ÁFRICA –Centralidade Africana - Volume...

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ÁFRICA Centralidade Africana Volume Um José Lucas

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ÁFRICACentralidade Africana

Volume Um

José Lucas2012

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ÁFRICA –Centralidade Africana - Volume Um

ÁFRICACentralidade Africana

Volume Um

José Lucas2012

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JOSÉ LUCAS

Copyright by José Lucas Alves Filho

Impresso no BrasilPrinted in Brazil

EditorMárcia Eliane

DiagramaçãoMaria do Carmo de Oliveira

CapaLeonardo Alves

RevisãoDo Autor

L933h Lucas, José, 1939-

ÁFRICA – CENTRALIDADE AFRICANA / José Lucas. – Volume I Jaboatão dos Guararapes, PE: Livro Rápido, 2012.

ISBN em andamento

1.HISTÓRIA DA ÁFRICA. 2.ÁFRICA – POLÍTICA. 3. ETNIAS4.CENTRALIDADE AFRICANA. 5. ÉTNOCENTRISMO 6. MUDANÇAS ESTRUTURAIS. 7. ARGUMENTAÇÃO POLÍTICO – SOCIAL8. IDEOLOGIA. 9. ESTRATÉGIA MILITAR 10.AFRO BRASILEIROS MUDANÇAS SOCIAIS. 11. SOCIALISMO – ECONOMIA SOLIDÁRIA. 1. ESTADO E SOCIEDADE. 13. RESTAURAÇÃO HISTÓRICAI. Título.

CDU 930.85CDD 930

PeR – BPE 07-0885

Editora Livro Rápido – ElógicaRua Dr. João Tavares de Moura, 57/99 Peixinhos

Olinda – PE CEP: 53230-290

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Homenagem:

A:

Zenaide Cecília Pereira da Silva

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Sobre Zenaide:

Zenaide é tradutora do livro de Cheick Anta Diop e George James – “A Origem Africana da Civilização e o Legado Roubado.

A visão integra o Egito faraônico à assim chamada África Negra, e demonstra, por A + B a Orígem Africana da "filosofia Grega", que não passa de "pirataria Grega", visto tratar-se, realmente de Filosofia Africana, pirateada e publicada pelos Gregos - em grego!!!

Zenaide cria Performances, Espetáculos e companhias de teatro e dança, para que os novos griots possam iniciar seus novos alunos, assim, criando uma Corrente Universal de V.I.D.A., ou seja, Virtual Integração da Divindade Africana.

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SumárioPrimeira parte1. Simbologia p. 152. História da África – Primeira Parte p. 312.1 Período pré-histórico p. 312.2 Reinos Antigos p. 492.3 Os Povos Africanos p. 672.4 Egito, Núbia, Etiópia p.2012.5 A Civilização do Vale do Nilo p.2232.6 As Conquistas Gregas e Romanas p.2532.7 A Sociedade Antiga e Medieval p.271Segunda Parte2.8 Os Impérios e Reinos Africanos:1. Império de Gana, do povo Soninke (300 DC)2. Auge do Império de Gana (ano 1000 DC)3. Império do Mali, 1235 – 16004. O Império Songai se separa do Império do Mali (1375)5. Queda do Império Songai (1591) (Mali)6. Nascimento do Império Ashanti (1700/1717) (Gana)7. Nascimento do Império Daomei (1720)8. Nascimento do Reino Zulu (1818/1828) (África do Sul)9.O Reino do Congo10.O Império Kanem Bornu11,O Império Iorubá12.Reino de Oyo13.Império do Benin.14.Reino de Sabá 15.Civilização Swahili16.Nascimento do Reino Zulu (1.818/1.828) (África do Sul).17.Fundação do Reino de Ndongo18.Reino Kuba.19. A Revolta dos Zandj20.Califado de Sokoto21.Reino Ngoyo

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22.Reino Merina23.Civilização Nok24.Reino Kotoko25.Civilização Sao26.Reino Ijebu27.Reino Gyaaman28.Império Luba29.Reino de Luangu30.Reino de Koya31.Império Monomotapa32.Império Wolof33.Reino de Janjero34.Reino de Numídia35.Reino de Sine36.Reino de Baguirmi37.Reino de Nobatia38.Reino de Gera39.Reino de Butua40.Reino de Lunda41.Fundação do estado de Ndebele (1.830) (Zimbábue)42.Reino de Garo43.Reino de Gabu44.Derrota do Reino de Ashanti (1.874)45.Guerra Zulu contra a Grã Bretanha (1.879)46.Derrota do Estado de Ndebele (1.890)47.Derrota do Império Daomei (1.902)48.Guerra pela Independência do Kênia (1.950)49.Independência de Gana (1.957)50.Independência do Mali (1.960)51.Independência do Congo (1.961)52.Independência de Angola, Moçambique, Cabo Verde e Guiné Bissau (1.970)53.Independência do Zimbábue (1.980)54.Fim do Apartheid (1.991)

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Terceira Parte2.9 A Religião Animista2.10 Conquista árabe2.11 O islamismo no continente africano 2.12 Mitologia Africana3 Geografia3.1 Vale do rio Nilo3.2 O Sul3.3 Os Congos3.4 Demografia: Civilizações e Etnias3.5 Governo4. A Vida Privada na África5.1 Administração5.2 Sistema jurídico5.3 Força militar6 Economia6.1 Agricultura e Criação animal6.2 Mineração6.3 Comércio7 Sociedade7.1 Hierarquia social7.2 Vida Comunitária8 Idiomas e Dialetos9 A escrita dos povos africanos9.1 Desenvolvimento histórico9.2 Som e gramática9.3 Escrita, Filosofia e Literatura10 Religião

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PRIMEIRA PARTE

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1. SIMBOLOGIA - ÁFRICA, O CONTINENTE HUMANO MAIS ANTIGO

A África não é só um Continente. Ela é um estado de espírito e a própria natureza da vida humana surgida em nosso planeta. É o continente mais antigo, o continente humano mais antigo, pois aí surgiu a raça humana pelas pesquisas arqueológicas feitas ate hoje. A África é o Continente; a Humanidade é o seu Conteúdo.

Como nascedouro da raça humana, sua experiência procura os caminhos da estética e da beleza, consubstanciados no corpo da mulher. Ela é o ventre. É um corpo que foi ocultado pelos homens, ciumentos de sua concorrência, e por isso sofreu a opressão mais injusta e foi violentada milhões de vezes, o que até hoje continua a suceder.

Castro Alves representou bem a natureza da África na História Mundial: Em sua prosopopéia “Vozes d´África”, a África narra suas desgraças e clama pela misericórdia divina, queixando-se a Deus pela desventura de ver seus filhos arrebatados do solo pátrio para serem escravizados, e lançados ao desamparo.

Compara a África com suas irmãs, a Ásia, Europa e América, figurando as irmãs como belas, e ditosas...

“Dorme a Ásia nas sombras voluptuosas Dos haréns do SultãoOu no dorso dos brancos elefantes”“A Europa é sempre Europa, a gloriosa!... A mulher deslumbrante e caprichosa, Rainha e cortesã.”

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“Sempre a láurea lhe cabe no litígio... Ora uma coroa, ora o barrete frígio Enflora-lhe a cerviz. O Universo após ela — doido amante Segue cativo o passo delirante Da grande meretriz.”“Hoje em meu sangue a América se nutre Condor que transformara-se em abutre, Ave da escravidão, Ela juntou-se às mais... irmã traidora.”

E ela, como um Continente perdido de seu amor:

“Mas eu, Senhor!... Eu triste abandonada Em meio das areias desgarrada, Perdida marcho em vão!”“Deus! ó Deus! onde estás que não respondes? Em que mundo, em que estrela tu te escondes Embuçado nos céus? Há dois mil anos te mandei meu grito, Que embalde desde então corre o infinito... Onde estás, Senhor Deus?...”

Castro Alves a pintou como uma mulher desesperada; no entanto, a mulher é protagonista de sua história. Seu corpo despido, como o conserva até hoje muitos povos africanos, não é um objeto sensual para desfrute dos homens; não é o corpo prostituído que a sociedade midiática global quer significar. Não é aquele corpo feito em pedaços, mostrado por partes, para deleite da masculinidade sem sentido, nos outdoors, nas revistas, nos desfiles de moda ou no carnaval. Este é o objeto de consumo utilizado para vender produtos. O corpo exposto da

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mulher nativa africana, como o de nossas índias, é mostrado como um direito que a natureza lhe proporcionou, que os hábitos dos ancestrais estabeleceram como a prova das condições naturais que lhe deram o significado mais elevado.

A África pode ser representada pelo ventre da mulher. Especialmente pelo ventre da mulher negra, que foi a mais sofrida por todos os séculos em que os africanos foram violentados em sua natureza, arrebanhados de suas origens e conduzidos em porões infectos e imundos de “navios negreiros” aos demais continentes para serem escravos de homens brancos desonestos, corruptos e preguiçosos.

O ventre, por ser a mãe da Humanidade, a mãe África. O ventre reflete a mente e o espírito, a criação e a criatura. A segurança do feto está no ventre; a ação propulsora do crescimento está no ventre; nele se consubstancia a realidade atual do novo homem que nasce e a realidade dos antepassados em seu DNA originário.

O ventre é também o depósito das emoções, dos sentimentos, das sensações – nele o novo homem aprende a sentir, através de sua mãe e devolve a ela os resultados dessas sensações percebidas a cada momento. Ao ser respeitado e venerado, o ventre se torna uma ferramenta de poder da mãe e de sua Humanidade; quando vilipendiado, o ventre se torna o efeito pernicioso de uma vida conspurcada e aborrecida. A criatividade e a beleza que se reproduz instintivamente no ventre da mulher dão forma a personalidade que vai nascer. Quando não é escutado, ou é desprezado, o feto se enferma e ele torna-se um poço de vírus doentios. “Mulher Sagrada: O

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estado do seu ventre reflete o estado da sua vida”, já dizia o filósofo.

O Mapa da África no Ventre da Mulher

A vida não-natural e o estilo de vida não-sadio eterniza o poder negativo do ventre, e isto se transforma em suporte de conflitos de homens contra o planeta, homens contra homens, e mulheres contra o ventre. A condição do ventre das mulheres reflete a condição de todos os seus relacionamentos. Quando o ventre da mulher está num estado saudável, sua vida é um reflexo deste balanço.

O amor e o cuidado que a mulher dá ao seu ventre reflete o seu verdadeiro nível emocional, espiritual, físico, e saúde mental. Infortunadamente, muitas mulheres no mundo de hoje também experimentam alguma forma de degeneração do ventre que resulta em doença. Ao curar e transformar os ventres, as mulheres mudam seu destino e o destino do nosso planeta.

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O ventre é a terra natal de todas as nossas habilidades criativas.

O projeto deste livro se baseia em que, durante séculos, a Historia da África foi ocultada pelas nações colonialistas que se apropriaram dos territórios daquele Continente, através do uso da força militar, guerras de conquista e submissão, utilizando essas conquistas para extrair dali tudo que era riqueza, humana e material, tentando esgotar o Continente em proveito de seus escusos interesses coloniais.

Não só o ouro do Império de Gana, não só Marfim e Cacau da Ivory Côte, não só os diamantes das minas do Congo, África do Sul e Angola, mas o produto humano, o mais rico, os escravos de todas as regiões que foram aprisionados e levados nas condições mais tenebrosas, para o desenvolvimento econômico da América e da Europa. A mão de obra que gerava a acumulação do capital mercantil e posteriormente capitalista, que possibilitou a vida suntuosa, mas inócua e desprezível das aristocracias européias e da burguesia industrial que a sucedeu nos impérios coloniais.

Para os impérios coloniais não era interessante divulgar a História da África, como na realidade ela havia se desenvolvido. Não interessava mostrar que a África era composta de grandes reinos, de tradição cultural importante, que ali antes havia grandes cidades com parlamentos e universidades, exércitos armados de forma exemplar, grandes lideranças nacionais, escrita, a arte cerâmica, têxtil, a arquitetura, a religiosidade que formava um grande leque de opções - animistas, muçulmanas, cristãs ou politeístas. E que esses reinos, essa cultura, foram dizimados através as guerras

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de conquistas e a África havia se tornado um botim de proporções extraordinárias, capaz de sustentar os reinos da Europa e as colônias da América, durante décadas e séculos.

Mulher AFAR

Figura de uma mulher Afar, no mercado. Seu povo vive na Etiópia, Eritréia e Djibuti, na região do deserto do Chifre da África. O Povo Afar se encontra principalmente no Deserto Danakil e são chamados, por esta razão, como Danakil. O idioma falado pelo Povo Afar pertence ao ramo Cushita da família Afro-Asiática e é falado por cerca de 1,5 milhões de pessoas. As mulheres Afar não costumam cobrir os seios, usando um “sanafil” de cor marrom ou azul. A mulher casada se identifica usando um turbante chamado “shash” no idioma Afar. A figura de mulher acima é casada, pois está usando um "shash." Nota-se também que a pintura em seu rosto é de um ocre forte que as mulheres Afar usam com frequência.

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O continente africano sempre foi considerado como duas entidades incompatíveis, dentro da “lógica” entre uma “África branca” e uma “África negra”. O Saara era um espaço impermeável ao encontro entre os povos e suas naturezas, concebendo-se sociedades com limites consolidados entre as civilizações do antigo Egito e da Núbia e aquelas dos povos subsaarianos. É sabido, mas foi sempre ocultado, que Ísis, a deusa suprema dos antigos egípcios, era negra. Mais ainda, era uma divindade da vizinha Etiópia, onde se registram os primeiros vestígios da vida humana

A África norte-saariana, por sua proximidade com o Sul da Europa, possuiu vínculos históricos maiores com os povos europeus do que a África subsaariana; porém, foi o conjunto do Continente africano, por sua originalidade cultural e social que centralizou o conhecimento por longos séculos, antes que a Civilização chegasse aos povos que habitavam a Europa.

Mas, toda esta evolução passou a ser desconsiderada a partir do momento em que as nações européias iniciaram o tráfico negreiro e submeteram os reinos africanos à dependência colonial. Este fato corrompeu as noções de História Mundial, ao repartir os conceitos entre “brancos” e “negros”, determinando que os colonialistas eram os brancos e os povos submetidos à escravidão eram os povos africanos.

Transformado em mercadoria e forçado ao trabalho escravo, os africanos passaram a ser considerados povos inferiores e sua cor morena, mulata ou preta recebeu o epíteto de negro. Esta falsa atribuição condenou a história da África ao “arquivo morto” da historiografia, ocultando a partir de então todo o passado dos povos do Continente e sepultando seu futuro.

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A África seria mostrada sempre pelo seu lado mais primitivo, como se fosse um Continente falto de Cultura, de Civilização, de não haver Conhecimento acumulado. Mesmo aqueles que defendiam a África estavam tão eivados do sentimento de inferioridade que mostravam uma África feia, de homens e mulheres primitivos, sem beleza, sem a expressão altiva dos vitoriosos. Mostravam justamente aqueles seres que não queriam ser, que se enfeavam para afastar os colonizadores, os opressores de todas as nações brancas.

A Iliada e a Odisseia podem ser devidamente consideradas como fontes essenciais da história da Grécia antiga, mas nega-se todo valor a tradiçao oral africana, essa memória dos povos que fornece, em suas vidas, a trama de tantos acontecimentos marcantes. Ao escrever a história de grande parte da África, recorre-se somente a fontes externas à África, oferecendo uma visão não do que poderia ser o percurso dos povos africanos, mas daquilo que se pensa que ele deve ser. Tomando frequentemente a “Idade Média” européia como ponto de referência, seus modos de produção, e suas relações sociais, tanto quanto suas instituições políticas, se procura enquadrar a história da África nos moldes europeus. Isto não funciona assim, a África nada tem a ver com a Europa.

Aqui nossa proposta é diversa: queremos mostrar a verdadeira África. Aquela África que se afirma em sua beleza, em sua sensualidade vibrante, em sua pujança e em sua plenitude civilizatória, em seus ideais de Humanidade e de Coletividade nas origens do espírito humano, gerado, nascido e construído na África e hoje nela revivido. Queremos mostrar a beleza da

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Mulher Africana, que simboliza a Mãe África, em todo seu resplendor e em toda sua magnificência.

Não é uma questão de narcisismo, mas de devolver aos africanos a sua auto-estima que foi perdida pela colonização secular e pela escravidão ultramarina. A ignorância de seu passado foi drasticamente alienadora. Os africanos deixaram de se ver como um povo para serem sentidos como alimárias. Na África existem os leões. Depois dos leões, existem as minas, as maiores fontes de lucro dos colonizadores; os povos que ali viviam foram incorporados às minas como propriedade das nações colonizadoras. Agora os leões africanos se defendem e se afirmam.

Para os africanos, a história da África é a revelação de seu passado, ou de uma parte de si mesmo. As desventuras que perpassam pela África atual decorrem de inumeráveis forças impulsionadas pela história e constrangidas pela ação destruidora do arbítrio e do vilipêndio de seus suseranos alienígenas, que se impuseram pela força das armas.

Já há muitos milênios, a agricultura e o pastoreio eram praticados no delta do rio Nilo, e progressivamente se expandiram em direção ao sul, seguindo nas margens desse rio. A partir do 5º milênio antes da era cristã, com o processo de formação do deserto do Saara, vários povos nômades e seminômades, do norte da África e do Oriente Médio, buscaram as margens do rio Nilo para ali se fixarem.

Sem dúvida chegaria o dia em que a África seria redescoberta e sua verdadeira História seria conhecida em toda sua plenitude. A UNESCO, já em 1964, daria início à tarefa de contar a

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história da África com base nas investigações e relatos históricos dos próprios africanos. Era necessário que se mostrasse ao mundo que a África era um continente composto por sociedades organizadas e não só por “tribos”, como até então se mostrava.

A partir da iniciativa da UNESCO foi formado um Comitê com 350 cientistas coordenados por um comitê formado por historiadores e outros profissionais, em sua maioria, africanos que pesquisaram a História da África sob o ponto de vista dos africanos e não mais sob a ótica dos colonizadores que oprimiram aquele Continente durante séculos. Como resultado surgiu a Coleção História Geral da África, editada nas décadas de1980 e 1990.

No Brasil, uma tradução da obra foi editada com a participação da UNESCO, da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (SECAD/MEC) e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) em 2011; passamos a conhecer assim com maior profundidade a saga dos povos africanos e suas características humanas, políticas, sociais e culturais. A Coleção é dividida em oito volumes com os seguintes textos:Volume I: Metodologia e Pré-História da ÁfricaVolume II: África AntigaVolume III: África do século VII ao XIVolume IV: África do século XII ao XVIVolume V: África do século XVI ao XVIIIVolume VI: África do século XIX à década de 1880Volume VII: África sob dominação colonial, 1880-1935Volume VIII: África desde 1935

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Os temas contemplados na Coleção são abrangentes e se dirigem principalmente a discutir:

Invenção e difusão tecnológicaCirculação de saberes e conhecimentoHistória dos diferentes povosFormação contínua de comunidades étnico-culturaisFormação de Estados

A Coleção encontra-se disponível nos sites:

• www.unesco.org/brasilia/publicacoes •• www.mec.gov.br/publicacoes

O que antes já se sabia era que os reinos mais antigos da África eram a Etiópia, o Egito e a Núbia. Isto porque havia referências claras na História dos povos ocidentais sobre a existência desses reinos. No entanto, a cultura humana havia nascido muito antes do que era contado na História Antiga. E foi na África, e não na Europa, como admitiam os historiadores ocidentais.

Encontraram-se vestígios que comprovam a ação do homem africano a 77 mil anos atrás, quando seus ancestrais já fabricavam objetos de arte, o que registra sua capacidade de um pensamento abstrato, com criações próprias em argila. Encontraram-se, por exemplo, barras de argila colorida com desenhos geométricos, no sítio arqueológico de Blombos, a 290 quilômetros da hoje Cidade do Cabo, na África do Sul, no ano de 2004. As gravuras exibidas nas barras de argila mostram habilidades humanas e a imaginação daqueles habitantes, o que decorre de uma cultura acompanhada pela inteligência. Os

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desenhos geométricos encontrados nas duas peças de argila em Blombos são uma série de losangos, o que demonstra uma atividade inteligente porque são símbolos do pensamento abstrato.

É importante ressaltar o papel da África na formação do Mundo Ocidental através dos agentes africanos no processo de expansão cultural e entender sua participação no desenvolvimento das nações surgidas durante a formação desse mundo ocidental. Certamente isto despertará polêmicas inevitáveis, quando surgirem informações vinculadas à origem das idéias iniciais a respeito de padrões éticos, da filosofia e religiões das civilizações antigas que são consideradas as fundadoras do conhecimento humano, ao se constatar que essas idéias já existiam previamente em civilizações africanas ainda mais antigas.

O estudo da África pode causar uma reviravolta nos padrões aceitos até hoje como verdades absolutas em muitos ramos do conhecimento, porque foram negadas à Historia da Humanidade informações importantes, capazes de estabelecer alguns elos perdidos durante o decorrer dessa saga humana, desse mundo até agora oculto pela adoção do padrão eurocêntrico. Será o resgate da História de um Continente com mais de um bilhão e cem milhões de habitantes!

E falar da História da África é falar também de um contingente de mais de cento e setenta mihões de afro-descendentes nos outros continentes, levados dali pela diáspora africana que se estabeleceu com a escravidão de seus filhos. A pesquisa, a análise e os esclarecimentos sobre a História da Diáspora Africana é o complemento natural da História da África. São

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mais de cento e vinte milhões somente na América Latina, mais de quarenta milhões na América do Norte, outros oito milhões na Europa, cerca de duzentos e cinqüenta mil na Oceania e um número não conhecido em toda a Ásia.

Somando a população dos Africanos e afro-descendentes espalhados pelo mundo, com a população chinesa e a população hindu, teremos aí a metade da população mundial, o que evidencia a importância do estudo da África, tanto quanto o da China e o da Índia. Em nosso caso presente, trata-se de estabelecer e defender aqui um novo conceito histórico: o conceito da Afrocentricidade.

Com isto queremos destacar a importância histórica dos povos africanos para a civilização humana, reduzindo o destacado papel que se confere geralmente à civilização européia como centro do mundo.

Um exemplo claro da centricidade africana são os achados de Blombos, que desautorizam o conceito de que a cultura humana teria nascido na Europa, o que se supunha ser comprovado pelas pinturas rupestres encontradas na França, nos sítios de Lascaux, Chauvet e Cussac e no sítio de Altamira, na Espanha. As pinturas que foram encontradas têm menos que 35 mil anos, enquanto os objetos encontrados em Blombos são de 77 mil anos atrás.

Além disso, os objetos encontrados possuem marcas de uso, como jóias, o que mostra uma forma de comunicação entre os homens e supõe que a linguagem humana já se achava em desenvolvimento. Essa disputa pelos vestígios humanos mais antigos é um dos modos mais eficazes de se demonstrar o

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surgimento das civilizações e por isto trás em si um forte apelo emocional para aqueles que se dedicam à ciência que procura descobrir as origens do conhecimento humano. As pesquisas mais recentes mostram o caminho da África e quebram tabus e preconceitos que se mantiveram intactos durante séculos, estimulados pelo espírito colonialista que predominou na ciência e na História durante os últimos séculos.

Em nosso caminho estimulamos a curiosidade do historiador, abrindo um vasto leque de opções para fazer justiça às diversas teorias que advogam o estudo do Continente Africano.

Não devemos nos fixar apenas nas tradicionais fontes da historiografia (Documentos, Arqueologia, Oralidade, Linguistica), mas admitir novas fontes e tratá-las com o mesmo respeito das tradicionais. Averiguar aos a cultura, em suas mais variadas expressões, comparando as manifestações do presente com os relatos do passado africano. Isto porque entendemos que a história é a visão presente sobre a evolução do tempo.

Muitas dessas fontes e a metodologia de seu uso podem vir das matemáticas, da física, da geologia, ou das ciências naturais, humanas e sociais; Assim, abordaremos aqui aspectos e problemas não desenvolvidos em outros estudos correlatos. Em nosso trabalho utilizaremos a datação de um período negativo (- x anos) significando tantos anos antes da era cristã, ou positivo (com ou sem o sinal +), indicando o período após o início da era cristã.

A História destaca o elemento feminino como poderoso instrumento de civilidade e equilíbrio, e enquadra a beleza feminina como atributo indispensável à caracterização da

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Natureza, enriquecendo a Vida e promovendo a paz entre os homens. Por isso as figuras belas femininas e algumas masculinas serão exibidas em muitas páginas deste trabalho, como também imagens de paisagens, objetos de arte e de uso familiar ou público. Alguns mapas necessários ao melhor entendimento dos fatos e elementos constitutivos da história africana também serão expostos neste trabalho.

A defesa racional da mulher quando é violentada e levada à escravidão é tornar-se feia para afastar seu opressor, e foi assim que procederam muitas vezes as mulheres africanas para defender-se do opróbrio da escravidão, denegrindo sua beleza para não serem escolhidas pelos instintos masculinos além das humilhações já impostas pela servidão forçada.

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Em nosso trabalho homenageamos a notável mulher negra Zenaide Cecília Pereira da Silva, que se destacou pela luta pelo reconhecimento da Afrocentricidade. O surpreendente e inesperado é o fato de que a voz que proclama tão imodestamente a própria beleza ser a voz de uma mulher afro-brasileira, uma mulher negra que se quer negra e que faz questão de ressaltar o seu fenótipo.

Esta é a tônica do livro. Esta foi a intenção do Autor. Mostrar uma África ainda não descoberta. Uma África de cultura, de beleza, de progresso, e não a África conspurcada diariamente, onde se focaliza apenas a tragédia deixada pelos mercenários e que fazem disso um tema recorrente e permanente. A África de crianças esquálidas, famintas, resultado do opróbrio secular da escravidão, esta já é fartamente mostrada pelos historiadores e pesquisadores. Não é nosso caso. Queremos mostrar o lado ocultado pelos imperialistas e perpetuado por seus descendentes.

Espero que os objetivos traçados sejam expostos de maneira compreensível para o Leitor e que mereça sua compreensão e paciência para acompanhar o desenrolar do novelo histórico e reflexivo até o termo deste texto.

Antecipadamente agradeceO Autor.

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2. HISTÓRIA DA ÁFRICA – PRIMEIRA PARTE

2.1 – O PERÍODO PRÉ-HISTÓRICO

África é o berço da inteligência humana

Por que afirmamos isto? Um dos motivos para fazer tal afirmação é que no Continente Africano existem as maiores variações de DNA. O DNA que passa de mãe para filha, foi herdado de uma única espécie de fêmea que viveu na África a 50 mil anos; assim mostraram as pesquisas a partir da fêmea chamada “Lucy” pelos arqueólogos que a descobriram.

De acordo com esses arqueólogos, já na era paleolítica o Vale do Rio Nilo era habitado por humanos; isto, a 3 milhões e 100 mil anos atrás. Na África Oriental, estima-se que o Homo começou a viver naquela região há 1,9 milhões de anos. Fósseis encontrados no Quênia indicam essa hipótese como verdadeira.

Para os estudiosos, a áfrica apresentou três espécies humanas que devem ter vivido em períodos contemporâneos: O Homo rudolfensis, o Homo erectus e o Homo habilis. Os fósseis descobertos recentemente sugerem a confirmação de que o Homo rudolfensis pertencia a uma linhagem diferente dos demais. Segundo as mais recentes e prováveis teorias existiria na natureza uma progressão linear, afirmando que, ao Homo habilis sucedeu o Homo erectus, o qual gerou o Homo sapiens em direção ao aparecimento do homem moderno. A outra teoria, também recentemente incorporada à ciência, é a teoria

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do arbusto, que defende vários ramos da espécie humana, cada qual adaptado aos diferentes modos de vida, sendo alguns extintos no decorrer da História, enquanto outros se firmaram e tiveram continuidade através de seus descendentes. Neste caso seriam três espécies distintas de homens, cada uma delas com sua própria aparência e uma cultura própria, vivendo lado a lado por milênios.

Foi ainda no período paleolítico que o clima do Norte da África tornou-se muito quente e muito seco, forçando as tribos primitivas a procurarem abrigo no Vale do Nilo, região fértil, onde se podia caçar e pescar com abundância e assim garantir a sua sobrevivência. Isto acontecia já no período entre 780 a 120 mil anos atrás, e asim permaneceu até os dias atuais. A planície fértil do Nilo lhes dava uma oportunidade de sobrevivência através da agricultura, nas margens do Nilo, pelo húmus deixado após as enchentes que fertilizavam a terra, fixando o homem naquela região.

Hoje se reconhece que a África foi o berço da humanidade. A arqueologia já demonstrou que na África é que se desenvolveram as mais antigas civilizações. A tradição oral é outra fonte para a reconstituição da história da África, e é a partir da visão africana do mundo que se podem identificar as orígens dos elementos que caracterizam as culturas e as sociedades do continente. O homem aparece na África ao fim de uma longa história, como um primata que um dia aperfeiçoa o utensílio que vem usando já há muito tempo. Utensílios fabricados e habitações revelam de súbito um ser racional que prevê, aprende e transmite, constrói a primeira sociedade e lhe dá sua primeira cultura.

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O isolamento geográfico acentuou-se nas proximidades dos trópicos devido às variações climáticas do Terciário e do Quaternário.

Durante milhares de anos, o Saara úmido foi um dos maiores centros de povoamento do mundo. Mais tarde, os períodos secos contribuíram para a formação de imensos desertos como o Saara e o Kalahari. Os intercâmbios de todo tipo entre as diversas civilizações do continente foram, por conseguinte, prejudicados, mas não interrompidos. Dessa forma, o clima constitui um fator essencial para a compreensão do passado africano. Ademais, os ritmos pluviométricos e os meios bioclimáticos exercem uma influência efetiva na vida do homem atual. As sociedades africanas tiraram proveito da complementaridade das zonas climáticas para estabelecer entre si as correntes de intercâmbio mais antigas e vigorosas.

A história da África foi particularmente influenciada pela riqueza mineral, que constitui um dos principais fatores da atração que o continente sempre exerceu sobre os povos conquistadores. Assim, o ouro da Núbia e de Kush foi explorado pelas dinastias do antigo Egito.

Mais tarde, o ouro da África tropical, principalmente da região sudanesa e do Zimbabwe, tornou-se fonte de prosperidade das sociedades do norte da África e do Oriente Próximo e suporte dos grandes impérios africanos do sul do Saara. Em tempos remotos, o ferro foi objeto de troca entre a floresta e as regiões tropicais da África. As salinas da orla do Saara tiveram um papel importante nas relações entre os Estados do Sudão e dos povos árabe-bérberes do norte da África.

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É como se, há 6 ou 7 milhões de anos, nascesse no quadrante sudeste do continente africano um grupo de hominídeos denominados australopitecíneos, e, entre 2,5 e 3 milhões de anos atrás, emergisse desse grupo polimorfo um ser, ainda Australopithecus ou já Homem, capaz de trabalhar a pedra e o osso, construir cabanas e viver em pequenos grupos, representando, através de todas as suas manifestações, a origem propriamente dita da humanidade criadora, do Homo faber.

O último milhão de anos viu nascer o Homo sapiens e assistiu, durante os últimos séculos, à sua alarmante proliferação. Foram necessários 115 anos para que a população mundial passasse de um bilhão para 2 bilhões de indivíduos, 35 anos para que atingisse os 3 bilhões e mais 15 anos para que chegasse aos 4 bilhões. E a aceleração continua... Hoje já ultrapassamos os sete bilhões.

No entanto, é necessário destacar o importante papel desempenhado pela África no alvorecer da humanidade. A África e a Ásia, atualmente colocadas na periferia do mundo tecnicamente desenvolvido, estavam na vanguarda do progresso durante os primeiros 1.500 milênios da história do mundo, desde o australopiteco e o pitecantropo.

De acordo com os conhecimentos de que dispomos atualmente, a África foi o cenário principal da emergência do homem como espécie soberana na terra, assim como do aparecimento de uma sociedade política. Mas esse importante papel na Pré-Historia foi substituído, durante os dois últimos milênios, por uma total ocultação do passado histórico africano e pela exploração selvagem do Continente, reduzindo seu papel ao de alimária do

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universo e objeto sexual dos dominadores europeus imperialistas.

Será, então, a África, a “pátria do homem”? Embora não haja certeza absoluta a esse respeito, vez que a história da humanidade procura ocultar as origens do homem na África, e a história ocultada não haver sido inteiramente exposta, as descobertas contemporâneas classificam este continente como um dos grandes, senão o principal berço do fenômeno de hominização. Isso é verdade já na fase do queniapiteco (Kenyapithecus wickeri – 14 milhões de anos), que alguns consideram o iniciador da dinastia humana.

O ramapiteco da Ásia é apenas uma variedade que conseguiu alcançar a Índia a partir da África. Mas isso se verifica igualmente com o australopiteco (Australopithecus Africanus ou afarensis) que é sem dúvida o primeiro hominídeo, bípede explorador das savanas da África oriental e central e cujas moldagens endocranianas revelaram um desenvolvimento dos lobos frontais e parietais do cérebro, testemunhando já um nível elevado das faculdades intelectuais.

Em seguida, temos os zinjantropos e a variedade que tem o nome de Homo habilis. São os primeiros humanos a representarem um novo salto na ascensão para o status de homem moderno.

Vêm depois os arcantropos (pitecantropos e atlantropos), os paleantropos ou neandertalenses e, finalmente, o tipo Homo sapiens (homem de Elmenteita no Quênia, de Kibish na Etiópia), cujas características, frequentemente negroides, foram observadas por muitos autores no período Aurignaciense

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Superior. Quer sejam policentristas ou monocentristas, todos os estudiosos reconhecem que é na África que se encontram todos os elos da corrente que nos liga aos mais antigos hominídeos e pré-homínideos, incluindo as variedades que aparentemente ficaram no estágio de esboço do homem e não puderam se desenvolver até a estatura do homem atual.

Durante cerca de 200.000 anos, já na pré-história da humanidade, a Europa, coberta por camadas de gelo, não ofereceu nenhum vestígio de utensílios paleolíticos, enquanto a África, no mesmo período, apresentou três variedades sucessivas de pedras, talhadas segundo técnicas em evolução. De fato, as latitudes tropicais beneficiavam-se na época de um clima “temperado” favorável à vida animal e a seu desenvolvimento.

A adaptação ao meio foi um dos mais poderosos fatores de formação do homem, desde suas origens. As características morfossomáticas das populações africanas até o presente foram

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elaboradas nesse período crucial da Pré-História. Dessa forma, sua cor morena, acobreada ou negra, a abundância de glândulas sudoríparas, as narinas e os lábios proeminentes de grande número de africanos, os cabelos crespos, encaracolados ou encarapinhados, tudo isso provém das condições tropicais. A melanina e o cabelo encarapinhado, por exemplo, protegem do calor.

Além disso, a postura ereta, que foi uma etapa tão decisiva do processo de hominização e que implicou ou acarretou um novo arranjo dos ossos da cintura pélvica, está ligada à adaptação ao meio geográfico das savanas de ervas altas dos planaltos do leste africano, pois era preciso manter-se sempre ereto para olhar por cima da vegetação arbustiva, a fim de espreitar sua presa ou fugir dos animais hostis. Também pode ser explicada pela necessidade de manter a cabeça fora da água dos rios, na qual se havia mergulhado para escapar de animais muito fortes, mas que evitam a água.

Atribui-se ainda ao meio aquático, certas características humanas, como a existência de uma camada gordurosa subcutânea, a posição retraída dos órgãos sexuais na mulher e o alongamento correspondente do órgão sexual masculino, além do fato de sermos os únicos primatas que choram e riem, entre outras qualidades particulares que o ser humano possui e que os animais não as têm.

Todas essas adaptações biológicas foram gradativamente incorporadas pela hereditariedade e passaram a ser transmitidas como características permanentes.

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O meio tecnológico criado pelos hominídeos africanos foi, com efeito, o segundo fator que lhes permitiu dominar a natureza e nela sobreviver. É por ter sido faber (artesão), que o homem se tornou sapiens (inteligente). Com as mãos livres da necessidade de apoiar o corpo, o homem estava apto a aliviar os músculos e os ossos do maxilar e do crânio de numerosos trabalhos. Com isso, pôde haver o crescimento da caixa craniana, onde os centros sensitivos e motores do córtex se desenvolvem. Além disso, a mão confronta o homem com o mundo natural.

Após terem aprendido a lascar grosseiramente a pedra, quebrando-a de modo desigual em pedaços cujo tamanho dependia do acaso, os homens pré-históricos africanos passaram para uma etapa mais consciente do trabalho criador. A presença de utensílios em diferentes estágios de elaboração nas grandes oficinas, como as das cercanias de Kinshasa (Congo), permite concluir que a representação do objeto terminado era apreendida desde a etapa inicial e se materializava lasca a lasca.

Como em outros lugares, o progresso nessa área passou do lascamento obtido através da batida de um seixo contra outro ao lascamento com o auxílio de um percutor menos duro e cilíndrico (martelo de madeira, de osso, etc.), depois à percussão indireta (por intermédio de um cinzel) e finalmente à pressão para os retoques de acabamento, especialmente nos micrólitos.

Um progresso constante caracteriza o domínio do homem pré-histórico sobre os utensílios. Desde os primeiros passos, reconhece-se na mudança de material, no acabamento dos instrumentos e das armas, esta busca da eficácia sempre mais

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apurada e da adaptação a fins cada vez mais complexos que é o sinal da inteligência e que liberta os homens dos seus instintos.

Na África, mais do que em qualquer outro lugar, é impossível traçar um limiar cronológico nítido que permita demarcar em números precisos a passagem de um estágio a outro. Sua evolução começa a partir da primeira Idade da Pedra e se prolonga até o fim do Neolítico. O conjunto destes progressos, caracterizado por trocas e empréstimos múltiplos entre os povos primitivos, entrecruzam-se às vezes, e se inscrevem numa curva ascendente geral, que deságua no período histórico da Antiguidade, após o domínio das técnicas agropastoris e a invenção da cerâmica. A geografia histórica da África apresenta a imagem de um continente com o qual a natureza se mostrou muito benevolente. Essa magnanimidade da natureza pode ser contemplada na exuberância da floresta tropical, nas extensas minas de ricos minérios e na produção de bens de utilidade agropastoris em profusão. Porém, ela terminou se constituindo em uma espécie de armadilha para os povos do continente. Encontrando condições fáceis de sobrevivência, certas comunidades ignoraram os imperativos prementes da evolução social.

A intervenção estrangeira teve um efeito sinistro sobre o desenvolvimento geral do continente no decorrer da longa e implacável história do comércio escravo. As ambições desmedidas dos escravocratas acabaram por interromper o processo de desenvolvimento econômico, tecnológico, social e político do Continente e permanencer estagnado por longos cinco séculos.

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Conhecer a história da África de nada nos servirá se não salientarmos esse fato. O fato de que essa intervenção foi possível, por si só representa um sério alerta para os riscos a que está exposto todo grupo humano que despreza a constituição de organizações sociais mais coesas, extensas, complexas e fortes.

Seu passado colonial contribuiu para criar uma situação em que grande parte dessa exuberante riqueza foi dilapidada ou exportada, na foma de materia-prima, para atender à demanda dos imperialistas europeus. A geografia contemporânea da África revela um continente ainda rico em recursos naturais, como na Pré-Historia o que permite acorreção do obscuro período histórico da escravidão ultramarina.

Muitos livros de história da África consideram insignificante a história pré-colonial, afirmando que ela é “mal conhecida”; Com essa desculpa, evitam pesquisar sobre os “séculos obscuros” e passam diretamente à fase imperialista, onde os europeus invadiram a África, destruíram seus reinos e impérios e, com base em relatos de algum explorador que submeteu os povos africanos, algum reizinho europeu que massacrou os povos do Continente, considera inaugurada a História Africana, deixando o verdadeiro passado deste Continente relegado a uma espécie de pré-história sem valor, ao “arquivo morto” da História da Humanidade.

A História da África é, necessariamente, uma história dos povos africanos, pois no próprio Continente, alguns impérios e reinos foram desconstruídos pela ausência de informações e sistemas de medição do tempo, o que tornou mais evidentes as

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democracias aldeãs, as comunidades esparsas, de tal modo que elas passaram a se constituir na base de relatos e dados que serviram de material de pesquisa para os estudiosos, através principalmente da oralidade.

É uma história dos povos porque, excetuando as últimas décadas, após a independência das nações africanas, essa historia não foi construída a partir das fronteiras fixadas pelos impérios coloniais, vez que a localização territorial desses povos ultrapassou, via de regra, os limites estabelecidos na partilha imperial.

O vocábulo “tribo” será, tanto quanto possível, banido desta obra, em razão das conotações pejorativas e das idéias falsas que contribuíram para a caracterização dos povos africanos na visão dos escribas dos impérios coloniais e que se sustentaram como verdadeiras através dos últimos séculos, por adoção dos sistemas oficiais de educação em quase todos os países do mundo. Procuraremos substituí-lo pelo vocábulo Povo, assim, com P maiúsculo, para significar a dignidade das Comunidades de todos os quadrantes do Continente.

Mesmo que os escribas dos Impérios admitam que “tribo” é fundamentalmente uma unidade cultural ou mesmo política, eles continuam identificando-a como uma comunidade com diferenças biológicas, como se fossem raças diferentes e tentam demonstrar, apresentando os horrores das “guerras tribais” como prova de diferenças inconciliáveis na determinação dos povos africanos.

Eles não se dão conta, no entanto, das trocas positivas entre essas sociedades; dos elos de união entre esses povos, nos

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aspectos culturais, religiosos, políticos e sociais que mantiveram esses povos como elementos fundamentais para a consolidação de um Continente e de sua expansão cultural e social ao resto do mundo.

A visão etno-centrista européia mostra a preocupação dos imperialistas em se julgarem a si próprios o centro do mundo e a raça superior. Puro nazismo, herdado de uma cultura colonialista exacerbada que encontrou eco nas populações do Continente Europeu, com derivações explícitas no Norte da América (Estados Unidos e Canadá). É como se os valores da Civilização só fossem encontrados nesses impérios coloniais.

Seu corolário foi o apoderamento dos fatos marcantes da História da Humanidade por esses países, com o objetivo de se legitimar e justificar a opressão colonial sobre a África, América Latina e o Continente Asiático. As teorias de predominância racial do europeu ariano ou branco fula foram responsáveis por uma subestimação dos povos desses continentes relegados a um segundo plano e a absorção do pensamento colonialista como verdade entre as populações oprimidas, e as teorias preconceituosas continuaram sendo difundidas até hoje nos textos históricos sem a menor vergonha intelectual dos escribas que os assinam.

A história da África não é uma história de “raças”. Foram os escribas ocidentais quem criaram a imagem de um Continente dividido em “raças”, umas de alta civilização, outras primitivas, tentando com isso justificar uma visão preconceituosa, que afirma a “raça branca” como superior às “demais”, repetindo os chavões nazistas. É fato, mesmo nos dias atuais, ver o moreno brasileiro ser considerado negro pelos norte-americanos que

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ainda repetem a ideologia racista neonazista. A ciência já mostrou que não existe relação entre diferentes etnias e seus níveis intelectuais, e que existe uma só “Raça Humana”. Mas, ainda assim, o preconceito persiste.

As condições econômicas para o favorecimento da perpetuidade da espécie humana, como nos demais continentes, se consolidaram na África através do conhecimento das práticas agrícolas, após os períodos mais primitivos da caça e coleta de frutos.

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Seu início e posterior desenvolvimento estiveram vinculados a três polos: • O primeiro, que abrange o norte do continente, do Egito ao Marrocos, que confronta com o mar Medierrâneo e sofreu a influência das populações agrícolas e pastorís do Oriente Próximo, embora tenha desenvolvido seus próprios recursos.• O segundo abrangendo a região em torno das savanas e estepes, ao redor do pólo florestal da África; aí se desenvolveu a agricultura de cereais.• O terceiro abrangia a floresta e seus limites; dedicavava-se à horticultura, combinada com a coleta de frutos. Algumas das espécies vegetais colhidas terminaram dando origem a espécies cultivadas.

Entre esses polos não havia limites intransponíveis. Próximo às culturas dos oásis, se cutivava o trigo, sorgo e milhete; nas savanas se cultivavam plantas alimentícias originárias da horticultura; na orla florestal se cultivava vegetais característicos da coleta, oriundos da selva tropical. Dentre esses polos, o que parece ter maior significação para a história da agricultura na África é o polo agrícola das savanas e estepes, sobretudo nas áreas próximas da floresta, dos rios e dos lagos mais importantes.

É difícil datar com precisão a pré-história e a história da agricultura na África. Entretanto, pode-se presumir que o período decisivo do início da agricultura realmente africana ocorreu nos anos entre -9.000 e -5.000.

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Naquela época, ocorreu, segundo as pequisas indicam, uma intensificação, e uma especialização na coleta de plantas. Nos rios e lagos do interior, a pesca se desenvolveu, levando à fixação do homem em suas margens. Assim, podemos presumir ter sido esta a orígem da agricultura na África, enquanto que, no “crescente fértil” do Oriente Próximo, se constituiam as bases agrícolas e pastoris das furturas civilizações européias.

O vale do Nilo foi o grande beneficiado desta fixação do homem em suas margens. Da Mesopotâmia lhes chegaram o emmer (trigo), a cevada, as cebolas, as lentilhas e as ervilhas, os melões e os figos; da Ásia lhes chegaram cana-de-açúcar e variedades de arroz; da Etiópia lhes chegou a banana e o café. Grande número de plantas cultivadas durante a Pré-História ainda continuam hoje a alimentar os africanos.

Foram elas que permitiram a fixação e a estabilização dos homens na região, e em consequência, sua civilização continuada. O Período Neolítico, que aconteceu na Europa ocidental entre -3.000 e -2.000, já havia começado 3.000 anos antes na Africa.

A cerâmica de Elmenteita (Quênia) que existia a cinco milênios, é um dos elementos que comprova que o conhecimento da cerâmica chegou ao Saara e ao Egito a partir das terras altas da África oriental. A cerâmica é um dos primeiros produtos da indústria humana. Com a cerâmica nasce a cozinha, um dos aspectos culturais mais importantes dos povos e que nos indica qual seu progresso em seus hábitos e como utiliza os vegetais, raízes e a carne de animal.

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Essas mudanças qualitativas consolidaram as trocas entre os povos e proporcionaram uma dinâmica social que deram sentido aos impulsos vindos da vitalidade dos seres humanos; este fator social desempenhou um importante papel nas relações entre os homens. Com a fixação do Homo sapiens na região do Nilo, este teve de expulsar os neandertalenses, em um processo conflitivo que se estendeu durante muitos milênios.

A domesticação de animais na África restringiu-se praticamente ao jumento, ao gato, à galinha-d’angola, ao carneiro e ao boi. Esse modesto desempenho se deveu à influência, durante o Neolítico, de métodos mais antigos e eficazes experimentados na Ásia. Foi nesse período que o continente se iniciou no pastoreio. Os primeiros pastores apareceram no Saara em -5.000 anos, ou talvez ainda mais cedo. Conduziam rebanhos de gado de chifres longos ou curtos, cabras e carneiros. E assim prosseguiram até que a região do Saara secasse ao ponto de expulsá-los.

A atividade pastoril não se desenvolveu de maneira uniforme nas diversas regiões do continente. A maior parte daqueles povos chegou a dominar o gado menor, mas apenas um percentual minoritário dominou o gado maior, como foi o caso dos Tuareg do Saara, dos Peul da savana da África ocidental, e dos Massai das pradarias da África oriental, que prosseguiram na atividade pastoril, sem aderir ao modo de vida agrícola. Alguns grupos Bantu da África oriental conseguiram, entretanto, associar a criação de gado à prática agrícola, em proveito de ambas as atividades.

A dificuldade para a extensão da atividade pastoril deve-se à proliferação de espécies de insetos como a mosca tse-tsé.

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Grande e bastante móvel, é ela o principal transmissor da tripanossomíase, infecção que provoca no homem a doença do sono e que é mortal para os animais.

A mosca tse-tsé ainda é encontrada numa faixa que atravessa a África entre 14 graus Norte e 14 graus Sul, com exceção apenas dos territórios com altitude superior a 1.000 metros, relativamente frios, e das regiões de vegetação rasa, onde a estação seca é demasiado quente e árida para permitir a reprodução da mosca. A tse-tsé na África existia desde remotas eras. Fósseis desse inseto foram econtrados datados dos tempos pré-históricos. As regiões infestadas por essas moscas constituíram uma barreira muito forte ao desenvolvimento da criação de animais.

2.2 REINOS ANTIGOS

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O período da historia africana que se refere aos antigos reinos, anteriores à civilização egípcia, ocorreu durante 9.000 anos, e pode ser descrito considerando-se cinco zonas geográficas principais:

a) Egito, Cirenaica, Sudão do Nilo;b) Magreb, incluindo a franja norte do Saara, as zonas do extremo ocidente, a Tripolitânia e o Fezzan;c) Sudão ocidental, no sentido amplo, isto é, até o lago Chade em direção a leste e incluindo o sul do Saara;d) Etiópia, Eritréia, chifre oriental e costa oriental;e) As demais regiões da África, ou seja, o golfo da Guiné, a África central e o sul da África.

Essa classificação se coloca dentro de uma perspectiva africana e leva em consideração o caráter particular das fontes escritas de que se dispõe. A divisão a que os estudos sobre a hisória da África normalmente obedecem e se circunscrevem estabelece sempre limites estritos, interregionais, que dificultam as trocas culturais no interior de uma mesma região.

Essa é uma das razões pelas quais os livros de História destacam o Egito do resto da África, e lhe atribuem menos antiguidade que a Mesopotâmia ou outros povos indo-europeus ou semitas. Durante séculos foii montada toda uma teoria “camítica”, com a finalidade de excluir qualquer expressão cultural positiva na “África negra” e contemplar os gregos e romanos como os indutores da evolução civilizatória no mundo conhecido.

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Ora, o egípcio faraônico, que era falado há 5.000 anos, apresenta enormes semelhanças com os idiomas haussa, wolof ou songhai, línguas dos povos de cor negra e que construíram impérios antes dos egípcios. A questão que se coloca é identificar até que ponto o vocabulário do Egito antigo se aproxima e conflui para o haussa, o copta, o baguirmiano, o sara ou para as línguas chádicas, que podem ser encontradas no bérbere e em línguas como o árabe e o aramaico.

Inscrições hieroglíficas foram encontradas no fim do século XIX em Moçambique, nos rochedos de Tete, região do rio Zambeze, apresentando o uso de grafia pictográfica tardia; mais recentemente foram descobertos traçados hieroglíficos em baobás muito antigos, na região do Baol. Na Libéria, o Povo Vai também utilizou uma escrita pictográfica em tiras de casca de árvores.

Foi a escrita meroítica, nascida ao Sul do Egito antigo, que deu continuação à escrita faraônica, de acordo a estudos também recentes. Esses sistemas de escrita ideográfica resistiram mais que os hieróglifos na África ocidental. Em verdade vários povos africanos se acostumaram a usar ideogramas, tanto utilizando técnicas religiosas ou utilizadas pelos sacerdotes, como pelos gravadores de obras de arte, entre outros.

As escritas africanas após o ciclo do Egito antigo evoluíram, adaptando-se às economias rurais de subsistência. Várias comunidades preservaram o papel da escrita; ao sul da Primeira Catarata, encontramos uma civilização com a mesma composição daquela do Alto Egito.

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A Núbia, porém, sempre foi refratária ao uso da escrita, mesmo mantendo constantes contatos com o vale egípcio. A razão dessa resistência pode estar nas diferenças entre os costumes e tradições dos dois países. No Egito, a densidade da população, a necessidade de irrigação e controle do rio Nilo produziu uma sociedade de castas, em que os indivíduos obedeciam a uma distribuição rígida de seus papéis na sociedade.

A Sociedade Núbia, surgida antes da sociedade egípcia, e que detinha uma cultura superior à do Alto Egito encontrava-se dividida em grupos menores e muito isolados; sua economia, baseada na pecuária, obrigava esses grupos a se deslocarem constantemente em busca de novos pastos, o que os dispersava,

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não produzindo os efeitos aglutinadores do adensamento populacional permitido pela agricultura, vez que na Núbia o vale do Nilo se estreitava mais que no Egito.

Em consequência, os povos da Núbia não cultivaram a escrita como prioridade. Durante muitos séculos persistiram no uso da tradição oral, utilizando a escrita com parcimônia, em documentos religiosos, ou de governos autocráticos, quando se constituíram no país governos centralizadores dominados pelos reis ou imperadores.

No vale do Nilo, não se estuda “raças”, e sim tipos humanos; tipos que se constituíram durante os séculos de História, assimilando costumes e condições de vida particulares do vale, e assumindo a miscigenação que se foi formulando durante sua História. É muito provável que a cor negra tenha predominado no antigo Egito; é posto em dúvida, no entanto, que a civilização no vale do Nilo tenha sua origem em uma etnia única, ou pura. A história do povoamento do vale do Nilo contesta fortemente tal hipótese.

Da mesma forma que se poderia atribuir a uma etnia particular a origem da civilização do Nilo através de retratos que foram encontrados, também seria possível provar o contrário, escolhendo outros retratos também descobertos na região.

Os tipos humanos representados na arte egípcia são os mais variados possíveis: às vezes apresentam perfis retos, com maçãs do rosto salientes, com lábios carnudos; ou então com nariz adunco ou com nariz grande e reto, ou ainda com nariz chato e lábios grossos. Uma rápida revisão dos testemunhos apresentados pelos antigos escritores greco-latinos sobre a etnia

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egípcia mostra que o grau de concordância entre eles é impressionante, constituindo um fato objetivo difícil de subestimar ou ocultar; os antigos egípcios eram verdadeiramente negros, da mesma matriz étnica que os povos autóctones da África; a partir desse dado, se pode explicar como a etnia egípcia, depois de alguns séculos de miscigenação com sangue romano e grego, perdeu a coloração original completamente negra, mas manteve a marca de sua configuração.

É mesmo possível aplicar essa observação de maneira ampla, e afirmar, em principio, que a fisionomia é uma espécie de documento, utilizável em muitos casos para discutir ou elucidar os indícios da historia sobre a origem dos povos.

A ocupação do vale do Nilo se produziu gradualmente, durante milhares de anos, e os grupos humanos que ali aportaram, tiveram que adaptar-se às condições climáticas, buscando maiores recursos ou maior segurança. O “Chifre da África” tornou-se o ponto de chegada das populações que iriam povoar o vale, vindas de outras regiões africanas ou do Oriente Médio.

Os esqueletos encontrados nessa região são os mais diversos, comprovando origens diferentes, e reforçando a idéia de que os tipos humanos ali consolidados se constituíram através de intensa miscigenação, tendo seus elementos constitutivos diferenciados no tempo e no espaço. A presença, no Egito e na Núbia, de tipos físicos de cor mais escura no sul que no norte, tornou-se uma referência geral, mais escuro ao sul do Nilo que na bacia do Mediterrâneo, incluindo o norte da África.

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O tipo humano que as obras de arte egípcias do Antigo Império nos deixaram mostram homens de cabelos pretos e encaracolados; suas faces são arredondadas e imberbes; por vezes ornadas por bigodes. São tipos esguios e os faraós mostravam uma barba reta e comprida.

Monumento ao Renascimento Africano – Dacar, Senegal

É necessário que se reescreva a historia da humanidade a partir de um ponto de vista mais cientifico, levando em conta o componente negro-africano, que foi, por longo tempo, preponderante. Assim, é possível constituir uma alternativa nas ciências humanas de caráter negro-africana apoiada em bases históricas sólidas. Finalmente, se é fato que só a verdade é revolucionária, se deve acrescentar que só uma reinterpretação da história da África, realizada com base na verdade será

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duradoura. Não se contribui para a causa do progresso humano ocultando os fatos históricos.

A tradição entre os historiadores começava a história da África sempre pelo Egito. Mas isto está mudando. Mesmo historiadores norte-americanos já procuram rever essa tradição. O egiptólogo norte-americano Breasted catalogou como “Crescente Fértil” o conjunto dos países formado pelo Egito, Palestina e Mesopotâmia, querendo lembrar a imagem de um crescente que os três países formam no mapa da África.

Apesar das diferenças entre as teorias sobre as origens da civilização na África, o essencial é que a maioria reconhece que a base da população egípcia em seus primórdios era de cor negra. Dessa forma, as teorias de que os indivíduos de cor negra teriam sido “infiltrados” no Egito já em período mais recente, não se sustenta. Ao contrário, fica patente, e os fatos assim o comprovam que os indivíduos de cor negra eram preponderantes desde o princípio ao fim da história egípcia.

Quando os historiadores se referem a uma “raça morena ou mediterrânica” que habitava o Egito, é claro que estão se referindo a indivíduos de cor negra. O termo “moreno” para os ocidentais sempre quer se referir à cor da pele, evitando classificá-lo de negro. Exceto quando nos referirmos aos nômades, que passaram pelo Chifre da África em períodos mais anteriores e que tinham a pele de cor branca, os demais habitantes do vale do Nilo possuíam a cor escura, morena ou negra.

Um historiador determinado, de nome Petrie classificou os tipos do vale do Nilo a partir da sua formação do nariz. Ele

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distinguiu seis diferentes tipos: um tipo aquilino, representante de uma raça líbia de pele branca; um tipo ‘com barba trançada’, pertencente a uma raça invasora, vinda provavelmente das costas do mar Vermelho; um tipo ‘com nariz pontudo’, proveniente, sem dúvida, do deserto arábico; um tipo ‘com nariz reto’, do Médio Egito; um tipo ‘com barba protuberante’, do Baixo Egito; e um tipo ‘com nariz fino’, do Alto Egito.

O “Crescente Fértil” nomeado por Breasted é um testemunho do desenvolvimento de uma região onde os homens foram domesticando as plantas nativas e aprendendo a cultivá-las, aproveitando a fertilidade do rio Nilo, e aprendendo também a criar animais que lhe serviriam para a locomoção, no deserto ou na savana, para tecer suas roupas ou para alimentá-los. A África deve ser reconhecida como fonte de elaboração cultural e técnica (Centralidade Africana), vez que foi nela que se originou a civilização humana desde o período neolítico.

Foi em torno dos anos -7.000, que a agricultura e o pastoreio passaram a ser praticado no delta do rio Nilo, e progressivamente se expandiu em direção ao sul, seguindo as margens desse rio. A partir dessa época e com o processo de formação do deserto do Saara, vários povos nômades e seminômades, do norte da África e do Oriente Médio, buscaram as margens do rio Nilo para ali se fixarem.

A História da África pode ser assim dividida:

• a Antiguidade até o Islã: Antigo Império até +622;• a primeira Idade Islâmica: de +622 até a metade do século XI (1.050);• a segunda Idade Islâmica: do século XI ao século XV

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Deste século em diante a História da África é confundida com a história dos invasores europeus sobre o Continente Africano, fazendo parte da história desses impérios e sepultando, ocultando, denegrindo a verdadeira História dos Povos Africnos. O migrante que ocupou o vale do Nilo se mesclou com os povos locais e fundou aldeias tanto no Alto Nilo (ao sul), quanto no Baixo Nilo (ao norte). Posteriormente essas aldeias se unificaram, formando pequenas cidades independentes. Com o passar do tempo, o processo de centralização política se acelerou na região do Baixo Nilo, até que, em torno de -5.100, um rei chamado Menés unificou toda a região, tornando-se o primeiro faraó de uma das mais antigas civilizações: o Egito.

A Núbia foi formada por pequenos reinos independentes. A fronteira entre as duas civilizações ficava próxima da primeira catarata do Nilo; e a mais importante cidade núbia, que era Siene (atual Assuan), tornou-se um importante centro comercial. Os egípcios deixaram muitos documentos que demonstram a importância da Núbia.

Foram descobertas, na época contemporânea, bibliotecas em cidades Nigerianas, onde se guardaram manuscritos que permitiram descobrir pistas esclarecedoras sobre a História da África. Em Tombuctu foi estabelecido um Centro de Pesquisa para promover a coleta desses documentos. Outros arquivos foram encontrados no Irã, no Iraque, na Armênia, na Índia, na China e nas Américas, somando-se aos documentos de Tombuctu.

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Em Istambul foram localizadas correspondências datadas de 1.577 enviadas ao bei de Túnis que esclarecem eventos diplomáticos do Reino de Kanem-Bornu que a História Ocidental não registrou. Mas, apesar das lacunas no conhecimento ocidental, a civilização faraônica sempre ocupou um lugar primordial na história da África antiga.

A Etiópia, reino vizinho da Núbia e do Egito também se destacou na História da África antiga, principalmente porque manteve sua independência durante as invasões gregas e romanas. Com a expansão do islamismo, o Egito e a Núbia caíram sob o domínio árabe, e a Etiópia persistiu como único grande reino cristão da África. Porém, antes do início do processo de islamização do Continente, a África Ocidental conheceu um padrão de desenvolvimento bastante alto. Os Estados de Gana, do Mali, do Songai, do Iorubá e Benin, apagados na história contada pelos colonizadores imperiais foram destacados como reinos e impérios de grande força econômica, cultural, social e política.

As mulheres exerceram papéis influentes nessas civilizações. A sacerdotisa sempre assumiu a responsabilidade do poder espiritual. A Rainha de Sabá entrou na História de judeus e árabes como a representante mais famosa da Etiópia; Cleópatra também passou à História como uma influente mulher que definiu os destinos do Egito, mesmo enfrentando a ocupação romana dos Césares.

As mulheres foram protagonistas na evolução histórica dos povos, particularmente no caso da África. Uma delas ficou conhecida como a Luedji, conhecida como Mãe de Lunda, porque era ao mesmo tempo filha, irmã, esposa e mãe de rei,

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ocupava posições que lhe permitiam influir nos acontecimentos. Amina, na região haussa do século XV, foi outra destacada mulher africana. Ela conquistou para Zaria (em Gana) muitas terras e aldeias e tornou-se uma lenda da autoridade feminina na História da sociedade africana.

As mulheres tiveram papel proeminente na sociedade kushita, ocupando posições de poder e prestígio. Ao contrário das rainhas do Egito que possuíam o poder derivado dos seus maridos, as rainhas de Kush eram governantes independentes. Kush era uma sociedade matriarcal no período de Meroé. Os historiadores acreditam que em Meroé, uma das capitais do império cushita, nunca um homem reinou. O título de Candances para as rainhas foi originado do vocábulo ‘kentace’, e existiu por mais de quinhentos anos. Quatro dessas rainhas: Shanakdakete, Amanirenas, Amamishakete, Amamitere foram guerreiras temidas e comandaram seus bravos exércitos.

É também reconhecida a participação das amazonas como ponta de lança das tropas reais contra Oyo e os invasores colonialistas na batalha de Cana (1.892). Ou por sua participação no trabalho da terra, no artesanato e no comércio; ou por sua ascendência sobre os filhos, sejam eles príncipes ou plebeus. Por sua vitalidade cultural, as mulheres africanas sempre foram consideradas personagens eminentes da história dos povos.

A atuação das mulheres não se restringe ao passado histórico: na época contemporânea, são reconhecidos os méritos da guerrilheira feminina na guerra da Argélia e nos partidos políticos durante a luta nacionalista pela independência ao sul do Saara. É claro que a mulher africana é utilizada também

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como objeto de prazer e de decoração, mas elas guardam papéis fundamentais na História de suas nações. Como é notório em toda História da Humanidade, não são apenas os heróis que fazem a História, mas aqueles que se colocam contra seus povos em determinados momentos. Assim como no caso da irmã de Sundiata, ou das mulheres enviadas pelo rei de Segu às bases inimigas, elas também desempenharam o papel de traidoras ou sedutoras.

Mas, apesar de sempre estar presente a segregação sobre a mulher nos fatos públicos, na África a mulher continua presente na evolução, pois a mulher é vida; e é também a expansão da vida. Através dela as comunidades e os povos consagram suas alianças. A opinião pública africana criou um provérbio que bem caracteriza o papel feminino: “As mulheres podem tudo comprometer, mas elas tudo podem arranjar”.

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Mulher peul das proximidades de Garoua-Boulay, Camarões

Mulher sarakole, Mauritânia, grupo Soninke.

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A antiga Meroë e o Templo núbio do Leão, Sudão

Ao sul da esfinge de Giseh no Egito existe a Núbia, atualmente denominado Sudão. Na antiga Meroé foi construído o Templo do Leão. Este templo mostra os perfis do rei Arnekhamani (235-218) e de seu filho Arkameni (218-200). Além disto, exibe suas insígnias, costumes e ornamentos tão bem trabalhados que podem ser comparados aos utilizados pelos egípcios.

O Leão era Apedemek, intitulado como "o senhor do poder real" um deus núbio, e em seu templo na cidade de Naqa, existe um alto relevo mostrando esse deus sendo adorado pela família real. Os reis sentavam-se sempre em tronos engastados com

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figuras de leão. Nos entalhes desse templo podem ver-se os inimigos do rei sendo subjugados e mesmo devorados por leões.

Nos reinos africanos antigos o leão era considerado um sinal de sabedoria. O rei Salomão era simbolizado muitas vezes por um leão. As pesquisas históricas constataram que leões eram mantidos no templo, como símbolos vivos de Apedemek. Uma pesquisa mostrou que o culto de Sekhmet, antiga deusa leoa egípcia, foi introduzido no Egito pelo Sudão. Não se comprovaram quais seriam os motivos dessa apropriação dos deuses núbios pelos egípcios, mas isto pode evienciar a maior antiguidade da cultura e religião Núbia frente à civilização egípcia. Da mesma forma como Romaassimilou a mitologia grega, os egípcios assimilaram amitologia dos povos ais antigos do norte da África.

O rei era considerado o emissário do sol, e representava a luz, a verdade, a regeneração, e um deus da fertilidade. Deuses como Sebiumekar (meroítico), Ademak (o deus- leão nacional) e mesmo o deus Amon (sob a forma de um carneiro tricéfalo) estavam representados nos muros do templo; apesar das semelhanças, eles são diferentes da iconografia eípcia.

No templo ainda aparece um relevo mostrando um elefante de guerra e prisioneiros acorrentados o que comprova que os etíopes já usavam esses animais em suas guerras, como aconteceu na Índia e em Cartago.

É nosso objetivo abordar, em forma de comentários, análises e deduções (propostas estruturais) os povos do Egito, da Cirenaica, do Sudão, do Magreb, da Tripolitânia e do Fezzan,

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tanto quanto da Etiópia, da Eritréia, até a grande imigração em direção ao Chade, levando as conquistas civilizatórias dos povos do Norte da África às demais regiões africanas, como base do desenvolvimento da História do Continente, chegando ao golfo da Guiné e à África Central e atingindo por outro lado, pela Costa Oriental, e descendo até ao Sul da África, neste caso tanto pelo oriente como pelo ocidente.

Isto não quer dizer que evitaremos estudar o desenvolvimento próprio dos povos centrais e sulafricanos: eles também se desenvolveram por si próprios. Mas o amálgama elaborado com a junção das experiências diversas, de povos constituídos em regiões tão estranhas umas às outras, de climas e ambientes tão diferenciados, resultaram em um caldeamento de sociedades que só poderiam se beneficiar destes encontros históricos.

Para tanto precisamos detalhar a qualidade e a vida de tantas origens. Elas realmente são tantas, que só podemos arriscar o estudo das mais significativas, pois a análise total, além de ser uma tarefa quase impossível, seria bastante repetitiva em muitos casos, sem alterar os fundamentos da análise a que nos dedicaremos.

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2.3. Os povos africanos:

São muitos, os povos africanos; ao longo dos milênios, os africanos foram se miscigenando, adaptando-se ao meio ambiente, criando formas inteligentes para resistir ao calor e à luz solar, e adquirindo suas formas definitivas que hoje exibem com orgulho e auto-estima. Podemos citar numerosos desses povos, dentre eles:

Os Afar, Amhara, Árabes, Ashantis, Bacongos, Bambaras, Bantos Bembas, Bérberes, Bobo, Bubis, Bosquímanos (Khoisan, Hotentotes), Chewas, Dogons, Éwés, Fangs, Fons, Fulas, Himba, Hutus, Ibos, Iorubás, Kykuyus, Masais, Mandingos, Mursi, Pigmeus, Samburus, Senufos, Tuaregues, Tútsis e Zulus. São apenas alguns dos tantos grupos de nações e povos que povoam o continente africano; uma pequena amostragem da diversidade africana.

Porque valorizar a diversidade é importante? A resposta está na realidade da sociedade africana: foi preciso diversificar para resistir, para sobreviver. Sem a diversidade os povos africanos não teriam conseguido se adaptar às mais diversas regiões, desde o árido Saara, até as florestas tropicais do Congo, as Savanas da África do Sul e as altas montanhas de neve do Kilimanjaro; sua resistência temperou o aço de que eram feito, e foi essa têmpera sagrada que lhes permitiu sobreviver ao mais hediondo crime da escravidão, fora de seu ambiente e longe dos seus.

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O que sabemos sobre a África, então? Um continente tão vasto e tão diverso; uma história mal contada ou ocultada durante séculos; tantos preconceitos sobrepostos durante tantos séculos; ódios renovados, e multiplicados contra uma população indefesa; seguidos genocídios de proporções alarmantes; a destruição de sua cultura; o vilipêndio de suas mulheres; a humilhação permanente vista como algo natural; a divisão de seus povos e o incitamento programado e consciente para lançá-los uns contra os outros; a miséria extrema como resultado de séculos de ocupação territorial pelos impérios centrais. Perguntamos, na verdade, como pôde a África sobreviver a tanta ignomínia?

Para desvendar essa realidade ocultada, essas fibras de coragem e valor que permitiram a sua sobrevivência temos de nos localizar, geograficamente, antropologicamente, idiomaticamente, historicamente, culturalmente, socialmente, politicamente... Sempre que nos referirmos ao continente africano precisaremos estar atentos a todas essas localizações. Afinal de qual região estamos falando? De quais povos estamos falando? De quais religiões estamos falando? Isso evitará generalizações banais que podem nos distorcer a imagem e perder seu foco. A África se caracteriza principalmente por sua diversidade cultural, por diferentes formas de organização política, e não pode ser vista como um todo homogêneo. Devemos guardar as proporções devidas e as características próprias de seus povos para chegar a entendê-la.

A cultura da África é tão diversa como o vasto território do continente. Cada Povo tem suas próprias tradições e culturas. De todos os países do mundo, a cultura africana é uma

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das que mais se destaca. A Cultura africana é rica e variada, vez que continua a mudar de país para país por todo o continente. A África é um continente de individualidades entre as quais muitas culturas e tradições podem ser encontradas. 

É isso que faz a África tão atraente para pessoas ao redor do mundo que possuem o senso da beleza e o brilho intelectual. A cultura africana gerou centros ao redor dos seus povos e de seus grupos étnicos, elaborados solidamente a partir das tradições familiares. A arte africana, sua música, sua literatura oral, exibem os padrões religiosos e sociais tão bem preservados pelas famílias africanas.

A raça humana nasceu na terra de África em torno de oito a cinco milhões de anos atrás. Muitas línguas diferentes, religiões e tipos de atividades econômicas se desenvolveram na África. Muitos grupos de pessoas de diferentes partes do mundo migraram para a África. 

Os árabes cruzaram a fronteira norte da África no século sete. Em seguida, por volta do século 19, os árabes se mudaram para a África Oriental e Central. Durante o século 15 e 16, os colonos europeus chegaram à África, contornando o Cabo da Boa Esperança. Seus descendentes se mudaram para viverem e recolher ara a Europa as riquezas africanas. Os nativos locais, foram expulsos para as regiões mais distantes, no seio das florestas do Quênia, Uganda, Congo, Tanzânia e África do Sul.

Existem muitos povos, grupos étnicos, sociedades e comunidades na África. Algumas comunidades têm grandes populações, milhões de pessoas, outras têm apenas algumas

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centenas. Cada povo segue a sua própria cultura e suas próprias tradições.O Afar é um povo da África que vive em terras da Etiópia. Mas o Povo Afar segue sua própria cultura. Eles são nômades, vivendo exclusivamente de seus rebanhos. São seguidores do Islã, enquanto a maioria etíope é cristã. No planalto central da Etiópia, também se encontra o Povo Amhara. Eles são agricultores e possuem seu próprio idioma. Em seu idioma existem palavras e letras que têm orígem nas línguas árabe e hebraico.

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A República de Gana abriga muitas etnias, sendo as principais os Akan, os Ashanti, os Fula, os Ewês, os Hausas e os Fang. Outros povos menores são os Gurunsi, os Nzema e os Ogoni. O povo Ashanti ocupa a região central de Gana. Entre eles os homens seguem a poligamia, que é pensado como um símbolo de generosidade. Os principais idiomas falados são Twi, Fante, Ga, Hausa, Dagbani, Ewe e Nzema. No entanto, a língua oficial de Gana é a do colonizador Inglês.

O Povo Bakongo é nativo do Congo e vieram para Angola descendo pela costa atlântica. Esse Povo produz culturas de alto valor comercial, como Cacau, óleo de palma, café e bananas. As comunidades geralmente vivem em pequenas vilas. São seguidores de cultos animista e ancestrais. Os Bambara constituem o grupo dominante do Mali. Os Bambara são agricultores que exercem a agricultura e criam gado. Os Dogon são agricultores e se tornaram famosos por seu artesanato de esculturas em madeira e suas máscaras bem elaboradas. Eles usam mais de 80 variedades de máscaras em suas danças rituais. O Povo Fulani, que habita o Mali, também chamados de Fulfulde ou Peul, são os maiores grupos nômades do planeta.

Chegando ao nordeste de Zâmbia, encontramos o Povo Bemba. Em suas crenças religiosas acreditam em deuses com poderes mágicos e que controlam a fertilidade nas pessoas. Os Bérberes é um Povo dos mais antigos da África. Vivem em muitos países, por toda a África, mas são encontradas principalmente na Argélia e Marrocos.

Os Bérberes seguem o Islã, como vários outros povos do Norte e da África Central. Os Akye é um Povo que vive no sul da

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Costa do Marfim. Acreditam em um deus supremo que toma nomes diferentes de acordo com as características de cada religião. Outros povos da Costa do marfim são o Dan, o Akan, o Anyi, o Aowin, o Baule e o Senufo.

O Malawi é chamado de “coração quente da África ‘, devido ao povo hospitaleiro e o clima quente. Os grupos étnicos do Malawi incluem os Chewa, Nyanja, Yao, Tumbuka, Lomwe, Sena, Tonga, Ngoni, Ngonde, asiáticos e europeus. O grupo de maior população é formado pelo Povo Chewa.

A cultura Africana, portanto, é o resultado de uma grande mescla de povos e inumeráveis grupos étnicos. A influência das culturas européia e árabe, também trouxe novas características para a cultura da África, enriquecendo-a e tornando-a mais complexa. A Família é a fonte mais importante de toda a cultura da África.

De acordo com uma cultura tradicional da África, o povo de Labola segue um costume interessante. O noivo tem que pagar ao pai da noiva para compensar a “perda” de sua filha com o seu casamento. Tradicionalmente, o noivo deve pagar em bovinos, mas hoje o pai da noiva é indenizado em dinheiro. Esta tradição profundamente enraizada é uma das razões para tornar as famílias unidas. Ela ajuda a construir o respeito mútuo entre as famílias e mostra ao pai que o rapaz é capaz de sustentar sua filha.

Em muitos costumes, os casamentos são realizados à noite sob a lua cheia. Se a lua não está brilhante, isto é considerado sinal de má sorte. Os pais da noiva não comparecem às celebrações, que dura uma semana, pois o evento é um triste acontecimento

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para eles. A poligamia é praticada em muitas culturas Africanas. Enquanto um homem puder sustentar suas esposas, ele pode casar com várias delas. 

As mulheres compartilham a responsabilidade do trabalho doméstico, educação dos filhos, preparo das refeições, etc. A poligamia ajuda a reunião da família e serve como reflexão sobre o bem-estar de todos. A proteção da família é o valor central seguido entre os povos africanos.  As crianças são ensinadas desde cedo sobre os valores fundamentais da comunidade e sobre a importância da família. Há tarefas específicas para cada membro do grupo dentro de um mesmo grupo etário. Todos devem trabalhar pelo bem-estar da comunidade e contribuir com suas tarefas, além de obedecer aos costumes consagrados em sua família e em sua comunidade.

A passagem da infância para a puberdade, com seus ritos particulares, varia de povo para povo. Muitos deles continuam a realizar a circuncisão dos rapazes e outros, também nas moças.  A circuncisão pode ser motivo de reclusão durante semanas, estando o rapaz ou a moça proibido de chorar ou gritar. Se o jovem chorar, seu ato é considerado uma covardia.

Existem mais de cem línguas e dialetos falados na África. As línguas mais faladas na África incluem o árabe, suaíli e hausa. Geralmente cada país possui vários idiomas que convivem juntos. Muitos africanos falam malgaxe, Inglês, Espanhol, Francês, Bambara, Sotho, etc. Existem quatro principais famílias de línguas da África que contribuem para a diversidade e unidade do caráter da África. Estas famílias

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linguísticas são: a afro-asiática, a Niger-Korofanian, a Nilo-saariana e a Khoisan.

A gastronomia africana reflete a diversidade e as tradições dos vários povos. A cozinha africana inclui frutas e produtos, tais como legumes, carne e leite. Uma dieta simples numa comunidade africana costuma incluir o leite, a coalhada ou o soro de leite. A mandioca e o inhame são as raízes mais utilizadas. Já nos países do Norte da África os costumes alimentares são muito diferentes daquelas da África subsaariana. O povo da Nigéria e da África Ocidental costuma usar muito a pimenta e a população não-muçulmana utiliza-se de bebidas alcoólicas, como o O Tej, que é o vinho de mel etíope e outras fomulações com origem nas frutas locais.

A África é verdadeiramente o berço da civilização e a mãe de diferentes culturas, tradições e costumes. Nenhum outro continente supera a África em diversidade e beleza cultural. Sua força cultural é predominante em muitos países onde existe uma descendência dos emigrantes africanos. Apesar de serem capturados e arrastados como escravos para os quatro continentes e servido de pasto para as classes reacionárias dos escravocratas, a civilização africana sobreviveu por sua força e persistência.

Sua oralidade, não uma história escrita, conseguiu atravessar os séculos e manter intactas religiões, costumes, rituais, gastronomia, música, dança, arte, idiomas, preservando, sobretudo, a sensualidade, a beleza e a verdade, como seus instrumentos de defesa maior. Sua arma foi ideológica, cultural, e esta é uma ferramenta que supera o troar dos canhões e a pólvora dos fusis. Por isso a África continua a inspirar e

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encantar os povos dos quatro continentes. A todos a cultura africana é capaz de fascinar e seduzir, tocando fundo o coração aberto. 

1. O Povo Afar

O Povo Afar vive principalmente na Etiópia e nas áreas da Eritreia, Djibuti, e Somália, no Chifre da África. Suas terras são essencialmente rochosas e desertas. Eles são encontrados também no Vale Nadar e nas florestas localizadas ao norte do Djibuti.

Johannesburg (5,3 milhões de habitantes)

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Existem cerca de três milhões de pessoas que compõem a cultura Afar. Afar (Qafár af) é um Idioma Cuchitico Oriental, lingual falada na Etiópia, Eritréia e Djibuti. Acredita-se que 1,5 milhões de pessoas utilizam o idioma Afar. Sua maior identificação é com o idioma Saho.

A língua afar, que faz parte do ramo cushítico da família linguística afro-asiática, é falada por todo o território habitado pelo grupo étnico; como os afares são, no entanto, tradicionalmente pastores nômades, seu idioma também está presente em outras regiões. Embora alguns afares tenham migrado para cidades e adotado um estilo de vida urbano, a maioria permaneceu como pastores nômades, criando gado bovino, ovino e caprino no deserto.

Durante a estação das secas, a maioria acampa nas margens do rio Awash. Camelos são usados como meio de transporte pelos afares, enquanto migra de uma fonte de água a outra. Com a chegada da estação das chuvas, em novembro, a maior parte dos afares volta então para territórios mais altos, evitando as enchentes e os mosquitos. Uma casa típica afar consiste de uma espécie de tenda, conhecida como ari, feita com varas de madeira cobertas por tapetes; camas feitas com os mesmos tapetes e madeiras também são usadas.

Cada burra, "acampamento", consiste de dois ou mais ari, e é de responsabilidade das mulheres. Os afares complementam sua dieta de leite e carne com produtos que obtêm vendendo o sal que escavam do deserto, além de leite e peles de animais, nos mercados de Senbete e Bati. Politicamente, a sociedade afar se organiza em sultanatos, formados por sua vez por diversas aldeias, chefiadas por um dardar. Tradicionalmente a

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sociedade se divide em famílias (clãs), e em classes: os asaimara, "vermelhos", formam a classe dominante, enquanto os adoimara, "brancos", são a classe trabalhadora.

A circuncisão é praticada tanto em garotos quanto garotas. Um jovem é julgado por sua bravura ao suportar a dor do ato, e após ser circuncisado por escolher a garota que desejar como sua esposa (geralmente alguém de seu próprio círculo étnico).

Os afares possuem uma relação forte com o seu meio-ambiente e a vida selvagem da região, partilhando a terra e seus recursos com os animais e tentando não lhes fazer mal. Este comportamento teria sido responsável pela preservação de animais em sério risco de extinção, como o burro selvagem africano (Equus africanus), que se tornou extinto em ecossistemas mais vulneráveis.

Os nômades Afar têm uma cultura muito original. Sua vida cotidiana é constituída por pastoreio e criação de gado, caprinos, camelos, e bovinos. O Povo Afar é extremamente dependente da pecuária, pois dela resulta essencialmente a sua economia.

A religião faz parte integrante do modo de vida Afar. Os afares se converteram ao islamismo no século X, após estabelecerem contato com mercadores árabes vindos da península Arábica. A maioria professa a religião muçulmana, embora exista uma pequena minoria que professa a religião Ortodoxa.

A menção mais antiga registrada aos afares foi feita no século XIII, pelo escritor árabe ibn Sa'id, que relatou que eles habitavam a área em torno do porto de Suakin, estendendo-se a

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sul, até Mandeb, perto de Zeila. Foram também mencionados com frequência, nos registros etíopes, primeiro por ter ajudado o imperador Amda Seyon numa campanha no território depois do rio Awash, e um século depois, quando auxiliaram o imperador Baeda Maryam em sua campanha contra um povo vizinho, os dobe'a. No fim do século XVII surgiu o Sultanato de Aussa, dominando por um primus inter pares dos soberanos afares.

Em 1975 a Frente de Liberação Afar iniciou uma revolta, sem muito sucesso, liderada por um antigo sultão afar. O Derg estabeleceu a Região Autônoma de Assab (atual Aseb, na Eritreia), embora ainda assim alguns focos de insurreição tenham continuado a existir até o início da década de 1990. No Djibuti um movimento similar foi iniciado ao longo da década de 1980, culminando na Insurgência Afar de 1991.

Os Afar da Etiópia

As nações da Etiópia, Somália, Eritréia e de Djibuti abrigam os afares e os issas, de origem somali, seus inimigos tradicionais. Ser um afar notável é ser forte guerreiro e vingador. De fato a vingança é a prova final de honra e maior demonstração de valor viril. As mulheres afar, geralmente muito belas, desprezam os pretendentes que nunca mataram um homem, desejando alguém com o bracelete de ferro, indicando que matou dez inimigos.

Os povoados afares consistem em tendas rodeadas por seus camelos e dispersas aparentemente sem lógica alguma por todo o árido território. Os homens usam túnicas longas e lisas. O governo construiu casas com cozinha e banheiros, um luxo

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desconhecido por eles mas, por ser um povo orgulhoso e independente, muitos afares não têm tido boa vontade para trocar a liberdade de viver no deserto pelo conforto da cidade. Na Etiópia, o Povo Afar conta com 1.020.000 habitantes, em uma população total acima de 55 milhões de habitantes (1,85%).

A beleza do povo e seu complexo sistema social tem sido objeto de interesse e de aguçada discussão.

A condição de liberdade dentro do casamento para experiências com outros parceiros, tanto para os homens como para as mulheres e a manutenção da tradição da circuncisão feminina são algumas dessas contradições. A excisão feminina, este sacrifício imenso imposto para a maioria das mulheres, revela um universo ainda mais contraditório, diante doscostumes modernos que vãosendo implantados. Alterar o quadro e o curso desses costumes antiquíssimos é um processo lento e delicado, e que exige um entendimento mútuo do casal.

Calcula-se que metade da população afar permanece nômade, mantendo assim sua tradição. Todos os sábados pela manhã, as tribos dos territórios da região se reúnem em Sembete. Chegam a cavalo, a pé, de mula ou bicicleta. Os povos da montanha trocam mercadorias com os povos do vale. Gado, objetos de couro, leite e manteiga por galinhas, ovos, cereais, especiarias. Há os que trazem o sal do deserto para o escambo. Afar, Konsos e Oromos encontram-se no mercado, concretizando uma experiência inesquecível. O dia do mercado requer o traje a rigor.

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Os homens vestem o "foutah", uma espécie de sarongue, e usam a sua "jile", uma faca curva. As mulheres exibem belas joias e, uma parte delas, traja uma saia longa.

2. O Povo Amhara

Amhara é uma das nove kililoch da Etiópia, antigamente denominada Região 3. Habitada pelo povo do mesmo nome, sua capital é Bahir Dar No interior da Etiópia, uma imensa reserva de água, o lago Tana, fica localizado em Amhara, assim como as Montanhas do Parque

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Durante a era imperial da Etiópia, Amhara foi dividido em várias províncias (tal como Gondar, Gojjam, Begemder e Lasta), a maior parte determinado pelo Ras ou pelo Negus (cargos políticos locais). A Região de Amhara reincorporou a maioria das províncias anteriores de Begemder, Gojjam, e Wollo em 1995.

Atualmente o poder político na Etiópia encontra-se nas mãos do Povo Amhara, que também domina a cultura etíope. Uma característópiaica da cultura da Etiópia é o imenso respeito dado aos idosos. Na cultura tradicional etíope, é comum alguém dividir sua casa ou até mesmo sua cama com um ancião. Muitas mulheres etíopes cobrem sua cabeça com um shash tradicional, que é um tipo de turbante muitas vezes feito com pano de cor branca. A culinária etíope usa com muita frequência um fermento forte no pão. A religião mais difundida é a Igreja Cristã Ortodoxa etíope. Existem algumas relações dessa Igreja Ortodoxa com a religião judaica, como a proibição de se alimentar de carne de porco, mas o islamismo também influencia os costumes religiosos e tem certa força entre vários povos etíopes.

Sendo o grupo étnico mais numeroso da Etiópia, o Amahrico, seu idioma, também é o mais falado nesse país.

3. O Povo Árabe

Árabe é o nome dos habitantes da península Arábica. A denominação é, muitas vezes, erroneamente aplicada a povos estreitamente relacionados aos árabes no tocante à ascendência,

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idioma, religião e cultura. O idioma árabe é o símbolo principal de uma unidade cultural. O islamismo proporciona o outro grande vínculo. A Arábia foi a base de uma civilização florescente muito antes da era cristã. Porém, a partir de meados do século VII d.C., a influência árabe se estendeu por todo o Oriente Médio, Europa (Sicília, Espanha e Portugal), a região sul do Saara, Índia, Madagascar e o arquipélago malaio.

Atualmente, há mais de 200 milhões de árabes que vivem, principalmente, em 21 países, constituindo a maioria da população da Arábia Saudita, Síria, Iêmen, Jordânia, Líbano, Iraque, Egito e outros países do norte da África. A Arábia, é uma grande península do sudoeste da Ásia, limita-se ao norte com a Jordânia e o Iraque, ao leste com o golfo Pérsico e o golfo de Omã, ao sul com o mar da Arábia e o golfo de Aden e ao oeste com o mar Vermelho. É uma das zonas do planeta com menor densidade populacional e compreende os Estados da Arábia Saudita, Iêmen, Omã, Emirados Árabes Unidos, Qatar, Kuwait e Bahrein. A península é um grande planalto cercado ao leste e ao sul por montanhas que descem suavemente em direção ao golfo Pérsico.

Abrange uma das maiores zonas de desertos arenosos do mundo, destacando-se o Rub'al Khali ao sul e o an-Nafud ao norte. O clima é extremamente árido. Sua atual importância e o seu nível de desenvolvimento econômico devem-se às enormes reservas de petróleo e gás natural do golfo Pérsico. As cidades mais importantes são Riad, Meca, Medina, Áden, Jidá, Sana, Abu Zabi e Kuwait.

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Por volta de -3.500, povos de língua semítica emigraram para a Mesopotâmia, substituíram os sumérios e deram lugar aos assírios-babilônios (Suméria). Outro grupo de semitas abandonou a Arábia por volta do ano -2.500 e estabeleceu-se ao longo da costa oriental do mar Mediterrâneo. Alguns desses emigrantes transformaram-se nos amorritas e cananeus das épocas seguintes. As regiões do sudoeste da península Arábica, mais favorecidas com água, foram o berço de três antigos reinos. O reino mineu, no interior do território que atualmente é o Iêmen, o sabeu e o dos himiarianos.

Sabe-se da existência de vários Estados antes da era cristã e no início da era cristã: o reino nabateu, o reino de Aksum e a Pérsia. O apogeu do islamismo e o nascimento de Muhammad em Meca foram os eventos mais importantes da história da Arábia.

Os árabes são um povo heterogêneo que habitam principalmente o Oriente Médio e a África setentrional, originários da península arábica constituída por regiões desérticas. As dificuldades de plantio e criação de animais fizeram com que seus habitantes se tornassem nômades, vagando pelo deserto em caravanas, em busca de água e de melhores condições de vida. A esses povos do deserto dá-se o nome de beduínos. Existem três fatores que podem ajudar, em graus diversos, na determinação se um indivíduo é considerado árabe ou não:

a) políticos: se ele vive em um país membro da Liga Árabe (ou, de maneira geral, no mundo árabe); essa definição cobre mais de trezentos milhões de pessoas.

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b) linguísticos: se sua língua materna é o árabe; essa definição cobre mais de duzentos milhões de pessoas.

c) genealógicos: Pode-se traçar sua ascendência até os habitantes originais da península arábica.

A importância relativa desses fatores é estimada diferentemente por diferentes grupos. Muitas pessoas que se consideram árabes o fazem com base na sobreposição da definição política e lingüística, mas alguns membros de grupos que preenchem os dois critérios rejeitam essa identidade com base na definição genealógica. Não há muitas pessoas que se consideram Árabes com base na definição política sem a lingüística. Assim, os curdos ou os bérberes geralmente se identificam como não-árabes, mas alguns, sim. Por exemplo, alguns Bérberes se consideram Árabes e nacionalistas árabes consideram os Curdos como Árabes.

Segundo Habib Hassan Touma, "A essência da cultura árabe envolve: língua árabe, Islã, Tradição e os costumes, e assim, um árabe, no sentido moderno da palavra, é alguém que é cidadão de um estado árabe, conhece a língua árabe e possui um conhecimento básico da tradição árabe, isto é, dos usos, costumes e sistemas políticos e sociais da cultura.”

Quando da sua formação em 1946, a Liga Árabe assim definiu um árabe: "Um árabe é uma pessoa cuja língua é o árabe, que vive em um país de língua árabe e que tem simpatia com as aspirações dos povos de língua árabe." Nas tradições cristã, islâmica e judaica, os árabes são um povo semita que tem sua

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ascendência de Ismael, um dos filhos do antigo patriarca Abraão.

A Grande Esfinge

4. O Povo Ashanti

Ashanti, ou Asante é um dos principais grupos étnicos da região Ashanti em Gana. Os Ashanti falam Twi, uma Língua Akan similar ao Fanti. Antes da colonização européia, os Ashanti criaram um grande e influente império na África Ocidental. Os Ashanti mais tarde desenvolveram a poderosa

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Confederação Ashanti que tornou-se presença dominante na região.

Gana tem um terreno variável, costas e montanhas, florestas e savanas, exuberantes áreas agrícolas e quase desertos. Os Ashanti estão instalados atualmente na parte central de Gana, cerca de trezentos quilômetros da costa. O território é densamente arborizado, principalmente fértil e em certa extensão montanhosos. Há duas estações - o período chuvoso (Abril a Novembro) e a estação seca (Dezembro a Março). A região possue várias rios, sendo quente durante o ano inteiro.

Hoje a região Ashanti em Gana tem uma população de 3.612.950, tornando-o o mais populoso distrito administrativo do país. Seu poder político tem variado, desde a independência de Gana, mas continua a ser largamente influente. O atual presidente do Gana, John Agyekum Kufuor é Ashanti. Kumasi, a capital da atual região Ashanti, também foi a histórica capital do Reino Ashanti.

Situados a nordeste de Kumasi, a capital da região Ashanti, os edifícios tradicionais feitos de terra, madeira e palha, vulneráveis ao tempo e que constituem os únicos vestígios desta civilização, foram inscritos pela UNESCO, em 1980, na lista dos sítios considerados Patrimônio Mundial.

5. O Povo Bacongo

O Bakongo é um grupo étnico banto que vive numa larga faixa ao longo da costa atlântica de África, desde o Sul do Gabão até

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às províncias angolanas do Zaire e do Uíge, passando pela República do Congo, pelo enclave de Cabinda e pela República Democrática do Congo. 

Em Angola é o terceiro maior grupo étnico. No passado formaram o poderoso Reino do Congo, um dos mais importantes em toda a África de então. Foi no território Bakongo que, no Século XV, os Portugueses encontraram o reino do Kongo, com a capital em “São. Salvador” (Mbanza Kongo).

Resistiram durante séculos às invasões portuguesas até serem finalmente separados por fronteiras coloniais impostas pelos tratados e acordos entre países europeus no fim do século XIX, dividindo seu território em Congo Belga, África Equatorial Francesa e Angola.

Antes do século XX não havia nenhuma designação para esse grupo na África, os etnonimos mais antigos documentados datam do século XVII, designando os residentes do Reino do Kongo de Esikongo (Mwisikongo no singular) e os do Reino de Luangu de Bavili (Muvili no singular), possuindo outros nomes nas outras partes dos territórios de idioma Kikongo. No fim do século XIX os missionários aplicavam eventualmente para esse grupo o termo Bafiote (m'fiote no singular), embora não esteja claro que o termo nunca tenha sido usado pela população local para descrever a sua própria identidade.

Desde o início do século XX, o etnônimo Bakongo (singular M'Kongo ou Mukongo) ganhou popularidade para designar todos os membros da comunidade de língua Kikongo. Esses povos são mais conhecidos por falarem um grupo de dialetos

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mutuamente ininteligível do que por uma continuidade histórica ou cultural. O termo "Congo" foi amplamente usado para identificar os povos de língua Kikongo escravizados nas Américas.

É bem provável que os povos Kongo tenham chegado à região da Foz do Rio Congo antes de -500, como participantes de uma migração Banta maior. Nesse tempo eles já forjavam o ferro e trabalhavam na agricultura nesta região. É provável que a complexidade social houvesse sido atingida em algumas regiões de fala Kikongo pelo segundo século da era cristã.

De acordo com as descrições dos viajantes europeus no final do século XV eles viviam espalhados em vários reinos, compreendendo o do Kongo, Ngoyo, Vungu, Kakongo e outros que se estendiam de ambos os lados do Rio Congo. E durante o século XVI, Loango, outro poderoso reino Bakongo havia se desenvolvido e já controlava grande parte da costa norte do Rio Congo.

As histórias dos vários ramos dos povos de língua Kikongo constituídos por grandes monarquias no Kongo e Loango, monarquias menores no Ngoyo, Kakongo e Vungu e entidades ainda menos centralizadas no vale de Niari e outros lugares ao norte do Rio Congo, são bastante diversificadas. As regiões de Loango, Vungu e o vale de Niari estão mais bem identificadas do que em outras partes da região de fala Kikongo, devido ao trabalho antropológico sobre os Bakongos nas regiões colonizadas por franceses e belgas ter sido mais aprofundada e também devido a maior presença de instituições culturais.

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6. O Povo Bambara

Os Bambara (Bamana na sua própria língua, ou algumas vezes Banmana) um povo que vive no oeste de África, principalmente no Mali, mas também na Guiné, Burkina Faso e Senegal. Eles estão entre os maiores grupos étnicos Mande, que é dominante no Mali, com 80% da população que fala a língua bambara.

Permanece o debate sobre a significação exata do nome "Bamanan". O nome Bamana foi dito significar "Aqueles que rejeitam a Deus" ("infiel" ou "bárbaro") derivado das palavras Mande Ban (rejeitar ou rebelar-se) e ana (Deus).

Parece pouco provável que os vizinhos muçulmanos na era antes da conversão denominassem o Bamana na sua própria língua, e o Bamana realmente aceitou "o seu" Deus ou Deuses. Algumas pessoas Banmana, ao contrário traduziram o nome como "aceitação de nenhum mestre". Não há nenhum consenso na origem do nome ou significação. O nome "Bambara" é provavelmente uma transliteração inexata de "Banmana" do francês.

O Bamana originou-se como uma região do povo Mandinka, os fundadores do Império Mali no século XIII. Ambos faziam parte do grupo étnico Mande, cuja história nunca foi conhecida até o rastreamento dos sítios próximos a Tichitt no sul da Mauritânia, onde os centros urbanos começaram antes de -1500. No ano 250 um subgrupo Mande - o Bozo, fundou a cidade de Djenne. Entre 300 e 1.100 o Soninke Mande dominou o Sudão Ocidental, governando o Império Gana.

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Quando o Império Songhai Mandé foi dissolvido após 1.600, muitos grupos do idioma Mandé, ao longo da região superior da bacia do rio Níger, voltaram em direção ao interior. Os Bamana apareceram na redondeza com a ascensão do Império Bamana nos anos 1.740.

O Povo Bambara (Localização).

7. O Povo Banto

Os bantos formam um grupo étnico africano que habitam as regiões ao sul do Deserto do Saara. A maioria dos mais de 300 subgrupos étnicos é formada por agricultores, que vivem também da pesca e da caça. Estes subgrupos possuem em comum a família linguística banta.

Conhece a metalurgia desde muito tempo, fato que deu grande vantagem a este povo na conquista de povos vizinhos. Os bantos chegaram a constituir o Reino do Congo, que envolvia grande parte do noroeste do continente africano.

No passado, os bantos viveram em aldeias que eram

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governadas por um chefe. O rei banto, também conhecido como manicongo, recolhia impostos em forma de objetos, mercadorias e alimentos de todas os povos que constituíam seu reino.

As pessoas que habitavam o reino acreditavam que o maniconco tinha poderes sagrados e que podia influenciar nas colheitas, guerras e saúde do povo. As principais línguas bantas são: O Lingala, Luganda, Quicongo, Cinianja, Xichona, Ndebele, Zulu, Suazi e Xhosa.

Por volta de -2.000, os primeiros povos chamados de bantos partiram do sudeste da atual Nigéria e se expandiram por todo o sul da África. Eram povos agricultores;cultivavam o sorgo, a melancia, o jiló, o feijão-fradinho, o dendezeiro e o maxixe; eram caçadores, pescadores, coletores e criadores, por exemplo, de galinha d'angola. Conheciam a metalurgia do ferro. Praticavam religiões com destaque para o culto dos ancestrais. Nesse processo de expansão pelo continente africano, guerrearam, expulsaram ou se fundiram às populações nativas, que eram aparentadas aos atuais povos de línguas khoisan que habitam algumas regiões do sul da África, como a Namíbia. Como resultado, o sul da África quase inteiro fala hoje idiomas bantos.

Nesse processo de expansão, surgiram civilizações de língua banta de alto desenvolvimento. A partir do século VII, o islamismo começou a se propagar pela costa leste africana, difundido por comerciantes árabes. Na região, o islamismo se fundiu aos costumes nativos bantos, gerando uma forma particular de islamismo, menos erudito e com a utilização de

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atabaques. A influência cultural árabe também determinou a formação da língua suaíli, língua banta com um quarto de seus vocábulos com origem árabe.

Entre o século IX e XIV, surgiu uma civilização muitoadiantada, de língua banta, no norte da atual África do Sul, na região de Mapungubwe. Tal civilização construiu grandes muralhas de pedra, palácios e dominou o comércio entre a África austral e a Índia e os países árabes. Ela perdurou até ser destruída pela invasão de povos de língua sichona a partir do século XIV.

Na região do atual Zimbábue, surgiram palácios cercados por muralhas de pedra. Tais muralhas são atualmente chamadas pelos povos locais como Madzimbabawe. Este nome veio a influenciar a atual designação do Zimbábue e o nome pelo qual são conhecidas estas cidades de pedra: "grande Zimbábue". Tais cidades eram provavelmente habitadas por uma elite dirigente, que congregava em torno das muralhas de pedra uma massa de trabalhadores. Esta elite controlava o comércio de ouro, pedras preciosas, marfim e objetos de ferro desde o atual território sul-africano até o rio Zambeze e o litoral do Quênia, onde estes produtos eram trocados com mercadores árabes.

Era um povo que falava a língua banta sichona. Seu apogeu foi entre 1.250 e 1.450. A partir desta época, foram dominados por um povo invasor também de língua sichona, que fundou o império chamado Mwenemutapa. Alguns pesquisadores, no entanto, defendem que o nome "Mwenemutapa" já era utilizado para nomear o império da grande Zimbábue antes dessa invasão.

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Enquanto isso, outro império banto surgia a oeste, na bacia do Rio Congo. Era o Reino do Congo, que perdurou de 1.395 a 1.914. Abrangia territórios dos atuais Gabão, República do Congo, República Democrática do Congo e Angola. Falava a língua banta quicongo e era governado por um rei que detinha o título de mwene kongo, ou "rei do Congo". Seu exército praticava uma técnica de luta aparentada com a atual capoeira brasileira.

A partir do século XV, a África subsaariana começou a ter contato com os navegadores europeus. Inicialmente com os portugueses, seguidos pelos espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. As potências europeias procuravam riquezas na África, sendo a principal delas o tráfico de escravos. O capitalismo nascente na Europa precisava braços com o menor custo e não teve escrúpulos em procurá-los entre a população escravizada arrebanhada na África.

Os escravos eram adquiridos por armadores de navios no litoral africano, em troca de aguardente, contas de vidro, argolas, pequenos pedaços de cobre e fumo. Muitas vezes, os escravos eram dominados a partir de lutas entre os próprios reinos africanos. Os europeus introduziram uma nova religião na região, o cristianismo, para melhor poder dominar as populaões nativas, fingindo trazer a caridade e a salvação da alma para eles e aproveitar-se então para capturá-los e os enviarem à Europa e à América.

Na luta contra os invasores portugueses, destacou-se a rainha Nzinga, do reino de Ndongo, no atual território angolano. O fluxo de escravos para o Brasil foi muito complexo. Os bantu vieram em fluxos constantes desde o século 16, mas os

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sudaneses (logo, nem só yoruba) vieram também no século 16 e 17 e não apenas no século 19.

Por outro lado, a expressão bantu não é mais correta hoje porque se refere a uma área extensa demais da àfrica, a maior parte dela sem nenhuma relação com o Brasil. Para o Brasil só vieram, por razões logísticas ligadas às estrategias comerciais do tráfico atlântico, praticamente apenas escravos da Angola atual e de parte do Congo (bakongo, kimbundo, ovimbundo, etc.) estes, realmente em muito maior número e gente de uma pequena faixa na chamada 'Costa dos Escravos', estes em bem menor número e entre os quais os yoruba (pequena parte da Nigéria e do Togo) e os ewe (Dahomey, hoje Benin) predominavam.

As guerras contra os povos levoaram à destruição de quase todas as cidades construídas durante os séculos anteriores, dos reinos e impérios que se desenvolveram por toda a África, provocando-se seguidos geocídios das populações que não se deixavam dominar. A dominação europeia intensificou-se até atingir o seu máximo nos séculos XIX e XX, quando quase toda a África estava sob domínio das potências europeias.

Mulher Bantu

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Ocorreu então um processo generalizado de aculturação das populações nativas segundo o modelo da cultura europeia. Mas este modelo mostrou-se falso e sem solidez, sendo utilizado apenas para reduzir opressão violenta dos europeus sobre as comunidades nativas.

Isto significou uma grande difusão das línguas europeias em todo o continente africano. Porém as línguas locais do sul da África, majoritariamente pertencentes à família linguística banta, não desapareceram durante este processo e continuaram a ser faladas pelas populações. Havia uma resistência consciente dos povos africanos que mostrava que sua sobrevivência dependia da manutenção de sua cultura (idiomas, religião, costumes, história contada de pai para filho) e foi dessa forma que os povos africanos conseguiram garantir sua perpetuaçao como Nações. Em 1948, a segregação racial entre brancos e negros atingiu o absurdo, institucionalizando-se na África do Sul, o apartheid.

Na segunda metade do século XX, as nações africanas conseguiram sua autonomia política. Sua cultura sofreu um ataque ainda maior das influências europeias, através da mídia extensiva que a tecnologia proporcionou (rádio, cinema e televisão)

Especificamente no sul do continente, a influência africana era basicamente de origem banto. Com a autonomia política, ocorreu um processo de resgate das influências africanas. Por exemplo, a renomeação da "Rodésia do Sul" (nome que homenageava o explorador britânico Cecil Rhodes) como "Zimbábue" (em homenagem à civilização banto do Grande

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Zimbábue) e a renomeação da "Rodésia do Norte" como "Zâmbia", em homenagem ao Rio Zambeze, que corta o país. Livravam-se assim, os africanos dos resquícios coloniais que ainda persistiam vigentes.

Em Moçambique houve a troca de nome de sua moeda, de “escudo" (português) para "metical", o antigo nome da moeda moçambicana que vigorava antes da invasão portuguesa; esta moeda estava constituída por um talo de pena de ave preenchido com ouro em pó.

Também se procedeu à renomeação das cidades que traziam nomes europeus, como "São Salvador do Congo", "Salisbury", "Lourenço Marques", "São Paulo de Luanda", "Santo António do Zaire" e "Léopoldville" para "M´Banza Kongo", "Harare", "Maputo", "Luanda", "Soyo" e "Kinshasa", respectivamente.

Finalmente, a reformulação chegou aos símbolos nacionais, como as bandeiras de alguns países, retirando elementos culturais europeus (como os símbolos do Reino Unido e de Portugal) e trocando-os por elementos nativos, como o pássaro de pedra encontrado nas ruínas da Grande Zimbábue ou a cor negra, representando a etnia negra, majoritária na região.

Passou-se à oficialização das línguas nativas da África do Sul, que deixaram de ser menos aceitas e voltaram a ser usadas oficialmente, tanto quanto o africâner e o inglês; o ndebele, o xhosa, o zulu, o soto do norte, o sessoto, o suazi, o tsonga, o setsuana e o venda, todas elas línguas banto voltara a serem utilizadas abertamente. Acabou, por fim, o regime do apartheid na África do Sul, em 1.990 e subiu ao poder o líder negro

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Nelson Mandela, em 1994. Da mesma forma terminaram-se os dias do regime racista na Rodésia do Sul em 1.979.

Em 1.994, estreou nas telas de cinema do mundo inteiro o desenho Rei Leão. O desenho fez bastante sucesso e tornou conhecido um termo em suaíli, hakuna matata, que significa "sem preocupação". No desenho, o termo se referia ao estilo de vida despreocupado adotado pelo suricato (Suricato suricatta) Timão e pelo javali (Phacochoerus africanus) Pumba.

Em 2.004, foi lançado o sistema operacional para computadores Ubuntu. O nome "ubuntu" refere-se a um tradicional conceito banto de solidariedade entre todas as pessoas. Assim como a filosofia ubuntu, o novo sistema operacional tinha como meta servir a todas as pessoas gratuitamente, sem distinções de qualquer natureza.

A grande maioria dos onze milhões de habitantes que forma a população de Angola é de origem Bantu. No entanto, outra considerável porção é formada por miscigenações que começaram a muitos séculos; primeiramente, entre os diversos grupos que migraram para o território e depois com os europeus (na grande maioria Portugueses) durante a dominação colonial. Existem ainda algumas minorias que não são Bantu, como os Bosquimanos e um considerável número de Europeus. Há 3.000 ou talvez 4.000 anos atrás, os Bantu sairam da selva equatorial, região hoje ocupada pelos Camarões e pela Nigéria e se dividiram em dois movimentos diferentes: para o Sul e para Este, criando a maior migração jamais vista na áfrica. Por

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causas desconhecidas, esta migração continuou até ao século XIX.

A selva equatorial era uma área de passagem intransponível. Só o machado ou o cutelo, a rápida e nutritiva produção de banana e o inhame possibilitaram uma façanha que durariam séculos. O excelente nível de nutrição deu lugar a uma explosão demográfica. A exuberância da selva equatorial, os rios e lagos das grandes savanas, tão bons para a agricultura e a descoberta do ferro - um mineral muito comum na áfrica - deram força à grande aventura. Caminhando sempre em direção ao Sul, estes vigorosos povos guerreiros, armados, organizados e jovens, venceram e fizeram escravos os indefesos pigmeus e os Bosquimanos.

O nome Bantu não se refere a uma unidade racial. A sua formação e migração originou uma enorme variedade de cruzamentos. Existem aproximadamente 500 povos Bantu. Assim, não podemos falar de uma etnia Bantu, mas sim de um povo Bantu, isto significa uma comunidade cultural com uma civilização comum e linguagens similares. Depois de muitos séculos de movimentações, cruzamentos, guerras e doenças, os grupos Bantu mantiveram as raízes da sua origem comum. A palavra Bantu aplica-se a uma civilização que manteve a sua unidade e foi desenvolvida por pessoas de cor negra.

O radical ntu, vulgar para a maioria das línguas Bantu, significa homem, ser humano e ba é o plural. Assim, Bantu significa homens, seres humanos. Os dialetos Bantu, e eles O radical ntu, vulgar para a maioria das línguas Bantu, significa homem, ser humano e ba é o plural. Assim, Bantu significa homens, seres humanos. Os dialectos Bantu, e existem centenas, têm uma tal

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semelhança que só pode ser justificada por uma origem comum. Os povos Bantu, além do semelhante nível linguístico, mantiveram uma base de crenças, rituais e costumes muito similares; uma cultura com características similares ou específicas e que os tornam assemelhados e agrupados.

Miss Universo Marcelina Vahekeni (Miss Angola 2011)

Miss Universo 2011 (Banta)

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“Se fosse uma ave, Luanda seria uma imensa arara, bêbada de abismo e de azul. Se fosse uma catástrofe, seria um terremoto: energia insubmissa, estremecendo, em uníssono, as profundas fundações do mundo. Se fosse uma mulher, seria uma meretriz mulata, de coxas exuberantes, peito farto, já um pouco cansada, dançando nua em pleno carnaval. Se fosse uma doença, um aneurisma.”

Fora da sua identidade social, são caracterizados por uma tecnologia variada, uma escultura de grande originalidade estilística, uma incrível sabedoria empírica e um discurso forte e interessante com sinais de expressão intelectual. As línguas faladas hoje em Angola são, por ordem de antiguidade: Bosquimano, Bantu e Português. Das três só o Português tem uma forma escrita. Os dialetos Bantu, apresentam uma unidade genealógica.

Homburger, um eminente estudioso do Bantu diz que a primeira força no domínio da linguística comparada foi a unidade dos povos Bantu. Levando em consideração a história desta unidade étnica, os invasores portugueses notaram que os Angolanos conseguiam se comunicar com os povos da costa Moçambicana. Os Bantu Angolanos se encontram divididos em nove grupos etnolinguísticos: Quicongo, Quimbundo, Luanda-Quioco (Tchôkwe), Mbundo, Ganguela, Nhaneca-Humbe, Ambó, Herero e Xindonga, que por seu turno estão subdivididos em cerca de 100 subgrupos, as diversas comunidades bantus.

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Expansão do Povo Banto.

8. O Povo Bemba

Os Bembas estão localizados na parte nordeste da Zâmbia. São o maior grupo étnico da província do nordeste de Zâmbia, são conhecidos como um povo da floresta. As terras do Povo Bemba são bem irrigadas. O solo é geralmente pobre, mas sempre coberto de mato, com árvores baixas. Essas características são comuns no cerrado típico Africano. Seu idioma é falado na maioria das regiões desse país, o Povo

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Bemba exerce uma poderosa influência na sociedade de Zâmbia.

Como o solo no país não é muito bom, e a maioria Bemba tem na agricultura o seu sustento, precisa reciclar seus cultivos para aproveitar ao máximo os nutrientes do solo. Eles cultivam o Milheto, as batatas, feijões e pequenas quantidades de outros vegetais. Normalmente os agricultores possue pequenas glebas de terra e lutam com doenças que assolam o campo árido.

Tradicionalmente os Bemba vestem roupas de casca de árvores, daí o nome "povos da floresta" e vivem em pequenas aldeias de 30-50 cabanas de barro. Os Bemba têm em seu sistema político um chefe comum para todas as comunidades, chamado de Citimukulu. Um elemento cultural importante do povo Bemba é a cerimônia do casamento e sua estrutura. Quando um homem e uma mulher são casados o homem passa a viver com a família da mulher e a comunidade possue formas de governo matriarcais, ao contrário das comunidades que continuam utilizando o patriarcado.

Em sua religião adoram o deus Lenza, que vive no céu, mas recentemente como resultado de muitas missões cristãs, os Bemba incoporaram ícones dessa religião. Sua arte é original porque os métodos que eles usam são muito diferentes do que outras comunidades e etnias. A Tecelagem é desconhecida para o Povo Bemba e sua cerâmica e cestaria são muito simples; no entanto, as esculturas em madeira e os tecidos que fazem da casca de árvores são bastante complexos.

A exploração de minas de cobre contribuiu para a existência de relações entre os diversos povos da região e peças de cobre

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serviam como moeda de troca no comércio. O marfim e o algodão contribuíram igualmente para o desenvolvimento do comércio e para consolidar estruturas políticas e sociais por vezes complexas.

Entre los séculos XVI e XIX, vários reinos se fundaram, fragmentando a região em muitos pequenos estados. Destacaram-se entre eles:

os Kazembe-Lunda a norte junto ao rio Luapula, os Bemba a nordeste, os Chewa a este, os Lozi a oeste e perto do rio Zambeze, os Tonga a sul junto do Zambeze.

O fechamento do acesso aos estrangeiros durante os séculos XVII e XVIII permitiu aos povos de Zambia, como os Bemba, sofrerem menos com a escravidão e manteveuma unidade entre eles capaz de ajudar na resistência aos invasores ingleses, o que não aconteceu ao sul da região, que terminou sendo um feudo dos brancos (Rodésia do Sul) e adotar o apartheid isolando os nativos e protegendo os colonos invasores.

9. O Povo Bérbere

Antes da chegada dos fenícios às costas da África, no inicio dos anos -1.000, as componentes étnicas das populações líbias já se encontravam quase fixadas, não devendo variar sensivelmente durante toda a Antiguidade: do ponto de vista quantitativo, é inverossimil que os acréscimos demográficos fenícios e romanos tenham sido significativos. A participação fenícia na

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demografia da África Menor não pode ser avaliada com precisão. Todavia, é provável que Cartago não tivesse recorrido com tanta frequência aos exércitos mercenários nos campos de batalha se os cartagineses de orígem fenicia fossem numerosos.

A contribuição demográfica romana é de apreciação igualmente difícil. O número de italianos instalados na África à epoca de Augusto – em que a colonização foi mais intensa – foi estimado em 15 mil; acrescente-se a essa cifra alguns milhares de italianos que se fixaram na África por iniciativa própria. Desse modo, o número total de colonos romanos instalados na região à época de Augusto ultrapassou de pouco os 20 mil. A África romana não foi, em nenhuma hipótese, uma colônia de povoamento. Quanto aos acréscimos vândalo e bizantino, foram provavelmente ainda mais modestos.

Em -13.000, pelo menos, constata-se a presença de uma civilização denominada muito impropriamente Íbero-Maurusiense (a navegacao pelo estreito de Gibraltar só chegou a ser praticada 9 mil anos mais tarde). Seus portadores, a etnia de Mechta-el-Arbi, são de grande estatura (1,72 m em media), dolicocéfalos, com testa baixa e membros longos; seria a primeira etnia a representar o Homo sapiens no Magreb. Praticavam com frequência a extração dos dentes incisivos. Reconheceu-se em alguns sítios – notadamente no de Columnata (Argélia ocidental) – uma evolução para a meso-braquicéfalia, bem como sinais de gracilização, por volta de -6000. O fim da civilização íbero-maurusiense propriamente dita ocorre no final do IX milenio, de maneira mais ou menos incisiva segundo a região.

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Suplantado na Cirenáica pelo Capsiense, o Íbero-Maurusiense extingue-se de maneira vaga diante das culturas locais da Argélia e do Marrocos. Está ausente na costa norte-oriental da Tunísia, bem como das pequenas ilhas do litoral, e é fracamente representado na região de Tanger. É pouco provável que tenha chegado às Canárias, ao contrário do que em geral se acredita: embora os Guanchos se assemelhassem fisicamente aos homens de Mechta-el-Arbi, suas indústrias e seus costumes nao lembram em nada a cultura destes ultimos. Essa civilização nao pode ter vindo da Europa, já que é anterior aos inícios da navegação nos estreitos de Gibraltar e da Sicília.

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Somos levados a crer numa origem oriental; talvez provenha, mais precisamente, do norte do Sudão nilótico. Sob a pressão das vagas migratórias posteriores, os íbero-maurusienses provavelmente se refugiaram nas montanhas, podendo-se supor que tenham constituido uma das componentes antropológicas do povoamento dos djebel (cordilheiras).

Por volta de -7000 aparecem homens de estatura bastante alta, de etnia mediterrânica, mas não isentos de caracteres negroides. São os chamados capsienses, denominacao derivada do sitio epônimo de Capsa (Gafsa). Embora sua área de ocupação não esteja exatamente definida, sabe-se que viviam em territórios do interior, e que não atingiram ao que parece, a extremidade ocidental da África do Norte nem o Saara meridional.

Estabeleciam-se no topo de colinas ou em vertentes próximas a fontes de água ou, mais raramente, espalhavam-se por planícies lacustres ou pantanosas; alimentavam-se principalmente de caracois. Trata-se igualmente de uma civilização vinda do leste, que só pode ter sido propagada através da navegação em torno de -4500. Embora os crânios capsienses sejam idênticos aos de vãrias populações atuais, acredita-se que os verdadeiros protobérberes só tenham surgido no decorrer do Neolítico, uma vez que os costumes funeráriosCapsianos não parecem ter sobrevivido no mundo libico-bérbere.

Deve-se, contudo, notar que a utilização e a decoração dos ovos de avestruz, características dos costumes Capsianos, mantiveram-se durante o Neolítico até à época histórica entre as populações líbias. É o caso dos Garamantes, que utilizavam esses ovos para fins diversos, fato confirmado pelas escavações

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de Bu Njem, na Tripolitania interior. As populações neolíticas da Africa Menor podem sem duvida ser consideradas “primas” dos capsienses. De qualquer modo, o povoamento histórico do Magreb resultou com certeza da fusão dos três elementos acima descritos – íbero - maurusiense, capsiense e neolitico – em proporções ainda desconhecidas.

O Neolitico inicia-se, por convenção, com o aparecimento da cerâmica. Datações recentes por radiocarbono indicam que o emprego da cerâmica difundiu-se a partir do Saara central e oriental. Nessa área, o Neolitico mais antigo e o de tradição sudanesa. Os inicios da produção cerâmica podem ser fixados no VIII milênio, do Ennedi ao Hoggar, sendo seus artesãos povos negros ou negróides aparentados aos sudaneses do antigo Khartoum. O boi foi domesticado provavelmente em torno de -4000, o mais tardar, mas não é impossível que o tenha sido anteriormente no Acacus.

O Neolítico de tradição capsiense e um pouco mais tardio: tem início no Saara por volta de -5350 (Fort Flatters), e pouco depois no vale do Saura, vindo a se afirmar na parte setentrional da área capsiense somente por volta de -4500.

Na região situada entre essas duas correntes que afetam o “Magreb das terras altas e o Saara setentrional”, o Neolitico manifesta-se muito mais tardiamente. Uma influência europeia só é admissivel a partir do VI milênio da Era Cristã, no contexto de uma terceira civilização neolítica evidenciada nas costas do Marrocos e da Orânia, embora se hesite em situar as origens da navegacao do estreito de Gibraltar em época tão recuada.

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O período úmido do Neolítico termina por volta de meados do III milenio, conforme atesta a datação do guano de Taessa, no Atakora (Hoggar). Os trabalhos de palentólogos sobre a fauna e a flora, fósseis dos sitios mesoliticos e neoliticos da região de Cartum confirmam de certa forma, esses dados para o alto vale do Nilo. A partir dessa época a África do Norte, separada quase que totalmente do resto do continente por um deserto, só dispunha de comunicação fácil com a África subsaariana através do estreito corredor tripolitano. No entanto, essa severa ruptura da antiga unidade africana foi compensada por novas relações inauguradas precisamente a esta época nas duas asas do Magreb com o sul da peninsula Ibérica, bem como com a Sicilia, a Sardenha, Malta e o sul da Italia.

Os bérberes eram povos nômades do deserto do Saara. Este povo enfrentava as tempestades de areia e a falta de água, para

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atravessar com suas caravanas este território, fazendo comércio. Costumavam comercializar diversos produtos, tais como: objetos de ouro ou cobre, o sal, artesanato, temperos, vidro, plumas, pedras preciosas etc.

Costumavam parar em oásis para obter água, sombra e descansar. Utilizavam o camelo como principal meio de transporte, graças a resistência deste animal e de sua adaptação ao meio desértico. Durante as viagens, os bérberes levavam e traziam informações e aspectos culturais. Por isto eles foram de extrema importância para a troca cultural que ocorreu no norte do continente.

10. O Povo Bobo

Máscara Bobo

Os Bobos são um grupo étnico que vive em Burkina Faso, embora a área ocupada pelos Bobos se extende para o norte do Mali. Em grande parte da literatura sobre a arte Africana o grupo que vive na área de Bobo-Dioulasso é chamado de Bobo-

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Fing, literalmente 'Bobo preto’. Essas pessoas se chamam a elas próprias de Povo Bobo e falam o idioma Mande. Os Bamana (Bambara) também é outro grupo étnico da matriz "Bobo": o Bobo-Oule/Wule, mais notoriamente chamado de Bwa. Enquanto os Bwa (Bobo-Oule) são pessoas que falam a língua Gur, o Bobo verdadeiro (Bobo Madare, Bobo Fing), é um povo Mande.

A população do Povo Bobo está em cerca de 110 mil pessoas, com a grande maioria em Burkina Faso. A Comunidade do Povo Bobo de maior importância é a do sul - a Bobo-Dioulasso; a segunda cidade de Burkina Faso e antiga capital da colônia francesa. Mais ao norte se encontrm as maiores cidades, incluindo Fo e Kouka no extremo norte do Mali.

O Povo Bobo está longe de ser homogêneo. Eles são uma agregação de vários povos antigos que se reuniram em torno de um número de clãs que não preservaram as tradições orais de imigração para a área. Sua língua e cultura são mais estreitamente relacionadas às dos seus vizinhos Mandé para o norte e oeste, o Bamana (assim como o Minianka, também conhecido como Mamara Senufo, e um povo Gur) do que aos seus vizinhos Voltaic, o Gurunsi e o Mossi, mas deve ser pensado como uma extensão do sul do povo Mandé que vive no que é hoje Burkina Fasso, em vez de um grupo intrusivo Mandé que recentemente penetrou na região.

Embora mais de 41% do Povo Bobo reivindique uma origem estrangeira, eles também dizem que eles são autóctones. O Povo Bobo viveu na região por séculos, com algumas estimativas que remonta ao ano 800. Acredita-se que foi nesta época que eles se mudaram para esta área do norte. Uma das

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principais razões para essa afirmação é que eles falam uma língua considerada parte do ramo Mandé, que tem origem no norte do Mali. Ao longo da história da região, outros povos, como o Zara, que também se mudou para a área, influenciando o Povo Bobo, mas, sendo igualmente absorvido por essa sociedade agrícola. A atividade agrícola não é apenas uma forma de produção para a subsistência, mas é o componente essencial para o seu dia-a-dia. The major food crops are red sorghum , pearl millet , yams , and maize . As principais culturas alimentares são: o sorgo vermelho, o milheto, a batata doce e o milho. Eles também cultivam o algodão, que é vendido para as fábricas têxteis em Koudougou. Foi a instalação dessas fábricas pelo domínio colonial que levou à desintegração dos sistemas locais de trabalho ooperativo, que tinham servido para unir os membros da sociedade Bobo.

O Povo Bobo é essencialmente um grupo descentralizado de pessoas. O conceito de colocar o poder político nas mãos de um indivíduo é extranho ao Povo Bobo. Cada aldeia é organizada de acordo com o conselho de chefes das famílias. A Comunidade se une em torno de um ancestral comum, chamado wakoma, uma palavra cujo preixo “wa”, é uma contração da palavra Bobo para casa “wasa”. A sociedade do Povo Bobo compreende as pessoas que vivem em uma casa comum. O chefe de uma família é chamado de wakoma ou pai da família. Ele também pode ser chamado de Sapro, que é o termo para antepassados. Como entre outros povos em Burkina, cada clã tem um totem, de modo que quando um se apresenta como indivíduo do Povo Bobo ele dá o

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seu nome próprio, e em seguida, seu nome de clã, seguido pelo totem que ele venera.

O deus criador é chamado Wuro. Ele não pode ser descrito e não é representado por esculturas. Ele é o responsável pela ordenação de todas as coisas do mundo, em pares opostos: homem / espíritos, masculino / feminino, aldeia / mato, cultura / natureza e assim por diante. Adota, assim, o princípio da relatividade e dos contrários opostos, o que lembra a dialética natural.

Os saldos entre as forças de como eles foram criados por Wuro são precários, e é fácil para os homens jogar com as forças fora de equilíbrio. Para o Povo Bobo existem duas épocas importantes: O tempo de Wuro, quando o universo foi criado e o tempo histórico, quando Wuro deu ao homem o seu filho.

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Uma curiosidade da era moderna a respeitodo Povo Bobo:

Bobo - Ashanti é uma congregação rastafari que surgiu nos anos de 1950. Seu fundador, "Príncipe" Edward Charles Emmanuel, principal figura na história desta comunidade, é um exemplo bastante extremado da liderança carismática dos Elders dentro do sistema hierárquico das relações entre os rastas. "Elder", palavra do dialeto jamaicano Patois, certamente é uma corruptela fonético-ortográfica do inglês “old” e “olden”, significando velho, antigo e ainda, familiar, conhecido.

A designação destes líderes rastafaris, portanto, está ligada aos atributos específicos que a comunidade espera de um líder cujo "cargo" é vitalício. Maturidade como signo de saber, experiência acumulada e amplo conhecimento do perfil psicológico, consciente ou não, das pessoas a quem deverá orientar. Edward Emamanuel, chamado "Príncipe" por seus seguidores, em determinado momento de sua liderança religiosa, aderiu à idéia mística de seus seguidores que ele, Emmanuel, era, de fato, a manifestação terrena e humana de uma das Pessoas da Santíssima Trindade, o próprio Jesus que havia retornado para guiar o povo no caminho da Salvação.

No Ocidente do século XX, o movimento Rastafari, ainda que por vezes apoiado em uma teologia questionável, representou e ainda representa um poderoso instrumento de resgate da identidade cultural dos povos negros em todo o mundo. Em sociedades culturalmente globalizadas, entre blasers, jeans e T-shirts, o apelo dos trajes afro-árabes do Elder é uma ousada manifestação de auto-estima étnica e orgulho da própria história.

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O mito em torno de Emmanuel começou a se formar em um evento que reuniu várias congregações rastafari a fim de discutir as diretrizes do movimento. O assunto que mais interessava aos participantes era a proposta de Repatriação, um anseio que há muito vinha crescendo entre os jamaicanos: o retorno à África como resgate de um destino natural que a atividade escravista havia distorcido de forma cruel. O Retorno era encarado como um direito dos descententes de escravos, uma dívida dos brancos para os negros; era um ato corretivo lógico para o terrível crime europeu que durou séculos; era um sonho da consciência negra. Durante a Convenção, Emmanuel liderou uma caminhada simbólica que decretava o fim do degredo forçado e início do esperado Retorno.

Sua atuação no episódio impressionou de tal maneira que boa parte da audiência foi tomada de grande respeito pelo Elder que passou a se ver como dotado de uma aura divina em torno da qual foi elaborada toda uma tese teológica de reencarnação da Santíssima Trindade em pessoas terrenas que representavam o Pai, o Filho e o Espírito Santo, anunciando assim um tipo de manifestação material inédita da Unidade Incognóscível (Deus) que, no século XX, teria assumido condições de existência humana, como o próprio Cristo Jesus fizera.

Desta vez, a Trindade estava corpofiricada em três indivíduos: além do Jesus-Emanuel Edward, o Filho, o Pai foi identificado em Hailé Sellasie, o Imperador da Etiópia, voz africana de destaque internacional; quanto ao Espírito Santo, foi reconhecido no líder político Marcus Garvey, duas vezes personagem bíblico porque além de representar o Espírito Santo era visto como reencarnação de João Batista, ou aquele que precedeu e previu a vinda do Cristo.

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Evidentemente, a teologia dos Bobo-Ashanti é um alvo fácil para as críticas dos estudiosos. Hailé Selassie que era bastante versado nos temas cristãos, que conhecia numerosos textos sagrados além da Bíblia canônica, além de ser profundamente religioso; ele rejeitou inteiramente qualquer associação de sua pessoa com Jesus, o Cristo. Recusava adorações; lembrando que era apenas um homem afirmou: "não deve o homem adorar o homem", e colocava-se como humilde servo de Deus. Marcus Garvey também se negava a aceitar a exótica doutrina do Príncipe Emmanuel e mesmo de outros rastas, como o Elder Mr. Gad, das Doze Tribos, que também via Garvey como profeta e traçava analogias entre Garvey e João Batista, Selassie e Jesus, visão diferente, portanto, da de Emmanuel. Porém, Gad foi cauteloso, sempre usando metáforas e meias palavras. Há relatos de que Garvey chegou a considerar os rastafaris como fanáticos loucos por conta de tais idéias.

Não obstante, o povo aceitou facilmente a esperança que vinha desta "Trindade" teologicamente duvidosa e Emmanuel assumiu plenamente seu papel de Messias Negro organizando sua Igreja com severas regras morais, adotando fortes signos de identidade e fundamentando seu discurso com passagens da Bíblia com ênfase especial na normatização do comportamento, contidas nos livros do Antigo Testamento. Quando fala de Repatriação, recorre com frequência aos episódios de cativeiro dos judeus: na Babilônia e no Egito. Além do judaísmo cristão, também o islamismo parece exercer considerável influência no sistema de Emmanuel e nisto não há conflito, pois que a doutrina muçulmana também foi construída com elementos retirados do judaísmo e do cristianismo.

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Na página oficial dos Bobo-Ashanti-Brasil, a Congregação se declara como Estado Parlamentar do qual "Prince Emmanuel" é "líder, presidente, Deus e Rei". Os principais objetivos deste Estado sem território estão assim relacionados: "Liberdade, redenção e repatriação" (retorno à África) ou ainda "África para os africanos, China para os chineses, Índia para os indianos, América para os Aruaques e Caraíbas e Europa para os Europeus". A denominação Bobo-Ashanti, que passou a ser usada a partir dos anos de 1970, é mais uma afirmação da identidade negra, referência ao passado glorioso das nações africanas. Bobo significa gente ou povo negro e shanti ou ashanti era a designação para os guerreiros entre os Kumasi, da atual República de Gana, antiga Costa do Ouro, norte-ocidental do continente.

O resgate cultural parece ser uma das preocupações centrais da ideologia da Congregação. Curiosamente, a originalidade dessa cultura há muito se perdeu entre os afro-descendentes que, nas Américas, assimilaram elementos das tradições de outros povos gerando uma expressão variada do modo de ser Bobo-Ashanti. Os Bobo da Jamaica não são absolutamente iguais aos Bobos de Trinidad-Tobago, por exemplo, assim como não são iguais aos seus ancestrais Kumasi. Mesmo na África, o contato com os europeus, árabes e judeus, há muito introduziram todo um corpo de idéias importadas e devidamente assimiladas que aparecem no modo de viver, nos padrões de consumo, na ordem social e, especialmente, no âmbito religioso.

Atualmente, as religiões primitivas da África não pereceram, devido à insistente teimosia dos antigos escravos e seus descendentes livres de conservar seus valores, seus costumes e sua cultura, para não serem extintos de fato. Porém, dslocados

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para a periferia das cidades, vivendo ente os pobres, termnaram por ocupar igualmente um “lugar periférico” em relação às "grandes" religiões: o cristianismo Católico Romano, Protestante e Ortodoxo, o judaísmo e o islamismo (ao norte do continente) e mesmo ao hinduísmo (no sul do continente). Entre os Bobos, a herança judáico-cristã está concentrada na doutrina, enquanto no cotidiano da comunidade africana são adotados costumes que remetem às normas de comportamento islâmicas e perpetuados pela oralidade do grupo.

A simples visão dos sacerdotes Ashanti informa imediatamente o caráter sincrético de suas crenças e cultura como um todo. A doutrina é marcadamente judáica, a filosofia de vida em comunidade é cristã; o código social determinado para as mulheres e até sua indumentária revela a influência muçulmana, os dreads e uso da ganja remontam à Índia Antiga e as três cores simbólicas do rastafarianismo são tributos da Jamaica à Etiópia.

O "Credo" dos Bobos é uma ilustração clara dessa mistura de crenças. Deus é denominado Jeová, como no Antigo Testamento Cristão e nas Escrituras Judaicas. Palavra composta, Jeová ou Jeovah reúne duas palavras do hebreu arcaico: Jod e Ieva, que significam "Homem e Mulher" ou "Adão e Eva", posto que Jod é o Lingam ou o símbolo fálico, e Ieva, é Ova, ou Ovo-mão, ou ainda arca, em referência ao sexo feminino. O "Jah" dos rastafaris é, portanto, a face masculina da divindade Jeovah, nome cujo significado, conforme exposto acima, se perdeu entre as mutações culturais dos séculos que se passaram. Outra peculiaridade do Credo Bobo é a referência ao Hailé Selassie, último Imperador da Etiópia, como se fosse o

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próprio Deus, "nosso deus Selassié", seja como Deus-Pai ou como Deus-Filho, o Cristo - Messias, Salvador.

O dogma Cristão da Santíssima Trindade, que não é somente cristão, ao contrário, é um dogma universal em relação à ontologia (forma de ser) de Deus, presente em todas as religiões do mundo, ganhou uma interpretação extremamente antropomórfica na concepção Bobo-Ashanti. Para os Bobos, a Trindade celeste manifesta-se na dimensão terrena corporificada nas figuras do Rei, do Profeta e do Sacerdote.

Em pleno século XX os discípulos do Príncipe Emmanuel ampliaram a experiência de sacrifício em condição humana do Cristo Jesus. Nesta concepção, toda a Trindade assume formas humanas na Terra e cabe ao crente reconhecer a presença de Deus entre os líderes da comunidade. Foi assim que Selassié,

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Emmanuel e Garvey se tornaram Personas daqueles que é Três e ao mesmo tempo é Um.

A etnia de Jesus, o Cristo é um dos temas mais notáveis da doutrina dos Bobos. Suas interpretações da Bíblia chamam a atenção para o fato da figura de Jesus ser, em geral, representada de acordo com uma estética européia, ariana. Um Cristo de olhos azuis e cabelos louros é inadmissível e nisto, os rastas do Congresso Etíope têm muita razão, posto que os judeus eram semitas e, portanto, tinham características exteriores morenas, com cabelos e olhos pretos ou castanhos.

Os Bobos radicalizam esta idéia e afirmam a negritude do Cristo assim como afirmam que seu retorno já ocorreu, seja na pessoa de Hailé Selassié, seja no Príncipe Emmanuel. Além disso, acreditam que o verdadeiro povo judeu é originalmente negro e pensam em si mesmos como israelitas no degredo à espera da redenção, ou seja, do repatriamento. Esta pátria distante no tempo e no espaço seria um Reino de Israel que não consta da geografia histórica convencional, localizado na Etiópia, herança da união entre o rei Salomão e a Rainha de Sabá do relato bíblico. Neste contexto, referem-se ao Monte Sião como Zion em duplosentido: objetivamente, como um lugar do território etíope, e subjetivamente, como uma espécie de sinônimo para o Paraíso e a Terra Prometida.

Outro traço característico do rastafarianismo Ashanti é a observância da consagração do sábado, de acordo com as prescrições do Êxodo, tradição do judaísmo à qual atribuem enorme importância. Aos sábados é proibido gastar dinheiro ou trabalhar. É um dia de repouso no qual se pratica o jejum e a oração. A observância deste preceito é considerada

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fundamental para garantir a "Vida Eterna". Existem também os "Dias Santos" ou Dias de Celebração, próprios da comunidade e que em nada coicidem com os calendários das grandes religiões. São dias de comemoração que lembram eventos importantes da história do movimento rastafari, em especial, os que se relacionam com o Príncipe Emmanuel. Os Dias de celebração Bobo-Ashanti são os seguintes:

7 de fevereiro: Ano Novo Etíope, começo do ano para o "Mundo Negro".1º de março: Neste dia, em 1958, foi aberto o Congresso Rastafari, momento histórico que marca o início da formação da Congregação Bobo ou o Etiópia Africa Black International Congress - Church of Divine Salvation (Congresso Internacional Negro Etíope-Africano - Igreja da Salvação Divina).23 de março: Dia da Imperatriz. Refere-se à formação da Liga de Libertação e Liberdade da Mulher, em 1980.21 de abril: Lembra a visita de Hailé Selassié à Jamaica, em 1966.25 de maio: Dia da Libertação da África e da Fundação do Movimento pela Unidade Africana, em Adis Abeba (capital da Etiópia), em 1963.23 de julho: Comemora o nascimento do Imperador Hailé Selassié, em 1892 - Ejarsa, Goro-Província de Harar, Etiópia.1º de agosto: Dia da Emancipação - abolição da escravatura no Caribe.17 de agosto: Nascimento de Marcus Garvey, em 1887 - St Anns Bay (Baía de Santana), Jamaica.2 de novembro: Coroação de Hailé Selassi e da Imperatriz Menene, em 1930 - Adis Abeba, Etiópia.

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7 de janeiro: Dia de nascimento do Cristo Negro, Príncipe Emmanuel. 

Quase todos os homens da comunidade são profetas ou padres. Os profetas são pessoas a quem se credita grande sabedoria, são como conselheiros. Os padres são aqueles que conduzem cerimônias religiosas. Crianças e mulheres são subordinadas aos homens. Na Jamaica, os filhos dos Bobos frequentam uma escola: a Jerusalém School Room, onde recebem o ensino básico dentro do espírito religioso do grupo.

Alguns jovens prosseguem seus estudos em Kingston, porém são casos muito raros. O comportamento de mulheres e homens sofre restrições de fundo moral. O mais curioso o que prescreve ocultar os cabelos, as tranças e dreads desaparecem nos turbantes afro-árabes característicos da indumentária da

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Congregação na qual predominam as cores: branco e preto, em contraste com eventuais acessórios coloridos.

As mulheres também devem manter cobertos os braços e as pernas, não podem ficar sozinhas com homens estranhos e mantêm resguardo, durante o período mestrual, quando não podem cozinhar nem participar de cerimônias religiosas; estar menstruada é considerado um estado de impureza, exatamente como nas tradições judáica e muçulmana. O uso dos tambores africanos, os nyabinghi, em cultos religiosos também é uma prática do rastafarianismo que foi incorporada plenamente pelos Bobo-Ashanti.

Na Jamaica, a comunidade vive em Bull Bay, nos arredores de Kingston; é a Bobo Hill ou "Colina dos Bobo-Ashanti" onde a maioria das casas é pintada nas cores vermelho, verde e amarelo, e enfeitadas com bandeiras do movimento. Ali, os Bobos já são uma tradição nacional e desenvolvem várias atividades que permitem um bom nível de vida dentro dos padrões despojados de ambições cosmopolitas.

Apesar do aparente isolamento, mantêm relações profissionais com pessoas de fora a quem contratam para certos serviços e por quem são contratados. Os Shantis são hábeis artesãos, e cultivam lavouras de cerais, frutas e verduras. Nos anos de 1990 surgiram vários artistas do reggae music, oriundos da comunidade Bobo-Ashanti de Bull Bay. Os mais conhecidos são Sizzla, Capleton, Anthony B., Turbulance e Ras Shiloh.

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11. O Povo Bubi

Os Bubi ou Bube são um grupo étnico da África localizado principalmente na Guiné Equatorial. Antes de meados do século XX eram o grupo maioritário na ilha de Bioko, mas atualmente são uma minoria no país. Sua origem é produto de diversas migrações entre os séculos V e XVIII provenientes do sul de Camarões e da área continental do Rio Muni. A estes se somariam posteriormente alguns elementos fugitivos da escravidão em São Tomé e já no presente século Krumanes procedentes de Serra Leoa, assim como elementos crioulos produto da miscigenação na cidade de Santa Isabel, hoje Malabo.

Atualmente existen em torno de 85.000 bubes repartidos da seguinte forma: Na Guiné Equatorial: - Bioko: 45.000; Províncias Continentais: 5.000; Resto da África: Nigéria: 3.000; Gabão: 1.000; Camarões: 1.000; Resto do Mundo: Espanha: 25.000; Estados Unidos: 2.000; Otros países: 3.000.

A língua Bohobé ou bubi possui três variantes: Norte, Sul e Centro-Leste. Conserva arcaísmos nucleares do tronco níger-congo, antes de sua ramificação, pelo que se considera que é uma das mais antigas da África; tem caráter tonal e se destaca pela divergência de vocábulos segúndo o gênero. Tem sua gramática própria e dicionários desenvolvidos pelo professor Justo Bolekia Boleká.

Tradicionalmente, o povo Bube tem monarquia própria que se remonta ao século XVII. Nos princípios do século XIX, o território da ilha estava dividido em cantões, governados por

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Botukus ou condes. O rei governava mediante a Lojuá, uma milícia de recrutamento rotativo, armada com varas.

No sistema pós-colonial, os bubes dispuseram de pouco poder político, já que dominou a maioria étnica Fá ou Fang, ainda que seja certo que o Primeiro Ministro da Guiné Equatorial, como Miguel Abia Biteo Boricó e outros membros do Gabinete, sejam bubes.

O "Movimento para a autodeterminação da ilha Bioko", (MAIB), liderado por Weja Chicampo Puye, é a principal força política que aglutina as aspirações de auto-governo do povo Bube.

12. O Povo Bosquímano (Khoisan, Hotentotes)

Os Khoisan, também conhecidos por bosquímanos ou hotentotes, é a designação de uma família de grupos étnicos existentes na região sudoeste da África, que partilham algumas características físicas e linguísticas. Aparentemente, estes povos têm uma longa história, estimada em vários milhares de anos, mas atualmente existem apenas pequenas populações, principalmente no deserto Kalahari, na Namíbia.

A palavra bunda veio de ovimbundos, uma das etnias banta de Angola. As mulheres dessa etnia sempre foram conhecidas por sua beleza física e pelo farto traseiro e assim, para simplificar, todo mundo as chamavam de bundas. E a palavra acabou pegando para nomear esta região saliente do coro humano.

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Algumas mulheres, ainda hoje, exibem uma característica genética peculiar- a esteatopigia: uma excessiva acumulação de gordura nos glúteos. Algumas bundas de antigas nativas chegavam a medir mais de um metro de diâmetro. A mais famosa delas foi Saartjie Baartman que foi levada para a Europa para exibir o seu grande traseiro. Os seus exibidores permitiam aos visitantes tocar as suas nádegas mediante um pagamento extra. Os africanos, no entanto, olhavam este detalhe anatômico como um sinal de beleza e feminilidade, e não de deformação. Não é possível generalizar, mas os glúteos vultosos sempre foi uma carcterística das mulheres khoisan, e depois dos Ovibundos de Angola e Sul da África (Bantos).

Ao que parece, esta característica física era muito freqüente entre as primeiras populações humanas, como mostram várias figuras femininas pintadas em grutas do período neolítico, mas foi ficando cada vez menos usual com o passar dos anos. Esta conformação feminina não se restringe apenas aos africanos, mas ocorre igualmente no Haiti e em países onde os escravos do Povo Ovibundo tiveram grande inserção, como é o caso do Brasil.

Segundo Gilberto Freyre, a paixão brasileira por bundas grandes vem do tempo em que o Brasil era apenas uma colônia de Portugal, e foram esses invasores portugueses que trouxeram essa preferência machista, vêz que muitas das mulheres da Península Ibérica apresentavam grandes traseiros e rivalizavam com as africanas neste quesito. O fato dos portugeses darem preferência à essas mulheres africanas é que, como as índias brasileiras, elas permitiam o sexo anal, o que era um certo tabu para as mulheres européias.

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Entre os séculos 16 e 19, os Bantos (Congo/Angola) foram o grupo Africano de maior densidade populacional no Brasil e se distribuíram por várias regiões. Os povos Yorubás (Nigéria, Benin, Togo e Ghana) foram trazidos ao Brasil 200 anos depois. O povo Ovimbundu, com suas crenças, rituais e tradições, cairam vitimas da escravidão através do porto de Benguela. Pelo menos 500.000 foram trazidos para Rio de Janeiro e Bahía. O cálculo total feito pelos estudiosos mostra (Visconde de Taunay, principalmente) um número de 3.600.000 escravos entrados no Brasil durante o período escravocrata. Assim, os Ovimbundu representaram 14% de toda imigração de escravos. É natural que a miscigenação desse povo com os brasileiros brancos criaram a mulata de bunda

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grande tão característica de nossa etnia nacional e muito disseminada em todo território do país.

Estruturalmente, na raça humana, as nádegas são formadas pelos músculos que movimentam as pernas e é também o local onde é armazenada a gordura para formação de um feto. Já foi demonstrado que o acúmulo de gordura no traseiro é benéfico para a saúde, pois protege contra doenças cardiovasculares, já que ajudam a eliminar lipídeos prejudiciais e possuem agentes antiinflamatórios (que por sua vez vão prevenir que as artérias se entupam.

O excesso de nádegas também ocorre entre os pigmeus da África Central e do Sudeste da Ásia. Ele também é ncontrado nos povos do Caribe. É difícil escapar à imagem que a sociedade faz da mulher afro-brasileira. Ela é vista como símbolo sexual, objeto de uso, e não sujeito, ser humano; muitos racistas consideram-na incapaz de assumir certos papéis e cargos, mesmo aqueles que são ocupados por mulheres brancas.

Essa rejeição cotinuada leva, muitas vezes ao desespero e induz a mulher negra a abandonar seus traços físicos, como forma absurda de autopunição e autodestruição. Alisar os cabelos, por exemplo, é um recurso da mulher negra para aproximar-se da estética branca dominante.

Calcula-se que existam atualmente cerca de 100.000 Khoisan no sul de África, dos quais 50.000 vivem no Botswana, 35.000 na Namíbia, 5.000 na África do Sul e os restantes em Angola, Zâmbia e Zimbabué. O nome designa uma família de grupos

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étnicos existentes na região sudoeste de África, que partilham algumas características físicas e linguísticas.

Existem muitas lendas inconsistentes que permeiam a exlicação da origem dos Bosquímanos; mas o mais correto é afirmar que eles realizaram duas grandes migrações: uma para Sul em direção ao lago Ngami, África Central, fixando-se por algum tempo nas bacias dos rios Vaal Reit. Desta horda, uns partiram para a Gricualandia ocidental, outros para Leste até Wittebergen e os restantes para Sul, ocupando um extenso território da África do Sul. Outra migração dos San encaminhou-se para Oeste, chegando ao litoral atlântico, ao Sul.

A cultura é a identidade de um povo, ou seja, o conjunto de características que o diferenciam de qualquer outro. Em Angola, apesar de não existirem dados oficiais atualizados sobre o número exato de Khoisan, sabe-se que das 18 províncias, apenas três os albergam: Huíla, Kunene e Kuango Kubango.

Deste fato, presume-se que a sua cultura tenha sofrido alterações e/ou influências: primeiro, pelo fato de o seu território ter sido invadido; por ter migrado para locais mais seguros durante a guerra civil e, por fim, porque o seu modus vivendi nómade foi fortemente influenciado pelas mutações políticas do período da guerra civil e, muito provavelmente, pelas mutações da natureza: seca, desertificação, extinção de espécies animais e outros fatores externos.

Casamento: O casamento na comunidade resulta de contratos feitos entre as mães, que escolhem os noivos quando eles ainda

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são crianças. Cabe à mãe da futura noiva decidir qual o noivo apropriado. Entre os 20 e 25 anos de idade, as negociações anteriores são retomadas já com os pais, familiares diretos e um amigo do noivo, normalmente pertencente ao mesmo acampamento da moça pretendida.

A moça é publicamente interrogada, para saber se aceita ou não. Em caso de aceitação, o noivo deve morar em casa de um familiar da noiva, para provar as suas aptidões como bom caçador. Enquanto o compromisso durar, as famílias trocam presentes. Findo o processo, ele recebe a mulher e passa a viver com ela.

Durante o parto, a mulher põe-se de joelhos e é assistida por uma parteira tradicional, que procede ritualmente, sentando-se à frente da parturiente e colocando os seus pés entre as coxas, para minimizar as dores de parto e todos os movimentos vão surgindo. Encarrega-se também de tratá-la com folhas aromáticas até a sua completa recuperação. A herança deste povo consiste, sobretudo, em instrumentos de caça: machadinhos, flechas e peles que passam a ser propriedade da mulher depois da morte do companheiro. O arco e a flecha são herdados pelos parentes maternos do defunto, enquanto os machadinhos vão para os filhos.

Religião: A religião San consiste na veneração aos astros e seus estados de mutação. Para os Khoisan, o Ser-Supremo é a Gaua, a quem atribuem os sucessos ou insucessos da caça e outras bênçãos ou maldições. No que diz respeito ao culto lunar, o aparecimento da lua nova é celebrado com manifestações de alegria, o que se repete por ocasião da lua cheia: exibem-se

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danças imitando animais da floresta e canções de uivos. Muitas vezes a lua é considerada também uma divindade. Quando surge, é fortemente saudada como a um pai que visita os filhos raramente, além de a considerarem morada dos espíritos dos ancestrais.

Mriam Makeba. A famosa cantora Míriam Makeba era Xhosa como Nelson Mandela.

O idioma: A maior parte das línguas Khoisan são faladas na África do Sul. Os linguistas dividem a família em três ramos: (1) Hatsa; (2) Sandawe, (3) Khoisan sul-africano. O khoisan sul-africano compreende três grupos de línguas: (1) grupo Norte, que engloba as línguas San do Norte, dos Auen e dos Kung; (2): Khoisan central, dividido em dois grupos: a) Kiechaware, b) Naron, Khoi-khoi; (3) San do Sul, grupo que apresenta a maior diferenciação interna. Até agora há poucas investigações para o apuramento dessas informações.

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Os Khoisan eram conhecidos por serem incrivelmente bons atiradores. Na Lunda, no Zaire e no Cuangar foram encontrados instrumentos de pedra e outros dos homens do Paleolítico. No deserto do Namibe (integrante do Kalahari), foram encontradas gravuras rupestres nas rochas. Trata-se das gravuras do Tchitundu-Hulu, atribuídas aos antepassados dos Khoisan.

Os San de Angola enquadram-se nesta última família. Atualmente, este grupo minoritário é bilingue e/ou plurilingue, em alguns casos, por adoptar os idiomas dos povos vizinhos. Falam a sua língua apenas entre si, em ambiente familiar e quando isolados dos grupos Bantu. O Povo Zulu e o Povo Xhosa adotaram o clique dos Khoisan nas consoantes e introduziram palavras de empréstimo nas suas línguas respectivas.

Nelson Mandela, do grupo etno-linguístico Xhosa, apresenta semelhança física com os Khoisan.

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Gramaticalmente, as línguas Khoisan são, em geral, isolantes. Os sufixos são usados com frequência, mas a ordem das palavras é usada com mais frequência que a inflexão. Os khoisan ficaram conhecidos mais recentemente (1984) pelo filme sul-africano “Os Deuses Devem Estar Loucos”.

Os níveis de segurança alimentar dos Khoisan melhoraram significativamente, pela ajuda que recebida e pelo empenho deste povo permitindo que seu grupo conseguisse sobreviver durante os 27 anos de guerra civil em Angola.

A política do Governo angolano reconhece que todas as comunidades rurais, incluindo os Khoisan, necessitam de um terreno e uma casa segura, pode contribuir para a sua integração social. A coleta de alimentos silvestre continua sendo uma atividade comunal. 95% dos angolanos são africanos bantu, pertencentes a uma diversidade de etnias. Entre estas, a mais importante é a dos Ovimbundu que representam mais de um terço da população, seguidos dos Ambundu com cerca de um quarto, e os Bakongo com mais de 10%.

O Povo Lunda tem menor peso demográfico. Durante a segunda metade do século XX houve um fluxo permanente de habitantes das áreas rurais para as cidades. Depois da independência, a Guerra Civil Angolana provocou um verdadeiro êxodo rural, de modo que neste momento (2012) um pouco mais de metade da população total de Angola vive em áreas urbanas.

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13. O Povo Chewa

O nome deste país africano (Malawi) deriva dos maravis, um povo banto que veio do sul do Congo cerca de 600 anos atrás. Ao chegar à zona norte de Lago Malawi, os Maravi se econtravam divididos. Um ramo, os ancestrais dos dias atuais Chewas, mudou-se para sul até à margem ocidental do lago. O outro, os ancestrais dos Nianjas, mudou-se para baixo do banco do leste para o sul do país.

Em 1500, as duas divisões desse Povo haviam estabelecido um reino que se estende do norte da atual cidade de Nkhotakota ao rio Zambeze, no sul, e do Lago Malawi no leste, para o rio Luangwa no Zâmbia, a oeste.

Os Chewas constituem 90% da população da região central, dominado o grupo Nianja na região sul e o grupo Tumbuka no norte. Além disso, um número significativo de Tongas vive no Norte; Ngonis - um ramo dos Zulus que vieram de África do Sul, no início dos anos 1800 - vivem abaixo do norte e regiões menores centrais, e os Yao, que são na sua maioria muçulmanos, predominam na região Sul do país e vivem em uma faixa larga a partir de Blantyre e Zomba ao norte do Lago Malawi e no leste da fronteira com o Moçambique.

O Povo Chewa, da Zâmbia e do Malawi, acreditam que devam ter uma atividade sexual bastante intensa durante a juventude para serem fecundos quando forem adultos; No entanto, os chewa reagem negativamente à pratica do beijo, porque alegam que vão “engolir a saliva de outra pessoa”. Muitos têm essa reação porque vêm a boca como a fonte da vida, o local onde

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uma alma imortal habita – e essa alma pode se contaminar facilmente se o dono não for cuidadoso.

14. O Povo Dogon

O Povo Dogon ultrapassa pouco mais de 200 mil indivíduos; Na República do Mali, região do antigo Sudão francês, África Ocidental, a 200 quilômetros ao sul da cidade de Timbuktu, um abismo de 300 metros de profundidade formado pelas escarpas Bandiagara é a porta de entrada para a terra do povo Dogon. Esse antigo e pacífico povo ali se radicou por volta do século 13 e permaneceu isolado até as primeiras décadas do século 20, mantendo intacta e praticamente inalterada sua rica e sofisticada cultura.

A aridez do meio ambiente, com médias de 40 milímetros de chuvas anuais nos meses de abril e maio e temperaturas de até 60 graus, castigado por estar situado justamente na passagem do Saara para as savanas do sul, obrigou-os a construírem engenhosas casas de pedra e barro de forma cônica, cobertas de folhas que ajudam a amenizar o calor escaldante, e pequenos celeiros onde armazenam a escassa produção que o solo pouco generoso fornece: algumas espigas de um tipo especial de milho, de grãos pequenos, cebolas, amendoim, algodão e fumo. Eles sempre souberam da função do oxigênio do corpo e da circulação do sangue, coisas que a ciência ocidental só descobriu em tempos modernos. Conheceram também os mistérios das principais estrelas do céu e das luas do Sistema Solar sem nunca terem manipulado telescópios. De onde teriam

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adquirido tantos conhecimentos superiores? Mas eles não se limitam, contudo, a meras observações visuais do céu.

Às mulheres cabe a tarefa de buscar água, encontrada somente em poços na base dos penhascos, e carregá-las para cima em potes de barro que, vazios, chegam a pesar 20 quilos.

Em compensação, elas granjearam o direito de preparar cerveja a partir do milho e vender o excedente na feira semanal da aldeia, que acontece de 5 em 5 dias. O que arrecadam é usado para comprar os tecidos coloridos com que confeccionavam suas roupas. Vaidosas, elas serram os dentes, que se tornam pontiagudos, e traçam incisões no corpo.

No fim da estação da seca, as chuvas caem quase que de uma só vez. O cenário muda então completamente: do alto dos penhascos surgem quedas d’água, formando rios na planície. É o tempo de plantio. Em poucas semanas, o que era um deserto se transforma em um paraíso verdejante.

Em 1931, o antropólogo francês Marcel Griaule visitou ao Povo Dogon, e ficou ao mesmo tempo confuso, mas fascinado, com essa mitologia, altamente complexa, e de interessantes relatos. Em 1946, Griaule retornou em companhia da etnóloga Germanie Dieterlen. Ambos publicaram os resultados dos seus 4 anos de pesquisas de campo na obra “Un système soudanais de Sírius” (Paris, 1951).

Nesse trabalho, frisaram que os Dogon, mesmo desprovidos de recursos óticos, tais como o telescópio, tinham pleno conhecimento da natureza dupla da estrela binária Sírius. “Jamais se fez e nunca se decidiu a respeito da pergunta: de

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onde esse povo, que nenhum instrumento possui, poderia conhecer a órbita e os atributos específicos dos astros, praticamente invisíveis?”

15. O Povo Éwé

O povo ewe (também conhecido como jeje) habita o sul do Gana, Togo e Benim ao leste do rio Volta, em uma área descrita como a Região do Volta. Este povo fala a língua Ewe que está relacionada com as línguas Gbe, Fon e Aja do Togo e Benim. Chegaram ao seu território presente vindos do Este; considera-se que a sua terra original remonta a Oyo , no Oeste da Nigéria. Djedje (jeje) éuma palavra de origem yoruba que significa estrangeiro, forasteiro e estranho que era usado de forma depreciativa pelos escravos yorubas para desqualificar os Ewé.

Quando falamos nos povos ewe-fon sabemos que eles se espalhavam por uma região que se estendia ao longo da Costa da Guiné desde o Rio Mono, a oeste do Benim, em direção ao Togo e sudeste de Gana.

No final do século dezenove, após a partilha da África, os europeus redividiram esse mapa. O povo Ewe ocupa as partes sudoeste de Gana e dos Países vizinhos Togo e Benin, numa área designada atualmente como a Região do Volta. As subdivisões dessa etnia compreendem os povos Anglo (Anlo), Bey (Be), e Gen no litoral, e os Peki, Ho, Kpando, Tori, e Ave no interior.

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Os Ewes chegaram ao seu atual território vindos do leste.Supõe-se que a sua terra original tenha sido Oyó, a Oeste da Nigéria.

De acordo com a tradição oral, os Ewe emigraram para Gana antes da metade do século quinze. Conhecidos historicamente como Adjás, com o tempo mudaram esse nome para Ewe. A maior parte do povo fala a língua Anlogbe, um dialeto do Ewe fazendo parte do grupo linguístico Gbe. É uma língua derivada do extinto Tadô falada no reino de Aja que ficava no Sul dos atuais Togo e Benim, mais precisamente durante o século XIV.

Apesar de ser considerado um único grupo linguístico, há variações dialéticas consideráveis. Alguns desses dialetos são mutuamente inteligíveis, mas podem ser entendidos com certa dificuldade e conseguem servir como meio de comunicação satisfatório.

Ao contrario dos povos Akans cujo sistema matrarcal prevalece, os Ewes possuem uma organização essencialmente patriarcal. O fundador de uma comunidade tornava-se chefe e era sucedido frequentemente pelos seus parentes paternos.

A maior unidade politicamente independente era uma capitania, cuja chefia era uma figura essencialmente cerimonial assistida por um conselho de anciãos. Essas capitanias podiam variar de população e tamanho, desde algumas centenas de pessoas concentradas em um ou dois vilarejos, até alguns milhares sediados em grandes cidades e campos.

Ao contrario dos Axantes, nenhuma capitania Ewe obtinha poderes hegemônicos sobre seus vizinhos. Sua religião Tro

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baseia-se num ser supremo, o deus Mawu, e de várias divindades intermediárias. É equivalente ao Vodu daomeano.

Os povos Anlo Ewes vivem atualmente na região sudoeste da Republica de Gana. Eles se estabeleceram nesse local por volta de 1474, saindo de sua terra natal Oyó. Ao chegarem a Notsie foram bem recebidos pelo rei Adela Atogble. Após a morte do rei, seu sucessor, Ago Akoli, tratou-os de maneira opressiva. Mandou exterminar todos os anciãos, para acabar com a memória e a tradição oral dos Ewes restando apenas um deles para contar a historia.

A cidade de Notsie era circundada por uma grande muralha de defesa que se tornou uma barreira para o escape dos Ewes. O plano de escape veio de Tegli, um ancião, que havia sido poupado e vivia escondido. Ele pediu para as mulheres estenderem a roupa lavada para secar sobre as paredes de taipa da muralha, para amolecer o barro.

Quando a taipa estava bem fraca, os Ewes reunidos conseguiram fazer buracos para escapar. Cantaram para seus deuses a “Espada da Libertação”: Oh grande Kitikana, abra a porta para podermos passar. Ao chegarem a Gana, a maioria instalou-se nas regiões costeiras. Os inúmeros ataques causados pelos traficantes de escravos europeus, cuja frota ficava próxima de seus vilarejos, deixavam-os em um estado de insegurança. Para se protegerem contra os navios negreiros, migraram para a região lacustre

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(Lagoa salgada de Keta) onde as águas rasas não permitiam que os navios tivessem acesso.

Para adaptar-se ao novo ambiente construíram canoas para pescar e ter acesso ao interior, aonde cultivavam as terras. Na região do Volta os Ewes dividiram-se em pequenos grupos e reinos autônomos. Os Anlo fazem parte desses grupos, formando 36 cidades ao redor da lagoa Keta. Os adangme, moradores de Anlo, e os ga, de Glidji, falavam línguas que eram muito próximas entre si.

Ao longo do tempo, estes imigrantes foram assimilados linguisticamente pelas populações de língua gbe dos locais onde se estabeleceram. Os adangme de Anlo adotaram a língua local, o ewe.

No Brasil o povo Ewe é conhecido por Jêje. Esse era um apelido depreciativo dado pelos iorubas. A palavra Ewe-Fon, para designar uma casa é Kwe. Em Cachoeira de São Félix ha um candomblé da nação Jeje conhecido como Kwe Ceja Undé.

16. O Povo Fang

O Povo Fang se espalha pela costa atlantica da Africa equatorial. Podem ser encontrados nos Camarões, Guiné ocidental e Gabão, ao longo das margens do rio Ogowe. Máscaras pintadas de branco e delineadas com preto são usadas pelos trovadores ambulantes, por caçadores e por feiticeiros.

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As mais tipicas são aquelas em forma de coração e nariz alongado recobertas com caolim. A razão está provavelmente em ligação com os mortos devido a cor branca. A sociedade Ngontang também usava mascaras brancas na forma de um capacete de quatro lados, com uma fronte proeminente e sobrancelhas em forma de coração.

O antilope vermelho So, vinculado aos ritos da iniciação, processo que se estende durante meses, está representado no uso de chifres nas máscaras. O territorio Fang está em plena floresta tropical, sobre um planalto de meia altitude, local cheio de cachoeiras e corredeiras, onde a navegação é praticamente impossivel.

São principalmente caçadores, mas também trabalham na agricultura. A estrutura social está baseada em clãs, unidos por ancestrais comuns.

A comunidade Fang cultua as linhagens ancestrais, o Bieri, cuja finalidade é a de protegê-los dos mortos e obter sua ajuda nos assuntos cotidianos. Esse culto familiar não monopoliza o universo religioso dos Fang, coexistindo com outras crenças e rituais de caráter coletivo. O Bieri, imagem do ancestral, era consultado quando o vilarejo tinha que mudar de lugar, quando uma nova colheita era plantada, antes da caçada, da pesca ou da guerra.

Uma vez que a mascara é separada do seu baú relicario, ela perde seu valor sagrado e pode ser destruida. O ritual consiste em rezas, libações e sacrificios para o ancestral, cujo esqueleto será esfregado com pós e tintas a cada vez. Com sua cabeça e corpo compridos, e as extremidades curtas, o Bieri Fang tem o

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tamanho de um recém nascido, enfatizando deste modo a continuidade do grupo, com seu ancestral e com os três estagios da vida: O que está para vir, o vivente e o morto.

As reliquias consistem essencialmente em fragmentos de ossos, ou esqueletos completos. O Bieri também é usado para rituais terapeuticos e, sobretudo, para a iniciação dos jovens durante o grande festival So.

17. O Povo Fon

Na religião do Vodu, Agassú também conhecido por Ati-A-Sou é uma divindade que protege as antigas tradições do Daomé.Ele foi um herói mítico que fundou a linhagem Kpòvi, (os filhos do leopardo), uma seita constituída pelos membros da Sociedade do Leopardo.

A tradição oral do Povo Fon relata que Aligbonon, filha do rei de Tado, foi buscar água em um tanque quando um leopardo se atirou sobre ela, sem intenção de matá-la. Após o encontro amoroso, e alguns meses depois, Aligbonon deu a luz a uma criança do sexo masculino a quem deu o nome de Agassou.

Tado, a cidade desse rei, fica às margens do Rio Mono, no atual Togo. O nome Agassú significa bastardo. Seus irmãos também geraram semideuses. Agassou se converteu em um homem forte, coberto de pelos vermelhos e com grandes unhas, honrando sua condição de ‘homem-leopardo’. Devido ao seu aspecto aterrorízante, nenhuma das moças de Tado queria casar-se com ele. Então sua mãe procura uma esposa para seu

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filho entre outros povos da região. Seu aspecto e o fato de desposar uma mulher que não pertencia ao reino de Tado impedem aos descendentes de Agassou de poder assumir o trono. Agassou teve três filhos e deu início a uma linhagem de homens leopardo.

Será finalmente o neto de Agassou quem, frustrado por ser-lhe negada a possibilidade de ser rei, assassina o príncipe Adja, herdero do trono de Tado e foge com sua família e seguidores para o outro lado do río Mono. Este fato o converte em Adjahouto – o assassino de Adja -. Levou consigo o crâneo de seu avô Agassou e a cabaça sagrada de Tado – onde deviam

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beber todos os monarcas - e duas serpentes dos bosques de Tado.

Ao chegar às terras férteis do centro do atual Benin, funda seu própio reino. Apesar da distância, Adjahouto sabe que os soldados de Tado o estão procurando para matá-lo e é quando decide converter-se em árvore para evitar que o encontrem. O poder de converter-se em outros seres vivos ele havia herdado de seu avô. Diante de seu desaparecimento, seus seguidores exclaman ‘o rei está morto’ que na língua Fon é Alla Da, daí que o reino mais antigo do império Fon se tornou conhecido como Allada. Atuamente a ‘árvore-rei’ continua de pé no bosque sagrado da cidade de Allada.

Seus descendentes fundaram os reinos de Allada, Abomé e Porto Novo. Essas cidades constituíram as bases do reino do Daomé.

Agassú é reverenciado nesses três centros urbanos, mas seu principal local de culto está em Abomé.

Ali reside o Agassunon, sumo-sacerdote que chefia os cultos dentro da cidade. Seu emblema é o leopardo, cuja pele também faz parte das insígnias reais. Daomé foi governado por um total de onze reis divinizados, por quase dois séculos:

Houégbadja 1645-1685 Akaba 1685-1708 Agaja 1708-1732 Tégbésu 1732-1774

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Kpengla 1774-1789 Agonglo 1789-1797 Adandozan 1797-1818 Gézo 1818-1858 Glèlè 1858-1889 Gbèhanzin 1889-1894 Agoli-Agbo 1894-1900

Dahomey, cuja capital era Abomey, foi o principal reino da história do atual Benin. Seu poderio militar formado por bravos guerreiros e amazonas era temido por todos os reinos vizinhos que foram sendo conquistados.

O exército do rei era dividido em duas partes: o regimento permanente e o regimento das coletas tribais (prisioneiro). Esses prisioneiros eram treinados para serem guerreiros do rei e as mulheres, em especial, eram enviadas ao regimento das amazonas onde aprendiam a lutar. Os prisioneiros que se negavam a aderir as causas do rei eram sumariamente executados ou vendidos como escravos. Os chefes das tribos conquistadas ficavam reservados para serem executados durante o festival anual de ancestrais, em memória dos reis mortos. Suas cabeças eram decapitadas e seu sangue oferecido aos falecidos reis. Essa prática aconteceu do séc. XVI até o séc. XVII.

O reino de Dahomey foi o maior exportador de escravos para todo o mundo. Dahomey foi governado por um total de treze reis divinizados, por quase dois séculos.

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18. O Povo Fula

Os fulas ou fulanis (em fula: Fulɓe) são um grupo étnico que compreende várias populações espalhadas pela África Ocidental, mas também na África Central e no Norte de África sudanês. Os países africanos por onde se encontram incluem a Mauritânia, o Senegal, a Guiné, a Gâmbia, o Mali, a Nigéria, a Serra Leoa, o Benim, o Burquina Faso, a Guiné-Bissau, os Camarões, a Costa do Marfim, o Níger, o Togo, a República Centro-Africana, o Gana, a Libéria, até ao Sudão, a leste. Os fulas não são o grupo maioritário em nenhum destes países,

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com excepção da Guiné. São povos tradicionalmente nómades que praticam o pastoreio.

Na África, cada ancião que morre é uma biblioteca que se queima. A frase, do malinês Amadou Hampâté Bâ, expressa a importância da transmissão oral no continente e a sensação de ouvir um sábio africano relatar suas experiências: é como se vários livros se abrissem, com uma profusão de detalhes, para dar voz às histórias e às tradições locais. "Desde a infância, éramos treinados a observar, olhar e escutar com tanta atenção que todo acontecimento se inscrevia em nossa memória como cera virgem", diz o etnólogo, filósofo e historiador em "Amkoullel, o Menino Fula". Um dos maiores pensadores da África no século 20, Hampâté Bâ integra a primeira geração do Mali com educação ocidental.

Seus vínculos com a tradição oral do povo fula, o fez buscar no reconhecimento da oralidade africana uma fonte legítima de conhecimento histórico. Hampâté Bâ (1900-91) participou da elaboração dos primeiros estudos que usam as fontes orais de maneira sistemática, como em "História Geral da África", publicada pela Unesco em 1980.

Se esses e outros escritos de caráter sociológico e filosófico são mais conhecidos, o relato autobiográfico tem o mérito de revelar a trajetória desse mestre da transmissão oral e comprovar a forçada "oralidade deitada no papel" (nas palavras do autor).

Nascido em 1900 em Bandiagara, no atual Mali, Hampâté Bâ, desde quando ainda era um bebê, começou a viajar com seus pais por todo o território africano, entrando em contacto com

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diversas etnias e povos, tais como os fulas, os bambaras, os dogons, os hausás, entre tantos outros.

O rei Tidjani Tall, fundador de Bandiagara, mandara dizimar todos os membros do sexo masculino da família de seu pai, que sobreviveu ao massacre. À mãe, empreendedora e de caráter forte, chamavam-na de "mulher de calças". Os pais naturais, o pai espiritual (o mestre sufi Tierno Bokar) e o padrasto lhe ensinaram cedo as regras de honra e conduta.

Hampâté Bâ examina a "morte" da primeira infância, o papel das associações de jovens na formação da personalidade africana e as relações com os brancos-brancos (os europeus) e os brancos-negros (os africanos europeizados).

O autor conta em seu livro "Amkoullel, o Menino Fula" que, quando pequeno, segurou a mão de um “filho do fogo” (um francês) e descobriu que ele era apenas “uma brasa que não queima”. Mais tarde, quando foi enviado a uma “escola de brancos” descobriu que a grande maioria dos muçulmanos considerava essa escola como o caminho mais rápido para o inferno.

A descrição de uma cerimônia de circuncisão, precedida de uma grande festa que vai do pôr-do-sol ao amanhecer, recebe no livrouma descrição minuciosa.

Após as arengas destinadas a estimular a coragem, ao pé de duas acácias, colocavam-se pedaços de noz-de-cola na boca dos meninos, entre os molares, para medir sua coragem. Após a retirada do prepúcio, "que retém prisioneira a maioridade", a

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marca dos dentes, se era pequena, confirmava a bravura do circunciso.

Hampâté Ba expõe ainda a fragilidade da civilização da oralidade que tanto defendeu. "Uma das maiores consequências da guerra de 1914, pouco conhecida, foi provocar a primeira ruptura na transmissão oral dos conhecimentos tradicionais." No livro, ouve-se o timbre de sua voz e o murmúrio de um mundo ameaçado. Apesar de todos os intentos dos colonialistas para apagar a História da África, eles não lograram seus perversos intentos, pois os povos africanos souberam resisitir a essas aleivosias criminosas, através de sua eloqüente oralidade heróica e secular.

19. O Povo Himba - O Povo das Mulheres de Vermelho

Os Himba são um povo seminômade que teve sua orígem na Namíbia e destacam-se pela criação de rebanhos bovinos e caprinos. Os Himba têm como hábito não tomar banho, as mulheres hidratam a pele com a mistura da gordura de boi com um pó vermelho extraído de uma pedra da região em que habitam, essa manteiga é passada inclusive no cabelo.

Embora as mulheres não tomem banho, elas dedicam horas do dia a sua beleza, e elas não têm cheiro desagradável, essa manteiga também ajuda a manter o corpo protegido do sol e do vento, o que faz com que o corpo não exale odor algum; a cor da manteiga na pele das mulheres também simboliza fertilidade, o sangue, simboliza vida, daí vem a expressão

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“Mulheres de Vermelho”. As mulheres cuidam do rebanho, das crianças, constroem, lidam com o campo, alimentam a família e vão buscar água para matar a sede de todos.

Os homens apenas lidam com questões políticas e legais civis.Os meninos têm a cabeça raspada e são circuncidados bem cedo para se tornarem aptos para o casamento. As meninas usam colares de madeira indicando pureza. Eles usam pouca roupa que são feitas de couro curtido artesanalmente por eles mesmo e roupas modernas quando entram nas aldeias. As mulheres estão sempre com os seios de fora e sempre muito bem apresentáveis, as imagens não deixam mentir o quanto essas mulheres são incrivelmente lindas, usam tornozeleiras de contas para protegerem-se de picadas de animais peçonhentos.No que se referem às relações conjugais, os Himba adotam um regime poligâmico, onde o harem é regido pela quantidade de

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cabeças de gado que o homem possui, ou seja, quanto mais gado, mais mulheres; fala-se também que as mulheres podem manter relações com mais de um homem sem nenhum problema. Na década de 80 a falta de fertilidade do solo e a seca os obrigou a migrar para a Angola, país vizinho, e hoje esse povo circula entre os dois países - Angola e Namíbia.

Este povo passou por um período muito doloroso, com o advento da seca, foram perdidas 90% das cabeças de gado, consequentemente o efeito colateral foi fatal. Sem ter do que viver, homens do povo Himba passaram a juntar-se ao exército da África do Sul, famílias passaram a viver nas cidades criando favelas, vivendo abaixo da linha da pobreza; o governo passou a proibi-los de entrar nas cidades e os limitou completamente. Mas esse povo é resistente, apesar das injustiças aos quais

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foram submetidos, hoje eles ainda somam entre 20.000 a 50.000 mil vivendo entre Angola e Namíbia.

A chuva voltou e a terra voltou a ficar fértil e os Himba não perderam tempo e voltaram criar gado e manter suas vidas completamente independentes da vida do homem "civilizado". Na luta contra a construção de uma hidroelétrica e barragens no rio Kunene, os Himba juntaram-se a ativistas e conseguiram ganhar essa luta pela manutenção das terras que lhes era de direito.

Com a independência da Namíbia, o governo passou a cuidar mais desse povo incrível e investiu em educação especialmente para eles. escolas onde as crianças poderiam aprender inglês e unidades de conservação para que os Himba mantivessem o controle da fauna e do turismo em suas terras.

O gado só é morto em caso de cerimônias de casamento ou em caso de morte, onde a cabeça do gado é colocada ao redor da sepultura com o intuito de proteger o espírito da pessoa sepultada.

As aldeias são chamadas de Herdade, que é protegida por um fogo considerado sagrado chamado Okuruwo, fodo este que feiticeiros usam para comunica-se com seus ancestrais.

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20. O Povo Hutu

Os hutus (Bahutu) são o mais numeroso dos três grupos étnicos presentes em Ruanda e no Burundi; de acordo com a Agência Central de Inteligencia dos Estados Unidos, 85% dos burundineses e 84% dos ruandenses são hutus. É um povo bantu e, tanto do ponto de vista da linguística como culturalmente, não se distinguem do segundo grupo étnico mais numeroso daqueles países, os tutsis.

É sabido que a divisão entre estes dois grupos tem raízes sociais, uma vez que os tutsis foram a classe política dominante da região denominada pelos Grandes Lagos Africanos desde o século XV até sua invasão e dominação pela Bélgica. Tampouco há diferenças físicas significativas entre os dois grupos.

As etnias Tutsis e Hútus surgiram em grande medida pela divisão criada de uma só população pelos imperialistas Belgas baseada em critérios diversos como altura e formato do nariz (!).

A monarquia tutsi, apoiada pela Bélgica, resistiu até 1959, quando o rei Kigeli V foi expulso da colônia (então chamada de Ruanda-Burundi). A partir daí, a área foi dividida em Ruanda e Burundi e ambos os países tornaram-se independentes da Bélgica.

Hutus radicais, muitos deles do partido Parmehutu (Partido do Movimento pela Emancipação Hutu), chegaram ao poder e, em 1962, dominaram Ruanda. Após a tomada do poder, estes hutus

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começaram a matar milhares de tutsis. Ainda assim, os tutsis permaneceram com o poder do Burundi.

Durante o genocídio de Ruanda de 1994, soldados das Nações Unidas recuaram enquanto extremistas hutus matavam dezenas de milhares de tutsis e hutus moderados. Cerca de 30% da população batwa de Ruanda também foi morta durante o genocídio.

Por enquanto, a violência entre hutus e tutsis não atingem grandes proporções. No entanto, a situação entre Burundi e Ruanda ainda é tensa e dezenas de milhares de ruandenses ainda moram fora do país

Entre o século XVII e XX, formaram-se múltiplos reinos muito estratificados. Quer no Uganda, como no Ruanda e no Burundi, os Hutus constituíram a classe baixa - escravos ou servos, de acordo com as épocas - de reinos governados pela etnia Tutsi sobre os Hutus “camponeses” e os “caçadores” Twa. Quase até ao presente, mantiveram-se estruturas semifeudais. O poder destes reinos estava baseado, não obstante de se tratar de uma hierarquia de funcionamento muito disciplinado, na manutenção de milícias fortes e fiéis à autoridade real. Estas milícias, formadas pelo povo Tutsi, seriam, mais tarde, incorporadas aos exércitos regulares dos estados modernos.

Oferecendo um sentido corporativo forte, as milícias chegariam mesmo a desempenhar papéis económicos e sociais de especial importância, juntamente com os seus deveres militares e passando por uma vida cultural muito ativa.

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Todavia, com o passar do tempo, começou-se a compreender melhor as nefastas consequências que as idéias implantadas pelas administrações coloniais deixaram para o futuro destes povos: chegaram à África com convicções firmemente sustentadas nas hierarquias das diferentes raças. Chegaram como Brancos, que se consideravam superiores aos povos dos territórios invadidos.  Os Alemães e os Belgas fizerm passar a idéia de que os Tutsis tinham nascido para governar e decidiram utilizar para a administração destes países as estruturas de poder que encontraram em cada um desses territórios. Assim, as autoridades imperialistas (em especial, os Belgas), com as suas práticas, provocaram a intensificação das diferenças étnicas entre os povos.

Os belgas na época fingiam acreditar que os tutsis eram originários do continente perdido de Atlântida ou de local desconhecido, inventando a partir dessa fantasia uma superioridade racial para criar desavenças entre os povos, que estavam conseguindo viver em paz na mesma região, inclusive com casamentos intergrupais.

Os belgas decidiram limitar a cargos administrativos e de ensino superior para o tutsi, e decidiram quem era tutsi. Identificou algumas características físicas, mas não para todos.

Mas o rastreio das genealogias foi morosa e poderia também ser imprecisa, dado que os indivíduos podem mudar conforme a sua categoria de fortunas aumentaram ou diminuíram na possessão de gados. Os belgas decidiram que o procedimento mais eficiente foi simplesmente registrar todos, observando seu

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grupo de filiação, por escrito, de uma vez por todas. Como precederam? Todos os ruandeses nascidos posteriormente seriam registrados como tutsis, hutus, ou Twa no momento do seu nascimento.

Almejando, então, fortalecer a hierarquia Tutsi e torná-la mais rígida e controlável, em 1926, os belgas decidiram que toda a população deveria ser classificada como Hutu ou Tutsi (classificando como Tutsi todo aquele que possuísse 10 cabeças de gado ou mais).

O sistema foi posto em prática na década de 1930, quando cada ruandês, declararava a sua identidade étnica. Aproximadamente 15% da população se declarou tutsi, e 84 % disseram que eram hutu, e o restante 1% disseram que eram Twa. Esta informação foi inscrita em registros no escritório do governo local e indicados nos bilhetes de identidade que adultos ruandeses foram então obrigados a utilizar.

O estabelecimento de registro escrito, não muda completamente no grupo final da filiação. Neste breve período os hutus descobriram as vantagens para se tornar tutsi, mesmo após os registros haverem sido estabelecidos, assim como outros mais recentes têm se “tornado” tutsis apagando as suas origens. Mas, com o registro oficial da população, mudar a etnicidade tornou-se mais difícil.

Desta forma, foram impostos critérios de identificação que incluíam falsamente a origem étnica. Isto sucedia em tempos em que o matrimónio misto entre ambas as etnias já levava um longo histórico e tinha dado lugar a uma percentagem grande de população dificilmente distinguível fisicamente pela sua

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etnia. Foi também instrumentação européia que a autonomia até aí dada aos territórios face aos poderes reais tivesse um final: a partir de então, seriam governados por autoridades administrativas qualificadas – como os Tutsis – e impostas sobre as autoridades tradicionais dos referidos territórios. 

A própria gravação dos grupos étnicos, em forma escrita reforçou a sua importância e mudou a sua característica. Não é mais flexíve, as categorias tornaram-se tão rígidas e permanentes, que alguns contemporâneos europeus começaram a referir-se a eles como "castas".

Os Europeus governaram, primeiramente, através dos Tutsis e posteriormente, após a Segunda Guerra Mundial, os revolucionários belgas (marxistas) incitaram os Hutus a intensificar a sua oposição contra os seus opressores Tutsis. Os belgas, tanto quanto os demais colonialistas (ingleses, franceses, portugueses, holandeses e alemães) nunca se ocuparam da educação dos povos africanos dominados. O mesmo pode ser dito relativamente à Igreja Católica, que dedicou os seus esforços educativos na formação exclusiva das classes dirigentes, a minoria Tutsi. É desta maneira que se chega à independência nos anos 60, com países em que a minoria étnica é detentora dos principais espaços e cargos culturais, políticos e militares dos novos estados. Não obstante, foi a partir da independência que a balança se começou a inclinar, ora para um lado, ora para o outro: umas vezes a favor da poderosa minoria Tutsi, outras a favor da maioria Hutu. Como resultado da intensa propagada racista e ideológica dos colonizadores se estabeleceu uma

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violenta repressão por parte das respectivas populações étnicas.  No que concerne à Economia, com uma indústria pequena, sem caminhos-de-ferro e com poucos recursos naturais, os Hutus viram-se obrigados a depender, em grande medida, da ajuda estrangeira. No entanto, muitas foram às vezes em que esta ajuda estrangeira pouco contribuiu para o desenvolvimento do país, com os recursos sempre destinados às elites no poder e ajudando a manter regimes opressores da população. Há muitos estudos, documentários e filmes sobre o genocídio dos tutsis e hutus em Ruanda, e os fatos não foram totalmente elucidados. Os estudiosos realizam análises das causas imediatas do conflito e suas conseqüências sem se anteverem aos estudos mais profundos da divisão entre esses povos. Os tutsis vivem também em Burundi e são 5% da população do Congo.

A idéia generalizada de que todos os africanos são iguais tem-se desfeito há algum tempo quando nos deparamos com diversidades históricas e culturais. Na Bahia ainda há pessoas que através da religiosidade se autodenominam de nações diferentes, citamos, por exemplo: jeje, congo-angola e ketu.

Compreender as diferenças históricas dos povos de Ruanda e Burundi é fundamental em novas pontuações que culminaram com o genocídio de mais de 1 milhão de pessoas em 1994 no território ruandês. O grande genocídio foi à culminância de embates anteriores ente esses povos: Twa (Batwa), Hutu e Tutsi.

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O que se pode afirmar é que as populações realmente autóctones na região são os Twa conhecidos também como Batwa, erradamente denominados de pigmeus pelos gregos; Outra indicação de como as “civilizações brancas” têm o hábito de nomear erradamente os povos e regiões, de acordo a sua vontade particular.

Comprovadamente os Twa são os mais antigos habitantes do continente africano, habitando a região dos Grandes Lagos, na África Central, em Ruanda, Burundi e Uganda, sendo encontrados também na República Popular do Congo com uma população total de aproximadamente 80.000 pessoas.

A elite dominante, a maioria influenciada por idéias européias e os beneficiários imediatos da nítida demarcação de outros

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ruandeses, cada vez mais salientou a separatividade e a sua superioridade presunçosa. Entretanto, os hutus, oficialmente excluídos do poder, começaram a sentir a solidariedade dos oprimidos.

A ideologia do eugenismo estava em pauta nos países europeus durante a época do nazismo e assim eles viram divisões entre os tutsis (etíopes) os hutus (bantus) e Twas (pigmeus), criando uma escala racial e aumentando a exploração econômica entre as populações.

Os tutsis culturalmente desenvolveram o pastoreio do gado, tornando-se os mais bem sucedidos economicamente; como uma minoria que era, foi considerada a aristocracia de Ruanda e passaram a dominar os camponeses hutus durante décadas, sobretudo enquanto Ruanda estava sob o poder colonial belga. Os hutus representam 90 % da população, e a maioria vivem da agricultura.

21. O Povo Ibo

Os Igbos [iɡɓo] [Eeg•bo] (Igbo: Igbo, às vezes Nd'Igbo), por vezes maiores grupos étnicos na África, que se contam em dezenas de milhões.

A maioria dos igbos vive no sudeste da Nigéria, onde também são um dos maiores grupos étnicos na Nigéria. Igbo também podem ser encontrados em números significativos em Camarões e Guiné Equatorial. Menores populações vivem em outros países africanos, assim como em nações fora da África,

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devido à migração e também para os efeitos do comércio de escravos no Atlântico.

Seu número exato, fora da África, é desconhecido. Sua língua é o idioma Igbo que inclui centenas de dialetos diferentes e línguas igbóide. Os Igbos são bem conhecidos por ser um dos únicos grupos africanos que é tradicionalmente descentralizado.

A cultura Igbo se compõe dos costumes, práticas e tradições dos Igbos do Sudeste da Nigéria. É composta por práticas arcaicas, bem como novos conceitos adicionados na cultura Igbo, quer pela evolução ou por influência externa. Estes costumes e tradições do povo Igbo incluem as artes visuais, música e formas de dança, bem como as suas vestimentas, culinária e idioma ou dialetos. Devido às seus diversos subgrupos, a diversidade de sua cultura é ainda maior.

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O povo Igbo tem um estilo musical melódico e sinfônico, em que se incorporam vários instrumentos de percussão: o udu, que é essencialmente concebido em um recipiente de argila; uma ekwe, que é formado da escavação em madeira; e o ogene, um sino de mão feito de ferro forjado. Outros instrumentos incluem o opi, um instrumento de sopro semelhante a flauta, igba, e ichaka. Outra forma musical popular entre os Igbo é o Highlife, que é uma fusão de jazz e música tradicional e muito popular na África Ocidental.

Os Igbos são um dos únicos grupos étnicos na África, que nunca teve liderança centralizada. O Reino de Nri é o mais antigo reino na Nigéria. O rio Níger flui através da Igbolandia. Um dos mais elaborados bronzes já encontrados, foi achado em uma cidade Igbo chamada igbo-Ukwu.

Existem centenas de diferentes subgrupos do povo Igbo, incluindo os grupos populares, como o Ikwerre. Alguns Igbos acreditam que o Igbo é uma das Dez Tribos Perdidas dos judeus. Há mais de 30 milhões de pessoas Igbo em todo o mundo. Os Igbos foram um dos grupos étnicos mais comuns entre os escravos levadas aos vários continentes. Muitos afro-caribenhos e afro-americanos podem traçar sua ascendência até os Igbos.

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22. O Povo Iorubá

Os iorubás ou iorubas (em iorubá: Yorùbá), também conhecidos como yorubá (io•ru•bá) ou yoruba, são um dos maiores grupo étno-linguístico ou grupo étnico na África Ocidental, composto por 30 milhões de pessoas em toda a região. Constituem o segundo maior grupo étnico na Nigéria, com aproximadamente 21% da sua população total.

A maioria dos iorubás fala o idioma iorubá: èdèe Yorùbá ou èdè. Vivem em grande parte no sudoeste do continente; também há comunidades de iorubás significativas no Benin, Togo, Serra Leoa, Cuba, Republica Dominicana e Brasil. Os iorubás são o principal grupo étnico nos estados de Ekiti, Kwara, Lagos, Ogun, Ongo, Osun, e Oyo. Um número considerável de iorubas vive na República do Benin, e também pode ser encontradas pequenas comunidades no campo, em Togo, Serra Leoa, Brasil, Republica Dominicana e Cuba.

Bem como tendo acesso ao mar, eles compartilham fronteiras com os Borgu (variadamente chamados Bariba e Borgawa) no noroeste, os Nupe (que eles chamam muitas vezes, "Tapa") e os Ebira no norte, os Edo que também são conhecidos como Bini ou povo benin (não-relacionado com o povo da República do Benin), e os Ẹsan e Afemai para o sudeste. Os Igala e outros grupos relacionados, encontra-se no nordeste, e os Egun, Fon, e outros povos de língua Gbe no sudoeste. Embora a maioria dos iorubás viva no oeste da Nigéria, há também importantes comunidades yorubás indígenas na República do Benin, Gana e Togo.

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A maioria dos iorubás é cristã, com os ramos locais das igrejas Anglicanas, Católicas, Pentecostais, Metodistas, e nativas de que são adeptos. O islamismo inclui aproximadamente um quarto da população iorubá, com a tradicional religião iorubá respondendo pelo resto. Os iorubas têm uma história urbana que data do ano 500. As principais cidades iorubás são Lagos, Ibadan, Abeokuta, Akure, Ilorin, Ogbomoso, Ondo, Ota, Shagamu, Iseyin, Osogbo, Ilesha, Oyo e Ilé-Ifè.

Os iorubás deixaram uma presença importante no Brasil, e particularmente muito significativa no Brasil. Os nagôs (iorubás) são ainda hoje os africanos mais numerosos e influentes na Bahia. Existiam nagôs aqui de quase todas as pequenas nações iorubás. Os mais numerosos são os de Oyó, capital do reino de Iorubá, que naturalmente foram exportados ao tempo em que os haussás invadiram o reino, destruíram sua capital e tomaram Ilorin.

Depois, em ordem decrescente de número vem os de Ijêsá, de que sobretudo há muitas mulheres. Depois os de Egbá, principalmente da sua capital Abeokutá. Em menor número são os de Lagos, Ketú, Ibadan. Em geral, os nagôs do centro da Costa dos Escravos, os de Oyó, Ilorin, Ijêsá etc, são quase todos, na Bahia, muçulmis, malês ou muçulmanos, e a seus compatriotas se deve atribuir a grande revolta de 1835.

Durante o último período da escravatura, os iorubás foram concentrados nas zonas urbanas, então em pleno apogeu; nas regiões suburbanas ricas e desenvolvidas do Norte e Nordeste, particularmente em Salvador e no Recife. Ligados pela origem mítica comum, pela prática religiosa e semelhança dos

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costumes, rapidamente os diversos grupos nagôs passaram a interrelacionar-se. Não perderam contato com a África, dada a intensa atividade comercial entre a Bahia e a Costa Africana.

Segundo diversos pesquisadores o termo iorubá é recente. Segundo Biobaku, aplica-se a um grupo linguístico de vários milhões de indivíduos. Ele acrescenta que, "além da [língua] comum, os iorubas estão unidos por uma mesma [cultura] e tradições de sua origem comum, na cidade de Ifé, mas não parece que tenham jamais tenham constituído uma única entidade política, e também é duvidoso que, antes do século XIX, eles se chamassem uns aos outros por um mesmo nome".

E. Ellis mencionou-o, judiciosamente, no título do seu livro The Yorùbá speaking people ("O povo que fala iorubá"), dando a significação de língua a uma expressão que teve a tendência a ser posteriormente aplicada a um povo, a uma expressão ou a um território. Antes de se ter conhecimento do termo iorubá, os livros dos primeiros viajantes e os mapas antigos, entre 1656 e 1730, são unânimes em chamar Ulkumy ou Ulcuim, com algumas variantes. Depois de Snelgrave, em 1734, o termo Ulkumy desapareceu dos mapas e é substituído por Ayo ou Eyo (para designar Oyó).

23. O Povo Kykuyu

Os Kikuyu (ou Kĩkũyũ pronunciado Gĩkũyũ ou como se autonomeiam Agĩkũyũ) são o grupo étnico mais populoso do Quênia. Com 5,347,000 pessoas só no Quênia representam cerca de 22% da população total queniana. Cultivam as férteis

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áreas montanhoas centrais e são o grupo étnico mais economicamente ativo do Quênia.

Apesar de incerta, etnologistas acreditam que os Kikuyus vieram para o Quênia vindo do oeste africano junto com outros grupos bantos. Ao alcançarem a atual Tanzânia eles passaram a leste do Kilimanjaro e no Quênia se instalaram ao redor do Monte Quénia enquanto o resto do grupo continuou migrando para o sul da África.

Eram originalmente caçadores-recoletores, mas diferente dos povos Nilotas que eram pastores, eles começaram a cultivar o fértil solo vulcânico ao redor do Monte Quênia e montanhas quenianas.

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Entretanto, lendas sobre o princípio do mundo dizem que um homem chamado Kikuyu e seu "ajudante" ou esposa chamada Mireia (Mũmbi) foram colocados em Mũkũrwe wa Nyagathanga (atualmente Distrito de Muranga) pelo Deus, Mwene Nyaga or Ngai. Dizia-se que eles foram colocados próximo ao Mugumo ou Figueira sobre as encostas da montanha. Estavam prestes a dar a luz nove filhas chamadas: Wanjikũ, Wanjirũ, Njeri, Wambũi, Wangari, Wacera, Waithera, Wairimũ e Wangũi. Quando elas cresceram encontraram nove homens jovens de uma terra distante, aparentemente do Povo Masai, com quem os Kikuyus têm uma longa relação amor-ódio, se casaram com as moças e foi delas de quem o povo Kikuyu surgiu.

Um mito popular afirma que quando as filhas de Kikuyu estavam na idade de casar, Kikuyu rezou para Mwene Nyaga para que ele mandasse maridos para suas filhas, e ele os tirou de uma figueira. Esta lenda representa uma mudança de direção na historia do matriarcado Banto para o sistema patriarcal.

Os antepassados do povo Kikuyu chegaram ao Quênia durante as migrações Bantas dos anos 1.200 a 1.600. A base cultural do povo Kikuyu parece vir dos primeiros colonos desta zona, os Thagicu, instalados ai desde o século XII. Somente a partir do século XVII que podemos falar da existência dos atuais Kikuyu, e do Distrito de Mukurue como a zona em que residiam. Durante o período da colônia dos invasores ingleses, a maior parte do povo Kikuyu, fundamentalmente agricultores, perdeu suas terras para os colonizadores brancos sendo forçados a trabalhar como servos em suas granjas.

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Na década de 1950, surgiram movimentos de libertação do povo queniano, sendo o principal um movimento da tribo Gikuyu (de etnia Kikuyu) denominado Mau Mau (Burning Spears). Inúmeras vidas foram sacrificadas pela liberdade de um povo que muito sofreu com a exploração branca, e a conseqüência destes atos heróicos foi que, em 1963, os ingleses foram expulsos das terras quenianas.

No dia 12 de dezembro de 1963, a Inglaterra reconheceu a independência do Quênia. Diante da perda das suas terras mais fecundas, e com a expansão demográfica, muitos emigraram para a Província do Vale do Rift, permanecendo alí após a independência.

Os Kikuyus tinham boas relações com os Masais - seus vizinhos, com quem mantinham amplos negócios. Mas o colonialismo imperal, no entanto, abalou essa ordem. Desde quando a Ingaterra instalou, em 1.880 a primeira ferrovia da costa para o Lago Vitória, que cruzava o território vizinho da Uganda, as terras dos Kikuyus foram confiscadas e eles foram confinados a uma reserva, impedidos de cultivar suas terras.

O primeiro presidente do Quênia, Jomo Kenyata pertence a esse Povo. Assim como os outros povos bantos, os Kikuyu baseiam sua organização social na unidade familiar (nyumba). Várias famílias formam um núcleo (mucii) que é parte de um clã (mbari). Os Kikuyu organizaram-se a partir destas estruturas familiares. Os Conselhos formados pelos chefes masculinos de uma comunidade elegem um membro como porta voz, dentre o grupo de anciãos.

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 Este porta voz eleito por consenso geral, pode ser destituído da mesma forma, caso a comunidade achar que ele não defende os interesses de todos.

Atualmente a cerimonia da circuncisão está desaparecendo entre os rapazes e a clitoriptomia para as moças é celebrada quando faz quinze anos. Todos os participantes dessa cerimonia ficavam unidos por toda vida e seu status social dependia da geração à qual pertenciam. Atualmente estas práticas estão desaparecendo e quando ocorrem são realizadas de forma individual num hospital. Acredita-se que este sistema foi adotado pelos primeiros Thagicu que por sua vez copiaram dos povos Cushitas e Nilóticos. Em outros tempos, se um jovem quisesse tornar-se guerreiro (anake) teria que passar pela circuncisão. Somente assim poderia participar dos Conselhos de sua comunidade (kiama). Os Kikuyu mantem algumas superstições que entram em contradição com sua vida moderna. Considera-se azar falar abertamente sobre o futuro nascimento de um filho, porque acreditam que os espíritos malignos podem afetar a criança. Ainda hoje têm receios com as práticas europeias de dar banho no bebe recém-nascido ou em mencionar a data esperada para o nascimento. Outros acreditam que o numero 10 é que traz má sorte, devido ao mencionado decimo clã, para o qual não se deve mencionar essa cifra. Ao contar dizem "ikumi, nove completos” em lugar da palavra dez. Atualmente esse termo é usado às vezes por

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pessoas mais velhas ou de uma maneira bem humorada. Todavia essa palavra se mantém.

24. O Povo Mandingo

Os mandingos (em mandingo: Mandinka) são um dos maiores grupos étnicos da África Ocidental, com uma população estimada em 11 milhões.

Eles são descendentes do Império Mali, que ascendeu ao poder surante o reinado do grande rei mandingo Sundiata Keita. Os mandingos pertencem ao maior grupo etnolinguístico da África Ocidental - o Mandè - que conta com mais de 20 milhões de pessoas (incluindo os diulas, os bozos e os bambaras).

Originários do atual Mali, os mandingos ganharam a sua independência de impérios anteriores no século XIII e fundaram um império que se estendeu ao longo da África Ocidental. O Império Mali teve seu apogeu durante o reinado do grande rei mandingo Sundiata Keita. Migraram para oeste a partir do rio Níger à procura de melhores terras agrícolas e de mais oportunidades de conquista.

Os mandingos vivem principalmente na África Ocidental, particularmente na Gâmbia, Guiné, Mali, Serra Leoa, Costa do Marfim, Senegal, Burquina Faso, Libéria, Guiné-Bissau, Níger, Mauritânia, havendo mesmo algumas comunidades pequenas no Chade, na África Central.

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Os mandingos pertencem ao maior grupo etnolinguístico da África Ocidental - o Mandè - que conta com mais de 20 milhões de pessoas (incluindo os diulas, os bozos e os bambaras). Originários do atual Mali, os mandingos ganharam a sua independencia de impérios anteriores no século XIII e fundaram um império que se estendeu ao longo da África Ocidental.

Guerreiro mandingo escravizado.

Migraram para oeste a partir do rio Níger à procura de melhores terras agrícolas e de mais oportunidades de conquista. Através de uma série de conflitos, primeiramente com os fulas (organizados no reino de Fouta Djallon), levaram metade da população mandingo a converter-se do animismo ao islamismo. Hoje, 99% dos mandingos em África são muçulmanos, com

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algumas pequenas comunidades animistas e cristãs. Durante os séculos XVI, XVII e XVIII, cerca de um terço da população mandinga foi embarcada para a América como escravos, após a captura em conflitos. Uma parte significativa dos afro-americanos nos Estados Unidos é descendente de mandingos.

Embora bastante dispersos, não se constituem no maior grupo étnico em qualquer dos países em que vivem, exceto na Gâmbia. Mandinga no Brasil Colonial era a designação de um grupo étnico de origem africana, praticante do islamismo, possuidor do hábito de carregar junto ao peito, pendurado em um cordão, pequeno pedaço de couro com inscrições de trechos do Alcorão, que negros de outras etnias denominavam patuá. Depois de feita a inscrição, o couro era dobrado e fechado costurando-se uma borda na outra.

Por serem mais instruídos que outros grupos e conhecerem a escrita eram geralmente escolhidos para exercer funções de confiança, dentre elas a de capitão do mato. Costumavam usar turbantes, sob os quais normalmente mantinham seus cabelos espichados. Diversos negros de outras etnias, quando fugiam, também espichavam o cabelo e usavam o patuá em um cordão junto ao peito, porém sem as inscrições, para tentar disfarçar o fato de não serem livres.

Mas o Povo Mandingo tinha o costume de se reconhecer mutuamente recitando trechos do Alcorão uns para os outros. Caso o negro interpelado não recitasse o trecho correto, o capitão do mato de etnia mandinga capturaria o fugitivo imediatamente. Outras etnias viam, nessa mútua identificação, alguma espécie de magia, e muitas vezes atribuíam ao patuá

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poderes extraordinários, que permitiam ao mandinga identificar os fugitivos.

25. O Povo Masai

Os masai ou massais são um grupo étnico africano seminômade localizado no Quênia e no norte da Tanzânia. Sua População total é 883.000 pessoas; as regiões com população significante de Masais são o Quênia, com 453.000 indivíduos e a Tanzânia (setentrional) com 430.000, perfazendo uma estimativa de população masai total de 883.000. As estimativas das populações Massai em ambos os países é complicada devido sua natureza nômade e a eles serem o único grupo étnico autorizado a viajar livremente pelas fronteiras entre o Quênia e a Tanzânia. Seu idioma é o Maa e professam uma religião animista monoteísta.

Devido aos seus costumes distintos e residência próxima aos parques de caça da África oriental, eles se situam entre os grupos étnicos africanos mais bem conhecidos internacionalmente. Os masai preservam muitas de suas tradições culturais enquanto se engajam nas forças econômicas, sociais e políticas contemporâneas regionais e globais.

A cor oficial dos masai é o vermelho e se distinguem dos outros povos vestindo sempre alguma coisa vermelha, porém pequena. Sua sociedade é patriarcal por natureza, com os mais velhos decidindo sobre a maioria das questões para cada grupo masai. O "laibon", o assim chamado líder espiritual deste povo, atua como intermediário entre os masai e seu único deus,

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"Enkai", assim como também ele é a fonte do conhecimento sobre as ervas. O estilo de vida tradicional masai se concentra em seu gado, que constitui sua principal fonte de alimento. Os governos da Tanzânia e do Quênia instituíram programas para encorajar os masai a abandonarem seu estilo de vida nômade tradicional e adotar um estilo de vida agrário.

A classe social dos masai é determinada pelo número de vacas pertencentes às famílias. Sendo nômades, os masai constroem casas temporárias com esterco de vaca e barro. As casas são construídas em um círculo, e às noites, as vacas são conduzidas ao centro, protegidas dos animais selvagens.

Os jovens Massai são iniciados na maioridade através de várias cerimônias de iniciação. A principal é a circuncisão, onde milhares de meninos, pertencentes a uma determinada faixa etária, são circuncidados na mesma época. Existe um mito propagado pela indústria do turismo de que cada jovem deve matar um leão antes de ser circuncidado. Isto não é verdade. Entretanto, matar um leão proporciona grande valor e fama na comunidade.

Os casamentos são planejados, marcados por um homem que desenha um X vermelho na barriga de uma mulher grávida solteira. Se ela recusar, será desligada de sua casa. As mulheres podem se casar uma única vez na vida, enquanto que os homens podem ter mais de uma esposa (se tiverem vacas suficientes para o dote, eles podem ter mais de uma ao mesmo tempo).

O ser supremo e criador do Povo Masai se chama Enkai (também chamado Engai) guardião da chuva, da fertilidade, do

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sol e do amor, aquele que deu o gado ao povo Masai. De acordo com algumas fontes, Neiterkob "aquele que fundou a Terra" pode ter referência com Enkai. Neiterkob é uma deidade menor, conhecido como o mediador entre seu deus e o homem. Olapa é a deusa da Lua, casada com Enkai, em que habita o Ol Doinyo Lengai.

Em tempos passados, ambos os sexos tinham um ou dois dentes incisivos centrais superiores extraídos durante a infância. Isto servia para facilitar a alimentação dos bebês ou crianças pequenas caso adoecessem com tétano, cujo primeiro sintoma apresentado é o trismo (travamento das mandíbulas). A circuncisão é realizada nos meninos (que são proibidos de fazer qualquer ruído durante a cerimônia) e a clitoridectomia (remoção do clitóris) nas mulheres durante a puberdade. As mulheres mais velhas operam as garotas.

O governo queniano e ONGs estão tentando acabar com a clitoridectomia. Os homens e as mulheres têm suas orelhas furadas e alargadas com o uso de discos, e assim os masai são facilmente reconhecidos caso estejam trajando roupas diferentes das suas roupas tribais, por exemplo, trabalhando em um hotel, porque suas orelhas são bastante peculiares.

Os masai vivem em pequenas cabanas feitas de esterco de vaca e estacas de acácia. Um grupo de cabanas é construído dentro de uma área fechada por cercas espinhosas, formando uma aldeia que é chamada de "Enkang". Eles permanecem nesta terra enquanto seu gado pasta; quando as pastagens secam, eles se mudam. Entretanto uma grande população dos Masai se estabeleceu nos distritos de Narok, Trans Mara e Kajiado, no Quênia. As mulheres constroem suas casas enquanto que os

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homens cuidam da segurança do assentamento (Boma) e do gado.

26. O Povo Mursi

Não desmerecendo os demais povos africanos, mas o Povo Mursi é um dos mais incríveis povos no que se refere a costumes, cultura, no que se refere a manter sua essência primária até hoje.

O Povo Mursi também chamado de Murzu, vive ao Sul da Etiópia, fronteira com Sudão no Vale do Rio Omo. Embora o governo Etíope defina o coletivo das diversas tribos da região como Surma, os Mursi não aceitam essa nomenclatura, não aceitam essa mistura, acreditam que cada tribo tem seus hábitos, costumes, ritos...

Portanto, não há essa unificação imposta pelo governo.Diz-se que os Mursis são um dos povos mais agressivos existentes, os homens estão sempre armados com armas de fogo ou mesmo cacetetes para mostrarem que estão sempre apostos e disponíveis a lutar, o combate entre os guerreiros Mursi é chamado de "Donga", e o guerreiro vencedor pode escolher a mulher que desejar para manter relações intimas com ele, seja a mulher solteira ou não.

Lamentavelmente o belo povo Mursi parece estar com seus dias contados, o governo etíope ordenou a retirada deste povo do Parque Nacional do Omo sem nenhum tipo de compensação para a construção de uma hidroelétrica, infelizmente os Murzus

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tiveram suas casas incendiadas, suas vidas completamente violadas por leis sem nenhum tipo de critério humano.

Um dos hábitos alimentícios dos Mursi é a ingestão de sangue bovino misturado ao leite.

Assim como o povo amazônico dos Suya que vive as margens do Rio Xingu, os Mursi usam como adorno círculos moldados em argila no lábio inferior; a diferença existente entre o povo africano e o brasileiro é que no Brasil, somente os homens usam o círculo, e entre os Mursi, somente as mulheres fazem uso do mesmo; algumas optam por usar círculos na orelha ou mesmo em ambos os lugares; assim sendo, orelha e boca, conta-se que essa prática foi implantada neste povo com o intuito de tentar diminuir a captura das mulheres Quando os mursis eram perseguidos por caçadores de escravos, suas

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mulheres tentaram ficar feias com a deformação do lábio. Hoje, o povo Mursi acha bonito o ornamento..

As mulheres Mursi eram as preferidas pelos seqüestradores; sendo assim, os homens da tribo tiveram a idéia de furar o lábio inferior das mulheres e aplicar-lhes os círculos intuindo que assim elas teriam menos valor aos contrabandistas. Furava-se o lábio e inseria-se um pequeno círculo de madeira; com o passar dos anos o círculo aumentava de tamanho; aumentado o tamanho, os dois dentes mais próximos ao círculo eram extraídos para melhorar a estética e não machucar a gengiva das mulheres.

As mulheres nunca tiram o círculo, com a exceção das mais velhas, até mesmo porque é considerado uma deselegância permanecer sem o adorno principalmente na presença de visitantes. A prática permaneceu e hoje esse tipo de mutação é tida como sinal de beleza. Quanto maior for o circulo, maior é a beleza da mulher; há de se convir que essa prática cria problema de fala nas mulheres, além de impedi-las de se alimentarem ou mesmo beber água com facilidade.

É doloroso pensar que esse povo pode vir a ser extinto. Talvez no futuro só tenhamos registros deste povo primitivo em fotos, um povo completamente integrado com a natureza, que respeita as leis naturais e é submetido as leis dos chamados homens civilizados.

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27. O Povo Pigmeu

Os Pigmeus vivem em vários grupos étnicos em Ruanda, Uganda, na República Democrática do Congo, na República Centro-Africana, Camarões, Guiné Equatorial, Gabão, no Congo, Angola, Botsuana, Namíbia e na Zâmbia.

A maioria das comunidades sobrevive como caçadores - coletores, que vivem parcialmente, mas não exclusivamente sobre os produtos silvestres do seu ambiente. Fazem comércio com os agricultores vizinhos para adquirir alimentos e outros materiais cultivados fora. Mas mesmo assim são bons caçadores, caçando só o que precisam, e comem larvas de troncos ocos. Destilam o milho e frutas disponíveis; extram dali

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o álcool. As casas são feitas de varas, troncos e folhas e mantêm sempre uma fogueira acesa durante a noite pois esfria muito.

Enquanto para o africano em geral a selva é uma madrasta perigosa, para os Pigmeus é uma mãe amorosa que os acolhe, nutre e protege. Dela eles recebem o material para construir suas cabanas, a madeira para seus arcos e flechas e o alimento cotidiano.

A cabana, semi-esférica e totalmente coberta de folhas, tem de 2 a 3 metros de diâmetro e uma altura que raramente supera os 150 centímetros. Antigamente, sua construção era tarefa exclusiva das mulheres.

Os instrumentos de trabalho do Povo Pigmeu são poucos e feitos com madeira, ossos, chifres, fibras naturais e vegetais, dentes e sementes duras. Além de suas casas, são hábeis na construção de pontes de cipó sobre os rios.

Em todos os grupos pigmeus, a unidade sócio-econômica é a aldeia, formada por uma dezena de cabanas e habitada por grupos de trinta a setenta pessoas. O mais velho, ou o caçador mais hábil, preside cada unidade.

A estrutura social dos Pigmeus é muito precisa, e há uma nítida divisão sexual do trabalho. As mulheres recolhem na selva tubérculos, fungos, larvas e cogumelos. A pesca, que só acontece na estação seca, é reservada, em alguns grupos, às mulheres e crianças.

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Já a caça é atividade exclusivamente masculina e se constitui num momento mágico na vida da comunidade pigméia. Os homens se preparam para sair à caça se abstendo das relações sexuais e evitando toda "ofensa" à comunidade. Antes de partirem, há cerimônias de purificação e propiciação.

Hoje, como no passado, a sorte dos Pigmeus está ligada à selva. Fora dela, sua cultura e sua vida se perdem. Mas ultimamente o seu meio ambiente está sendo cada vez modificado e destruído pela extração de madeira, extensas plantações de café, minas de ouro e diamantes e implantações industriais.

Além disso, o uso de armas de fogo por parte de negros e brancos afasta sempre mais os animais selvagens, dificultando a caça, atividade essencial para a subsistência dos Pigmeus.

Estima-se que há entre 250.000 e 600.000 pigmeus que vivem na floresta tropical do Congo. Mas são um povo em extinção que vive no coração da África. É o que se está consumindo, há décadas, contra os pigmeus, um dos povos mais antigos da África.

Pigmeus é uma expressão genérica, usada pela sociedade externa para identificar os pequenos homens que habitam a Floresta Equatorial Africana. Formam um grupo culturalmente definido, porém, à falta de informações mais precisas, têm levado muitos a atribuir o título ‘pigmeu’ a vários outros grupos que sofrem de um distúrbio genético que os impedem de crescer. A palavra ‘pigmeu’ é de origem grega e significa ‘três côvados’, ou seja, 1,35m, referindo-se à altura dos mesmos.

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A confusão de informações se dá, principalmente, por causa das generalizações. Muitos estudam ou têm contado com um destes grupos e divulgam informações se referindo aos Pigmeus de forma geral.

A partir da criação, em 1925, do Parque Nacional Virunga (na atual Repúplica Democrática do Congo), teve início o processo de afastamento dos pigmeus de suas terras natais e de seus meios de subsistência (caça e coleta de frutas). Esse processo prosseguiu por décadas. Em 1970, os pigmeus foram expulsos do Parque Nacional de Kahuzi-Biega (República Democrática do Congo), e em seguida, de Bwindi e Magahinga (Uganda).

Os pigmeus expulsos de seus territórios tornaram-se completamente dependentes de outras populações e são obrigados a mendigar para sobreviver. Muitos deles tornaram-se vítimas de álcool, e outros se suicidam.

Os pigmeus são considerados seres inferiores a outras populações, e são continuamente marginalizados da vida social. Vivem em condições primitivas, em cabanas de bambu cobertas por folhas de banana, sem cuidados médicos nem educação, tentando sobreviver fabricando cestos, vasos vendidos a preços irrisórios, R$ 1,00 ou menos. Seu território é isolado do resto do país, e não são capazes de cultivar a terra.

Não possuem carteira de identidade (RG), e por isso não tem direito à assistência médica. Não existem funcionários estatais, nem um escritório do governo encarregado de se ocupar de sua sorte (Somente para interesses de exploração para turismo). Os

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pigmeus também foram vítimas de violência em Ruanda em 1994. Estima-se que 30% da população pigméia foram mortas.

28. O Povo Samburu

O povo Samburu é originário de Nubia-Kush e se estabeleceram ao norte do Monte Quênia e ao sul do Lago Turkana, na área do Vale do Rift, desde o século XV. Possuem uma existência de seminomadismo e a sua economia é baseada no pastoreio - na criação de gado, ovelhas, cabras e camelos - que representa riqueza e status. O povo Samburu celebra os nascimentos, os rituais de iniciação e casamentos com muita pompa e cerimônia. O apogeu da vida de um Samburu é o ritual iniciático à vida adulta.

Os casamentos são estruturados por uniões poligâmicas, onde um homem pode casar-se com tantas esposas for capaz de pagar o dote. Quanto mais animais possuir, mais fácil será obter uma esposa. O dote para a família da noiva é tipicamente pago com gado. Os casamentos intra-clãs são proibidos e os casais são escolhidos pelas famílias.

Falam a língua Maa, e são primos dos Massai, sendo normalmente confundidos. Os Samburu possuem uma história de resistência singular, não aceitando as imposições culturais do colonizador inglês, apesar das missões católicas e protestantes estarem presentes em suas terras, para destruir a sua cultura e dominá-los mentalmente.

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Uma das vitórias do povo samburu é ter conseguido manter a sua própria língua Maa e preservar as tradições dos seus ancestrais, apesar de que muitos guerreiros tiveram de participar nas tropas inglesas na 2ª Guerra Mundial e outros trabalham nas forças policiais do Quênia.

O Povo Samburu vive no centro-norte do Quênia, estão relacionados com o mais distinto dos Maasai. Os Samburu são seminômades pastores de rebanho de gado, mas também criam ovelhas, cabras e camelos. O nome que eles usam para si é Lokop ou Loikop, um termo que pode ter uma variedade de significados. Muitos afirmam que ele se refere a eles como “donos da terra” (“lo” refere-se a propriedade “, nkop” é a terra), embora outros apresentam uma interpretação muito diferente do termo.

O relevo do Quênia acima da linha do Equador tem planícies enquanto que ao sul temos montanhas, com seu maior pico no monte Kilimanjaro, com 5.895 metros (inclusive este é o pico mais alto da África. O Kilimanjaro faz fronteira entre o Quênia e a Tanzânia), e o segundo é o monte Quênia, com 5.199 metros

29. O Povo Senufo

Vive no Norte da Costa do Marfim e no Sul do Burkina Faso, tendo como centro geográfico e político a cidade de Korhogo. A sua fixação original não foi aqui, mas, segundo se diz, no Sul

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do Mali, donde se deslocaram para o atual território. A sua origem remonta a um povo subjugado.

O seu verdadeiro nome, segundo alguns historiadores, seria Sienefo, ou seja, habitante da região de Siene, no Sul do Mali, donde teriam sido expulsos pelos pastores peul. Outros, porém, dizem que uma parte da população senau foi reduzida à escravidão por um general enviado a Kaarta, no tempo do imperador Sundiata, do Mali (séc. XIII), e o seu nome significaria exactamente «os que falam a língua das gentes de Sena».

São muito bons agricultores; cultivam milho e sorgo, cereais básicos da savana africana. Trabalham com a maior enxada da África, a daba, com que conseguem remover de uma só vez entre 10 e 15 quilos de terra.

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Os seus campos, sempre bem tratados, ficam junto das aldeias de cabanas circulares com tecto cónico. Chama muito a atenção os esbeltos celeiros, que, em número variável, se erguem junto das casas, formando com elas um conjunto cheio de contrastes e harmonia. Os povoados são construídos junto do bosque sagrado, onde se realizam os ritos de iniciação.

Tradicionalmente, cada povoado desenvolvia uma atividade especial. Assim, temos aldeias de ferreiros, de tecelões, de pintores, etc. Este sistema de “confrarias de artesãos” tornava o trabalho uma espécie de monopólio, que impedia a entrada de outros sistemas económicos.

Segundo os Senufo, o mundo era, no princípio, amorfo, sem qualquer tipo de ordem ou lei. Kulotyolo, o criador, quis introduzir a ordem e criar uma espécie de viveiro, onde todos os fenómenos naturais obedecessem a determinadas leis, mas, a certa altura, cansou-se da sua obra, afastou-se e deixou a criação incompleta. Para lutar contra o caos, aperfeiçoar a criação e regenerar o homem, tornando-o sociável, serviu-se da comunidade de iniciação Poro.

Antes, porém, de desaparecer, Kulotyolo deixou uma centelha do seu poder organizador em cada aldeia, encarnada no espírito de Kaatyeleo ou Velha Mãe da Aldeia. Ela transforma-se na divindade de cada povoado e presta-se-lhe culto, implorando a sua proteção para as colheitas e o esconjuro dos espíritos maus.

A iniciação começa numa noite sem lua, em que sopre o harmatão, vento frio e seco do deserto. Os neófitos ficam nus à entrada do bosque para serem chamados, um a um,

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misteriosamente: entram na escuridão total enfrentando, por vezes, provas físicas e, por vezes, seguindo um itinerário complicado até o recinto que simboliza o ventre da «Mãe». São acolhidos pelos anciãos e dá-se-lhes um nome secreto.

Ao sair do bosque é um ser «renascido», que terá de receber uma formação adequada. Esta será dada pela comunidade Poro em três ciclos de sete anos; cada uma destas etapas é integrada com festas, danças e outros tipos de diversão, em que as máscaras e estátuas desempenham um importante papel. As pequenas estatuetas, quase infantis, representam os antepassados, a quem se presta um culto especial.

As máscaras de animais são extravagantes e assustadoras, simbolizando o nascimento do Homem, que, tendo costumes licenciosos, passou a ordenar a sua vida por mandato divino. As que representam figuras humanas usam-se nas danças que se executam quando os neófitos saem do bosque sagrado; com isso se pretende confirmar o passo dado numa nova vida.

Uma das curiosidades a respeito do Povo Senufo é a afirmação do escritor (Alberto da Costa e Silva) que, a partir do estudo dos passos de uma dança da costa do Marfim e dos instrumentos musicais empregados, sugere que o frevo pernambucano tenha origem nessa dança do povo Senufo. A dança da pantera é uma dessas, é a coroação do rito de iniciação dos jovens Senufos. É uma dança vibrante ao ritmo endiabrado dos koras cheias de gesticulações acrobáticas.

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30. O Povo Tuaregue

Os tuaregues (do árabe: الطوارق ; endônimo: Imuhagh) são um povo berbere constituído por pastores semi-nômades, agricultores e comerciantes. No passado, controlavam a rota das caravanas no deserto do Sahara. Majoritariamente muçulmanos, são os principais habitantes da região sahariana do norte da África, distribuindo-se pelo sul da Argélia, norte do Mali, Níger, sudoeste da Líbia, Chade e, em menor número, em Burkina Faso e leste da Nigéria. Podem ser encontrados, todavia, em praticamente todas as partes do deserto. Falam línguas berberes e preservaram uma escrita peculiar, o tifinagh. Estima-se que existam entre 1 e 1,5 milhões nos vários países que partilham aquele deserto.

Este Povo é aparentado com os bérberes, mas com grande mestiçagem com negros sudaneses. Caracterizam-se por possuir uma elevada estatura, pele morena e olhos escuros. O apelido de ‘homens azuis’ é devido à cor índigo do véu que lhes cobre a cabeça e o rosto, e lhes impregna essa tonalidade na face. Os 1,5 milhões de Tuaregs falam vários dialetos, mas mutuamente compreensíveis; vivem na sua maioria em Mali, Burkina Faso, Chad, Argélia e Líbia.

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O território que historicamente tem sido o habitat tradicional dos tuareg, o Azawad, compreende amplas extensões no sul da Argélia e a Líbia, oeste de Níger, norte de Burkina Fasso e este de Mali. A história dos tuareg só é conhecida pelos textos de antigos cronistas árabes que os localizaram originalmente no norte da África. Depois se foram deslocado paulatinamente para o deserto do Saara.

No século XV se converteram à fé muçulmana, embora ainda mantenham numerosas crenças animistas e tenham desenvolvido uma cultura nômade baseada no pastoreio e no comércio, mas nunca têm cristalizado em forma de entidade política centralizada.

Até o século XIX, os tuareg não conheciam as fronteiras nacionais e desenvolviam sua atividade de criação de gado e comercial livremente na imensa região de 1,5 milhões de km quadrados. Comerciantes e criadores de gado peregrinos, os ‘homens do véu’ eram os únicos capazes de surcar o deserto unindo os mercados do Sahel africano com as cidades árabes do Mediterrâneo.

A língua tamaxeque - mais do que a linhagem genética - é o principal elo comum entre os vários grupos e o que os caracteriza como povo. Provavelmente têm parentesco com egipcios e marroquinos, com quem compartilham traços culturais e a religião muçulmana. Mas não são árabes - são bérberes e usam o alfabeto tifinagh. Originalmente habitavam a costa mediterrânea da África, quando povos asiáticos europoides antigos domesticaram os camelos, o que possibilitou a travessia do deserto.

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Assim, começaram a se expandir para o sul, onde formaram vários impérios e civilizações, a ponto de, mesmo no lago Chade, em sua parte sul, no norte dos Camarões e Nigéria, o sangue tipo A, tido como marcador caucasoide, ser bastante comum até os dias atuais. No decorrer da Idade Média, quando sua grandeza chegou ao ápice, eles começaram a se miscigenar com escravas nativas do sul, diferenciando-se fisicamente dos seus parentes do norte, que não se expandiram tanto pelas antigas rotas transaarianas de escravos.

Usam a linhagem materna embora não sejam matriarcais. São os homens que não dispensam um véu azul índigo característico, o Tagelmust, que usam mesmo entre os familiares. Dizem que os protege dos maus espíritos, e tem a função prática de proteger contra a inclemência do sol do deserto e das rajadas de areia durante suas viagens em caravana. Usam como um turbante que cobre também todo o rosto, exceto os olhos. As comunidades de tuaregues têm por norma oferecer chá de menta aos grupos de turistas.

Sob uma distinta hierarquização formada por castas que descendem da tradicional rainha guerreira Tin-Hinan e seu companheiro Takama. A casta nobre, Imajeren, são os guerreiros. Portam a tradicional espada Takoba, cujo formato lembra muito as espadas medievais das cruzadas. Há pequenas distinções no formato e detalhes entre as espadas de acordo com a região de origem ou dos artesãos-ferreiros que as fazem. A lâmina larga de dois gumes tem um friso longitudinal e o punho é guarnecido por uma peça retangular, que lembra uma cruz.

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A religião fica a cargo dos Ineselmen, que significa os Muçulmanos, cuidando da observação das leis do Corão. Desde o século XVI os Tuaregs têm sido Muçulmanos. Exercem sem muito rigor, devido, principalmente pelo nomadismo, que os impossibilita de algumas obrigações, como a do Ramadã. Combinam a tradição Sunita (Maliki madhhab) com algumas crenças pré-islâmicas animísticas, como a presença dos espíritos Kel Asuf e a divinização do Qur'an.

Os "Homens Livres" (Imrad) são a maioria e se dizem descendentes de Takama. Imrad significa "povo das cabras". Podem ter sido Berberes, que viviam nas regiões de Ajjer, Ahaggar e Adrar-n-Iforas, que, dominados pelos Imunan quando sua própria nobreza, Uraren, se rebelou contra os Imunan.

Os escravos, chamados de Iklan, são compostos por descendentes dos antigos cativos. Desde a dominação francesa em finais do século XIX não é permitida a escravidão. Mesmo assim eles permanecem em quantidade considerável e têm as suas subcastas.

Antes de se tornarem pacíficos como são atualmente, os Tuaregues cobravam pedágios altíssimos dos outros viajantes, assaltando e massacrando os que deixavam de pagar. Em 1946, com a chegada de novos governos, eles entraram em guerra por sua liberdade. Houve uma perda de aproximadamente quarenta mil Tuaregues, incluindo mulheres e crianças. Agora dedicam-se principalmente à música, ao artesanato e ao pastoreio de animais como os dromedários.

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As mulheres tuareg são muito liberadas. De forte tradição matriarcal, a sociedade é monógama e outorga às mulheres o direito sobre questões amorosas e de levar as rédeas do lar. A diferença dos homens, a mulher tem o rosto descoberto e atrasa o casamento tudo o que possa para manter sua independência.

Acompanham as caravanas, se encarregam da educação dos filhos e são depositárias e transmissoras das tradições, a cultura e o alfabeto tuareg, o titinah, que não possui expressão literária. A roupa dos homens consiste numa grande túnica (jehab), de cor geralmente branca e calças amplas que se sujeitam com um cinturão de couro repuxado.

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O turbante ou lithan é uma peça de tela de quatro metros que se enrola na cabeça e cobre a cara, deixando só os olhos à vista. O embuço serve para manter a umidade no deserto. O estilo de vida nômade permite acumular poucos objetos e exige que estes sejam úteis e ligeiros. O artesanato tuareg é, por conseguinte, pobre e pouco elaborado. A maioria das peças é de couro tingido e cortado em tiras, com o que as mulheres fabricam e enfeitam cinturões, bolsas, látigos e montarias.

Cada tenda, que constitui seu lar, está construída com umas 20 ou 30 peles de cabra ou ovelha tingidas com barro e sujeitas com paus de madeira enfeitados com motivos geométricos. O Festival de Bianou, que se celebra na antiga cidade tuareg de Agades, em Níger, é um dos mais importantes da África muçulmana. O ato principal da festividade é a dança de homens vestidos de guerreiros levando seus fuzis em alto, que lembra as guerras islâmicas.

Os Tuaregs são muçulmanos sunitas, embora tenham a reputação de serem indiferentes e tranqüilos. Esta descrição não representa realmente o que sejam. De fato, por causa da sua natural audácia, eles têm sido um solo fértil para o recrutamento da Al Qaeda. As suas práticas do islamismo são também permeadas de feitiçaria, superstições locais e outras crenças animistas. Grandes grupos de médicos feiticeiros islâmicos, chamados Marabouts, viajam com os Tuaregs.

Anteriormente foram líderes e imperadores, hoje em dia os Tuaregs têm sido grandemente marginalizados e empobrecidos pela desertificação. Tal como ocorre desde faz séculos, as caravanas de tuareg continuam a viajar entre cidades do deserto

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como Agades ou Blida para comprar sal e outros produtos que depois trocam em outras regiões. Mas, sem dúvida alguma, o progresso os tem afetado. A introdução de modernos caminhões no deserto tem relegado de certa maneira o tráfico das caravanas de camelos.

31. O Povo Tútsi

Os tutsis habitam em Ruanda e Burundi e historicamente são estrangeiros nessas terras. Esse povo é considerado de origem hebraica segundo a tradição oral em Burundi do clã Zagwei e de outros clãs. Conforme a oralidade dos tutsis, eles vieram de um reino hebreu na antiga região de Kush, destruído no ano 1.270; e migraram para diversas regiões africanas incluindo o que conhecemos atualmente por Burundi, Ruanda, partes da Uganda, Tanzânia e Congo.

Reconstruíram o Império de Kush do Sul de 1.270 a 1.527, segundo a lei mosaica, perdendo a tradição escrita da Torá neste período migratório e de adaptação nas novas regiões e dominaram as populações hutus e twa.

A tradição oral localiza geograficamente os ancestrais oriundos de uma área em torno da Etiópia, como o Reino de Kush, no momento em que um reino hebreu englobava também hoje o Sudão. Quando os reis hebreus de Kush foram substituídos primeiramente por governantes cristãos e, em seguida, governantes muçulmanos, vários clãs migraram para região dos Grandes Lagos Africanos.

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Com a chegada dos invasores europeus e a cristianização, houve uma resistência para a manutenção das leis mosaicas sendo quase totalmente destruídas com a chegada das tropas alemãs e posteriormente belgas. Importante ressaltar que na Torá, alemão significa askenazi. Os hutus se converteram a fé cristã e as terras dos tutsis foram tomadas e entregues aos hutus, acirrando o conflito entre esses dois povos.

Palanca Preta Gigante - Angola

Após a derrota da Alemanha na primeira guerra mundial a Bélgica se apropriou de Ruanda, Burundi e do oeste do Congo e criou uma política religiosa de destruição da fé e prática hebraica entre os Tutsis, destronando o rei hebreu de Ruanda e proibindo em 1.917 o grande festival anual dos ritos do

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Sukkoth (Festa dos Tabernáculos) que duravam oito dias, celebrando as primeiras colheitas ou os primeiros frutos

Quando os belgas dominaram a região realizaram genocídios na população do Congo e acirraram a divisão dos hutus e tutsis e twas em Ruanda. Sobre o genocídio realizado pelos belgas no Congo, foram imolados até as crianças, que eram acusadas de bruxaria.

O rei belga Leopoldo II transformou o Congo no quintal de sua casa. O que ele fez no Congo foi explorar e auferir imensos lucros a sua filantropia foi baseada no genocídio de 10 milhões de africanos.

32. O Povo Zulu

O Povo Zulu é o maior grupo étnico da África do Sul com uma estimativa de dez milhões de pessoas. A razão pela qual o Povo Zulu é tão grande é provavelmente atribuível a Shaka Zulu, o líder zulu do século XIX, que uniu o povo Nguni Norte no reino Zulu e utilizou inovadoras táticas militares para dominar os povos vizinhos.

Os Zulus tornaram-se uma grande potência militar e foi o único Povo que venceu batalhas contra os ingleses. No entanto, o Povo Zulu sofreu com o apartheid e foi discriminado. A língua do Povo Zulu é uma língua Bantu. Os ancestrais do povo Zulu moderno eram os Nguni, as pessoas que falam Bantu e que se pensa tenham chegado na África do Sul desde o norte cerca de mil anos atrás. O Povo Zulu tem muitas cerimônias e festas

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durante o qual a tradicional cerveja Zulu é consumida. A cerveja tradicional do Povo Zulu não é utilizada apenas para ocasiões especiais, mas também é um alimento básico com valor nutricional importante.

As roupas para meninas Zulu são normalmente muito diferentes das que as mulheres mais velhas vestem. Elas vestem um isicholo, que é uma roupa que cobre todo o corpo. Em contraste, as meninas Zulus usam muitas contas, só que geralmente são muito reveladoras. Esferas diferentes têm significados diferentes e são simbólicos.

Algumas pérolas simbolizam o amor, enquanto outras dão avisos. Um jovem pode dar uma prenda de contas a uma menina Zulu quando a corteja. Se a menina Zulu aceita o homem como seu marido, ele normalmente vai pagar um dote de onze vacas. Como é comum em muitas tribos da África do Sul, as meninas do Povo Zulu e as mulheres têm um lugar especial na sociedade tribal e frequentemente ocupam posições espirituais como adivinhas e ervanárias.

A religão do Povo Zulu religião tradicional acreditava em espíritos ancestrais e mais recentemente os Zulus cristãos incorporaram costumes tradicionais em uma única forma de cristianismo. A economia Zulu é baseada tanto na pecuária e na agricultura e meninas Zulus desempenham um papel importante em ambos. O costume zulu de diferentes pessoas comendo no mesmo prato é um sinal de amizade e de conformidade com o costume zulu da partilha e da reciprocidade.Griot

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Chama-se griot (pronúncia: “griô”) ou ainda jeli (ou djéli) um personagem importante na estrutura social da maioria dos países da África Ocidental, cuja função primordial é a de informar, educar e entreter. É uma figura semelhante ao repentista no Brasil, ou o bardo da idade média, com a diferença de que constituem uma casta (costumam casar-se somente com outros griots ou griottes, seu equivalente feminino), assumindo uma posição social de destaque em seu meio, pois este é considerado mais que um simples artista. O griot é antes de tudo o guardião da tradição oral de seu povo, um especialista em genealogia e na história de seu povo.

Acredita-se que o termo griot tenha surgido da palavra “criado”, em português, idioma que desde o século XV influenciou boa parte da região onde se encontram tais cantadores. O griotismo, ou seja, a atividade de griot está presente entre os povos mande, fula, hausa, songhai, wolof entre outros (tais povos estão espalhados entre vários países da África, desde a Mauritânia mais ao norte até a Guiné ou o Níger mais ao sul). Por isso mesmo, o griot tem como profissão coletar e memorizar versos de antigas canções e épicos orais que são transmitidos geração após geração, século após século, e deve fazê-lo sem cometer nenhum erro ao cantá-los. Deve ainda estar atento aos acontecimentos, funcionando como um jornalista.

Também podem usar seu conhecimento vocal para a sátira, fofoca, ou comentário político. Como exemplo mais famoso do repertório dos griots temos o Épico de Sundiata, que narra a história de Sundiata Keita, o fundador do Império Mali por volta de 1.230.

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Cataratas Victória

Os instrumentos utilizados por estes trovadores africanos para acompanhar seu canto são variados e vão desde a harpa africana, a “kora” ou o balafone (semelhante ao xilofone) até as diversas guitarras africanas, como o akonting (tido para muitos estudiosos como o ancestral do banjo moderno), o ngoni, bappe, diassaré, duru, gambaré, garaya, gumbale, gurumi, hoddu, keleli, koubour, molo, n’déré, taherdent, tidnit, xalam e guembri.

Além de todo o valor cultural que tais personagens possuem no contexto social africano, sua música é de certo modo a base para boa parte da música negra que se desenvolveu na América

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do Norte, em especial o blues. Muitos músicos modernos de Mali, Guiné e Níger, influenciados pelas linhas musicais dos griot e ao mesmo tempo pelas novidades do estrangeiro, acabaram por adotar a guitarra elétrica, aproximando-se ainda mais do som do blues. Os primeiros artistas griots começaram a gravar no início dos anos 1.950 do século XX, em discos de 78 rotações, como a griotte Koni Coumaré, que se acredita tenha sido a primeira artista malinesa a gravar música em um disco fonográfico.

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2.4. EGITO, NÚBIA E ETIÓPIA

O Antigo Egito

O Antigo Egito foi uma civilização da antiguidade oriental do Norte de África, concentrada ao longo ao curso inferior do rio Nilo, no que é hoje o país moderno do Egito. Era parte de um complexo de civilizações, as "Civilizações do Vale do Nilo", do qual também faziam parte as regiões ao sul do Egito, atualmente no Sudão, Eritreia, Etiópia e Somália. Tinha como fronteira a norte o Mar Mediterrâneo, a oeste o Deserto da Líbia, a leste o Deserto Oriental Africano e a sul a primeira catarata do Nilo.

O Antigo Egito foi umas das primeiras grandes civilizações da Antiguidade e manteve durante a sua existência uma continuidade nas suas formas políticas, artísticas, literárias e religiosas, explicáveis em parte devido aos condicionalismos geográficos, embora as influências culturais e contactos com o estrangeiro tenham sido também uma realidade.

O Egito foi o desaguadouro natural da cultura africana mais antiga, e sua importância histórica está na capacidade que teve, como civilização, aproveitar o conhecimento ja existente, aperfeiçoá-lo, desenvolvê-lo e dar-lhe uma característica própria e apropriada à sequência daquelas culturas e civilizações mais antigas.

Posteriormente, o conhecimento acumulado no Egito foi transferido para os gregos e estes o lapidou e assumiram como suas as bases religiosas, sociais e científicas, oriundas dos

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povos africanos. Sua deusa suprema, Ísis, era negra. Era uma divindade da vizinha Etiópia, onde se registram os primeiros vestígios da vida humana.

Na formação da civilização grega que deu origem a filosofia, as cultutras africanas deram grande contributo para sua formação. “...os textos disponíveis sobre o antigo Egito permitem afirmar a existência de uma autêntica filosofia que floresceu nas margens do Nilo”. Deste modo o Egito abriu caminhos para surgimento da filosofia, os antigos gregos roubaram (“Legado Roubado”, 1.945 de George G. M. James) suas principais realizações culturais dos egípcios negros, a filosofia grega e as religiões misteriosas da Grécia e de Roma foram roubadas do Egito. Pois, para George James, os gregos antigos não tinham a habilidade inata para desenvolver a filosofia.

O que a Grécia explorou mais do Egito foi o campo de ideias, particularmente o das ideias filosóficas. Começa-se, por exemplo, pelos nomes dos deuses gregos que foram emprestados do Egito, seguindo-se também os conceitos, as conexões entre os conceitos e até o ambiente.

É chegado o tempo de colocar as ideias africanas no centro de qualquer análise que envolve a cultura e o comportamento africano, (afrocentrismo). A filosofia africana apresenta caracteristicas bem explícitas e analíticas, desde modo é erroneo considera-la como pré-lógica, sem fundamento ou sem referências, no agir ou na ação do africano existe bem patente o aspecto da filosofia. Devemos validar a oralidade, pois este marco é muito relevante na filosofia africana, vez que existe grande conhecimento no da filosofia helenica, que fora passado através da oralidade (Sócrates > Platão).

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A civilização egípcia se aglutinou em torno de -3.150 com a unificação política do Alto e Baixo Egito, sob o primeiro faraó (Narmer), e se desenvolveu ao longo dos três milênios seguintes. Sua história desenvolveu-se ao longo de três grandes reinos marcados pela estabilidade política, prosperidade económica e florescimento artístico, separados por períodos de relativa instabilidade conhecidos como Períodos Intermediários.

O Antigo Egito atingiu o seu auge durante o Império Novo (-1.550/-1.070), uma era cosmopolita durante a qual o Egito dominou, graças às campanhas militares do faraó Tutmés III, uma área que se estendia desde a Núbia, entre a quarta e quinta cataratas do rio Nilo, até ao rio Eufrates, tendo após esta fase entrado em um período de lento declínio. O Egito foi conquistado por uma sucessão de potências estrangeiras neste período final. O governo dos faraós terminou oficialmente em -31 quando o Egito caiu sob o domínio do Império Romano e se tornou uma província romana, após a derrota da rainha Cleópatra VII na Batalha de Ácio.

O sucesso da antiga civilização egípcia foi causado em parte por sua capacidade de se adaptar às condições do Vale do Nilo. A inundação previsível e a irrigação controlada do vale fértil produziam colheitas excedentárias, o que alimentou o desenvolvimento social e cultural. Com recursos de sobra, o governo patrocinou a exploração mineral do vale e nas regiões do deserto ao redor, o desenvolvimento inicial de um sistema de escrita independente, a organização de construções coletivas e projetos de agricultura, o comércio com regiões vizinhas, e campanhas militares para derrotar os inimigos estrangeiros e

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afirmar o domínio egípcio. A função dos escribas era também de motivar, e organizar estas atividades, dos líderes religiosos, e dos administradores, sob o controle de um faraó que garantiu a cooperação e a unidade do povo egípcio, no âmbito de um elaborado sistema de crenças religiosas.

As muitas realizações dos antigos egípcios incluem o desenvolvimento de técnicas de extração mineira, topografia e construção que permitiram a edificação de monumentais pirâmides, templos e obeliscos; um sistema de matemática, um sistema prático e eficaz de medicina, sistemas de irrigação e técnicas de produção agrícola, os primeiros navios conhecidos, faiança e tecnologia com vidro, novas formas de literatura e o mais antigo tratado de paz conhecido, o chamado Tratado de Kadesh.

O Egito deixou um legado duradouro. Sua arte e arquitetura foram amplamente copiadas e suas antiguidades levadas para os mais diversos cantos do mundo. Suas ruínas monumentais inspiraram a imaginação dos viajantes e escritores ao longo de séculos. O fascínio por antiguidades e escavações no início do período moderno levou à investigação científica da civilização egípcia e a uma maior valorização do seu legado cultural.

Na civilização egípcia faraônica do período histórico, podem-se distinguir duas correntes principais, sendo a primeira constituída pelo legado material do Neolítico e do Pré-Dinástica, e a segunda, também oriunda do passado remoto, pelo legado cultural, mais abstrato. Ambas se interrelacionam, constituindo o fenômeno cultural egípcio. O legado material compreende o artesanato e as ciências (geometria, astronomia, química), a matemática aplicada, a

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medicina, a cirurgia e as produções artísticas; o cultural abrange a religião, a literatura e as teorias filosóficas. 

Paisagem Cultural Botânica de Richtersveld

Quatro mulheres se tornaram faraós: curiosamente, as duas primeiras (Nitocris e Sebeknefru) assinalam o fim de uma dinastia, e as outras duas (Hatshepsut e Tauosre) passaram a posteridade como usurpadoras. Eram pródigas as honras demonstradas a mãe, esposas e filhas do rei. Algumas princesas do Médio Império e principalmente, em tempos posteriores,

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Teye, primeira esposa de Amenofis III, e Nefertari, primeira esposa de Ramsés II, receberam honras excepcionais.

Ahhotep, durante o governo de Amasis e Ahmes-Nefertari, durante o governo de Amenofis I, parecem ter exercido uma influencia determinante em questões políticas ou religiosas. A atribuição da função ritual de “divina esposa de Amon” as princesas ou rainhas mostram o papel indispensável da feminidade e da mulher no culto do deus cósmico. Contudo, não existe prova positiva de um regime matriarcal no conceito egípcio de realeza e, em particular, não está absolutamente demonstrada a teoria de que na época amosida o direito dinástico era normalmente transmitido através da mulher.

Os historiadores gregos Heródoto e Estrabão concordam em que a geometria foi inventada pelos egípcios. A necessidade de calcular uma superfície de terra retirada ou acrescentada a cada ano pelas enchentes do Nilo aparentemente os levou a essa descoberta. Com efeito, tal como a matemática, a geometria egípcia era empírica. Os tratados antigos visavam, antes de tudo, fornecer ao escriba uma fórmula que o habilitasse a calcular rapidamente a área de um campo, o volume de grãos de um silo ou o numero de tijolos necessários a construção de um edifício.

O escriba nunca aplicava um raciocínio abstrato para resolver determinado problema, fornecendo apenas meios práticos de chegar a solução, ou seja, números concretos. Entretanto os egípcios conheciam com perfeição o método de calcular a área de um triangulo ou de um circulo, o volume de um cilindro, de uma pirâmide ou de uma pirâmide truncada e, provavelmente,

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de um hemisfério. Seu maior feito foi o calculo da superfície do circulo.

Procediam pela redução do diâmetro em 1/9 e elevavam o resultado ao quadrado, o que equivalia a atribuir o valor de 3,1605 a π, muito mais exato que o valor 3 dado a π por outros povos da Antiguidade. O conhecimento da geometria encontrou considerável aplicação pratica na agrimensura, que desempenhava um papel significativo no Egito. Muitos são os túmulos decorados com representações que mostram agrimensores aplicados em conferir se os sinais demarcadores dos campos não foram deslocados, medindo com uma corda de nós, precursora da cadeia de agrimensura, a superfície do campo cultivado.

O urbanismo também não é invenção do gênio grego. Já em -1.895, no reinado de Sesostris II, a cidade de Kahun foi construida no interior de um amuralhado retangular. Dispunha de edificios administrativos e residenciais.

As casas destinadas aos trabalhadores, das quais aproximadamente 250 foram reveladas pelas escavações, eram construidas em blocos ao longo de ruas de 4 metros de largura, que corriam em direção à uma artéria central de 8 metros de largura. Cada casa ocupava uma área de terreno de 100 a 125 m2 e continha uma dúzia de aposentos em um só nível. As grandes fortalezas da Núbia seguiram esse mesmo modelo de construção.

O mesmo planejamento urbano foi adotado no Novo Império, notadamente em Tell el-Amarna, onde as ruas se cruzavam em

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ângulos retos, embora a própria cidade não apresentasse o mesmo rigor geométrico de Kahun.

Lutadores, dançarinas, mágicos, oradores e músicos negros testemunham não só a fixação de cenas da vida real pelos escultores, como também o gosto do público por essas representações. Algumas cabeças e retratos de negros, de grande beleza, provam que personalidades de alta posição na escala social provenientes da Africa negra viveram na Alexandria ptolomaica ou por ela passaram. O interesse dos

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lágidas pelo grande oásis pré-saariano, via de acesso ao mundo africano negro, talvez pudesse explicar, em parte, a atenção que os alexandrinos dedicaram aos negros.

A grande prosperidade de Meroe, particularmente durante os reinados de Ergamenes e de seus sucessores, deriva essencialmente das relações amigáveis com o Egito. Descobriram-se até agora poucos vestígios da influência helenística nos templos e nas pirâmides de Meroe. O templo construido por Ergamenes em Dakka, na Baixa Núbia, é de concepção puramente egipcia. Quando Ergamenes morreu, sua múmia foi encerrada no interior de uma pirâmide próxima de Meroe, decorada com cenas extraidas do Livro dos Mortos. Azekranon (Ezekher-Amon), seu sucessor, mandou construir um templo em estilo egipcio nas proximidades de Debod, não longe de Filas.

A vida do povo de Meroe era muito semelhante a dos egípcios. Nossos conhecimentos sobre a vida e a sociedade daquela época baseiam-se unicamente no estudo de achados arqueológicos, já que a escrita meroita ainda não foi decifrada e não dispomos de uma fonte de informações sobre a vida cotidiana tão rica quanto as pinturas tumulares do antigo Egito.

Como no Egito, o rei era considerado divino, as rainhas desempenhavam papel importante na vida do país e, por vezes, governavam.

Juntamente com a Constituição, o sistema administrativo como um todo sofreu transformações. No momento em que Alexandria recobrava o Senado, uma reforma geral alterou o status das cidades. As metrópoles transformaram-se em cidades

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(poleis) e assumiram diretamente a administração de suas províncias. Cada senador devia prestar serviço por um determinado período na administração e a custear, em parte.

Alguns papiros referentes ao período de decadência do Antigo Egito registram relatos completos de reuniões dos altos colégios em que os prytanes (senadores) decidiam quem deveria ocupar os cargos públicos. Alguns candidatos qualificados procuravam evitá-los. Com efeito, essas honras começaram a se tornar insustentáveis numa economia que se encontrava sob frequentes revoltas dos criadores de gado e pela consequente ruina do sistema, que, assim, perdeu grande parte de seu antigo esplendor.

O Egito não era mais o celeiro do Império. Desse papel se incumbiu a África (o atual Magreb) já a partir do final do seculo II; isso só poderia significar que o Egito se havia exaurido. Iniciou-se um movimento que aos poucos foi tomando vulto e se tornou perigoso: a fuga (anachoresis) dos agricultores do campo para o deserto, por não terem mais condições de pagar os impostos exigidos pelo Estado.

Em meados do seculo III irrompeu uma serie de acontecimentos altamente dramáticos. Um prefeito do Egito, Marco Julio Emiliano, proclamou-se imperador em 262 e após reinar uns poucos meses foi violentamente derrotado por Galiano; pela mesma época, povos estrangeiros atravessaram as fronteiras, fizeram incursões pelo país e chegaram a ocupar o território. Durante algum tempo as cargos publicos passaram a ser confiados a membros do Senado (boule).

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O imperador romano copiou dos Ptolomeus o modelo de administração do Egito, concebido como uma espécie de vasta propriedade privada em que a receita era globalmente administrada pela coroa. Em pouco tempo essa exploração converteu-se no ponto de partida de toda a politica preconizada por Augusto para o Egito, tendo persistido, apesar de seu sucessor censurar o prefeito pela excessiva taxação – lembrando-lhe que a ovelha devia ser tosquiada, mas não esfolada. Por intermédio da arte helenistica do Egito, a figura do negro penetrou mais do que nunca no mundo mediterrânico.

A Núbia

A partir de -7.000 e, sobretudo, durante os períodos úmidos do fim do Neolitico, a Núbia parece ter sido palco de uma cultura material comum a todo o seu território, desde os limites das montanhas etíopes até a região de el-Kab e, ainda mais ao norte, até o Médio Egito. Apenas por volta de -3.000 é que se pode perceber uma clara diferença entre a civilização do baixo vale do Nilo, egípcio, e o alto vale, núbio. Até essa época, práticas funerárias, cerâmica, instrumentos de pedra e posteriormente de metal, muito semelhantes, se não identicos, são encontrados desde Cartum, no sul, até Matuar, perto de Assiut, no norte. Tais objetos testemunham um forte parentesco entre as várias regiões no tocante, tanto a organizacao social, crenças religiosas e rituais funerários, quanto ao modo de vida, em que a caça, a pesca e a criação de animais estavam associadas a uma forma de agricultura ainda rudimentar.

A escrita surge no Egito por volta de -3.200, enquanto a Núbia ao sul da Primeira Catarata continua ligada aos seus próprios sistemas sociais e à sua cultura oral. Em tomo de -2.800 o uso

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da escrita já se havia generalizado no Egito, provavelmente em consequência da necessidade de uma organização política altamente centralizada, contribuindo para o desenvolvimento da irrigação e, portanto, de uma agricultura comunitária, que viria substituir a caça, a pesca e a criação de gado. Isso tornaria mais e mais acentuadas as diferenças entre as civilizações da Grande Nubia e do Egito.

Desfiladeiro de Kamianets

No sul, as populações da Núbia, com sua cultura oral, caracterizavam-se por uma organização social e política fragmentada em pequenas unidades que não sentiam necessidade de adotar a escrita, cuja existência, contudo, não deviam ignorar, pois ainda mantinham contatos, não raro violentos, com o mundo faraônico. Impelido pelas exigências da irrigação, o Egito, por sua vez, desenvolveu gradualmente

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um tipo de organização monárquica altamente centralizada, visto que uma autoridade central forte era o único meio de compelir a população, quando necessário, a executar os serviços coletivos indispensáveis para tornar cultivável todo o baixo vale do Nilo: construção e manutenção de diques paralelos ao rio, nivelamento das “bacias”, abertura de canais e construção de barragens que permitissem distribuir da melhor maneira possível a água das cheias, sempre variáveis.

Era natural, portanto, que duas sociedades tão distintas nascessem e coexistissem no vale do Nilo: uma, na Núbia, pastoril e talvez ainda seminômade, embora nao destituída de habilidades agrícolas, e outra essencialmente agricola, voltada para o cultivo intensivo da terra e politicamente centralizada. Estas duas civilizações especializadas, semelhantes e autônomas até cerca de -3.000 vieram, com o tempo, a se complementar economicamente, o que facilitou os intercâmbios mútuos.

Em todo caso, os contatos entre o Egito e a África central devem remontar a muito tempo, visto que a palavra deneg (pigmeu) aparece nos textos das pirâmides. Não há consenso quanto à data em que esses textos foram escritos, mas mesmo se aceitarmos a estimativa mais conservadora, eles nao poderiam ser posteriores à V dinastia; é bem possivel que sejam muito mais antigos.

Desse modo, na VI dinastia, o mais tardar, os egípcios sabiam da existência dos pigmeus, o que é confirmado por um texto da época no qual se relata que um deneg já tinha chegado ao Egito nos tempos do faraó Isesi, o penúltimo rei da V dinastia. O pigmeu fora encontrado na terra de Punt; isto sugere que sua

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pátria devia ficar bem ao sul da Núbia, uma vez que Punt provavelmente se situava na costa da Eritréia ou da Somália. Tambem aqui o “anão dançarino” parece ter sido entregue aos egipcios por terceiros. Nos dois casos, a provável presenca dos pigmeus no Egito implica a existência de contatos entre o baixo vale do Nilo e a África subequatorial.

A primeira estela do rei Kames explica como seus domínios se situavam entre um reino no Baixo Egito e outro em Kush. A mesma estela declara que os cortesãos estavam satisfeitos com a situação na fronteira meridional do Egito, uma vez que Elefantina estava firmemente controlada. Mas uma passagem da segunda estela mostra que Kames moveu uma guerra contra os núbios antes de atacar os hicsos.

A crer na afirmação dos cortesãos, segundo a qual a fronteira de Elefantina era bem guardada e segura, é provável que Kames tenha realizado apenas uma expedição punitiva contra os núbios, o que explicaria a existência dos nomes reais de Kames perto de Toshka, na Baixa Núbia.

O contato entre o reino africano de Kush e o Egito parece ter sido particularmente estreito durante a dominacao dos hicsos (-1.650 a -1.580). Ao longo de todo o Corredor Núbio encontraram-se escaravelhos e selos ostentando os nomes dos reis asiáticos que então governavam o Egito. Há tantos objetos desse tipo na própria Kerma que já se chegou a pensar que os hicsos, após conquistarem o Alto Egito, tivessem submetido também a Núbia. Sabe-se hoje que tal não ocorreu; contudo, os africanos do médio Nilo tinham vinculos tão intimos com os asiaticos do Delta que, quando os faraos tebanos da XVII dinastia se envolveram na reconquista do Medio e do Baixo

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Egito, o rei dos hicsos ofereceu auxilio aos aliados africanos e propos empreenderem juntos uma ação militar contra o inimigo comum, o faraó do Egito.

Seja como for, as relações entre o Alto Egito tebano e os cuxitas de Kerma foram a um tempo hostís e complementares. De -1.650 a -1.580, os tebanos a serviço do rei de Kush levaram sua habilidade técnica a Média Núbia. A presença de numerosos egípcios nas fortalezas da Baixa Núbia assegurava a Kush o contato com os soberanos hicsos do norte. Além disso, os últimos faraós da XVII dinastia empregaram mercenários medja tanto nas lutas internas de unificação do Alto Egito como na guerra contra os invasores hicsos.

Esses soldados africanos do deserto núbio eram da mesma etnia e de cultura praticamente idêntica a dos Nehesyu, povo sedentário estabelecido às margens do rio.

Os núbios praticavam a agricultura e o pastoreio às margens do Nilo, e desenvolveram uma sofisticada cerâmica. As riquezas da Núbia, como o ouro, o ébano, o marfim, atraíam a atenção dos egípcios, que desde a 1ª Dinastia já travavam guerras com os núbios pela disputa de suas mercadorias e produção.

Os conflitos entre o Egito e a Núbia ocorreram durante séculos, sendo a Núbia uma poderosa rival do Egito. Muitas muralhas foram construídas pelos egípcios na fronteira com a Núbia, o que prova que não só o Egito queria controlar as riquezas da Núbia, mas que os núbios também atacavam o território egípcio.

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Foi somente durante a 18ª Dinastia egípcia (-1.500) que a Núbia foi ocupada pelos egípcios, tornando-se um vice-reino. A partir de então a cultura núbia passou a sofrer forte influência egípcia: a escrita hieroglífica, os deuses e os costumes egípcios foram impostos à Núbia, ao mesmo tempo em que a cultura e a religião núbia influenciavam as do Egito.

A verdadeira ocupação da Núbia foi completada por Amosis, sucessor de Kames e fundador da XVIII dinastia egípcia. Nossa principal fonte de informações sobre suas atividades militares na Núbia, bem como sobre as de seus sucessores imediatos, é a autobiografia do almirante Ahmose, simples comandante de navio nascido em Ébana, inscrita sobre as paredes de seu tumulo em el-Kab, no Egito. Por ela ficamos sabendo que “Sua Majestade dirigiu-se a Khent Hennefer (localidade não-identificada na Núbia) para arrasar os núbios, após ter aniquilado os asiáticos”.

Amosis pôde reconstruir e ampliar a fortaleza de Buhen e ali erigir um templo. Pôde inclusive, avançar até à ilha de Sai, 190 km a montante de Buhen, pois alí se encontrou uma estátua sua e inscrições contendo seu nome e o de sua esposa. Entretanto, coube a Tutmosis I (-1.530 a -1.520) completar a conquista do Sudão setentrional, determinando assim o fim da independência do reino de Kush.

Ao chegar a Tumbus, no extremo sul da Terceira Catarata, Tutmosis I gravou aí sua grande inscrição. Em seguida, prosseguiu a marcha para o sul, ocupando efetivamente toda a extensão do rio entre Kerma e Kurgus, 80 km ao sul de Abu Hamad, onde deixou uma inscrição e provavelmente tenha construído um forte. Desse modo a Núbia foi totalmente

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Catarata do Nilo

conquistada pelo Egito, tendo início uma nova e brilhante era de sua história, cujas marcas permaneceram em sua vida cultural durante os períodos posteriores.

Após a morte de Ramsés I, seu filho Seti I (-1.318 a -1.298) ascendeu ao trono. Ele explorou as minas de ouro da Núbia para aumentar seu tesouro de modo a poder executar seus imensos projetos de construção. Para aumentar a produção das minas de ouro de Uadi el-Alaki, cavou um poço na estrada que vai de Kuban, na Baixa Núbia, para o sudeste, mas não encontrou água e por isso não conseguiu alcançar seu objetivo.

Na Alta Núbia, Seti I construiu uma cidade em Amara Oeste, a cerca de 180 km ao sul de Uadi Halfa. É provável que tenha

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sido ele tambem o construtor do grande templo de Amon em Djebel Barkal. São raras as evidências de atividades militares na Núbia durante o reinado de Seti I. Parece que nunca houve necessidade de expedições militares importantes, o que não exclui pequenas missões punitivas enviadas a Núbia por uma ou outra razão.

Seti foi sucedido por seu filho Ramsés II (-1.298 a -1.232). Dispomos de numerosas representações de atividades militares na Núbia durante o longo reinado desse faraó. Porém, como elas não fornecem datas nem nomes de lugares, são consideradas sem valor histórico. De um modo geral, a paz parece ter prevalecido na Núbia durante o tempo de Ramsés II, como se pode ver pelas intensas atividades de construção empreendidas por ele em toda a região.

No terceiro ano de seu reinado, encontramos Ramsés II em Menfis consultando seus altos funcionários sobre a possibilidade de abrir o país de Alaki para desenvolver as minas de ouro que seu pai infrutiferamente tentara explorar. O vice-rei de Kush, que estava presente, explicou as dificuldades inerentes a esse empreendimento e relatou as vãs tentativas de seu pai no sentido de fornecer água à rota a ser vencida. Contudo, o rei ordenou nova tentativa, esta bem-sucedida: encontrou-se água apenas doze côvados abaixo da profundidade atingida por seu pai, Seti I. Em Kuban, onde a estrada que leva às minas de Uadi el-Alaki deixa o vale do Nilo, ergueu-se uma estela comemorativa desse sucesso.

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Como foi dito, Ramsés II iniciou intensas atividades de construção na Núbia. Edificou templos em Beit-el-Wali, Gerf Ussein, Uadi es-Sebua, el-Derr, Abu Simbel e Akasha, na Baixa Núbia, bem como em Amara e Barkal, na Alta Núbia.

Em Amara, as escavações realizadas até agora mostraram que a cidade foi fundada por Seti I, embora o templo tenha sido obra de Ramsés II. Essa cidade foi habitada sem interrupção durante a XIX e a XX dinastia e acredita-se que tenha sido a residência do vice-rei de Kush.

O Egito importava da Núbia também ébano, marfim, incenso, óleos, gado, leopardos, ovos e plumas de avestruz, peles de pantera, girafas e enxota-moscas de rabo de girafa, galgos, babuinos e cereais. Pelo fim da XVIII dinastia, podem-se observar produtos manufaturados nas representações das mercadorias que a Núbia enviava ao Egito como tributo. No túmulo de Huy, vice-rei da Núbia durante o reinado de Tutancamon, verifica-se que o tributo do sul incluía escudos, tamboretes, camas e poltronas.

Por sua riqueza e também pela importancia de suas tropas, no fim do Novo Império a Núbia passou a desempenhar um papel significativo nas questões de política interna do próprio Egito. Desordem, fraqueza, corrupção e lutas pelo poder caracterizaram essa época no Egito. As facções em luta, percebendo a importância da Núbia para seus empreendimentos, esforçavam-se por obter o apoio da sua administração. O próprio rei Ramsés-Siptah, da XIX dinastia, foi a Núbia no primeiro ano de seu reinado, a fim de nomear Seti como vice-rei, e seu delegado; levou presentes e recompensas para os funcionários mais graduados da Núbia.

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Merneptah-Siptah, o último rei da XIX dinastia, foi mesmo obrigado a enviar um de seus funcionários para receber o tributo da Núbia, embora o envio desse tributo figurasse entre os deveres do vice-rei, quando o faraó exercia o controle efetivo sobre a totalidade de seu império.

Os meroitas, que até então tinham rechaçado os ataques dos povos nômades, tornaram-se uma presa tentadora para seus vizinhos – os axumitas ao sul, os nômades blêmios a leste e os Nubas a oeste. É quase certo que a este último grupo – mencionado pela primeira vez por Eratóstenes em -200 – se deva à queda do Império Meroita, da qual temos apenas um testemunho indireto.

Por volta de +330, o reino de Axum, que se estava localizado nos elevados planaltos da Etiópia atual, chegara rapidamente ao ápice de seu poder; Ezana, o primeiro monarca a adotar o cristianismo, atingiu a confluência do Atbara e se vangloriou de ter preparado uma expedição “contra os Nubas” que rendeu muitas presas de guerra. De tudo isso pode-se concluir que o reino meroita já havia ruído na época da campanha de Ezana. Desde então cessaram as inscrições em meroita, que provavelmente cedera lugar a língua ancestral do atual núbio.

Mesmo a cerâmica, embora tenha permanecido fiel a sua tradição milenar, adquiriu novas caracteristicas. Alguns especialistas levantaram a hipótese de que a familia real cuxita tenha fugido para o oeste, estabelecendo-se no Darfur, onde haveria traços de sobrevivência de tradições meroítas. Em todo caso, as explorações nessas regioes e no sul do Sudão deverão permitir uma compreensão maior de como as influências egípcias foram transmitidas para o interior da África por

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intermedio de Meroe. Seguramente, a glória de Kush se reflete em certas lendas da África central e ocidental.

Entre os Sao, preserva-se a memória de conhecimentos introduzidos por homens vindos do leste. Os conhecimentos técnicos propagaram-se. Alguns povos, por exemplo, fundiam o bronze pelo método da cire perdue, como no reino cuxita. Mas, sobretudo – e essa é uma contribuição fundamental – parece ter sido graças a Meroe que a exploração do ferro se difundiu no continente africano. Qualquer que seja a importância dessa penetração de influências meroítas no restante da África, o papel de Kush não pode ser subestimado: durante mil anos, primeiro em Napata e depois em Meroe, floresceu uma civilização muito original que, sob a aparência razoavelmente constante de um estilo egípcio, permaneceu profundamente africana.

Os grandes montes de escória encontrados perto da antiga cidade de Meroe e em outras regiões do Butana foram causa de numerosas especulacões sobre a importância do ferro na civilização meroita. Afirmou-se que o conhecimento de sua fusão e de seu manuseio em vários lugares da África subsaariana proveio de Meroe. Ja em 1.911, A. H. Sayce declarou que Meroe foi possivelmente a “Birmingham da antiga África”; essa opinião, corrente até ha pouco tempo entre os especialistas, tornou-se uma teoria aceita na maioria dos trabalhos sobre a história africana ou sudanesa.

Nos últimos anos, esse ponto de vista foi contestado por alguns especialistas, que levantaram sérias objeções a seu respeito. Esses autores mostraram que é extremamente reduzido o número de objetos de ferro encontrados nas sepulturas.

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Wainwright já havia notado que a presença do ferro limitava-se a alguns traços por volta de -400 e que de modo algum esse metal é freqüente até a queda do reino meroita (cerca de +320).

Por sua vez, Tylecote afirmou categoricamente que há vestígios de fusão de ferro antes de -200, enquanto Amborn, numa análise minuciosa de todos os objetos metálicos encontrados na necrópole, demonstrou a preponderância dos utensílios de bronze sobre os de ferro, mesmo no período posterior. Ele concluiu ser mais provável que esses utensílios tenham sido produzidos com ferro importado, talvez trabalhado na Núbia por ferreiros locais, cuja existência, contudo, só é conhecida a partir da cultura do Grupo X pós-meroita. de qualquer maneira, não se pode deduzir, a partir da presença de objetos de ferro trabalhado, que existisse uma verdadeira metalurgia do ferro.

Até o século IX, a Núbia gozou de um período inicial de prosperidade, sem ser muito perturbada pela vizinhança dos muçulmanos, em geral pacíficos. Não é facil discernir uma unidade cultural entre as primeiras comunidades cristãs da Núbia. Em Faras, aristocratas e oficiais administrativos falavam grego, como também os dignitários da Igreja. O clero compreendia inclusive o copta, que talvez fosse a língua de muitos refugiados. Quanto ao dialeto núbio, embora largamente empregado pela população, não chegou até nós em forma escrita. Os registros que temos são de data bem mais recente, provavelmente não anterior a meados do seculo IX. Estava ainda por vir, ao redor do ano de 800, o período áureo da Núbia cristã.

2.5. – A Civilização do Vale do Rio Nilo

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Foi provavelmente a partir do século - III que se iniciou a fabricação dos instrumentos de ferro: além de vários fragmentos de objetos desse metal colocados em redor dos templos de Haulti, encontraram-se anéis, tesouras, espadas e punhais em Yeha, e uma espada e anéis em Matara.

Muito mais abundantes, porém foram os objetos de bronze, talvez por esse metal resistir melhor a corrosão. Em Sabea, descobriu-se certa quantidade de grossos anéis abertos, de seção retangular; um objeto do mesmo tipo jazia sobre o banco de um santuário de Haulti. Talvez servisse de braceletes ou ornato para os tornozelos, à moda meroita, mas não é impossível que fossem utilizados também como moedas. Já os anéis encontrados em Yeha e Matara eram mais leves: poderiam servir como pulseiras ou brincos.

A cidade de Axum e o reino do mesmo nome gozavam de sólida reputação no século III da Era Cristã, a crer num texto da época atribuido a Mani, que descreve o reino como o “terceiro no mundo”. Na própria cidade, com efeito, grandes monumentos e numerosos testemunhos materiais preservam a memória de um período histórico de grande importância. Diversos elementos nos fazem entrever um passado glorioso: estelas gigantescas – dentre elas, o mais alto monolito entalhado – uma enorme mesa de pedra, bases de trono maciças, fragmentos de colunas, sepulturas reais, vestígios de construções aparentemente imensas debaixo de uma basílica do século XVIII e, enfim, as lendas e tradições.

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As grandes povoações, incluindo as localidades já mencionadas e outras mais, formavam comunidades densas e compactas, cujas habitações se agrupavam estreitamente ao redor de grandes edificios com variadas funções. As escavações realizadas em Axum, Adulis e Matara mostraram que essas localidades constituíam verdadeiros centros urbanos. No quarteirão popular de Matara existe uma pequena rua sinuosa. Semelhantes indícios sugerem a existência de uma população relativamente numerosa, cujas atividades não se limitavam à agricultura. A presença de moedas ajuda-nos a compreender o desenvolvimento da economia, a exemplo dos diversos tipos de objetos aí descobertos, como vidros e ânforas mediterrâneas. Por sua vez, as obras de arte (uma lampada de bronze, vários artefatos de couro) indicam certo luxo.

É necessario ressaltar que a maioria das construções visíveis ou reveladas pelas escavações pertence ao período axumita mais recente. Entretanto, existem vestígios mais antigos, embora nem sempre datados com precisão, sobre os quais se erigiram as edificações do último período, o que indica certas semelhanças entre as duas épocas.

Koloe é descrita, no seculo I, como uma “cidade do interior” e “principal mercado de marfim”, e se designa Adulis como um centro comercial que obtém marfim da “cidade do povo chamado axumita”, onde teve início a coleta da mercadoria. Há, portanto, razões para identificar Adulis como outra cidade comercial, o mesmo sucedendo com os demais centros urbanos (Aratou, Tokonda, Etch-Mare, Degoum, Haghero-Deragoueh, Henzat, etc.). Não se sabe ao certo se o comércio era praticado dentro dessas cidades.

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Axum parece haver sido inicialmente um principado que, com o tempo, veio a tornar-se a principal província do reino. A seus governantes a história impôs várias tarefas, das quais a mais urgente era afirmar sua hegemonia sobre os Estados segmentários da Etiópia setentrional, e uní-los em um só reino. O sucesso dependia do poder do soberano de Axum e da sobrepujança de sua força em relação a dos demais príncipes da antiga Etiópia. Por vezes um monarca, ao ascender ao trono, via-se obrigado a inaugurar seu reinado com uma campanha militar por todo o país para obter dos principados ao menos

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uma submissao formal. Ezana, por exemplo, logo no início de seu reinado teve de empreender tal campanha embora, antes dele, outro monarca axumita cujo nome não chegou até nós, mas que nos deixou o Monumentum Adulitanum realizou-a.

A fundação do reino serviu de base para a edificação de um império. Do fim do século II ao início do século IV, Axum tomou parte nas lutas diplomáticas e militares que opunham os Estados da Arábia meridional uns contra outros. Os axumitas submeteram as regiões situadas entre o planalto do Tigre e o vale do Nilo. No século IV, conquistaram o reino de Meroe, então em decadência.

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Desse modo foi se construindo um império, que abarcava as ricas terras cultivadas do norte da Etiópia, o Sudão e a Arábia meridional, incluindo todos os povos que ocupavam as regiões situadas ao sul dos limites do Império Romano – entre o Saara, a oeste, e o deserto de Rub al-Khali, no centro da Arábia, a leste.

As moedas axumitas revestem especial importância. Com efeito, somente graças a elas é que ficamos conhecendo os nomes dos dezoito reis de Axum. Descobriram-se milhares de moedas, sobretudo nos campos arados ao redor de Axum, em especial durante a estação chuvosa, quando a água revolve o solo.

A maioria é de bronze, com tamanho variável entre 8 e 22 mm. Em geral, as moedas trazem o busto dos reis, com ou sem coroa. Apenas um deles está representado num trono, de perfil. Seus símbolos são variados: os dos primeiros reis (Endybis, Aphilas, Ousanas I, Wazeba, Ezana) ostentam o disco e o crescente. Em alguns casos o busto do rei é enquadrado por duas espigas de milho curvadas, noutros, por uma espiga reta no centro, como sucede nas moedas de Aphilas e Ezana. As espigas de milho são, talvez, emblemas de algum poder ligado à fertilidade da terra. As legendas estão inscritas em grego ou etíope, nunca em sul-arábico. O grego aparece nas moedas mais antigas, e somente a partir de Wazeba é que se começa a empregar o etiope. As palavras da legenda variam: “Pela graça de Deus”, “Saúde e felicidade para o povo”, “Paz para o povo”, “Ele triunfará através de Cristo”, etc. E, naturalmente, o nome do rei se faz acompanhar do respectivo título: “Rei dos axumitas” ou “Rei de Axum”. Como as moedas

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não apresentam datas, formularam-se várias hipóteses objetivando classificá-las. O tipo mais antigo – provavelmente do reinado de Endybis – não remonta além do seculo III, ao passo que o mais recente, ostentando o nome de Hataza, data do século VIII.

A civilização de Axum desenvolveu-se no decorrer dos primeiros séculos da Era Cristã, mas suas raízes fincam-se na Pré-História. Seus prenúncios podem ser observados nos cinco séculos que precedem o início da Era Cristã. A arqueologia vem tentando definir os seus traços caracteristicos, mas por enquanto apenas uns poucos aspectos foram investigados, e a catalogação dos dados relativos à Antiguidade está incompleta. A tarefa principal consiste em determinar o que procede das influências externas e o que é realmente nativa. Como outras civilizações, a axumita é produto de um processo evolutivo secundado pelas condições geográficas e pelas circunstâncias históricas.

A contribuiçã nativa é de grande relevo, visto não haver dúvida de que a civilização axumita é, antes de tudo, produto de um povo cuja identidade étnica se vem manifestando progressivamente a partir do estudo de suas inscrições, linguagem e tradições. Aos poucos a pesquisa arqueológica vai descobrindo a singularidade das conquistas materiais de Axum. Ainda há muito a ser feito, e os trabalhos vindouros deverão concentrar-se na interpretação dos testemunhos escavados, mas já sabemos que foi a raíz africana que deu à civilização de Axum sua fisionomia particular.

A posição do reino de Axum no mundo comercial da época era a de uma potência mercantil de primeiro plano, o que se

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evidencia pela cunhagem de moeda própria em ouro, prata ou cobre. Axum foi o primeiro Estado da África tropical a cunhar moeda, que naquele tempo não existia em nenhum dos países vassalos, nem mesmo em Himiar ou Alwa. A cunhagem, em particular da moeda de ouro, constituía uma medida não apenas econômica, mas também política; através dela o Estado de Axum proclamava ao mundo sua independência e prosperidade, o nome de seus monarcas e as divisas do reino. O primeiro rei axumita a colocar em circulação sua própria moeda foi Endybis, na segunda metade do século III. O sistema monetário de Axum era comparável ao de Bizâncio; no peso, no modelo e na forma, as moedas axumitas apresentavam as mesmas características de suas contemporâneas bizantinas.

A unificação de parte considerável do nordeste da África pelos axumitas enriqueceu rapidamente a sua aristocracia, na qual os mercadores romanos, árabes e hindus iriam encontrar a clientela para seus produtos de luxo, de todos, os mais lucrativos.

Algumas das mercadorias inventariadas no Periplus de Pseudo- Arriano eram reservadas, como observa o autor, ao uso exclusivo do rei de Axum. No inicio do século III, os comerciantes estrangeiros, ao que parece, eram obrigados a enviar oferendas proporcionais à sua riqueza ao rei de Axum e ao governador de Adulis; enquanto viveu Pseudo-Arriano, esses presentes não passavam de vasos de ouro e de prata “sem grande valor”, e de “grosseiras imitações” de abbola e kaunakes. É interessante notar que, por volta do ano 524, o patriarca de Alexandria enviou de presente ao rei de Axum um vaso de prata.

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Tendo subjugado a Alta Núbia, a Arábia meridional, a região do lago Tana e os povos dos desertos que circundam a Etiópia, o rei de Axum assumiu o controle das rotas que ligavam o

Egito e a Síria aos países do oceano Índico e também as regiões interioranas do nordeste da África. O estreito de Babel-Mandeb, que como os de Malaca e Gibraltar, que constituia uma das três principais rotas marítimas do mundo antigo, também ficou sob o controle axumita.

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No século IV e início do V, os portos de Adulis e do Chifre da África raramente atraíam a atenção dos geógrafos romanos. No decorrer do século V, contudo, Adulis tornou-se a cidade portuária mais importante entre Clysme e os portos da Índia, e os nomes de outros portos africanos desapareceram das fontes escritas.

O fato de Adulis ter alcançado na época um nível de prosperidade jamais conhecido devia-se não à sua resistência bem-sucedida a qualquer tipo de competição, mas unicamente à proteção ativa do Estado de Axum. Desse modo, pode-se entender que no Périplo do Mar da Eritreia Adulis seja referida como “mercado oficialmente estabelecido”. Ao tempo em que Justino I reinava em Bizâncio, Caleb era imperador de Axum. Foi nessa época que os judeus, ajudados pelos himiaritas, massacraram os cristãos de Zafar e Najran. O fato é narrado principalmente pelos autores religiosos da época, Procópio e Sérgio. Nesses textos, o rei, denominado Caleb no original gees, recebe o nome grego de Hellesthaios. Para não confundir o leitor, neste capitulo chamaremos Caleb ao rei de Axum, e Dhu-Nuwas ao rei judeu.

Sérgio – que afirma ter obtido suas informações junto à testemunhas oculares – dá ao evento a seguinte versão, traduzida para o italiano por Conti-Rossini em sua Storia di Ethiopia. O rei dos himiaritas, Dhu-Nuwas ou Masruc, apoiado pelos judeus e pelos pagãos, começou a perseguir os cristãos.

O bispo Thomas foi então a Abissínia em busca de socorro e o obteve. Os 20 abissínios guiados por um guerreiro chamado Haywana, atravessaram o mar Vermelho e prepararam-se para

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atacar Dhu-Nuwas. Este, incapaz de enfrentar semelhante força, assinou um tratado de paz com o chefe abissínio Haywana, o qual, após deixar no local parte de seu exército, regressou a seu país. Como a maior parte das tropas havia partido, Dhu-Nuwas massacrou traiçoeiramente os cristãos de Zafar e incendiou todas as igrejas, juntamente com os trezentos cristãos ali deixados como guarnição.

Mas o massacre mais terrivel descrito pelos autores da época ocorreu em 523 em Najran, o mais desenvolvido dos centros cristãos. Entre os mártires estava um nobre venerado, o velho Harite (Aretas), que o texto gees chama de Hiruth.

Caleb (Elle Atsbaha), filho de Tazena, foi o mais famoso imperador de sua época, podendo-se mesmo compará-lo a Ezana. Uma das razões de seu renome foi uma expedição marítima que relataremos a seguir.

Após o massacre de 523, um nobre chamado Umayyah conseguiu voltar a Axum, onde narrou ao rei Caleb e ao bispo o que acontecera aos cristãos. Outros cristãos fugiram para Constantinopla e ali deram conta do que se passara ao imperador Justino, que, por intermédio do patriarca Timóteo, de Alexandria, enviou uma carta a Caleb instando-lhe a vingar o derramamento de sangue dos cristãos.

Não é dificil imaginar o efeito que a notícia do massacre provocara nos dois imperadores. Mas o país de Sabá e Himiar, como se sabe, era mais ligado, étnica e culturalmente, ao Império de Axum do que ao de Bizâncio. Portanto, o rei Caleb tratou de reunir o quanto antes um exército capaz de

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assegurar-lhe a vitória. Estima-se que ele obteve do imperador Justino 120 mil homens e sessenta navios de guerra.

Entretanto, outros autores afirmam que ele partiu com seus próprios navios, que se achavam ancorados em Adulis, e que seu exército não ultrapassava 30 mil soldados.

O reino axumita foi mais do que uma grande potência comercial nas rotas que uniam o mundo romano a Índia e a Arábia ao nordeste da África; foi também um importante centro de difusão cultural, exercendo sua influência ao longo dessas rotas e tendo, ao mesmo tempo, numerosos traços de sua cultura determinados pela influência de muitos países de antiga civilização do nordeste da África e do sul da Arábia, sob seu domínio.

A Núbia esteve, desde os primeiros tempos, estreitamente ligada ao Egito por uma série de semelhanças: semelhança física, em primeiro lugar, principalmente entre a Núbia e o extremo sul do Alto Egito; semelhança histórica e política, cuja importância intrínseca foi consideravelmente reforçada pelo aspecto físico; semelhança social, cultural e religiosa. Assim, do começo da primeira dinastia até o fim do Antigo Império, os egipcios se mostraram muito interessados pelo norte da Núbia, por eles considerado como elemento complementar de seu próprio país.

Organizaram trocas comerciais com os núbios, exploraram os recursos naturais do território e responderam a qualquer resistencia núbia com o envio de missões militares. Algumas expedições do Antigo Império, dirigidas por grandes pioneiros da viagem e da exploração, como Ony, Mekhu, Sabni e

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Khuefeher (Herkhuf), penetraram no Saara e talvez na África central.

O interesse do Egito pela Núbia traduziu-se particularmente na construção de numerosos templos, que se destinavam, a par de sua função religiosa, a ilustrar a civilização e a forca do Egito, o poder e a santidade de seu soberano.

Tal interesse se explica, sobretudo pelo fato de a Núbia ter constituído, desde tempos muito antigos, o lugar de passagem das mercadorias comerciadas entre o Mediterrâneo e o coração da África. Aliás, podem ser vistas aí as ruínas de fortalezas dos períodos faraônicos, destinadas a proteger os comerciantes e a manter a paz nessas regiões.

Contudo, desde os tempos pré-históricos a Núbia constituía uma unidade geográfica e social, sempre habitada por povos cuja cultura se assemelhava a do alto vale do Nilo. Mas, a partir de -3.200 os egípcios começaram a ultrapassar seus vizinhos do sul no domínio cultural e a progredir a passos de gigante no sentido da civilização; só muito tarde iria a Núbia segui-los.

A civilizacao de Kerma, rica e próspera, floresceu na Núbia na primeira metade do segundo milênio antes da Era Crista. Embora fortemente influenciada pela cultura egípcia, tinha ela suas próprias características locais. Após o início do primeiro milênio antes da Era Cristã, no momento do declínio do poderio egípcio, instalou-se uma monarquia autóctone (com a capital em Napata), que posteriormente viria a reinar no Egito.

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Cataratas Victória

A dominação núbia no Egito, que durou cinquenta anos no decorrer do sétimo periodo (primeira parte da XXV dinastia), realizou a união entre os dois países. A fama dessa grande potência africana era excepcional, como testemunham os autores clássicos Após a transferência da capital para Meroe, a Núbia conheceu, até quase a metade do século IX, um período de progresso e prosperidade e restabeleceu alguns contatos com seus vizinhos. A expansão da monarquia meroitica a oeste e ao sul, seu papel na difusão das idéias e das técnicas e na transmissão das influências orientais e ocidentais ainda estão em fase de estudo.

A partir do século IV da Era Cristã, o cristianismo começou a estender-se pela Núbia, onde os templos foram transformados

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em igrejas. A Núbia cristã desempenhou um papel histórico ativo, obteve numerosos êxitos e exerceu notável influência sobre seus vizinhos. A Núbia cristã conheceu a idade do ouro no século VIII, com seu primeiro período de desenvolvimento e prosperidade.

A Núbia permaneceu como monarquia cristã até a chegada do islamismo. Foi então invadida pela cultura islâmica árabe e perdeu muito do seu caráter tradicional. Em vista de sua situação geográfica, a Núbia desempenhou um papel especial – por vezes involuntariamente – como intermediária entre a África central e o Mediterrâneo. O reino de Napata, o império de Meroe e o reino cristão fizeram da Núbia o ponto de ligação entre o norte e o sul. Graças a ela, a cultura, as técnicas e os instrumentos se expandiram até às regiões vizinhas.

Provavelmente algum dia será reconhecido o papel que a Núbia representou na África, juntamente com o Egito, um papel análogo ao da civilização greco-romana na Europa.

A história da Núbia antiga ressurgiu recentemente, quando da elaboração do projeto da barragem de Assuã. Logo se tornou óbvio que tal barragem implicaria a submersão de dezesseis templos e de todos os túmulos, capelas, igrejas, inscrições na rocha e demais sítios históricos da Núbia, que o tempo até então deixara quase intactos. A pedido do Egito e do Sudão, a Unesco lançou em 1959 um apelo a todas as nações, a todas as organizações e a todos os homens de boa vontade, pedindo-lhes ajuda técnica, científica e financeira para salvar os monumentos da Núbia.

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O sucesso da campanha internacional que se seguiu salvou a maior parte desses monumentos, que representam séculos de história e encerram a chave das primeiras civilizações. A realização de novas escavações arqueológicas nos arredores do sítio de Kerma, onde os ritos funerários eram idênticos, em particular, aos de Gana, da região de Dongola e dos oásis do sudoeste, poderia dar-nos uma idéia melhor sobre algumas afinidades culturais arcaicas e, talvez nos revelar outros elos da corrente cultural entre o vale do Nilo e o interior da África. De qualquer modo, poderia fornecer-nos maiores esclarecimentos acerca do itinerário seguido por vários exploradores do Antigo Império.

A princípio sob influência da Arábia do Sul, a Etiópia forjou uma cultura cuja força unitária é pouco conhecida. Fontes materiais que remontam ao segundo período pré-axumita provam a existência de uma cultura local que assimilara influências estrangeiras.

O reino de Axum, que durou aproximadamente mil anos a partir do primeiro século da Era Cristã, assumiu uma forma toda particular, diversa da do período pré-axumita. Como a do Egito antigo, a civilização de Axum era fruto de um desenvolvimento cultural cujas raízes mergulhavam na pré-história. Era uma civilização africana, produzida por um povo da África. No entanto, podem-se encontrar na cerâmica do segundo período pré-axumita traços de influência meroítica.

Nos séculos II e III, a influência meroítica foi predominante na Etiópia. A estela de Axum, há pouco descoberta, com o símbolo egípcio da vida (Ankh) e objetos ligados a Hator, Ptah

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e Horus, ao lado de escaravelhos, mostra a influência da religião egípcia de Meroe sobre as crenças axumitas.

O reino de Axum era uma grande potência comercial nas rotas que ligavam o mundo romano à Índia e a Arábia à África setentrional; era também um grande centro de informação cultural. Até o presente, estudaram-se somente alguns aspectos da cultura axumita e de suas raízes africanas. Muita coisa ainda deve ser feita.

A chegada do cristianismo provocou, como no Egito e em Meroe, grandes mudanças na cultura e na vida dos etíopes. O papel do cristianismo e sua persistência na Etiópia, sua influência no interior e no exterior desse território, são assuntos interessantes que merecem estudos mais aprofundados.

1. O reino de Kush

A Majestosa Civilização de Kush

As escavações e estudos dessa civilização se concentram no atual Sudão, maior país da África. Os cushitas, em épocas mais recentes, ocupavam o sul do Nilo com seu impressionante exército de arqueiros.

Cush foi o local do Jardim do Éden. Gen. 2: 11-14 - "Um rio saía do Éden para regar o jardim, e de lá se dividia em quatro braços. O primeiro chama-se Fison: é aquele que rodeia toda terra de Hévila, onde existe ouro; e o ouro dessa terra é puro, e nela se encontram também o bdélio e a pedra de ônix. O segundo rio chama-se Geon: ele rodeia toda a terra de Cush. O

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terceiro rio chama-se Tigre e corre pelo oriente da Assíria. O quarto rio é o Eufrates."

Nos escritos do Antigo Testamento, Cush é conhecido também por Núbia e muitas vezes citado como Etiópia.

Os historiadores gregos Homero e Heródoto deixaram registrados que os cushitas povoaram o Egito, a Arábia, a Palestina, a Ásia Ocidental e a Índia. Foram considerados, por Heródoto, como os mais altos, os mais bonitos; de maior longevidade entre as raças humanas e os mais justos dos homens. São citados nos anais de todas as civilizações. A arte de embalsamento, pelo qual são famosos os faraós egípcios, teve sua origem na civilização Cushita.

O Império de Cush construiu três vezes mais pirâmides que os egípcios e possuíram a cerâmica mais bela do mundo, assim considerada por todos os povos, inclusive os gregos.

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Placa de marfim esculpida com uma cena de um leão atacando um Núbio.

A economia cushita era baseada em pedras preciosas, madeira de ébano, marfim, e também diversos produtos que contribuíram decisivamente para a manutenção e crescimento da civilização egípcia.

A 25ª dinastia do Egito é conhecida como dinastia etíope, em -712, porque o Egito foi conquistado pelo Império Cushita que governava o Egito e a Núbia.

A primeira capital do Império Cushita foi à cidade de Kerma, anterior a -5.000, considerada a cidade mais antiga da África, cujo tamanho compreendia 62 acres e possuindo mais de 200 casas, e edifícios maciços do tijolo que foram devotados ao comércio e às artes, com um templo e um palácio.

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Ruínas da cidade de Napata.

A segunda capital foi Napata, um centro sagrado e devotado aos deuses. O templo fundado em Jebal Barkal, uma montanha sagrada, transformou-se na fonte de reivindicações de Núbia ao trono egípcio.

Colar Núbio feito de ouro. Está inscrito com hieróglifos egípcios.

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Os reis da Núbia invadiram o Egito e estabeleceram a 25ª dinastia. O império de Núbia abrangeu a Síria no norte à Núbia no sul. Os reis de Núbia ajudaram o estado de Israel em seu esforço de guerra contra os Assírios. A terceira capital foi Meroé, a sua linhagem real durou mil anos. A cultura de Núbia em Meroé combinou tradições egípcias.

A rainha Amanirenas reinou na cidade Meroé e quando o imperador romano Augustus tentou impor um imposto aos cushitas, Amanirenas e seu filho Akinidad, realizaram um ataque violento a um forte romano na cidade Asuan. Augustus mandou as tropas romanas; comandadas pelo general Peroneus, retaliaram, mas, encontraram uma forte resistência de Amanirenas comandando as tropas que derrotou os romanos e os obrigaram a negociar a paz. Os cushitas detiveram o avanço dos romanos na África, e colocaram um busto de César Augustus enterrado debaixo de uma entrada em um templo. Nesta maneira, todos que entrassem pisariam em sua cabeça.

A rainha Amanirenas era alta, muito forte e cega de um olho; venceu as tropas romanas no ano -23, obrigando Roma a trocar embaixadores e fecharam um acordo, onde Roma devolveu um território cushita, anteriormente pago em imposto. Outras rainhas também enfrentaram as tropas romanas.

O exército africano de Cush derrotou inimigos egípcios, gregos e romanos. A civilização de Cush, com seu alfabeto, comércio e triunfos arquitetônicos é considerada por alguns estudiosos, como superior às civilizações mais desenvolvidas do mundo antigo.

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Ruinas da cidade de Meroé.

Num revés da história, ainda pouco compreendido, mas ligado ao enfraquecimento do Egito, causado por disputas políticas internas, em -713 o rei kushita Shabaka invadiu e controlou o Egito, iniciando assim a 25ª Dinastia. No Antigo Testamento, encontramos várias citações sobre os temíveis guerreiros negros do império kushita.

Contudo, em sua expansão pelo delta do Nilo, os kushitas entraram em contato com guerreiros ainda mais poderosos: os assírios (da Mesopotâmia). O rei assírio Assaradão tentou conquistar o Egito governado pelos kushitas, mas foi derrotado. Seu sucessor, Assurbanipal, no entanto, ocupou o delta do Nilo em -663.

A partir de então os kushitas se retiraram para o sul e mantiveram o controle sobre a Núbia, a partir de Napata. A fim

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de se afastarem ainda mais dos conflitos do território egípcio, os kushitas transferiram sua capital para Meroé (século -6.), ainda mais ao sul. Essa cidade era um dos mais importantes entrepostos comerciais entre a África e o mar Vermelho, além de possuir ricas minas de ferro. A tecnologia de fundição do ferro é uma das principais características dos povos africanos dessa região. Aliás, quando os portugueses chegaram à África, no século 15, aprenderam com os africanos como fundir ferro de maneira mais eficiente.

A Rainha Amamishakete e seu companheiro.

Enquanto o Egito foi sucessivamente conquistado por assírios, persas, macedônicos e romanos, o reino de Kush (a partir de então também conhecido como reino Meroíta) manteve sua independência por mais 9 séculos (alguns historiadores falam em 8 séculos), controlando várias rotas comerciais que ligavam o interior da África ao mar Vermelho, e ainda mantiveram relações amistosas com os faraós da linhagem macedônica (os ptolomaicos).

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Quando os romanos conquistaram o Egito, não conseguiram submeter os kushitas; então, cortaram o comércio kushita com o Oriente Médio e o Mediterrâneo, o que levou Meroé a uma progressiva crise econômica. No século 4, a já decadente Meroé foi conquistada por povos vindo do Chifre da África (ou península Somali): os axumitas.

2. O reino de Axum

O reino de Axum se localizava na atual Etiópia. Segundo a lenda, esse reino teria sido fundado por Menelik, filho do rei Salomão com a rainha de Sabá, o que nos remete à história contada no Livro dos Reis, no Antigo Testamento. Apesar de tal lenda não ter ainda nenhum fundamento comprovado, manteve-se por muitos séculos.

A cidade de Axum se localizava às margens do rio Atbara. Sua população era formada por povos locais da Etiópia e por migrantes vindos da Arábia antes do século 6.

Em torno do século 3, os kushitas (ou meroítas) mantinham comércio com Axum. Em torno do século 2, o porto de Adulis, no mar Vermelho (que ficava a oito dias de viagem até Axum), era um dos maiores centros comerciais entre a África e a Arábia.

No século 1, o comércio transformou Axum num dos centros mais ricos da África. Entre os séculos 2 e 4, os axumitas controlavam grande parte da navegação, tanto mercante quanto de guerra, no mar Vermelho. Embaixadores axumitas viajavam

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pelos grandes reinos do Oriente Médio e da África, impondo os interesses comerciais de Axum.

Como os axumitas desenvolveram a escrita, chamada de gueze ou geês, escavações arqueológicas ainda hoje revelam muitos textos axumitas talhados em argila e pedra. E, devido à grande atividade política de Axum, vários desses textos trazem uma versão em grego (a língua diplomática da época), o que facilita muito a compreensão da história desse povo.

Em 335, os axumitas invadiram, saquearam e incendiaram a capital kushita, Meroé, pondo fim ao reino de Kush, que representava um centro comercial concorrente. Acredita-se que a elite kushita tenha fugido em direção do oeste, chegando até o Chade, e difundindo assim a cultura kushita.

O império axumita se cristianizou a partir da influência egípcia, e se tornou um importante centro de difusão dessa nova religião no leste da África.

Com a expansão árabe muçulmana, a partir do século 7, o reino axumita cristão perdeu sua força, tanto econômica quanto cultural. Mesmo assim, séculos mais tarde, durante a expansão marítima e comercial de Portugal (século 15), muitos navegadores tinham como meta encontrar o reino lendário de Prestes João, um reino cristão africano que, provavelmente, seria o antigo reino de Axum.

Muito tempo depois, enquanto toda a África era repartida e dominada pelas potências imperialistas europeias (no século 19), a Etiópia foi um dos poucos reinos que conseguiu manter sua independência. Ainda hoje, portanto, conhecer e valorizar a

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cultura etíope pode ser um caminho interessante para se compreender parte da história da humanidade.

Por volta de -7000 aparecem homens de estatura bastante alta, de orígem mediterrânes, mas não isentos de caracteres negroides. São os chamados capsienses, denominação derivada do sítio epônimo de Capsa (Gafsa). Embora sua área de ocupação não esteja exatamente definida, sabe-se que viviam em territórios do interior, e que não atingiram ao que parece, a extremidade ocidental da África do Norte nem o Saara meridional. Estabeleciam-se no topo de colinas ou em vertentes próximas a fontes de água ou, mais raramente, espalhavam-se por planícies lacustres ou pantanosas; alimentavam-se principalmente de caracóis.

Até o século XVIII, a religião ocupou lugar de relevo em todas as sociedades humanas. O monoteismo foi geralmente precedido pelo politeismo, e os atuais centros cristãos foram outrora berços do paganismo. Nenhuma nação adotou o cristianismo sem antes passar por um periodo de paganismo.

A Etiópia não constitui exceção a essa regra. Por conseguinte, não teve o privilegio de entrar no mundo monoteísta sem primeiro praticar as mais diversas formas de culto. Em um país como esse, onde a dominação estrangeira nunca se fez presente por muito tempo, nada mais natural que a coexistência de numerosos cultos e sua transmissão de pai para filho.

Entre os antigos habitantes da Etiópia, os grupos cuxitas Beja e Aguew não assimilaram a cultura semita da classe governante, entregando-se a adoração de diversos objetos da natureza: árvores gigantescas, rios, lagos, montanhas elevadas, animais.

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Acreditavam que esses objetos abrigavam espíritos bons ou maus, aos quais se deviam consagrar oferendas e sacrifícios anuais ou sazonais.

Os povos de origem semita que não herdaram o culto cuxita, assim como os cuxitas semitizados, donos de uma cultura razoavelmente desenvolvida em relação a dos grupos anteriores, veneravam a natureza em suas formas celestiais e terrestres (o Sol, a Lua e as estrelas, os campos e a terra), sob os nomes da tríade Mahrem, Beher e Meder, rivais dos deuses estrangeiros ou seminacionais da Arábia do Sul ou da Assíria-Babilonia, como Almaqah, Awbas, Astar.

Estes, por seu turno, foram assimilados aos deuses gregos Zeus, Ares e Poseidon. Essa assimilação algo arbitrária era

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incentivada por viajantes influentes, que faziam a propaganda de seus próprios deuses, e admitida por alguns reis axumitas de cultura grega, mas isso não abalou a importância de Mahrem, considerado como deus nacional. Conforme a língua materna de cada um, o Mahrem dos axumitas tanto podia ser chamado Zeus por um grego como Amon por um núbio de cultura egípcia. Em sua entrada triunfal no Egito, em -332, Alexandre, o Grande, que se dizia filho de Zeus, foi recebido pelos sacerdotes como filho de Amon.

Os antigos textos etíopes, redigidos com base na tradição oral, e as investigações levadas a cabo a partir da época do rei Amde Tsion (+1.313 a +1.342), afirmam a existência de um culto da serpente arwe paralelamente à prática da lei de Moisés. A serpente era considerada um dragão divino ou o primeiro rei Arwe-Negus, pai da rainha de Sabá, coisa que nenhum leitor moderno levaria a sério.

Essa crença popular pertence decerto a história lendária da Etiópia antiga, anterior ao inicio de sua historia autêntica. Como ali, a história antiga de todas as nações sempre é contada iniciando-se com uma história lendária. A loba amamentando os dois primeiros reis de Roma é apenas um dentre muitos exemplos. Quase sempre as verdades históricas e os milagres encontram-se tão inextricavelmente entrelaçados que não se pode distinguí-los.

Ha muito se sabe que os povos de origem semita, atravessando o mar Vermelho, a procura de terras mais ferteis e mais ricas do que as de seu país instalaram-se na Etiopia setentrional. Os recém-chegados possuiam civilização superior à dos povos nativos, em sua maioria Beja, Aguew, etc., de origem cuxita; e

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acabaram por assumir o poder, fundando as cidades de Yeha, Matara, Axum, etc.

Outros grupos da mesma origem (sabeus, himiaritas) permaneceram em sua terra natal, enquanto os que atravessaram o mar Vermelho se tornaram cada vez mais poderosos, a ponto de o governo central de Axum ser considerado por alguns como o terceiro poder no mundo. Os castelos reais, os templos, os discos e crescentes, simbolos dos deuses Mahrem e Almaqah, atestam a identidade dos dois povos que viviam em ambas as margens do mar Vermelho.

Esse parentesco étnico e cultural explica, em larga medida, a conquista da Arábia meridional pelos axumitas, que a consideravam seu lugar de origem, e por que, em seus titulos formais, o rei Ezana dava grande enfase ao titulo de “rei de Axum, de Himiar, e Sabá”, distinguindo-se dos que se autodenominavam “Kasu, Siyamo e Beja”, vindos das regiões ocidentais ou simplesmente nativos dos territórios cuxitas.

Até princípios do século IV o povo semita que habitava as duas margens do mar Vermelho praticava as mesmas religiões tradicionais, isto é, o culto da lua, que tinha por símbolo o crescente, até hoje venerado pelos Estados muçulmanos. O profeta Maomé provavelmente não obrigou os convertidos a abandonarem esse símbolo, enquanto os bispos de Axum pressionaram os reis cristãos no sentido de substituí-lo pelo símbolo da cruz.

Outros grupos que professavam a religião hebráica viveram nessa região da Arábia do sul durante muito tempo, talvez desde a destruição de Jerusalem por Nabucodonosor, em -587,

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e sua ocupação pelos lágidas. Mas seu número aumentou, sobretudo após a terceira destruição de Jerusalem, pelo imperador Tito, no ano 70. Perseguidos pelos romanos, os judeus foram acolhidos por seus compatriotas estabelecidos na Arábia do sul.

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2.6. As Conquista Greco – Romanas

A região da África Oriental, dos reinos da Núbia, Etiópia e posteriormente Burundi e Uganda, sofreram grande influência religiosa em seu processo de organização cultural e espacial. Conflitos religiosos entre muçulmanos e cristãos foram decisivos para a nova organização desses reinos, a exemplo do Antigo Egito, que teve que se consolidar como Estado mulçumano entre duas potências cristãs – Bizâncio e Dongola.

O resultado desses conflitos foi à conquista de Dongola em 1.323 pelos mulçumanos, e a tomada gradativa do controle da Núbia em 1.504, o que daria um golpe de misericórdia nos reinos cristãos da região. Nos casos da Núbia e da Etiópia, além dos conflitos religiosos existentes, o comércio principalmente com o Egito, foi outra atividade que influenciou diretamente, servindo como estímulo para a criação destes Estados. Esta atividade comercial se dava por rotas que cortavam o deserto do Saara, em caravanas puxadas por cavalos, dificultando o percurso e prejudicando conseqüentemente a atividade comercial, uma vez que o camelo domesticado só foi introduzido no Norte africano no século II da era cristã.

Só a partir do domínio muçulmano na região é que as atividades comerciais expandiram-se mais para o sul do continente. Portanto, os conflitos religiosos entre muçulmanos e cristãos, além das atividades comerciais exercidas entre esses povos, foram decisivos para a organização espacial dos territórios da África Oriental, fatos que produzem reflexos na cultura e na religiosidade dos Estados africanos atuais.

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Essa função dos povos norte-africanos bem depressa se transformou em posição subordinada e periférica, em virtude dos fatores internos antagônicos acima mencionados, e igualmente em consequência do usufruto de bens e serviços africanos sem compensação suficiente em favor desse continente, por exemplo, sob a forma de uma transferência equivalente de capitais e de técnicas. Após o declínio do Egito, o vale do Nilo e as províncias romanas do resto da África do norte sofreram intensa exploração e tornaram-se o celeiro de Roma.

Além dos gêneros alimentícios, o Império Romano retirou da África uma quantidade enorme de animais selvagens, de escravos e de gladiadores para o exército, os palácios, os latifúndios e os jogos sanguinários do circo. No século XVI, começa a sinistra era do tráfico de negros. Finalmente, no século XIX, assistimos à consagração da dependência pela ocupação territorial e pela colonização.

CARTAGO

Antes da chegada dos fenícios às costas da Africa, no inicio do I milênio antes da Era Crista, as componentes étnicas das populações líbias já se encontravam quase fixadas, não devendo variar sensivelmente durante toda a Antiguidade: do ponto de vista quantitativo, é inverossimil que os acréscimos demográficos fenícios e romanos tenham sido significativos. A participação fenícia na demografia da África Menor não pode ser avaliada com precisão.

Todavia, é provável que Cartago não tivesse recorrido com tanta frequência aos exércitos mercenários nos campos de

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batalha se os cartagineses de origem fenícia fossem numerosos. A contribuição demográfica romana é de apreciação igualmente difícil. O número de italianos instalados na Africa à época de Augusto – em que a colonizaçã foi mais intensa – foi estimado em 15 mil; acrescente-se a essa cifra alguns milhares de italianos que se fixaram na África por iniciativa própria.

O nome Cartago equivale ao nome fenício Kart Hadasht, que significa “cidade nova”. Isso pode fazer supor que o lugar se destinasse, desde o início, a ser a principal colônia dos fenícios no Ocidente; mas sabemos muito pouco sobre a arqueologia do período inicial da cidade para que possamos estar seguros dessa afirmação. A data tradicional da fundação e -814, bem depois de Cadiz (-1.110) e Utica (-1.101). Estas duas últimas datas parecem lendárias.

Quanto a data de fundação de Cartago, os primeiros dados arqueológicos incontestáveis são da metade do século VIII

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antes da Era Cristã. Ou seja, existe um descompasso de duas gerações com relação a datãa tradicional. Não se pode extrair nenhum documento histórico válido das diversas lendas que os autores gregos e romanos nos transmitiram sobre a fundação da cidade.

Descobriram-se indicios mais ou menos da mesma data em Utica e foram efetuadas datações do século VI ou VII antes da Era Cristã em Leptis Magna (Lebda), Hadrumeto (Susa), Tipasa, Siga (Rachgoun), Lixos (no Oued Loukkos) e Mogador, a colonia fenícia mais distante que se conhece. Vestígios datados da mesma época foram descobertos em Mocia, na Sicilia; em Nora (Nuri), Sulcis e Tharros (Torre de San Giovanni), na Sardenha; e em Cadiz e Almunecar, na Espanha. A coerência geral dos indicios arqueológicos mostra que, embora possa ter havido expedições isoladas anteriores, não existiu nenhuma colonia permanente na costa do Magreb antes de -800.

Deve-se enfatizar que, ao contrário das colônias que os gregos fundaram na Sicília, na Itália e em outras regiões nos séculos VIII e VII antes da Era Cristã, todas as colonias fenícias, incluindo a própria Cartago, continuaram a ser pequenos centros que, durante gerações, talvez não chegassem a ter mais que algumas centenas de colonos.

Cartago foi criticada por seus inimigos pelo duro tratamento e pela exploração a que submeteu seus súditos, que com certeza estavam divididos em diferentes categorias. Sem duvida, os mais privilegiados foram os velhos estabelecimentos fenícios e as colonias fundadas pela própria Cartago, cujos habitantes eram chamados pelos gregos de líbio-fenícios, isto é, fenicios

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da África. Ao que tudo indica, tais colonias possuíam funcionários locais e instituições semelhantes as da própria Cartago; sabemos que esse foi o caso de Gades (Cadiz), Tharros e dos fenícios de Malta.

Essas cidades estavam submetidas ao pagamento de taxas sobre as importações e exportações e às vezes deviam fornecer contingentes militares. Também é provável que tenham contribuído para equipar a frota cartaginesa. Após -348 parece que foram proibidas de comerciar com outras cidades além de Cartago. A posição dos súditos de Cartago na Sicília era influenciada pela proximidade das cidades gregas; eles tinham direito a instituições autônomas e cunhavam moeda desde o século V, num periodo em que a própria Cartago ainda não as emitia. Não há indícios de que seu direito de comércio tenha sofrido restrição; como ocorreria mais tarde, quando a Sicília caiu sob dominio romano, eles pagavam um tributo equivalente a 10% sobre os lucros.

Os líbios do interior eram tratados com mais dureza, ainda que aparentemente fossem autorizados a conservar sua organização grupal. Parece que os funcionários de Cartago supervisionavam diretamente a coleta do tributo e o alistamento de soldados. A taxa normal do tributo correspondia provavelmente a um quarto das colheitas, sendo que, num periodo crítico de lutas contra Roma (Primeira Guerra Púnica), o imposto exigido atingiu 50%.

De acordo com o historiador grego Políbio (século II), numerosos líbios tomaram parte na sangrenta revolta de mercenários que se seguiu à derrota de Cartago, para se vingarem dessa e de outras cobranças; os cartagineses

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estimavam e honravam não os governadores que tratavam seus administrados com moderação e humanidade, mas os que lhes extorquiam o máximo de recursos e que os tratavam com mais crueldade.

Essa crítica deve ter fundamento, pois ocorreram várias revoltas líbias, além da mencionada. Ao que parece os cartagineses não conseguiram adotar políticas capazes de levar as populações conquistadas a aceitarem sua sorte.

Entretanto, foi necessário esperar mais de um século até que Roma suplantasse realmente Cartago enquanto potência política e cultural dominante no Magreb.

Por diversas razões, os romanos apropriaram-se apenas de uma pequena parte do nordeste da Tunísia, após a destruição de Cartago, e mesmo assim não se ocuparam mais desse território. No restante da África do Norte, Roma reconheceu uma serie de reinos vassalos, que de maneira geral conservaram sua propria autonomia. A influência cultural de Cartago persistiu e até mesmo aumentou nesses reinos, em virtude da prosperidade de que continuaram a gozar as antigas colonias costeiras e também como conseqüência da chegada de numerosos refugiados durante os últimos anos da guerra entre Cartago e Roma.

A língua fenícia, em sua forma mais recente, conhecida como neopúnica, propagou-se como, jamais ocorrera antes. Conta-se mesmo que os romanos enviaram aos reis númidas os livros recuperados quando as bibliotecas de Cartago foram destruídas. É provável que alguns desses livros, como o tratado de agricultura de Magon, tivesse valor prático.

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As ruínas de Cartago - a tropa romana destruiu praticamente toda a cidade, que tinha gigantes muralhas que a defendiam. Seguindo os repetidos apelos de Cícero ao Senado Romano a exortação ‘Delenda Cartago’ afinal se concretizou com sua destruição física e com o genocídio cometido pelos romanos naquela cidade.

Nenhum dos reis posteriores foi tão poderoso como Massinissa, mas quase não há dúvida de que, no essencial, prosseguiu o desenvolvimento dos reinos da Numídia e da Mauritânia. Deve-se ressaltar que, de certa forma, os nomes desses dois reinos permaneceram como simples expressões geográficas, pois muitos povos que habitavam a região conservaram durante longo tempo sua identidade própria sob a dominação romana, e mesmo depois, continuando precária a unidade política.

Tal situação foi agravada pela poligamia que as famílias reais praticavam (diz-se que Massinissa deixou dez filhos) e posteriormente pela interferência de Roma. Massinissa morreu

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na Numídia em -148 com a idade aproximada de 90 anos e foi sucedido por Micipsa (-148 a -118). Durante este reinado, o comércio da Numídia com Roma e a Itália tornou-se mais ativo, havendo notícias de grande número de negociantes italianos em Cirta.

Após a morte de Micipsa, o reino foi governado conjuntamente por dois de seus irmãos e por Jugurta, neto de Massinissa, que era protegido pelo político romano Cipião Emiliano, tal como seu avô havia sido apoiado por Cipião, o Africano. Jugurta era um homem de grande vigor e pensava em firmar-se como único soberano.

De início, os romanos tentaram dividir oficialmente o território, mas quando Jugurta tomou Cirta de um de seus rivais e mandou matar todos os residentes italianos, Roma declarou-lhe guerra. Jugurta organizou uma vigorosa resistência infligindo humilhações militares a Roma, até ser traido por Bocchus, rei da Mauritânia.

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Nessa oportunidade, Roma colocou no trono outro membro da dinastia de Massinissa, Gauda. Este foi sucedido por seu filho Hiempsal, que, após ser exilado durante pouco tempo por um rival (entre -88 e -83), reinou ate -60. Hiempsal foi o autor de um livro sobre a África, escrito em língua púnica, e provavelmente continuou a obra civilizadora de sua dinastia.

Em seus últimos anos como Estado independente, a Numídia envolveu-se nas guerras civis que destruiram a república romana. O filho de Hiempsal, Juba (-60 a -46), que na juventude fora publicamente insultado por Júlio César, uniu-se à causa de Pompéia em -49, prestando-lhe grandes serviços na África; diz-se mesmo que, se os pompeanos vencessem, ele seria o responsável pela província romana da África. Juba suicidou-se após a vitória de César em Tapso, e desde essa época Roma passou a administrar diretamente a Numídia.

Admite-se geralmente que o reino da Mauritânia se desenvolveu mais lentamente que o da Numídia; mas é possível que essa opinião seja decorrência de falta de informações. É

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certo que o maciço montanhoso do Atlas continuou tão fechado à influência fenícia como mais tarde à cultura romana, mas a vida sedentária expandiu-se um pouco nas áreas férteis, como o vale do Muluya e a região ao longo da costa atlântica. Foi nas zonas montanhosas que diversos povos conservaram sua identidade própria durante a dominação romana, e mesmo depois.

O nome dos mouros é citado desde a expedição da Sicília em -406, na revolta de Hanao depois de -350 e na invasão romana da África em -256. Um rei mouro auxiliou Massinissa numa época crítica de sua vida, mas as tropas mouras também combateram sob as ordens de Aníbal, em Zama. Mais tarde, Bocchus I, após ter ajudado Jugurta a lutar contra Roma, traiu o rei númida, recebendo em recompensa um território muito vasto, situado a leste do Muluya.

Ao que parece, na geração seguinte a região foi dividida. Bocchus I governava os territórios do leste e, associado ao aventureiro italiano P. Sittius combateu contra Juba, a favor de César. Este tinha também o apoio de Bogud II, que reinava a oeste do Muluya. Ambos os monarcas foram recompensados por César e, nessa ocasião, Bocchus ampliou suas possessões à custa da Numídia.

Alguns anos depois Bogud II apoiou Marco Antônio contra Otávio na guerra civil romana e foi expulso de seu território por Bocchus II, que apoiava Otávio. Bocchus morreu em -33 e Bogud foi ferido em -31, ficando toda a Mauritânia sem soberano. Contudo, o imperador Augusto decidiu que não havia chegado o momento de Roma governar diretamente o país, acreditando talvez que os povos montanheses criassem sérias

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dificuldades militares. Em -25, ele colocou no trono Juba, filho do último rei da Numídia, que vivia na Itália desde a idade de 4 anos, e para quem havia sido reconstituído temporariamente o reino da Numídia, de -30 a -25. Juba governou durante mais de quarenta anos como leal “cliente” de Roma e em certa medida realizou na Mauritania o que Massinissa havia feito na Numídia.

Juba era um homem com interesses fundamentalmente pacíficos; fortemente impregnado da cultura helênica, escreveu numerosos livros (atualmente desaparecidos) em grego. Sua capital, Iol, rebatizada Cesaréia (Cherchell), e provavelmente sua segunda capital, Volubilis, tornaram-se durante seu reinado verdadeiras cidades. Depois dele reinou seu filho Ptolomeu até +40, data em que o imperador Gaio, que o havia chamado a Roma, mandou executá-lo, por um motivo que nos é desconhecido. Essa medida, que prenunciava a transformação da Mauritânia em província romana, desencadeou uma revolta que durou vários anos. Em +44 a Mauritânia foi dividida em duas províncias e daí em diante todo o Magreb foi colocado sob a dominação direta de Roma.

De maneira geral, o período de independência dos reinos da Numídia e da Mauritânia caracterizou-se pela elaboração e consolidação de uma cultura de orígem líbia e fenícia, em que o segundo elemento desempenhou um papel preponderante, embora representasse como é natural, apenas uma minoria da população. Os progressos da agricultura na Numídia produziram-se em regiões relativamente distantes, onde as condições geográficas eram favoráveis.

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À exceção de Cirta e mais tarde de Iol-Cesareia, o crescimento das cidades continuou sendo pequeno, mas em certas regiões foi suficiente para lançar as bases da considerável urbanização ocorrida na época romana. A força dessa cultura mista é ilustrada pelo fato de as inscrições do século II ainda serem redigidas em neopúnico. Além disso, no mesmo período, o termo sufete era, pelo que sabemos, usado em pelo menos trinta cidades, tão distantes uma da outra como Volubilis, no oeste marroquino, e Leptis Magna, na África Antiga Libia.

A sobrevivência da religião fenício-líbia sob a dominação romana também é um fato de múltiplas significações. A existência de uma unidade cultural superficial no Magreb da época é confirmada pela misteriosa escrita libia. Essa escrita

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parece ter sido desenvolvida durante o século -II; foi depois empregada em estelas no tempo dos romanos das quais se encontram várias no Marrocos, na fronteira entre a Argélia e a Tunísia e na Líbia.

Após a conquista romana, o líbio e o neopúnico foram substituídos, enquanto línguas escritas, pelo latim; no fim do período romano continuou comum uma forma oral do púnico, mas é impossível determinar em que medida e onde continuou a se falar o líbio. No plano da história geral, a fundação de colonias fenícias no Magreb constitui o unico exemplo de extensão, no Mediterrâneo ocidental, das culturas mais antigas originárias do Oriente Próximo e Médio, às quais sobreviveria Cartago. Esse fenômeno, juntamente com a expansão grega para o Ocidente, associa-se ao movimento mais geral que levou todo o oeste do Mediterrâneo e de certa forma também o noroeste da Europa, até então habitado por diferentes povos, para a esfera de influência das civilizações do mar Egeu e do Oriente, com a vinda dos vândalos e germânicos do Norte da Europa..

Nada era mais inesperado na África do Norte do que estes conquistadores de orígem germânica. Nenhuma dominação se adaptou menos às realidades do território. Distanciando-se dos outros povos germânicos que, como eles, haviam emigrado em massa para a Europa ocidental em +406, os vândalos inicialmente se instalaram no sul da peninsula Ibérica, que, ao que parece, conservou seu nome (Vandalusia = Andalusia). Chamados ou não a intervir nas disputas internas do poder romano na África do Norte, eles cruzaram o estreito de Gibraltar, com uma força de 80 mil homens, sob o comando de

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seu rei Genserico (ou Geiserich) no ano de +429. O avanço foi fulminante.

Em +430, já sitiavam a cidade de Hipona e, em +435, viram reconhecida por parte dos romanos a posse de Constantina. Três anos mais tarde apoderaram-se de Cartago e, após uma breve retirada em +442, iniciaram, a partir de +455, três operações de grande envergadura: a anexação definitiva de toda a zona oriental da África romana, a conquista da maior parte das principais ilhas no Mediterrâneo ocidental – em Baleares, Sardenha e Sicília – e uma audaciosa expedição para saquear a própria Roma. O Império oriental, esperando desalojar os invasores, sofreu um desastre naval em +468 e, a partir dessa data, admitiu o fato consumado: um tratado de +474 consagrou definitivamente as boas relações entre Bizâncio e os vândalos, que representavam uma grande potência marítima no Mediterrâneo ocidental.

Foi benéfico o século de ocupação germânica de uma parte da África do Norte? Ao ler as fontes literárias da época, francamente hostís aos usurpadores, é de se ficar horrorizado com sua brutalidade. Mas a crítica moderna conseguiu desvincular o tema de seu contexto passional. O termo “vandalismo”, sinônimo de espírito de destruição, foi forjado apenas no final do século XVIII, e atualmente, graças a numerosos documentos arqueológicos, parece claro que, em sua má administração do território, os vândalos erraram muito mais por omissão do que por intenção.

Estamos nos aproximando de uma idéia cada vez mais clara da estrutura legal do Estado vândalo: realeza originária de uma aristocracia militar, detentoras ambas dos grandes dominios

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públicos e privados da antiga África romana; manutenção da administração romana, regional e local, incluindo até mesmo a utilização, em benefício do novo culto real, das antigas assembléias provinciais de tradição imperial. Portanto, Cartago tornou-se a rica metrópole do novo Estado.

Esse mesmo interesse pelo tradicionalismo latino afetou ainda a estrutura agrária, sendo engenhosamente preservadas as antigas leis romanas que regiam a organização camponesa, principalmente a Lex Manciana. O fenômeno do êxodo urbano para as áreas rurais, iniciado em toda parte durante o Baixo Império, intensificou-se, trazendo consigo a decadência e a diminuição da área de diversas cidades. Outras, ao contrário, como Ammaedara, Theveste ou Hipona, prosseguiram suas obras monumentais. Parece mesmo que durante esse período – e a manutenção da economia monetária o comprova – nem a agricultura nem o comércio sofreram qualquer declínio evidente.

Tudo indica que as relações externas foram prósperas, e o conjunto das possessões vândalas pode ser qualificado de “império do trigo”. São testemunho da riqueza das classes dominantes as finas jóias de estilo germânico, por vezes encontradas em Hipona, Cartago, Thuburbo Maios e Mactar.

O balanço político e religioso mostra-se mais negativo. Nas partes sul e oeste de seu domínio norte-africano, os vândalos sofreram tantos ataques dos “mouros”, denominação geral dos rebeldes norte -africanos, que é quase impossível fixar uma fronteira estável na zona sob seu controle. Tais limites eram certamente flutuantes, e é provável que jamais tenham ultrapassado, a oeste, a região de Djemila (Cuicul).

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No campo religioso, o clima de crise foi permanente. Os vândalos eram cristãos, mas professava o arianismo, heresia intolerável para o clero católico tradicional. Seguiu-se uma repressão quase sistemática do clero por um poder central pouco inclinado a tolerar resistências dogmáticas. O furor anticatólico atingiu seu climax após um pseudoconcílio reunido em Cartago no ano de +484.

O uso cada vez mais generalizado do dromedário, a partir dos séculos I e III, nos confins saarianos, onde passavam as rotas do sul e do leste, provavelmente fez reviver o nomadismo, facilitando os deslocamentos, a criação de gado nômade e a pilhagem das caravanas e dos centros sedentários influenciados em maior ou menor grau pela civilização romana.

É provável que, no início, o mesmo povo se dividisse em grupos sedentários, estabelecidos ao longo das rotas regulares e no limes, e em nômades condutores de camelos, ao sul; posteriormente, em meados do século IV, o governo imperial tornou-se cada vez menos capaz de policiar o deserto e, embora não houvesse uma política deliberada de retirada, as pequenas colonias na margem do deserto, que haviam se desenvolvido no século III, puderam apenas sobreviver, correndo sério risco de extinção por volta do século V.

Desse modo, a situação de crise moral e social levou a um processo de derrocada, acelerado na realidade pelos abusos ou pela incompetência dos sucessores de Genserico. Em +530, a usurpação de Gelimero, destronando o rei Hilderico, aliado do imperador do oriente Justiniano, incentivou a conquista bizantina.

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2.7 – A Sociedade Antiga e Medieval

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A acumulação de capital na Europa e o progresso da revolução industrial, fenômenos simultâneos e complementares, seriam inconcebíveis sem a contribuição forçada da Ásia, das Américas e, sobretudo, da África. Sem a força de trabalho dos escravos africanos não haveria acumulação primitiva do Capital para se estabelecer a Sociedade Capitalista.

Paralelamente, mesmo durante os séculos de desenvolvimento interno, em que a rapina externa não era tão acentuada (da Antiguidade ao século XVI), numerosas contradições no interior do próprio sistema africano constituíam obstáculos estruturais à passagem, sob pressão, para estruturas mais progressistas.

No Modo de Produção Asiático, o recrudescimento da exploração de classe, longe de destruir as estruturas baseadas na propriedade coletiva da terra, reforça-as: elas constituem o quadro no qual se efetua a retirada antecipada do sobreproduto, condição indispensável da exploração.

Realmente, são as comunidades de base que, como tais, são responsáveis pelo pagamento do sobreproduto. A África dos clãs e das aldeias ainda existentes, pouco vinculadas à apropriação privada da terra, um bem tão vasto e tão precioso, mas também tão gratuito quanto o ar, ignorou durante muito tempo o problema da aquisição de terras como fonte de conflitos entre grupos sociais.

Mas essa não foi a única causa do “arcaísmo” das formas sociais observáveis na África.

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O baixo nível das técnicas e das forças produtivas, numa espécie de círculo vicioso, era simultaneamente causa e consequência da diluição demográfica num espaço não controlado, porque quase ilimitado. Em virtude dos obstáculos naturais, o tráfico comercial de longa distância quase nunca se tornou muito ponderável, apoiando-se nos produtos de luxo frequentemente limitados aos oásis econômicos dos palácios.

De fato, devemos efetivamente levar em conta as barreiras ecológicas. A contraprova dessa afirmação é que, todas as vezes em que essas barreiras foram total ou parcialmente suprimidas, como no vale do Nilo e em menor escala no vale do Níger, a dinâmica social ativou-se; em favor do progresso concomitante da densidade humana e da propriedade privada.

Assim, não houve na África, em seu conjunto, nem fase escravista nem fase feudal como no Ocidente. Nem se pode dizer que os modos africanos sejam modalidades desses sistemas socioeconômicos, pois frequentemente há falta de elementos constitutivos essenciais. Isso significa que se deve subtrair a África aos princípios gerais de evolução da espécie humana? Evidentemente não.

No entanto, mesmo que esses princípios sejam comuns a toda a humanidade, mesmo admitindo que o essencial das categorias metodológicas gerais do materialismo histórico seja universalmente aplicável, haveria razões para nos concentrarmos unicamente no essencial: as correspondências que podem ser observadas entre as forças produtivas e as relações de produção, assim como a passagem das formas de sociedade sem classes às formas sociais de lutas de classe.

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Nesse caso, conviria analisar as realidades africanas no contexto, não de um retorno, mas de recurso a Karl Marx. Se a razão é una, a ciência consiste em aplicá-la a cada um de seus objetos.

Em resumo, constata-se na África a permanência marcante de um modo de produção partcular, semelhante aos outros tipos de comunidades “primitivas”, mas com diferenças fundamentais, especialmente uma espécie de aversão à propriedade privada ou estatal.

A seguir, há uma passagem gradual e esporádica para formas estatais, elas próprias imersas durante muito tempo na rede de relações pré-estatais subjacentes; tais formas emergem progressivamente, por impulso interno e pressão externa, da ganga do coletivismo primitivo desestruturado, para se reorganizarem, com base na apropriação privada e no fortalecimento do Estado, num modo de produção capitalista, inicialmente dominante e depois monopolizador.

O Estado colonial foi, na realidade, criado para administrar as sucursais periféricas do capital, antes de ser substituído por um Estado capitalista independente, na segunda metade do século XX. Alternativamente, ocorreu a transição do predomínio comunitário original para o do capitalismo colonial e depois para uma via socialista de desenvolvimento, em alguns países.

De qualquer forma, um fato se impõe claramente na África: por razões estruturais que não sofreram modificações em sua essência há pelo menos meio milênio, e levando em conta o crescimento demográfico, as forças produtivas estagnaram;

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esse é um fato que não exclui crescimentos esporádicos e localizados, com ou sem desenvolvimento.

Essa estagnação não exclui também o extraordinário florescimento artístico, nem o refinamento das relações interpessoais. É como se os africanos tivessem investido nessas áreas a essência de sua energia criadora. Isto não está relacionado a um específico estado inato, nem uma “natureza” diferente, mas a um meio histórico original. Essa é a razão pela qual, na definição de um eventual “modo de produção africano” deveria dar-se atenção especial às “instituições” sociológicas, políticas e “ideológicas”.

As lutas de libertação, que ainda hoje assolam alguns territórios da África, são simultâneamente o indicador e a negação desse empreendimento de domesticação do continente no contexto de um sistema que poderíamos chamar de modo de subprodução africano. Mas desde os primeiros vagidos do Homo habilis, encontramos já a mesma luta de libertação, a mesma intenção obstinada e irreprimível de ter acesso ao ser-mais, desvencilhando-se da alienação pela natureza e depois pelo homem.

Em suma, a criação, a autocriação do homem, iniciada há milhares de milênios, ainda prossegue na África. Em outros termos, de certa maneira a Pré-História da África ainda não terminou.

Uma das caracteristicas particulares desse submodo de produção africano, por exemplo, é a questão das estruturas nacionais. As palavras começam a se distinguir das utilizadas nos modos de produção conhecidos e a apresentarem

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significados mais complexos: A palavra “reino”, por exemplo, não tem a mesma acepção na África, que na Europa ou mesmo na Ásia.

Podemos ver isto quando analisamos os reinos do Kongo e de Danxome, que são bastante elucidativos. É necessário que o historiador seja bastante cuidadoso ao empregar esse termo. Deve-se notar ainda que, enquanto no Kongo a chefia corresponde a um sistema de governo, no antigo reino de Danxome (Abomey), ela é um modo de descentralização administrativa.

Houve então, um processo de conquista e aculturação-assimilação entre os povos aparentados e vizinhos (Fon, Mahi, Alada, Savi, Juda, etc.). O “reino” torna-se, a partir daí, um Estado pluriétnico, estruturado e centralizado graças a uma forte organização administrativa e militar, e também a uma economia dirigida e dinâmica.

Às vésperas da penetração colonial, o reino de Danxome constituía um verdadeiro Estado-Nação, onde o diálogo e a palavra, a adesão das populações (através das chefias), eram um princípio de governo.

Outro termo que não pode ser aplicado à África como é aceito para o Ocidente ou para o Oriente é a palavra “feudalismo”. No campo de observação constituído pela Europa ocidental (não entendida apenas em seus limites geográficos), se pode compreender no sentido dos medievalistas com tendência jurídica: o feudalismo é o que se refere ao feudo (surgido em torno dos séculos X-XI) e o conjunto de relações (lealdade, homenagem e obrigações) que liga o vassalo ao senhor,

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proprietário do domínio. Os camponeses, que não fazem parte da camada superior da sociedade, não são considerados nesta acepção da palavra.

Os marxistas, ao contrário, damos um sentido mais amplo ao vocábulo “feudalismo”: é um modo de produção caracterizado pela exploração econômica das classes dominadas (os servos) pelas classes dominantes (os senhores feudais). Os servos estão ligados à gleba e dependem do senhor. Este não pode mais matar o servo, mas o pode vender (propriedade limitada ao trabalhador). A servidão substitui a escravidão, mas muitos aspectos da condição desta última estão ainda presentes. Os servos, ou os camponeses, não estão associados à gestão dos negócios públicos e também não assumem funções administrativas. Do ponto de vista da evolução das sociedades européias, o regime feudal é uma etapa intermediária no processo de desenvolvimento mercantil no caminho do Capialismo. No entanto, muitos marxistas ainda misturam a noção política de feudalismo e a noção socioeconômica de senhoria, que, graças a Marx, os historiadores aprenderam a distinguir desde 1.847. Seja qual for o sentido em que o termo é empregado, se pode dizer que os regimes medievais europeus se assemelham aos da África pré-colonial? Evidentemente que não.

O caráter “feudal” da organização dos Bariba (Daomé), por exemplo, pode ser entendido, em sua generalidade, apenas como uma hipótese de trabalho. O estágio pouco avançado das pesquisas sobre a questão do “feudalismo” na África exige do historiador uma prudência maior. E parece que as tendências “feudais” apresentadas pelas sociedades da África não devem

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ser definidas em relação a direitos reais devidos à atribuição de um “feudo”, mas sim em relação a uma forma de organização política baseada num sistema de relações sociais e econômicas particulares.

Poderíamos ser levados a seguir alguns estudiosos que acreditavam poder dizer a priori qual a natureza ou perfil do corpus de tradições históricas de uma determinada sociedade, a partir da classificação das coletividades em tipos como “Estados”, “sociedades sem Estado”, etc. Embora seja verdade que as diversas sociedades africanas possam ser, grosso modo, classificadas de acordo com tais modelos, é fácil demonstrar que essas tipologias podem se estender ao infinito, pois cada sociedade é diferente, e os critérios utilizados são arbitrários e limitados.

Não existem dois Estados idênticos ou mesmo semelhantes nos detalhes. Há imensas diferenças entre as linhas-mestras da organização das sociedades Massai (Quenia-Tanzânia), Embu (Quênia), Meru (Quênia) e Galla (Quenia-Etiópia), embora todas elas possam ser classificadas como sociedades baseadas em classes etárias e estejam situadas na mesma região da África. Se se desejasse examinar um caso de uma sociedade dita simples, sem Estado, composta de pequenos grupos estruturados por múltiplas linhagens, se poderia pensar que os Gouro (Costa do Marfim) constituíssem bom exemplo.

Esperando encontrar um perfil de tradições contendo somente histórias de linhagens e genealogias – e realmente o encontramos –, nos deparamos também com uma história esotérica transmitida por uma sociedade secreta. Tomemos o caso dos Tonga de Zâmbia: encontramos novamente a história

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da linhagem, mas também histórias de centros rituais animados pelos fazedores de chuva.

Não há uma única sociedade desse tipo que não apresente uma Instituição importante “inesperada”. Entre os Estados, o caso extremo é, certamente, o do reino dos Bateke (Tio), em que a tradição real não remonta a mais do que duas gerações, embora os reinos devam ter tradições muito antigas.

Seguindo as tradições relativas ao símbolo real, generalizações apressadas sobre o valor das tradições seriam absolutamente despropositadas. O perfil de um determinado corpus de tradições só pode ser determinado a posteriori. A África aparece como um velho continente que, desde épocas remotas, foi ocupado por povos que cedo desenvolveram esplêndidas civilizações.

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A geografia africana, tanto em seus aspectos estruturais como em seus meios naturais, mostra traços vigorosos herdados de um longo passado geológico.

O espaço africano é mais maciço e continental do que qualquer outro. Vastas regiões no coração do continente, a uma distância de mais de 1.500 km do mar, permaneceram durante muito tempo à margem das grandes correntes de circulação, o que explica a importância das depressões meridianas, como o Rift Valley da África oriental, para a fixação do homem desde a Pré-História.

Na verdade, a sociabilidade teve um papel fundamental na aquisição da linguagem, desde os sinais sonoros herdados dos antepassados animais até os sons mais articulados, combinados de maneiras diferentes em forma de sílabas.

A fase de lalação, caracterizada por monossílabos, visava a desencadear, como por reflexo condicionado a um ato, gesto ou comportamento, ou ainda chamar a atenção para determinado acontecimento ocorrido ou iminente. Em resumo, no começo a fala era essencialmente relação. Ao mesmo tempo, o alongamento da mandíbula fazia recuar os órgãos da garganta, abaixando assim o ponto de ligação da língua.

Em suma, a fala é um processo dialético entre a biologia, as técnicas e o espírito, mas depende da mediação do grupo. Sem um parceiro a lhe fazer eco, sem um interlocutor, o homem teria permanecido mudo. Reciprocamente, porém, a fala é uma aquisição tão preciosa que nas representações mágicas ou cosmogônicas africanas lhe é reconhecida um poder sobre as coisas.

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O verbo é criador. A palavra é também o condutor do progresso. É a transmissão dos conhecimentos, a tradição ou “a herança dos ouvidos”. É a capitalização do saber, que eleva o homem, definitivamente, acima da eterna mecânica fechada do instinto. Enfim, a fala foi a aurora da autoridade social, isto é, da liderança e do poder.

A história de cinco décadas de independência política deixa uma impressão ambígua: ao que parece, ainda está longe de ser compreendida a necessidade de se edificar tais complexos para fazer frente a outras comunidades similares, cada vez mais numerosas.

Não foi a linguagem que permitiu ao homem conceituar, memorizar e retransmitir os conhecimentos adquiridos diretamente na experiência da vida cotidiana? Não foi ele o mais extraordinário produto da capacidade científica das sociedades não instruídas?

Se o Homo sapiens é um animal político, ele passou a se-lo durante esse período pré-histórico. É muito difícil periodizar as causas e as etapas desse processo. Mas, nesse caso também, as técnicas de produção e as relações sociais desempenharam um papel importante.

Na verdade, os pré-hominídeos e os homens pré-históricos africanos viveram em rebanhos, depois em bandos, em grupos e em equipes organizadas graças a tarefas técnicas concretas que eles, para sobreviverem e viverem melhor, só podia realizar em grupo.

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O habitat já é um aspecto comunitário que aparece desde os primeiros albores da inteligência humana. Há sempre um lugar para reunião, mesmo que transitório, um lugar adaptado ao repouso, à defesa, ao abastecimento. O fogo já reunia periodicamente os membros do grupo para resguardá-los dos animais, do medo e da escuridão exterior.

No vale do Omo (Etiópia), humildes vestígios líticos, intencionalmente dispostos, delineiam ainda sobre o solo a planta exumada das “cabanas” dos primeiros hominídeos. Tais abrigos irão se aperfeiçoando até essas aldeias neolíticas localizadas em regiões altas, pontos privilegiados protegidos das inundações e dos ataques, mas próximas de uma fonte de água, como na falésia de Tichitt-Walata (Mauritânia).

Mas era para a pesca e para a caça que a identidade de objetivos se manifestava de modo decisivo. Nossos ancestrais pré-históricos não podiam abater animais dotados de maior força do que eles, a não ser por meio de uma organização superior. Reuniam-se para encurralar os animais, acossando-os em direção às falésias e ravinas, onde alguns de seus companheiros se tinham postado para liquidá-los.

Cavavam junto às fontes de água, onde a caça graúda chegava em grande quantidade na época da seca, armadilhas gigantescas, dentro das quais os animais caíam. Mas era necessário, a seguir, abater o animal, esquartejá-lo e transportar os pedaços, tarefas que já exigem certa divisão do trabalho. Esta adquire toda a sua importância no Neolítico, graças à crescente diversificação de atividades. Realmente, o jovem do Paleolítico não tinha escolha.

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Sua orientação profissional era automática: coleta, caça ou pesca. No Neolítico, porém, a margem de escolha é muito maior, o que implica em uma criteriosa repartição das tarefas, que se tornam cada vez mais especializadas: para mulheres e homens, camponeses e pastores, sapateiros, artesãos em pedra, madeira, ou osso e, logo, ferreiros.

Essa nova organização e a crescente eficácia das ferramentas permitiram liberar pessoal excedente, oferecendo a alguns a possibilidade de abandonar a função de produtor de bens, para se dedicarem aos serviços. As relações sociais se diversificam ao mesmo tempo em que os grupos, que se justapõem ou se sobrepõem, num esboço de hierarquia. É também o momento em que as etnias se formam e se fixam; as mais arcaicas são os khoisan e os pigmeus. O africano negro de grande porte (sudanês ou bantu) aparecerá mais tarde, assim como o homem de Asselar (vale do Oued Tilemsi, no Mali).

O africano negro, que há pouco havia empreendido uma expansão pluricontinental, diferenciou-se e desenvolveu-se, ao que parece vitoriosamente, na África, sua terra de origem, a partir do Saara. No entanto, em outras regiões era rechaçado, como no reduto dravídico do Deccan na Ásia, ou suplantado, como na Europa, por etnias mais bem adaptadas às condições climáticas desfavoráveis.

Esse fato ocorreu também nas regiões da África do norte, em favor das etnias mediterrâneas. Segundo Furon, as estatuetas do Aurignaciense apresentam um tipo étnico negroide. Para esse autor, de fato, “os aurignacienses negroides prolongam-se numa civilização conhecida como capsiense”. Dumoulin de Laplante, por sua vez, escreve: “Nessa época, uma migração de

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negroides do tipo hotentote teria, partindo da África meridional e central, submergido a África do norte […] e trazido para a Europa mediterrânea, à força, uma nova civilização: o Aurignaciense”. Deve-se, portanto concluir que, na orla do mundo negro, antigas mestiçagens são responsáveis por populações com características negroides menos marcantes, prematuramente batizadas de “etnia parda”: peul, etíopes, somalis, nilotas, etc. Falou-se mesmo, abusivamente, de etnia “camita”.

Outro domínio em que a representação da vida social nos é mostrada com insuperável vigor é o da arte pré-histórica africana, mural e plástica. Tendo sido a África o continente mais importante na evolução pré-histórica, aquele onde as

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populações de hominídeos e posteriormente de hominíeos eram as mais antigas: “Há 30.000 anos a raça negra cobria o mundo”; as mais numerosas e as mais inventivas, não é surpreendente que a arte pré-histórica africana seja de longe a mais rica do mundo e que tenha imposto, na época, um dominium tão importante quanto a música negro-africana no mundo de hoje.

Esses vestígios estão concentrados, sobretudo na África meridional e oriental, no Saara, no Egito e nos altos planaltos do Atlas. Seguramente, essa arte foi muitas vezes o reflexo do deslumbramento individual diante da efervescente vida animal que se agitava ao redor do abrigo. Na maioria das vezes, contudo, trata-se de uma arte social centrada nas tarefas cotidianas, “os trabalhos e os dias” do grupo, seus confrontos com as feras ou os clãs hostis, suas ânsias e seus terrores, seus passatempos e seus jogos, em suma, os pontos altos da vida coletiva. Galerias ou afrescos animados e palpitantes, que refletem no espelho das paredes rochosas a vida impetuosa ou bucólica dos primeiros clãs humanos.

Essa arte, que tem sua origem numa técnica apurada até o mais alto grau, reflete com frequência também as preocupações e as angústias espirituais do grupo. Representam danças de feitiçaria, grupos de caçadores mascarados, feiticeiros em plena ação, mulheres com o rosto pintado de branco (como ainda hoje se faz na África, nas cerimônias de iniciação) e que se apressam, como que chamadas para algum misterioso encontro. Sente-se, aliás, com o correr do tempo, uma passagem gradual da magia à religião, o que confirma a evolução do homem para a sociedade política durante a Pré-História africana, já que

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grande número de líderes são, no início, simultaneamente chefes e sacerdotes.

De fato, o crescimento das forças produtivas no Neolítico deve ter provocado uma expansão demográfica, que por sua vez desencadeou fenômenos migratórios, como prova a dispersão característica de certas “oficinas” pré-históricas, cujo material lítico apresenta parentesco de estilo. O raio de ação dos ataques e das mudanças definitivas estendia-se à medida que aumentava a eficácia das ferramentas e das armas, às vezes relacionada com a redução de seu peso.

A África é um continente que os homens percorreram em todos os sentidos, atraídos pelos imensos horizontes dessa vasta terra. A inextricável confusão das imbricações que o mapa étnico africano apresenta hoje, em um quebra-cabeça que desencorajaria um computador, é resultado desse movimento browniano dos povos, de envergadura plurimilenar. Tanto quanto se possa julgar, os primeiros movimentos migratórios parecem ter começado com os “Bantu” do leste e do nordeste para se expandirem em direção ao oeste e ao norte.

Depois, a partir do Neolítico, a tendência geral é aparentemente a descida para o sul, como sob o efeito repulsivo do gigantesco deserto, terrível faixa ecológica instalada soberanamente desde então de um lado a outro do continente. Esse refluxo para o sul e para o leste (sudaneses, bantu, nilotas, etc.) prosseguirá durante o período histórico até o século XIX, quando as últimas vagas terminariam nas costas do mar austral.

O líder de caravana que, carregado de amuletos e armas, conduziu o clã ao progresso ou à aventura, é o ancestral

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epônimo que impulsionava seu povo para a história e cujo nome atravessará os séculos, aureolado com um halo de veneração quase ritual. Na verdade, as migrações eram essencialmente fenômenos de grupos, atos de componentes eminentemente sociais.

Essas migrações, consequências de vitórias (ou derrotas) no meio original, apresentarão finalmente um saldo com resultados ambíguos. Por um lado, propiciam de fato o progresso, porque a ocupação de porções sucessivas e convergentes garante pouco a pouco a posse, ou então o domínio do continente; além disso, graças às trocas que promovem, põem em relevo as inovações, por uma espécie de efeito cumulativo. Por outro lado, contudo, diluindo a densidade do povoamento num espaço imenso, impedem os grupos humanos de atingirem o limiar de concentração a partir do qual, para sobreviver, o formigueiro humano é obrigado a se ultrapassar em invenções.

O que impressiona nessa ascensão é a permanência, através do movimento histórico, até pleno século XX, de comunidades originariamente nascidas na Pré-História. Aliás, se demarcarmos como início da História a utilização de objetos de ferro poderemos afirmar que a Pré-História teve continuidade em várias regiões africanas até o ano 1.000, aproximadamente.

Ainda no século XIX, as forças produtivas e as relações socioeconômicas de grande número de grupos africanos (não apenas paleonegríticos) não eram substancialmente diferentes daquelas da Pré-História, exceto quanto à utilização de instrumentos de metal. As técnicas de caça dos pigmeus

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reproduzem, em pleno século XX, as próprias técnicas dos africanos da Pré-História, de milhares de anos atrás.

Para além do esplêndido apogeu da civilização egípcia e das realizações eminentes ou gloriosas de tantos reinos e impérios africanos, essa realidade maciça perdura, dando corpo e textura à linha de desenvolvimento das sociedades africanas, e merece ser destacada de forma conveniente.

Evidentemente que essa “estagnação” civilizatória se deve às invasões de seus territórios e a expulsão de muitos povos para os confins das florestas, exatamente como aconteceu no Brasil, com nossos povos nativos; além de dizimados pelos invasores portugueses eles foram banidos de seu habitat e tiveram que procurar os locais mais inacessíveis para conseguir sobreviver.

Aconteceu o mesmo nos Estados Unidos, com o genocídio dos povos nativos e sua restrição às “reservas”; da mesma forma

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como na destruição dos Incas e dos Aztecas, no Peru e no México, ou na guerra da “fronteira” contra os Araucanos e os Mapuche, na Argentina e no Chile, respectivamente.

Decerto, o “sentido da história” nunca implicou uma direção unívoca, com a qual o espírito dos homens tenha concordado unanimemente. A própria África produziu pensadores, alguns dos quais tinham uma visão profunda da dinâmica e do destino do movimento histórico. O africano católico Santo Agostinho (354-430) faz a visão dos historiadores dar um passo de gigante, ao romper com a concepção cíclica do eterno retorno, corrente nessa época, e professar que, do pecado original ao juízo final, existe um eixo irreversível, traçado em seu conjunto pela vontade divina, mas ao longo do qual, por seus atos, cada homem se salva ou se perde. E a cidade terrestre é estudada em seu passado apenas para que nela sejam detectados os sinais anunciadores da Cidade de Deus.

Por sua vez, Ibn Khaldun (1.332-1.406), embora reconhecendo a Alá um império eminente sobre os destinos humanos, é o fundador da História como ciência, fundamentada em provas confirmadas pela razão. “Deve-se confiar em seu próprio julgamento, já que toda verdade pode ser concebida pela inteligência.” Por outro lado, para ele, o objetivo dessa ciência não é apenas a espuma superficial dos acontecimentos: “qual é a vantagem de relatar os nomes das mulheres de um antigo soberano, ou a inscrição gravada em seu anel?”. Ele estuda, sobretudo, os modos de produção e de vida, as relações sociais, em suma, a civilização (al-Umrān al-Basharī).

Finalmente, elabora, para explicar o processo de progressão da história, uma teoria dialética que opõe o papel do espírito

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solidário igualitarista (asabiya) à ditadura do rei, respectivamente nas zonas rurais e pastoris (al-Umrān al-Badawī) e nas cidades (al-Umrān al-Hadarī).

Portanto, há uma passagem incessante e alternada do dominium de uma ao da outra forma de civilização, sem que esse ritmo seja cíclico, pois se reproduz, a cada vez, em um nível superior, para dar origem a uma espécie de progressão em espiral. Afirmando que “as diferenças nos costumes e nas instituições dos diversos povos dependem da maneira como cada um deles provê à sua subsistência”, Ibn Khaldun formulava, com clareza e alguns séculos de antecedência, uma das proposições fundamentais do materialismo histórico de Karl Marx.

Marx, após ter analisado, com a solidez e o poder de síntese que lhe são característicos, a lei da evolução do mundo ocidental, debruçou-se subsidiariamente sobre os modos de produção exóticos. Em 1.859, em Formen, destaca o conceito de modo de produção asiático, uma das três formas de comunidade agrárias, “naturais”, baseadas na propriedade comum do solo. O modo de produção asiático caracteriza-se pela existência de comunidades aldeãs de base, dominadas por um corpo estatal beneficiário dos excedentes de produção dos camponeses, submetidos não a uma escravidão individual, mas a uma “escravidão geral” que os subordina como grupo.

Portanto, concomitantemente a um poder de função pública, os dirigentes exercem um poder de exploração das comunidades inferiores. Essa comunidade superior atribui a si a propriedade suprema das terras, comercializa os excedentes e empreende trabalhos de vulto, sobretudo de irrigação, para aumentar a produção.

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Em resumo, exerce sobre as massas uma autoridade qualificada de “despotismo oriental”. Ora, os conhecimentos arqueológicos e antropológicos acumulados desde Marx mostraram que o desenvolvimento de certas sociedades não é redutível nem a todos os cinco estágios definidos por Marx em O Capital, nem à variedade pré-capitalista do “modo de produção asiático”, considerado uma variante da passagem para o Estado, no caso de sociedades não européias. Em particular, e dependendo de estudos monográficos posteriores invalidando essa proposição, a análise concreta das estruturas africanas não permite isolar todas as características formuladas por Marx para descrever a sucessão dos diferentes modos de produção.

Assim, no estágio da comunidade primitiva – contrariamente às formas europeias (antiga e germânica), que se diferenciam pelo fato de a apropriação privada do solo já se desenvolver no seio da propriedade comum – a realidade africana não revela tal apropriação. Fora essa notável característica, as comunidades originais da África apresentam os mesmos traços de outras do resto do mundo. Da mesma forma, são muito flagrantes as diferenças que existem entre as estruturas africanas e o modo de produção asiático. Por isso a atração para denominá-lo um submodo de produção africano, com referência no modo de produção asiático descrito por Marx.

Com efeito, nas comunidades aldeãs africanas a autoridade superior, o Estado, não é mais proprietária da terra do que os particulares. Por outro lado, o Estado geralmente não empreende trabalhos de vulto. Quanto à própria estrutura, a unidade superior é apresentada como o “proprietário superior” ou como “o único proprietário”. Com efeito, Marx ora insiste sobre o fato de que o próprio Estado é o verdadeiro proprietário

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da terra, ora faz simultaneamente observações sobre a importância dos direitos de propriedade das comunidades aldeãs.

Sem dúvida, não existe contradição entre essas duas tendências. Não existe propriedade privada da terra, no sentido do direito romano ou do Código Civil do poder, enquanto superestrutura, não se inclui em nenhuma definição de modo de produção, embora seja um indício da constituição de classes. Essa estrutura, na África, não apresenta os traços do “despotismo oriental” descrito por Marx. Sem negar que tenham existido casos de autocracia sanguinária, a autoridade estatal na África quase sempre assume a forma de uma monarquia moderada, limitada por corpos constituídos e costumes – verdadeiras constituições não escritas – instituições em geral herdadas da organização ou da estratificação social anteriores.

Mesmo no caso de impérios prestigiosos e eficientes como o Mali, descritos com admiração por Ibn Battuta no século XIV, que se estendiam por vastos territórios, a descentralização, por escolha deliberada, deixava as comunidades de base funcionar dentro de um verdadeiro sistema de autonomia. De qualquer modo, sendo a escrita em geral pouco utilizada e tendo as técnicas e os meios de deslocamento permanecidos pouco desenvolvidos, o poder das metrópoles era sempre diminuído pela distância. Essa distância tornava igualmente muito concreta a permanente ameaça de os subordinados se livrarem de uma eventual autocracia por meio da fuga. Por outro lado, na África a produção excedente das comunidades de base parece ter sido modesta, exceto quando havia um monopólio estatal sobre

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gêneros preciosos, como o ouro em Gana ou Ashanti, o marfim, o sal, etc.

No entanto, mesmo nesse caso, não devemos esquecer a contrapartida de serviços prestados pela chefia (segurança, justiça, mercados, etc.), nem minimizar o fato de que uma boa parte das contribuições e rendas era redistribuída, por ocasião das festas costumeiras, conforme o código de honra em vigor para os que deviam viver nobremente. Isso explica a suntuosa generosidade de Kankou Mussa, o Magnífico, imperador do Mali, na época de sua faustosa peregrinação em 1.324.

Quanto ao modo de produção escravista, existia ele na África? Também nesse caso, somos obrigados a responder negativamente. Em quase todas as sociedades ao sul do Saara, a escravidão desempenhou um papel apenas marginal. Se entendermos por despotismo uma autoridade absoluta e arbitrária, não podemos rejeitar a ideia de um despotismo africano. Não acreditamos que haja razões para encontrar, na organização dos Estados africanos, a reprodução de um modelo tomado de empréstimo à Ásia; no máximo, podemos destacar algumas semelhanças superficiais.

Após ter observado que para G. Balandier “afinal, o preço que os detentores do poder político deviam pagar nunca é integralmente recompensado”, acredita, por sua vez, que os serviços públicos dos chefes “exigem um poder coercitivo apenas nas sociedades muito vastas, heterogêneas e urbanas.

O prisioneiro de guerra, caso não fosse sacrificado ritualmente, como acontecia às vezes, era muito rapidamente integrado à família da qual se tornara propriedade coletiva. Era um

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complemento humano da família, que se beneficiava, com o tempo, de uma libertação de direito ou de fato.

Quando empregados como soldados de infantaria, os prisioneiros gozavam de vantagens substanciais e às vezes, como em Kayor, chegavam a ser representados no governo, na pessoa do generalíssimo. Em Ashanti, para garantir a integração “nacional”, era estritamente proibido fazer alusão à origem servil de alguém, de modo que um antigo prisioneiro podia tornar-se chefe de aldeia. “A condição de prisioneiro, embora comum na África […], não implicava um papel determinado na produção, que caracteriza uma classe social”.

Em locais onde a escravidão adquire caráter maciço e qualitativamente diferente, como no Daomé, em Ashanti e em Zanzibar nos séculos XVIII e XIX, trata-se de estruturas originadas já de um modo de produção dominante, o capitalismo, e que, na realidade, são suscitadas pelo impacto econômico exterior. E que dizer do modo de produção feudal? Comparações precipitadas levaram alguns autores a qualificarem de “feudal” uma ou outra chefia africana.

Também nesse caso, contudo, falando em termos gerais, não há apropriação nem atribuição privada da terra, portanto não há feudo. O solo é um bem comunitário inalienável, a tal ponto que o grupo de conquistadores que se apropria do poder político deixa com frequência a responsabilidade das terras da comunidade ao dirigente autóctone, o “chefe da terra” – o teng-soba mossi, por exemplo.

Na verdade, a autoridade da aristocracia “era exercida sobre os bens e os homens, sem atingir a propriedade fundiária em si,

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prerrogativa dos autóctones”. Aliás, a “nobreza” africana não entrou para o comércio. Continuava a ser sempre um atributo de nascimento, do qual ninguém podia privar o titular. “Não é o feudo, mas a relação entre o senhor e o vassalo que é crucial”, é claro que não saberíamos dissociar inteiramente um do outro.

As relações de “feudalismo” descritas por historiadores europeus parecem, aliás, um tanto peculiares às sociedades interlacustres e estabelecem-se frequentemente, como em Ankole ou em Buha, entre os membros da casta superior. Nessas condições, trata-se da mesma realidade institucional da Europa, por exemplo?

Finalmente, devemos considerar as estruturas socioeconômicas como o sistema familiar matriarcal, que caracterizou fortemente as sociedades africanas, pelo menos em sua origem, antes que influências posteriores como o islamismo, a civilização ocidental, etc., impusessem pouco a pouco o sistema patriarcal.

Essa estrutura social, tão importante para definir o eminente papel da mulher na comunidade, comportava igualmente consequências econômicas, políticas e espirituais, uma vez que ela desempenhava um papel marcante tanto na herança de bens materiais como dos direitos à sucessão real, a exemplo do que ocorria em Gana.

O parentesco uterino parece ter saído das profundezas da Pré-História africana, do momento em que a sedentarização do Neolítico tinha exaltado as funções domésticas da mulher, a ponto de torná-las o elemento central do corpo social. Numerosas práticas têm origem nesse fato, tais como o

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“parentesco de brincadeira”, o casamento com a irmã, o dote pago aos pais da futura esposa, etc.

Nessas condições, como se pode descrever a linha de evolução característica das sociedades africanas moldadas pela Pré-História? Deve-se observar inicialmente que durante esse período a África desempenhou nas relações intercontinentais o papel de pólo e foco central de invenção e divulgação das técnicas.

O número total de colonos romanos instalados na regiao à época de Augusto ultrapassa de pouco os 20 mil. A África

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romana não foi, em nenhuma hipótese, uma colonia de povoamento. Quanto aos acrescimos vândalo e bizantino, foram provavelmente ainda mais modestos.

Em torno de treze milênios antes da Era Cristã já se registra a presença de uma civilização denominada muito impropriamente Íbero Maurusiense (a navegacao pelo estreito de Gibraltar só chegou a ser praticada 9 mil anos mais tarde). Seus portadores, a etnia de Mechta-el-Arbi, são de grande estatura (1,72 m em média), dolicocéfalos, com testa baixa e membros longos; seria a primeira etnia a representar o Homo sapiens no Magreb. Praticavam com frequência a retirada dos dentes incisos. Reconheceu-se em alguns sítios – notadamente no de Columnata (Argelia ocidental) – uma evolução para a meso-braquicefalia, bem como sinais de gracilização, por volta de -6.000. O fim da civilização íbero-maurusiense propriamente dita ocorre no final do IX milênio, de maneira mais ou menos incisiva segundo a região.

Suplantado na Cirenáica pelo Capsiense, o Íbero-Maurusiense extingue-se de maneira vaga diante das culturas locais da Argélia e do Marrocos. Está ausente da costa norte-oriental da Tunísia, bem como das pequenas ilhas do litoral, e é fracamente representado na região de Tanger. É pouco provavel que tenha chegado às Ilhas Canárias, ao contrário do que em geral se acredita: embora os Guanchos se assemelhassem fisicamente aos homens de Mechta-el-Arbi, suas indústrias e seus costumes não lembram em nada a cultura destes últimos.

Essa civilização não pode ter vindo da Europa, já que é anterior aos inícios da navegação nos estreitos de Gibraltar e da Sicília.

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Somos levados a crer numa origem oriental: talvez provenha, mais precisamente, do norte do Sudão nilótico, como sugere J. Tixier. Sob a pressão das vagas migratórias posteriores, os íbero-maurusienses provavelmente se refugiaram nas montanhas, podendo-se supor que tenham constituído uma das componentes antropológicas do povoamento dos djebel (cordilheiras).

Além disso, muitos monofisitas abandonaram o Império Bizantino e buscaram refugio na Arábia após os concílios de Nicéia e principalmente de Calcedônia, quando os arianos foram condenados e erseguidos. Neste país, com a ajuda dos reis e dos cristãos de Axum, eles fundaram uma poderosa comunidade. Sob o reinado de Justino I, numerosos sírios monofisitas expulsos por ordem do imperador dirigiram-se a Hira (al-Nadjaf, no atual Iraque) e dali atingiram a Arábia do sul, instalando-se em Najran.

Mas seu número aumentou após a terceira destruição de Jerusalém, pelo imperador Tito, no ano 70. Perseguidos pelos romanos, os judeus foram acolhidos por seus compatriotas estabelecidos na Arábia do sul. Outros grupos que professavam a religião hebraica viveram nessa região da Arábia do sul durante muito tempo, talvez desde a destruição de Jerusalém por Nabucodonosor, em -587, e sua ocupação pelos lágidas. Mas seu número aumentou após a terceira destruição de Jerusalém, pelo imperador Tito, no ano 70. Perseguidos pelos romanos, os judeus foram acolhidos por seus compatriotas estabelecidos na Arábia do sul.Nessas duas comunidades de judeus e cristãos incluía-se todo o grupo árabe – iemenita, catabânicos, hadramáuticos, etc. –, que conservara o culto tradicional da lua e se mostrava

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naturalmente atraído pelo florescente recinto da Caaba. Maomé, fundador do islamismo e destruidor de ídolos, ainda não havia nascido. Os três credos eram obrigados a viver lado a lado. Graças, porem, à inestimável ajuda dos axumitas, os cristãos, alem de ver aumentado seu número, puderam desenvolver e organizar sua comunidade. Muitas igrejas foram construídas. Najran e Zafar (Tafar) converteram-se em grandes centros culturais cristãos e em importantes postos de comércio.

Seria um erro, certamente, imaginar um Saara completamente dominado pelos etíopes durante o Neolitico e a época proto-histórica, mesmo tendo-se o cuidado de restituir a palavra “etíope” o sentido geral de “homem de cor”, sem, contudo, traduzí-la por “negro”. Em publicação recente, M. C. Chamla acredita ter estabelecido que apenas a quarta parte dos esqueletos desse período poderia ser de negros, ao passo que mais de 40% não apresentam nenhum traço negróide; no entanto, os restos do esqueleto de uma criança descoberto no depósito de um abrigo sob rocha de Acacus e datado de -3.446 pertence a um negroide.

Despojos de negros não são raros nas necrópoles púnicas; havia auxiliares negros no exército de Cartago que certamente não eram nilotas. Segundo Diodoro, no final do século IV antes da Era Cristã um tenente de Agatocles (Tunísia do norte) submeteu uma população cuja pele era semelhante a dos etíopes. Durante toda a época clássica, numerosos são os testemunhos a atestar a presença de “etiopes” nos confins meridionais da África Menor. São mencionados igualmente povos de etnias intermediárias – melano-getulos ou leuco-etíopes – notadamente na obra de Ptolomeu (Geografia, IV, 6, 5).

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Essas populações de cor não parecem ter nenhum parentesco com a maior parte dos atuais habitantes das margens do Senegal e do Niger. Trata-se de um grupo étnico original hoje recoberto, em grande parte, pelo elevado número de africanos ocidentais trazidos pelo tráfico medieval de escravos. S. Gsell, seguindo Collignon, descreve o “etíope” da Antiguidade – baseando-se na descendência que teriam deixado nos oásis do sul da Tunisia – da seguinte maneira:“Estatura acima da média, crânio longo e estreito com o topo projetado para trás, testa oblíqua, arcadas superciliares salientes, pômulos pronunciados a partir dos quais a face se alonga em triângulo, nariz profundamente reentrante, curto e arrebitado, mas não chato; boca grande com lábios grossos, queixo fugidio; ombros largos e quadrados, torax em tronco de cone invertido, bastante estreito sob a bacia. A pele é muito escura, de cor castanho - avermelhada; e os olhos, negros; os cabelos, poucos crespos, têm a cor do azeviche”.

Os próprios Garamantes eram por vezes considerados “ligeiramente pretos” ou mesmo negros. São “ligeiramente pretos” em Ptolomeu I, 9, 728, e “mais parecidos com etíopes” em Ptolomeu I, 8, 529. Um escravo garamante é descrito como tendo um corpo “cor de breu” Anthologia Latina, A. Riese). Uma pesquisa antropologica realizada nas necrópoles desse povo veio confirmar seu caráter racial compósito; a afirmação de que os esqueletos negróides eram de escravos revela preconceito e precipitação, sendo arbitrário considerar que, num total de quatro, apenas dois grupos de esqueletos (os de indivíduos de raça branca) representam os Garamantes da Antiguidade.

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Trata-se, como se vê, de um tipo bastante proximo de certos nilotas; no entanto, as características físicas desses pastores de boviinos, ancestrais dos etíopes do Saara, estão longe de ser uniformes. Alguns dentre eles, segundo H. Lhote e G. Camps, lembra os Peul atuais; outros se assemelham aos Tubu.

H. von Fleischhacher crê na presenca de khoisânidas no interior deste grupo, bem como de descendentes de um Homo sapiens diferenciado (nem negro nem branco) vindo da Ásia. Libico-bérberes (mouros e umidas no litoral; getulos nos planaltos), saarianos brancos ou mestiços da orla do deserto (farusios, nigritas ou garamantes, “etíopes” espalhados por toda a região entre o Sous e Djerid), tais são os povos da África Menor à época das primeiras navegações fenícias e durante toda a Antiguidade.

As duas guerras entre o Egito e a Líbia mais conhecidas datam do reino de Ramsés III, em -1.194 e -1.188. São narradas pelo grande Papiro Harris e pelas inscrições e baixos-relevos do templo funerário de Ramsés III em Medinat-Habou. Os Libu e posteriormente os Mashwesh tentaram, em vão, romper a resistência egipcia no Nilo, sendo sucessivamente vencidos. Inúmeros prisioneiros viram-se incorporados ao exército do faraó, e suas qualidades militares foram tão apreciadas que ao fim do Novo Império os oficiais líbios tinham adquirido uma influência preponderante.

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As vitórias de Ramsés II tiveram, entre outras, uma consequência importante: permitiram controlar os oásis ocidentais onde se difundiu o culto de Amon de Tebas. Esse culto implantou-se particularmente no oásis de Siwa, conquistando depois a Tripolitania através das “rotas da sede” e influenciando, à época púnica, o culto do deus Baal-Vamon, seu quase homônimo.

Antes da introdução na África Menor do arado fenício com grade de ferro triangular, os bérberes já se utilizavam de um tipo de arado de invenção autóctone, menos eficaz, que consistia em uma simples lâmina arrastada sobre o solo. Esse instrumento deve ter posto termo ao uso exclusivo da enxada, dado que os Guanchos, utilizadores desta última, nao conheceram o arado. Parece que de início os agricultores líbios

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puxavam eles mesmos o arado por meio de cordas passada em torno dos ombros; no entanto, há muito conheciam a atrelagem de bois, representada tanto nos afrescos egípcios como nas gravuras do alto Atlas.

Em contrapartida, não parecem ter empregado dispositivos mecânicos para a debulha, contentando-se em fazer com que o gado graudo pisoteasse os campos.

Os botânicos demonstraram que o trigo durazio (proveniente, talvez, da Abissínia) e a cevada já existiam na África do Norte muito antes da chegada dos fenícios; é o caso, igualmente, da fava e do grão-de-bico, ainda que este último tenha seu nome berbere ikiker derivado do latim cicer. No campo da arboricultura observa-se, ao contrário, a influência fenícia e púnica decisiva. Os bérberes possivelmente já sabiam enxertar o oleastro muito antes que os cartagineses difundissem a cultura da oliveira; por outro lado, não há indícios de que a vinha – presente desde o início do Quaternário na região de Argel – tenha sido cultivada antes da chegada dos fenícios. Os bérberes pré-saarianos – como os Nasamones mencionados por Heródoto (IV, 172, 182) e os “etíopes” – exploravam a tamareira, menos frequente nos limites da África Menor do que atualmente. Mas era o figo a fruta bérbere por excelência, ainda que Catão, o Antigo, tenha exibido um figo fresco em Roma para simbolizar a destruição de Cartago.

A arqueologia dos monumentos funerários confirma a presença, na Antiguidade remota, de grandes grupos de sedentários que praticavam a agricultura na África Menor. A datação dos monumentos proto-histricos é particularmente difícil nessa região, pelo fato de a cerâmica bérbere ser muito

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conservadora; seja como for, considerar-se-á como representativo da “vida pré-cartaginesa” dos bérberes o material recolhido nas necrópoles do período pré-romano remoto, isentas de influências cartaginesas, à falta de evidências que possam ser datadas com relativa precisão.

A arqueologia indicou, ainda, que os nômades dos sítios meridionais se enfeitavam, mais do que os sedentários, com braceletes, pingentes de metal ou de contas de cornalina, e carregavam armas ornamentais. Restos de tecido atestam o uso de faixas de cores alternadas. As vestimentas de couro são representadas com frequência nas pinturas rupestres do Saara, confirmando as informações de Heródoto (IV, 189). Gravuras rupestres próximas a Sigus indicam o uso do burnu, o que pode vir a explicar as lendas sobre homens acéfalos ou com a cabeça embutida no peito; os Blemios do deserto arábico também o vestiam.

Heródoto (IV, 172) assinala também que quando os nasamones prestavam algum juramento, colocavam a mão sobre o túmulo daquele que consideravam o melhor e o mais justo; talvez essa prática represente a orígem de um culto aos mortos. A arqueologia proto-histórica mostra que em torno de certos túmulos se constituiram cemitérios inteiros. Os defuntos, particularmente estimados, podiam, ao que parece, arrebanhar multidões funerárias (e também, sem dúvida, multidões de vivos). G. Camps se interroga, com razão, sobre a possibilidade de o culto aos mortos ter levado a constituicao ou remodelagem dos grupos de populações atestados às épocas púnicas e romanas; um culto ao soberano defunto surgiria logo após a fundação de um reino.

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A entrada do Magreb na história escrita começa com o desembarque em suas costas de marinheiros e colonos vindos da Fenícia. É difícil reconstruir a história desse período, pois quase todas as informações nos vêm de gregos e romanos, povos que tiveram como seus piores inimigos os fenícios do oeste, particularmente aqueles que estavam sob o comando de Cartago. Isso explica por que é tão negativa a imagem que as fontes nos fornecem. Nada sobreviveu da literatura cartaginesa. E, embora nas duas últimas décadas tenham ocorrido alguns progressos, a contribuição da arqueologia também limitada, pois na maior parte dos casos as colonias fenícias estão encobertas pelas cidades romanas, muito mais imponentes.

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Existe um grande número de inscrições em várias versões da língua fenícia, mas são quase todas, inscrições votivas ou epitáfios de sepulcros, que oferecem pouca informaçao. Segundo a tradição antiga, Tiro foi o ponto de partida das expedições dos fenícios para o Oeste, responsáveis pela fundação de numerosas povoações. A Bíblia, entre outras fontes, confirma a primazia de Tiro sobre as demais cidades da Fenícia no período posterior a destruição das civilizações da Idade do Bronze no Oriente Proximo, no século XIII antes da Era Cristã. Por volta de -1.000, Tiro e outras cidades (Sidon e Biblos, por exemplo) foram os centros mercantís mais ativos no Egeu oriental e no Orientes Próximo, pouco prejudicados pelo crescimento do Império Assírio.

O que atraiu os negociantes fencios para o Mediterrâneo ocidental foi a procura de metais; particularmente ouro, prata, cobre e estanho. Essa busca acabou por conduzí-los à Espanha, que continuou sendo uma das principais fontes de produção de prata no mundo mediterrânico, mesmo na época romana.

O estudo dos meios de transporte também pode ajudar-nos a localizar melhor as rotas saarianas e atestar certas hipóteses. Sabemos que o grande deserto foi conquistado pelo cavalo, antes do camelo. Aqui, como em outros lugares, o período “equidiano’’ manifesta-se inicialmente pelo uso de carros. Não sabemos quando desapareceram, mas de acordo com Heródoto, os Garamantes ainda os utilizavam; a arqueologia confirma esse testemunho. No Saara, as representações de carros – bastante diversificadas – são muito frequentes. Inventários metódicos permitiram propor a reconstituição cartográfica das rotas transaarianas seguidas por esses veiculos.

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Sem exagerar a importância desses indícios, devemos reconhecer que, a exceçãao do itinerário ocidental, paralelo ao litoral atlântico, que não desempenha um papel ativo em nossas fontes clássicas, vários itinerários antigos, confirmados por textos ou material arqueológico, coincide com essas famosas rotas proto-históricas. Deve-se acrescentar que qualquer trajeto saariano utilizado por cavalos, atrelados, ou não, requeria ou um sistema de bebedouros – que os Garamantes haviam desenvolvido – ou o transporte de um grande suprimento de provisões.

Quanto ao camelo – trata-se mais exatamente do dromedário, originário do Oriente Próximo –, só aparece mais tarde na África saariana. Esse evento foi discutido ad infinitum. Em realidade, a introdução desse animal no próprio continente africano só ocorreu num periodo posterior. O camelo não é encontrado no Egito até aos períodos persas e helenísticos (séculos V e IV antes da Era Cristã), sendo hipótese aceitável que sua difusão no Saara tenha ocorrido a partir do baixo vale do Nilo. O fato é ao que parece, de difícil datação; só dispomos, para tanto, de desenhos rupestres líbico-bérberes saarianos, de pouca utilidade para uma cronologia rigorosa, e de um grande número de inscrições e esculturas da África do Norte romana, todas aparentemente posteriores ao século II da Era Cristã.

É mais provável que a introdução desses animais tenha sido gradual. Inicialmente, a tendência cada vez maior de utilizá-los como meio de transporte serviu aos propósitos da política romana, que tinha sabido adaptar-se as condições do meio ambiente para criar verdadeiros centros de penetração; em

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última instância, porém, teve o efeito oposto de permitir que os povoss nômades adquirissem a mobilidade necessária para renovar os ataques às regiões de onde haviam sido expulsas.

Por outro lado, um monumento gráfico de Óstia (porto de Roma) que data dos últimos trinta anos do século I da Era Cristã associa o elefante e o camelo aos espetáculos de arena. Em -46, César capturou 22 camelos do rei númida Juba I, cujos domínios estendiam-se até às fronteiras saarianas. Talvez ainda fossem animais raros. Mas se os camelos importados por Roma 150 anos depois eram realmente africanos, já deviam, então, existir em número considerável no Saara (onde eram procurados para os jogos), visto ainda não serem muito comuns no território do Magreb.

Vale a pena lembrar a presença simbólica de camelos nas famosas moedas romanas ditas “spintrianas” – provavelmente cunhadas para o uso das cortesãs, ja que os antigos acreditavam que esses ruminantes possuiam instintos lúbricos excepcionais!

As primeiras comunidades de agricultores não se caracterizavam necessariamente pela utilização de um mesmo conjunto de utensílios. Pesquisas recentes efetuadas em várias partes da África demonstraram a grande resistêencia ao tempo dos utensílios em silex talhado; tais instrumentos surgiram primeiramente entre os caçadores-coletores de diversas regiões da África há mais de 7 mil ou 8 mil anos e peças análogas provavelmente ainda eram utilizadas em certas partes da bacia do Zaire (Ueliam) há menos de mil anos. Parece que os caçadores-coletores, que viviam em contato com os seus vizinhos agricultores, também utilizaram a cerâmica bem antes de se dedicarem, por sua vez, à agricultura.

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Castelo de Almourou

As mós encontradas pela primeira vez nos sítios do final da Idade da Pedra, em diversas regiões da África, indicam o uso mais intensivo dos vegetais. Por início da Idade do Ferro entende-se o período durante o qual se utilizou de maneira ininterrupta uma tecnologia baseada no ferro, em oposição ao emprego ocasional de instrumentos do ferro. De maneira geral, o início da Idade do Ferro na África subsaariana caracterizou-se pela emergência de pequenos povoados, de alguma forma dispersos, e não pelo desenvolvimento de Estados, que surgiriam apenas no final desse periodo.

Infelizmente, sabemos muito pouco sobre o tipo físico dos habitantes da África subsaariana. É certo que desde o X milênio antes da Era Cristã existiam na África ocidental povos que apresentavam alguns traços físicos semelhantes aos dos atuais

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habitantes dessa área; são os chamados “protonegros”. Vestígios de esqueletos de negros também foram registrados tanto no Saara como nos confins do Sahel e atribuídos a periodos tão remotos como o V milênio antes da Era Cristã. Na África meridional, os antepassados dos atuais caçadores-coletores Khoisan e dos pastores-criadores da Namíbia e do Botsuana (San e Khoi-khoi) eram maiores em estatura que seus descendentes e certamente ocupavam regiões tão setentrionais quanto a Zâmbia; é possível mesmo que tenham vivido nas margens do rio Semliki, no leste do Zaire.

Evidências para esse fato são fornecidas pelos sítios de Gwisho, na Zâmbia, onde o conjunto de utensílios e o regime alimentar que se pode inferir levam a hipóteses da orígem dos Bantu e do início da metalurgia do ferro. Tão claramente, que os povos em questão eram antepassados dos San, embora a estatura média desse grupo de 4 mil anos fosse mais elevada do que a dos San atuais que vivem nas cercanias ocidentais do Botsuana. As escavações efetuadas principalmente no Rift Valley (Quênia) forneceram vestígios de esqueletos do VI milênio antes da Era Cristã. Na interpretação de Leakey (1936) estes estão mais próximos de alguns dos tipos físicos da zona etíope do que das atuais populações de língua bantu ou nilótica.

No entanto, esses estudos foram realizados há quase meio século e uma nova avaliação já deveria ter sido empreendida. Os trabalhos de biogenética de Singer e Weiner indicaram que os San e os negros estão mais próximos entre si do que em relação a qualquer outro grupo exterior, o que talvez indique serem eles os descendentes diretos dos habitantes originais da África na Idade da Pedra. Também ficou evidente a homogeneidade biológica de todas as populações africanas

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desde a África ocidental até a África meridional. Hiernaux, em profunda e exaustiva análise dos dados genéticos existentes, obtidos principalmente graças à expansão das pesquisas médicas na África, enfatizou a natureza heterogênea da maior parte das populações africanas, o que atesta a grande amplitude e duração dos contatos fisicos e culturais ocorridos na área subsaariana.

Somente as regiões remotas, como o habitat florestal dos Pigmeus no Zaire ou o território dos San no Calaari, abrigavam populações de um tipo sensivelmente diferente; as razões dessas particularidades devem ser buscadas no seu isolamento genético. Em regiões como os confins do Sahel, os limites do nordeste da África e Madagascar observam-se cruzamentos entre populações negras e etnias que se desenvolveram independentemente dos povos do sul, como os malaio-polinésios, no caso de Madagascar, e os povos aparentados aos da periferia do Mediterrâneo ou do sudoeste da Ásia, instalados no nordeste da África e no Saara.

A diversidade de sociedades construídas pelos povos africanos, nos levam a admitir que certamente o desenvolvimento ecpnômico e social da África não seguiria o mesmo caminho encontrado pelos povos europeus, conduzindo linearmente da passagem da sociedade escravocrata à medieval e em seguida ao Capitalismo.

Pelo menos as características básicas dos povos com forte tradição na administração da sociedade através dos Conselhos de anciãos, da dignidade da mulher, da opção pela Verdade e pelo distanciamento da Mentira teriam organizado sociedades

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mais democráticas e quem sabe até não teriam que passar forçosamente pelo Capitalismo como ocorreu na Europa.

O desenvolvimento econômico e social africano foi frustrado pelas invasões de seu território pelos europeus e pela disseminação da escravidão, retirando de lá seus homens e mulheres e degradando-os ao exílio transcontinental através do perverso sistema mercantil escravocrata que serviu de pasto à implantação do Capitalismo nas Américas e consequentemente na Europa, pois foi este sistema que proporcionou as bases dos metais que fizeram a riqueza acumulada para a instalação plena do capitalismo através do desenvolvimento industrial europeu. A História Africana se interrompe a partir do século XVI e daí passa a ser apenas um apêndice das histórias dos reinos e impérios europeus. Interrompe-se seu desenvolvimento econômico e social e se retroage aos tempos primordiais a vida de suas populações, estabelecendo-se como estratégia a introdução da miséria e da falta de cultura como os meios mais eficazes de se manter a dominação colonialista.

Quando a História Africana é retomada, a partir do movimento pela independência dos países e povos submetidos aos impérios coloniais, na década de cinquenta do século XX, encontramos a África desprovida de uma economia organizada, os povos submetidos em condições primitivas, como se o carro da História tivesse dado volta aos séculos antigos de seus primeiros reinos, os mais antigos deles, e a população africana dividida pelo sistema escravocrata qie lhe foi imposto, jogando-se povos contra povos na intenção de dividir para governar.

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O resultado não poderia ser outro: guerras e ditaduras, uma longa caminhada para retormar suas próprias tradições, genocídios terríveis, de milhões de africanos, insuflados pelos restos coloniais deixados, os mercenários, a ambição desmedida das corporações europeias em busca de não abrir mão das riquezas do Continente, regimes racistas que isolam as massas de cor negra, o analfabetismo geral, para que não possam exercer sua autonomia política e as enfermidades epidêmicas para destruir ao máximo as populações que restaram.

É neste cenário de devastação e solidão que os povos africanos iniciaram a reconstrução de suas origens, de sua alegria, de sua felicidade, libertos enfim do julgo europeu escravizador e homicida. Os povos “brancos” nada deixaram de proveitoso; os africanos deveriam se desvencilhar daquela cultura alienígena, exorcisar seus fantasmas dolorosos e retomar o curso da História a que semore tiveram direito e da qual foram usurpados por cinco séculos.

As dificuldades certamente seriam enormes, devido às constantes ingerências externas que insuflavam a discórdia e a divisão desses povos, agora libertos. E foram. Mas as guerras começaram a se extinguir, as ditaduras a serem superadas, a democracia voltar às origens da idade de ouro dos impérios e reinos do passado: o império de Gana do povo Sonikê, o Songhai, o Daomei, o Benin, o Mali, o Lunda, o Kongo, o Zulu, O Iorubá, o Oyo, o Ashanti, o Axum, o Kush, o Egípcio, o Reino de Sabá, o Núbio, o Etíope, o Somalí, o Eritreu, o Kanen Bornu, e tantos outros que fizeram da África o berço da Civilização e que pode ser resumido neste afrocentrismo que expusemos aqui e ao que chamamos de Centralidade Africana.

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Fim do Primeiro Tomo(Primeira Parte)

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Obras do Autor:

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1. Getúlio – Drama em um Ato - Rio de Janeiro, junho 19562. Ghandi – Biografia para um Concurso da UNESCO –

Montevidéu, 19693. História da Classe Operária Brasileira – Santiago do Chile,

IESE, agosto 19724. Chile – Análise de uma Experiência – Boulogne Sur Mer,

Argentina, outubro 19745. Não À Teoria do Subdesenvolvimento – S. Paulo, Ed.

Kairós, setembro 1983 6. S.0.S., Homem do Campo – S. Paulo, Ed. Kairós, fevereiro

19847. O Direito À Preguiça – S. Paulo, julho 19848. A Cachorra Isaura – Recife, setembro 1984. Editado em

Junho de 2001, Recife9. A Conquista de Olinda – Drama Histórico - Recife, janeiro

198510. Capital Ilusão – S. Paulo, Edições Coragem, fevereiro 198611. Marketing Pós – Venda – S. Paulo, julho 198612. Metodologia Científica – Camaragibe, outubro 199613. O Fim do Desemprego ou A Jornada de Seis Horas –

Camaragibe, 1998. Editado em Recife, Ed. do Autor, junho 1999, 2a Edição abril 2000

14. Madalena Uchôa – Camaragibe, março 200015. Reforma Agrária em Pernambuco – Camaragibe, abril 200016. Século XXI – Camaragibe, junho 200017. Para Onde Vamos – Camaragibe, novembro 200018. O Castelo Destruído – Camaragibe, setembro 200119. Elogio da Loucura – Monólogo – Camaragibe, setembro,

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20. A Escola do Tempo Livre na Sociedade dos Produtores Livres - Camaragibe, 2001

21. O Capitalismo Autoritário – o Caso do Brasil. Camaragibe, 2002

22. Artigos sobre o Brasil. - Jaboatão dos Guararapes, 200323. Realização e Reconhecimento - Jaboatão dos Guararapes,

200424. A Cachorra Isaura – Roteiro do Filme – Jaboatão dos

Guararapes, 200425. A Crítica Propositiva – Jaboatão dos Guararapes, 200526. História Viva – I, Jaboatão dos Guararapes, 200527. História Viva - II, Jaboatão dos Guararapes, 200528. História Viva –III, Jaboatão dos Guararapes, 200629. História Viva – IV, Jaboatão dos Guararapes, 200630. História Viva – V, Jaboatão dos Guararapes, 200731. A Economia Solidária e a Sociedade dos Produtores Livres

- Jaboatão dos Guararapes, 200832. Clarice - Jaboatão dos Guararapes, janeiro 201033. Marketing Político e a Crítica Propositiva – Jaboatão dos Guararapes, setembro 201034. O Brasil Faz Cem Anos - Jaboatão dos Guararapes, outubro 201035. 47 Propostas de Projetos de Lei para Mudar o Brasil – Jaboatão dos Guararapes, dezembro 201136. História Viva – VI - Jaboatão dos Guararapes, junho 201237.África – Centralidade Africana – Volume Um, Jaboatão dos Guararapes, novembro 2012

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