Freitas, Cláudia UFRGS - · PDF fileIdentificação do aluno com...
Transcript of Freitas, Cláudia UFRGS - · PDF fileIdentificação do aluno com...
Identificao do aluno com surdocegueira: espaos de escolarizao e oportunidades de
acesso ao ensino.
Falkoski, Fernanda
Freitas, Cludia
Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS
Resumo: Este trabalho tem como objetivo problematizar a identificao e as
oportunidades de acesso aos espaos de escolarizao adequados as pessoas com
surdocegueira. So apresentados aspectos e definies sobre a surdocegueira
problematizando a identificao desses sujeitos; as contribuies da poltica de
Educao Especial na Perspectiva Inclusiva relacionados com a educao de pessoas
com surdocegueira e os espaos de escolarizao destinados a esse pblico. Como
referencial terico se tem: Maia (2004; 2011), Galvo (2010), Keller (2008), Brasil
(1994; 2008), Farias (2015), Mazzotta e DAntino (2011) e Vigotsky (1997) dentre
outros autores. Como metodologia de trabalho foi realizada uma busca do nmero de
matrculas de alunos com surdocegueira nas escolas do Rio Grande do Sul (RS) atravs
do Censo Escolar da Educao Bsica, no banco de Microdados, entre os anos de 2007
a 2015. Tais dados so sistematizados e disponibilizados pelo INEP Instituto Nacional
de Estudos e Pesquisas Educacionais Ansio Teixeira, atravs do preenchimento por
parte das escolas do Educacenso plataforma do Censo Escolar. A partir dos dados
coletados definiu-se um nmero muito baixo de matrculas, em todo o RS. Em uma
segunda busca fomentada pela hiptese de que talvez os sujeitos no estejam sendo bem
identificados, foi ampliada a busca para a deficincia mltipla, especfica: pessoas com
surdez ou deficincia auditiva e com cegueira ou baixa viso. Observaram-se ndices
bastante significativos em contraste com os primeiros dados. O resultado trs evidencia,
pelo grande nmero de casos encontrados, que a hiptese de sujeitos com surdocegueira
talvez no estejam sendo bem identificados se confirme. A partir dos dados encontrados
h indcios de que as pessoas com surdocegueira ainda no so claramente
compreendidas, identificadas e nomeadas e dessa forma podem no estar recebendo
ateno e educao adequada.
Palavras-chave: Pessoa com surdocegueira. Deficincia. Escolarizao. Incluso
Escolar.
PRIMEIRAS PALAVRAS
Helen deu um segundo grande passo em sua educao. Ela aprendeu que
tudo tem um nome e que o alfabeto manual a chave para tudo o que quer
saber. [...] Esta manh, enquanto estava se lavando, quis saber o nome para
gua. Quando ela quer saber o nome de algo, aponta para a coisa e d
uns tapinhas na minha mo. Eu soletrei -g-u-a e no pensei mais nisso
at depois do caf-da-manh. [...] Fomos at a casa da bomba e fiz Helen
colocar sua caneca sob a sada da gua enquanto eu bombeava. Quando a
gua gelada jorrou enchendo a caneca, eu soletrei -g-u-a na mo livre
de Helen. A palavra vindo to prxima da sensao da gua gelada
escorrendo por sua mo pareceu espant-la. Deixou cair a caneca e ficou
paralisada. Uma nova luz surgiu em seu rosto. Ela soletrou gua vrias
vezes; ento deixou-se cair no cho e perguntou pelo nome deste, e apontou
a bomba e a trelia, e subitamente, virando-se, perguntou seu nome.
(KELLER, 2008, p. 302).
Este inserto faz parte de uma das cartas escritas por Ane Sullivan para sua amiga
Sophia Hopkins para quem fazia relatos sobre seu trabalho e as evolues da pequena
Helen Keller. Em 5 de abril de 1887, Sullivan descreve o momento em que tudo comea
a fazer sentido para Keller que descobre a relao entre a gua (para beber) e a palavra
gua. Essa aprendizagem s foi possvel porque Sullivan estava disposta a ensinar a
menina e lhe oportunizar aprendizagens. Embora Keller no tenha frequentado uma
escola quando pequena, contou com uma professora em sua casa lhe dando acesso a
aprendizagem na condio de preceptora da menina.
O presente texto tem como objetivo problematizar a identificao e as
oportunidades de acesso aos espaos de escolarizao adequados as pessoas com
surdocegueira. Onde esto matriculados os alunos com surdocegueira? Quais so os
espaos destinados e oferecidos para que eles acessem o ensino? Existem muitas
pessoas com surdocegueira?
Todos esses questionamentos nos mobilizam a pensar sobre o assunto, visto que
os dados de matrculas encontrados de alunos com surdocegueira em escolas do Rio
Grande do Sul RS nos colocam dvidas a respeito da existncia ou da equivocada
identificao desse pblico, evidenciando a falta de possibilidades de acesso escola.
SURDOCEGUEIRA: PREMBULOS INICIAIS
De acordo com Galvo (2010) e Cormedi (2011) a surdocegueira uma
deficincia ainda pouco conhecida e explorada no Brasil, tanto na rea educacional
quanto na rea mdica. Maia (2004) afirma que a definio da surdocegueira vem sendo
debatida por especialistas para ser reconhecida e considerada uma condio nica e no
a somatria de duas deficincias, pois ela pode se apresentar em diferentes nveis e por
distintas causas.
A surdocegueira pode ser classificada de acordo com o perodo de surgimento.
Almeida (2008) explica que quando a pessoa nasce com a surdocegueira ou a
desenvolve ainda na primeira infncia, antes de adquirir a linguagem e/ou a lngua,
nomeada de congnita. J a pessoa que desenvolve a surdocegueira ao longo da vida,
depois de ter adquirido a linguagem e/ou a lngua, nomeada de adquirida.
Ainda no que diz respeito classificao, Cambruzzi (2007) aponta que
podemos ter pessoas com: surdocegueira total; surdez e baixa viso; deficincia auditiva
e baixa viso; e, deficincia auditiva e cegueira. Ou seja, sempre que a deficincia
visual ou cegueira estiver associada deficincia auditiva ou surdez considera-se uma
pessoa com surdocegueira, sendo preciso repensar as formas de comunicao, de acesso
informao e de orientao e mobilidade.
A viso e a audio, como destaca Maia (2011, p. 41), so os dois sentidos
vitais para que uma pessoa possa: comunicar-se utilizando sistemas formais e
convencionais de comunicao (fala e Libras) [...] movimentar-se com confiana e
aproveitar a companhia de outras pessoas. Quando ocorre a perda de um desses
sentidos possvel compensa-lo fazendo uso do outro, por exemplo: uma pessoa com
surdez pode se utilizar da viso para fazer leitura labial ou lngua de sinais. A pessoa
com cegueira pode se valer da audio para se locomover e se comunicar com quem
est ao seu redor. J a pessoa com surdocegueira precisar fazer uso de outros sentidos
como: proprioceptivo, cinestsico, vestibular e hptico.
Ao abordar o assunto da surdocegueira, torna-se fundamental diferencia-la da
deficincia mltipla sensorial, pois muitas vezes as duas so confundidas. Maia (2011)
descreve que a deficincia mltipla sensorial quando uma pessoa tem uma deficincia
sensorial (viso ou audio) associada a uma deficincia intelectual, ou Transtorno do
Espectro Autista TEA ou deficincia fsica. Se a pessoa tiver associada a
surdocegueira outra deficincia ela continua sendo considerada uma pessoa com
surdocegueira, pois a forma de acesso informao, comunicao e orientao e
mobilidade so pensadas a partir da surdocegueira.
Reconhecer que uma pessoa tem surdocegueira pode favorecer o seu
desenvolvimento em diferentes aspectos, principalmente porque o profissional e a
famlia passam a pensar nas possibilidades de comunicao e a funcionalidade de cada
sentido remanescente potencializando seu uso. Pode ser viabilizado ainda o acesso ao
Atendimento Educacional Especializado AEE garantindo profissionais especializados
para o atendimento pessoa com surdocegueira (GALVO, 2010).
Mesmo sem a viso e sem a audio nos seus moldes costumeiros, a
aprendizagem possvel para todo e qualquer indivduo, desde que o sujeito seja
reconhecido como uma pessoa com possibilidades para aprender e se desenvolver. A
diferena no trabalho em relao a uma pessoa sem deficincia se d quanto forma de
comunicao e interao, como potencializar e proporcionar aprendizagens. Por
exemplo, com o uso de objetos de referncia, por meio da lngua de sinais ttil ou em
campo reduzido, pela escrita ampliada, com o uso do braille, sendo diferenciados
apenas os recursos e como eles sero utilizados com cada pessoa. Portanto, faz-se
necessrio pensar sobre como se constituem esses espaos de escolarizao e como as
leis podem contribuir para a garantia de acesso e permanncia dos alunos com
surdocegueira na escola.
Com todos esses apontamentos surgem alguns questionamentos: Existem escolas
estruturadas para organizar uma proposta pedaggica para pessoas/alunos com
surdocegueira? Os professores sabem reconhecer uma pessoa com surdocegueira?
EDUCAO E ESPAOS DE ESCOLARIZAO
Pensar na escola inclusiva pensar em uma escola para todos sem
discriminao, sem excees, onde todos tm um espao, o seu espao (FARIAS,
2015). pensar num lugar, onde os alunos so da escola e no de determinado
professor, onde todos os envolvidos so responsveis por ele e exercem papeis
importantes. Desde a pessoa responsvel pela limpeza na escola at o diretor,
fundamental todos estarem preparados para auxiliar no processo de incluso.
a partir de 1990 que o movimento da incluso comea a se tornar visvel nos
movimentos sociais e aes polticas (MAZZOTTA e DANTINO, 2011), mas essa
caminhada ainda precisa avanar por muitos setores da sociedade. As normativas