar a verdade que elas

    ensinam? E, na conversao corrente, no sero os equvocos, os pouco mais ou

    menos, os trocadilhos ou assonncias que caracterizam as pessoas de esprito,

    felizes por escaparem tirania da letra e mostrando-se, sua maneira, cabalistas

    sem o saberem?

    Acrescentemos, por fim, que o argot uma das formas derivadas da

    Lngua dos Pssaros, me e decana de todas as outras, a lngua dos filsofos e dos

    diplomatas. o conhecimento dela que Jesus revela aos seus apstolos, enviando-

    lhes o seu esprito, o Esprito Santo.

    ela que ensina o mistrio das coisas e desvenda as verdades mais

    recnditas. Os antigos Incas chamavam-na Lngua da corte porque era familiar aos

    diplomatas, a quem fornecia a chave de uma dupla cincia: a cincia sagrada e a

    cincia profana. Na Idade Mdia, qualificavam-na de Gaia cincia ou Gaio saber,

    Lngua dos deuses, Deusa-Garrafa1. A tradio assegura-nos que os homens

    falavam-na antes da edificao da torre de Babel2, causa da perverso e, para a

    maioria, do esquecimento total desse idioma sagrado. Hoje, fora do argot,

    encontramos as suas caractersticas nalgumas lnguas locais como o picardo, o

    provenal etc. e no dialeto dos ciganos.

    A mitologia pretende que o clebre adivinho Tirsias3 tenha possudo

    perfeito conhecimento da Lngua dos Pssaros, que Minerva lhe teria ensinado,

    como deusa da Sabedoria. Ele partilhava-a, diz-se, com Tales de Mileto, Melampus

    La Vie de Gargantua et de Pantagruel, por Franois Rabelais, uma obra esotrica, um romance de argot. O

    bom cura de Meudon revela-se nela como um grande iniciado, alm de um cabalista de primeira ordem.2 Tour, a Tournure ba empregue por bel. Tirsias, diz-se, tinha perdido a vista por ter desvendado aos mortais os segredos do Olimpo. Viveu, noentanto, sete, oito ou nove idades de homem e teria sido sucessivamente homem e mulher!

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    e Apolnio de Tiana4, personagens fictcios cujos nomes falam eloqentemente na

    cincia que nos ocupa e bastante claramente para que tenhamos necessidade de os

    analisar nestas pginas.

    IV

    Com raras excees, o plano das igrejas gticas catedrais, abadias ou

    colegiadas apresenta a forma de uma cruz latina estendida no solo. Ora a cruz

    o hierglifo alqumico do crisolque outrora se chamava cruzol,crucible e croiset(nabaixa latinidade, cricibulum, crisol, tem por raiz crux, crucis, cruz, segundo

    Ducange).

    Com efeito, no crisol que a matria-prima, como o prprio Cristo, sofre a

    Paixo; no crisol que ela morre, para ressuscitar em seguida, purificada,

    espiritualizada, j transformada. No exprime alis, o povo, guardio fiel das

    tradies o