FREIRE, Paulo. Princípios Do Trabalho Popular.

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PRINCÍPIOS DO TRABALHO POPULAR Paulo Freire 1. NINGUÉM ESTÁ SÓ NO MUNDO O primeiro princípio é ninguém está só no mundo. Enquanto educadore(a)s devemos estar muito convencido(a)s de uma coisa que é óbvia: ninguém está só no mundo. Parece uma constatação besta - constatação é aquilo que ninguém precisa pesquisar. Mas, é preciso ver que implicações se tira da constatação. O importante não é fazer uma constatação. Fazer constatação é fácil, basta estar vivo. O importante é encarnar essa constatação com um bando de conseqüências, de implicações. A primeira conseqüência, sobretudo no campo da educação, é que, se ninguém está só, é porque os seres humanos estão no mundo com outros seres. E estar com outros significa necessariamente respeitar nos outros o direito de dizer a palavra. Aí, começa o embananamento para quem tem uma posição nada humilde, quem pensa que conhece a verdade toda. Para elas só tem um jeito – fazer a cabeça de quem não tem a verdade. 2. SABER OUVIR A implicação profunda e rigorosa que surge quando encarno que não estou só é exatamente o direito e o dever de respeitar em você o direito de você dizer a palavra. Isso significa então, que é preciso também saber ouvir. Na medida, em que eu parto do reconhecimento do teu direito de dizer a palavra, quando eu falo porque te ouvi, eu faço mais do que falar a ti, eu falo contigo. Mas, falar a ti se converte no falar contigo, se eu te escuto. No Brasil tá cheio de gente falando prá gente, mas não com a gente. Faz 500 anos que o povo brasileiro leva porrete. Tudo isso tem a ver com o trabalho do educador(a): Numa posição autoritária, é evidente que o educador(a) fala ao povo, fala aoestudante.

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Texto no qual Paulo Freire discute como trabalhar com o povo.

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PRINCPIOS DO TRABALHO POPULARPaulo Freire

1. NINGUM EST S NO MUNDO

O primeiro princpio ningum est s no mundo. Enquanto educadore(a)s devemos estar muito convencido(a)s de uma coisa que bvia:ningum est s no mundo.Parece uma constatao besta - constatao aquilo que ningum precisa pesquisar. Mas, preciso ver que implicaes se tira da constatao. O importante no fazer uma constatao. Fazer constatao fcil, basta estar vivo. O importante encarnaressa constatao comum bando deconseqncias,deimplicaes.A primeira conseqncia, sobretudo no campo da educao, que,se ningum est s, porque os sereshumanos esto no mundo com outros seres.Eestar com outrossignifica necessariamenterespeitar nos outros o direito de dizer a palavra.A, comea o embananamento para quem tem uma posio nada humilde,quem pensa que conhece a verdade toda. Para elas s tem um jeito fazer a cabeade quem no tem a verdade.

2.SABER OUVIR

A implicao profunda e rigorosa que surge quando encarno que no estou s exatamente o direito e o dever de respeitar em voc o direito de voc dizer a palavra. Isso significa ento, que preciso tambm saber ouvir. Na medida, em que eu partodo reconhecimento do teu direito de dizer a palavra, quando eu falo porque te ouvi, eu fao mais do que falar a ti, eu falo contigo. Mas,falar a tis se converteno falar contigo, se eu te escuto.No Brasil t cheio de gente falando pr gente, mas no com a gente. Faz 500 anos que o povo brasileiro leva porrete. Tudo isso tem a ver com o trabalho do educador(a): Numa posio autoritria, evidente que o educador(a) falaaopovo, falaaoestudante.O terrvel ver um monto de gente se proclamando de esquerda e continuarfalando ao povoe nocom o povonuma contradio extraordinria com a prpria posio de esquerda. Porque o correto da direita falar ao povo, enquanto ocorreto da esquerda falar com o povo. Essetrequinho a primeira concluso que a gente tira quando percebeque no est s no mundo.Quando a gente encarna e vive esteno estar s no mundoest falando dametodologia popular. Esse modo de ver e de tratar muito mais que um mtodo umaconcepo de mundo. umapedagogia. Pedagogia e no um mtodo cheio de tcnicas. A gente sabe muito mais as coisas quando aprendemos o significado dessa pedagogia do que quando se aplica uma tcnica. As tcnicas s se encarnam quando o princpio respeitado.Se o educador est disposto a viver com o educando uma experincia na qual oeducando diz sua palavraao educador eno apenas escutaa palavra do educador, a educao se autentica, tendo noeducando um criador de sua aprendizagem. Esse um princpio fundamental.Uma segunda conseqncia dofalar ae dofalar com que eus falo comna medida em queescuto tambm. E eu s escuto na medida em queeu respeito, inclusive o que fala me contradizendo. Se a gente s escuta o que concorda com a gente... exatamente o que est a no poder. Quer dizer,desde que vocs aceitem as regras do jogo, a abertura prossegue.Se o povo brasileiro concordar que aabertura, a democraciadeve ser assim, ela existe, seno... Gosto muito de anedotas, inclusive as anedotas chamadafeiasque so to bonitas.Quando era moo, me contaram uma estria que se deu com Henry Ford. Henry Ford reuniu seus tcnicos e assessores e disse:vamos aqui discutir o modelo novo dos carros Ford.Ento, os tcnicos comearam:Sr. Henry, vamos dar um jeito de acabar com esses carros s pretos e feios; vamos tacar o carro marrom, verde, azul, mudar o estilo, fazer um negcio mais dinmico.Quando deu 17 h o Henry Ford falou:agora em tenho um negcio. Vamos fazer o seguinte: amanh, a gente se rene aqui s cinco horas, para decidir esse negcio.No outro dia, s 16h45 os assessores estavam todos na sala. s 16h50, a secretria de Ford entrou na sala e falou:senhores, o Sr. Ford no pode vir a essa reunio, mas pede que os senhores se renam; diz tambm que concorda com os senhores, desde que seja preta a cor dos carros.Eufalo contigoquando sou capaz de te escutar. E se sou capaz, eu faloa ti. Nofalar ae no falar sobre(que significa falar em torno),falo a ti sobrea situao tal. Se me convenci dessefalar com, desse escutar,meu trabalho vai partir sempre das condies concretas em que o povo est. Meu trabalho vai partirdos nveis, das maneiras e formas como o povo se compreende na realidadee nunca da maneira como eu entendo a realidade.

3.DESMONTAR A VISO MGICA

Parto deumexemplo concreto. Quando tinha 7 anos, j no acreditava que a misria era punio de Deus. Isso faz muito tempo. Mas, vamos admitir que eu chegue para trabalhar, numa certa rea cujo nvel de represso, opresso, espoliao do povo to grande que a comunidade, at por necessidade de sobrevivncia coletiva, se afogue numa viso alienada do mundo. Nessa viso,Deus o responsvelpor toda aquela misria. Nesse nvel de conscincia, de percepo da realidade preciso,acreditar que Deus o responsvel.Sendo Deus oresponsvelo problema passa a tercausa superior. melhor acreditar que Deus do que acreditar que no , porque a no se tem a obrigao de brigar, arriscando-se a morrer...Esta uma realidade que existe. No se sabe como que osjovens de esquerda no percebem esse treco! Ento,no possvel chegar a uma rea como essa e fazer um discursosobre aluta de classe.No d mesmo! uma absoluta inconsistncia terico-cientfica. Fazer um troo desse, ignorncia da cincia. Um dia, vai chegar o negcio da classe. Mas, serimpossvel enquantono desmontar a viso mgica, a compreenso mgica. Se houvesse a possibilidade da participao ativa, da prtica poltica imediata, essa viso se acabaria. Porm, sempre umaviolnciavoc quereresquecer queacomunidade ainda no temapossibilidadede um engajamento imediato.O que tem acontecido a gentefalar comunidade e nocoma comunidade. Voc faz um discurso brabo, danado. E o resultado desse discurso? Cria mais medo; mete mais medo na cabea da populao. Quer dizer,o que a gente tem a fazer partirexatamente donvel que a massaest. Diante desse fato, h duas possibilidades de errar: a)acomodar-se ao nvel da compreenso da comunidadee passar a dizer que, na verdade, Deus mesmo que quer isso;b) ou arrebentar com Deus e dizer que o culpado o imperialismo.Seria uma falta de senso dessa pessoa porque, isso falta de compreenso do fenmeno humano, da espoliao e das razes. engraado, se fala tanto em dialtica e no se dialtico. (Dialtica o processo de conhecimento pelo qual se acerta o caminho, atravs de um processo de reflexo sobre a realidade ou a prtica). O que ser que pode acontecer na cabea das pessoas:se Deus um caboclo danado de forte, que criou todo esse trecoo que que pode gerar na cabea dessas pessoas se a gente chega e diz queno Deus?Vamos ter que brigar com uma situao feita por um ser to poderoso como este e, ao mesmo tempo, to justo. Essa ambigidade que est a significa pecado. Ento, a gente mete mais sentimento de culpa na cabea da massa popular.

4.PARTIR DO NVEL DA MASSA

Antes do golpe militar, l no Nordeste, fui conversar com um grupo de camponeses. Em poucos minutos eles se calaram e houve um grande silncio. At que um deles falou:-O senhor me desculpe, mas o senhor que deve falar e no ns.-Por que? Perguntei eu.-Porque o senhor o que sabe e nis no sabemos.-Aceito. Eu sei e vocs no sabem! Mas por que que eu sei e vocs no sabem?(Aceitei a posio deles em vez de me sobrepor posio deles. Aceitei a posio deles, mas, ao mesmo tempo, indaguei sobre eles)-Um deles respondeu:-O senhor sabe porque foi escola e ns no.-Aceito. Fui escola e vocs no foram. Mas, por que que eu fui escola e vocs no foram?-Ah, foi porque seus pais puderam e os nossos no.-Concordo. Mas por que meus pais puderam e os de vocs no puderam?-Ah, o senhor pde porque seus pais tinham condio, bom trabalho, bom emprego e os nossos no.-T certo. Mas, por que os meus tinham e os de vocs no?-Porque os nossos eram camponeses. Meu av era campons, meu pai era campons, eu sou campons, meu filho campons, meu neto vai ser campons. (A, a concepo fatalista da histria!).-O que ser campons?-Ah, no ter nada, ser explorado.-Mas, o que que explica isso tudo?-Ah, Deus! Deus quis que o senhor tivesse e ns no.-T certo, concordo. Deus um cara bacana, um sujeito poderoso! Agora, eu queria fazer uma pergunta: quem aqui pai? (Todo mundo era). Olhei para um e disse: Voc tem quantos filhos? - Tenho seis, disse ele.-Voc seria capaz de botar 5 filhos aqui no trabalho forado e mandar um pr Capital com comida, hotel, pr ele estudar e ser doutor, e os outros 5 morrendo no porrete e no sol?-No, no fazia isso no !-Ento, voc que acha que Deus poderoso, que pai, ia tirar essa oportunidade de vocs? Ser que pode? Houve um silncio e por fim um falou:- no, no Deus nada! o patro!Seria idiotice minha se eu dissesse que era o patro imperialista yankee. O cabra ia dizero qu, onde mora esse hme? Atransformao social se faz com cincia, com conscincia, bom senso, humildade, criatividade e coragem. trabalhoso, no se faz na marra.O voluntarismo nunca fez revoluo,em canto nenhum, nem oespontanesmo.Transformao social implica emconvivncia com as massaspopulares e no a distncia delas.

5.NINGUM SABE TUDONINGUM IGNORA TUDO

Um princpio que est ligado aofalar aefalar com queningum sabe de tudo, nem ningum ignora tudo. Isto equivale dizer que, em termos humanos,no h nem sabedoria absoluta, nem ignorncia absoluta.Um dia, no Chile, fui discutir com camponeses. Eles estavam inibidos para discutir comigopor que eu era doutor. Falei que no era. Peguei um giz, fui ao quadro e propus o seguinte jogo.Fao uma pergunta a vocs e se vocs no souberem, eu marco um gol.Em seguida, vocs fazem uma pergunta e se eu no souber, vocs marcam um gol. Eu vou dar o primeiro chute. Ento, de propsito, perguntei um treco difcil, coisa de intelectual:eu gostaria de saber o quehermenutica socrtica? Ficaram rindo, no sabiam o que era isso. Marquei um ponto para mim. Na vez deles, algum fez uma pergunta sobre semeadura. Eu no entendia pipocas! Perdi um ponto. Fiz a segunda:o que alienao em Hegel?Dois a um. Me fizeram uma pergunta sobre praga. Foi uma senhora experincia, com empate de 10 a 10. Convenceram-se, no final do jogo, que de fato, ningum sabe tudo e ningum sabe nada.

6.ELITISMO E BASISMO

Mas, essa verdade que aceitamos a nvel terico pelo intelecto (ningum sabe tudo e ningum sabe nada), a gente precisa viver. Todo mundo aqui sabe que no est s no mundo. Porm, preciso viver a conseqncia disso, sobretudo quando dizemos que nossa opo libertadora. O que preciso encarnar esse princpio quando a gente se aproxima da massa popular arrogantemente,elitistamente, parasalvar a massa inculta, incompetente, incapaz!Essa uma postura absurda, at porque no cientfica.H uma sabedoria que se constitui na massa popular, pela prtica.Mas, existe tambm outro equvoco que chamamosbasismo: ou voc est na base, o dia todo, a noite toda, mora l, morre l ou no d palpite nunca! Isso conversa fiada, no d certo! Esse negcio desuperestimar a massa popular um elitismo s avessas. No h porque fazer isso. Tenho claro que sou intelectual de mo fina. A sociedade burguesa em que me constitui como intelectual no me poderia ter feito diferentemente. Oua gente humilde para aceitar uma verdade histrica que o nosso limite histricoou, nos suicidamos. E eu no vou me suicidar porque dentro dessa contradio que me forjo comoum novo tipo de intelectual. E tenho uma contribuio a dar a massa popular.O fundamental queminha contribuio s vlida, na medida em quesou capaz de partir do nvel em que a massa este, portanto,aprender com ela. Se no for assim, a contribuio de nada vale ou muito pouca. Independente das tcnicas, o que vale o princpio:estar com o povo e no simplesmente para ele e jamais sobre ele. Isso o que caracteriza a postura libertadora.

7. ASSUMIR A INGENUIDADE DO EDUCANDO

Outro princpio fundamental acapacidadede assumir aingenuidade do educando, seja ele universitrio ou popular. comum a gente defrontar-se com ingenuidades, com perguntas que a gente no entende. E no entende porque quem faz a pergunta no consegue fazer. Imaginem que pedagogo seria eu, se ao ouvir uma pergunta mal formulada, desorganizada ou sem sentido, eu respondesse com ironia. Que direito teramos ns de dizer que somoseducadores que pensam em liberdade e respeito?s vezes, complicado. Tenho feito assim quando no consigo realmente entender a pergunta:vou repetir a pergunta; presta ateno pra ver se eu no estou distorcendo o esprito da tua pergunta; se eu distorcer, voc me diz.Ento, repito a pergunta reformulando de maneira mais clara como eu penso que entendi. No raro as pessoas afirmam:era isso que eu queria perguntar, s que no estava sabendo.Imaginem se eu dissesse pessoano, voc um idiota! Com que autoridade? Que sabedoria tenho eu para fazer isso? Ao contrrio, preciso seguir o princpio absolutamente fundamental: ao assumir a posio ingnua do educando, voc superaessa posiocomelee nosobreele.Se fundamentalassumir a ingenuidade do educandoabsolutamenteindispensvelassumir a criticidade do educando diante da nossa ingenuidade de educador. Esse o outro lado da medalha para o educador auto-suficiente. Para eles o educando ingnuo, o educador nunca .No fundo, ingnuo o educador porque aingenuidadese caracteriza pelaalienao de si mesmo ao outro.A alienao se faz pelatransfernciade si emalgum para o outro:eu no sou ingnuo, o outro que ingnuo.Transfiro para ele a minha ingenuidade. S posso criticar, se eu tambm acredito que tambm sou ingnuo; porque no h nenhuma absolutizao da ingenuidade, nem absolutizao da criticidade. O educador que no faz esse jogo dialtico, contraditrio e dinmico, no trabalha pela libertao.

8.EDUCAO COMO ATO POLTICO

Discutir esses princpios e posturas pedaggicas, tudo isso poltica.A educao tanto um ato poltico, quanto um ato poltico educativo. No possvel negar, de um lado, a politicidade da educao e, do outro, a educabilidade do ato poltico. Nesse sentido, todo partido sempre educador. Tudo depende que educao essa que esse partido faz, depende com quem ele est, a favor de que est o educador ou a educadora. Seeducao sempre um ato polticoe a(o) educadore(a)s so seres polticos, importa sabera favor de quem fazemos poltica, qual nossa opo.Clareada nossa opo, a gente tem que ser coerente. Porque no adianta odiscurso revolucionrio com uma prtica reacionria. No adianta participar, uma semana, de um curso sobre metodologia popular e, em seguida, ir favelasalvar os faveladoscom a nossa cincia, em lugar de aprender com os favelados a cincia deles. No o discurso que diz se a prtica vlida; a pratica que diz se o discurso vlido ou no.Quem julga sempre a prtica, no o discurso. De nada adianta um lindo sermo seguido de uma prtica reacionria. De nada adianta uma proposta revolucionria, se nossa prtica pequeno-burguesa.O trabalho concreto exige capacitao em vrios campos. Porm, ofundamental a coerncia com nossa opo poltica. Por causa dela corre-se risco. Educao libertadora ou aventura permanente ou no criadora. Eno h criao sem risco; e o que temos a fazer reinventar as coisas.

9.A MARCA DO AUTORITARISMO

Ns brasileiros temos que combater, em ns, amarca trgica do autoritarismoque vem dos primrdios do nosso nascimento.O Brasil foi inventado autoritariamente e autoritariamente continua. No de espantar que a abertura e a democracia se faam de forma autoritria.Pe. Antnio Vieira, num belo sermo, durante a guerra contra os holandeses, dizia: em nenhum milagre Cristo gastou mais tempo, nem mais trabalho teve do que em curar o endemoniado mudo. E esta tem sido a grande enfermidade do nosso Pas: osilncio ao qual o povo sempre foi submetido.O que Vieira no disse que, neste Pas, quem tem sido mudo a classe popular, as classes trabalhadoras. No so mudas porque no fizeram nada. Elastm feito sua rebelio constante. As lutas populares, neste Pas, tm sido grandiosas! S que a historiografia oficial, primeiro esconde as lutas, quando conta distorce e, por fim, o poder autoritrio faz tudo pr gente esquecer.Os intelectuais desse Pas so autoritrios, inclusive quando somos de esquerda. Nosso autoritarismo se transformou na nossa arrogncia, na sabedoria que a gente fala, nas exigncias de leitura que fazemos, no nosso comportamento durante os cursos e seminrios. Cita uns 40 livros e manda o aluno ler uns 200 captulos a mais do que os 40 livros.

10.REAPRENDER DE NOVO

Se voc pretende comear um trabalho com grupos populares,esquea-se de quase tudo o que lhe ensinaram. Dispa-se, fique nu e comece a se vestir de povo. Esquea-se da falsa sabedoria e comece a reaprender de novo. A que a gente descobre a validade do que j se sabe ao testar o que a gente sabe com o que o povo est sabendo.Um grupo de jovens fazia uma experincia de alfabetizao numa comunidade de favelados, durante a construo de um barraco. Depois sumiram. Quando reapareceram me disseram: Paulo, a coisa mais formidvel que a gente tem pra contar que, por mais que a gente tivesse lido voc e conversado com voc, a gente cometeu um erro tremendo. A gente tinha botado na cabea que o povo queria ser alfabetizado. Como a gente falou que alfabetizao era importante, o povo passou seis meses com a gente, falando daquilo por causa da gente. Quando aumentou a intimidade o povo, dando risada, falou ns nunca quisemos isso! O grupo de jovens era um pessoal bacana. Tinha lido tudo meu, tinha discutido comigo um semestre. Eu tambm fui enrolado pela equipe. O povo queria outra coisa, mas a equipe tinha transferido ao povo a necessidade da alfabetizao. Num Pas de 500 anos de dominao fcil aceitar a insinuao de um intelectual sobre uma necessidade.

11.PACIENTEMENTE IMPACIENTE

O educador com a opo libertadora tem que viver pacientemente impaciente. Significa viver a relao entre a impacincia e a pacincia. No possvel viver s impaciente como muita gente, querer a revoluo para amanh. A impacincia se manifesta, por exemplo, na afirmaoas massas j tm o poder, no Brasil: s falta o Governo.A impacincia mete na cabea da gente um desenho da realidade que no existe. S pode existir na cabea de algum fantasioso, no na realidade econmica, poltica e social do Brasil.A impacincia significa a ruptura com a pacincia. Romper com um desses plos, romper em favor de um deles.