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Revista da FAE, n. 1/2, jan./dez. 1998 – Curitiba, 1998 – v. ilust. 28cm.
Semestral
ISSN 1516-1234 Substitui ADECON: Revista da Faculdade CatólicaAdministração e Economia
1. Abordagem interdisciplinar do conhecimento.I.FAE Centro Universitário. Núcleo de Pesquisa Acadêmica.
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Associação Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus
F A E C e n t r o U n i v e r s i t á r i o
Sumário Summary
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Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos?
Jonas Cardoso
Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidária
Gilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini
Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes
Abimael de Jesus Barros Costa, Deivid Bruno Araújo Leite, Edmilson Soares Campos
Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior
Aleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho
As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economia
Eduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira
Economia ecológica, economia solidária e o pensamento econômico de E. F. Schumacher
Lucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira
Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo
UTAUT Fernando de Souza Meirelles, Luci Longo
Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e
Contabilidade de CustosGeorgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake,
Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos
Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os clientes a comprar no comércio popular
Fernando César Lenzi
Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de Curitiba
Ricardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz
Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de telefonia
Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista, Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva
A distribuição espacial do emprego formal na produção algodoeira e têxtil no Estado do Paraná no período
de 1997 a 2007Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima,
Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel
Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains?Jonas Cardoso
Corporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interactionGilmar Ribeiro de Mello, Silvania Pizzatto Schiavini
Fiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand peopleAbimael de Jesus Barros CostaDeivid Bruno Araújo Leite, Edmilson Soares Campos
Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher EducationAleksander Roncon, Denise Del Prá Netto Machado, Marcia Regina Santiago Scarpin, Luciano Castro de Carvalho
The contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economyEduardo H. Martins L. Scoville, Gilson Batista de Oliveira
Ecological economy, economy solidarity, and E. F. Schumacher’s economic thoughtLucas Barbosa e Souza, Rogério Ferreira Teixeira
Adoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT modelFernando de Souza Meirelles, Luci Longo
Case study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in Management and Cost AccountingGeorgia Fabiana da Silva, Mariano Yoshitake, Suely Morais de França, Yumara Lúcia Vasconcelos
Attractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy in popular tradeFernando César Lenzi
Originale Cucina – a strategic positioning case study in the Curitiba’s gastronomic segmentRicardo Teixeira Miranda, Richard Schwarz
Customer value – market study of telephone operatorsEliane Cristine Francisco-Maffezzolli, Paulo de Paula Baptista, Richard Schwarz, Wesley Vieira da Silva
The location of the employment in the cotton production and textile industries in Paraná State the period 1997 to 2007Katia Fabiane Rodrigues, Jandir Ferrera de Lima, Lucir Reinaldo Alves, Ricardo Rippel
Apresentação
Prezados leitores,
Temos a alegria e a satisfação de disponibilizar à comunidade acadêmica e à
sociedade em geral mais uma edição inédita da Revista da FAE. Assim, esperamos
contribuir mais uma vez com as reflexões e o pensamento acadêmico, através dos
estudos compartilhados.
Por se tratar de uma publicação multidisciplinar, a elaboração deste volume contou
com autores representantes de várias áreas do conhecimento, cujos conteúdos serão
agora brevemente descritos.
Começamos a leitura com uma análise das transformações nas organizações a
partir da percepção do tempo, considerando a informação e as relações de trabalho.
Na sequência, um estudo sobre governança corporativa nas cooperativas de crédito
rural, com foco nas boas práticas de governança com a finalidade de cumprir com
as responsabilidades perante o quadro social. Ainda no campo da Administração, um
estudo sobre a importância dos portais de transparência fiscal, como instrumento de
informação para a sociedade, a partir de investigação em alguns municípios selecionados.
O quarto artigo desta edição analisa a percepção dos valores organizacionais sob a ótica
dos colaboradores em uma Instituição de Ensino Superior.
Permeando os estudos na área de Economia, apresentamos um artigo a respeito das
contribuições de John Stuart Mill para a evolução do pensamento econômico. Também,
um estudo sobre a visão econômica de E. F. Schumacher à luz da economia ecológica
e solidária.
Na sequência, um estudo sobre a adoção da tecnologia de informação em ambiente
universitário, com foco nos processos educacionais. Ainda voltando-se para o ambiente
educacional, contamos com um artigo que propõe a aplicação do método de estudo de
caso como estratégia de ensino.
Contemplando as contribuições na área de Marketing, encontraremos uma pesquisa
que identifica quais são os fatores motivadores que levam os consumidores a frequentar
e comprar no comércio popular. Também, um estudo de caso sobre o reposicionamento
estratégico no segmento gastronômico de Curitiba. E, ainda, um estudo do mercado de
operadoras de telefonia, com foco no valor real do cliente.
Concluímos esta edição com uma análise do padrão de localização do emprego
formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil no Paraná.
Esperamos que a Revista da FAE atinja o seu propósito de difusão e compartilha-
mento de reflexões, ideias e pesquisas, como contribuição ao indivíduo e à sociedade.
Boa leitura!
Paz e Bem!Frei Nelson José Hillesheim, ofm
Editor
Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos?
Organizations, labor relations and information technology:
chronological control or Kairos domains?
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 20147
Organizações, relações de trabalho e informatização: controle cronológico ou domínios de Kairos?Organizations, labor relations and information technology: chronological control or Kairos domains?
Jonas Cardoso1
Resumo
Este artigo analisa as transformações nas organizações a partir da percepção
do tempo. A análise é realizada considerando a questão da informatização e
as relações de trabalho nas organizações. A partir de pesquisa bibliográfica,
foram analisados livros e artigos sobre o uso do tempo pelas organizações
e sua relação com a informatização e consequências para as relações
de trabalho. A partir dessa análise, percebe-se que o tempo tornou-se
estratégico para as organizações contemporâneas, que dele se apropria
quando da utilização do trabalho para realização do lucro. O avanço da
informatização funciona como um catalisador, aumentando o controle e o
tempo dedicado ao trabalho.
Palavras-chave: Relações de Trabalho. Organizações. Informatização. Tempo.
Abstract
This article analyzes the organizations changes that derive for time
perception. The point of departure is the advancement of information
technology and its consequences in labor relations. From literature, were
analyzed books and articles about the use of time for organizations, the
advancement of information technology and changes in labor relations.
This analysis pointed that a time perception has become strategic for
contemporary organizations, which utilizes time working and non work for
the realization of profit. The advance of information technology acts as a
catalyst, increasing control and time devoted to work.
Keywords: Labor Relations. Organizations. Information Technology. Time.
1 Doutor em Administração na UFRGS. Professor Adjunto do Departamento de Economia da Universidade Federal de Rondônia. Tutor do Programa de Educação Tutorial do curso de Ciên cias Econômicas. E-mail: [email protected].
8
Introdução
Na mitologia grega, Cronos é a per so-
nificação do tempo, mas há também um outro
deus, Kairos, que é o próprio tempo – enquanto
Cronos é comparado a uma medida de tempo
em intervalos mecânicos, Kairos está em todos os
tempos, presente em alguns momentos e distante
em outros (CZARNIAWSKA, 2001).
Até 1980, o tempo era abordado nos estu-
dos das organizações como variável externa, pas-
sível de ser medido e independente dos processos
organizacionais. O tempo era determinado como
absoluto e linear. A partir de 1980, os estudos or-
ganizacionais foram influenciados sobremaneira
por áreas como Antropologia (CZARNIWASKA,
2009) e Sociologia (BURRELL, 2003; FOUCAULT,
1997; LEE; LIEBENAU, 1999), que levaram a uma
nova percepção sobre o tempo, que se transfor-
mou em um componente importante da cultura or-
ganizacional. O tempo se tornou relativo do ponto
de vista da teoria das organizações, portanto, pas-
sível de ser relido conforme o momento, assumindo
aspectos com diferentes significados em cada con-
texto (TONELLI, 2002; VERGARA; VIEIRA, 2005).
A interação entre trabalho e tempo torna-
-se sinônimo de cumprimento de tarefas por metas,
as quais independem do espaço e tempo em que
são cumpridas. O que importa é o prazo. Ficou
para trás o tempo entendido na produção fordista,
cujos trabalhadores se baseavam numa jornada
de trabalho fixa e com trabalhos repetitivos. Com
as novas tecnologias e estruturas organizacionais
baseadas em processos mais flexíveis, o tempo é
refém da velocidade ditada pela informatização
(GRISCI, 1999; 2008). Aliado a isso, conforme
destacado por Mello e Tonelli (2002), deve-se
levar em conta o estilo de gestão, que investe
cada vez mais em uma cultura organizacional que
se preocupa mais com resultados de curto prazo,
utilizando nessa nova visão de todo o tempo que
o trabalhador dispõe, seja no trabalho ou fora dele.
Este artigo procura trazer elementos que
pontuem a forma como está configurada a orga-
nização contemporânea no que concerne às rela-
ções de trabalho, ao aumento da informatização e
a influência do tempo nos processos de produção.
O ensaio é composto de cinco tópicos,
que além desta introdução e das considerações
finais, conta com o primeiro tópico que discute
a dinâmica temporal, o qual procura trazer ele-
mentos que auxiliem no entendimento do uso do
tempo e suas transformações, conforme o desen-
volvimento das organizações. O tópico seguinte
relaciona organizações, tempo e relações de tra-
balho, analisando como estas foram influenciadas
conforme se processava o uso do tempo pelas
organizações. O terceiro tópico, além de abordar
organizações e tempo, traz outro elemento impor-
tante: a informatização.
O objetivo foi inserir na discussão as trans-
formações na concepção do tempo por que pas-
saram as organizações com o avanço tecnológico
da informatização e seus desdobramentos nas re-
lações de trabalho.
Na mitologia grega, Cronos é a personificação do tempo, mas há também um outro deus, Kairos, que é o próprio tempo – enquanto Cronos é comparado a uma medida de tempo em intervalos mecânicos, Kairos está em todos os tempos, presente em alguns momentos e distante em outros.
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1 Dinâmica Temporal e Organizações
Hassan (2003) observou que a cada perío-
do histórico há uma forma diferente de com-
preensão do tempo. O conceito de tempo tem
um relacionamento próximo com as formas de
pro dução e reprodução da sociedade. Assim, o
período pré-industrial foi caracterizado por ter uma
produção essencialmente artesanal feita em casa
e por usar suas próprias ferramentas, realizar seu
trabalho sem regularidade temporal, com taxa de
produção e tempo de forma diferente, depen dendo
do dia e das estações do ano.
Além disso, algumas culturas não se impor-
tavam muito com o fluxo do tempo. Gregos pos-
suíam relógios de sol e de areia (dispostos, por
exemplo, em parlamentos para limitar o tempo de
fala), mas isso não era de uso comum (BAUMAN,
2001). Na verdade, como alguns pesquisadores
apresentam (CZARNIAWSKA, 2001), relógios de
sol e de areia foram usados por gregos não ne-
cessariamente para medir o tempo, mas principal-
mente para representações cosmológicas, símbo-
los do universo.
Similarmente, na Idade Média, viajantes cau-
saram agitação na China quando ofereceram relógios
como presente. Porém, os chineses não estavam
interessados na invenção em si, mas curiosos com
aquele brinquedo estranho e inútil (LE GOFF, 1960).
A ideia básica da medição exata do tempo pode ser
percebida como obsessão excêntrica.
A Era Industrial inaugurou o tempo associa do
com o ritmo das fábricas com uma produção marcada
por situações de copresença e sincronização tem-
poral. Em consonância com essa compreensão do
tempo, produção e serviços seguem um sistema
dominado pelas horas, minutos e segundos.
Na História, o tempo não pertence a nin-
guém (WIJK, 2006). O tempo sempre foi entendido
como possessão de Deus. Como Santo Agostinho
escreveu, tentando refutar o entendimento aristo-
télico, o segredo do tempo ficou inexplicável. O
raciocínio ficou embasado no seguinte argumento:
apesar do movimento dos corpos astrais entre
outros instrumentos relacionados com o tempo, ele
não depende disso. Josué pediu para Deus parar
o sol para finalizar a batalha no mesmo dia, o sol
parou, mas o tempo continuou.
Contudo, o tempo não deve ser entendido
como um movimento de coisas, embora coisas se
movam no tempo (LE GOFF, 1960). O tempo era
percebido como alguma coisa pertencente a nada
mais do que o domínio divino, alguma coisa inde-
pendente do movimento regular das coisas, prova-
velmente um dos atributos de Deus. Consequen-
temente, como apontado por Adam (2001), na
Idade Média um dos principais argumentos contra
a usura foi que mercadores davam créditos e os
usurários tentavam vender uma mercadoria que
não pertencia a eles: o tempo.
O monge Dominicano Etiene de Bourbon,
na Tabula Exemplorum (LE GOFF, 1960), construiu
o argumento de que toda noção de crédito foi
fundamentalmente má e corrupta, principalmente
por que resultava de negociação nos domínios de
Deus; contudo, mercadores e usurários ousaram o
suficiente para prolongar o pagamento do débito
por dado preço, sendo condenados à maldição.
Com o passar dos séculos a percepção do
tempo mudou. A mensuração e o controle exato
do tempo transformaram-se em domínios das
organizações e, gradualmente, tornaram-se dessa-
cralizados. Por exemplo, segundo Le Goff (1960),
em 1355, o rei governador em Artois permitiu a
construção de uma torre a fim de anunciar as horas
para os negócios e as transações, assim como
para regular a jornada de trabalho nas fábricas.
10
Rapidamente, a Igreja se rendeu à tradicional
ocu pação – a mais exata torre de relógio laica
massivamente integrou a realidade social. Toda
torre para ser reconhecida como tal deveria estar
junto a uma igreja e ter um prédio com relógio.
De acordo com Bauman (2001), esse
processo de ganho de poder por meio da
usurpação do controle sobre e por meio dos
estabelecimentos de horários foi determinante
na transição da época pré-moderna para a
moderna. O controle simétrico dos movimentos
foi substituído pelo controle simétrico opressivo
baseado em prazos “impessoais”. Não é apenas
o tempo de controle que muda de localização
hierárquica, ele é transformado em processo
objetivado, relacionado com a maquinaria externa.
volvimento histórico constante (ELIADE, 1992). O
planejamento, baseado no tempo, abriu as portas
para a burocracia e para internalização do controle
organizacional (FOUCAULT, 1997).
Ainda, mesmo no século XIX, segundo
Zerubavel (1993), trabalhadores se atentaram para a
falta de liberdade e se rebelaram ante a possibilidade
de um longo confinamento e produção estável.
A presença era irregular, trabalhadores podiam
não comparecer no serviço por dias e receber
seu salário no final de cada semana conforme
os dias trabalhados. Foram as organizações
capitalistas que procuraram mudar os hábitos dos
trabalhadores, tentando forçá-los a uma rotina
diária. A contenda entre trabalhadores e patrões
foi violenta e demorada, e somente após muitas
restrições severas, incluindo multas de até metade
do salário, é que foi obtida uma vitória parcial para
os patrões, que puderam, enfim, aplicar horários de
trabalho mais rígidos (ZERUBAVEL, 1993).
Segundo Morgan (1996), a luta em relação à
linearização do tempo de trabalho foi o encontro da
metáfora máquina-organização, então expandida
entre os gerentes até os dias de hoje. De forma al-
guma, a ideia de fixar um horário de trabalho regular
foi “natural”, nem pertenceu à cultura monocrômica
por muito tempo (MORGAN, 1996). Embora essa
questão seja pouco debatida no mainstream da
ciência organizacional, o abismo entre tempos de
trabalho e de não trabalho tem aumentado a partir
da diferenciação entre os que obedecem e os que
mandam nos horários fixados, e como tal, é dado
pela definição que reforça a visão de tempo linear,
escamoteando tempos definidos por prazos e me-
tas cada vez mais complexos.
Com a multiplicidade do tempo, a questão
da linearidade é ainda muito mais filosófica e
controversa (ADAM, 2001), especialmente nos
estudos organizacionais, nos quais pode ser útil
considerar o contexto histórico das mudanças
discutidas. Antes de tudo, o relacionamento com
Mas essa mudança não aconteceu sem pro-
testos, pois qualquer rebelião contra a marcação
do tempo de trabalho estritamente linear era per-
seguida e sancionada com penalidades, variando
de multas até sentença de morte (LE GOFF, 1960).
De fato, a Idade Média e seu crescimento orientado
para a produção teve seu auge no século XVII de
forma linear e percepção progressiva do desen-
O relacionamento com o
tempo é, algumas vezes,
percebido como a base
em que se constitui a
humanidade.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 201411
o tempo é, algumas vezes, percebido como a base
em que se constitui a humanidade (ADAM, 2006).
Além disso, é importante também olhar as práticas
organizacionais na definição do tempo numa
análise retrospectiva.
A Revolução Industrial é marcadamente
o princípio para a inserção científica do tempo
nos modos de produção, ele se torna o principal
instrumento de controle utilizado para aumen-
tar a produtividade dos trabalhadores. O tempo
de trabalho homogêneo, objetivo, mensurável
quantitativamente e mais preciso torna as tare-
fas mais padronizadas, resultando também na
padronização das relações sociais e hegemoni-
zação dos outros tempos (GASPARINI, 1996;
HASSARD, 2001).
É a partir de 1970, porém, que uma nova
organização do trabalho começa a se configurar, as
mudanças são consequências de transformações
nos cenários socioeconômicos e políticos, e tam-
bém devido à expansão do setor tecnológico, prin-
cipalmente no que concerne ao uso intensivo da
tecnologia da informação. A percepção do tem-
po passa por mudanças, tornando-se resposta à
velocidade da informação, o tempo toma forma con-
forme a demanda que, por sua vez, tem caráter de
simultaneidade e instantaneidade (GIDDENS, 1991).
Para Vergara e Vieira (2005, p. 111),
as organizações globais transpuseram os limites de
tempo impostos pelas distâncias e pelas tecnologias
da informação disponíveis na era da industrialização
mecânica. A revolução da microeletrônica, a partir de
1970, cuja rápida evolução chegou aos anos 90 como
alta tecnologia, mudou as noções de tempo-espaço na
nova economia.
Bauman (2001) sugere que o intenso e
profundo contato com atores não humanos
(computadores) contribui para a quebra da
linearidade temporal. De acordo com esse autor,
a utilização do tempo de um processador ajuda
a restabelecer a época do “tempo físico real”,
entendido como medida de um relógio mecânico
e promovido por gerentes e seus equivalentes
desde a Idade Média. Para muitos trabalhadores,
a participação em uma organização é uma forma
de alcançar a imortalidade, para isso, deve aceitar
a obsessão terrestre por cronogramas, o qual só
parece natural se as pessoas são reduzidas a meros
agentes, elementos do sistema eterno ou produtos
do trabalho (PAGÈS et al., 1990).
2 Organizações Produtivas, Tempo e Relações de Trabalho
Embora o tempo tenha acelerado, o processo
burocrático não sofreu grandes mudanças. Se
por um lado há novos métodos persuasivos nas
relações de trabalho, por outro há a busca por
padronizações ditadas pela aplicação de normas
e procedimentos visando a chamada qualidade
total (WOOD, 1995). Exemplifica-se pela busca
da certificação ISO 9000, cujas normas rígidas
implantadas possuem semelhança aos métodos
de racionalização clássicos.
A ideia de que a vida está em constante
aceleração é muito recente. No ano de 1936,
Charlie Chaplin, em sua famosa comédia Tempos
Modernos, mostrou como o local de trabalho
podia se transformar num pesadelo na vida do
trabalhador. O objetivo do aumento do tempo de
trabalho não parece ser tão óbvio, se as pessoas
se mantêm trabalhando mais a produtividade
deveria ser muito alta, mesmo se todos os
esforços se tornassem menos intensivo, porém,
economicamente não é o caso (JACOBS; GERSON,
2001), muitos trabalhadores enfrentam sérios
desafios para atender as demandas advindas
do trabalho e da família (OLTRAMARI; WEBER;
GRISCI, 2009).
12
As organizações pós-modernas precisaram
se adaptar ao novo trabalhador, que se
apresenta não mais com sua mão de obra material, mas traz também todo um aparato de conhecimento
de difícil mensuração de seu valor.
O que predomina é a percepção de que o
agravamento da demanda de tempo passa por
uma geral aceleração temporal (GIDDENS, 1991).
Jacobs e Gerson (1998) demonstraram que a
translação da percepção ocorre, em parte, devido
às mudanças na distribuição de trabalho dentro das
famílias (o provedor não é mais apenas o homem,
rendas compartilhadas são comuns, pais solteiros
formam uma parte significante da população etc.).
Para Lazzarato e Negri (2001), as organi-
zações pós-modernas precisaram se adaptar ao
novo trabalhador, que se apresenta não mais com
sua mão de obra material, mas traz também todo
um aparato de conhecimento de difícil mensuração
de seu valor. Se na Modernidade os trabalhadores
eram apenas um componente na produção, agora
eles são a principal fonte de lucro das organizações.
A composição orgânica do capital se modificou, o
capitalista não precisa de mais máquinas para au-
mentar sua produtividade, o trabalhador já tem suas
“ferramentas” que, diferente da época pré-moder-
na, não são utilizadas para a cristalização de valor
nas mercadorias unitariamente, mas são ferramen-
tas potencializadas, que aliadas ao conhecimento e
criatividade do trabalhador produz demanda base-
ada no modismo e fidelização dos clientes.
Na visão de Vergara e Vieira (2005, p. 113),
a transição do sistema de produção fordista para o de
flexibilidade produtiva quebra a rigidez sistêmica das
estruturas organizacionais. A complexidade burocrá-
tica, vertical e densamente hierarquizada, vai ceden-
do lugar à movimentação dos fluxos de demandas e
decisões no sentido horizontal e mais desburocratiza-
do das ações digitais.
Também mudou o relacionamento do traba-
lhador com a organização, agora ele apa rentemente
não quer apenas um emprego, ele está em busca
de desafios e de reconhecimento, ele quer trabalhar
em uma organização que tenha objetivos e regras
claras, e não se importa de ser “explorado” desde
que seja “recompensado” por isso. As palavras
entre aspas possuem significados que podem
ser explicados em parte por Pagès et al. (1990),
que analisam de forma clara a relação “maternal”
entre a organização e o trabalhador, a exploração
é reconhecida pelo trabalhador (angústia), mas ao
mesmo tempo ele se sente “feliz” de fazer parte de
um grupo seleto, que lhe “criou” desde o estágio e
lhe mostrou novos desafios e conquistas.
As funções assumidas, ainda segundo os es-
tudos de Pagés et al. (2001), são dinâmicas, evitando-
-se, assim, relacionamentos que possam levar a uma
associação com objetivos de reivindicação. Aliás, o
esvaziamento dos movimentos reivindicatórios são
resultados de políticas que procuram se antecipar às
reivindicações. Além disso, há também a mudança
no padrão de cobrança de resultados. O trabalhador
passa a ter metas, independente de como irá cum-
pri-las, ou seja, o tempo dedicado ao trabalho não
possui mais amarras, o trabalhador está “livre” para
trabalhar no horário que quiser (SENNET, 1999).
A principal função das organizações em-
presariais ainda é maximizar o lucro, a burocracia
ainda permeia os processos, o que muda é a forma
de controle (FARIA, 2004). Para desempenhar
este papel, existem os executivos que buscam
estabelecer e executar as normas necessárias para o
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regulamento do comportamento dos trabalhadores
e manutenção do lucro. Eles são responsáveis por
estabelecer a harmonia na organização, assegu-
rando a produtividade e diluindo as tensões que
venham interferir no processo, para isso, utilizam-
-se dos instrumentos de controle disponíveis
(TRAGTENBERG, 1974; FARIA, 2004).
A organização burocrática, na sua forma
clássica, centralizada, hierárquica e autoritária,
foi substituída pelo ideal da organização pós-
moderna (CLEGG; HARDY, 1996), formatada
pela descentralização, utilização das tecnologias
de informação para formação de redes e pela
mediação, assim descrita por Pagès et al. (1990).
O trabalho é fruto da cooperação e as escalas
hierárquicas são camufladas pela decisão em
equipes conforme as regras implícitas. Os conflitos
presentes na produção fordista dão lugar à
harmonia total oriunda do papel da organização
dita pós-burocrática. Uma análise mais aprofun-
dada mostra a verdadeira face dessa nova confi-
guração, a burocracia remodelou a hierarquia e
escamoteou os mecanismos utilizados no controle,
o trabalhador se encontra preso voluntariamente,
sem possibilidade de se emancipar desta nova
gaiola de ferro (WEBER, 1999).
Novas formas de controle operacionaliza-
das, por meio do aporte em tecnologia da infor-
mação, são utilizadas para fortalecer os sistemas
burocráticos de supervisão (REED, 1996), os
quais são desenvolvidos a partir da necessidade
de possibilitar o acompanhamento do trabalha-
dor, que agora tem mais controle sobre suas ativi-
dades devido à aceleração dos processos de pro-
dução. A burocracia se adapta conforme as mais
diferentes circunstâncias.
Neste sentido, Vergara e Vieira (2005, p. 113)
destacam que,
a tecnologia, então, passa a expressar-se nos novos formatos
organizacionais, nos fluxos de tarefas e na exigência de
novas competências por parte dos empregados. Para as
organizações globais a reestruturação foi um imperativo
de produtividade e competitividade.
Para Virilio (1999), o avanço das TIs significa
que o tempo tecnológico está, cada vez mais,
invadindo o tempo e espaço tanto na dimensão
profissional como na vida particular, criando novos
ritmos, experiências e modos de interação que estão
transformando a sociedade. Os exemplos dessa
nova configuração estão presentes de várias formas.
Por exemplo, o mito da contínua melhoria ba-
seada em apenas um caminho e o desenvolvimento
ou a metáfora do trabalho como forma de galgar no-
vos postos da carreira estão inseridos nessa forma
de pensamento. A crença em constante progresso
e a ideia do ciclo de vida da organização são resul-
tados tangíveis desse processo. Além disso, a popu-
laridade dos conceitos, tal como gerenciamento de
tempo e produção just in time, mostram uma fixa-
ção intensiva na percepção de tempo linear entre as
organizações. Nesse sentido, torna-se muito claro
porque a pontualidade, atendimento e conformação
com horários são fatores tão importantes na avalia-
ção do desempenho dos trabalhadores.
A ampliação dos mercados e a competição
aumentam as demandas de clientes ou consu-
midores voláteis, mas bem informados. Esse
con tex to coloca o trabalho em primeiro lugar e
aumenta carga sobre os trabalhadores. Além disso,
a flexibilidade imposta aumenta a responsabilidade
e consequentemente aumenta o problema relativo
ao inchaço de horas despendidas no trabalho. A
intensificação da produção tornou-se um padrão
usual, resultando em pressão não somente no local
de trabalho, como também no planejamento fora
dele (OLTRAMARI; WEBER; GRISCI, 2009). Para
enfrentar a forte competição, muitas empresas
necessitam ser mais flexíveis, o que é feito com a
imposição de horários flexíveis e de delegação de
maiores responsabilidades para os trabalhadores.
Nesse sentido, as empresas requerem mais e mais
14
comprometimento de seus empregados, ao tempo
que os empregos tornam-se cada vez menos
seguros (MALENFANT; FOUCHER, 2006).
O tempo de trabalho mais flexível surgiu
como a possibilidade de realizar um trabalho
com maior equilíbrio entre a vida e trabalho, em
detrimento do caso em que horas de trabalho são
fixas sem referência à realidade dos trabalhadores
(WEBSTER, 2004). Blair e Wharton (2004) desco-
briram que mesmo quando os trabalhadores dizem
estar satisfeitos com a introdução do horário flexível,
isso ainda não possibilita totalmente a recon-
ciliação entre as responsabilidades profissionais e
familiares. Mesmo quando os trabalhadores usam
a jornada de trabalho flexível, eles não conse-
guem aproveitar como deveriam devido às metas
de produção e às regras informais no local de
trabalho, que reduz essa flexibilidade. A cultura
organizacional também deve ser levada em conta,
pois ela usualmente contribui para a valoração do
comprometimento com o trabalho, disponibilidade
e eficácia, características do trabalhador padrão
(PAGÈS et al., 1990).
As pessoas gastam mais e mais tempo com
o trabalho. Para os trabalhadores do conhecimento,
a expectativa temporal não é limitada à média de
oito horas por dia, diferentemente dos demais
trabalhadores tradicionais, ela é muito maior.
Tempo de trabalho sem definição baseada em
horários predeterminados são particularmente
observadas em certas ocupações e setores, por
exemplo, para funções gerenciais (OLTRAMARI;
WEBER; GRISCI, 2009) e profissões na área de
engenharia e tecnologia da informação (ADAM,
2006; WIJK, 2006; ZERUBAVEL, 1993).
Para esses profissionais, o problema é a
grande carga de trabalho devido à demanda dos
clientes. Porém, o problema também acontece em
outras áreas do trabalho como os profissionais que
atuam no setor público, tais como professores,
profissionais da saúde e assistentes sociais.
Já com os operários de fábricas, onde há cada
vez mais pressão para maximizar a utilização
de bens de capital, também relatam tempos de
trabalho maiores do que o de não trabalho e,
consequentemente, fadiga extrema (RUBERY et
al., 2000). A necessidade de maior renda também
faz que com os trabalhadores alonguem seu
tempo de trabalho.
Profissionais de certas áreas têm aumentado
suas jornadas de trabalho com compromissos que
fogem do seu horário de trabalho, como para
atender clientes ou para concluir um trabalho em
casa. Nesse caso, o processo de autoexploração
(self-exploration) seja talvez mais atuante do
que a exploração externa. Isso transparece mais
claramente nos profissionais da área de TI, na
qual eles possuem uma considerável autonomia
quanto à jornada de trabalho e, ao mesmo tempo,
sentem pressão para cumprimento de metas, o
que Lehndorff (1997, p. 23) chama de “flexibilidade
ativa por meio da auto-organização”.
Para Sennett (1999), o trabalho flexível no
ambiente da corporação capitalista corrói o caráter
pessoal e também as relações de confiança e de
comprometimento que são necessárias na maioria
das interações sociais. Estudos sobre a dinâmica
do emprego nas organizações contemporâneas
na Europa, privada e pública, apontam para
problemas, como insegurança, estresse físico e
mental, relacionamento pessoal interrompido
e corrompido e relações sociais e familiares
fragmentadas (WEBSTER, 2004). Segundo Castel
(1998), a mudança nas relações de trabalho trouxe
mais angústia para um número cada vez maior de
trabalhadores, e está associada principalmente
com o medo de perder o emprego.
Trabalhadores altamente especializados
são mais vulneráveis à crescente pressão por
performance e inovação na forma de tempo de
trabalho excessivo, além disso, esses profissionais
encontram dificuldades em controlar o limite que
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separa o trabalho da vida pessoal. Essa situação
tem contribuído para o aumento do estresse na
última década do século XX nos países da OCDE
(ALASOINI, 2001).
Os aumentos da carga e da acumulação
de trabalho são apontados como as principais
razões para o aumento das horas trabalhadas,
principalmente naquelas áreas em que os traba-
lhadores não exercem qualquer controle sobre
o tempo (HOGARTH et al., 2000). Outra razão
para o aumento da jornada de trabalho informal
(não paga) é a necessidade de cumprir prazos, a
qual demonstra mais uma vez a falta de controle
do tempo por parte dos trabalhadores (HYMAN;
SUMMERS, 2004). Na pesquisa desenvolvida por
Hogarth et al. (2000), os resultados mostraram
que entre os trabalhadores em tempo integral, um
em cada nove trabalha até 60 horas semanais.
Conforme Fracalanza (2003) e Dal Rosso
(1997), para uma dada tecnologia e duração da
jornada de trabalho há um grau de intensidade do
trabalho considerado normal. Ocorre que quando o
alongamento extensivo da jornada de trabalho pas-
sa a ser vedado pelo Estado, os trabalhadores são
solicitados a trabalhar de forma mais intensiva, em
um ritmo mais acelerado do que aquele socialmente
habitual, com o que o número de bens produzidos
amplia-se para a mesma duração da jornada de
trabalho. O processo de intensificação do trabalho
é resultante do aperfeiçoamento tecnológico, e o
trabalhador precisa desenvolver um novo ritmo de
produção. A tecnologia desloca o valor do trabalho
humano em direção a uma produção tecnológica
automatizada, o sujeito se torna um mero disposi-
tivo que utiliza seu corpo a funcionalidades requeri-
das no sistema tecnológico (VIRILIO, 1999).
Gorz (2005) contribui para o entendimento
de como o processo de alongamento do tempo de
trabalho toma forma: o autor defende que é cada
vez mais difícil mensurar o desempenho individual
e utilizar técnicas baseadas no taylorismo para au-
mentar a produção, por isso a organização se utiliza
da artimanha conhecida como gestão por objeti-
vos, ou seja, são fixados objetivos que devem ser
cumpridos pelos trabalhadores em determinado
período. O autor também afirma que as organiza-
ções procuram desenvolver estratégias como ofe-
recer stock-options na tentativa de transformar
a relação assalariada em relação de associação. É
uma forma de demonstrar a importância da partici-
pação dos trabalhadores nos objetivos da empresa,
promovendo um maior comprometimento e, conse-
quentemente, uma maior carga de trabalho. Nesse
sentido, Gorz (2005, p, 23) destaca que “a pessoa
deve, para si mesma, tornar-se uma empresa; ela
deve se tornar, como força de trabalho, um capi-
tal fixo que exige ser continuamente reproduzido,
modernizado, alargado, valorizado.”
Castel (1998) destaca que neste novo con-
texto, o trabalho assalariado com tempo prede-
terminado não pode ser mais considerado uma
forma de integração, as organizações estão exigin-
do uma maior fidelidade e consequentemente
maior disponibilidade no que tange à carga horária
dedicada ao trabalho. O emprego passa a ser visto
como a própria vida para uma grande massa de
trabalhadores, e eles fazem uma simbiose entre
sua vida e a organização, criando um forte laço
de dependência do viver para com o trabalho
(GAULEJAC, 2007).
Como forma de resistência, muitos profissio-
nais de setores que exigem produtos com alta
intensidade de conhecimento, como os produtores
de trabalho imaterial, estão tendo problemas com
seus superiores no que tange ao gerenciamento do
tempo (ADAM, 2006). O conflito entre executivos e
profissionais sobre prazos e mensuração da qualidade
do produto é bastante presente em muitos negócios
e campos (JACOBS; GERSON, 2001). Se horários são
entendidos como a principal ferramenta simbólica
(mais do que funcional) de controle, torna-se claro
16
por que os horários muitas vezes não são suficientes
para atenderem prazos e metas estabelecidas de
cima pra baixo, mas que nem por isso deixam de
ser seguidos. É também quase entendido o porquê
de os horários serem tão rejeitados. A dominação
gerencial ainda resiste, formal ou informalmente, em
muitas ocupações (PRASAD; PRASAD, 2000).
A literatura gerencial tradicional e sua visão
sobre organizações trazem fortes conotações de
linearidade (BURRELL, 2003). Esta é uma percepção
do mundo que reforça a hierarquia tradicional e
mantém a hegemonia do gerencialismo.
3 Organizações, Tempo e Informatização
Enquanto Cronos é o deus do tempo con-
tínuo, Kairos é o deus do tempo oportuno. As or-
ganizações estão fadadas a se adaptar às circuns-
tâncias, fruto das estripulias de Kairos, e ninguém
escapa a essas adaptações; quem comanda é
quem tem domínio sobre o capital, principalmente
o capital acumulado, que precisa achar meios de
se reproduzir avidamente. Os trabalhadores se en-
contram como fantoches, que devem se adaptar,
não devido a Kairos, mas devido à necessidade de
atender o capital, que está à mercê das oportu-
nidades. A informatização aumenta a velocidade
das transações e da quantidade de tarefas a serem
cumpridas, os prazos se tornam ferramentas de
controle simbólico. O tempo passa a ser relativo,
aleatório, fruto das condições dadas pela capaci-
dade intelectual e uso da informatização.
Na era da internet, as atividades rotineiras
estão se tornando mais e mais multitarefa. Muitas
coisas são feitas simultaneamente, enviar um e-
mail, participar de fóruns, bate-papos, tuitar e, oca-
sionalmente, fazer um trabalho acadêmico. Porém,
enquanto a tarefa diária no local de trabalho pode
de fato ser multivariada, o outro lado da moeda é
o enfoque organizacional/gerencial que pode ser
extremamente controlador. Nesse sentido,
os procedimentos informatizados podem também se
tornar cruéis, imprimindo sobre os indivíduos formas
de controle menos visíveis e, portanto, de grande
caráter manipulador e coercitivo, a maior parte dessas
formas, sem dúvida, proporcionada pelas tecnologias da
informação, ferramentas-chaves das realidades virtuais
(VERGARA; VIEIRA, 2005, p. 113).
Com o enfraquecimento do modelo de
produção baseado nas premissas taylorista/fordista,
caracterizado, em grande parte, pelo equilíbrio entre
a intensificação do trabalho, produ tividade e rentabi-
lidade, fortalece-se o mo delo ba seado na produção
flexível que é singularizado pela dependência do tra-
balho vivo principalmente aos ditames da organiza-
ção do trabalho, da comunicação e da integração.
Segundo Vergara e Vieira (2005, p. 113), “o
tempo é uma variável fundamental na mudança
de um estilo industrial de produção clássico para
outro de flexibilidade produtiva”.
Para Thompson (1998), a introdução de
novos meios de comunicação possibilitou novas
formas de ação e interação, aliadas aos novos
tipos de relacionamentos sociais. Nesse sentido,
o avanço da informatização traz consigo tanto
novos objetos (ciberespaço, realidade virtual etc.)
como novos modos de percepção e representação
(geometria fractal, representações da realidade via
computador etc.), que por si só requerem novos
modos de pensamento e cognição (VIRILIO, 1999).
A informatização e seu consequente es praia-
mento oferece novas configurações na vida pessoal
e nas formas de produção. Para Virilio (1999), o
avanço das TIs significa que o tempo tecnológico
está, cada vez mais, invadindo o tempo e espaço na
dimensão profissional e na vida particular, criando
novos ritmos, experiências e modos de interação
que estão transformando a sociedade.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 201417
Castells (1999, p. 51) destaca que as novas
tecnologias da informação são continuamente
aperfeiçoadas devido ao seu uso generalizado, por
isso o autor entende que “as novas tecnologias da
informação não são simplesmente ferramentas a
serem aplicadas, mas processos a serem desen-
volvidos”. O avanço da TI permite uma acele ração
na troca e acesso de informações que antes es-
tavam apenas em seu campo de abrangência. O
autor conclui que a atual revolução tecnológica
não é devido à centralidade de conhecimento e
informação, mas da aplicação para a geração de
novos conhecimentos, resultando em um ciclo que
se realimenta cumulativamente pela inovação e
utilização (CASTELLS, 1999).
A capacidade intelectual passa a ser uma
ferramenta essencial da força de trabalho aplicada
à produção. Segundo Srour (1998), a Revolução
Digital é responsável por mudanças nos aspectos
relativos ao trabalho manual e repetitivo, como
também no trabalho profissional e qualificado,
responsável pela execução de rotinas padronizadas
e até no trabalho intelectual que lida com a
concepção criativa. Dessa forma, “a qualificação
do trabalho passa a ser generalizada, atingindo
todos os trabalhadores envolvidos em processos
informatizados” (SROUR, 1998, p. 19).
No contexto atual de trabalho, para atingir
o pleno potencial de produtividade, o trabalhador
deve ter certa autonomia. Uma condição que se
reconhece, portanto, é a de que “a tecnologia da
informação exige maior liberdade para trabalhadores
mais esclarecidos atingirem o pleno potencial da
produtividade prometida” (CASTELLS, 1999, p. 63).
Destaque-se que Rodrigues y Rodrigues
(2002), quando caracteriza a vantagem compe-
titiva, demonstra que o tempo é variável mais
importante na organização produtiva atual. Tempo
o qual é fundamental para constante atualização
tecnológica, fruto das transformações impostas
pela nova economia. Segundo Wijk (2006), a
informatização contribuiu para o fortalecimento
da estrutura temporal pela disponibilização da
informação na infraestrutura. O acesso rápido à
informação auxilia na redução do tempo ocioso,
aumentando o tempo de reação do sistema.
Também contribui para facilitar a coordenação
pelo fornecimento de uma plataforma sofisticada
do sistema de controle.
Nos modelos pós-fordistas predomina a fle-
xibilidade organizacional, aliada ao avanço da TI, no
qual a abordagem gerencial passou a ser orientada
de forma diferenciada quanto ao que torna as or-
ganizações mais eficazes. Surge, dessa forma, um
enfoque orientado para o envolvimento, destacan-
do a motivação intrínseca e a capacidade de au-
togerenciamento e controle dos trabalhadores e o
entendimento de que as pessoas têm ideias impor-
tantes sobre como os processos devem funcionar
(CALDWELL, 2005; BOWDITCH; BUONO, 2004).
A organização do trabalho passa por transforma-
ções; se antes era sustentada em cargos isolados,
agora passa a ser feita em atividades baseadas em
processos, com grupos multifuncionais responsabi-
lizando-se por segmentos ou por processos inteiros
e assumindo algumas funções de controle (REED,
1996). Como resultado, há a descentralização do
processo, a maior agregação do conhecimento dos
trabalhadores, o que viabiliza a participação em de-
cisões técnicas e no gerenciamento (SROUR, 1998).
Neste contexto, a hierarquia tradicional dá
lugar a estruturas mais equilibradas e horizon-
tais e o papel gerencial será motivar o compro-
metimento e o envolvimento dos trabalhadores
(FARIA, 2004), voltando-se mais para questões
relativas ao seu desenvolvimento, interação e
cooperação, receptividade a mudanças e inova-
ções. Os avanços em TIs possibilitaram a criação
de redes entre organizações produtivas concor-
rentes, que se aliam em caráter temporário para
18
fazer frente a alguma circunstância favorável às
partes (CASTELLS, 1999). O efeito conjunto des-
sas trocas tem permitido melhor flexibilidade
para responder às demandas. Mas esse processo
repercute nas características do trabalho.
Em muitos mercados, as regras da com-
petência têm evoluído no mesmo sentido em que
varia as vantagens competitivas. O tempo de reação
às demandas precisa ser o mais rápido possível, as
empresas vivem a necessidade contínua de inovação
(BARBOSA; ZILBER; TOLEDO, 2009). Essa nova
configuração afeta a criatividade dos trabalhadores,
os conhecimentos e a capacidade de se qualificar,
que se convertem em ativos estratégicos. O trabalho
mental substitui a força física e aumenta o valor
agregado, fortalecendo-se a completa utilização
do trabalho humano nas empresas. As relações de
trabalho passam a ser mais flexíveis, influenciadas
pela capacitação técnica, pelo nível de produtividade
e pela capacidade de agregar valor de cada
trabalhador (SROUR, 1998).
Para Gorz (2005), a informatização trouxe
nova valoração para as formas de saber como a
experiência, o discernimento, a capacidade de
coordenação, de auto-organização e de comu-
ni cação. Dal Rosso (2008) defende que essa
transição traz novas implicações. O uso de
tecnologias de informação como computadores
e telefones, fixos ou portáteis, que cada vez mais
trazem novas possibilidades de interação, tendem
a modificar o padrão dos tempos de trabalho e de
não trabalho. Como afirma Gorz (2005, p. 21), “o
computador aparece como o instrumento universal,
universalmente acessível, por meio do qual todos os
saberes e todas as atividades podem, em princípio,
ser partilhados.” Outra implicação explanada por Dal
Rosso (2008) refere-se à porosidade do trabalho,
que diminui conforme a utilização de TIs. A gestão
baseada em um fluxo contínuo de informações
é consequência da informatização da indústria,
na qual o trabalhador deve estar atento para esse
fluxo, tendo de assumir sua condição como sujeito
do processo. “A comunicação e a cooperação são
partes integrantes da natureza do trabalho” (GORZ,
2005, p. 17), que por meio de uma rede sincroniza-
se com os demais em tempo integral para tornar o
resultado individual parte do coletivo. Esse processo
potencializa os resultados para a organização
em detrimento do resultado para a vida social do
trabalhador, que perde a noção de tempo e de
espaço dedicado ao lazer e o tempo dedicado à
realização das metas impostas pela organização.
Como afirma Gorz (2005, p. 22), “doravante, não nos
é mais possível saber a partir de quando estamos
‘do lado de fora’ do trabalho que somos chamados
a realizar”. Para Vasapollo (2003), a informatização
controla e desenvolve meios de potencializar a
acumulação flexível, um desses meios é a submissão
da subjetividade social aos avanços da TI e de
comunicação, que dominam o cenário atual para um
cenário que transgride o tempo de trabalho direto,
atingindo o tempo do viver social.
Neste sentido, Lazzarato e Negri (2001, p.
74) afirmam que
atividades ‘culturais, relacionais, informacionais, cog-
nitivas, educativas, ambientais’ e o ‘tempo liberado de
trabalho’ que se tornam os ‘objetos’ e os ‘sujeitos’ das
novas relações de exploração e de acumulação que a
revolução da informação organiza.
A informatização resulta em maior ganho
de lucratividade e aumento da competitividade
das organizações produtivas, mas, por outro
lado, traz efeitos nefastos para os trabalhadores,
como a desumanização, os impactos psicológicos
(depressão, solidão), a redução do nível de
emprego, a ansiedade da informação, o estresse,
as lesões por esforços repetitivos e a exclusão
digital (TURBAN; McLEAN; WETHERBE, 2004).
Em decorrência, encontram-se muitas reações
contrárias à tecnologia, inclusive rejeição, seja
explícita ou não.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 6 - 23, jan./jun. 201419
Considerações Finais
Este artigo teve como objetivo analisar o
comportamento organizacional com o avanço da
informatização, utilizando como elemento principal
o tempo.
As organizações passaram por transforma-
ções conforme a necessidade de sobrevivência e
de acumulação de capital. O tempo entra como
uma importante variável para mostrar a lógica de
reprodução e manutenção do sistema em que as
organizações se proliferam.
O trabalhador, enquanto instrumento utili-
zado na produção de valor, surge como apêndice,
refém dos prazos cada vez mais curtos para a
realização das tarefas. Cada segundo deve ser
dedicado ao trabalho, pois caso contrário não
haverá trabalho, ou seja, devido ao medo de
perder o emprego ou a promoção, o trabalhador
se dedica totalmente aos ditames do tempo
controlado pelas organizações.
A informatização acelerada a partir do
final do século XX foi fruto das necessidades de
adaptação às demandas de mercado. Sua utili-
zação foi generalizada para todos os processos
organizacionais, tornando-se imprescindível para
a manutenção da competitividade. O tempo pas-
sa a ser mais acelerado, decisões são tomadas
instantaneamente e afetam todos os envolvidos que
precisam se adaptar para sobreviver ao trabalho.
O tempo cronológico e linear é substituído
por momentos kairóticos, no qual há diversas
situações acontecendo e afetando o mesmo
evento o tempo todo. Não há mais uma divisão
clara de horários preestabelecidos entre trabalho
e não trabalho. As organizações atuam sem tempo
de descanso, é preciso vencer todas as etapas a
todo o momento.
Ao trabalhador sobra cada vez menos tempo
de não trabalho, cada minuto é dedicado a resolver
ou criar, conforme a demanda da organização.
O tempo organizacional está multifacetado, a
sobrevivência depende da destruição paulatina
do trabalhador, que sem tempo para viver, vira
autômato, refém do sistema informatizado.
• Recebido em: 16/08/2012
• Aprovado em: 01/07/2013
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Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidáriaCorporate governance: analysis in a rural credit cooperative with
partnership interaction
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Governança corporativa: análise em uma cooperativa de crédito rural com interação solidáriaCorporate governance: analysis in a rural credit cooperative with partnership interaction
Gilmar Ribeiro de Mello1
Silvania Pizzatto Schiavini2
Resumo
Este estudo tem como tema a Governança Corporativa nas cooperativas de crédito
rural, delimitado na atuação dos Conselhos Administrativos, Fiscal, Diretoria
Executiva e Colaboradores quanto ao desempenho de suas funções por meio das
boas práticas de Governança. Questiona se os diretores, colaboradores e conselheiros
fiscais, da Cresol Coronel Vivida, Paraná, detêm suficiente conhecimento sobre as
boas práticas de governança a fim de cumprir com suas responsabilidades perante
o quadro social e investiga o seu nível de conhecimento. A pesquisa foi feita com
vinte e três funcionários da cooperativa, com entrevistas individuais, em março
de 2012. Os resultados indicam um nível de conhecimento das funções a serem
desempenhadas em cada setor da cooperativa de 52,38%, por parte dos diretores;
de 51,00%, pelos conselheiros e de 38,93%, por parte dos funcionários.
Palavras-chave: Governança Corporativa. Conselho Administrativo. Cresol.
Abstract
This study is subject to Corporate Governance in rural credit cooperatives, bounded
in the performance of Boards of Directors, Fiscal Executive Directors and employees
regarding the performance of its functions through good governance practices.
Questions whether the directors, employees and Fiscal Council of Cresol Coronel
Vivida, Paraná, hold enough knowledge on good governance practices in order
to fulfill their responsibilities to the social context and investigates their level of
knowledge. Displays field research with twenty three employees of the cooperative,
with individual interviews in March 2012. The results indicate a level of knowledge of
the functions to be performed in each sector of the cooperative of 52.38% by the
directors; 51.00%, the counselors, and 38.93%, for the employees.
Keywords: Corporate Governance. Board. Cresol.
1 Doutor em Ciências Contábeis pela FEA/USP. Professor Adjunto do Centro de Ciências So ciais Aplicadas e do Mestrado em Gestão e Desenvolvimento Regional, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Francisco Beltrão. E-mail: [email protected].
2 Especialista em Gestão do Cooperativismo Solidário, da Univer si da de Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste, Campus de Francisco Beltrão.
E-mail: [email protected].
26
Introdução
Na história da sociedade, a economia sempre
configurou como seria a estrutura da sociedade,
seja feudal, manufatura ou o capitalismo, de base
de trocas ou de compra. Assim, entende-se que a
sociedade está sempre regida pela organização
de base estrutural econômica e de relações
interpessoais (MARTINEZ FANDIÑO et al., 2007).
O sistema financeiro é um dos segmentos
mais globalizados no mundo e as cooperativas
de crédito fazem parte desse sistema capitalista,
em que a mais valia é meta principal para tantas
instituições. Os sistemas de crédito com economia
solidária fazem parte de um cenário nacional
desde 1980 e, atualmente, apresentam um acele-
rado crescimento devido a sua atuação social
diante das populações de menor poder aquisitivo,
empreendedores de pequeno porte e agricultores
familiares. Este último, objeto da pesquisa e que tem
como necessidade superar problemas de acesso
ao crédito, serviços bancários e microfinanças
(PRAXEDES, 2009).
Com um grande potencial na comer cia lização
de produtos e prestação de serviços, as cooperativas
de crédito rural atuam como agentes financeiros
locais que buscam desenvolvimento sustentável e a
permanência do agricultor no campo com qualidade
de vida e sustentabilidade financeira.
Nesse contexto, apresenta-se o tema Go-
ver nança Corporativa nas cooperativas de crédito
rural e, diante da necessidade de aprimorar o
conhecimento, o estudo é direcionado a um en-
foque específico, seja a atuação dos Conselhos
Administrativos, Fiscal, Diretoria Executiva e Cola-
boradores quanto ao desempenho de suas funções
por meio das boas práticas de governança.
A instituição de melhores práticas de Go-
vernança Corporativa pelo Instituto Brasileiro
Governança Corporativa (IBGC) e pelo Banco
Central do Brasil (BCB), objetiva proteger os
sócios das corporações dos malefícios que alguns
administradores podem causar, tais como a falta
de ética, a conivência e a irresponsabilidade.
Tendo como base este propósito, é ques-
tionado se os diretores, os funcionários e os con-
selheiros fiscais detêm suficiente conhecimento
sobre as boas práticas de governança a fim de
cumprir com suas responsabilidades perante o
quadro social.
Buscando respostas a isso, este artigo pre-
tende verificar o nível de conhecimento dos diretores,
funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa
sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Con selho Fiscal.
De modo específico, apresentam-se descri-
ções sobre as funções dos setores da cooperativa
e investiga-se o conhecimento das mesmas por
parte dos funcionários.
Os sistemas de crédito
com economia solidária
apresentam um acelerado
crescimento devido a sua
atuação social diante das
populações de menor poder
aquisitivo, empreendedores
de pequeno porte e
agricultores familiares.
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Ps Dimensão Conceito
P1 PropriedadeRefere-se à pulverização da propriedade e a proliferação de sociedades anônimas
negociadas em bolsas de valores.
P2 PrincípiosBase da ética da governança, são universais e estão presentes nos códigos de
boas práticas.
P3 Propósitos Auxiliam a contribuir para o máximo retorno total dos investidores.
P4 PoderA estrutura de poder é definida pelos proprietários, separando em funções e
responsabilidades dos Conselhos e Executivos.
P5 ProcessosDefinem relações funcionais entre Conselhos de Administração, Direção Executiva e
sistema de auditoria, homologando e monitorando as estratégias corporativas.
P6 PráticasReferem-se à gestão do conflito de agência, riscos de desvio de conduta a idoneidade
dos gestores.
P7 PerenidadeDefine o que é a continuidade do negócio e sua permanência saudável na cadeia de
negócios.
QUADRO 1 – Conceito das dimensões de governança corporativa
FONTE: Andrade (2007)
1 Revisão de Literatura
1.1 Conceitos Sobre Governança Corporativa
O tema Governança Corporativa traz conceitos sobre o papel da Governança no interior das organiza-
ções, demonstrando que por meio de princípios e boas práticas é possível criar um ambiente participativo, des-
centralizado, com atuação horizontal, garantindo a viabilidade eco nômica e financeira da cooperativa.
Várias são as definições sobre o tema Go-vernança Corporativa. Segundo publicação do IBGC, entende-
-se que:
Governança Corporativa é o sistema pelo qual as organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas,
envolvendo os relacionamentos entre proprietários, Conselho de Administração, Diretoria e órgãos de controle.
As boas práticas de Governança Corporativa convertem princípios em recomendações objetivas, alinhando
interesses com a finalidade de preservar e otimizar o valor da organização, facilitando seu acesso a recursos e
contribuindo para sua longevidade (IBGC, 2009, p. 19).
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2002, p. 1) define o termo como “o conjunto de práticas que tem
por finalidade otimizar o desempenho de uma companhia ao proteger todas as partes interessadas, tais como
investidores, empregados e credores, facilitando o acesso ao capital”.
Andrade (2007) conceitua as diversas dimensões da Governança Corporativa, sintetizando-as em 7 Ps,
conforme dados no QUADRO 1.
28
1.2 Modelos de Governança Corporativa
Segundo Andrade (2007), a literatura aca-
dêmica identifica quatro modelos de Governança
Corporativa:
— modelo financeiro, focado no retorno
financeiro dos investidores;
— modelo dos públicos relevantes
(stakeholders), que preconiza a res-
pon sabilidade social;
— modelo político, cuja ênfase é a
questão institucional;
— modelo de procuradoria, que valoriza
o poder de os gerentes gerarem
valores tangíveis e intangíveis.
Cada um desses modelos enfatiza com
maior rigor algumas características da Governança
Corporativa, sem, contudo, deixar de lado variáveis
destacadas nos outros. No caso deste estudo o
foco é no modelo dos públicos relevantes.
Segundo Steinberg (2003, p. 18 apud
MACEDO; MELLO; TAVARES FILHO, 2006, p. 4),
ao se referir à redução de riscos e aumento na
transparência da gestão:
É um engano imaginar que praticar boa governança
implica quase somente acatar regulamentos. Governança
tem tudo a ver também com qualidade da atitude e
escala de valores no mais puro sentido humano. Daí
alguns considerarem que a boa governança depende de
alinhar o pensamento entre acionistas, controladores e
stakeholders.
Além disso, afirmam Macedo, Mello e Tavares
Filho (2006, p. 4), que:
A governança corporativa, ao buscar atingir seus obje-
tivos, tendo como princípios basilares: a transparência
(disclosure); a equidade (fairness); a prestação de contas
(accountability); o cumprimento das leis (compliance); e
a ética (ethics), proporcionará ao investidor uma maior
segurança, a qual repercutirá na garantia de retornos
aos investimentos efetuados e uma menor percepção de
risco, tendo em vista que a incerteza atrelada ao investi-
mento figura-se menor.
Os sistemas de cooperativas de crédito
Cresol não são diferentes dos conceitos anterior-
mente citados: também devem cumprir normas e
segmentos elaborados pelo BC, onde os princípios
basilares, como transparência, equidade e ética,
serão os principais pilares para se desenvolver as
melhores práticas de Governança. Contudo, deve-se
pensar na construção de diretrizes de boas práti-
cas de Governança para qualquer setor ou grupo
de organizações, observando suas características
próprias, nas suas forças e fraquezas, nas relações
entre cooperados e diretores e funcionários.
1.3 Governança Corporativa em
Cooperativas de Crédito
Observando a crise ocorrida nos grandes
mercados mundiais, verifica-se o agravamento
como consequência da fragilidade na construção de
processos e procedimentos de análises e avaliações
de riscos e a tomada de decisões. Também
podem ser identificados fatores que mostram
problemas na condução da boa governança, como
pouca participação efetiva dos conselheiros no
monitoramento da gestão financeira e demais ações.
A percepção deste quadro pelo Banco Cen-
tral do Brasil promoveu a instituição do projeto
Governança Cooperativa, cujo objetivo foi “estimu-
lar e induzir as cooperativas de crédito brasileiras
a adotarem boas práticas de governança”, desen-
volvendo-se paralelo ao incentivo acerca da temáti-
ca governança aplicada ao campo corporativo
(VENTURA; FONTES FILHO; SOARES, 2009, p. 11).
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 201429
Dar formação cooperativista ao quadro
social contribui para preparar futuros administradores
e conselheiros ficais qualificados para planejar
corretamente, buscar o autodesenvolvimento e
dar continuidade às ações institucionais.
Segundo Pinheiro (2008, p. 7), as coopera-
tivas de crédito,
São instituições financeiras constituídas sob a forma de
sociedade cooperativa, tendo por objeto a prestação de
serviços financeiros aos associados, como concessão de
crédito, captação de depósitos à vista e a prazo, cheques,
prestação de serviços de cobrança, de custódia, de
recebimentos e pagamentos por conta de terceiros
sob convênio com instituições financeiras públicas e
privadas e de correspondente no País, além de outras
operações específicas e atribuições estabelecidas na
legislação em vigor.
Grande parte das cooperativas atuais foi cons-
tituída na década de 1990, em razão da estabilidade
vivida pela economia nacional e com o respaldo
do marco legal. A redução nas taxas inflacionárias
e a queda das receitas com flutuação permitiu a
reestruturação do modelo de negócios das insti-
tuições bancárias, número de profissionais ideal,
otimização da quantidade e localização geográfica
de seus pontos de atendimento, com abertura ampla
de espaço para crescimento das cooperativas de
crédito (SOARES; BALLIANA, 2009).
Em sua atuação, no ano de 2006, o coope-
rativismo de crédito no Brasil respondia por 2,26%
das operações de crédito realizadas no âmbito
da área bancária do Sistema Financeiro Nacional,
atendendo a mais de três milhões de pessoas
(PINHEIRO, 2008).
As instituições que compõem os sistemas
financeiros nacionais têm a recomendação do
Comitê de Supervisão Bancária da Basileia, órgão
que congrega autoridades de supervisão bancária
e presidentes dos bancos centrais de países
desenvolvidos, de utilizar princípios essenciais para
uma supervisão bancária eficaz (BRASIL, 2009).
Além disso, a complexidade das relações
contratuais entre os agentes que compõe uma so-
ciedade cooperativa, seja do quadro de associa-
dos, do Conselho de Administração, do Conselho
Fiscal ou do quadro de administradores, sugere a
dificuldade de convergências diante das diferentes
percepções e pontos de vista.
Soares e Balliana (2009, p. 28) indicam
a utilização das práticas de governança como
elemento de controle organizacional e a necessidade
de que todos os atores envolvidos participem de
modo efetivo na fiscalização e no acompanhamento
dos atos de gestão dos dirigentes executivos. Os
autores referem que, de janeiro de 2005 a março de
2008, “dos 38 processos administrativos punitivos
instaurados pelo Banco Central contra cooperativas
de crédito, todos continham a ‘má gestão’ como
item de acusação”.
Para tanto, a adoção de padrões de gover-
nança corporativa pelas cooperativas de crédito
se torna primordial, considerando a perspectiva
de expansão deste setor no país e entendendo a
complexidade das relações contratuais existentes
neste ambiente institucional. Esses padrões de
governança viriam ao encontro das necessidades
de estabelecimento de regras e valores norteadores
das ações organizacionais, para minimizar o
efeito dos conflitos existentes entre os interesses
30
individuais – originários da atividade exercida
por cada cooperado (associado/cotista) – e os
interesses da organização (OLIVEIRA, 2004).
A educação é peça chave nesse contexto, em
que dar formação cooperativista ao quadro social
contribui para preparar futuros administradores
e conselheiros ficais qualificados para planejar
corretamente, buscar o autodesenvolvimento e
dar continuidade as ações institucionais. É de
suma importância a renovação dos membros dos
Conselhos de Administração e Fiscal estimulando
a criação de novas lideranças.
Na FIG. 1, a seguir, pode-se observar como o
Banco Central apresenta a estrutura de gestão nas
cooperativas de crédito.
eficácia possível, garantindo a competitividade da
organização e a segurança dos proprietários.
1.4 Atribuições dos Conselhos Administrativo,
Fiscal e Diretoria Executiva
1.4.1 Funções do Conselho Administrativo
Definindo-se, primeiramente, o Conselho
Administrativo, segundo o IBGC (2009, p. 29), trata-
se do “Guardião do objeto social e do sistema de
governança. É ele que decide os rumos do negócio,
conforme o melhor interesse da organização”.
Ao Conselho de Administração é delegada a
missão de proteger e valorizar a organização, pro-
movendo a otimização do retorno do investimento
no longo prazo e de equilibrar os anseios das par-
tes interessadas, quais sejam, aqueles que detêm
ações ou quotas de determinada organização e
demais pessoas, entidades ou sistemas que afetam
ou são afetados pelas atividades de determinada
organização (IBGC, 2009).
A competência do Conselho de Adminis-
tração da Governança Corporativa é determinada
pelo conteúdo do art. 142, da Lei nº 6.404, de 15 de
dezembro de 1976, na íntegra:
Art. 142. Compete ao Conselho de Administração:
I – fixar a orientação geral dos negócios da companhia;
II – eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as
atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto;
III – fiscalizar a gestão dos diretores, examinar, a qualquer
tempo, os livros e papéis da companhia, solicitar
informações sobre contratos celebrados ou em via de
celebração, e quaisquer outros atos;
IV – convocar a assembleia-geral quando julgar conveni-
ente, ou no caso do artigo 132;
FIGURA 1 – Governança das organizações
Na FIG. 1, pode-se observar como a dire toria
executiva está interligando as estruturas operacionais
e administrativas. O corpo executivo é peça-chave;
ele implementa as ações que os cooperados
tomaram em assembleia com a maior eficiência e
Conselho de
Admistração
Áreas funcionais
e operações
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 201431
V – manifestar-se sobre o relatório da administração e as
contas da diretoria;
VI – manifestar-se previamente sobre atos ou contratos,
quando o estatuto assim o exigir;
VII – deliberar, quando autorizado pelo estatuto, sobre a
emissão de ações ou de bônus de subscrição;
VIII – autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a
alienação de bens do ativo não circulante, a constituição de
ônus reais e a prestação de garantias a obrigações de terceiros;
IX – escolher e destituir os auditores independentes, se
houver.
§ 1º Serão arquivadas no registro do comércio e
publicadas as atas das reuniões do Conselho de
Administração que contiverem deliberação destinada a
produzir efeitos perante terceiros.
§ 2º A escolha e a destituição do auditor independente
ficará sujeita a veto, devidamente fundamentado, dos
conselheiros eleitos na forma do art. 141, § 4º, se houver
(BRASIL, 1976).
Citada pelo Banco Central (BRASIL, 2009,
p. 44), a avaliação realizada por Hung (1998) sobre
quais papéis cabe ao Conselho de Administração
desempenhar, sintetizando-os em seis papéis
distintos: ligação, coordenação, controle, estra-
tégia, conformidade e apoio.
Com base na avaliação e sugestões de Hung
(1998), Cornforth (2004) analisou os paradoxos
da utilização desses papéis e seu desempenho
pelo Conselho de Administração na Governança
Corporativa, afirmando a presença de uma pers-
pectiva democrática no papel e nas práticas de
tais conselhos, considerando que os seus membros
são eleitos pelos associados (BRASIL, 2009).
1.4.2 Funções da Diretoria Executiva
Para explicitar as funções da diretoria
exe cutiva, Brasil (2009, p. 50) informa sobre
a convergência a qual chegaram estudos
realizados por diferentes organizações no Brasil
e no mundo – Organização para a Cooperação
e Desenvolvimento Econômico (OCDE); o Bank
for International Settlementes (BIS); o Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC); e
a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), sobre
modelos e códigos de melhores práticas de gover-
nança – com o objetivo de identificar tendências
em diferentes contextos, para servir de fundamento
para análise nas cooperativas.
De acordo com o Banco Central do Brasil, as
recomendações são as seguintes:
— o IBGC recomenda que as atribuições
do presidente do conselho de adminis-
tração sejam diversas daquelas do ex-
ecutivo principal, evitando a concen-
tração de poder em prejuízo da
supervisão adequada da gestão;
— a CVM recomenda que o Conselho de
Administração atue na proteção do
patrimônio da companhia, buscando
a consecução de seu objeto social e
oriente a Diretoria, de modo a maxi-
mizar o retorno do investimento e
agregando valor ao empreendimento;
— o BIS recomenda que o Conselho de
Adminis tração aprove a estratégia geral do
banco, supervisione a Diretoria Executiva
na implementação das estratégias e avalie
o desempenho da gestão;
— a OCDE recomenda que a Governança
Corporativa das sociedades assegure
a gestão estratégica da empresa, o
acompanhamento e a fiscalização efi-
cazes da gestão, via órgão de adminis-
tração, bem como a responsabiliza di-
ante da empresa e de seus acionistas.
(BRASIL, 2009)
A intenção comum é que Conselho de
Administração e Diretoria Executiva exerçam dife-
rentes atribuições, cabendo-lhe composição e
32
funções específicas, a fim de minimizar conflitos de
interesse e que sejam atribuídas responsabilidades
singulares para a condução dos negócios corpo-
rativos (BRASIL, 2009).
Na Lei nº 6.404/1974, Seção IV, Deveres
e Responsabilidades, os artigos 153 a 158 com-
preendem as funções da Diretoria Executiva, des-
tacando-se dever de diligência; finalidade das
atribuições e desvio de poder; dever de lealdade;
conflito de interesses; dever de infor mar; respon-
sabilidade dos administradores (BRASIL, 1976).
Segundo o IBGC (2009), compete ao
diretor-presidente garantir que sejam prestadas aos
stakeholders as informações de seu interesse, bem
como daquelas obrigatórias por lei ou regulamento,
tão logo estejam disponíveis. A comunicação deve
primar pela clareza, prevalecendo a substância sobre
a forma, mediante busca pela Diretoria de uma
linguagem acessível ao público-alvo em questão.
1.4.3 Funções do Conselho Fiscal
De acordo com Tosini e Bastos (2009), o
Conselho Fiscal é subordinado apenas à Assembleia
Geral e é totalmente independente do Conselho
Administrativo e Diretoria Executiva, não sendo um
órgão que se atém somente a assuntos de natureza
contábil, como balanços e demonstrações.
É função do Conselho Fiscal: “fiscalizar os
atos dos administradores e verificar o cumprimen-
to de seus deveres legais e estatutários”. São com-
preendidos como atos dos administradores todos
os atos de gestão praticados pelo administrador,
delegação de autoridade e de qualquer emprega-
do da cooperativa (TOSINI; BASTOS, 2009, p. 163).
As funções do Conselho Fiscal da Gover-
nança Corporativa constam na Lei nº 6.404/1976,
art. 163, com o seguinte teor:
Art. 163. Compete ao Conselho Fiscal:
I - fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos
administradores e verificar o cumprimento dos seus
deveres legais e estatutários (Redação dada pela Lei nº
10.303, de 2001);
II - opinar sobre o relatório anual da administração, fa-
zendo constar do seu parecer às informações comple-
mentares que julgar necessárias ou úteis à deliberação
da Assembleia Geral;
III - opinar sobre as propostas dos órgãos da adminis-
tração, a serem submetidas à Assembleia Geral, relativas
a modificação do capital social, emissão de debêntures
ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orça-
mentos de capital, distribuição de dividendos, transfor-
mação, incorporação, fusão ou cisão;
IV - denunciar, por qualquer de seus membros, aos
órgãos de administração e, se estes não tomarem as
providências necessárias para a proteção dos interesses
da companhia, à Assembleia Geral, os erros, fraudes ou
crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à
companhia (Redação dada pela Lei nº 10.303, de 2001);
V - convocar a Assembleia Geral ordinária, se os órgãos
da administração retardarem por mais de 1 (um) mês essa
convocação, e a extraordinária, sempre que ocorrerem
motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda das as-
sembleias as matérias que considerarem necessárias;
VI - analisar, ao menos trimestralmente, o balancete e
demais demonstrações financeiras elaboradas periodi-
camente pela companhia;
VII - examinar as demonstrações financeiras do exercício
social e sobre elas opinar;
VIII - exercer essas atribuições, durante a liquidação,
tendo em vista as disposições especiais que a regulam
(BRASIL, 1976).
Constam no Código das melhores práticas
de Governança Corporativa os mesmos itens do
artigo citado, em que o Conselho Fiscal deve ser
visto como um controle independente para os
sócios com o propósito de agregar valor para
a organização, salientando que os conselheiros
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 201433
fiscais possuem poder de atuação individual,
mesmo o órgão sendo colegiado (IBGC, 2009).
Quanto maior for o campo de fiscalização
do Conselho Fiscal, melhor atenderá às responsa-
bilidades legais que lhe são impostas, que responde
em caso de má conduta, conforme disposto no Art.
1.070 do Código Civil: “As atribuições e poderes
conferidos pela lei ao Conselho Fiscal não podem
ser outorgados a outro órgão da sociedade, e a res-
ponsabilidade de seus membros obedece à regra
que define a dos administradores” (BRASIL, 2002).
1.5 Cresol: Características e Evolução
As cooperativas foram criadas a partir do
Fundo de Crédito Rotativo (FCR), financiado pela
cooperação internacional (Misereor), na década de
1980 e início de 1990, no Sudoeste do Paraná, por
um conselho de entidades populares da região.
O Sistema Cresol de Cooperativas de Crédito
Rural com Interação Solidária advém da luta
dos agricultores familiares por acesso ao crédito
e por uma vida digna e sustentável no campo.
Atua mediante estruturas descentralizadas, com
forma de rede e unidades pequenas, articuladas
entre si e com a comunidade local e sob a forma
de interação solidária, de modo que mesmo
sendo independentes e possuindo suas próprias
regras de conduta, as cooperativas são solidárias
entre si, auxiliando-se mutuamente, com apoio
financeiro, técnico e social, confirmando a ideia de
responsabilidade compartilhada entre cooperados
e dirigentes, que devem acompanhar e ter controle
sobre seu funcionamento (CRESOL, 2012).
A Cresol define como missão “promover a
inclusão social da Agricultura Familiar por meio do
acesso ao crédito, da poupança e da apropriação do
conhecimento, visando o desenvolvimento local e a
sustentabilidade institucional” (CRESOL, 2012, p. 1).
A visão consiste em “Crescer juntamente
com nosso quadro social para que possamos
atender o maior número de famílias agriculto-
ras, oferecendo crédito e acesso a serviços fi-
nanceiros na busca do desenvolvimento social”
(CRESOL, 2012, p. 1).
Quanto aos valores, define-os na exce lên-
cia, ética, honestidade, transparência e responsa-
bilidade social. Seus princípios incluem a interação
solidária, formação, capacitação e organização
dos associados, descentralização das decisões,
crescimento horizontal, democratização e profis-
sio nalização do crédito, desenvolvimento social e
sustentabilidade (CRESOL, 2012, p. 1).
1.5.1 Histórico da Cresol Coronel Vivida
A Cresol Coronel Vivida foi constituída em
27 de julho de 1997. Por meio de encontros, debates
coordenados pelo Sindicato dos Trabalhadores
Rurais e a Secretaria Municipal de Agricultura,
alguns agricultores se reuniram para discutir a
criação de uma cooperativa de crédito.
Somente após a aprovação do Banco Central,
iniciou suas atividades em 2 de janeiro de 1998,
com 20 associados fundadores e destes já foram
escolhidos para representarem a primeira chapa do
conselho de administração, que foram eleitos para os
três primeiros anos, tendo como principal objetivo:
Propiciar, através da mutualidade, assistência financeira
aos associados em suas necessidades pessoais e
atividades específicas, com finalidade de melhoria
de condições de vida sua e de sua família e fomentar
a produção e a produtividade rural, bem como sua
circulação e industrialização (CRESOL, 2005, p. 1).
Conforme o primeiro Regimento Interno,
redigido em 1998, para exercer cargo de admi-
nistração na cooperativa é preciso ser agricultor
34
ou filho de agricultor, cumprir as normas estatu-
tárias e regimentares. Ela será administrada por
um presidente, um vice-presidente, um secretário
e por três conselheiros, que poderão permanecer
durante três anos, sendo obrigatória a renovação
de no mínimo um terço de seus componentes a
cada eleição, não podendo ser parentes entre si
até segundo grau em linha direta ou colateral.
Segundo o Regimento Interno de 2008 da
cooperativa, Cap. IV, Art. 10 - A Cresol não terá
executivos contratados ou mandatários por pro-
curação, sendo esta uma atribuição dos diretores
eleitos em assembleias, portanto, autorizados a
responder pela cooperativa dentro do que deter-
mina a lei, o estatuto e este regimento.
O Art. 11 - Os diretores executivos liberados
podem ser: o presidente, o vice-presidente, o se-
cretário, ou outro membro eleito na assembleia
para compor o conselho de administração.
O Art. 12 - Cabe ao conselho de Administração
aprovar a liberação dos diretores executivos, bem
como definir detalhadamente um plano de metas e
responsabilidades de cada diretor executivo liberado.
Os primeiros dois mandatos do conselho de
administração foram eleitos por meio de chapas
pré-definidas, em 2003 foram escolhidos 20
nomes que se adequavam às exigências estatu-
tárias e os mais votados, de ordem do maior para
o menor, preencheram os cargos de presidente,
vice-presidente, secretário e demais conselheiros.
De 2003 em diante, as chapas foram montadas
previamente por meio das pré-assembleias realizadas
nas comunidades do interior, pois a sucessão de car-
gos se faz necessária para a preparação dos mem-
bros que irão participar do conselho.
A atual presidente da cooperativa está no
cargo a dois mandatos, é formada no curso de
Bacharel em Administração Rural e Especialização
em Desenvolvimento Rural, administra a coope-
rativa de Coronel Vivida e os Postos de Atendimento
de Pato Branco e Mariópolis com 1.850 associados
no total, e um patrimônio de quatro milhões de reais.
2 Metodologia
Como procedimento metodológico, definiu-
-se a pesquisa exploratória, que tem como objetivo,
“desenvolver, esclarecer e modificar conceitos e
ideias, tendo em vista a formulação de problemas
mais precisos ou hipóteses mais pesquisáveis para
estudos posteriores” (GIL, 1999, p. 43).
Com a sua realização, a pesquisa exploratória
permite ao pesquisador conhecer novas fontes
de informação, que podem ser encontradas por
meio de levantamento bibliográfico e entrevistas
com profissionais que atuam na área do estudo
(SANTOS, 2000).
Foi realizada pesquisa de campo junto aos
vinte e três funcionários da Cresol Coronel Vivida,
sendo 3 diretores, 9 conselheiros e 11 funcionários.
Como instrumento de coleta de dados foi
utilizado um questionário de perguntas fechadas
de múltipla escolha, extraídas da Lei nº 6.404/1976,
do BC (2009, p. 50) e do IBGC (2009), os quais
regulamentam as funções dos Conselhos e
Diretoria Executiva, com coleta de dados realizada
em março de 2012. Os dados coletados foram
ordenados e processados e são apresentados em
forma de gráficos e tabelas, com consequente
interpretação dos resultados.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 201435
Cargos Quantidade
Diretor presidente 1
Diretor secretário 1
Vice-presidente 1
Conselheiros 9
Analista de crédito 4
Técnico agrícola 1
Caixa 3
Caixa de PAC 1
Caixa operacional 1
Analista de produtos e serviços 1
TABELA 1 – Cargo dos entrevistados
Sexo Quantidade
Feminino 13
Masculino 10
TABELA 3 – Características dos entrevistados quanto
ao sexo
Estado civil Quantidade
Casado 16
Solteiro 5
Sem resposta 2
TABELA 5 – Características dos entrevistados quanto ao
estado civil
3 Apresentação e Análise dos Resultados
Quanto aos cargos dos entrevistados, são
citados na TAB. 1.
Cargos Tempo (média em anos)
Diretoria 8,6
Conselheiros 5,2
Funcionários 3,5
TABELA 2 – Tempo médio de cargo dos entrevistados
Conforme os dados da TAB. 1, são 3 os
cargos de direção, 9 os cargos de conselheiros e
11 os cargos de funcionários, sendo que 4 deles
atuam como analistas de crédito, 1 técnico agrícola,
3 caixas, 1 caixa de PAC, 1 caixa operacional e 1
analista de produtos e serviços.
O tempo médio de atuação dos entrevis-
tados é apresentado na TAB. 2.
Na TAB. 3, destacam-se as características
dos entrevistados quanto ao sexo, sendo 13 femi-
ninos e 10 masculinos.
Com maior incidência para a faixa etária
entre 36 a 45 anos (11), seguida de 26 a 35 anos (6)
e dentre 18 e 25 anos (5).
Faixa Etária Quantidade
De 18 a 25 anos 5
De 26 a 35 anos 6
De 36 a 45 anos 11
De 46 a 55 anos 1
TABELA 4 – Características dos entrevistados quanto à
faixa etária
O estado civil dos entrevistados é apresentado
em sua incidência na TAB. 5, sendo que a maioria
dos entrevistados é casada, com 16 respostas; 5 são
solteiros; 2 não responderam à questão.
36
Formação Escolar Quantidade
Ensino Médio 6
Superior 7
Pós-graduado 3
Sem resposta 7
TABELA 6 – Características dos entrevistados quanto à formação
Das diversas funções elencadas no ques tionário, buscou-se saber dos entrevistados quais são as
competências de cada setor da cooperativa de crédito. Na apresentação dos resultados, relacionam-se as
funções específicas de cada setor e as incidências das respostas obtidas. Assim, para as funções do Conselho
Administrativo, os dados são mostrados na TAB. 7.
Funções do Conselho AdministrativoRespostas dos
diretoresRespostas dos conselheiros
Respostas dos funcionários
Autorizar a prestação de garantias a obrigações de terceiros. 2 7 3
Manifestar-se sobre o relatório da administração e as contas da diretoria.
2 5 6
Proteger e valorizar a cooperativa. 3 8 8
Autorizar a alienação de bens do ativo não circulante. 1 6 1
Promover a otimização do retorno do investimento no longo prazo.
1 4 1
Equilibrar os anseios das partes interessadas. 1 2 1
Escolher e destituir os auditores independentes. 0 3 3
Fixar a orientação geral dos negócios da cooperativa. 1 6 0
Fiscalizar a gestão dos diretores. 0 0 5
Eleger e destituir os diretores da cooperativa e fixar-lhes as atribuições.
2 3 6
Examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da cooperativa. 0 4 3
Autorizar a constituição de ônus reais. 2 1 0
Deliberar, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição. 1 2 3
Manifestar-se previamente sobre atos ou contratos. 1 2 1
Convocar a assembleia geral quando conveniente. 1 2 7
Solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de celebração.
2 2 2
Exercer os papéis de ligação, coordenação, controle, estratégia, conformidade e apoio.
0 3 7
Total de respostas 20 60 57
TABELA 7 – Respostas sobre a função do Conselho Administrativo
Quanto à formação (TAB. 6), a maioria dos entrevistados é graduada, embora ainda tenha um número
significativo de respostas citando o ensino médio; do total de entrevistas, 7 não responderam a questão.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 24 - 41, jan./jun. 201437
TABELA 8 – Respostas sobre a função da Diretoria Executiva
Funções da Diretoria ExecutivaRespostas dos
diretoresRespostas dos conselheiros
Respostas dos funcionários
Dever de diligência. 1 5 2
Dever de finalidade das atribuições. 2 7 7
Responsabilidade quanto ao desvio de poder. 0 3 5
Dever de lealdade. 1 8 4
Conflito de interesses. 2 1 2
Dever de informar. 2 8 5
Prestar informações obrigatórias por lei ou regulamento. 3 5 7
Responsabilidade dos administradores. 1 6 5
Prestar aos stakeholders as informações de seu interesse. 2 8 4
Total de respostas 14 51 41
Para a análise dos resultados, retoma-se o objetivo do estudo de verificar o nível de conhecimento dos
diretores, funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal, dispostas no Art. 142 da Lei nº 6.404/1976 as funções do Conselho
Administrativo.
Dos diretores a questão recebeu 37 respostas assinaladas, sendo 20 respostas corretas e 17 respostas
incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 54,05%. Dos conselheiros a questão recebeu 132
respostas assinaladas, sendo 60 respostas corretas e 72 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 45,45%.
Dos funcionários a questão recebeu 128 respostas, sendo 57 respostas corretas e 71 incorretas, de modo que o
nível de conhecimento situa-se em 44,53%.
Para as funções da Diretoria Executiva, os dados obtidos são mostrados na TAB. 8.
Dos diretores a questão recebeu 36 res postas assinaladas, sendo 14 respostas corretas e 22 respostas
incorretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 38,89%. Dos conselheiros a questão recebeu
134 respostas assinaladas, sendo 51 respostas corretas e 83 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em
38,05%. Dos funcionários a questão recebeu 163 respostas sendo 41 respostas corretas e 122 incorretas, de
modo que o nível de conhecimento situa-se em 25,15%.
38
Dos diretores a questão recebeu 32 respostas assinaladas, sendo 21 respostas corretas e 11 respostas in-
corretas. Evidencia-se, portanto, um nível de conhecimento de 65,62%. Dos conselheiros a questão recebeu 131
respostas assinaladas, sendo 66 respostas corretas e 65 incorretas; o nível de conhecimento situa-se em 50,38%.
Dos funcionários a questão recebeu 102 respostas. sendo 55 respostas corretas e 47 incorretas, de modo que o
nível de conhecimento situa-se em 53,92%.
É possível identificar o nível de conhecimento de cada grupo de entrevistados, a partir do total de
respostas recebidas, mostrado no GRÁF. 1.
TABELA 9 – Respostas sobre a função do Conselho Fiscal
Funções do Conselho FiscalRespostas
dos diretores
Respostas dos
conselheiros
Respostas dos
funcionários
Sugerir providências úteis à cooperativa quanto aos erros, fraudes e
crimes descobertos.3 8 6
Denunciar os erros, fraudes ou crimes que descobrirem. 3 7 9
Opinar sobre as propostas dos órgãos da administração. 1 3 1
Fiscalizar os atos dos administradores. 3 8 11
Verificar o cumprimento de deveres legais e estatutários dos
administradores.1 6 5
Convocar a assembleia geral ordinária, na ocorrência de motivos
graves ou urgentes.3 7 2
Analisar o balancete. 1 5 3
Examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre
elas opinar.3 6 8
Exercer atribuições, durante a liquidação. 1 3 0
Opinar sobre o relatório anual da administração. 1 8 6
Analisar as demonstrações financeiras elaboradas periodicamente
pela cooperativa.1 5 4
Total de respostas 21 66 55
Por fim, foi investigado o nível de conhe cimento acerca das funções do Conselho Fiscal, com dados
coletados mostrados na TAB. 9.
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Analisando estes resultados, indica-se que o
Sistema Cresol possui o Instituto de Formação do
Cooperativismo Solidário (Infocos), de modo que
nos cursos de formação para diretores possam ser
apresentados os dados coletados neste trabalho, e
seja aprofundado como conteúdo nos treinamentos
do Sistema, como também a sugestão a estes
conselheiros de retomarem seus estudos buscando
cursar o ensino superior.
Em uma visão geral, verifica-se que os entre-
vistados conhecem de modo mais amplo as questões
de gestão, como produtos e servi ços, assuntos ope-
racionais, contratações, Pronaf, Proagro e demais
atividades. Quanto ao conheci mento das funções de
cada setor, por exemplo, os entrevistados não detêm
o mesmo conhecimento. Além disso, verificou-se
que os maiores percentuais apresentaram-se pelos
GRÁFICO 1 – Nível de conhecimento dos entrevistados
55 177 153
50 220 240
105 347 393
52,38% 51,00% 38,93%
Respostas corretas
Respostas incorretas
Total de respostas
Nível de conhecimento
Diretores Conselheiros Funcionários
diretores que possuem maior tempo de atuação
dentro da cooperativa, dos quais apenas um possui
ensino superior e pós-graduação, evidenciando que
a experiência no cargo contribui para o melhor co-
nhecimento do assunto estudado.
É possível que durante os treinamentos rea-
lizados na admissão dos funcionários, a ênfase dos
conteúdos resida nas atividades operacionais que
a cooperativa realiza durante o seu exercício, de
forma que as indicações sobre as funções específi-
cas de cada setor sejam um pouco negligenciadas
no cotidiano em detrimento das responsabilidades
do trabalho.
Apresentados os dados coletados na pesquisa
de campo e interpretados os seus resultados, tem-se
as considerações finais do estudo.
40
Considerações Finais
O presente estudo teve como objetivo
verificar o nível de conhecimento dos diretores,
funcionários e conselheiros fiscais da cooperativa
sobre as funções do Conselho Administrativo, da
Diretoria Executiva e do Conselho Fiscal.
Ao longo do estudo foram descritas as fun-
ções de cada um destes setores da cooperativa de
acordo com o estabelecido na Lei nº 6.404/1976, a
qual regulamenta as funções de cada setor. Assim,
constata-se que o nível de conhecimento por parte
dos entrevistados deixa a desejar, porquanto são
funções regidas por Lei e, por isso, de conhecimento
acessível a todos os interessados.
De modo específico, é preciso que todos os
envolvidos com a Cresol aprimorem o conhecimento
sobre as funções atribuídas a cada setor, de modo a
dominar de modo adequado as responsabilidades
que assumem no exercício delas.
Sugere-se ao Infocos para que utilize o
tema pesquisado nos cursos de aperfeiçoamento
a diretores e funcionários, pois se julga de suma
importância o conhecimento das atribuições do
corpo diretivo da cooperativa.
Também, que seja disponibilizado um mate-
rial específico contendo as funções de cada setor
a todos os funcionários, para que o conhecimento
fique mais acessível e, aos poucos, as funções indi-
viduais sejam inteiramente assimiladas.
Ressalva-se que não se tem a pretensão de
concluir definitivamente sobre o tema investigado,
porquanto sua relevância declina ao interesse para
a realização de novos estudos e pesquisas que
possam trazer outras informações e novos dados.
• Recebido em: 04/01/2013
• Aprovado em: 05/06/2013
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Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantesFiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations
between 50 and 100 thousand people
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201443
Abimael de Jesus Barros Costa1
Deivid Bruno Araújo Leite2
Edmilson Soares Campos3
Resumo
O desejo da população de manter-se informada sobre as realizações do governo torna os instrumentos
de transparência fiscal meios completos para que essa expectativa seja satisfeita. Como os cidadãos
dispõem de recursos próprios que são administrados em seu favor por agentes governamentais, é
necessária ampla transparência na utilização desses recursos, de modo que o agente faça uso deles
sempre visando a uma situação ótima do ponto de vista do principal, a sociedade. A Teoria da Agência
foi utilizada como suporte teórico para a pesquisa e o objetivo principal da investigação foi ranquear os
portais de transparência dos municípios analisados. Este artigo, tendo como base a análise dos portais
de um grupo selecionado de municípios com população entre 50 e 100 mil habitantes, criou um ranking,
resultado da implementação de um índice para medir a transparência desses portais. Para tal análise,
foram escolhidos, de maneira amostral não probabilística, 28 municípios das cinco regiões brasileiras. Os
instrumentos de transparência fiscal mais divulgados são relatório resumido da execução orçamentária,
relatório de gestão fiscal e relatórios de execução da receita e despesa. A partir dos resultados podemos
inferir que o nível de transparência atual é divergente do ideal, pois poucos municípios observam as
exigências da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e, entre os que a observam, não há preocupação com
a qualidade da informação disponibilizada ao usuário.
Palavras-chave: Teoria da Agência. Transparência. Gestão Fiscal. Municípios.
Abstract
The desire of the population to keep informed about the achievements of the government makes the
instruments of fiscal transparency to complete this expectation is fulfilled means. As citizens have their
own resources that are administered on their behalf by government agents, wide transparency in the use
of these resources is necessary , so that the agent makes use of them always seeking a great situation
from the point of view of the main society. The Agency Theory was used as theoretical support for
the research and the main objective of the investigation was to rank the portals of transparency of the
municipalities analyzed. This article, based on the analysis of a selected portals of municipalities with
populations between 50 and 100 thousand group created a ranking result of the implementation of
an index to measure the transparency of these portals. For this analysis, were chosen, in non-probability
sampling manner, 28 municipalities in the five Brazilian regions. The instruments of fiscal transparency are
more widespread summarized report on budget execution, fiscal management report and progress reports
of income and expense. From the results we can conclude that the current level of transparency is diverging
from ideal, because few municipalities comply with the requirements of the Fiscal Responsibility Law (LRF),
and those who observe it, there is concern about the quality of information available to the user.
Keywords: Agency Theory. Transparency. Fiscal Management. Municipalities.
1 Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB, Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais. E-mail: [email protected]. 2 Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília – UnB. E-mail: [email protected] Professor Mestre da Universidade de Brasília – UnB. Departamento de Ciências Contábeis e Atuariais. E-mail: [email protected].
Portais de transparência fiscal: uma crítica aos municípios com população entre 50 e 100 mil habitantesFiscal Transparency Portals: a critique of cities with populations between 50 and 100 thousand people
44
Introdução
A administração pública voltada para o
cidadão é base do desmembramento da adminis-
tração pública gerencial (COUTINHO, 2000).
Com esse fim, foram constituídos conjuntos de
instrumentos de gestão, fundados no contexto
democrático, que pretendem tornar a adminis-
tração pública mais eficiente e voltada para o
cidadão (PEREIRA, 1999). Em um contexto mais
específico, a ação do governo nos municípios é
essencialmente via orçamento público, prestando
serviços variados e utilizando os recursos dispo-
níveis de maneira otimizada para o usuário
(MEIRELLES, 1996). Conforme esse entendimento,
a boa administração pública deve emanar dos
dispositivos da Constituição Federal (1988), refe-
rentes à obrigatoriedade dos agentes públicos
prestarem contas dos seus atos à sociedade.
A Constituição Federal (1988), em seu artigo
30, inciso III, obriga os municípios a arrecadarem “os
tributos de sua competência, bem como aplicar suas
rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar
contas e publicar balancetes nos prazos fixados
em lei”. Assim, a Lei de Responsabilidade Fiscal
(LRF), a partir da publicação da Lei Complementar
nº 131/2009, tornou obrigatória a publicação, em
tempo real, de informações pormenorizadas, em
meio eletrônico, por parte da administração pública
brasileira, para assegurar a transparência das ações
do Estado diante do cidadão.
A Lei Complementar nº 131/2009 foi precisa
ao definir prazos para a implementação de portais
de transparência, nos quais devem ser divulgados
dados econômico-financeiros dos entes públi-
cos, bem como os relatórios necessários ao pleno
acom panhamento das contas públicas pela socie-
dade. Foi delimitado o prazo de um ano para a
União, os estados, o Distrito Federal e os muni-
cípios com mais de cem mil habitantes; o prazo
de dois anos para os municípios que tenham entre
cinquenta mil e cem mil habitantes; e o prazo de
quatro anos para os municípios que tenham até
cinquenta mil habitantes. Cabe ressaltar que esses
prazos são contados da data da publicação da Lei
Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009.
Neste trabalho, analisam-se, empiricamen-
te, os níveis de transparência dos portais eletrô-
nicos de um grupo de municípios, selecionados
a partir de amostragem dos munícipios citados
no art. 73-B, inciso II, da Lei de Responsabilida-
de Fiscal (nº 101/2000), artigo incluído pela Lei
Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009. O
propósito é destacar a frequência das formas uti-
lizadas pelos municípios para divulgar as informa-
ções necessárias a que os princípios relativos à
governança coorporativa sejam satisfeitos. Assim,
este artigo pretende mostrar quais são os instru-
mentos de transparência fiscal mais divulgados
eletronicamente pelos municípios com população
entre 50 e 100 mil habitantes.
O interesse pelo desenvolvimento do estu-
do está relacionado ao constante crescimento
do acesso à internet pelos brasileiros (JAEGER,
2005). Com custo menor e de acesso fácil, esse
meio de comunicação deve ser utilizado pelo go-
verno como forma de disponibilização de infor-
mações relevantes para a sociedade (FANG, 2002).
A governança eletrônica aparece como forte ten-
dência para inovar a maneira de a administração
pública trabalhar (GHOSH, 2005).
Para que isso aconteça, é preciso que os
gestores evoluam na divulgação dos instrumen-
tos fiscais (BERTOT; JAEGER, 2008). Com a in-
serção desses dispositivos de transparência fis-
cal na LRF, fortalece-se o controle social, ou seja,
facilita-se à obtenção de informações relativas à
execução orçamentária e financeira. Ademais, a
LRF apresenta o prazo de dois anos para que tais
gestores divulguem as informações financeiras de
seus municípios em meios eletrônicos de amplo
acesso. Considerando a data de sua publicação,
conclui-se que o prazo para esses municípios im-
plantarem suas ferramentas eletrônicas de divul-
gação encontra-se encerrado. Esse fato justifica a
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201445
realização desta pesquisa que representa oportu-
nidade ímpar de verificação se o prazo estabele-
cido pela LRF foi cumprido pelos municípios.
A pesquisa é ainda importante para a so-
cie dade no aspecto participativo. Os cidadãos
terão conhecimento sobre o cumprimento da prin-
cipal lei de transparência em vigor no Brasil. O
resultado dessa pesquisa enfatizará a adoção dos
dispositivos legais por parte dos gestores públicos,
além de convidar a população brasileira a fiscalizar
e acompanhar o uso dos recursos por parte de
seu maior agente. Este artigo traz contribuição
fundamental aos profissionais que realizarão a
divulgação dos orçamentos nos portais eletrônicos
dos municípios.
1 Teoria da Agência
O funcionamento das entidades brasileiras,
públicas e privadas, é semelhante em relação à
estrutura de utilização dos recursos de terceiros.
As organizações modernas costumam funcionar
de maneira centralizadora, com pessoas dispostas
a investir seus recursos em fundos específicos, que
serão utilizados por um único gestor, tendo este a
atribuição de obter os melhores resultados possíveis
de acordo com a visão da população investidora.
É notável a existência da relação de agên-
cia, que pode existir de maneira parecida entre
governo e sociedade, ou entre empresa e acionista,
uma vez que, em ambos os casos, há um contrato
sob o qual uma ou mais pessoas, denominadas
principais, engajam outras pessoas, agentes, para
desempenhar os serviços que envolvam delegação
de decisão aos agentes (JENSEN; MECKLING,
1976). Ainda de acordo com Jensen e Meckling
(1976), existe uma boa razão para se acreditar
que o agente nem sempre agirá de acordo com
os melhores interesses do principal. Essa estrutura
acontece sempre que uma das partes é admitida por
outra para tomar decisões de gestão que afetam
os retornos que serão obtidos por esta última.
A Teoria da Agência se sustenta ao analisar
o relacionamento dos membros de uma instituição,
tendo em vista o fato de serem motivados por seus
interesses pessoais. Está relacionada à existência
de um contrato, em que o principal delega o
agente para tomar decisões acerca da utilização
dos recursos em nome do principal (KASSAI;
KASSAI; NOSSA, 2000).
Os administradores devem ter pleno co-
nhecimento de suas atribuições, pois têm de estar
capacitados a administrar os recursos recolhidos
pela população (HITT, 1999). Entretanto, as estru-
turas de agência podem apresentar diversos
problemas econômicos e organizacionais. Um pro-
blema de agência ocorre quando os objetivos dos
agentes e dos principais passam a não convergir
da maneira esperada pelos principais. A relação
principal-agente pode levar ao oportunismo ad-
minis trativo, direcionamento os gestores a agir com
base em interesses de cunho pessoal (HITT, 1999).
Assim, a Teoria da Agência passa a considerar
inexistente o agente perfeito ou a elaboração de
contratos completos, que não permitam desvio de
conduta por parte dos agentes (MELLO, 2009).
É possível ainda estabelecer ligação entre as
esferas públicas e a Teoria da Agência, pois estão
satisfeitas as condições necessárias elencadas por
Slomski (1999): (I) O agente possui diversos com-
portamentos a serem adotados; (II) A ação do
agente afeta os resultados para ambas as par-
tes; e (III) A ação do agente dificilmente está
sendo observada pelo principal, o que resulta em
assimetria informacional, que ocorre quando a
capacidade de o principal monitorar o agente fica
interrompida por motivos conhecidos somente pelo
agente, de acordo com Akdere e Azevedo (2006).
Segundo Mello (2009), assume-se que, com a exis-
tência da assimetria informacional, a dificuldade
está em aceitar que o agente (gestor público)
46
tomará as decisões certas para atingir os interesses
do principal (sociedade) (SLOMSKI, 2009).
Assim, considerando as ideias de Slomski
(1999), tem-se que a Teoria da Agência relacionada
ao Setor Público engloba a existência de contrato
sob o qual a sociedade (principal) engaja o governo
(agente) para desempenhar funções, de modo
a atingir o resultado esperado pelos cidadãos
(principal). Como a relação entre sociedade e
governo envolve a aceitação de diversos contra-
tos com alto grau de complexidade, faz-se ne-
cessária a elaboração de mecanismos capazes
de permitir ao cidadão acesso à fiscalização do
uso de recursos públicos por parte dos gestores
(SLOMSKI, 2003). Conclui-se, então, que a adoção
de medidas transparentes de gestão permite à
sociedade o acompanhamento mais detalhado
das realizações do Estado. A divulgação eficaz de
informações é, portanto, essencial para garantir
que os cidadãos compreendam, de maneira mais
relevante, o desempenho dos gestores públicos
(MELLO, 2009; MOON, 2002).
As ações alinhadas à Governança Corporati-
va são soluções consideráveis para os problemas
de agência, já que estão envolvidas diretamente
em solucionar harmonicamente as diferenças entre
as partes envolvidas (HOPE, 2002). Baseando-
-se em Carvalho (2002), é possível concluir que
a Governança Corporativa é um conjunto de
princípios que impõem a maneira de realização do
processo decisório dentro de uma organização.
Basicamente, são regras necessárias à diminuição
da incidência dos problemas de agência aliada
a uma boa política de divulgação de informação
sobre a execução dos recursos utilizados.
O principal pode limitar a divergência de
interesses, estabelecendo incentivos ao agente,
como o reconhecimento de uma boa execução do
trabalho planejado. Todavia, é improvável que o
agente sempre se disponha a tomar decisões ótimas
do ponto de vista do principal. Logo, é necessário
que a parte do principal fiscalize a gestão do
agente, para que não haja desvio de planejamento
na consecução das metas (EISENHARDT, 1989).
Os mecanismos de Governança Corporati-
va são capazes de reduzir drasticamente os confli-
tos de agência (GOSWANI, 2002). Entre eles, cabe
maior atenção para a ampla divulgação de rela tó-
rios e informações contábeis que possam tra du zir
o desempenho obtido relativamente às atribuições
do agente (CABRI; FERRARI; LEONARDI, 2005).
Os princípios de Governança Corporativa exigem
que haja transparência em todo o processo deci-
sório, assim como na avaliação dos objetivos con-
quistados (CHOUDRIE; GHINEA; WEERAKKODY,
2004). Dessa maneira, a sociedade será capaz de
estabelecer raciocínios críticos sobre os resultados
obtidos e sobre a gestão de seus recursos por parte
dos agentes.
2 Instrumentos de Transparência Fiscal
A Lei de Responsabilidade Fiscal determina
que relatórios de gestão sejam disponibilizados ao
A Teoria da Agência
relacionada ao Setor Público
engloba a existência de
contrato sob o qual a
sociedade engaja o governo
para desempenhar funções,
de modo a atingir o resultado
esperado pelos cidadãos.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201447
controle público, com o fim de que a arrecadação
e execução dos recursos públicos sejam avaliadas
pela população. A Lei de Responsabilidade Fiscal
disponibilizou, em seu artigo 48, os instru men tos
necessários à transparência dos atos da admi-
nistração pública, entenda-se essa transparência
como ativa. A Controladoria Geral da União (CGU)
conceitua transparência ativa “como aquela que
a administração pública tem um custo para divul-
gar as informações e milhares de pessoas podem
aces sar as informações disponibilizadas” (2012).
Os instrumentos exigidos são os planos, os orça-
mentos e a lei de diretrizes orçamentárias, além
dos relatórios Resumidos da Execução Orçamen-
tária e de Gestão Fiscal, inclusive as versões simpli-
ficadas desses instrumentos.
O Plano Plurianual é uma lei de iniciativa do
Chefe do Poder Executivo e um instrumento de
ação do governo de médio prazo. Deve estabelecer,
de maneira regionalizada, as diretrizes, objetivos e
metas do governo para despesa de capital e para
as relativas aos programas de duração continuada
(ANDRADE, 2002). Tem sua utilidade para um
período de quatro anos, a fim de que o governo
execute seus projetos para a consecução dos
objetivos e metas fiscais. É importante destacar
que o plano plurianual é uma tendência das ações
do governo. Sendo assim, a Lei Orçamentária
Anual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias deverão
estar em consonância com as propostas oferecidas
pelo Plano Plurianual (GATTRINGER, 2004;
GIACOMONI, 2005).
A Lei de Diretrizes Orçamentárias tem a
função de estabelecer metas e prioridades da
admi nistração pública federal. Deve incluir des-
pesas de capital e orientar a elaboração da Lei
Orçamentária Anual, contemplando os aspectos
da legislação tributária (CF, 1988, art. 165, § 2º).
De acordo com Silva (2004), a Lei de Diretrizes
Orçamentárias é utilizada como instrumento de
planejamento operacional do governo, uma vez
que a Lei de Responsabilidade Fiscal atribuiu
à Lei de Diretrizes Orçamentárias funções de
planejamento operacional voltadas ao equilíbrio
entre receitas e despesas (SANTANA JUNIOR;
LIBONATI; VASCONCELOS, 2009).
Seguindo as orientações impostas pela Lei
de Diretrizes Orçamentárias, a Lei Orçamentária
Anual deve estar atrelada à política econômico-
-financeira e à execução do planejamento de tra-
balho do governo, que deve ser prestada pelos
órgãos diretos e indiretos da Administração
(SANTANA JUNIOR; REIS, 2001). Giacomoni
(2005) afirma que a Lei Orçamentária Anual é
instrumento de curto prazo, que operacionaliza
os programas governamentais de médio prazo, os
quais são responsáveis por atingir o planejamento
imposto pelos planos nacionais, em que estão
definidas as metas, os objetivos e as políticas
básicas. Além disso, a Lei nº 4.320/1964 determina
que a organização da Lei Orçamentária Anual
deve seguir orientações de orçamento-programa,
definindo programas, subprogramas, projetos
de execução da ação do governo por categorias
econômicas, por funções e por unidades orçamen-
tárias (MILESKI, 2003).
O instrumento de
transparência fiscal
denominado Prestação de
Contas é um documento
em que o administrador
público demonstrará sua
situação organizacional
para a sociedade.
48
O instrumento de transparência fiscal deno-
minado Prestação de Contas é um documento
em que o administrador público demonstrará sua
situação organizacional para a sociedade. A pres-
tação de contas realizada para a população deveria
ser a mesma informada pelos municípios aos
Tribunais de Contas, entretanto, os municípios di-
vul gam apenas os aspectos que julgam relevantes
(CRUZ, 2006; SANTANA JUNIOR; LIBONATI;
VASCONCELOS, 2009).
O Relatório Resumido de Execução Orça-
mentária tem de ser publicado até trinta dias
após o encerramento de cada bimestre, de
acordo com a Constituição Federal de 1988 (art.
165, § 3º) e deve abranger todos os Poderes da
Administração Pública. Nesse sentido, o relatório
pretende demonstrar o comparativo de execução
das receitas de acordo com sua previsão. Segundo
Gattringer (2004), o Relatório Resumido de Exe-
cução Orçamentária deve ser publicado com
periodicidade, permitindo ao cidadão o controle,
o conhecimento, a análise e o acompanhamento
da execução orçamentária dos governos. Dessa
maneira, o cidadão tem a oportunidade de acom-
panhar, de modo transparente, a execução do
planejamento orçamentário do governo (SANTANA
JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009).
O Relatório de Gestão Fiscal tem perio-
dicidade quadrimestral. Foi incluído pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, devendo ser emitido com
o intuito de fiscalizar todos que são dependentes
dos recursos do governo, no sentido de sempre
atingir o equilíbrio das contas públicas (SANTANA
JUNIOR; LIBONATI; VASCONCELOS, 2009). O
relatório deve abranger o comportamento da rea-
lização da receita e da execução da despesa, e o
detalhamento do alcance das metas e resultados,
como também o acompanhamento e evolução da
dívida pública (GATTRINGER, 2004). O relatório
deve conter, ainda, os níveis máximos de gastos
com pessoal, dívidas consolidada e mobiliária,
concessão de garantias e operações de crédito.
Se esses limites forem ultrapassados, a Lei de
Responsabilidade Fiscal determina que medidas
corretivas sejam tomadas imediatamente (CULAU;
FORTIS, 2006).
A Lei de Responsabilidade Fiscal ainda
elenca duas modalidades de divulgação neces-
sárias pelas entidades públicas: os Relatórios de
Execução da Receita e Despesa e os Relatórios
Relativos a Contratos e Convênios. Os Relatórios
de Execução da Receita e Despesa representa a
programação financeira e o cronograma de exe-
cução mensal de desembolso. Já os Relatórios
Relativos a Contratos e Convênios devem abranger
detalhadamente as relações contratuais do Poder
Público com entidades privadas.
Da análise do art. 48 da Lei de Respon-
sabilidade Fiscal, que dispõe que os instrumentos
de transparência fiscal devem ser divulgados
tam bém em versões simplificadas, percebe-se a
preocupação do legislador com a acessibilidade
da informação, ou seja, a redução das dificuldades
de entendimento por parte do cidadão. Nesse
sentido, a transparência de que fala a LRF é mais
do que simplesmente a publicidade dos dados
(GATTRINGER, 2004). A LRF determina que a
trans parência deve ser assegurada, entre outras
maneiras, pelo incentivo à participação popular
e realização de audiências públicas durante a
apreciação e elaboração de estratégias, da Lei de
Diretrizes Orçamentárias e da Lei Orçamentária
Anual (CULAU; FORTIS, 2006).
3 Procedimentos Metodológicos
Neste artigo, foi utilizado o método indutivo,
enfatizando-se a comprovação empírica do estudo,
com procedimento de análise dos dados coletados
em amostragem investigativa acessando-se os
portais de transparência dos municípios.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201449
O estudo pode ser considerado exploratório,
já que mede os níveis de qualidade dos sites dos
municípios analisados quanto ao cumprimento das
orientações dispostas pela Lei de Responsabilidade
Fiscal. As técnicas de observação foram essenciais
para o procedimento de coleta de dados, já que
foi requerido exame detalhado das informações
encontradas nos portais dos municípios. Foram
utilizadas informações referentes à quantidade
de habitantes por município, tendo como fonte o
censo demográfico do IBGE do ano de 2000.
Foram identificados 299 municípios dentro
da faixa populacional de 50 e 100 mil habitantes.
Assim, para que os sites dos municípios fossem
analisados de maneira qualitativa, fez-se neces sária
a delimitação de uma amostra dos muni cí pios com
essa população. A seleção de amostragem envolveu
o trabalho desenvolvido por Biderman e Puttomatti,
pesquisadores da Fundação Getúlio Vargas, que
desenvolveram estudo para a Associação Contas
Abertas, (http://indicedetransparencia.com), que
trata da criação de um índice que mede a transpa-
rência aplicado aos sites de estados brasileiros.
De acordo com a metodologia abordada por
Biderman e Puttomatti, o índice é calculado de
acordo com três considerações: (1) o conteúdo
disponível no site, que corresponde a 60% do total;
(2) a disponibilização de séries históricas, entre um
e cinco anos, e a frequência da atualização, que
correspondem a 7% do total; (3) A usabilidade do
portal, que representa 33% do total, em um total
geral de 100%.
Com base na criação do Índice de Trans-
parência Estadual, pesquisadores da Associação
Contas Abertas desenvolveram um ranking, envol-
vendo todos os estados da Federação, ordenados
de acordo com a nota obtida por seu portal de
transparência. Assim, a amostragem escolhida
neste trabalho foi selecionada a partir do ranking
disponibilizado pela Associação Contas Abertas,
sendo escolhidos apenas os municípios dos es-
ta dos que obtiveram as notas mais baixas em
relação as suas respectivas regiões. Ou seja, um
estado de cada região brasileira foi selecionado,
sendo estes por obterem a nota mais baixa dentre
os outros de suas respectivas regiões. Foi formada
assim uma amostra de 28 municípios, sendo um
do estado do Acre (Região Norte), três do estado
do Piauí (Região Nordeste), quatro do estado
do Mato Grosso (Região Centro-Oeste), onze
do estado do Rio de Janeiro (Região Sudeste) e
nove do estado de Santa Catarina (Região Sul).
Quanto ao tipo de amostragem, essa investigação
utiliza o não probabilístico, visto que a escolha dos
elementos da amostra foi realizada de forma não
aleatória, existindo um procedimento de seleção
dos elementos da população segundo critérios
preestabelecidos no referido ranking (CORRAR;
THEÓPHILO, 2008).
O presente estudo, portanto, teve a cons-
trução de um índice próprio de transparência, em
que os critérios utilizados para a avaliação dos sites
de transparência dos municípios analisados foram
construídos com base no trabalho desenvolvido
por Santana Junior, Libonati e Vasconcelos
(2009), juntamente com o mencionado tra balho
da Asso cia ção Contas Abertas. O índice foi com-
pos to com os critérios relativos à usabilidade dos
sites, correspondendo a 30% do índice; com a
comprovação da divulgação dos instrumentos
de transparência fiscal propostos pela Lei de
Responsabilidade Fiscal, correspondendo a 60%
do índice; e, por fim, com a constatação de séries
históricas dos dados e pela frequência de sua atua li-
zação, correspondendo a 10% do índice (APÊNDICE
A). Os aspectos de pontuação utilizados para
a construção de cada categoria podem ser
encontrados nas descrições do QUADRO 1, bem
como no Apêndice A.
50
Assim, o total de pontos que os municípios
podem alcançar é 19, correspondendo à nota 10
no ranking de transparência municipal, a nota
máxima, conforme aplicação da fórmula elaborada
exclusivamente para este estudo:
FONTE: Bardin (2011); Geraldes (2006); Santana Júnior, Libonati e Vasconcelos (2009)
Categoria Itens de Investigação Pontos
Asp
ecto
s d
o P
ort
al
30
%
O site do Portal apresenta a ferramenta de “Mapa do Sítio” ou “Busca” para facilitar a busca
de informações por parte do usuário1
O site apresenta glossário dos termos técnicos. 1
O glossário, se existir, facilita a compreensão das informações disponibilizadas 1
Há uma área com perguntas e respostas frequentes 1
O site do Portal divulga um e-mail ou formulário de contato institucional 1
O site do Portal divulga o contato com o Tribunal de Contas, o Ministério Público ou Câmara
Federal para incentivar denúncias1
As informações apresentadas possibilitam interatividade (chat) 1
Existe possibilidade de download dos dados 1
Inst
rum
en
tos
de
Tra
nsp
arê
ncia
Fis
cal
60
%
Plano Plurianual 1
Lei de Diretrizes Orçamentárias 1
Lei de Orçamento Anual 1
Prestação de Contas 1
Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária 1
Relatório de Gestão Fiscal 1
Relatórios da Execução da Receita/Despesa 1
Relatórios Relativos a Contratos/Convênios 1
Fre
qu
ên
cia
de
Atu
alização
10%
Dados em tempo real 1
Disponibilização de séries históricas de dados orçamentários e financeiros 1
Periodicidade de disponibilização de dados (diário, semanal, mensal e anual) 1
Total 19
QUADRO 1 – Categorias de análise dos portais de transparência dos municípios
7,5IT =
ΣA1x3 + ΣA2x6 + ΣA3
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201451
Região Estado Município Nº Portal Analisado
Norte Acre Cruzeiro do Sul 1 www.cruzeirodosul.ac.gov.br/transparencia
Nordeste Piauí
Floriano 2 www.floriano.pi.gov.br
Picos 3 www.picos.pi.gov.br
Piriri 4 www.piripiri.pi.gov.br/novo/
Centro-Oeste Mato Grosso
Barra do Garças 5 www.barradogarcas.com/2010
Cáceres 6 www.caceres.mt.gov.br
Sinop 7 www.sinop.mt.gov.br
Tangará da Serra 8 www.tangaradaserra.mt.gov.br
QUADRO 2 – Relação de municípios analisados
Na fórmula, IT significa o índice de trans-
parência obtido do município; A1 significa os
pontos obtidos no critério “Aspectos do Portal”;
A2 significa os pontos obtidos no critério “Instru-
mentos de Transparência Fiscal”; e A3 significa
os pontos obtidos no critério “Frequência de
Atualização”. Assim, a soma de pontos de cada
critério multiplicado por seus respectivos pesos é
dividida pelo número 7,5, a fim de criar uma escala
que obtenha como nota máxima o número 10.
Para uma análise mais robusta dos dados
encontrados, pretende-se analisar a mediana dos
índices de transparência encontrados, pois esta
medida representa o valor situado de tal forma
no conjunto, que o separa em dois subconjuntos
de mesmo número de elementos (CIENFUEGOS,
2005). Assim, será possível separar a metade da
amostra que teve desempenho superior da metade
da amostra que teve desempenho inferior. Seguindo
a análise estatística, pretende-se analisar o desvio-
padrão das notas obtidas pelos municípios, uma vez
que esta medida indica a dispersão dos elementos
em relação à média.
Por fim, pretende-se analisar a correlação
entre os instrumentos de planejamento (Lei
Orçamentária Anual, Lei de Diretrizes Orçamen tárias
e Plano Plurianual) e os instrumentos de gestão
(Relatórios Resumidos de Gestão Orça mentária,
Relatório de Gestão Fiscal e Relatórios de Execução
da Receita e Despesa). A técnica estatística de
correlação é utilizada para analisar a relação entre
as diversas variáveis existentes, ou seja, é uma
métrica que mede o relacionamento matemático de
duas variáveis. Os resultados obtidos podem indicar
correlação positiva, nega tiva ou nula. A correlação
positiva apresenta uma relação direta entre as
variáveis, enquanto a correlação negativa apresenta
uma relação inver sa. A correlação nula indica que
as variáveis não estão relacionadas linearmente,
sendo o valor da correlação bastante próximo de
zero (CORRAR; THEÓPHILO, 2008). Desse modo,
poderá ser verificada a possibilidade de o cidadão
conseguir relacionar o planejamento e a execução
por meio da análise dos instrumentos.
4 Portais de Transparência Fiscal
Seguindo as informações divulgadas pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), com base nos relatos emitidos previamente
ao Censo 2010, constata-se que o Brasil possui
atualmente 5.565 municípios dispostos em cinco
regiões. Entre esses municípios, vinte e oito
foram selecionados para que seus portais fossem
analisados, conforme QUADRO 2.
Continua
52
Região Estado Município Nº Portal Analisado
SudesteRio De
Janeiro
Araruama 9www.araruama.rj.gov.br/index.php/portal-da-
transparencia
Barra do Piraí 10 www.pmbp.rj.gov.br
Itaguaí 11 www.prefeituraitaguai.com.br
Itaperuna 12 www.itaperuna.rj.gov.br
Japeri 13 www.japeri.rj.gov.br
Maricá 14 www.marica.rj.gov.br/transparencia/
São Pedro da Aldeia 15 www.cogemspa.com.br
Saquarema 16 www.transparencia.saquarema.rj.gov.br/pronimtb
Seropédica 17 www.seropedica.rj.gov.br
Três Rios 18www.tresrios.rj.gov.br/v2007/n/info_
transparencia.php
Valença 19 www.valenca.rj.gov.br
SulSanta
Catarina
Araranguá 20 www.ararangua.net/?acao=home
Balneário Camboriú 21 www.balneariocamboriu.sc.gov.br
Brusque 22 www.brusque.sc.gov.br/web/
Caçador 23 www.cacador.sc.gov.br/portal
Canoinhas 24 www.pmc.sc.gov.br
Concórdia 25 www.concordia.sc.gov.br
Rios do Sul 26 www.riodosul.sc.gov.br
São Bento do Sul 27 www.saobentodosul.sc.gov.br/novo
Tubarão 28 www.tubarao.sc.gov.br
Nas regiões Norte e Nordeste, foram ana-
lisados quatro municípios, pertencentes aos es-
ta dos do Acre e Piauí. Essas regiões mantêm,
juntas, 2.243 municípios, com aproximadamente
69 milhões de habitantes no total. A densidade
demográfica é de 4,12 habitantes por quilômetro
quadrado na região Norte, e de 34,15 habitantes
por quilômetro quadrado na região Nordeste.
Na Região Centro-Oeste, foram analisados
quatro municípios do estado do Mato Grosso.
Essa região possui 466 municípios, com o total
aproximado de 14 milhões de habitantes e densi-
dade demográfica na faixa de 8,75 habitantes por
quilômetro quadrado.
Nas regiões Sul e Sudeste, foram analisados
vinte municípios, situados nos estados de Santa
Catarina e Rio de Janeiro. Juntas, essas regiões
têm população estimada em 100 milhões de habi-
tantes, dividida em um total de 2.786 municípios.
Apesar de ocuparem território menor que o das
regiões Norte e Nordeste, apresentam população
numericamente superior. Assim, a densidade de-
mográfica da Região Sul é de 48,58 habitantes por
quilômetro quadrado, e a densidade demográfica
da Região Sudeste é de 86,92 habitantes por qui-
lômetro quadrado.
FONTE: Os autores (2014)
QUADRO 2 – Relação de municípios analisados Conclusão
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201453
GRÁFICO 1 – Aspectos do Portal
Campo de busca
Glossário
Glossário facilita entendimento
Perguntas frequentes
Contato institucuinal
Contato com MP Tribunal de Contas
Chat
Download de dados
0 20 40 60 80 100
FONTE: Os autores (2014)
5 Análise dos Portais de Transparência Fiscal
Os portais de transparência fiscal dos 28 municípios analisados apresentam algumas falhas em comum
em relação à usabilidade. Por exemplo, conforme GRÁF. 1, em nenhum dos sites foi possí vel identificar
elementos como glossário de termos técnicos ou área em que estivessem postadas perguntas frequentes
feitas pelos usuários. Em nenhuma das páginas eletrônicas existe a pos sibilidade de conversação por meio de
chat e apenas 39,29% dos sites fornecem links de contato que incentivam denúncias de irregularidades, co mo
os links do Tribunal de Contas, do Ministério Público ou da Câmara Federal.
Conclusão
Seguindo na análise do acesso aos portais pelos usuários, destacam-se os pontos positivos encontrados.
Por exemplo, a possibilidade de download dos dados disponíveis está presente em 60,71% dos sites, bem como
a divulgação de formulário de contato institucional e a presença de campo de busca que facilite a pesquisa no
percentual de 78,57% e 67,86% respectivamente, conforme disposições do GRAF. 1.
Nesse quesito da análise, cabe ressaltar o ponto negativo ao acesso ao portal de transparência do
município de Itaperuna/RJ. O site apresenta um link denominado “Contas Públicas”, entretanto, ao se acessar
o referido link, não é possível visualizar nenhuma informação, pois nenhuma das opções apresentadas funciona
corretamente. Cabe ressaltar também que o portal de transparência de Itaperuna recebeu destaque por ser um
dos três municípios a não somar nenhum ponto na análise dos portais, sendo considerado o pior na consolidação
do ranking dos municípios analisados. Os outros portais que não somaram pontos na análise foram os dos
municípios de Caçador e de Rio do Sul, ambos no estado de Santa Catarina, conforme TAB. 1.
A maior parte da composição do índice de transparência é dada pela divulgação dos instrumentos
de transparência fiscal citados pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Na análise dos portais, nenhum dos
componentes deste quesito foi encontrado em percentual superior a 50% (GRÁF. 2). Por exemplo, em apenas
28,57% dos sites foi possível encontrar dados referentes ao Plano Plurianual e à Lei de Diretrizes Orçamentárias.
O maior fator negativo do conjunto que representa a amostra do estudo é o fato de que não existe, em nenhum
dos portais analisados, divulgação do instrumento de transparência fiscal denominado Prestação de Contas.
54
O GRÁF. 2 aponta os per centuais de divulgação dos instrumentos de transparência fiscal pelos municípios.
GRÁFICO 3 – Frequência de atualização
FONTE: Os autores (2014)
GRÁFICO 2 – Instrumentos de transparência fiscal
Plano Plurianual
Lei de Diretrizes Orçamentárias
Lei de Orçamento Anual
Rel. Res. Execução Orçamentária
Relatório de Gestão Fiscal
Rel. Ex. da Receita/Despesa
Rel. Rel. a Contratos/Convênios
0 20 40 60 80 100
Nesse quesito de análise, é importante destacar que a porcentagem obtida pelos sites dos munícipios
foi bastante baixa. Os instrumentos denominados Relatórios Resumidos da Execução Orçamentária, Relatórios
de Gestão Fiscal e Relatórios da Execução da Receita e Despesa são encontrados em apenas 42,86% dos
sites. A Lei Orçamentária Anual é apresentada em 32,14% dos portais, enquanto os Relatórios Relativos a
Contratos e Convênios são encontrados em 35,71%.
Os aspectos abordados nesse quesito são os portais de transparência dos municípios de Picos/PI, Piriri/
PI, Itaperuna/RJ, Saquarema/RJ, Seropédica/RJ, Valença/RJ, Caçador/SC e Rio do Sul/SC. Em todos eles não
há nenhuma divulgação de instrumentos de transparência fiscal (APÊNDICE A). Outro ponto importante
a destacar foi verificado no portal de transparência de Balneário Camboriú. Excluindo-se o instrumento
Prestação de Contas, este portal disponibiliza todos os outros instrumentos de transparência fiscal abordados
neste estudo e previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal. O portal de transparência de Balneário Camboriú
foi considerado pelo estudo o melhor dos portais, liderando o ranking proposto, conforme TAB. 1.
Quanto à frequência de atualização dos portais, nenhum dos municípios analisados dis po nibiliza suas
informações em tempo real (GRÁF. 3), contrariando o que define a Lei de Res ponsabilidade Fiscal em seu
art. 48, parágrafo único, inciso II, em que são descritas maneiras de disponibilização dos dados financeiros do
Poder Público, quando estabelece a “liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em
tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos
de acesso público”.
FONTE: Os autores (2014)
Tempo Real
Séries Históricas
Periodicidade
0 20 40 60 80 100
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Os outros componentes do quesito atin giram percentual próximo a 50%. Por exemplo, 46,43%
dos portais analisados disponibilizam séries históricas dos dados, considerando o mínimo de cinco anos
anteriores, ou seja, pelo menos a partir de 2007. Quanto à periodicidade de disponibilização dos dados,
diária, semanal, mensal ou anual, 57,14% dos municípios apresentam periodicidade correspondente a pelo
menos uma dessas frequências.
Entre os municípios que divulgam seus instrumentos de transparência fiscal, apenas dois não conseguiram
somar pontos neste quesito, Floriano/PI e São Pedro da Aldeia/RJ. Assim, de acordo com os critérios adotados
para a construção do índice de transparência e sua posterior aplicação aos sites dos municípios analisados, o
ranking de transparência adotado neste trabalho é disposto na TAB. 1.
Clas. Uf Região Município Índice Clas. Uf Região Município Índice
1º SC Sul Balneário Camboriú 7,07 15º SC Sul Brusque 3,33
2º MT Centro-Oeste Tangará da Serra 6,67 16º RJ Sudeste Araruama 3,20
3º PI Nordeste Floriano 5,60 17º AC Norte Cruzeiro do Sul 2,93
4º MT Centro-Oeste Cáceres 5,47 18º MT Centro-Oeste Barra do Garças 2,27
5º SC Sul Tubarão 5,47 19º RJ Sudeste Japeri 2,13
6º MT Centro-Oeste Sinop 5,07 20º RJ Sudeste Três Rios 1,73
7º SC Sul Araranguá 5,07 21º RJ Sudeste Valença 1,20
8º RJ Sudeste Maricá 4,53 22º PI Nordeste Picos 0,80
9º SC Sul Concórdia 4,27 23º PI Nordeste Piriri 0,80
10º RJ Sudeste São Pedro da Aldeia 4,00 24º RJ Sudeste Saquarema 0,80
11º RJ Sudeste Itaguaí 3,87 25º RJ Sudeste Seropédica 0,80
12 SC Sul Canoinhas 3,87 26º RJ Sudeste Itaperuna 0,00
13º SC Sul São Bento do Sul 3,87 27º SC Sul Caçador 0,00
14º RJ Sudeste Barra do Piraí 3,47 28º SC Sul Rio do Sul 0,00
FONTE: Os autores (2014)
TABELA 1 – Ranking geral dos municípios analisados
As notas obtidas pelos municípios estão bastante abaixo do esperado pelas atribuições da Lei de
Responsabilidade Fiscal. A mediana en contrada pelo estudo foi de 3,4, separando-se a metade da amostra com
resultados superiores da metade da amostra que apresenta resultados mais baixos, ou seja, entre os municípios
de Barra do Piraí/RJ e Brusque/SC. O desvio-padrão encon trado foi de 2,08, que simboliza a dispersão dos
valores em relação à média, que, no caso, é de 3,15. O desvio-padrão é alto quando comparado com a média,
esse fato comprova que existe grande diferença entre os níveis de transparência dos municípios.
No intuito de investigar a existência da relação entre a divulgação dos instrumentos de planejamento
e a divulgação de informações de gestão, foi utilizada a técnica estatística de correlação linear. O resultado
encontrado foi a correlação de 0,067, ou seja, valor bastante próximo de zero, o que significa que não existe
relação direta ou indireta entre a divulgação de instrumentos de planejamento e a divulgação de instrumentos
56
de gestão. De acordo com a métrica utilizada
pelo estudo, não há padrão na divulgação de tais
instrumentos fiscais. Diante da amostra analisada,
é possível concluir que, na maioria dos municípios
que divulgam informações fiscais, pode ser que o
cidadão tenha dificuldade em extrair conclusões
significativas a respeito da comparação entre o
planejamento de governo e a gestão estatal.
Considerações Finais
O estudo realizado permite perceber que
os gestores municipais, na totalidade da amostra,
demonstram preocupação em manter disponível
um portal de transparência fiscal. Verifica-se
que o cumprimento da LRF não está sendo ga-
rantido na maioria dos municípios pesquisados.
A qualidade da disponibilização dos dados
encontra-se comprometida, porque na maioria
dos municípios estudados existe baixo percentual
de transparência.
É possível afirmar que os usuários que não
estão habituados à linguagem técnica ou que
não têm conhecimento suficiente dos termos
empregados nos planos e leis orçamentárias não
conseguem chegar a conclusões completamente
acertadas quanto aos dados disponibilizados. Por
exemplo, o fato de não existir nenhum glossário
ou área de perguntas frequentes nos 28 sites
investigados evidencia a possível dificuldade de
análise de pessoas leigas no assunto. Acresça-
se a isso o fato de que a disponibilização dos
relatórios não está completa, conforme exige a
LRF e alguns portais não divulgam nenhum dos
instrumentos de transparência fiscal. Outro ponto
que contraria a LRF é que nenhum dos municípios
divulga suas informações em tempo real. Quanto
a esse quesito, pode-se afirmar que os preceitos
estabelecidos em lei não estão sendo cumpridos.
É possível, pois, concluir que os gestores
• Recebido em: 27/05/2013
• Aprovado em: 01/07/2013
municipais estão cumprindo apenas em parte suas
obrigações legais, pois disponibilizam nos portais
de transparência de seus municípios apenas
alguns instrumentos de transparência fiscal. Não
existe preocupação de que o usuário entenda os
dados divulgados, ou seja, não há predisposição
dos gestores em divulgar informações fiscais de
maneira clara e conclusiva para a sociedade. É
possível perceber que nos portais faltam avaliações
de desemprenho, não havendo nenhum controle
superior capaz de avaliar e discutir tais questões
com os gestores dos sites.
Este estudo sugere que os portais sejam
avaliados e que o feedback seja dado pelos prin-
cipais na relação de agência, uma vez que são eles
os maiores beneficiários da disponibilização eficaz
das informações prestadas pelos municípios.
Cabe ressaltar ainda o papel da contabilidade
governamental como sistema de informações, de
modo a tornar possível a instauração de gestão
pública remodelada, participativa, acessível e que
assegure os melhores níveis de transparência
governamental.
A realização do trabalho foi limitada à aná-
lise de parte dos municípios com população na
faixa entre 50 e 100 mil habitantes. Diante disso,
podemos inferir que o resultado final do estudo
poderia ser diferente, caso fosse analisada toda a
população de municípios que se encaixam nesta
faixa populacional.
Assim, torna-se necessário a realização de
pesquisas futuras relacionadas aos assuntos tra-
tados. Além disso, considera-se relevante reaplicar
o estudo de modo a observar a evolução dos
portais de transparência dos municípios, pois al-
guns podem estar em fase de adaptação, já que a
obrigação legal é bastante recente.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 42 - 61, jan./jun. 201457
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O site do portal apresenta a ferramenta “Mapa do Sítio” ou
“Busca” para facilitar a busca de informações doo usuário1 1 1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 0 1 1
O site apresenta glossário dos termos 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
O glossário, se existir, facilita a compreensão das
informações disponibilizadas1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Há uma área com perguntas e respostas frequentes 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
O site portal divulga um e-mail ou formulário de contato
institucional1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 1 0 1 1
O site portal divulga o contato com o Tribunal de contas,
o Ministério Público ou Câmara Federeal para incentivar
denúncias
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As informações apresentadas possibilitam interatividade
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Existe possibilidade de download de dados 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1
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Plano plurianual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1
Lei de diretrizes orçamentárias 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1
Lei do orçamento anual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1
Prestação de contas 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Relatórios resumidos da execução orçamentária 1 1 1 0 0 1 1 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0
Relatório de gestão fiscal 1 1 1 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 0
Relatórios de execução da receita/despesa 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 1 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1
Relatórios de execução da contratos/onvênios 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1 1
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Dados em tempo real 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Disponibilização de séries históricas de dados
orçamentários e fincanceiros1 0 0 0 0 1 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1
Periodicidade de disponibilização de dados (diário,
semanal e anual)1 1 0 0 0 1 1 1 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1
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10 2,93 5,6 0,8 0,8 2,27 5,47 5,07 6,67 3,2 3,47 3,87 0 2,13 4,53 4 0,8 0,8 1,73 1,2 5,07 7,07 3,33 0 3,87 4,27 0 3,87 5,47
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O site do portal apresenta a ferramenta “Mapa do Sítio” ou
“Busca” para facilitar a busca de informações doo usuário1 1 1 1 1 0 1 1 1 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1 1 1 0 0 0 0 1 1
O site apresenta glossário dos termos 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
O glossário, se existir, facilita a compreensão das
informações disponibilizadas1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Há uma área com perguntas e respostas frequentes 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
O site portal divulga um e-mail ou formulário de contato
institucional1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 1 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 0 0 1 0 1 1
O site portal divulga o contato com o Tribunal de contas,
o Ministério Público ou Câmara Federeal para incentivar
denúncias
1 1 1 0 0 0 0 1 1 0 1 1 0 0 1 1 0 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 0
As informações apresentadas possibilitam interatividade
(chat)1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Existe possibilidade de download de dados 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 1 1 0 0 1 1 0 0 1 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1
Inst
rum
en
tos
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ran
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ncia
60
%
Plano plurianual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1
Lei de diretrizes orçamentárias 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 0 1
Lei do orçamento anual 1 0 1 0 0 0 1 1 1 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 1 0 0 1
Prestação de contas 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Relatórios resumidos da execução orçamentária 1 1 1 0 0 1 1 0 1 0 0 1 0 0 1 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 0 0
Relatório de gestão fiscal 1 1 1 0 0 1 1 0 1 0 0 0 0 0 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 0
Relatórios de execução da receita/despesa 1 0 0 0 0 0 0 1 0 0 1 1 0 1 1 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1
Relatórios de execução da contratos/onvênios 1 0 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 0 0 1 0 0 1 1
Fre
qu
ên
cia
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tualiz
ação
10%
Dados em tempo real 1 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Disponibilização de séries históricas de dados
orçamentários e fincanceiros1 0 0 0 0 1 1 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 0 1 0 1 1 0 0 1 1 0 1 1
Periodicidade de disponibilização de dados (diário,
semanal e anual)1 1 0 0 0 1 1 1 1 0 1 1 0 1 1 0 0 0 0 0 1 1 1 0 1 1 0 1 1
Tota
l
100
%
19 6 9 2 2 5 10 10 12 5 8 8 0 4 8 7 2 2 4 3 10 12 7 0 7 8 0 8 10
10 2,93 5,6 0,8 0,8 2,27 5,47 5,07 6,67 3,2 3,47 3,87 0 2,13 4,53 4 0,8 0,8 1,73 1,2 5,07 7,07 3,33 0 3,87 4,27 0 3,87 5,47
Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino SuperiorOrganizational values under the perspective of employees of an
Institution of Higher Education
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201463
Valores organizacionais sob a ótica dos colaboradores de uma Instituição de Ensino Superior
Organizational values under the perspective of employees of an Institution of Higher Education
Aleksander Roncon1 Denise Del Prá Netto Machado2
Luciano Castro de Carvalho3
Marcia Regina Santiago Scarpin4
Resumo
O objetivo deste artigo é analisar a percepção dos valores organizacionais
sob a ótica dos colaboradores em uma instituição de ensino superior (IES).
Para tanto, foi realizada uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal,
com levantamento de dados primários, com a aplicação de questionário.
Os dados foram analisados por meio de médias e desvios padrões, além
da análise discriminante múltipla. Como principais resultados foi possível
identificar que o valor organizacional conformidade foi considerado o mais
importante pelos funcionários da IES, indicando respeito pelas regras e
normas da instituição e manutenção do status quo.
Palavras-chave: Valores Organizacionais. Valores Pessoais. Instituição de
Ensino Superior.
Abstract
The purpose of this paper is to analyze organizational values perception
from an employee’s outlook in a Higher Education Institution (HEI). Was
performed a quantitative, descriptive, transverse research with primary
data collection through survey application. Data was analyzed using means
and standard deviations, as well as multiple discriminant analysis. As main
results, was found compliance to be considered the most important
organizational value by HEI’s employees, indicating respect for rules and
regulations of the institution and maintenance of the status quo.
Keywords: Organizational Values. Personal Values. Higher Education Institution.
1 Mestre em Administração pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Coordenador do Curso de Administração da Faculdade Arthur Thomas – Londrina/PR. E-mail: [email protected].
2 Pós-Doutorado em Administração (PPGA) – Universidade de Brasília (UnB), Doutora em Administração - EAESP/FGV-SP, coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Administração – PPGAd - Universidade Regional de Blumenau – FURB. E-mail: [email protected].
3 Doutorando em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista FAPESP. E-mail: [email protected].
4 Doutoranda em Administração de Empresas – EAESP/FGV-SP. Bolsista CAPES. E-mail: [email protected].
64
IntroduçãoIntrodução
Atualmente, experimenta-se um ambiente
organizacional repleto de profundas e constantes
mudanças. Nesse cenário, para sobreviverem e
se manterem competitivas, as organizações en-
frentam desafios, como alterações do ambiente
de trabalho, novos modelos de estrutura, ou ainda,
práticas e políticas de gestão fundamentadas no
relacionamento interpessoal e no desenvolvimento
do potencial humano.
Como resultado, inovações são geradas por
grupos e implementadas de forma a se posicionar
diferentemente sobre velhos problemas, integrando
os colaboradores nas decisões organizacionais.
Estas ações deliberadas e aplicadas exigem estru-
turas descentralizadas, ágeis e flexíveis, com prin-
cípios e visões compartilhadas, para que assim os
objetivos propostos sejam alcançados.
É da qualidade do capital humano, da capa-
cidade de uma equipe em criar, inovar, acelerar, agir
primeiro e melhor, que surge a vantagem daquelas
que conseguem manter seu espaço e seus valores
em tempos de crise. À medida que as organizações
se esforçam para tentar realizar seus projetos cor-
porativos, produzem e transmitem valores que se
transformam em elementos expres sivos da cultura
organizacional. Conhecer esses valores significa ter
formas de acesso a aspectos subjetivos da vida or-
ganizacional, condicionadores da cultura.
Portanto, compreender o modo como os
valores atribuem significado para o êxito organi-
zacional tornou-se altamente relevante frente às
necessidades apresentadas pelo mundo contem-
porâneo (TAMAYO; GONDIM, 1996). Já que para
alcançar seus objetivos, as organizações precisam
se constituir de pessoas capazes de reconhecer
estes valores, cumprir a missão organizacional,
atingir sua visão e administrar seus recursos para
superar metas.
Os valores apresentam-se como direcio-
nadores nas decisões dos indivíduos, responsáveis
por definir o que é desejável entre todas as opções
disponíveis para determinado contexto. Eles for-
necem um senso de direção comum a todos os
empregados e um guia para o comportamento
humano diário (BILSKY; SCHWARTZ, 1994;
TAMAYO, 1998; SANTOS; ROSSO, 2004; TAMAYO;
PORTO, 2005; PEREIRA, 2006). Tornando-se um
poderoso instrumento para explicar o com porta-
mento das organizações e seus membros. Diante
desse cenário, observa-se que os valores são
partes constituintes fundamentais na composição
da cultura organizacional e são reconhecidos por
meio da percepção que os colaboradores têm de
uma organização no momento em que o assumem
como elementos representativos dela.
Com isso, este estudo justifica-se pelo fato
dos indivíduos constituírem o meio pelo qual se in-
troduz a inteligência nos negócios e a racionalidade
nas decisões. Os valores percebidos e internaliza-
dos pelos colaboradores de uma organização atri-
buem significado ao modo de agir das pessoas em
determinadas situações, tornando-se indispensável
para a obtenção de êxito organizacional.
À medida que as
organizações se esforçam
para tentar realizar seus
projetos corporativos,
produzem e transmitem
valores que se transformam
em elementos expres sivos da
cultura organizacional.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201465
Nesta perspectiva, este estudo tem como
objetivo analisar a percepção dos valores orga-
nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma
instituição de ensino superior (IES).
1 Referencial Teórico
1.1 Valores
Os valores são considerados um dos
elementos constitutivos da cultura organizacional,
que por sua vez, representa um conjunto de
símbolos, cerimônias e mitos que transmitem os
valores e crenças subjacentes da organização
a seus colaboradores (OUCHI, 1982). Com base
nestes pressupostos, Schein (1984) desenvolveu
um esquema que analisa a cultura organizacional
por meio de seus componentes, explicando que
cada cultura se apresenta em três níveis distintos:
os artefatos, os valores compartilhados e os
pressupostos básicos.
Os valores são componentes fundamentais
da cultura organizacional, exercendo sobre ela uma
função de integração organizacional. Segundo
Schein (1987), eles formam o núcleo da cultura
e são percebidos facilmente pelos membros da
organização, que os reconhecem e os assumem
como característicos dela. O conceito de valores
surge das reflexões sobre os significados que
os valores pessoais apresentam no sentido de
direcionar o comportamento dos indivíduos, o
âmbito organizacional e suas respectivas culturas, e
revelam que o ser humano não é indiferente diante
da realidade em que vive (SCHWARTZ; BILSKY,
1987). Eles ainda atribuem significado à cultura
existente em cada organização. São representações
das metas humanas que coordenam seu com-
portamento, além de direcionar a forma como as
pessoas se comunicam. Os valores pessoais são
representações cognitivas das necessidades dos
indivíduos, enquanto os valores organizacionais
representam as necessidades das organizações,
que orientam o funcionamento e a vida desta
(TAMAYO, 1998; PEREIRA, 2006; TEIXEIRA,
2008). Nesse sentido, os valores se tornam um
instrumento capaz de explicar o comportamento
das organizações e seus membros.
Como consequência, as organizações pro -
curam selecionar novos funcionários que apresen-
tam modelos mentais mais próximos a seus valo-
res, de modo a facilitar sua socialização (O’REILLY
et al., 1991). Modelos mentais diferentes provocam,
inevitavelmente, percepções diferentes da orga-
nização, do comportamento e da forma como as
tarefas profissionais devem ser executadas (ROS;
GOUVEA, 2006).
1.2 A Teoria de Valores de Schwartz
Na teoria de valores de Schwartz, os valores
pessoais encontram maior relação com os estudos
organizacionais, no sentido em que avança em
direção à hierarquia de valores (ROS; GOUVEA,
As organizações
procuram selecionar
novos funcionários que
apresentam modelos
mentais mais próximos
a seus valores, de
modo a facilitar sua
socialização.
66
2006) e busca identificar o significado do trabalho
na vida das pessoas, bem como o modo que este
significado influência a prioridade dos valores
culturais (SCHWARTZ, 1999).
Um sistema de valores pode ser percebido
por meio de uma estrutura bidimensional e bipolar,
contendo dez tipos motivacionais representados
por meio de uma apresentação gráfica circular
que demonstra as diferenças e semelhanças entre
os tipos motivacionais (SCHWARTZ, 1992). Ilustra-
-se esta estrutura por meio da FIG. 1.
FIGURA 1 – Valores Pessoais: modelo teórico das rela-ções entre os tipos motivacionais, tipos de valores de ordem superior e dimensões de valores bipolares
FONTE: Schwartz (1992, adaptado)
A estrutura de valores de Schwartz (1992)
apresenta quatro grandes ordens, formando duas
dimensões conceituais básicas: abertura à mu-
dança versus conservação e autopromoção versus
autotranscendência, que representam as relações
de conflito entre os tipos motivacionais específicos
de valores.
Segundo Teixeira (2008, p. 82):
O eixo da dimensão Abertura à Mudança versus Conser-
vação enfatiza o contraste entre a motivação para seguir
o interesse próprio em direções imprevistas e incertas,
com o desejo de manter o status quo e a segurança em
relacionamentos com o próximo, com as instituições e
as tradições. No outro eixo, a dimensão Autopromoção
versus Autotranscendência, mostra o conflito entre uma
orientação voltada para os interesses próprios em contraste
com uma orientação para considerar os interesses dos
outros, quer sejam indivíduos ou coletividades.
Schwartz (1999) propôs ainda uma teoria
composta por três dimensões bipolares: a natu-
reza das relações entre indivíduo e o grupo; o
comportamento responsável que vise preservar a
sociedade e a relação da humanidade ao mundo
natural e social. E, por sete tipos de valores pelos quais
as culturas possam ser comparadas: a harmonia, o
igualitarismo, a autonomia intelectual, a autonomia
efetiva, o domínio, hierarquia e o conservadorismo,
que definem a estrutura dos valores organizacionais
sob a ótica dos empregados.
Esse conjunto de postulados não implica
que os valores sejam os mesmos em todas as
organizações, mas sim, que eles se organizam
em torno dessas três dimensões (ROS; GOUVEA,
2006). A FIG. 2 apresenta a estrutura teórica dos
sete tipos de valores.
FIGURA 2 – Estrutura teórica dos tipos de valores
FONTE: Schwartz (1999, adaptado)
A primeira dimensão refere-se à definição da
natureza das relações entre o indivíduo e o grupo.
Aborda a polaridade entre o valor “conservadoris-
mo”, enfatiza aspectos culturais da manutenção da
posição social dentro da organização e a “autono-
mia” representada pelas culturas. Nestas, as pes-
soas são vistas como autônomas e encontram sen-
HarmoniaIgualitarismo
Domínio
Conservadorismo
Hierarquia
Ab
ert
ura
Co
nse
rvação
Universalism
o Ben
evolê
nci
a
Conform
idade
Tra
diç
ão
SegurançaPoder
Rea
lizaç
ão
Hedonismo
Estimulação
Autodeterminação
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tido em sua individualidade. Este valor subdivide-se
em “autonomia intelectual”, e se refere à indepen-
dência das ideias e “autonomia efetiva”, que busca
a independência individual e aspiração de experiên-
cias positivas (SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006).
Conforme Schwartz (1999) e Soares (2006),
garantir um comportamento responsável que
vise preservar a sociedade refere-se à segunda
dimensão, composta pelo valor “hierarquia”, que
trata da legitimação da distribuição desigual do
poder, regras e recursos e pelo valor “igualitarismo”,
que visa à transcendência dos interesses próprios
em prol do bem-estar dos outros.
A terceira dimensão representa a relação
entre a humanidade e o mundo natural e social e é
dividido pelo valor “domínio”, enfatizando valores
pessoais como ambição, sucesso e ousadia e o valor
“harmonia” que identifica o ajuste harmônico com
o meio ambiente, com destaque para a integração
com a natureza e proteção ao meio ambiente
(SCHWARTZ, 1999; SOARES, 2006).
A análise das três dimensões bipolares e
seus respectivos valores possibilita a cada empre-
gado identificar quais deles predominam em sua
organização, bem como, detectar diferenças entre
os valores internos e os de outras empresas
(TAMAYO et al., 2000).
Os valores adotados pelas organizações
para referenciar suas práticas refletem o que seu
corpo diretivo realmente acredita ser a realidade de
sua organização, ou o que eles gostariam que as
partes interessadas acreditassem ser a organização
(KABANOFF; DALY, 2002). Con side rando que as
prioridades dos valores cul turais são compartilha-
das, os gestores das instituições podem selecionar
comportamentos socialmente adequados e justifi-
car suas escolhas comportamentais aos demais.
Essas considerações permitem estudar os
valores organizacionais a partir da representação
mental dos empregados em relação ao sistema
axiológico da empresa. Ros e Gouvea (2006)
explicam que a verdadeira realidade organizacional
não é objetiva, mas representada e construída.
Cada ator organizacional assume um papel ativo na
construção dessa realidade por meio de diversos
esquemas interpretativos descritos na cultura de
uma organização.
Schwartz (1999) considera a dimensão cul-
tural de valores mais adequada, comparada à
dimensão individual, para o entendimento do sig-
nificado do trabalho, visto que a primeira, por ser
constituída pela sociedade ou grupo cultural, não
sofre o impacto das diferenças de prioridade de
valores pessoais (SOARES, 2006).
1.3 Abordagem Fundamentada em
Valores Pessoais
Os valores pessoais são considerados indi-
cadores das motivações das pessoas, em que as
prioridades axiológicas dos membros da orga-
ni zação podem determinar a quantidade de
esforço individualmente despendido para realizar
um determinado comportamento, bem como a
persistência em sua execução (OLIVEIRA; TAMAYO,
2004). Berger (2004) aponta que as regras de
comportamento estabelecidas por meio de acordos
entre as pessoas de um grupo, determinam as
situações sociais que produzem pressões com
a intenção de garantir que as pessoas deem as
respostas esperadas e adotadas pela sociedade.
A organização hierárquica dos valores indi-
ca o grau de preferência por determinados com-
portamentos, metas ou estratégias. Dessa forma,
as prioridades axiológicas distinguem uma organi-
zação da outra, conforme a escala de importância
dos valores, atribuída pelo corpo funcional de cada
organização (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
A função dos valores é auxiliar na construção
de modelos que servem de orientação para as ne-
cessidades humanas, abordadas tanto sob as formas
68
de expressar as necessidades humanas, tanto quan-
to um guia padrão de atividades no sentido de solu-
cionar conflitos e tomar decisões (SOARES, 2006).
Eles criam comportamentos e atitudes semelhantes
entre os empregados que, associados ao funciona-
mento e missão da organização, auxiliam na cons-
trução de uma identidade organizacional.
Os indivíduos transportam seus valores
pessoais para dentro das organizações assim que
são contratados e os valores organizacionais são
formados a partir de seus valores pessoais. Existe,
portanto, uma similaridade motivacional entre
os valores pessoais e os valores organizacionais.
A coexistência cotidiana entre eles no ambiente
organizacional constituiu um elemento suficiente
para justificar que Oliveira e Tamayo (2004) utili-
zassem o sistema motivacional de valores pessoais
proposto por Schwartz (1992) e assim, construir
e validar uma escala de medida de valores
organizacionais, o Inventário de Perfis de Valores
Organizacionais (IPVO), constituído pelos valores:
(i) realização: a valorização da competência pa-
ra o alcance do sucesso da organização e dos
empregados; (ii) conformidade: valorização do res-
peito às regras e modelos de comportamento no
ambiente de trabalho e no relacionamento com outras
organizações; (iii) domínio: valorização do poder,
tendo como meta a obtenção de status, controle
sobre pessoas, recursos e mercado; (iv) bem-estar:
valorização da satisfação dos empregados mediante
a qualidade de vida no trabalho; (v) tradição:
valorização dos costumes e práticas consagradas;
(vi) prestígio: valorização do prestígio organizacional
na sociedade, mediante a qualidade de produtos;
(vii) autonomia: valorização de desafios, a busca
de aperfeiçoamento constante, a curiosidade, a
variedade de experiências e a definição de objetivos
profissionais dos empre gados; (viii) preocupação
com a coletividade: valorização do relacionamento
com pessoas que estão próximas da comunidade.
Sob o ponto de vista conceitual, os valores
pessoais e os organizacionais apresentam compo-
nentes motivacionais, cognitivos, hierárquicos e
sociais semelhantes (OLIVEIRA; TAMAYO, 2004)
e guiam a vida das pessoas e das organizações,
cada qual sob seu respectivo valor.
2 Procedimentos Metodológicos
O principal objetivo deste estudo foi analisar
a percepção dos valores organizacionais sob a ótica
dos colaboradores em uma instituição de ensino
superior (IES). Para tanto, realizou-se a pesquisa
quantitativa, descritiva, transversal, por meio de
levantamento de dados primários, com a aplicação
de questionário. Richardson (1989) afirma que o
método quantitativo, como o próprio nome indica,
caracteriza-se pelo emprego da quantificação
tanto nas modalidades de coleta de informações,
quanto no tratamento dessas, por meio de técnicas
estatísticas, desde as mais simples, como percentual,
média, desvio-padrão, às mais complexas, como
análise discriminante, correlação canônica etc. Hair
Jr. et al. (2005) ex plicam que a pesquisa descritiva
têm seus planos estruturados e especificamente
criados para medir as características descritas em
uma questão de pesquisa.
Os indivíduos
transportam seus valores
pessoais para dentro das
organizações assim que
são contratados e os
valores organizacionais
são formados a
partir de seus valores
pessoais.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201469
A técnica utilizada foi survey, com escala lirket de seis pontos, que se baseia no questionamento aos
participantes com perguntas fechadas. O instrumento de pesquisa utilizado foi o questionário, já consolidado,
elaborado e praticado por Oliveira e Tamayo (2004) e Tamayo et al. (2000), que deram origem ao Inventário
de Perfis de Valores Organizacionais (IPVO).
Oliveira e Tamayo (2004) desenvolveram o IPVO em quatro etapas, que resultou em um dos questionários
utilizados por este estudo, contendo 48 itens em uma escala não numérica, distribuídos em oito fatores
(QUADRO 1).
QUADRO 1 – Fatores motivacionais do inventário de perfis de valores organizacionais
Fator/Valor Aspectos
1 Realização Competência e sucesso da organização e dos empregados.
2 Conformidade Respeito às regras e modelos de comportamento no ambiente.
3 Domínio Valorização do poder, status, controle sobre pessoas, recursos e mercado.
4 Bem-estar Satisfação dos empregados mediante a qualidade de vida no trabalho.
5 Tradição Valorização dos costumes e práticas consagradas.
6 Prestígio Valorização do prestígio organizacional.
7 Autonomia Desafios, aperfeiçoamento constante e curiosidade.
8 Preocupação com a coletividade Valorização do relacionamento com pessoas.
FONTE: Tamayo (2004)
O objeto para a aplicação desta pesquisa
foi uma IES escolhida por seu tempo de existência,
crescimento e representatividade na Região Norte
do Paraná. Suas atividades tiveram início em 2002,
com realização de cursos de Pós-Graduação Lato
Sensu inéditos na região. Em 2007 vieram os cur-
sos de graduação, e, em 2008, a consolidação do
grupo com a construção de seu campus institucio-
nal. Atualmente a IES funciona com os cursos de
Graduação em Administração e Direito, com apro-
ximadamente 1.000 discentes.
A amostra constitui-se de diretores, coorde-
nadores, professores e colaboradores da IES. Dos
70 colaboradores que compõem o quadro de fun-
cionários da organização, 62 responderam os ques-
tionários, perfazendo uma amostra consolidada de
respondentes de 88,60%, com erro amostral de 4%.
Em relação à análise dos dados, pode-se
afirmar que os recursos utilizados estão basea-
dos na estatística multivariada e sua apresenta-
ção foi disponibilizada em tabelas e textos des-
critivos. Apresentou-se uma tabela com o perfil
dos respondentes para melhor caracterização da
amostra estudada e analise das relações de pro-
porcionalidade entre grupos (tempo de trabalho,
cargos e gênero).
Dados descritivos foram apresentados das
percepções dos funcionários a respeito dos valo-
res organizacionais por meio das médias e des-
70
vios -padrões, indicando maior ou menor percep-
ção dos valores e a amplitude da divergência de
percepções entre os funcionários.
A fim de verificar diferenças de percepções
de valores, estabeleceram-se grupos de análises.
Desta forma, foram criados grupos em relação
ao perfil dos respondentes, tais como tempo de
trabalho (grupo 1: menos de 6 meses trabalho;
grupo 2: mais de 6 meses de trabalho), cargos
(grupo 1: acadêmicos; grupo 2: diretor, coordenador;
grupo 3: administrativo; grupo 4: outros) e gênero
(grupo 1: feminino; grupo 2: masculino).
Foram verificadas as diferenças de percep-
ções por teste de igualdade das médias, levando
em consideração o coeficiente Wilks’ Lambda (es-
tatística U) e o teste F-ANOVA. O coeficiente Wilks’
Lambda implica na análise univariados, neste caso
cada um dos valores organizacionais, indicando a
habilidade discriminante de cada um deles entre
grupos. O teste F-ANOVA auxilia no entendimento
e análise do coeficiente Wilks’ Lambda por apre-
sentar o nível de significância de cada variável, que
pode indicar diferenças relevantes entre grupos.
Os critérios da interpretação destes testes
indicam que quanto menor o coeficiente Wilks’
TABELA 1 – Perfil dos respondentes
CargosMenos de 6 meses Mais de 6 meses Total %
Fem Masc Fem Masc Fem Masc Total F M
Acadêmico 10 10 8 7 18 17 35 51 49
Administrativo 4 2 4 1 8 3 11 73 27
Diretor/
Coordenador1 1 3 2 4 3 7 57 43
Outros 4 1 2 2 6 3 9 67 33
Subtotal 19 14 17 12 36 26 62 58 42
Total 33 (53%) 29 (47%) 62 (100%)
FONTE: Os autores (2012)
Lambda e quanto menor o F-ANOVA (desejável
ser menor que 0,05), mais discriminante será a
variável (HAIR JR. et al., 2005).
Dentre as limitações da pesquisa, destaca-se
que foi aplicada em um grupo restrito de indivíduos,
não sendo assim passível de generalizações; e sua
aplicação se deu em uma única IES, impossibilitando
estender seus resultados para outras instituições.
3 Análise de Dados
Inicialmente, levantou-se a caracterização do
perfil dos respondentes na organização pesquisada.
No total foram 62 funcionários, envolvendo cargos
acadêmicos, administrativos, diretoria/coordenação
e outros. Verificou-se dentre os pesquisados que
58% são do gênero feminino e 42% do gênero
masculino. Embora haja diferença de 16% entre
o número de homens e mulheres, não se pode
evidenciar tal discrepância na função acadêmica
em que 51% são mulheres e 49% são homens.
Nos demais cargos há predominância feminina,
conforme TAB. 1.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201471
TABELA 2 - Média total da amostra por fator motivacional (IPVO) e dimensão de Schwartz
Fator motivacional (IPVO) Dimensão de Schwartz (1992) Média Desvio Padrão
Conformidade Conservação 3,93 1,22
Realização Autopromoção 3,78 1,40
Preocupação com a coletividade (sociedade) Autotranscendência 3,77 1,39
Prestígio Autopromoção 3,52 1,27
Autonomia Abertura 3,50 1,38
Domínio Autopromoção 3,35 1,36
Tradição Conservação 2,45 1,36
Bem-estar Abertura 2,08 1,57
FONTE: Os autores (2012)
análise das assertivas que compõem este fator, ob-
serva-se que a maior similaridade encontrada pela
amostra de funcionários pesquisada está na honesti-
dade das pessoas em dizer a verdade como parte do
princípio da organização e o valor empregado ao re-
lacionamento com seus stakeholders (SCHWARTZ,
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
O fator motivacional prestígio, com mé-
dia 3,52, aponta aspectos relativos à influência e
prestígio da organização que, por meio do aperfei-
çoamento constante, busca admiração, reconheci-
mento e respeito da sociedade pela qualidade de
seus produtos e serviços prestados (SCHWARTZ,
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004). O fator motiva-
cional autonomia tem como meta oferecer desa-
fios e variedade no trabalho, além de estimular a
criatividade e a inovação. Essa dimensão foi apre-
sentada com média 3,50, o que demonstra que os
funcionários percebem um grau de abertura para
Conforme TAB. 3, a conformidade é o fator
motivacional de maior importância para a amostra
de funcionários da IES, com a maior média 3,93.
Este fator motivacional descreve o modo pelo qual
os indivíduos agem, considerando as expectativas
sociais e tendo como meta promover o status
quo. Ele se traduz em cortesia e boas maneiras
no trabalho e respeito às normas da instituição.
(SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
Com média geral de 3,78, o fator motivacional
realização ficou com a segunda posição. Para este
fator, o principal destaque está na valorização profis-
sional dos funcionários que compõem a organização.
Nesta dimensão, eles acreditam que é importante
ser competente, demonstrando suas habilidades
e co nhecimentos (SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA;
TAMAYO, 2004). Próximo a este fator, ocupando a
terceira posição, tem-se o da preocupação com a
coletividade (sociedade) com média geral 3,77. Na
Destaca-se ainda que, no momento da pesquisa, grande número de funcionários (53%) ainda não havia
completado um semestre letivo de trabalho na instituição de ensino, sendo que 60% destes são professores
(acadêmicos). Desta forma, pode-se apresentar que a instituição de ensino pesquisada possui quadro de
funcionários que se divide homogeneamente em dois grupos: o primeiro com menos de 6 meses de trabalho
(grupo 1) e o outro com mais de 6 meses de trabalho (grupo 2).
Para alcançar o objetivo deste estudo, que é analisar a percepção dos valores organizacionais sob a
ótica dos colaboradores em uma IES, foram realizadas as médias dos respondentes, considerando a ferramenta
do IPVO de Oliveira e Tamayo (2004), apresentada na TAB. 2.
72
TABELA 3 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Tempo de trabalho
Fatores IPVO Wilks' Lambda F df1 df2 F-ANOVA
1 REALIZAÇÃO ,966 2,099 1 60 ,153
2 CONFORME ,997 ,153 1 60 ,697
3 DOMÍNIO ,986 ,872 1 60 ,354
4 BEM-ESTAR ,941 3,738 1 60 ,058
5 TRADIÇÃO ,997 ,161 1 60 ,690
6 PRESTÍGIO ,984 ,978 1 60 ,327
7 AUTONOMIA ,995 ,316 1 60 ,576
8 COLETIVIDADE ,979 1,315 1 60 ,256
FONTE: Dados da pesquisa (2012)
expor suas ideias e um incentivo quanto ao aper-
feiçoamento de suas competências (SCHWARTZ,
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
O fator motivacional domínio, com meta 3,35,
congrega itens relativos ao poder, cuja meta central
é a obtenção de status, controle sobre pessoas
e recursos, bem como à busca de uma posição
dominante no mercado (OLIVEIRA; TAMAYO,
2004). Ele também é associado à segurança dos
negócios e ao estímulo dos clientes na aquisição de
novos produtos ou serviços, atribuindo um aspecto
de preocupação com o domínio do mercado.
Tem como meta obter lucros, ser competitivo e
dominar o mercado, denotando importância para
o sucesso organizacional e satisfação dos clientes
(SCHWARTZ, 1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
Apresentado na forma de ritos, crenças e
normas de comportamento, o fator motivacional
tradição geralmente ressalta a hierarquia e a
aceitação de regras, que preservam práticas
tradicionais e protegem a estabilidade, sua média
geral ficou em 2,45. Essa nota pode ser atribuída
ao fato da instituição atuar há pouco no mercado.
Com isso, seus funcionários não vivenciaram
momentos críticos, de transição, de inovação,
de celebração, entre outros, que fizessem com
que internalizassem “o jeito de fazer as coisas”
da organização, explicando o porquê deste fator
motivacional ter ficado em penúltimo lugar (TIDD;
BESSANT; PAVITT, 1997, p. 100; SCHWARTZ, 1999;
ROHAN, 2000; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
E finalmente o fator motivacional bem-estar
que simboliza a compreensão, agradecimento, tole-
rância e proteção do bem-estar de todas as pessoas
e natureza. Seus valores são derivados das necessi-
dades de sobrevivência dos grupos e indivíduos. O
bem-estar tem como meta promover a satisfação e a
qualidade de vida no trabalho. A média de 2,08, pode
estar relacionada ao fato da organização não possuir
implementada práticas destinadas a satisfação pes-
soal de seus empregados, bem como projeto sociais
que contribuam para o seu bem-estar (SCHWARTZ,
1999; OLIVEIRA; TAMAYO, 2004).
Após essa primeira análise, buscou-se verificar
se a percepção dos valores organizacionais, medida
pelo inventário de Perfil dos Valores Organizacionais
(IPVO), possui comportamento heterogêneo entre
os grupos devido a diferença de tempo de trabalho
entre eles (grupo 1 < 6 meses e grupo 2 > que 6
meses). Para esta constatação, utilizou-se testes
de igualdades das médias dos grupos, conforme a
TAB. 3, os quais examinam a existência de diferenças
de percepções entre grupos e verifica se estas
diferenças são relevantes ao ponto de discriminá-los.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201473
TABELA 4 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Cargos
Fatores IPVO Wilks' Lambda F df1 df2 F-ANOVA
1 REALIZAÇÃO ,986 ,280 3 58 ,840
2 CONFORME ,957 ,873 3 58 ,460
3 DOMÍNIO ,932 1,403 3 58 ,251
4 BEM-ESTAR ,895 2,261 3 58 ,091
5 TRADIÇÃO ,989 ,216 3 58 ,885
6 PRESTÍGIO ,957 ,868 3 58 ,463
7 AUTONOMIA ,955 ,913 3 58 ,441
8 COLETIVIDADE ,975 ,505 3 58 ,680
FONTE: Dados da pesquisa (2012)
De forma semelhante à análise realizada com
o tempo de trabalho, o cargo ocupado também
apresenta altas estatísticas para Wilks’Lambda e al-
tos valores de significância no teste F-ANOVA. Para
esta unidade de análise, a variável bem-estar tam-
bém apresentou as menores estatísticas, mas não
o suficiente para exercer função discriminante. Em
suma, os testes comprovam a igualdade das médi-
as dos grupos que, em termos práticos, refere-se à
ausência de diferenças significantes de percepções
Os resultados apontaram por meio do Wilks’Lambda (estatística U) que as variáveis em estudo, carac-
terizadas pelas altas estatísticas (todas próximas a 1), possuem baixo ou nenhum valor discriminatório para
os grupos de funcionários, indicando que as variáveis possuem semelhanças de médias entre os grupos.
Para esta análise, estatísticas próximas a zero são desejadas para inferir poder discriminatório às variáveis.
Buscando auxiliar a interpretação e avaliação da estatística U, realizou-se o teste F-ANOVA, apresentando
o nível de significância de cada variável, em que valores menores que 0,05 indicam diferenças significantes entre
as médias dos grupos (MARIO, 2009). Sendo assim, constata-se que o teste F-ANOVA confirma os resultados
da estatística U, uma vez que as variáveis em estudo possuem níveis de significância maiores que 0,05, e, por sua
vez, aponta para a homogeneidade entre as médias dos grupos. Nesta análise, verifica-se que, embora a variável
bem-estar possua o menor nível de significância e a menor estatística U (0,941) dentre as variáveis analisadas,
evidencia-se que seus valores ainda são altos perante os valores desejados. Portanto, as percepções de valores,
operacionalizadas pelas variáveis do IPVO não apresentam diferenças significantes que possam identificar os
funcionários por tempo de trabalho.
Nessa mesma lógica de análise, verificou-se também se o cargo ocupado pelo funcionário pode influen-
ciar na percepção dos valores organizacionais. Cada cargo foi considerado um grupo e esses foram codificados
por: Acadêmicos (grupo 1), Diretor/Coordenador (grupo 2), administrativo (grupo 3) e outros (grupo 4). Assim,
fez-se uso, de acordo com a análise anterior, da estatística U e do teste F-ANOVA, demonstrados na TAB. 4.
de valores organizacionais que possa caracterizar
os diferentes cargos ocupados pelos funcionários.
A última análise refere-se ao gênero dos
funcionários. As variáveis do IPVO foram ana-
lisadas a fim de identificar maiores ou menores
percepções de valores organizacionais entre o
gênero feminino (grupo1) e o gênero masculino
(grupo 2). Os testes das igualdades dos grupos
são apresentados na TAB. 5.
74
TABELA 6 – Matriz de correlação entre as variáveis do IPVO
Realiz
ação
Co
nfo
rme
Do
mín
io
Be
m-e
star
Tra
diç
ão
Pre
stíg
io
Au
ton
om
iaREALIZAÇÃO -
CONFORME ,669**
DOMÍNIO ,141 ,329**
BEM-ESTAR ,608** ,350** ,052
TRADIÇÃO ,358** ,446** ,161 ,493**
PRESTÍGIO ,710** ,664** ,224 ,437** ,490**
AUTONOMIA ,839** ,701** ,270* ,617** ,372** ,719**
COLETIVIDADE ,855** ,689** ,107 ,659** ,383** ,693** ,815**
FONTE: Os autores (2012)* Correlação é significante ao nível de 0,01.** Correlação é significante ao nível de 0,05.
TABELA 5 – Testes de igualdades das médias dos grupos – Gênero
Fatores IPVO Wilks' Lambda F df1 df2 F-ANOVA
1 REALIZAÇÃO ,900 6,677 1 60 ,012
2 CONFORME ,993 ,426 1 60 ,516
3 DOMÍNIO ,941 3,772 1 60 ,057
4 BEM-ESTAR ,894 7,090 1 60 ,010
5 TRADIÇÃO ,999 ,047 1 60 ,829
6 PRESTÍGIO ,936 4,078 1 60 ,048
7 AUTONOMIA ,924 4,914 1 60 ,030
8 COLETIVIDADE ,891 7,369 1 60 ,009
FONTE: Os autores (2012)
Diferente das análises anteriores, o teste
de igualdade das médias dos grupos possibilitou
identificar variáveis que podem ter poder discri-
minante entre os gêneros. Verifica-se que todas as
variáveis possuem estatística U com valores eleva-
dos e algumas com níveis de significância satisfa-
tórios (bem-estar, prestígio, autonomia e coletivi-
dade), sendo assim, fazem-se necessárias análises
complementares para que se possa identificar va-
riáveis que tenham igualdade de médias refutadas
entre os grupos.
Para complementar o processo de análise,
apresentou-se uma matriz de correlação com as va-
riáveis do IPVO, a fim de verificar possíveis casos de
multicolinearidade e identificar variáveis que, mesmo
com bons níveis de significância, podem comprome-
ter o método stepwise, e assim, deixar de compor a
função discriminante. Destacado na TAB. 6.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201475
Com base na matriz demonstrada na TAB. 6, percebe-se que sete das oito variáveis em estudo possuem
correlações significantes ao nível de 0,05, e que apenas a variável domínio possui comportamento diferenciado das
demais por apresentar correlações não significantes ao nível de 0,01 e 0,05. Desta forma, foi realizado o teste final
para verificação da quebra ou não da premissa da igualdade das médias dos grupos por meio do teste Box’s M.
TABELA 7 – Teste Box’s M
Box's M 4,223
F
Approx. 1,355
df1 3
df2 244605,745
Sig. ,255
FONTE: Os autores (2012)
Nesse teste (TAB. 7), pode-se constatar que as médias dos grupos das variáveis em estudo quebram a
premissa da igualdade de médias entre grupos por apresentar nível de significância de 0,255, ou seja, maior
do que o valor desejado de 0,05. Isso significa que existem variáveis com poder discriminante, uma vez que as
médias entre grupos (feminino e masculino) são diferentes. Sendo assim, por meio dos coeficientes da função
discriminante canônica, identificaram-se as variáveis que representam a desigualdade das médias dos grupos e
que representam diferenças de percepção de valores organizacionais entre os gêneros.
TABELA 8 – Função discriminante canônica e função discriminante linear de Fisher
Função Gênero
1 Feminino Masculino Tolerância
COLETIVIDADE ,764 2,664 3,398 ,958
DOMÍNIO -,738 4,525 3,817 ,958
(Constant) -,378 -17,209 -17,646
FONTE: Os autores (2012)
A leitura da equação canônica, dada pela
Função 1 na TAB. 8, indica que as variáveis coletivi-
dade e domínio compõem a função discriminante,
carac terizadas por altos pesos com sinais invertidos,
dada a ausência de multicolinearidade entre elas.
A ausência da multicolinearidade afeta também o
poder de explicação das variáveis, já que ambas
não oferecem explicações redundantes quanto às
diferenças de percepções entre gêneros (0,958
constante na coluna Tolerância).
As análises do coeficiente de Fisher (colunas
Gênero) sugerem que as mulheres têm maior per-
cepção no fator motivacional domínio, que pos-
suem prevalência no eixo autopromoção (FIG. 1),
indicando uma orientação voltada para valoriza-
ção do poder, com tendência sobre a competi-
tividade da organização e domínio de mercado.
Os homens se destacam no fator motivacional
coletividade (sociedade), enquadrando-se no eixo
autotranscendência (FIG. 1), com preocupações
76
De acordo com a TAB. 9, as variáveis coletividade e domínio possuem poder discriminante para o
gênero feminino em torno de 66,7%, enquanto para o gênero masculino 73,1%. De uma forma geral, pode-se
afirmar que a validade discriminante das variáveis em epígrafe é de 69,9%.
voltadas ao relacionamento com seus stakeholders. Com isso, são mais perceptivos aos tratamentos iguali-
tários, justos e honestos, atentos à satisfação dos seus pares.
Para finalizar, buscou-se compreender a eficiência da discriminação entre homens e mulheres baseada na
análise da coletividade e domínio. Para isso, a Função 1 foi executada e seus resultados são apresentados na TAB. 9.
TABELA 9 – Classificação de gêneros
GêneroPredições
TotalFeminino Masculino
ContagemFeminino 24 12 36
Masculino 7 19 26
%Feminino 66,7 33,3 100,0
Masculino 26,9 73,1 100,0
FONTE: Os autores (2012)
Considerações Finais
As empresas buscam competitividade no
mercado, desenvolvendo estratégias que as possi-
bilitem alcançarem seus objetivos. Porém, as metas
organizacionais devem estar alinhadas aos seus va-
lores, visto que os resultados obtidos terão grande
influência daqueles que executam as tarefas cotidi-
anas. Os valores organizacionais atuam como guias,
orientando o comportamento de pessoas e orga-
nizações. Efetivamente, eles norteiam as ações de
cada indivíduo que integra uma instituição e, portan-
to, fazem parte do núcleo da cultura organizacional.
Identificar quais valores organizacionais
norteiam as decisões dos funcionários de uma or-
ganização, pode ajudá-la a entender sua posição
no mercado. Nesse sentido, este estudo teve por
objetivo analisar a percepção dos valores orga-
nizacionais sob a ótica dos colaboradores em uma
instituição de ensino superior.
Como resultado, foi possível identificar que
o valor organizacional conformidade foi consi-
derado o mais importante pelos funcionários da
IES, indicando respeito pelas regras e normas da
instituição e manutenção do status quo. Em seguida,
o valor realização, representando a percepção
dos funcionários quanto à valorização de suas
competências, habilidades e conhecimentos por
parte da empresa. Em terceiro lugar, destaca-se o
valor coletividade, demonstrando a preocupação
dos funcionários com o relacionamento de seus
stakeholders. O valor prestígio segue em quarto
lugar, e representa a importância da empresa pelo
reconhecimento e respeito da sociedade pela
qualidade de seus serviços. No quinto lugar está o
valor autonomia, sugerindo abertura dos funcionários
em expor suas ideias e identificando a capacidade
da IES em promover um ambiente desafiador para
se trabalhar. Em sexto lugar, encontra-se o valor
domínio, mostrando que a liderança do mercado
não é percebida como primordial. O penúltimo lugar
é representado pelo valor tradição, com pouca
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 62 - 79, jan./jun. 201477
representatividade devido aos poucos anos de
existência da organização, evidenciando uma cultura
em formação. E por último, o valor bem-estar, com
a menor média, comprovando não ser percebido
pelos funcionários da IES questões relacionadas à
qualidade de vida e projetos sociais.
Os resultados demonstram que os valores
organizacionais da instituição pesquisada são
condizentes com o seu porte e tempo de existência.
Uma vez que a pouca idade da instituição não
lhe permite, ainda, possuir valores relacionados à
tradição, característica esta que leva tempo para
ser desenvolvida e internalizada pelos funcionários.
Dominação, atributo este que inicialmente precisa
passar pela estabilização no mercado em que
atuam. E por fim, o valor bem-estar que foi o último
na relação de importância, pois está relacionado
com a maturidade e o planejamento da instituição
em atender esta que é uma demanda cada vez mais
requerida pelos funcionários.
Além da classificação dos valores, foi realizada
análise discriminante múltipla com o objetivo de
determinar a existência ou não de diferenças entre
grupos no que se refere a percepção dos valores
organizacionais. Para os grupos “tempo de trabalho”
e “cargos” não houve diferenças entre os valores
organizacionais. No entanto, entre o grupo “gênero”
ocorreu diferença entre os fatores motivacionais,
coletividade e domínio, evidenciando que mulheres
tendem para o valor domínio, indicando uma busca
por prestígio, associado à sua posição na empresa e
propensão a controlar os diversos recursos existentes
na organização. Enquanto o homem enfatiza o
valor coletividade, sugerindo maior atenção no
relacionamento com seus stakeholders. Neste caso,
a preocupação é com o tratamento e treinamento
oferecido aos funcionários, e a boa convivência com
os clientes e os fornecedores.
Este é um achado interessante, uma vez
que de forma polarizada, o que se tem é o homem
desempenhando o papel de “dominador” e a mulher
atuando como “dominada”, o que demonstra que as
relações de poder entre homens e mulheres, altera-
se também a configuração das relações sociais
entre esses sujeitos no âmbito organizacional
(CAPPELLE, et al. 2004) Os resultados evidenciam
que este ambiente está em permanente modificação
nos hábitos e condições de vida, permeadas por
inovações tecnológicas e pelo desenvolvimento
sociocultural. E, por mais que se busque a igualdade
entre gêneros, é preciso considerar as diferenças
existentes e utilizá-las a favor da empresa, na busca
de melhores resultados.
O tema deste estudo é amplo e relevante
para o entendimento do cotidiano organizacional,
cabe indagar se novas pesquisas poderiam
proporcionar resultados parecidos, bem como se
seria interessante a realização de novos estudos
aplicados em outras instituições privadas, públicas,
ou ainda, relacionando valores organizacionais
entre instituições públicas e privadas.
Adotando as considerações de Tamayo (1998),
em que os valores organizacionais correspondem
aos valores percebidos como característicos de
uma organização e que são importantes na própria
construção da identidade de uma organização,
cabe questionar se a forma como as organizações
são reconhecidas no mercado podem ter relação
com os valores percebidos e praticados por seus
colaboradores.
De qualquer modo, este trabalho representa
um passo no sentido de mensurar a percepção dos
colaboradores em identificar os valores organizacio-
nais compartilhados pela instituição pesquisada. As-
sim, entende-se que as organizações precisam em-
preender os maiores e melhores esforços no sentido
de identificar quais valores representam o comporta-
mento de seus colaboradores e, consequentemente,
verificar de que maneira esses valores contribuem
para o êxito organizacional.
78
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As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economiaThe contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 201481
Eduardo H. Martins L. Scoville1
Gilson Batista de Oliveira2
Resumo
O objetivo desse artigo é apresentar a contribuição de John Stuart Mill para a
evolução do pensamento econômico. Alguns aspectos teóricos levantados por
ele são incoerentes e contraditórios e outros extremamente intrigantes dentro
do debate econômico. Sobre Mill, pode-se dizer que poucos economistas
tiveram uma obra tão vasta e aberta para discussões realmente relevantes
para o progresso da Economia Política.
Palavras-chave: Economia política. Utilitarismo. Estado Estacionário.
Abstract
The aim of this paper is to present the contribution of John Stuart Mill to the
evolution of economic approach. Some theoretical issues raised by him are
inconsistent and contradictory and the extremely intriguing in the economic
debate. About Mill, one can say that few economists had a work so vast and
truly open for discussions relevant to the advancement of political economy.
Keywords: Political economy. Utilitarianism. Steady State.
1 Doutor em História pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor da FAE Centro Universitário/Curitiba-PR. E-mail: [email protected].
2 Doutor em Desenvolvimento Econômico pela Universidade Federal do Paraná – UFPR. Professor da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA).
E-mail: [email protected].
As contribuições e o pensamento de John Stuart Mill no campo da economiaThe contributions of the John Stuart Mill’s thoughts about economy
82
Introdução
Presentemente, é percebido pela maioria
dos pesquisadores do pensamento econômico,
que a maioria das formulações teóricas que
aparecem em “Uma investigação sobre as causas
da riqueza das nações” (1776), do célebre filósofo e
economista escocês, Adam Smith (1723-1790), não
são inteiramente originárias do autor. Adam Smith
abordou questões como a Teoria do Valor-Trabalho,
que já aparecera nos escritos de William Petty (1623-
-1687), ou do liberalismo econômico, das obras de
seu grande mestre, David Hume (1711-1776), de forma
elegante, vigorosa e essencialmente acadêmica, por
meio de uma combinação dos métodos dedutivos
e históricos indutivos. Smith organizou um ideário
previamente elaborado, averiguou as fontes do
crescimento econômico e ofereceu notáveis consi-
derações pessoais. Mesmo assim, a sua obra mais
conhecida não perdeu em qualidade, tornando-se
um paradigma teórico no final do século XVIII e a
pedra angular da Economia Política.
“Princípios de economia política” (1848),
de John Stuart Mill (1806-1873), também não foi
marcado pela integral originalidade das ideias
expostas. Todavia, a obra apresenta o principal do
corolário teórico da Economia Política Clássica, com
um importante pormenor: o autor não se limitou a
reproduzir os pressupostos clássicos. Mill, de forma
airosa e clara, expôs as principais ideias de Jean
Baptiste Say (1767-1832) e David Ricardo (1772-
1823), revitalizando-as, completando-as, mas não
as vulgarizando de forma doutrinária. Apresentou
considerações que, em muitos casos, acabavam por
destoar de muitas das premissas básicas, como nos
casos da Teoria do Valor-Utilidade, da distribuição
da riqueza e do intervencionismo do Estado.
O ecletismo intelectual de Mill, um ponto
coincidente com Smith, vindo da educação que seu
pai (o renomado economista James Mill, 1773-1836)
impôs desde os 5 anos de idade, contribuiu para
que a sua obra não se encerrasse em uma postura
totalmente rígida em relação aos economistas
clássicos e tampouco à Economia Política. Aos 12
anos, Mill já possuía um grande conhecimento em
história, lógica, filosofia clássica, poesia, álgebra
e geometria, além do total domínio do latim e do
grego. A tutela de David Ricardo e as lições diárias
de seu pai, que enfatizavam o pensamento de
seu tutor, de T. R. Malthus (1766-1834) e Jeremy
Bentham (1748-1832) despertaram o interesse pela
economia e, principalmente, pelo utilitarismo do
último autor. O aprendiz, diariamente, apresentava
resumos que, mais tarde, serviram de base para a
obra de seu pai, “Elementos de economia política”
(1821), apesar dele não fazer menção à contribuição
do filho.
Até os 20 anos, Mill estava totalmente
imerso na Economia Clássica e no utilitarismo
Bentham3 Depois de uma grave depressão, revê
suas considerações e crenças, e neste período
as mais variadas áreas da atividade intelectual,
como a poesia romântica de William Wordsworth,
alteraram muitas das suas antigas convicções.
O romancista Charles Dickens (1812-1870), um
dos melhores relatores dos efeitos da Revolução
Industrial sobre a população pobre inglesa,
descritos em obras como “Oliver Twist” (1837),
“Christmas Carol” (1843) e “Hard Times” (1854), e
o cartista inglês Thomas Carlyle (1795-1881), que
chamou a Economia Política de ciência lúgubre,
contribuíram também nas novas concepções de
Mill. Questões como o sufrágio universal, reformas
econômicas, o governo representativo, o voto
feminino, abolicionismo, dentre outros, passam
a permear as suas preocupações cotidianas. No
entanto, seria a jovem Harriet Taylor (1808-1858),
quem Mill desposaria em 1853, a maior influência.
Segundo Mill (1986, p. 8), em sua autobiografia,
3 A convicção de Mill no utilitarismo de Bentham e na Teoria da População de Malthus era visível. Aos 17 anos, plenamente absorvido pela Teoria da População de Malthus, Mill foi preso por distribuir panfletos defendendo o controle da natalidade e da contracepção.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 201483
publicada em 1873, Harriet Taylor “foi a autora do
que há de melhor em minha obra”.
Após 5 anos da publicação de “Sistema de
lógica” (1843), trabalho influenciado pelo positivismo
de Auguste Comte (1798-1857), Mill publica a sua
contribuição máxima para a Economia, “Princípios
de economia política”. Tal obra teria uma grande
influência e se tornaria o livro-texto da cadeira de
Economia Política da maioria das universidades
inglesas na segunda metade do século XIX. Uma
geração de economistas ingleses, notadamente
Alfred Marshall (1842-1924), foram extremamente
influenciados pelas ideias contidas no livro. O
historiador do pensamento econômico, HUNT (1981,
p. 202), chegou a afirmar corretamente que Mill foi
o precursor da escola neoclássica de Marshall.
Sendo apontado por muitos como o filó-
sofo do liberalismo clássico e do utilitarismo, a
obra “Princípios de economia política” confirma
tal posição, Mill, por outro lado, se inclinava nas
ponderações de reformadores sociais como Henri
Saint-Simon (1760-1825) e C. L. S. Sismondi (1773-
1842), verificando as dificuldades no processo de
distribuição da riqueza e o emprego do utilitarismo
como meio para fins estreitos, por exemplo.
Não considerava que o estado mínimo, a livre
concorrência na iniciativa privada e a propriedade
privada representassem o estágio mais evoluído da
economia. Acreditava que o sistema cooperativo
de produção seria o último estágio, se aproximando
muito do socialismo utópico. Estas questões foram
abordadas mais claramente em seus escritos de
ciência política tais como “O utilitarismo” (1863),
“Sobre a liberdade” (1859), “Considerações sobre
o governo representativo” (1860).
Tal posicionamento fez com que Karl Marx
(1818-1883), em suas obras “Contribuição pa ra
a crítica da economia política” (1859) e “O capi-
tal” (1867), levasse a sério Mill como oponente
intelectual. Mesmo assim, o filósofo/economista/
sociólogo alemão desferiu uma severa crítica a
obra “Princípios...”, acerca da separação da pro-
dução e a distribuição, pois as duas estavam in ti-
mamente ligadas.
John Stuart Mill permanece como uma
figura ímpar na Economia Política. A sua obra
econômica vem à luz quando a Economia Clássica
(basicamente as ideias de David Ricardo) estavam
sendo postas à prova. A materialização de algumas
ideias de Ricardo, tais como o lastro da libra com
o ouro, que levou a uma crise sem precedentes na
Inglaterra em meados do século XIX, por exemplo,
atirou os esquemas e os modelos interpretativos
clássicos em uma vala de dúvidas e suspeitas. Mill,
e possuía uma enorme capacidade, para tanto,
buscou recuperar as premissas dos seus mestres,
mesmo que mais tarde chegasse a conclusões por
vezes díspares deles.
Mill apresentou influentes teorias como a
do valor, da distribuição, dos salários e do inter-
vencionismo do Estado. O propósito da pre sente
pesquisa é apresentar alguns aspectos de seus
pensamentos na área econômica. Alguns são
incoerentes e contraditórios e outros extremamente
intrigantes dentro do debate econômico. Poucos
economistas – e o fato de também ser um filósofo
é cabal para tal constatação – tiveram uma obra
tão vasta e aberta para discussões realmente
relevantes para o progresso da Economia Política.
1 A Questão do Valor: um Utilitarismo Revisto
Um discípulo de Bentham e Ricardo. Assim
Mill se definia. Porém, o autor se afastou tanto de
alguns pressupostos básicos apontados pelos seus
mestres que acabou moldando uma concepção
de valor que não recaia nem no utilitarismo de
certa forma puro e tampouco na Teoria do Valor-
-Trabalho.
84
O filósofo inglês Jeremy Bentham, no final do
século XVIII, apresentou premissas que embasavam o
pensamento utilitarista. Primeiramente, afirmou que
todos os motivos humanos podem ser reduzidos à
busca incessante do prazer e de evitar a dor, baseada
única e exclusivamente no interesse próprio. Assim,
para Bentham, os dois princípios soberanos que a
natureza depositou e que governam a humanidade
eram a dor e o prazer. Destarte, estes princípios
determinarão a utilidade, que pode ser quantificada,
tornando-se também a medida invariável do valor
de troca de qualquer objeto. Portanto, a utilidade é
a propriedade de um determinado bem de produzir
algum benefício ou evitar danos (HUNT, 1981, p. 147).
Desta maneira, Bentham aponta para a
utilidade como medida invariável e quantificável,
apesar de utilizá-la basicamente na ética e moral.
O autor refutou a quantidade de trabalho como
medida de valor, ao contrário das proposições de
Adam Smith, e criticou o exemplo da água e do
diamante4. O trabalho é realizado somente se há
a promessa de produzir prazer ou de evitar a dor,
e normalmente é considerado penoso, gerando
aversão nos indivíduos. Portanto, as pessoas não
o concebem como uma medida que determina o
valor de bens ou ações (BENTHAM, 1984).
Todo indivíduo é único e possui o livre
arbítrio de seus próprios prazeres e dores,
pressupôs Jeremy Bentham. Por isso é inconcebível
a comparação de prazeres entre os indivíduos. Tal
pressuposto pode ser interpretado da seguinte
forma: se a quantidade de satisfação for a mesma,
limpar uma janela seria igualmente prazeroso do
que pintar quadros (HUNT, 1981, p. 203).
Ao adotar parcialmente as suposições de
Bentham e verificar certas incoerências, Mill aporta
em um utilitarismo diferente do daquele que sempre
professou, como o seu mestre. Inicialmente, aceita
que a riqueza provém da utilidade gerada pelo
trabalho. Porém, afirma que o motivo maximizador
da utilidade e a atuação unicamente em interesse
próprio seriam visíveis somente em indivíduos
cuja personalidade fosse modelada dentro de uma
lógica de mercado puramente concorrencial –
capitalista, ou seja, o interesse próprio não é o único
elemento que condiciona as motivações humanas
(HUNT, 1981, p. 204). A redução das motivações
humanas a interesses próprios que sempre buscam
a maximização da utilidade servem unicamente
como artifício para a análise da Economia Política.
Ao construir o conceito de homem econô-
mico, Mill apresenta um elemento fundamental
para a construção dos modelos econômicos. A
Economia Política deveria, segundo o autor, se
voltar para as atividades puramente econômicas,
tornando alheia qualquer conduta que não seja
voltada para a acumulação material5. Isto é, deve-se
isolar os comportamentos puramente pecuniários,
orientados para a obtenção de riquezas, e dar
como certa a aversão ao trabalho. Assim, o homem
econômico é um ser fictício, pois são abstraídos dele
todas as paixões e motivos humanos que não sejam
a procura incessante pela renda monetária e pela
reprodução de sua própria espécie6. A humanidade
não se comporta necessariamente assim, mas
tal padronização de comportamento facilita a
construção de modelos econômicos capazes de
apresentar previsões de curto e longo prazo.
4 Bentham critica o exemplo do diamante e da água de Adam Smith, pois o filósofo escocês determina uma relação inversa entre valor de uso e valor de troca. Maiores informações ver: Bentham (1984) e Smith (1986).
5 Neste ponto, deve-se ressaltar que Mill parte das concepções de David Ricardo sobre a análise da Economia Política. Ricardo verifica que a análise da economia deveria recair na estrutura e não no indivíduo, pois a primeira condiciona o segundo. Ao construir um comportamento padrão para trabalhadores, capitalistas e proprietários de terras, Ricardo acaba por moldar um modelo explicativo utilizando as ações puramente econômicas. Este modelo abstrato buscava cunhar previsões e não tendências históricas inalteráveis. Tal modelo influenciou muito Mill, que tentou salvá-lo após as inúmeras críticas feitas as previsões de Ricardo. Maiores detalhes ver Ricardo (1982) e Meek (1971, p. 99).
6 Esta última consideração provém da aceitação de Mill à Teoria da População de Malthus, que buscou averiguar as causas e os efeitos do crescimento demográfico desordenado. Para Malthus, a população crescia em progressão geométrica devido à ânsia de reprodução das camadas menos favorecidas, que são desprovidas do que o autor denominou de contenção moral. Maiores detalhes ver Malthus (1996).
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Como visto anteriormente, Bentham não
comparava negativamente prazeres qualita tiva-
mente diferentes. Contudo, Mill discorda des-
ta suposição e destaca a valoração moral de
prazeres. Alguns prazeres são muito mais dese-
já veis e valiosos que outros, pois envolvem
julgamentos morais. Ou seja, limpar uma janela
possui um princípio moral menos elevado do que
pintar quadros. Portanto, pintar quadros é muito
mais desejado do que o de limpar uma janela,
independentemente da quantidade de prazer
envolvida. Segundo o historiador do pensamento
econômico Hunt (1981), tal posicionamento de
Mill o afasta dos princípios básicos do utilitarismo,
apesar de se declarar um utilitarista.
O prazer, segundo este enfoque, não é o normativo
final. Mill não tinha dúvida alguma de que era melhor ser
um Sócrates insatisfeito do que um tolo satisfeito. Isto
destrói por completo a base sobre a qual os economistas
utilitaristas construíram as suas economias normativas
e procuraram mostrar a vantagem universal da troca.
[...] e apesar do fato de que o utilitarismo influenciou
significativamente suas ideias, ele não era, com certeza,
um utilitarista convicto (HUNT, 1981, p. 204).
Mill também se afasta de seu outro mestre,
David Ricardo, no tocante da determinação do
valor. David Ricardo pressupunha que todo bem
possui uma utilidade, ou seja, um valor de uso.
Porém, a utilidade é um elemento condicionante
para o bem ser produzido. Assim, David Ricardo
proferiu que havendo utilidade, todo bem terá
seu valor de troca determinado pela escassez ou
pela quantidade de trabalho incorporado. Mas
Ricardo não se preocupou com bens escassos,
que ele exemplificou em vinhos e quadros raros,
por exemplo, pois estes não são reproduzíveis e
seus valores de troca são altos devido à dificul-
dade em adquiri-los. Além disso, não afetam o
processo de distribuição dos fatores de produção
e não contribuem para acumulação de capital,
que é essencial para o bem-estar do país. Bens
reproduzíveis e, industrializados são fruto do
trabalho humano, e estes são os que realmente
importam para o crescimento da economia nacional.
Portanto, o valor de troca é determinado pela
quantidade de trabalho humano, tanto o aplicado
diretamente na confecção de uma mercadoria
como também o depositado nas máquinas e equi-
pamentos (RICARDO, 1982, p. 43-63).
Ao verificar mercadorias com a mesma
quantidade de trabalho humano, mas com preços
diferentes, Ricardo, ao contrário de Smith, que
conseguiu somente visualizar a Teoria do Valor-
-Trabalho nas sociedades primitivas, constatou
que a medida trabalho não variava, mas sim os
preços, compostos por salários e lucros. O que
alterava a medida preço eram os lucros, que eram
afetados pela quantidade, qualidade e durabilidade
do capital fixo (máquinas, instalações e outros)
(RICARDO, 1982, p. 43-63).
Mill inicialmente afiança que o valor de uma
mercadoria depende da quantidade de trabalho
necessário para a sua produção. Assegura também
que os instrumentos de produção foram produzidos
pelo trabalho e pelo capital, que podem ser medidos
por trabalho. Porém, logo adverte que o trabalho é
o mais importante elemento na determinação do
valor, mas não é o único (MILL, 1983, p. 50-59).
A quantidade de trabalho determinaria o valor
de um bem se as proporções de capital e trabalho
fossem idênticas em todas as indústrias. Neste
caso, os custos de produção de uma mercadoria
(somatório do preço do capital, do trabalho e da
terra) seriam equivalentes ao trabalho incorporado
em todos os elementos necessários à produção
(máquinas, prédios etc), porém, isso não acontecia
em todas as indústrias (MILL, 1983, p. 50-59).
Nesse ponto, há uma discordância com
Ricardo, e Mill acaba determinando que o trabalho
não estava por trás do valor de troca. O valor não
é nada mais que o valor de troca ou preço relativo
e que era inútil tentar verificar o trabalho como
medida invariável (MILL, 1983b, p. 4). Além disso,
86
o processo de ajustamento do mercado causava
variações tanto na renda quanto no preço relativo.
O trabalho é o agente da produção de
utilidades. A utilidade expressa a aptidão de alguma
coisa em satisfazer as necessidades. Alguma coisa
somente terá valor se for útil. Portanto, a utilidade
determinará o preço máximo que o indivíduo
estará disposto a pagar (MILL, 1983b, p. 9-10).
Quanto à questão do custo de produção,
ele reaparece conjugado com a utilidade. No livro
Princípios..., o autor busca desvendar os elementos
determinantes do valor de troca. Neste trabalho,
Mill apresenta a relação entre a oferta e a demanda
com o valor e conclui: O valor de troca dependerá
da utilidade e da dificuldade de aquisição de um
determinado bem.
Para que uma coisa tenha algum valor de troca, são
necessárias duas condições. A coisa deve ter alguma
utilidade, isto é (como já explicamos), deve servir para
alguma finalidade, atender algum desejo. Ninguém
pagará um preço, ou se desfará de alguma coisa que
serve a algum de seus objetivos, para adquirir uma coisa
que não atenda a nenhuma de suas finalidades. Em
segundo lugar, a coisa não deve ter somente alguma
utilidade, mas também deve haver alguma dificuldade
para consegui-la (MILL, 1983b, p. 9).
Ele retoma a questão dos bens reproduzíveis,
assim como Ricardo, e verifica que a dificuldade de
aquisição está intimamente ligada aos custos de
produção de um determinado bem. Se houver al-
guém disposto a cobrir os preços de custos, então
este bem será produzido. Não havendo nenhum
produtor disposto a custear tal bem, ele não será
disponibilizado ao mercado (MILL, 1983b, p. 17-18).
Conclui-se, portanto, que o custo de produção re-
gu lará a disponibilidade de bens no mercado7.
Quando a produção de um artigo resulta do trabalho e
dos gastos feitos, seja o artigo suscetível de multiplicação
ilimitada ou não, há um valor mínimo que representa a
condição essencial para que ele seja permanentemente
produzido. O valor, em qualquer momento determinado,
é resultado da oferta e da procura, sendo isso sempre
necessário para criar um mercado para a oferta
existente. Entretanto, se tal valor não for suficiente
para compensar o custo de produção, e, além disso,
para assegurar o lucro normal que se espera, não se
continuará a produzir a mercadoria (MILL, 1983b, p. 17).
A teoria do valor de Mill, baseada em custos
de produção e utilidade, obviamente se refere à es-
fera da troca. O autor adota a Teoria de Preços e
afirma que o preço de mercado seria ajustado pela
oferta e pela demanda, mas este sempre se aproxi-
maria do preço natural8 - preços habitualmente
praticados (MILL, 1983b, p. 101). Tal processo de
ajuste faz com que a renda e os preços se modi-
fiquem, mas impedem uma perene superprodução
de mercadorias. Neste ponto, há uma inversão feita
por Mill à “lei de Say”, pois o filósofo/economista in-
glês verificava que era possível uma superprodução
geral de mercadorias, porém chegou à conclusão
que essa também seria temporária (MILL, 1983b,
p. 107). No entanto, verificou também que toda
crise levava muitos à pauperização9.
7 O economista inglês, Alfred Marshall, recorre a essa formulação de valor. Porém, o analisa por meio da combinação entre utilidade marginal (o valor é determinado pela utilidade da unidade adicional consumida) e custos de produção. Maiores informações ver Silva (1997, p. 149 – 156).
8 A teoria de preços referida é a de Adam Smith. Há dois preços: o natural (salários, lucros e renda da terra em seus níveis habituais) e o de mercado (regulado pela oferta e demanda). Para Smith, o preço de mercado sempre se aproximaria do preço natural devido aos ajustes naturais do mercado. Maiores informações em SMITH (1986 p. 47-52).
9 A lei de Say, que na verdade foi desenvolvida por James Mill, pai de John Stuart Mill, e não pelo economista francês Jean Baptiste Say, foi derivada da Teoria de Preços de Adam Smith e tornou-se a pedra angular de toda a teoria clássica e neoclássica. Segundo a lei de Say, toda oferta gera uma demanda de mesma magnitude a pleno emprego de fatores de produção. Tal lei também propunha que poderia haver uma superprodução de mercadorias, mas esta não seria geral. As faltas e os excessos se cancelariam e a superprodução seria temporária. Maiores informações ver Say (1986).
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 201487
2 A Questão da Distribuição: em Direção do Socialismo
Ao verificar o processo de distribuição, os
salários e os lucros mereceram, por parte de Mill, uma
atenção muito especial. Voltando-se para a esfera
da troca, Mill concluiu que os lucros eram gerados
pela permuta de mercadorias e não na produção.
Seguindo a premissa do também economista inglês
Nassau William Senior (1790-1864), concluiu que
o lucro é preço da abstinência, uma recompensa
que o industrial deseja por deixar de consumir o
capital para o seu próprio uso e por permitir que
os trabalhadores o utilizem para gerarem utilidades
que os beneficiar. A taxa mínima ou natural do
lucro é aquela que remunera o risco, a abstinência,
o esforço e a habilidade de supervisionar do ca-
pitalista (MILL, 1983a, p. 333-334).
Ao verificar os salários, Mill conclui, assim
como a maioria da escola clássica (Smith, Ricardo,
Malthus e Sênior), que ele era determinado pela
divisão do fundo para o pagamento de salários
pelo número de trabalhadores que vão o dividir.
Porém, Mill não considerava o fundo salarial
como o capital total, como Smith defendia nem
o fundo de subsistência como arguiu Malthus ou
somente o capital circulante, posição defendida
por Ricardo10. Mill apresentou outra definição
de fundo salarial: é apenas uma parte do capital
circulante empregada para a compra de mão-
de-obra direta. Portanto, os salários dependiam,
sobretudo, da oferta e da procura de trabalho, ou
mais precisamente, da porção do capital constante
destinada ao pagamento dos trabalhadores
assalariados (trabalhadores produtivos geradores
de utilidades) e do número destes.
[...] os salários dependem sobretudo da procura e da
oferta mão de obra, ou então, como se diz com frequência,
da proporção existente entre a população e o capital.
Por população entende-se aqui somente o número de
trabalhadores, ou melhor , daqueles que trabalham como
assalariados, e por capital, somente o capital circulante, e
nem sequer este em sua totalidade dele, se não apenas
a parte gasta no pagamento direto de mão-de-obra. A
isso porém, deve-se acrescentar que todos os fundos que,
se forem capital, são pagos tais como os vencimentos
dos soldados, criados domésticos e todos os outros
trabalhadores improdutivos (MILL, 1983a, p. 287).
A teoria dos fundos salariais de Mill
tornou-o ainda mais notório. Curiosamente, o
autor acabou a repudiando muitos anos depois,
segundo Hunt (1981, p. 208). Mill acabou por
reverter a teoria, afirmando que os salários eram
determinados pelos lucros totais almejados pelos
capitalistas menos os que eles necessitavam para
a sua própria sobrevivência. Se o capitalista tiver
que pagar a mais pelo trabalho, a sua renda será
diminuída. Conclui-se, portanto que, os salários
seriam determinados pela concorrência entre os
capitalistas e os trabalhadores.
A característica mais marcante da obra
Princípios... é a clara distinção que o autor faz dos
processos de produção e distribuição. A produção e
a distribuição são fenômenos totalmente díspares,
pois são regulados por princípios diferentes e por
isso deveriam ser analisados separadamente.
No início de sua obra Princípios..., Mill afir-
ma que as leis que regulam a produção não são
as mesmas que regulam a distribuição. Segundo
o autor, a produção de riquezas não provém de
leis arbitrárias e sim de condições materiais de
produção. As condições físicas determinavam
as leis produtivas, supunha o autor. A poupança,
a disponibilidade de matéria-prima, avanço da
técnica e a divisão do trabalho, por exemplo,
regulam totalmente o processo produtivo de
qualquer sociedade humana.
10 Para maiores informações ver: Smith (1986, p. 52-86) e Ricardo (1982, p. 81–89).
88
Obviamente, a produção de riqueza e a extração dos
meios de subsistência e prazer a partir das matérias-
-primas existentes no globo não constituem uma coisa
arbitrária. Tudo isso tem as suas condições necessárias.
Destas, algumas são físicas, dependendo então das
propriedades da matéria, e da soma de conhecimento
sobre essas propriedades possuídas no lugar e no
momento específico (MILL, 1983a, p. 39).
A produção depende de dois quesitos fun -
damentais: trabalho e objetos materiais que pos-
sam ser transformados pela ação humana. A na-
tu reza disponibiliza a matéria e os meios de sua
transformação e o homem simplesmente as organiza
e as movimenta (MILL, 1983a, p. 43-44). A essência
do trabalho humano, portanto, é a transformação
dos objetos. Dessa forma, os princípios reguladores
da produção provêm das leis naturais, fugindo
totalmente do controle e da intervenção dos
homens.
Desigualmente a produção, as leis de distri-
buição, na visão do autor, são concebidas por in-
stituições humanas. Em cada sociedade os homens
estabelecem regras que determinam como a rique-
za será distribuída, porém essas normas mudam
de acordo com a sociedade e com a história, elas
mudaram no passado e, provavelmente, mudarão
no futuro.
Diversamente do que ocorre com as leis da produção,
as que regem a distribuição da mesma são em parte
de instituição humana, já que a maneira de se distribuir
a riqueza em qualquer sociedade específica depende
das leis ou usos nela vigentes. Ora, embora os governos
ou nações tenham o poder de decidir que instituições
existirão, não tem a possibilidade de determinar
arbitrariamente como tais instituições funcionarão. As
condições de que depende o poder que os governos
e as nações têm sobre a distribuição de riqueza, bem
como a forma como é efetuada essa distribuição, através
de vários modos de conduta que a sociedade possa
considerar oportuno adotar, constituem matéria de
investigação científica, tanto quanto qualquer uma das
leis físicas da natureza (MILL, 1983a, p.39).
A questão da distribuição tornou-se um
dos pontos em que Mill se afasta dramaticamente
de Malthus, Ricardo e Bentham, autores os quais
jurou ser discípulo. O processo de troca não é o
elemento determinante da distribuição de riqueza
e tampouco o mais justo, a troca simplesmente é
mais um elemento utilizado em tal processo.
O processo de distribuição não é deter mina-
do pela simples troca no mercado, e a propriedade
privada e a sua distribuição não é natural. A proprie-
dade, segundo o autor, é uma instituição humana e não
“sagrada”, como outros autores da Economia Política
proferiram. A pro priedade fundiária, por exem plo, foi
instituída para facilitar as relações entre os indivíduos.
Mas quando ela não é conveniente, simplesmente se
torna injusta (MILL, 1983b, p. 203).
O direito à propriedade é justificado por Mill
apenas em dois casos: se houve trabalho do próprio
indivíduo para produzir ou se foi concedido de forma
espontânea (MILL, 1983b, p. 195). Porém, para o
autor, a propriedade privada dos meios de produção
não é fruto do comportamento abstêmio e frugal
de pessoas moralmente virtuosas que, no passado,
acumularam por livre e espontânea iniciativa, en-
quanto os desprovidos de tais virtudes meramente
esbanjavam e perdiam tudo que possuíam (MILL,
1983b, p. 194). Ao examinar a história da Europa
ocidental, concluiu que a força e as leis arbitrárias dos
homens ordenaram a distribuição da propriedade
privada (MILL, 1983b, p. 182)11.
11 Marx considerou Mill um oponente de respeito por tal constatação, pois o autor inglês verificou o processo histórico de formação da propriedade da privada. Porém, Mill esteve muito longe de fazer uma análise mais acurada que Marx fez. Marx, ao verificar o processo histórico de formação de classes e do capital, construiu o que ele denominou de “acumulação primitiva”. Maiores Informações ver: Marx (1994, p. 828 – 882).
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 201489
A propriedade privada, como instituição, não deveu sua
origem a nenhuma daquelas considerações de utilidade
que militam pela manutenção dela, uma vez estabelecida.
Sabe-se bastante sobre épocas primitivas, tanto da
história passada quanto de estados análogos à sociedade
em nossos dias, para mostrar que os tribunais (que sempre
precedem leis) foram originalmente fundados, não para
determinar direitos, mas para reprimir a violência e dirimir
disputas (MILL, 1983b, p. 182).
Além da força, o padrão de como a
distribuição é feita, que varia de sociedade para
sociedade, também gera inúmeras dificuldades
e foge do que seria do ponto de vista da moral
e ética como sendo justo. O direito de posse
de terras e propriedade afeta a distribuição de
renda. Ao analisar a pobreza dos agricultores
irlandeses no século XIX, chegou à conclusão
que a forma como as terras foram distribuídas
determinou tal condição e não as leis naturais
(MILL, 1983, p. 203).
Avaliando a concentração de riquezas e
dos meios de produção na sociedade capitalista,
Mill concluiu que uma classe composta por um
diminuto número de indivíduos não deveria
usufruir com exclusividade as benesses da
riqueza produzida, enquanto a maioria estava
condenada à pobreza. Em seguida faz uma dura
crítica à estrutura de classes “hereditárias” de sua
época: empregadores que não fazem o trabalho
necessário para a manutenção da vida humana
e os empregados que trabalham (MILL, 1983b, p.
255). Asseverou que a instituição da propriedade
privada acarretava em uma relação inversa entre
trabalho e o produto do trabalho, ou seja, a
propriedade privada garantiria que o produto do
trabalho fosse para quem praticamente nunca
trabalhou. A remuneração caminharia em direção
oposta ao aumento da dificuldade e da brusquidão
do trabalho (MILL, 1983, p. 201).
A divisão de classes não se manteria por
muito o tempo, acreditava Mill. Para ele a estrutura
de classes do capitalismo, onde uma pequena
parcela da população vivia luxuosamente sem
qualquer ligação com a atividade produtiva,
não era justa, necessária e tampouco eterna
duradoura nas relações sociais (MILL, 1983, p.
255). Criticava duramente o que ele definiu como
teoria da dependência, em que o “estado das
coisas” é determinado para os pobres e não por
eles. Uma classe privilegiada (os ricos) conduziria
autoritariamente os despojados e os refrearia
quando fosse necessário (MILL, 1983, p. 256).
Porém, tal dependência não seria mais aceita
pelos trabalhadores, pois estes, por meio do que
Mill definiu como aprimoramento intelectual,
buscarão o seu próprio destino, fundado na justiça
e no autogoverno (MILL, 1983, p. 258).
[...] os trabalhadores aceitarão ainda menos do que hoje
ser guiados e governados – e dirigidos para o caminho
que devem trilhar – pela simples autoridade e prestígio
dos superiores. Se atualmente os trabalhadores não tem
nenhum sentimento de deferência ou princípio religioso
de obediência que os mantenha mentalmente sujeitos a
uma classe acima deles, muito menos o terão daqui em
diante. A teoria da dependência e da proteção será cada
vez mais intolerável para eles, e exigirão que sua conduta
e sua condição sejam basicamente governadas por eles
mesmos. Ao mesmo tempo, é perfeitamente possível que
em muitos casos exijam a intervenção de legisladores
em seus problemas, bem como que a lei regulamente
várias coisas que não lhes dizem respeito, aliás, muitas
vezes baseadas em conceitos equívocos em relação a
seus interesses. Mesmo que assim fosse, o que exigem é
que se atenda a vontade deles, ás suas próprias ideias e
sugestões, e não a normas estabelecidas para eles, mas
por outras pessoas. Coaduna-se perfeitamente com isso
o respeito que sentem pela superioridade de inteligência
de qualquer assunto, daqueles que consideram bem
versados na matéria. Tal deferência está profundamente
enraizada na natureza humana; o que querem, porém, é
julgar eles próprios acerca das pessoas que merecem ou
não esse acatamento (MILL, 1983b, p. 259).
O estágio que a sociedade capitalista
havia atingido no século XIX não era o mais
elevado, segundo o autor. Ele tenderia a evoluir
90
para alguma forma de sociedade socialista, que
considerava um estágio muito mais satisfatório e
desejável. Todavia, o filósofo inglês acreditava que
o socialismo somente seria possível se as pessoas
atingissem um estado moral e ético satisfatório,
o aprimoramento intelectual: educação, amor à
independência e à liberdade do bom senso, que
refletirá em condutas preventivas que permitirão o
decréscimo das taxas demográficas em relação ao
capital e emprego (MILL, 1983, p. 259). Além disso,
todos que executam o serviço devem se identificar
com o espírito de prosperidade do empreendimento
e, principalmente, o de concorrência (MILL, 1983,
p. 277-278). Caso contrário, a luta individual e
concorrencial por riqueza será a única solução.
Tais considerações afastam Mill totalmente das
premissas comunistas e revolucionárias de Engels
e Marx e parcialmente do reformismo social do
industrial Robert Owen (1771–1858) e do socialismo
utópico de Charles Fourier (1772–1837).
Concordo, portanto, com a concepção que os autores
socialistas têm sobre a forma que o mundo industrial
tende a assumir, á medida que o progresso avança
[...] Mas, ao mesmo tempo que concordo e solidarizo...
discordo totalmente da parte mais relevante e veemente
do seu ensinamento, a saber, das suas catilinária contra
a concorrência. [...] É erro comum dos socialistas não
levarem em conta a indolência natural da humanidade,
a sua tendência à passividade, a permanecer escrava
do hábito [...] Se deixarmos que a humanidade uma
vez atinja algum estado de existência que considere
tolerável, o perigo a ser temido é que a partir daí ela
estagnará, não se empenhará no sentido de melhorar
e, deixando enferrujar suas faculdades, perderá até sua
energia necessária para preservá-lo de deterioramento.
A concorrência pode não ser o melhor estímulo
concebível, mas no momento é um estímulo necessário,
e ninguém é capaz de prever o dia em que ela não será
mais dispensável ao progresso (MILL, 1983b, p. 278-279).
Todavia, de modo incisivo e coincidente
a Fourier, Mill profere à favor das cooperativas
produtivas. Verificando a prosperidade de uma
série de associações em Paris e, sobretudo as
inglesas (“Leeds Flour Mill’ e “Rochdale Society of
Equitable Pioneers”), Mill sugere a experimentação
com as cooperativas, pois elas mostrariam a
deficiência das relações capital e trabalho. Desta
forma, a tendência é a relação capitalista e
trabalhador desaparecer com o tempo.
Todavia, a forma de associação que, se a humanidade
continuar a se aperfeiçoar, como se espera, não é aquela
que pode existir entre um capitalista, que funciona
como chefe, e trabalhadores destituídos de voz na
administração, mas sim a associação dos próprios
trabalhadores entre si, em termos de igualdade,
possuindo eles, coletivamente, a propriedade do capital
com o qual operam, e trabalhando sob o comando de
administradores eleitos e substituídos por eles mesmos
(MILL, 1983b, p. 266).
Em uma estrutura industrial capitalista, o
trabalhador é observado pelas vistas precavidas
do empregador e sua remuneração é baixa. Além
disso, o tipo de trabalho que executa não estimula
a sua produção. Em um sistema cooperativo há o
estímulo à produção, pois o espírito público reside
no trabalhador. A própria comunidade o cobra e
vigia, e as distribuições das tarefas seriam mais
justas e adequadas às aptidões. Além disso, a
produtividade global tenderia a aumentar (MILL,
1983, p. 276-278).
Com base no avanço crescente do movimento
cooperativista, pode-se esperar grande aumento até
da produtividade global do trabalho. As fontes desse
aumento são duas. Em primeiro lugar, reduzir-se-á a
dimensões menores a classe dos distribuidores, que
não são os produtores mais simples da produção, e cujo
número exorbitante, muito mais do que os ganhos dos
capitalistas, representam a causa que explica por que tão
grande da riqueza não atinge os produtores. [...] A outra
maneira de o sistema de cooperação tender, ainda mais
eficazmente, a aumentar a produtividade do trabalho
consiste no grande estímulo dado ás energias produtivas,
colocando os trabalhadores, como massa, em uma
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relação tal com seu serviço, que faria com que o princípio
e o interesse deles – já que atualmente isso não ocorre –
seja fazer o máximo possível e, e não o mínimo possível,
em troca da remuneração que recebem. Dificilmente se
pode exagerar esse benefício substancial, que no entanto
não é nada em comparação com a revolução moral da
sociedade que o acompanharia: acura deste mal que é
a hostilidade constante entre o capital e o trabalho, a
transformação da vida humana, de um conflito de classes
que se batem por interesses opostos, em uma rivalidade
amiga na busca de um bem comum a todos, a elevação da
dignidade do trabalho, um novo sentimento de segurança
e de independência na classe trabalhadora, e a conversão
da ocupação diária de cada ser humano em uma escola
em que se aprende a solidariedade social e a inteligência
prática (MILL, 1983b, p. 276-277).
Outro ponto marcante na obra de Mill é a
questão da intervenção do governo. Primeiramente
advoga a favor do princípio do laissez-faire,
afirmando que deveria ser a prática geral (MILL,
1983b, p. 401). Acredita que o protecionismo e
as interferências nos contratos, por exemplo, são
extremamente danosos à economia (MILL, 1983b,
377-387). Contudo, adiante em “Princípios...”, o
autor aponta para a necessidade de intervenção
do governo, salientando que há aspectos bons e
ruins na intervenção.
Ele considerava inadmissível que o governo
apenas atuasse na proteção das pessoas e suas
propriedades. A sociedade, se achar que é prejudicial
ao bem comum, tem o direito de alterar qualquer
direito à propriedade e o estado deve a representar.
A questão da pobreza é amplamente
discutida por Mill. A maioria da população pobre
não tem condições adequadas para julgar o que
seria melhor para o seu destino (MILL, 1986, p. 406).
A interferência do governo na educação básica
é justificada pelo autor, pois esta modificaria as
condutas e o julgamento dos pobres, tornado-se
melhores árbitros e percebendo o que seria melhor
para os seus interesses (MILL, 1986, p. 407-408).
O governo deveria promover a caridade
pública, porém caberia à caridade privada definir o
que é mais necessário e quem realmente necessita
(MILL, 1986, p. 414). Todavia, o governo deveria
reservar uma parte do orçamento para promover
colônias agrárias em terras comuns. Tais colônias
seriam ocupadas por famílias jovens pobres, e
que o resultado das terras sempre deveriam ser
revertidos para as camadas carentes da população
(MILL, 1986, p. 414–418).
O governo deveria intervir para alterar os
efeitos maléficos do livre mercado capitalista, que
desembocava naturalmente em uma concentração
de renda sem precedentes. A maioria trabalhava
e pouco usufruía do produto de seu trabalho,
estando condenada desde o seu nascimento
à pobreza, enquanto isso, uma minoria gozava
de todas as vantagens da produção de riquezas
sem ter o direito a elas, pois não foi fruto de seus
próprios esforços. Mill chegou a sugerir uma
mudança nos direitos de herança, estas deveriam
instituir rigorosos limites aos direitos de sucessão
causas mortis (MILL, 1983, p. 196-197).
A questão do monopólio é também re-
vista por Mill. Alguns empreendimentos são tão
dispendiosos e necessitam tanto de capital que
poucos conseguem entrar em tais negócios. Tal
restrição permitiria uma taxa de lucro elevadíssima
ou por conluio dos poucos capitalistas neste
negócio ou pela própria posição monopolista.
Para obter altas taxas de lucros, os preços fixados
pelo monopolista estariam acima do que os
consumidores estariam dispostos ou aptos a pagar.
Nesse caso, cabe a intervenção do governo para
que a formação dos monopólios não prejudique a
comunidade (MILL, 1986, p. 409 - 410).
92
3 O Estado Estacionário na Visão de Mill
Ao discutir a “Condição estacionária” da
economia, no capítulo VI do livro quarto dos
Princípios de Economia Política, Mill chama atenção
para o estado de inércia, por que não dizer de
estagnação, que caminha a economia capitalista.
A pergunta central desse polêmico capítulo paira
sobre a condição final da humanidade quando
cessar o progresso industrial, posto que “o aumento
da riqueza não é ilimitado; que ao final daquilo que
denominam condição progressista está a condição
estacionária [...]” (MILL, 1996, p.325).
John Stuart Mill deduz que cada passo a
caminho do progresso, por que não dizer desen-
volvimento industrial, é um passo na direção da
inércia, do que ele chama de estado estacionário12.
Quando um país durante muito tempo possui uma
produção grande, e uma renda líquida grande da qual
pode fazer poupanças, e quando, por conseguinte,
durante muito tempo existiram os recursos para aumentar
anualmente muito o capital (na hipótese de o país não
dispor, como na América, de uma grande reserva de terra
fértil ainda não utilizada), uma das características de tal
país é a taxa de lucro situada a uma distância pequena
do mínimo, e portanto o país está a poucos passos da
condição estacionária [...] (MILL, 1996, p. 310-311).
Mill chega a essa conclusão ao examinar a
tendência do lucro e dos salários nas sociedades
capitalistas. Se o lucro, a mola propulsora do
sistema, apresentar tendência de baixa, devido ao
progresso industrial e à concorrência crescente,
inerentes do capitalismo, haverá a eliminação
da prosperidade e a riqueza ficará em condição
estacionária. Isso se dará em condição na qual a taxa
de retorno esperada de cada unidade monetária
aplicada na concretização dos investimentos
produtivos apresente um valor mínimo13, com
efeito nulo ao estímulo de acumular. Em relação
aos salários, acréscimos populacionais, e demais
variáveis constantes, podem induzir a queda dos
salários reais e, por conseguinte, da qualidade de
vida da classe trabalhadora. Isso, na visão de Mill,
tende a levar a “uma interrupção na expansão da
produção e, por via de consequência, também no
crescimento da população. Cessará o progresso
econômico, mantendo-se certo equilíbrio: será os
‘estado estacionário’” (HUGON, 1984, p. 137).
Na interpretação dos economistas políticos
da velha escola14, conforme a denominação de
Mill, esse estado estacionário combinado com o
aumento populacional conduziria a sociedade
para uma situação de miséria. Por isso, assim como
Malthus, propõe a adoção de medidas de controle
populacional.
Mesmo em uma condição de progresso do capital, em
países velhos [entenda desenvolvidos], é indispensável
um controle consciencioso ou prudente da população,
para impedir que o aumento de habitantes supere o do
capital, bem como impedir que se deteriore a condição
das classes que estão da sociedade. Onde não existe,
no povo, ou em alguma percentagem muito grande
dele, uma resistência resoluta a esse deterioramento –
uma determinação de preservar um padrão de conforto
estabelecido –, piora a condição da classe mais pobre,
mesmo em uma condição de progresso, até o ponto
mais baixo que ela consentir em suportar (MILL, 1996,
p. 326).
12 Conforme Bell (1976, p. 248), “estado estacionário significa o estado em que se encontra um país no qual aquela taxa atingiu o mínimo e ‘não pode ocorrer no momento qualquer aumento de capital’”.
13 Essa visão converge com o tratado por Ricardo em relação à tendência decrescente da taxa de lucro. Maiores detalhes ver Hugon (1984).14 Mill se refere aos economistas da escola clássica que, na sua maioria, contribuíram para sua formação e inspiraram seu trabalho, tais como
Ricardo Smith e outros.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 80 - 95, jan./jun. 201493
Ao contrário dos demais economistas
políticos, Mill vê com bons olhos essa condição
estacionária para qual caminha os países
avançados, pois não lhe agradava a constante luta
entre as classes sociais.
Confesso que não me encanta o ideal de vida defendido
por aqueles que pensam que o atropelar e pisar os
outros, o dar cotoveladas, e um andar sempre ao encalço
do outro (características da vida social de hoje) são o
destino mais desejável da espécie humana, quando
na realidade não são outra coisa senão os sintomas
desagradáveis de uma das fases do progresso industrial
(MILL, 1996, p. 327).
Na visão de Mill, quando a economia atingir
um estado estacionário a questão distributiva
ganhará maior relevância15. Questões ligadas
ao aumento da produção são importantes nos
países atrasados. Nos países mais avançados,
cuja incidência da condição estacionária pode ser
atingida com certa facilidade, as instituições e os
agentes devem empreender esforços no sentido
de melhorar e elevar a sorte de todos16.
Considerações Finais
Graças às lições do pai, que o ensinou e o
instigou para o mundo do pensamento filosófico
e científico, Mill se apropriava de tudo aquilo que
considerava o melhor no campo intelectual de sua
época para poder tecer suas próprias ideias, seus
próprios argumentos. Na concepção moderna ele
aplicava o método científico.
15 Mill chega a sugerir que o governo adote “um conjunto de legislação que favoreça a igualdade das fortunas, na medida em que isso for conciliável com o justo direito do homem ou da mulher aos frutos, grandes ou pequenos, do seu próprio trabalho” (1996, p. 328).
16 Conforme Hugon (1984, p. 137), a noção de Mill de estado estacionário “ganha de novo, hoje, surpreendente atualidade. Assiste-se, com efeito, em numerosos meios, a uma coordenação de crescimento econômico como finalidade e como ideal de vida, assim como a apologia ao crescimento zero”.
No campo da economia, Mill tentava
apre sentar a Economia Política como parte de
Ciência Social completa e racional. Na definição
dele Economia Política é “a ciência que esboça
as leis dos fenômenos sociais que surgem das
operações combinadas da humanidade para a
produção da riqueza, enquanto esses fenômenos
não são modificados pela busca qualquer de outro
objetivo” (MILL apud BELL, 1976, p. 235).
É inegável que os trabalhos de John
Stuart Mill no campo da filosofia e da economia
política são de grande significância para os
estudiosos contemporâneos. Mesmo que suas
contribuições econômicas originais não superem a
de seus mestres, conforme aponta Bell (1976), seu
trabalho, Princípios de Economia Política, devido
ao refinamento teórico e sistematização de sua
exposição, torna-se por vários anos o livro didático
padrão para quem desejava estudar economia.
Trata-se de “uma síntese do melhor que havia
sobre Economia clássica, apresentado em arranjo
ordenado e científico e com garantia da inteireza”
(BELL, 1976, p. 232).
Mill é antes de qualquer coisa um visionário
que sonhava com um mundo melhor e mais
justo para a sociedade. Na sua obra é premente
a preocupação com a distribuição dos frutos do
progresso, sem a qual não há sentido para a busca
desenfreada do crescimento econômico.
94
Referências
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BENTHAM, J. Uma introdução aos princípios da moral e da legislação. São Paulo: Abril Cultural, 1984. (Os
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MALTHUS, T. R. Ensaio sobre o princípio da população. São Paulo: Nova Cultural, 1996. (Os pensadores).
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• Recebido em: 26/02/2013
• Aprovado em: 26/06/2013
MILL, J. S. Princípios de economia política: com algumas de suas aplicações à filosofia social. São Paulo:
Abril Cultural, 1983b. (Os pensadores). v. 2.
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SMITH, A. Uma investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações. Rio de Janeiro:
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Economia ecológica, economia solidária e o pensamento econômico de E. F. Schumacher
Ecological economy, economy solidarity and E. F. Schumacher’s
economic thought
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 201497
Lucas Barbosa e Souza1
Rogério Ferreira Teixeira2
Resumo
O objetivo do presente ensaio é realizar uma abordagem sobre a visão econômica de
E. F. Schumacher à luz do pensamento da economia ecológica e da economia solidária.
Para tanto, serão apresentados alguns autores que exploram essas duas vertentes
do pensamento econômico, alguns pioneiros e outros que deram continuidade a
essa agenda de pesquisa, e em seguida será observada a perspectiva proposta por
Schumacher para a análise dos fenômenos econômicos. A busca principal será pelo
enfoque comparativo da visão do referido autor com os principais conceitos trabalhados
pela economia ecológica e pela economia solidária, realçando as semelhanças e ao
mesmo tempo salientando os aspectos originais, a contemporaneidade e o caráter
interdisciplinar do seu pensamento. A abordagem estará centrada, sobretudo, na obra
O negócio é ser pequeno: um estudo de economia que leva em conta as pessoas,
publicada por Schumacher em 1973, na sua primeira edição.
Palavras-chave: Economia Ecológica. Economia Solidária. Sustentabilidade.
Abstract
The aim of this paper is to conduct on the economic vision of E. F. Schumacher thought
in the light of ecological economics and the economy solidarity. To do so, we introduce
some authors that explore these two strands of economic thought, a few pioneers and
others who continued this research agenda, and then will be observed perspective
proposed by Schumacher for the analysis of economic phenomena. The main quest is
by comparing the sight of that author with the main exploreds concepts by ecological
economics and economy solidarity, highlightining the similarities and at the same time
showing the unique aspects, the contemporary and interdisciplinary character of his
thought. The approach will focus mainly in the book “Small is beautiful: a study of
economics that takes into account people”, published by Schumacher in 1973, in its
first edition.
Keywords: Ecological Economics. Economic solidarity. Sustainability.
1 Doutor em Geografia, Professor da Universidade Federal do Tocantins no Programa de Mestrado em Ciências do Ambiente, no Programa de Mestrado em Geografia e no Curso de Geografia.
E-mail: [email protected]. 2 Mestre em Ciências do Ambiente pela Universidade Federal do Tocantins, Fundador e Gestor da Comunidade
Residencial Sustentável Ecológica Espiritual Morada da Paz – CoMPaz/RS. E-mail: [email protected].
Economia ecológica, economia solidária e o pensamento econômico de E. F. SchumacherEcological economy, economy solidarity and E. F. Schumacher’s economic thought
98
Introdução
E. F. Schumacher é um economista frequen-
temente esquecido quando se trata da realização
de estudos que se referem às searas da economia
ecológica e da economia solidária, o que é
inexplicável, dadas as suas preciosas contribuições
para o avanço da compreensão sobre as complexas
interações entre as sociedades humanas e o meio
ambiente.
Seu livro mais famoso é O negócio é ser
pequeno: um estudo da economia que leva em
conta as pessoas, publicado em 1973, a partir de
uma série de palestras e conferências realizadas
pelo autor em anos anteriores, em vários países,
sobre a temática anteriormente referida. Nesta
obra, o autor alerta para a necessidade de um uso
racional dos recursos disponíveis no planeta, dada
a finitude de uma parcela considerável destes e
também para a urgência de novos métodos de
produção e gestão.
Inicialmente, neste artigo serão abordados
aspectos teóricos da economia solidária e da
economia ecológica, para em seguida ser apresen-
tado o pensamento econômico de Schumacher,
buscando-se as correlações existentes entre eles.
O objetivo principal do artigo será demonstrar
a atua li dade do pensamento econômico de
Schumacher e sua possível aplicabilidade na resolu-
ção de questões sociais, ambientais e econômicas
contemporâneas.
1 Economia Solidária
Na economia solidária, dada a sua natureza
cooperativa, prevalece, na maioria das suas ações,
uma atitude de respeito que se traduz em ações
em prol do bem-estar social e da conservação
ambiental. As suas atividades orientam-se por
parâmetros distintos de empresas de mercado,
como a busca pelo lucro, pela produtividade e a
competição desenfreada com outras concorrentes,
de acordo com Pinto (2006). Este autor aponta
que o reaproveitamento de materiais e o uso de
fontes renováveis de energia são muito frequentes
em empreendimentos solidários. A economia soli-
dária tem suas análises voltadas às áreas da gestão
social, processos autogestionários, redes solidárias
e empreendimentos solidários.
Razeto (1993, p. 40) esclarece conceituando
economia solidária como
uma formulação teórica de nível científico elaborada
a partir e para dar conta de conjuntos significativos
de experiências econômicas que compartilham alguns
traços constitutivos e essenciais de solidariedade,
mutualismo, cooperação e autogestão comunitária, que
definem uma racionalidade especial, diferente de outras
racionalidades econômicas.
França Filho (2007), adicionalmente, traz
contribuições muito significativas para a concei-
tuação da economia solidária, esclarecendo ao
público que não tem familiaridade com a área.
O autor chama atenção para as questões rela-
tivas à sustentabilidade e à viabilidade dos
empreendimentos da economia popular e soli-
dária, sendo necessária uma compreensão que
extrapole a lógica do mercado, baseada no lucro e
A noção de riqueza na
economia solidária difere
da economia mercantil,
pois a primeira valoriza os
benefícios sociais gerados
pelo trabalho coletivo em
patamares mais elevados
do que a segunda.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 201499
na competição. Por outro lado, a participação e o
engajamento coletivo nos projetos desenvolvidos
devem ser considerados e valorizados.
A noção de riqueza na economia solidária
difere da economia mercantil, pois a primeira
valoriza os benefícios sociais gerados pelo trabalho
coletivo em patamares mais elevados do que a
segunda, conforme Pinto (2006).
O conceito de economia solidária é rela-
tivamente recente no Brasil, e nessa área atuam
cooperativas e associações (formais e informais)
denominadas Empreendimentos Solidários (ES),
redes e fóruns de economia solidária, feiras de
trocas solidárias, comércio justo e solidário, além
de Entidades de Apoio a Fomento (EAF), como
as Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas
Populares (ITCPs) ligadas às universidades.
França Filho (2007, p. 172) explica que:
As práticas de economia popular e solidária no
Brasil ganharam em complexidade nos últimos anos,
afirmando-se como um campo de atores que inventam
alternativas econômicas e políticas inovadoras para a
resolução dos problemas cotidianos enfrentados em
seus respectivos territórios, decorrentes dos processos
de exclusão social.
Sobre os ES, França Filho (2007) afirma
que eles representam a forma predominante de
auto-organização socioeconômica. Existem ES em
diferentes segmentos, como bancos populares,
que trabalham com microcrédito, clubes de
trocas, associações de moradores e cooperativas
populares constituem a sua maioria.
Os ES atuam com intensidade no seio da
sociedade civil em diferentes países, promovendo
ações em áreas como educação, saúde, meio ambiente
e direitos humanos. São também reconhecidos
pela sua capacidade de geração de trabalho e pelo
impacto social das atividades que desempenham em
nível local, expressando a mobilização dos cidadãos
para transformarem a realidade em que vivem. São
além de espaços de produção (de bens, serviços,
empregos), espaços de socialização, de reflexão e
ação política, considera Andion (2005).
No Brasil, a partir do início do governo Lula,
em 2003, houve a criação da Secretaria Nacional
de Economia Solidária (Senaes), dirigida desde
então pelo professor Paul Singer, fomentando e
articulando ações nesta área. A Senaes, de acordo
com o Atlas da Economia Solidária no Brasil (2006),
destaca quatro características importantes para
a economia solidária: cooperação, autogestão,
viabilidade econômica e solidariedade.
Cançado e Cançado (2009) consideram
a autogestão, isto é, a autonomia do trabalhador
enquanto gestor do seu empreendimento, como
um traço essencial dos empreendedorismo so-
cial, embora não seja o único. O contrário da
autogestão é a heterogestão, modelo hegemônico
na sociedade capitalista, na qual a autonomia do
trabalhador desaparece, em decorrência de uma
hierarquia burocrática e funcional institucionalizada
nas organizações.
A economia solidária tem procurado o
fortalecimento e a união de seus atores através de
Autogestão é a
autonomia do trabalhador
enquanto gestor do seu
empreendimento, como
um traço essencial dos
empreendedorismo social.
100
redes. Este tipo de organização reduz a dependência
do sistema hegemônico por meio da troca e do
compartilhamento de produtos, saberes e serviços.
Neste sentido, Mance (2008, p. 1) considera que:
As Redes de Colaboração Solidária são fundamentadas
em um sistema de produção onde não pode haver
exploração nem dominação dos trabalhadores,
com equilíbrio nos processos, com uso de insumos
produzidos de forma ecologicamente correta, e com
partilha dos excedentes, havendo reinvestimento e
formação de novas redes.
A economia solidária experimentou neste
início do século XXI um crescimento extraordinário
no Brasil e no mundo, em que os atores sociais, por
meio de um processo de autogestão democrática,
buscam com criatividade formas de inserção
social, política e econômica e de conservação
ambiental, construindo alternativas sustentáveis
frente à ordem hegemônica capitalista vigente.
Complementando sobre a economia solidá-
ria, Pinto (2006, p. 16) refere que:
Não se trata, portanto, apenas de se alcançar trabalho
e renda, por meio de saídas cooperativas. Assiste-se
também como possibilidade a emergência, a partir de
relações mediadas pelo trabalho associado, de novos
significados compartilhados, novas solidariedades, que
requalificam os sentidos do trabalho, da produção, do
consumo e das trocas. A realização desses vínculos
implica, também, na produção de novas identidades
pessoais, modos distintos de autopercepção.
Os ES privilegiam o desenvolvimento segun-
do a perspectiva local, promovendo a geração e a
circulação de renda, serviços e saberes junto aos
atores que estão envolvidos diretamente em seu
contexto de atuação socioprodutiva, fomentando,
dessa forma, a sustentabilidade econômica e
ambiental de suas atividades. O desenvolvimento
local tem sido pensado e discutido no meio
acadêmico e possui muitos defensores, como
Fernández Durán (2001, p. 25), que expõe sua
perspectiva sobre esta temática:
Todas as experiências de transformações alternativas da
sociedade a margem do mercado e da lógica patriarcal
dominante tem um grande valor como sementes e
pontos de referência do que pode chegar a ser uma
transformação em maior escala. A reconstrução
das estruturas comunitárias, das novas áreas da
comunidade, deve ser produzida principalmente a partir
do local. O local, que foi submetido e desarticulado pelo
capitalismo global, é necessário em grande medida
restaurá-lo novamente (tradução nossa).
Segundo Tenório (2007), o desenvolvimento
local é uma abordagem que procura reforçar
a potencialidade do território mediante ações
endógenas, articuladas pelos seus diferentes atores
(sociedade civil, poder público e o mercado).
De acordo com o autor, o desenvolvimento
local pressupõe a reciprocidade, a cooperação
e a solidariedade em benefício do bem-estar
socioeconômico, político, cultural e ambiental
do local, podendo assumir três vertentes: (1)
econômica, guiada por parâmetros de mercado;
(2) social, orientada pela cooperação; e (3)
solidariedade ou híbrido, em que há orientação
econômica e cooperativa, estimulando o fomento
de capital social.
Para Baquero (2007), o capital social nasce
de interações cotidianas, não de legislações.
Promove a participação coletiva e o engajamento
das pessoas em projetos de desenvolvimento
comunitário e sustentável. Gera empoderamento
dos atores sociais, o que possibilita bem-estar e
qualidade de vida.
Conforme Vasconcelos (2007), a economia
solidária desenvolve princípios e valores em seus
movimentos, como a reciprocidade e a confiança que
acabam contribuindo na construção do capital social.
Pequenas ações solidárias dentro de um ES podem
ser responsáveis pela construção de um grande
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capital social capaz de permitir o enfrentamento de
crises, pondera Vasconcelos (2007).
Assim, de acordo com os autores men-
cionados, percebe-se que a essência dos ES en-
contra-se pulsante na força coletiva dos processos
que desencadeiam, na integração dos sujeitos em
torno da unidade de princípios e na crença em
um projeto comunitário capaz de garantir aos
sujeitos que o impulsionam condições para uma
vida digna e ética.
2 Economia Ecológica
A partir da preocupação de alguns econo-
mistas com o meio ambiente e a sustentabilidade das
atividades humanas em longo prazo – como Nicolas
Georgescu-Roegen, Keneth Boulding e Herman
Daly –, a dimensão ambiental foi sendo incorporada
na construção dos modelos e teorias da ciência
econômica, nascendo, então, a econo mia ecológica.
A economia ecológica apresenta inovações
significativas na forma de abordar as interações
do homem com o meio ambiente, propondo
estratégias que minimizem nossa alta produção
de entropia e garantam a sustentabilidade da vida,
conforme Mueller (2007).
Pela segunda lei da entropia, é impossível
um sistema fechado prosseguir seu crescimento
indefinidamente, captando energia de baixa
entro pia e liberando resíduos de alta entropia no
ecossistema, pois há um limite para a absorção e
a reciclagem destes resíduos. Tal fato é ignorado
pela teoria econômica convencional (neoclássica).
Assim sendo, os impactos ambientais podem
acabar restringindo o crescimento econômico, na
opinião de Cechin e Veiga (2009).
A economia ecológica preocupa-se com os
processos de reciclagem de insumos e a minimiza-
ção de impactos ambientais3. Para Martinez-Alíer
3 A Resolução nº 001 de 23 de janeiro de 1986 do Conama (Código Nacional de Meio Ambiente), em seu art. 1º define impacto ambiental como “qualquer alteração das propriedades físicas, químicas e biológicas do meio ambiente, causada por qualquer forma de matéria ou energia resultante das atividades humanas que, direta ou indiretamente, afetem: a saúde, a segurança e o bem-estar da população; as atividades sociais e econômicas; a biota; as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente; a qualidade dos recursos ambientais”.
O desenvolvimento
local pressupõe a
reciprocidade, a cooperação
e a solidariedade em
benefício do bem-estar
socioeconômico, político,
cultural e ambiental
do local.
A economia ecológica
preocupa-se com os
processos de reciclagem
de insumos e a
minimização de impactos
ambientais.
102
(1998, p. 268), um dos precursores da economia
ecológica, ela pode ser definida como
uma economia que usa os recursos renováveis (água,
pesca, lenha e madeira, produção agrícola) com um
ritmo que não exceda sua taxa de renovação, e que usa
os recursos esgotáveis (petróleo, por exemplo) com um
ritmo não superior ao de sua substituição por recursos
renováveis (energia fotovoltaica, por exemplo).
Georgescu-Roegen (1971) aponta que os
principais postulados da economia ecológica
são a utilização de processos de reciclagem, a
minimização do uso de energia e de materiais,
a consideração do custo ambiental decorrente
de todo o processo de extração, produção e
consumo e a minimização da produção de dejetos
e da poluição. Segundo sua análise, a entropia
(aumento da desordem no sistema) coloca limites
para a expansão contínua das atividades, dada a
finitude dos recursos naturais do planeta.
O fundamento central da economia eco-
lógica é a escala em que o sistema econômico
opera em relação ao ecossistema. Além de uma
escala ótima, o seu crescimento pode acarretar
mais prejuízos do que benefícios à humanidade, na
concepção de Cechin e Veiga (2009).
Daly (1984) propôs a economia do estado-
-estável, que consistiria em suprimir a obstinação
pelo crescimento econômico ilimitado. Em sua
opinião, um nível de crescimento com estabilidade
é necessário para gerenciar as relações econômi-
cas minimizando a pressão antrópica sobre o meio
ambiente. A ênfase para a política econômica, se-
gundo o autor, estaria deste momento em diante,
em gerenciar o estoque de recursos existentes e
não mais o fluxo econômico. Apesar de contribuir
para uma mudança de paradigma, as sugestões do
autor têm muitas limitações na sua exequibilidade,
sendo a principal delas quanto à determinação
do nível desejável para estabilizar o crescimento
econômico4. Como definir um nível de consenso
com tantas disparidades entre países desenvolvi-
dos e subdesenvolvidos, por exemplo?
A grande questão que permanece sem
resposta ainda nos dias de hoje é qual seria a
“escala ótima” em que o volume de bens e serviços
produzidos pelo sistema econômico se tornará
compatível com a capacidade do planeta em
absorver os resíduos de alta entropia gerados. Não
é prudente acreditarmos, como alguns teóricos da
economia convencional, que poderemos substituir
produtos e serviços ambientais por recursos
tecnológicos para manter a curva exponencial de
crescimento econômico por tempo indeterminado,
considera Mueller (2007).
Martine (2007) propõe que uma estratégia
prática para minimizar impactos ambientais se-
ria estudar a distribuição populacional em um
território, focando no seu uso sustentável de
acordo com os recursos disponíveis, a população,
o potencial econômico e o contexto atual de
desenvolvimento para atingir índices toleráveis
de crescimento econômico e social, embora isso
também se constitua em uma tarefa complexa.
A economia convencional (neoclássica) não
desconta dos índices de mensuração da riqueza
econômica como o PIB (Produto Interno Bruto) o
somatório das externalidades econômicas, como
propõe a economia ecológica, nem considera a
alocação inter-geracional de recursos não reno-
váveis, sendo um indicador impreciso da realidade
4 Convém ressaltar que uma das premissas básicas do comportamento do consumidor, segundo a teoria microeconômica é a de que uma quantidade maior de bens normais é sempre preferível, mesmo tratando-se de uma quantidade não significativa. Esse axioma também é conhecido como o da não saciedade (PINDYCK; RUBINFELD, 2005).
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econômica e ambiental de um país (MARTÍNEZ-
ALÍER, 1998).
Tolmasquim (1998) caracteriza as exter-
na lidades como efeitos positivos ou negativos
resultantes da definição imprecisa do direito de
propriedade, de caráter incidental, involuntário,
sem um controle direto sobre as fontes dos efeitos
externos. A poluição atmosférica causada por uma
fábrica é um exemplo de externalidade (negativa,
neste caso), porque afeta o ar, que é um bem
público (pertencente à coletividade) e tem caráter
involuntário, já que a finalidade do dono da fábrica
é teoricamente a produção, e não a poluição.
M’Gonigle (1999) distingue duas correntes
na economia ecológica: uma associada a uma
análise baseada em formalismos técnicos (de
ver ten te econômica neoclássica), na qual o meio
ambiente é analisado como mais um recurso para
finalidades econômicas, e outra de abordagem
mais ampla, que engloba um olhar profundo sobre
os contextos institucionais, em que são analisadas
as interações da sociedade, da política, da cultura
e do meio ambiente com a ciência econômica. O
autor considera que elas não são excludentes, mas
acabam complementando-se.
Söderbaum (1999), por seu turno, comple-
menta sobre a economia ecológica, afirmando que
seus recursos chaves são: (1) trabalhar para uma
sociedade sustentável com um senso ecológico, (2)
prontidão para encaminhar as questões fundamentais
de quadros conceituais e de valores, (3) interação
com acadêmicos de outras disciplinas e (4) observar
os imperativos essenciais da democracia. O autor
refere ainda que a economia ecológica tem uma
natureza interdisciplinar, podendo interagir com
várias áreas do conhecimento.
Para Melo (2006), a análise dos fluxos físi-
cos de energia e de materiais é um pressuposto
importante da economia ecológica, além da con-
sideração dos preços de mercado com o devido
rigor em suas análises, uma vez que estes podem
esconder relações ecologicamente desiguais.
Ressalta que a economia ecológica advoga uma
participação política ativa dos ambientalistas, a
fim de pressionar a sociedade para que o meio
ambiente receba a atenção adequada dos gestores
públicos na elaboração de projetos e formulação
de políticas específicas para as suas demandas.
M’Gonigle (1999) esclarece que a economia
ecológica aponta caminhos para a sustentabilidade
por meio de processos mais estáveis associados
com comunidades territoriais, que são formas
de organização participativa existentes dentro
de sistemas naturais. As comunidades, no seu
ponto de vista, podem constituir, portanto,
uma base apropriada para a construção de
políticas econômicas que garantam o êxito e
a sustentabilidade de projetos em um amplo
horizonte de tempo, desde que seja observado um
adequado planejamento territorial.
Teixeira (2009) demonstra as possibilidades
de integração entre comunidade, ética e economia
ecológica, a partir da construção de redes soli-
dárias, práticas de autogestão, técnicas de reci-
clagem de resíduos e reaproveitamento de mate-
riais, abordando a experiência da Comunidade
Sus tentável Morada da Paz desde 2003.
O planejamento territorial, de acordo com
M’Gonigle (1999), envolve seleção de territórios
restritos, socialização da riqueza produtiva do ter-
ritório, equalização de acesso à base de forças soci-
ais e econômicas e o fortalecimento de economias
territoriais através do reforço da autossuficiência e
o desenvolvimento de mercados controlados re-
gionalmente. O autor salienta ainda que o metabo-
lismo circular de estado-estável que está embutido
na comunidade social (com todos os processos ins-
titucionais e culturais que isto implica) é a essência
do modelo territorial.
104
3 O Pensamento Econômico de Schumacher
A tentativa de analisar as interações entre a
economia e diferentes correntes espiritualistas não
é algo inédito. Muitos autores já buscaram esse
caminho no passado e na contemporaneidade.
Neste artigo, limitaremos-nos à análise de E.
F. Schumacher, buscando dialogar com outros
economistas ecológicos e solidários na busca por
opiniões compartilhadas quanto às possibilidades
para um novo sistema socioambiental.
E. F. Schumacher nasceu na Alemanha e
estudou na Inglaterra nos anos 1930, quando se
tornou discípulo de John Maynard Keynes, um
dos expoentes do pensamento macroeconômico.
Também publicou artigos na companhia de
outros importantes economistas da época, entre
eles o polonês Kalecki. Auxiliou na reconstrução
da Alemanha no pós-guerra e realizou diversos
trabalhos de consultoria econômica, um deles na
Birmânia, em 1955, onde se inspirou para escrever sob
a economia na perspectiva budista. Propôs, assim,
uma base mais humanista para a ciência econômica.
Seu principal livro, O negócio é ser pequeno, um
estudo de economia que leva em conta as pessoas,
de 1973, é o resultado da compilação de uma série de
palestras realizadas e artigos publicados na década
de 1960 e início da década de 1970. Em duas obras
posteriores, aprofundou temas referidos no livro
inicial, como observaram Moraes e Serra (2005).
Schumacher (1983) tece críticas severas ao
processo de globalização, afirmando que ele poderia
provocar o desarranjo de estruturas produtivas
locais. No seu ponto de vista, o caminho mais ló-
gico para organizar o processo produtivo seria em
pequenas unidades, utilizando recursos disponíveis
no local (ou na região), tanto recursos naturais,
como mão de obra. Isso geraria benefícios às
economias locais, em sua concepção. Nesse sentido,
seu pensamento aproxima-se do pensamento de
muitos teóricos do desenvolvimento local, como
Tenório e Durán (2007).
O autor também critica a tendência de
grandes unidades fabris como padrões para a
produção e advoga que pequenas unidades fabris,
em que os trabalhadores produzem em equipa-
mentos que realcem o aspecto humano (criativo)
do trabalho, podem trazer viabilidade econômica e
eficiência técnica-produtiva.
Schumacher (1983) critica a economia con-
vencional, de vertente neoclássica, que ignora os
custos ambientais (externalidades) do processo
produtivo, operando dentro de uma lógica restrita que
considera apenas a questão de custo e benefício para
a alocação dos fatores e despreza a necessidade de
reciclagem e reutilização dos recursos. Assim, a visão
de Schumacher do sis tema econômico aproxima-se
do modo de pen sar dos fundadores da economia
ecológica, como Georgescu-Roegen, Martinez-Alíer
e Daly. Segundo a economia convencional, todos os
bens são tratados pelo mercado como mercadorias.
O autor considera que o mercado, ao atribuir preços
a bens e serviços, acaba retirando a sacralidade da
vida, uma vez que nada pode haver de sagrado em
alguma coisa precificada.
A economia, na visão de Schumacher
(1983), encerra a análise de questões éticas (níveis de
pobreza e riqueza, por exemplo), morais, ambientais,
políticas, culturais e institucionais. Nessa perspectiva,
a visão do autor é muito semelhante a de outros
economistas heterodoxos referidos neste artigo,
como Sen (1999), Söderbaum (1999), Cechin e Veiga
(2010) e Melo (2010). Percebe-se, dessa forma,
que a sua maneira de analisar o sistema econômico
leva em consideração aspectos interdisciplinares e o
pensamento complexo, que é exatamente o oposto da
visão reducionista-mecanicista de mundo difundida
por Descartes, Bacon e Hobbes, no século XIX.
A ciência econômica, ao ser equiparada à
física newtoniana na construção de suas teorias
e modelos, tornou-se abstrata demais para a
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compreensão da realidade dos fenômenos eco-
nômicos, dessa forma acabou limitando-se.
Schumacher (1983) reflete que a economia está
muito mais direcionada a analisar problemas de
uma forma quantitativa do que aprofundar a
análise qualitativa. Em sua opinião, os pressupostos
econômicos, ao suprimirem as diferenças quali-
tativas, tornam estéreis as teorias econômicas. A
análise econômica (econométrica) não leva em
consideração se o crescimento é benéfico ou não.
Entretanto, o autor pondera que é mais fácil lidar
com variáveis quantitativas do que manipular
informações qualitativas.
Schumacher (1983) defende a construção de
uma ciência econômica sobre outras bases e valores,
em que haja a consideração de diferenças qualitativas
entre bens e serviços pelo mercado. Para isso,
lança a proposição de uma economia baseada em
princípios e valores do budismo. Nessa perspectiva,
faz uma série de considerações para uma verdadeira
reprogramação da economia, como o princípio da
subsistência correta, com a redução do consumo às
necessidades básicas, a eliminação dos supérfluos e,
consequentemente, a busca por uma forma de vida
com mais simplicidade, liberdade e criatividade, em
pequenas unidades. Na atualidade, esse modo de vida
proposto por Schumacher tem sido experimentado
em inúmeras ecovilas e comunidades sustentáveis
espalhadas pelo mun do, como Findhorn (Escócia),
Lebensgarten (Alemanha), Cristal Waters (Austrália)
e Morada da Paz (Brasil), como referem Santos Jr.
(2006), Dornelles (2008) e Teixeira (2009).
Schumacher (1983) defende uma forma
de gestão participativa nas organizações, em
que os trabalhadores estejam engajados nos pro-
cessos de tomadas de decisões e sintam-se satis-
feitos com aquilo que realizam. Nesse aspecto, o
pensamento do autor aproxima-se de Cançado
e Cançado (2009), França Filho (2007) e Pinto
(2006), que destacam a autogestão como traço
característico dos empreendimentos solidários.
O trabalho desenvolvido de forma mecânica, na
opinião de Schumacher (1983), é maçante e noci-
vo espiritualmente ao trabalhador. Na visão da
economia budista, segundo o autor, o trabalho deve
conduzir à superação do ego, além de simplesmente
prover as necessidades básicas dos trabalhadores.
Quanto ao mercado, Schumacher (1983)
acre dita que ele é a institucionalização do indivi-
dualismo e da não responsabilidade, numa postura
claramente crítica à sua lógica de funcionamento.
Nesse ponto, o autor compartilha a mesma opinião
de Polanyi (2000), para quem o mercado representa
apenas uma dentre tantas outras formas de intera-
ções econômicas existentes na sociedade. Em sua
obra, Polanyi (2000) aponta a domesticidade, na
qual predomina a produção para o autoconsumo, a
reciprocidade, em que existe o processo de dar, rece-
ber e retribuir os bens (fortalecendo os la ços sociais,
dessa forma) e a troca, havendo uma organização
hierárquica que coordena a redis tribuição dos frutos
do trabalho coletivo, como os mutirões, por exemplo.
A sabedoria, conforme Schumacher (1983),
leva à paz e à permanência. Hoje poderíamos
traduzir estes termos como sustentabilidade,
ou desenvolvimento sustentável, conceitos que
ain da não haviam se disseminado na época de
Schumacher. A antítese da sabedoria são os con-
flitos e os tensionamentos, para o autor. Em suas
palavras, Schumacher (1983, p. 32) complementa:
O cultivo e a expansão das necessidades é a antítese
da sabedoria. É igualmente a antítese da liberdade e da
paz. Cada aumento de necessidades tende a agravar a
dependência de uma pessoa de forças externas sobre
as quais não pode exercer controle, e, portanto, agrava o
medo existencial. Só com uma redução de necessidades
pode-se promover uma genuína redução naquelas tensões
que são as causas fundamentais da discórdia e da guerra.
O problema não é acumular riquezas, des-
taca Schumacher (1983), mas segundo ele, na visão
budista, o problema consiste no apego à riqueza,
que impede as pessoas de enxergarem além
dos seus próprios interesses, contribuindo para
106
a construção de um pensamento autocentrado.
Esse aspecto nefasto do mundo contemporâneo
também é referido por Samten e Caruso Jr. (2004),
ao dialogarem sobre os problemas causados pela
atitude autointeressada do ser humano na interação
econômica e seu reflexo na degradação ambiental.
É preciso a sabedoria acumulada ao longo
da história, segundo Schumacher (1983), para o
ser humano continuar a trilhar o seu caminho de
evolução na Terra e esse caminho, segundo o au-
tor, deve ser preferencialmente o caminho do meio,
como idealiza a tradição budista.
Schumacher (1983) chegou a cunhar o termo
metaeconomia, o qual envolveria o estudo do
homem em seu meio ambiente. Esse segmento da
economia teria como foco a inferência de metas e
objetivos a partir do estudo do homem, tendo como
metodologia a observação da natureza. Segundo o
autor, a dependência do homem (e da economia)
com relação à natureza é ignorada pela economia
convencional (neoclássica), assim como também
constata a economia ecológica e seus principais
teóricos. Schumacher (1983) pondera que a análise
econômica convencional atribui maior valor ao
curto-prazo, não considerando os custos ambientais
(externalidades) que geram distorções nas análises
econômicas. Nesse ponto seu pensamento se
correlaciona com a análise de Tolmasquim (1998).
Schumacher (1983) afirma que toda a análise
econômica desconsiderou a base (meio ambiente)
em que se desenvolviam as atividades econômicas,
porque no momento de sua formulação ela parecia
inesgotável. A partir das provas de sua deterioração
ambiental, o autor reflete que as perspectivas e a
metodologia econômica passam a ser contestáveis.
Capra (2006) demonstra ter sido profun-
damente influenciado por Schumacher quando
se refere à necessidade do ser humano aprender
com os processos naturais, além de também
defender a importância da economia buscar um
perfil mais humanista.
Finalmente, Schumacher (1983) considera
a necessidade de um estudo da economia em
bases mais amplas (metaeconômicas), para que se
alcancem discernimentos válidos na construção de
políticas e projetos econômicos e que esses sejam
exitosos no alcance de suas metas e objetivos.
Considerações Finais
A economia ecológica e a economia soli dária
são dois ramos recentes do pensamento econômi-
co, sendo que suas abordagens encon tram muitos
pontos em comum, como a preo cupação com a
sustentabilidade ambiental nas atividades econômi-
cas. Tal fato tem fomentado o desenvolvimento de
novas pesquisas tanto empíricas quanto teóricas
utilizando essas duas áreas da ciência econômica.
Como foi possível verificar ao longo desse
ensaio, Schumacher apresenta opiniões que se
filiam tanto à economia ecológica como à econo-
mia solidária. Talvez por esse motivo, qual seja a
abrangência de seus pontos de vista, e a dificuldade
em enquadrá-lo em alguma vertente de pensamen-
to, ele tenha ficado à margem das próprias áreas
heterodoxas da economia e carente de uma leitura
mais aprofundada e de maiores comentários na li-
teratura econômica corrente.
Contudo, em um período de intensas crises
ambientais, sociais e econômicas, co mo vivencia-
mos na atualidade, as quais de man dam alterna-
tivas sustentáveis e ações efica zes para os seus
enfrentamentos, a (re)leitura de Schumacher pode
trazer inspirações interessantes aos cientistas que
pesquisam sobre a sustentabilidade socioambi-
ental na construção de projetos direcionados ao
bem-estar e a qualidade de vida das populações.
Nesse sentido, ressalta-se o caráter original, con-
temporâneo e interdisciplinar deste autor, cuja
contribuição continua viva, conforme se buscou
demonstrar no presente artigo.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 96 - 109, jan./jun. 2014107
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• Recebido em: 20/12/2012
• Aprovado em: 04/06/2013
Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUTAdoption of the strategic platform for information and communication
technology: analysis based on the UTAUT model
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014111
Fernando de Souza Meirelles1
Luci Longo2
Resumo
Este artigo apresenta um estudo desenvolvido em ambiente universitário e tem como foco a adoção
de tecnologia de informação por parte do corpo docente da Instituição nos processos educacionais. A
pesquisa se justifica em razão da pouca informação sobre as dificuldades de aceitação e intenções de
uso por parte dos professores e foi baseada no modelo UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology visando analisar o sistema e-learning para apoio de atividades educacional denominado
Moodle – Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment, da Universidade Estadual do Centro-
-Oeste do Paraná (Unicentro). A metodologia adotada foi qualiquantitativa e dividida em duas etapas. A
primeira serviu como diagnóstico, constatando que a Universidade tem diferentes estágios de adoção de
tecnologia e que o Ensino a Distância (EAD), implantado há pouco menos de três anos, já atingiu 42,5%
dos alunos. Na segunda etapa, foi realizada uma survey encaminhada aos docentes cadastrados para
uso dos recursos do sistema de tecnologia de informação e comunicação destinada à educação (TIC)
dos três campi universitários, totalizando 650 professores, equivalente a 86,4% do total dos docentes,
para testar se os elementos apontados no modelo teórico são comprovados empiricamente para a
adoção das TIC. A apresentação dos resultados possibilitou evidenciar a abrangência da teoria utilizada,
apesar do baixo índice de participação dos professores na pesquisa, mostrando a necessidade de novas
pesquisas para aprofundar o estudo no ambiente acadêmico e de medidas para tornar mais efetivo o
uso das TICs educacionais.
Palavras-chave: Adoção de Tecnologia de Informação. Tecnologia de Informação e Comunicação destinada
à Educação (TIC). Modelo Unificado de Aceitação de Tecnologia. Aspectos Sociais da TI.
Abstract
This paper presents a study developed in a university environment and which is focused on the adoption of
information technology by the teaching staff institution in the educational process. The research is justified
because there is few information about the difficulties of acceptance and usage intentions of professors
and it was based on the UTAUT (Unified Theory of Acceptance and Use of Technology) in order to analyze
the e-learning system for support of educational activities called Moodle – Modular Object Oriented
Dynamic Learning Environment, of the Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná (Unicentro). The
methodology was qualitative and quantitative and was divided into two stages. The first one was used as a
diagnosis, noting that the university has different stages of adoption of technology, and distance education
(e-learning), implanted just under three years, has reached 42.5% of students. In the second step, we
conducted a survey sent to teachers registered for use of system resources for Information Technology and
Communication to Education (ICT) of the three university campuses, a total of 650 teachers, representing
86.4% of all teachers; the survey research was conducted to test whether the elements highlighted in the
theoretical model are confirmed in empirical research of ITC adoption. The presentation of the results
allowed to highlight the scope of the theory used, despite the low level of teacher participation in research,
showing the need for further research to further study in the academic environment and measures to make
more effective use of ICT in education.
Keywords: Adoption of Information Technology. Information and Communication Technology for Education
(ICT). Unified Theory of Acceptance and Use of Technology (UTAUT). Social Aspects of IT.
1 Doutor em Administração de Empresas pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Professor Titular da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (EAESP). E-mail: [email protected].
2 Doutora em administração pela Fundação Getulio Vargas FGV-EAESP, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Professora da Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. E-mail: [email protected].
Adoção de plataforma estratégica de tecnologia de informação e comunicação: análise baseada no modelo UTAUTAdoption of the strategic platform for information and communication technology: analysis based on the UTAUT model
112
A Tecnologia de Informação (TI) tem sido
abordada sob diferentes enfoques, destacando sua
importância no ambiente empresarial, sua contínua
evolução e seus impactos para os indivíduos e para a
sociedade. A educação é uma das áreas que merece
destaque. Os estudos relacionados à educação
e evolução da TI já era destacada por Dertouzos
(1997), enfatizando que a Tecnologia de Informação
e Comunicação (TIC) podia ajudar a melhorar o
aprendizado, graças a sua capacidade de tratar
certas restrições existentes, tais como o tempo e o
espaço, para seus participantes e componentes.
Com este estudo, foi possível acompanhar
a evolução da TIC junto à Instituição de Ensino
Superior estudada. Um dos pontos centrais da
investigação foi verificar o funcionamento do
Moodle, o sistema de e-learning da Universidade,
bem como seu efetivo uso por parte dos docentes.
O sistema Moodle foi implementado inicial-
mente para o Ensino a Distância (EAD), devido à
parceria da Universidade e o Governo Federal, no
Programa Universidade Aberta do Brasil (UAB).
Estes esforços alavancaram a infraestrutura de TI.
A plataforma Moodle foi disponibilizada também
aos docentes do ensino presencial. Decorridos
mais de dois anos, não estava claro a participação
dos docentes e quais os principais motivadores do
uso do sistema.
O objetivo desta pesquisa, portanto, foi
estudar a adoção e intenção do uso de tecnologia
de informação por professores nos processos
educacionais, utilizando o modelo unificado de
aceitação de TI, Unified Theory of Acceptance
and Use of Technology – UTAUT (VENKATESH;
MORRIS; DAVIS, 2003).
A metodologia procurou formas para com-
preender algumas questões, como por exemplo, se
o gênero, idade, experiência e voluntariedade no uso
presentes no modelo teórico UTAUT são diagnosti-
cados na pesquisa empírica, interferindo na intenção
do indivíduo e também na frequência de uso.
O modelo de pesquisa adotado serviu de
base para orientar a pesquisa junto aos docentes
da Universidade Estadual do Centro Oeste do
Paraná, quanto à aceitação da plataforma Moodle
para o apoio às atividades educacionais da
Entidade dos cursos presenciais de Graduação e
Pós-Graduação.
1 Uso de Tecnologia de Informação e Comunicação
1.1 Tecnologia da Informação e Comunicação para Educação (TIC)
Damásio (2007) discorre sobre a utilização
da tecnologia no contexto educativo, e enfatiza que
o seu uso deve ser introduzido mediante reais ne-
cessidades dos sujeitos envolvidos e não somente
pelo fato de utilizar a tecnologia por ela mesma.
A TIC pode ser utilizada no contexto edu-
cacional, para apoiar atividades administrativas,
de gestão educacional, de aprendizagem, entre
outras. Nesta pesquisa, analisou-se a adoção
da TIC pelo corpo docente como ferramenta de
apoio às atividades de ensino e aprendizagem, ou
seja, como um sistema de gestão do aprendizado.
Este tipo de sistema agrega grande quantidade
de recursos que podem ser utilizados para
Introdução
A TIC pode ser utilizada
no contexto educacional,
para apoiar atividades
administrativas, de
gestão educacional, de
aprendizagem, entre
outras.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014113
disponibilização de materiais tais como artigos e
vídeos, construção individual do conhecimento
por meio de tarefas, construção colaborativa de
conhecimento por wikis e fóruns de discussão,
comunicação entre professor-aluno e aluno-aluno
via mensagens, fóruns de notícias e fóruns de
discussão em geral e avaliação do aprendizado do
aluno com a utilização de testes eletrônicos.
Estas tecnologias podem ser utilizadas
tanto para ensinar o aluno determinado conteú-
do, como para promover o desenvolvimento do
conhecimento e, neste contexto, o aprendizado
acontece pelo fato do indivíduo estar executando
determinada tarefa por intermédio da tecnologia
(VALENTE, 1993a).
Segundo Albertin (2010), estas tarefas po-
dem ser pesquisa de dados, elaboração de textos,
resolução de diversos domínios do conhecimento
e representação desta resolução, controle de
processos em tempo real, comunicação e uso de
redes de computadores, entre outras.
1.2 Adoção de Tecnologia
A adoção de tecnologia tem sido foco
de pesquisa de muitos autores. Um dos artigos
mais conhecidos sobre o tema é de Venkatesh,
Morris, Davis e Davis (2003), que divulgaram o
modelo utilizado nesta pesquisa o Unified Theory
of Acceptance and Use of Technology (UTAUT),
cuja tradução é Teoria Unificada de Aceitação e
Uso da Tecnologia.
Salienta Albertin (2010) que o processo
de aceitação e efetiva adoção de determinada
tecnologia é um ponto chave para o sucesso desta,
seja um sistema de informação, um processo ou
produto no ambiente digital (ALBERTIN, 2010).
A UTAUT é oriunda da consolidação das cons-
truções de oito modelos de pesquisas antecessoras:
(1) Teoria da ação racional (TRA); (2) Aceitação
do modelo de tecnologia (TAM); (3) Modelo
motivacional; (4) Teoria do comportamento
planejado (TCP); (5) Uma teoria combinada de TCP
e TAM (TAM2); (6) Modelo do uso do computador
pessoal (CP); (7) Difusão de inovações e (8) Teoria
social (cognitiva).
Visando compreender melhor a origem do
UTAUT, apresenta-se um dos modelos mais co-
nhecidos que o antecedeu, o Modelo de Aceita-
ção Tecnológica (TAM) – Technology Acceptan-
ce Model, que se refere ao momento quando os
usuários são apresentados a uma nova tecnolo-
gia, pois há fatores que influenciam na decisão de
usá-lo, quais sejam: percepção de utilidade e da
facilidade, ou seja, grau de percepção que uma
pessoa ao utilizar um determinado sistema, esta-
ria livre de esforço (DAVIS, 1989).
O UTAUT visa explicar também as intenções
do usuário para usar um sistema e comportamen-
to posterior. A teoria sustenta as quatro principais
construções: expectativa de desempenho, a expec-
tativa de esforço, influência social e condições de
facilidade. Além disso, os determinantes da intenção
de uso são os seguintes elementos: gênero, idade,
experiência e voluntariedade de uso (VENKATESH
et al., 2003).
O processo de aceitação
e efetiva adoção de
determinada tecnologia
é um ponto-chave para
o sucesso desta, seja um
sistema de informação, um
processo ou produto no
ambiente digital.
114
O modelo UTAUT, na FIG. 1, foi validado com sucesso em um estudo longitudinal, obtendo 70% da
variação na intenção de uso.
Intenção de
Uso
Comportamento
de Uso
Gênero Idade Experiência Voluntariedade
no Uso
Expectativa de
Desempenho
Expectativa de
Esforço
Influência
Social
Condições
Facilitadoras
FIGURA 1 – Modelo da Teoria Unificada de Aceitação da Tecnologia (UTAUT)
FONTE: Venkatesh et al. (2003)
2 Aspectos Metodológicos
2.1 Escolha da Empresa
A entidade escolhida para esta pesquisa é
uma das mais jovens Universidades do Estado do
Paraná, que surgiu da fusão de duas faculdades
dos municípios de Guarapuava e de Irati. A partir
do ano de 1997, depois de concluído seu processo
de reconhecimento, a Instituição iniciou seu
processo de expansão, implantando novos cursos
em diversas áreas do conhecimento. Atualmente,
conta com 59 ofertas de cursos.
Instalada na região central do estado, a
Unicentro conta com mais de cinquenta municípios
em sua região de abrangência, compreendendo
uma população de mais de 1 milhão de habitantes,
para os quais oferece uma variada gama de
serviços que propiciam maior desenvolvimento
regional. Conta com cursos de Formação Superior
de Graduação, Pós-Graduação e Ensino a Distância
(EAD), em parceria com o Governo Federal por
meio da Universidade Aberta do Brasil (UAB).
No ano em que foi desenvolvida a pesquisa a
universidade tinha 9.108 acadêmicos no ensino
presencial e 3.874 no EAD.
O processo de consolidação da Instituição
vem ocorrendo pelo reconhecimento da
comunidade e dos órgãos oficiais encarregados
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da gestão das políticas de Ensino Superior no país. Ressalta-se a implantação, no ano de 2006, dos quatro
primeiros programas de Pós-Graduação stricto sensu da Universidade, os mestrados nas áreas de Química,
Engenharia Florestal, Agronomia e Biologia.
2.2 Modelo Conceitual de Pesquisa
Com o objetivo de compreender melhor o atual estágio de adoção de TI, pelos docentes, nas atividades
educacionais de Graduação e Pós-Graduação dos cursos presenciais na Unicentro, aplicamos o modelo UTAUT,
com algumas adaptações, conforme a FIG. 2.
Esta abordagem possui apenas uma diferenciação em relação ao modelo original, ou seja, a proposição
ao modelo aponta que os elementos de gênero, idade, experiência e voluntariedade do uso podem interferir
na intenção do indivíduo e também na frequência da utilização do recurso tecnológico.
Intenção de Uso
Comportamento de Uso
PlataformaMoodle
(TIC para suporte das tarefas educacionais)
Gênero Experiência Voluntariedade no Uso
Expectativa de Desempenho
Expectativa de Esforço
InfluênciaSocial
CondiçõesFacilitadoras
DOCENTES - ENSINO SUPERIOR
Idade
FONTE: Os autores (2011)
FIGURA 2 – Modelo de Pesquisa baseado no UTAUT
116
2.3 População e Coleta de Informações
A pesquisa, para atender aos seus objetivos,
foi dividida em duas fases: (a) diagnóstico do uso de
TI pela Entidade (utilizando dados secundários dos
usuários ativos do Moodle) e (b) coleta de dados
junto aos docentes da entidade, por meio de uma
survey com questionário estruturado (opção digital
ou manual/físico), focado no objetivo da pesquisa.
Os professores dos três campi universitários
totalizam 752 indivíduos, entretanto, a pesquisa foi
encaminhada para aqueles que tinham seus cadas-
tros junto ao sistema, totalizando 650 professores.
A Unicentro, no ano de 2009, iniciou um programa
de treinamento para os professores, apresentando
o Moodle, sendo que nesta ocasião os professores
foram orientados a fazer seus cadastros e acessos
para a utilização básica do sistema.
Dos questionários que retornaram, pouco
mais de 100, muitos estavam com informações in-
completas, portanto, puderam ser aproveitados 56.
2.4 Procedimentos Adotados para Análise dos Dados
O tipo de pesquisa foi qualiquantitativo pa ra
alcançar a verificação empírica do assunto estuda-
do. Para responder ao objetivo proposto e para uma
efetiva triangulação das informações foram utiliza-
das diversas técnicas para a coleta de dados (DUBÉ;
PARÉ, 2003; EISENHARDT, 1989; YIN, 2001).
Na fase de diagnóstico, adotou-se fazer
inicialmente a coleta junto ao site da Universidade,
bem como a análise de documentos e entrevistas
semiestruturadas com o Coordenador da TIC, cuja,
sua equipe atende os três campi. Paralelo a isto, foi
feito entrevista com a Coordenadora do Programa
de Ensino a Distância, para compreender a atual
situação do EAD. Por último, foram obtidas
também informações, junto aos Departamentos,
Financeiro, da Reitoria e dos Recursos Humanos.
Para os testes, processamento dos dados
amostrais e validação do modelo proposto, uti-
lizou-se o software MINITAB versão 15.
Optou-se pela técnica de análise discri-
minante devido à variável resposta de natureza
binária. Foi construído um modelo de Regressão
Logística para encontrar os motivadores do uso
do sistema. A análise discriminante assume a se-
guinte forma:
Z= f(X1, X2, ..., Xp)
Z= a0 + a1 X1 + a2 X2+...+ap Xp
Onde:
Z = escore discriminante
a = intercepto
Xi = variável independente i
Regra de Decisão (Zo: é o ponto de corte
para classificação dos grupos):
Z > Z0 = G1 (usuários)
Z < Z0 = G2 (Não Usuários)
Para mensurar se o modelo ajusta-se aos
dados, foram feitos alguns testes de validação,
como o teste de Hosmer-Lemeshow. Também foi
analisada a significância do modelo e a hipótese
nula foi rejeitada: Ho: (b1=0, b2=0,.... bp = 0). As
variáveis mais ajustadas ao modelo, quanto ao uso
do sistema foram: Intenção e Frequência, sendo
G = 21,176, DF = 2, P-Value = 0,000.
3 Apresentação e Análise dos Resultados
3.1 Descrição da Plataforma Moodle/Unicentro
O Moodle – Modular Object-Oriented
Dynamic Learning Environment – é um ambiente
virtual de aprendizagem (AVA), também conhecido
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como LMS – Learning Management System, que
tem destaque no mercado digital, devido às suas
diversas possibilidades. Muitas instituições utilizam
essa ferramenta em cursos on-line, blended ou
como apoio a cursos presenciais, todas elas com
o intuito de dar suporte ao aluno por meio da
atuação de professores e/ou tutores (CTAE, 2011).
Tecnicamente, o Moodle é um software
de Open Source, o que significa que é livre para
carregar, usar, modificar e até mesmo distribuir (sob
a condição do GNU). Funciona sem necessidade de
modificação em Unix, Linux, Windows, Mac OS X,
Netware e em qualquer outro sistema que suporte
a linguagem PHP, podendo, portanto, ser incluído
na maioria dos provedores de hospedagem. Os
dados são armazenados em um único banco de
dados e de maneira mais eficiente com MySQL e
PostgreSQL, porém também pode ser utilizado
com Oracle, Access, Interbase, ODBC, entre outros.
O Moodle é um projeto de desenvolvimento
contínuo projetado para apoiar o sócio cons-
trutivismo educacional. Conjuga um sistema de
administração de atividades educacionais com
um pacote de software desenhado para ajudar os
educadores a obter alto padrão de qualidade em
atividades educacionais no ambiente on-line.
Este sistema gera informações e relatórios
referentes a sua utilização. Para evidenciar a adoção
dos usuários ativos, apresentam-se algumas
informações geradas para a Coordenação de TI da
Universidade. No que se refere à situação atual do
EAD, há 10 cursos em funcionamento, 3.874 alunos
e 550 tutores externos ligados ao programa.
Indicando o volume movimentado pelos
usuários, em números totais, houve 21.892 visi-
tantes, 52.807 visitas, ou seja, 2,41 acessos por
visitantes. Mensurando o volume de informação, as
visitas equivalem a 54,21 GB ou 1076,3 KB por visita.
Verificando as informações do último trimestre de
2010, conforme a TAB. 1, é possível ter noção do
fluxo dos usuários do sistema e da utilização do
Moodle e o tempo médio destas.
TABELA 1 – Duração das visitas no Moodle
Tempo médio das
visitas
Número de
visitasPor cento
0s-30s 8.376 15.8 %
30s-2min 7.844 14.8 %
2min-5min 7.827 14.8 %
5min-15min 9.303 17.6 %
15min-30min 5.650 10.6 %
30min-1h 6.231 11.7 %
1h+ 7.440 14%
Desconhecido 163 0.3 %
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
O Moodle conjuga um
sistema de administração
de atividades educacionais
com um pacote de software
desenhado para ajudar os
educadores a obter alto
padrão de qualidade em
atividades educacionais
no ambiente on-line.
O GRÁF. 1 ilustra os Cursos Ativos de Ensino
a Distância (EAD) com maior participação no uso
da plataforma Moodle, desde a implantação do
sistema em 2009:
118
190, 000
152, 000
114,000
76,000
38,000
0
TC
C-
Gest
ão
Int.
à in
form
áti
ca 2
010
Intr
od
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010
Imers
ão
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010
TIC
s -
20
10
AtividadeAtividade
GRÁFICO 1 – Uso do Moodle nos Programas de EAD
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
Analisando apenas um curso e as movi-
mentações do EAD, tomando-se como exemplo
o curso de Gestão Escolar, que completou seu
ciclo na fase final de conclusão de curso, verifica-
se a participação de três agentes (usuários do
sistema) que utiliza a nomenclatura distinta, con-
forme segue:
a) Estudantes – não há diferença de
nomenclatura;
b) Assistentes – que dão suporte aos
estudantes, denominados operadores
ou tutores;
c) Professor – também recebe a
denominação de tutor.
Destaca-se algumas características que são
ine rentes à funcionalidade do EAD na entidade
estudada, os assistentes que dão suporte no dia
a dia e os professores são chamados de tutores.
A responsabilidade e organização do conteúdo
é atribuição do professor, assim como programa
da disciplina, material, exercício e atividades de-
senvolvidas, mas em geral o professor não está
permanentemente em contato virtual com o aluno
do EAD, pois a equipe de assitentes é que oferece
o suporte para estes alunos e também é o elo de
informação junto ao professor.
Verifica-se que em um semestre de atividades
aproximadamente, há picos de acessos dos
usuários de forma diferenciada. As participações
do estudante e do tutor assemelham-se às
demandas de um curso de orientação presencial.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014119
FONTE: Coordenação de TI/UNICENTRO (2010)
GRÁFICO 2 – Acesso na disciplina TCC Gestão Escolar
Estudante
Tutor
Moderador
21/08/24
25/11/21
01/03/19
04/06/16
08/09/13
13/12/10
18/03/08
22/06/05
26/09/02
00/01/00
17/05/2010 17/06/2010 17/07/2010 17/08/2010 17/09/2010 17/10/2010
3.2 Análise e Validação do Modelo para a
Amostra Obtida na Pesquisa Uso do
Moodle-Unicentro
Alguns pontos da análise são destacados, conforme mostra a primeira parte da TAB. 2, com o resumo
da variável de saída (binária), sendo o uso da TIC, 1 para sim e 0 para não.
Do conjunto de variáveis previsoras (inde pendentes) do modelo UTAUT, as variáveis SIDADE, EXPER,
destacadas na TAB. 2, possuem parâmetros não significantes para o modelo em 10%. Dessa forma, foram
retiradas estas variáveis para compor o modelo final.
120
Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit )
Método Chi - Quadrado DF P
Pearson 74,7335 34 0,000
Deviance 39,6591 34 0,232
Hosmer-Lemeshow 8,4488 8 0,391
Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores
Número de Pares Percent Medidas Resumo
Concordante 688 88,8 D de Somers 0,78
Discordante 83 10,7 Goodman-Kruskal Gamma 0,78
Ties 4 0,5 Kendall’s Tau-a 0,39
Total 850 100
TABELA 3 – Testes estatísticos de ajustes e associação
FONTE: Os autores (2011)
Previsores Coef SE Coef Z PRelação de
ProbalidadeMínimo Máximo
Constante - 7,670 2, 555 - 3,000 0,003
SIDADE 0,425 0,722 0,590 0,556 1,530 0,370 6,300
SGÊNERO 2,286 0,875 2,610 0,009 9,830 1,770 54,640
EXPER - 0,240 0,355 - 0,680 0,498 0,790 0,390 1,580
INTENÇÃO 2,480 1,191 2,080 0,037 11,940 1,160 123,130
Log-Probalidade = - 23,465
Teste (slopes = zero): G= 30,058 DF = 5,0 P-Value = 0,000
Variável Dependente (Binária) Valor Quant.
USO 1 25
0 31
TOTAL 56
Intervalo de
Confiança95%
TABELA 2 – Regressão logística: uso de TI x variáveis previsoras
FONTE: Os autores (2011)
No teste de significância, conforme TAB. 3, pelo valor de P, pode ser rejeitada a hipótese nula. Entretanto,
a estatística e o teste de Hosmer Lemeshow mostram que o modelo não se ajusta aos dados, mesmo com o
índice D de Somers mostrando uma concordância de 78%.
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Intervalo de
Confiança95%
Previsores Coef SE Coef Z PRelação de
ProbalidadeMínimo Máximo
Constante - 3,39572 1,1833 -2,87 0,004
INTENÇÃO 2,64870 1,1292 2,35 0,019 14,14 1,55 129,28
FREQUÊNCIA 1,09526 0,4893 2,24 0,025 2,99 1,15 7,80
Log-Probalidade = -27,906
Teste (slopes = zero): G=21,176 DF = 2,0 P-Value = 0,000
TABELA 4 – Regressão logística: uso x previsoras intenção e frequência
FONTE: Os autores (2011)
Testes Estatísticos de Ajustes (Goodness-of-Fit )
Método Chi - Quadrado DF P
Pearson 26,522 5 0,00
Deviance 13,4358 5 0,02
Hosmer-Lemeshow 20,9454 3 0,00
Medidas de Associação: Entre a Variável e os Preditores
Número de Pares Percent Medidas Resumo
Concordante 587 75,7 D de Somers 0,69
Discordante 50 6,5 Goodman-Kruskal Gamma 0,84
Ties 138 17,8 Kendall’s Tau-a 0,35
Total 775 100
Na sequência, os cálculos foram processados novamente, considerando apenas as variáveis Intenção e
Frequência. Os resultados encontram-se na TAB. 4.
Na TAB. 4, os testes estatísticos indicam um
bom nível de concordância quanto à associação
entre a Variável resposta “Z” e as variáveis pre-
visoras (Intenção e Frequência).
O teste de significância, pelo valor de P
indica que a hipótese nula pode ser rejeitada, ou
seja, pelos menos um dos b é diferente de zero. O
modelo se ajusta aos dados pelo teste estatístico
de Hosmer Lemeshow e o teste D de Somers
mostra uma concordância de 69%.
Neste modelo (TAB. 4), todas as estimativas
dos parâmetros das variáveis são significantes em
0.10. O valor de P é zero. Dessa forma, a equação
da regressão logística para o escore do modelo é:
Z = -3,39572 + 2,64870*INTENÇÃO + 1,09526*FREQUÊNCIA
Indicando quanto aumenta “Z” a cada aumento de uma unidade de X. Então, o uso da TIC triplica para
cada aumento de uma unidade de intenção de uso e o aumento de frequência em uma unidade significa
aumento de “Z” em 1,09526.
122
3.3 Outras Informações da Pesquisa
Os docentes envolvidos nos cursos de
ensino a distância são necessariamente usuários
do Moodle. Mas o interesse foi destinar a pesquisa
a todos os docentes que fazem parte do quadro
de professores ativos da entidade. Os resultados
dos questionários que retornaram e válidos,
envolvendo os usuários e não usuários, quanto ao
gênero são 39% mulheres e 61% homens.
O GRÁF. 3 evidencia a idade dos docentes
envolvidos na pesquisa, segundo o modelo UTAUT,
verifica-se que há uma predominância da faixa
etária dos 25 aos 40 anos com 57%.
GRÁFICO 3 – Idade dos participantes
FONTE: Os autores (2011)
Do total dos respondentes da pesquisa,
apenas 45% utilizam o Moodle, conforme apre-
sentado na TAB. 5. Quanto à intenção de uso do
sistema, grande parte dos professores, que não
usam, afirmaram iniciar no próximo período letivo,
ou seja, ainda no ano de 2011, uma vez que a pesquisa
foi desenvolvida entre final de 2010 e início de 2011.
TABELA 5 – Detalhamento dos usuários
Utilização do Moodle Respondentes
Usam
(frequência do uso Mensal e Bimestral)45%
Perspectiva Respondentes
Intenção de uso em 2011
Não têm intenção de usar
73%
27%
FONTE: Autores (2011)
Mais de 60
anos 2% Até
25 anos 5%
Mais de 25 anos até
40 anos 57%
Mais de 40
anos até 60
anos 36%
Entre os usuários do sistema Moodle da
amostra, o que representa pouco menos da metade,
em relação à motivação de uso, destacam-se as
condições de facilidade 32% e expectativa de
melhoria de desempenho 29%. Outras informações
aparecem ainda na TAB. 6.
O tempo de experiência de docência é um
dos elementos do modelo e nos resultados não
houve um grupo predominante.
O tempo de experiência de docência é um
dos elementos do modelo e nos resultados não
houve um grupo predominante.
No GRÁF. 4, apresenta-se o tempo de expe-
riência dos professores, representado em número
de anos de docência. Ocorre uma divisão bastante
semelhante em termos percentuais para os grupos,
sendo o grupo mais numeroso dos usuários do
instrumento de TIC foram professores com pouca
experiência (0-3 anos) e os professores que menos
utilizam do sistema Moodle são os docentes com
mais de 20 anos de experiência.
TABELA 6 – Motivação para o uso
Motivador de Uso Respondentes
Por expectativa melhoria de
desemprenho29%
Por expectativa melhoria de esforço 4%
Por influência dos colegas (social) 4%
Por condição de facilidade 32%
Não responderam 32%
100%
FONTE: Autores (2011)
Mais de 10 anos até
20 anos
24%
0 até 3
anos 28%
Mais de 6 anos até
10 anos 20%
Mais de 3 anos até
6 anos
24%
Mais de 20
anos 4%
GRÁFICO 4 – Experiência dos docentes
FONTE: Os autores (2011)
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 110 - 125, jan./jun. 2014123
Estes dados parecem lógicos, também
evidenciam a utilidade do modelo teórico UTAUT,
na análise empírica para o mapeamento dos
usuários, visto que professores com maior tempo
de experiência utilizam menos o sistema Moodle
e de forma esporádica, já os professores com
menos tempo de docência utilizam o sistema com
mais frequência (diariamente, semanalmente ou
mensalmente de forma regular).
Conclusões
A Instituição de Ensino estudada teve
muitas mudanças, em pouco mais de uma década,
no seu processo de evolução da TI/TIC. Segundo
a entrevista com o Coordenador da TIC, o site
foi implementado no ano de 1997. Em 1999, deu-
-se início ao sistema de secretaria e em 2002 os
acadêmicos passaram a ter acesso para consultar
suas notas on-line. Também a partir do ano de 2002
foram disponibilizadas as grades de cursos e outras
informações sobre os Programas da Universidade.
Naquele ano iniciaram-se as inscrições para o
vestibular on-line. Atualmente possui inúmeros
cursos ofertados em parceria com a Universidade
Aberta do Brasil e utiliza a plataforma Moodle
para suporte destes cursos, bem como para as
atividades de ensino presenciais na Graduação,
Pós-Graduação e Extensão.
Esta pesquisa evidenciou a abrangência
do modelo UTAUT, confirmando sua validade
para explicar o uso e aceitação de tecnologia pe-
los docentes analisados. A variável ”Intenção de
Uso” de TI do modelo UTAUT recebe inúmeros
estímulos de variáveis relacionadas ao compor-
tamento do indivíduo, consequentemente impli-
cará em uso e frequência de uso da tecnologia
de informação disponível.
Quanto às implicações práticas, verifica-
-se que a aceitação de tecnologia de informação
somente ocorre quando da pré-disposição do
professor para uma determinada tecnologia,
o Moodle, no caso específico desta pesquisa.
Portanto, o êxito está atrelado ao convencimento
da utilidade e de facilidade do uso. Estas questões
podem ser utilizadas para melhorar as ações por
parte da gestão e para aumentar a utilização das
plataformas de apoio à docência.
Uma das limitações da pesquisa foi o
baixo número de questionários que retornaram
com todas as questões respondidas, mas este
fator não impediu a evidenciação dos problemas
relacionados à aceitação e uso de tecnologia por
seus professores. No ambiente acadêmico atual, os
docentes enfrentam o desafio de adaptação aos
novos instrumentos de trabalho, uma vez que o
aluno, de modo geral, já tem bastante familiaridade
com a tecnologia disponível.
A busca acelerada por novas tecnologias
vem ocorrendo na maioria das Instituições de En-
sino Superior no Brasil. A entidade estadual públi-
ca, não está isenta da pressão dos concorrentes,
como as instituições da iniciativa privada que in-
vestem fortemente em TIC e em melhoria da in-
fraestrutura educacional.
É fundamental que novas pesquisas inves-
tiguem mais detalhadamente os docentes que
não utilizam a plataforma Moodle, ou outro sis-
tema de apoio de ensino, a fim de mapear as
intenções de uso e, dessa forma, promover ações
direcionadoras para o corpo docente, visando
ampliar a compreensão dos instrumentos que são
disponibilizados, por meio de treinamentos, grupos
de usuários multiplicadores entre outras ações.
• Recebido em:23/04/2012
• Aprovado em: 04/06/2013
124
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Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e Contabilidade de CustosCase study method as constructivist teaching strategy: proposed
application courses in Management and Cost Accounting
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014127
Método de estudo de caso como estratégia construtivista de ensino: proposta de aplicação nos cursos de Administração e Contabilidade de CustosCase study method as constructivist teaching strategy: proposed application courses in Management and Cost Accounting
Resumo
Este artigo objetiva apresentar uma proposta de aplicação do método de estudo de
caso, consagrado na área de pesquisa, como estratégia de ensino. A culminância
deste trabalho, a partir da pesquisa bibliográfica, foi a elaboração do protocolo
de estudo de caso. A abordagem do estudo de caso como estratégia didático-
pedagógica tem referencial construtivista. A complementaridade das características
do método e as demandas da área de Administração o qualificam à condição de
estratégia de ensino. Os argumentos concatenados convergiram para a viabilidade
de aplicação do método como estratégia de ensino, mas aponta para a necessidade
de se repensar aspectos relacionados às condições de aplicação em razão das
limitações mapeadas nesse estudo.
Palavras-chave: Construtivismo. Estudo de Caso. Estratégia de Ensino. Método do
Caso. Pesquisa. Imersão.
Abstract
This article presents a proposal of application of case study method, enshrined in
research, as a teaching strategy. The culmination of this work, from the literature, was
the preparation of the case study protocol. The case study approach as didactic-
pedagogic strategy has the Constructive. The complementarity of the features of the
method and the demands of the Administration area qualify for the status of teaching
strategy. The arguments concatenated converged on the feasibility of applying the
method as a teaching strategy, but points to the need to rethink aspects related to the
conditions of application because of limitations in this study mapped.
Keywords: Constructivism. Case Study. A Teaching Strategy. Case Method. Search.
Immersion.
Georgia Fabiana da Silva1
Mariano Yoshitake2
Suely Morais de França3
Yumara Lúcia Vasconcelos4
1 Egressa do curso de Engenharia Florestal da Universidade Federal Rural de Pernambuco - UFRPE. E-mail: [email protected] Mestre em Administração das Faculdades Alves Faria – ALFA. E-mail: [email protected] Mestranda em Gestão e Tecnologia em Educação a Distância da Universidade Federal Rural de Pernambuco –
UFRPE. E-mail: [email protected] Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia. Professora da Universidade Federal Rural de
Pernambuco - UFRPE. E-mail: [email protected].
128
Introdução
O estudo de caso define-se como méto-
do de exploração de realidades, denominadas de
unidades-caso, apresentando cunho investigativo
(analítico). Sua operacionalização pode ser norteada
por uma ou mais provocações, as quais podem sur-
gir ao longo da experiência de imersão, suscitando
novos recortes e análises. A proposta enunciada
neste trabalho destaca a importância do estudo de
caso e sua abordagem construtivista e o referencial
pedagógico adequado à aplicação didática da es-
tratégia. O emprego do método como estratégia de
ensino, entretanto, não o faz perder sua identidade
de investigação empírica (usualmente referenciada
nos trabalhos de pesquisa). O caso, como parte de
uma estratégia pedagógica, é tratado como cul-
minância de um processo de vivência do aluno, que
se envolve com a realidade investigada, interpre-
tando-a, atribuindo significado e elaborando con-
clusões a partir dessas observações (participação
ativa do discente: da gênese do caso aos produtos
propriamente ditos, que correspondem à análise
crítica e intervenção).
[...] um caso é a descrição de uma situação administrativa
recente, comumente envolvendo uma decisão ou um
problema. Ele normalmente é escrito sob o ponto
de vista daquele que está envolvido com a decisão e
permite aos estudantes acompanhar os passos de quem
tomou a decisão e analisar o processo, decidindo se o
analisaria sob enfoques diferentes ou se enveredaria por
outros caminhos no processo de tomada de decisão
(ERSKINE et al, apud CESAR, 2006, p. 10).
Na composição do case, nesse formato
de aplicação, o aluno é livre para formular seus
métodos de trabalho, aportar diferentes ferramentas
de análise e conteúdos. Essa plasticidade de
abordagem e liberdade de criação é que conferem
identidade construtivista à prática. O discente
pode, ainda, assumir o propósito de intervir na
realidade investigada ou situação-problema, mas
posteriormente a elaboração do estudo, o qual
viabilizará a sugestão de pontos para intervenção.
As recomendações advindas dos estudos de caso
(nessa abordagem de aplicação) são, desta forma,
produtos de convergência.
O estudo de caso como estratégia pedagógi-
ca tem potencial de intervenção na realidade investi-
gada, visando dentre outros propósitos, desenvolver
no discente a capacidade de análise (interpretação,
julgamento), síntese e planejamento de intervenção
(função proativa).
É a formação de pontes ou canais entre análise
e decisão (ou conclusão) que revela o referencial
pedagógico subjacente à prática.
O método, nesta proposta, exige que o fenô-
meno ou realidade seja recortado em dimensões
de análise para facilitar o processo de exploração.
Reclama-se que essas dimensões reflitam uma
plataforma teórica como base de sustentação.
O tema reveste-se de inequívoca impor-
tância posto que a prática docente nas áreas de
A estratégia de estudo de caso ressalta o valor do ensino experiencial,
promovendo um enquadramento social
importante, pois o ensino não pode ser baseado
exclusivamente em abstrações ouconsiderações
ideais.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014129
Administração e Contabilidade ainda se ressente
de uma abordagem pragmática, contextualizada e
inserida nas demandas de mercado. Vislumbra-se,
nesta proposta, uma possibilidade real de aplicação
do método na consecução dessa lacuna.
Acredita-se que o método, já consagrado em
pesquisas, pode se apresentar eficaz como estraté-
gia de ensino (especialmente na Administração de
Custos), se conduzida como resultado da imersão
do aluno no ambiente profissional. Assim, este
trabalho objetiva discutir o estudo de caso sob a
perspectiva instrumental, facilitadora da aprendiza-
gem, culminando numa proposta de aplicação.
A estratégia de estudo de caso ressalta o
valor do ensino experiencial, promovendo um
enquadramento social importante. O ensino não
pode ser baseado exclusivamente em abstrações
ou considerações ideais. É importante que o aluno
seja apresentado às limitações de sua realidade,
nível que é alcançado pela imersão em campo.
Esta foi a principal justificativa à modelagem da
estratégia apresentada.
Dentro desse cenário, estabeleceu-se como
problematização deste estudo: o método de
estudo de caso, à luz da orientação teórica cons-
trutivista, amplia suas possibilidades de aplicação
como estratégia de ensino, pesquisa e extensão?
Considerando o eixo de abordagem apresentado,
a pesquisa enquadra-se como qua litativa, de na-
tureza exploratório-descritiva e propositiva.
O objetivo geral é apresentar o método
de estudo de caso, a partir da orientação cons-
trutivista, como estratégia de ensino.
Os objetivos específicos são: identificar
ex periências na elaboração de estudos de casos
descritos nas obras revisadas, especialmente as
dificuldades encontradas; diferenciar o método
de caso (estratégia de ensino) do estudo de
caso (método de pesquisa); recolher e estruturar
argumentos necessários para a adaptação do
método de estudo de caso (formato empregado
nas atividades de pesquisa) à condição de estra-
tégia de ensino.
Utilizou-se de pesquisa qualitativa que,
segundo Tozoni-Reis (2009), tem base o estudo
de pontos de vistas, olhares e experiências
vivenciadas pelos sujeitos da pesquisa que, neste
trabalho, foram os autores revisados, uma vez
que esta pesquisa tem natureza eminentemente
bibliográfica. Exploraram-se, nas leituras dos
trabalhos revisados, alguns fundamentos que
abonam a tese advogada neste trabalho, a qual
ressalta o valor do método de estudo de caso para
qualificação do processo ensino-aprendizagem.
O estudo foi desenvolvido conforme a se-
guinte sequência:
1. realizou-se a composição do eixo meto-
do lógico (elementos estruturantes do
estudo);
2. procedeu-se à revisão de literatura, ex plo-
rando-se as bases de dados Directory of
Open Access Journals (DOAJ) e SciELO
Brazil (Scientific Electronic Library Online);
3. realizou-se a triagem de trabalhos ci-
en tíficos, a partir do recorte definido,
objetivando a concentração da abor-
dagem em torno do eixo problemati-
zante, ini ciando-se em seguida o estudo
sis temático do material selecionado
visan do ao desenvolvimento da linha de
argu mentação.
4. Após o levantamento citado, prosseguiu-
se com a análise de conteúdo (técnica
aplicada ao exame acurado das obras
revisadas sob um olhar crítico e focado,
de modo a ensejar inferências dentro
do recorte investigado.
130
1 Fundamentos do Estudo
Nesta seção serão apresentados os aspectos
conceituais atinentes ao estudo de caso, ressaltando
suas aplicações e alcance.
De acordo com o protocolo de pesquisas,
a revisão de literatura explorou as bases de dados
Directory of Open Access Journals (DOAJ) e SciELO
Brazil (Scientific Electronic Library Online).
1.1 Estudos de Caso
Gil (2005, apud FAGUNDES 2009, p. 26)
conceitua estudo de caso como “[...] estudo
profundo e exaustivo de um ou poucos objetos,
de maneira que permita seu amplo e detalhado
conhecimento”. O método tem por objeto uma
ou mais unidades-caso, as quais podem ser uma
organização, um projeto, uma situação-problema,
um programa, decisões, um conjunto de processos,
uma perspectiva ou qualquer outro elemento de
análise (incluindo unidades sociais – um indivíduo,
um grupo, uma comunidade, ou mesmo, um país).
Seu enfoque é predominantemente descritivo.
Yin (2005) ressalta que o emprego do
estudo de caso tem o potencial de contribuir para
a compreensão dos fenômenos em nível individual,
característica que amplia seu alcance naquele
raio (unidade-caso), em face da profundidade
na abordagem, orientação compartilhada por
Fagundes (2009). A unidade-caso é a matéria-
-prima e objeto delimitado de investigação. “Vale, no
entanto, lembrar que a totalidade de qualquer objeto
é uma construção mental, pois concretamente não
há limites, se não forem relacionados com o objeto
de estudo da pesquisa no contexto em que será
investigada” (VENTURA, 2007, p. 384).
A aplicação do método enseja o esboço
de respostas a situações reais e complexas, por
meio de uma abordagem de ênfase aplicada na
avaliação dos problemas investigados. O método
pressupõe a decomposição de uma situação-
-problema em instâncias unitárias de análise.
Na própria conceituação de estudo de caso
– exame aprofundado e sistemático de uma instân-
cia – está implícita a necessidade de um contato es-
treito e prolongado do pesquisador com a situação
ou objeto pesquisado (ANDRÉ, 1984, p. 53).
Essa abordagem impõe contornos precisos
aos trabalhos, direcionando a prática para ângulos
de leitura relevantes à exploração dos problemas e
encaminhamento de soluções. De fato, “mediante
um mergulho profundo e exaustivo em um
objeto delimitado, o Estudo de Caso possibilita
a penetração em uma realidade social, não
conseguida plenamente por um levantamento
amostral e avaliação exclusivamente quantitativa”
(MATIAS, 2008, p. 9).
Fagundes (2009) resume o processo em
duas etapas principais: escolha e definição da
unidade-caso e determinação do número de ca sos,
que deve ser suficiente para alcance dos objetivos da
pesquisa. Gil (2002, p. 137) estabelece as seguintes
etapas: formulação do problema; definição da
unidade-caso; determinação do número de casos;
elaboração do protocolo; co leta de dados; avaliação
e análise de dados; e preparação do relatório.
Martins (2008a) ressalta a necessidade
de uma abordagem formal junto à unidade-caso
para obtenção da autorização para acesso do
pesquisador e do aporte de teorias explicativas
(lastro teórico):
Um estudo de caso começa com a permissão para
realizá-lo e um plano incipiente – uma carta de intenções
– que vai se delineando mais claramente à medida que
se desenvolve. Inicialmente, são enunciadas algumas
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014131
O discente, na composição do caso sob tu-
toria do professor, ganha nessa iniciativa a possibi-
lidade de identificar e analisar problemas reais, sob
diferentes perspectivas e recortes, ensejando pro-
fundidade à elaboração do conhecimento. Trata-se
de uma oportunidade singular para confrontar a
teoria: os estudos realizados contra os dados reve-
lados por meio da investigação naquela instância
da realidade. A segregação da realidade em instân-
cias estabelece foco e direcionamento, o que viabi-
liza a especialização na abordagem.
André (1984, p. 52) enfatiza que os estudos
de caso “é assim um “sistema delimitado”, algo
como uma instituição, um currículo, um grupo uma
pessoa, cada qual tratado como uma entidade
única, singular”. Uma mesma unidade-caso tem
o potencial de abrigar diferentes linhas de desen-
volvimento, circunscritas em limites bem definidos.
Significa que uma mesma situação-problema pode
ser avaliada sob perspectivas distintas, o que torna
os casos sempre particulares.
Inexiste consenso na literatura do que se-
ja realmente um estudo de caso. O que seria uma
análise profunda? Quais os parâmetros a serem
utilizados nessa análise? Essas são ques tões
metodológicas fundamentais, porque a confia-
bilidade desses estudos depende do modus como
foi desenvolvido (juízo de validade), assim como
sua contribuição, se assenta na análise crítica
empreendida. Os estudos de caso não devem se
restringir a narrativas, posto que é o componente
crítico que enseja um juízo de valor.
Apesar das diferenças identificadas nas defi-
nições, são elementos recorrentes nas seções dos tra-
balhos científicos que utilizam o método: estudo pro-
fundo; análise de um fenômeno (evento) delimitado
no tempo, espaço, área e/ou atividade; descrição de
uma unidade social e investigação empírica. A deter-
minação dos limites periféricos de um estudo de caso
questões orientadoras e colocados pontos críticos que
serão melhor explicitados e reformulados à medida que
o estudo avança. Nesta primeira etapa são iniciadas
as reflexões e ações para a definição do escopo do
objeto do estudo, e enunciadas proposições – teses
– que compõem uma teoria preliminar sobre o caso,
sendo discutidas e defendidas ao longo do trabalho, na
busca da construção de uma teoria que possa explicar
o fenômeno sob investigação (MARTINS, 2008a, p. 10).
Vasconcelos (2012, p. 1) sugere o desenvolvi-
mento dos trabalhos seguindo a trilha descrita:
Planejamento (definição de objetivos, formulação da
questão principal estruturante e aquelas de natureza
secundária, seleção de técnicas de coleta e de análise de
dados, desenho da sistemática de obtenção dos dados,
estabelecimento do perfil dos sujeitos de pesquisa e da
abordagem a ser adotada junto aos mesmos, organização
do processo de mapeamento de dados, dentre outros
elementos metodológicos); escolha e definição da
unidade-caso (recorte); elaboração e formalização do
protocolo de estudo; imersão na realidade investigada
para observação in loco; coleta de dados; organização dos
dados obtidos; análise e discussão dos resultados, à luz
dos objetivos planejados e problematização formulada;
elaboração das conclusões, a partir do referencial teórico
e resultados obtidos.
Independente do roteiro adotado, o plane-
jamento do estudo assume posição de relevo, fa-
tor determinante para sua qualidade.
A prática do estudo de caso demanda o
aporte de pesquisadores docentes especializados
na área, com sensibilidade apurada o suficiente para
perceber as nuances da realidade investigada, ca-
pacitados à transcrição fidedigna dessa percepção,
e com afirmação aparentemente contraditória frente
à proposta deste trabalho. O estudo de caso como
estratégia de ensino deve ser orquestrado pelo do-
cente experiente, todavia com a participação ativa
do aluno (devidamente preparado) no processo de
construção do conhecimento.
132
justifica-se pela impossibilidade de o pesquisador
analisar o fenômeno explorando sua totalidade.
Os estudos de caso, quando adotados como
estratégia de pesquisa, variam desde estudos
simples até àqueles complexos e abstratos. Nada
impede que tenham entre si pontos de semelhança,
o que importa é a particularidade da análise. É o
olhar do pesquisador e seu prisma que torna o
caso único (não neutralidade) (VENTURA, 2007).
Vasconcelos (2012) define o estudo de caso
como uma análise em perspectiva. Essa multiplici-
dade de focos temáticos confere ao método notável
potencial aplicativo e sinérgico, característica que
permite ao aluno o livre arbítrio para escolhas das
trajetórias de busca pelo conhecimento; a articu-
lação dos conteúdos apresentados em disciplinas
distintas (relação interdisciplinar); a conexão com a
realidade empresarial; a criticidade na avaliação dos
problemas; além da obtenção de lastro para o pro-
cesso decisório, considerando um universo maior
de variáveis. Um único case pode ensejar ‘n’ aborda-
gens inéditas e igualmente relevantes.
A exploração propiciada pelo estudo de caso
culmina em descobertas e ressignificação dos con-
teúdos principais e transversais no desenvolvimen-
to de questões particulares, ao passo que valoriza
a interpretação pessoal (superando estatísticas, em
face da inserção do componente subjetivo).
O estudante, na observação in loco, é instado
a interpretar aquela realidade, além de transcrevê-la,
o que implica ressaltar o potencial do método para
desenvolvimento da habilidade de comunicação.
A generalização não constitui preocupação
dos atores na condução de um estudo de caso.
As conclusões advindas de seu desenvolvimento
decorrem de processos subjetivos e não de infe-
rências estatísticas, como destaca André (1984).
Os estudos de caso entregam interpretações,
explicações, descrições, comparações, evidências
que contribuem para o esclarecimento de questões
pendentes e provocações temáticas. Sua aplicação
representa um exercício preliminar ao processo de
tomada de decisão, aguçando sua perspectiva
crítica, apurando o aporte das técnicas de gestão,
numa abordagem indutiva.
Casos são relatos sobre situações por meio
dos quais indivíduos ou grupos podem tomar
decisões ou solucionar problemas. Os casos
em Administração são, portanto, descrições, de
situações administrativas reais que envolvem al-
gum tipo de problema para o qual se requer uma
solução (ERSKINE; LEENDERS; MAUFFETTE-
LEENDERS, 1998 apud GIL, 2004, p.8).
São elementos de um estudo de caso como
estratégia de ensino: objetivo de aprendizado;
área e especialidade; proposições orientadoras
do estudo; plataforma teórica de sustentação;
unidade-caso e sua caracterização; descrições
(diário); coleta de dados (instrumentos e técnicas);
análise de dados e discussão.
Ventura (2007, p. 384) tipifica os objetivos
dos estudos de caso numa pesquisa: conforme os
objetivos da investigação, o estudo de caso pode ser
classificado como intrínseco ou particular, quando
A exploração propiciada
pelo estudo de caso
culmina em descobertas e
ressignificação dos conteúdos
principais e transversais no
desenvolvimento de questões
particulares, ao passo que
valoriza a interpretação
pessoal.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014133
procura compreender melhor um caso particular
em si, em seus aspectos intrínsecos; instrumental,
ao contrário, quando se examina um caso para
se compreender melhor outra questão, algo mais
amplo, orientar estudos ou ser instrumento para
pesquisas posteriores; e coletivo, quando estende o
estudo a outros casos instrumentais conexos com o
objetivo de ampliar a compreensão ou a teorização
sobre um conjunto ainda maior de casos.
Entende-se que, quando aplicado como
estratégia de aprendizagem, o caráter particular e
instrumental são marcos distintivos dos objetivos
dos estudos.
O valor pedagógico do estudo de caso
decorre da exploração da realidade, que é inves-
tigado em profundidade, do estímulo ao debate,
da compreensão do status dessa realidade, dos
fatores determinantes e consequentes, bem como
de seu contexto, da identificação das rotinas e das
práticas da unidade-caso (apreensão das técnicas
utilizadas no mercado de trabalho).
Os cases são exploratórios por natureza
porque não resultam em generalizações, mas po-
dem servir de embrião para trabalhos empíricos
de maior alcance.
Pode-se dizer que os estudos de caso têm
algumas características em comum: são descrições
complexas e holísticas de uma realidade, que en-
volvem um grande conjunto de dados; os dados
são obtidos basicamente por observação pessoal; o
estilo de relato é informal, narrativo e traz ilustrações,
alusões e metáforas; as comparações feitas são mais
implícitas do que explicitas; os temas e hipóteses são
importantes, mas são subordinados à compreensão
do caso. Para Stake, citado por Denzin e Lincoln
(2001, p. 135 apud CESAR, 2006, p. 6), um estudo de
caso é mais indicado para aumentar a compreensão
de um fenômeno do que para delimitá-lo, é mais
idiossincrático do que pervasivo; e apesar de ser
usado na construção de teorias, pode não ser o
melhor método para isto.
A literatura aborda e ressalta o método de caso
como estratégia de ensino exclusivamente e o estudo
de caso como método de pesquisa sem qualquer
vislumbre de outra aplicação (GIL, 2009; MARTINS,
2007; RODRIGO, 2008; GIL, 2004; VENTURA, 2007;
FAGUNDES, 2009; IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA,
CAMPOMAR, 2005; BOAVENTURA, 2004; CESAR,
2006).
O estudo de caso é uma técnica de pesquisa
qualitativa, que volta às atenções do pesquisador
para o diagnóstico de um “caso”. O método do caso,
por sua vez, apresenta finalidades pedagógicas
e serve, sobretudo, para ilustrar conceitos e
desenvolver habilidades nos estudantes, podendo
inclusive ser elaborado a partir de um estudo
de caso. A grosso modo, enquanto o estudo de
caso refere-se à pesquisa científica, o método do
caso refere-se ao ensino (IKEDA; VELUDO-DE-
OLIVEIRA; CAMPOMAR, 2005, p. 142).
De fato, o estudo de caso, nos moldes de
um método de pesquisa, não se confunde com
estratégia de ensino (na orientação apresentada),
posto que nesta última condição requer envolvi-
mento e imersão integral na realidade investiga-
da ou explorada. Também não corresponde
ao mé todo de caso, em que as situações reais
são apresentadas aos alunos para análise e dis-
cussões, sem flexibilidade de intervenção na
realidade ou mesmo, possibilidade de percepção
in loco. De fato, o método é implementado em
sala de aula.
O método do caso consiste em uma estra-
tégia educacional cujo intuito é levar os estudantes
a refletirem sobre situações apresentadas no
caso, podendo envolver a tomada de decisões
sobre o episódio estudado. O objetivo da técnica
basicamente é apresentar um problema aos
alunos, fazendo com que o analisem e reflitam
sobre o assunto (IKEDA, VELUDO-DE-OLIVEIRA,
CAMPOMAR, 2005, p. 142).
134
QUADRO 1 – Analogia entre os métodos
Características
Estudo de caso como método de pesquisaEstudo de caso como
estratégia de ensinoMétodo do caso
Visa à descoberta, resposta às questões da
pesquisa.
Investigam objetos bem específicos e delimitados,
contextualizados nas dimensões temporal e espacial.
Objetiva o aprendizado e
amadurecimento profissional, bem
como a compreensão da prática
laboral.
Tem o propósito de preparar para
a avaliação de situações complexas
(perspectiva profissional) e tomada de
decisão a partir do quadro desenhado.
Níveis cognitivos explorados: análise, síntese e avaliação.
Ressaltam a interpretação contextualizada.
Métodos ecléticos quanto ao aporte de técnicas e instrumentos (de coleta e análise): entrevistas, questionários, observação
participante ou não, levantamento documental, análise de conteúdo, análise de discurso, dentre outras.
As evidencias são diversas: de documentos institucionais (relatórios, pareceres, cartas), anotações em diários a gravações e
fotografias.
O aluno pesquisador é copartícipe do processo de
planejamento e concepção do estudo na maioria
das vezes, mas em alguns casos sua autonomia
é relativizada pelas intervenções frequentes do
professor ou imposição de um modelo rígido.
O aluno tem autonomia no
processo de planejamento e
concepção do estudo. O docente
tem o papel de orientar e mediar
o processo de comparação e
contraste de realidades
(delimitação de papéis).
O protocolo advém do processo
de discussão e negociação.
O docente apresenta a descrição da
situação (retrato detalhado da realidade),
geralmente vivenciada por ele. O aluno
restringe-se a avaliação dos elementos
apresentados, orientados por questões
ou pontos estabelecidos pelo professor,
não obstante esse direcionamento seja
uma regra.
Exige conhecimento profundo da unidade-caso, mas
não necessariamente, uma imersão completa.
Pressupõe integração profunda
com a unidade-caso. Imersão
completa naquela realidade
para observação sistemática e
prolongada.
Não requer integração com a unidade-
-caso investigada.
Muitas vezes, aspectos relevantes da
unidade-caso não são contemplados nas
descrições.
Contempla múltiplas dimensões de analise,
delimitadas conforme projeto.
Abriga diferentes perspectivas
de análise, delimitadas conforme
protocolo e orientações
(diretrizes) do plano pedagógico.
Os casos podem ser avaliados por
diferentes pontos de vistas, conforme
plano de ensino.
Elevado rigor metodológico (exigência que confere respaldo ao trabalho).
Exigência de um quadro teórico como referencia para discussão das questões orientadoras do estudo.
Demanda por criatividade.
Plasticidade analítica em níveis distintos.
Uso de vocabulário científico.Uso do vocabulário empresarial (coloquial) no retrato ou caracterização da
unidade-caso.
FONTE: Os autores (2012)
Sobre o método de caso, Gil (2004, p. 8) destaca:
Os professores utilizam-nos para ensinar a complexidade dos mais diversos problemas na gestão das orga-
nizações. O que é plenamente justificado, pois o estudo de casos proporciona ao aluno muito mais do que
a memorização ou a compreensão dos fatos administrativos, mas permite que este se coloque no papel de
administrador numa autêntica situação de gestão. Com efeito, os casos possibilitam uma aproximação da
realidade muito maior do que as tradicionais aulas expositivas e leituras. Sem contar que sua eficácia tem sido
verificada em pesquisas no campo da Psicologia da Aprendizagem.
O QUADRO 1 apresenta uma análise comparativa dos métodos, considerando suas aplicações.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014135
A revisão de literatura empreendida aponta
para a síntese de que os métodos de estudo de
caso em razão de suas características estruturais,
agregam valor à elaboração de conteúdo por
parte do discente, contribuindo significativamente
para seu desenvolvimento cognitivo.
1.2 Construtivismo como Referencial
Pedagógico dos Estudos de Caso
O construtivismo apresenta uma abordagem
pedagógica que ressalta a importância do apren-
dente e sua relação com o mundo na elaboração do
conhecimento. Em razão de suas características, é
considerada emancipadora e libertadora. Discursos
ideológicos a parte, em Administração e Contabili-
dade, as orientações construtivistas convergem as
demandas da prática do processo decisório no am-
biente acadêmico, visto que desenvolve autonomia.
A autonomia é um pré-requisito fundamental ao
processo de tomada de decisão.
O construtivismo convida o aluno a participar
ativa e criticamente do próprio aprendizado, por
meio de experimentações, imersão profissional,
pesquisas de campo e em grupo. A expectativa
dessas práticas é o desenvolvimento do indivíduo
uno. A inserção planejada no mercado de trabalho
e o estímulo a interações sociais proativas, próprias
do estudo de caso potencializam essa formação.
As práticas didático-pedagógicas cons-
trutivistas (e o estudo de caso pode ser considerada
uma delas) aguçam o discernimento do discente no
exercício das escolhas gerenciais (livre arbítrio). O
construtivismo pressupõe interação com o mundo,
dialogicidade presente na condução dos estudos
de caso. Segundo Sanchis e Mahfoud (2010, p. 20)
“Uma ideia fundamental do construtivismo era não
considerar o conhecimento como a reprodução de
uma realidade independente de quem a conhece”.
A abordagem construtivista se assenta na
orientação de que a aprendizagem significativa é
aquela que decorre da interação social. Nesse senti-
do, o processo ganha contornos de fenômeno social,
amplamente disseminado. A aprendizagem, compo-
nente fundamental da socialização, ressalta o papel
do indivíduo como sujeito do mundo, aprendente na
consecução das trocas sociais.
As práticas construtivistas contextualizam
os objetos de aprendizagem, inserindo o indivíduo
numa situação de instrução, sem apelo a tão dis-
seminada abordagem caricatural. O conhecimento
codificado ou traduzido pelo professor corresponde
a uma janela do processo de elaboração. O contexto
histórico-cultural e o próprio conhecimento tácito
são uma fonte fecunda de dados a serem incorpo-
rados ao processo ensino-aprendizagem. A valo-
rização do repertório de experiências, descrições,
explicações e significados constituem um marco do
referencial pedagógico.
Nesta orientação, os estudos de caso podem
assumir diferentes formatos, sendo categorizados
em exploratórios, descritivos e experimentais (tipo-
As práticas didático-
-pedagógicas construtivistas
aguçam o discernimento do
discente no exercício das
escolhas gerenciais, visto que
o construtivismo pressupõe
interação com o mundo,
dialogicidade.
136
logia básica). Os estudos de cunho experimental são
desenvolvidos com maior frequência nas ciências
naturais, raros nas ciências humanas. A dificuldade na
definição da tipologia reside na identificação e distin-
ção precisa dos estudos descritivos e exploratórios.
Os estudos de caso descritivos podem
apresentar como propósitos a caracterização da
unidade-caso ou fenômeno a ela atrelado, deter-
minação de sua natureza e condições, identifica-
ção dos pontos de vistas e perfil dos sujeitos de
pesquisa, dentre outros aspectos (ZAINAL, 2007).
Os estudos de caso exploratórios têm
finalidade de reconhecimento, visando alcançar
maior familiaridade com o tema, objeto do
recorte. (ZAINAL, 2007). Esses estudos explicitam
abordagens, oferecem caminhos ou alternativas
para desenvolvimento do conteúdo à luz do
construto. Os estudos de caso experimentais visam,
em geral, testar condições ou variáveis atinentes ao
fenômeno-base do case. Cesar (2006, p. 4) destaca
que os “[...] casos também podem ser definidos
temporariamente (eventos que ocorreram num
dado período), ou espacialmente (o estudo de um
fenômeno que ocorre num dado local)”.
Independente da tipologia do trabalho,
esse confronto com a realidade, próprio de sua
característica artesanal, incita mais que a um olhar
meramente apreciativo.
1.3 Restrições ao Método Aplicado à
Atividade de Pesquisa
A utilização de estudos de caso tem sido
ao longo dos tempos, alvo de relativo preconceito.
São apontadas como restrições do método:
possibilidade de manipulação ou interferência do
pesquisador (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006);
dificuldades ou impossibilidade de generalização
(RODRIGO, 2008; CESAR, 2006; VENTURA, 2007;
ANDRÉ, 1984; YIN, 2005; MARTINS, 2008; BUFONI,
2002; ALVES-MAZZOTTI, 2006); morosidade na
realização, processo intenso, requerendo tempo
de campo (RODRIGO, 2008; CESAR, 2006;
ANDRÉ, 1984; MARTINS, 2008b); dedicação parcial
dos estudantes dos cursos de Administração
(e Contabilidade), o que exige adaptações à
realidade, comprometendo o alcance da plenitude
dos benefícios advindos da aplicação do método,
características da realidade brasileira (ANDRÉ, 1984;
CESAR, 2006); pouca objetividade (CESAR, 2006);
pouco controle sobre as observações realizadas;
(BUFONI, 2002); falta de rigor metodológico. Sobre
a questão, Yin (1984, p. 21 apud Zainal 2007, p. 5)
destaca que “muitas vezes, o pesquisador do estudo
de caso tem sido descuidado, permitindo leituras
equívocadas ou tendenciosas para influenciar o
rumo dos resultados e conclusões”.
As restrições identificadas se esbarram na
análise da importância do preparo do pesquisador
para condução do estudo de caso.
Entende-se que das limitações citadas, aquela
que trata da impossibilidade de generalização é a
que a torna mais interessante em face da diversidade
inerente às ciências sociais. A atipicidade de situações
é igualmente rica em significados, posto que viabiliza
a exploração daquilo que é singular no objeto
investigado. Os resultados obtidos nos estudos de
caso não encaminham à teorização, mas podem
atender a finalidades explanatórias ou causais, fazê-
lo é incorrer em um erro, superestimando sua função
como método de pesquisa.
Qualquer generalização, sob esse ângulo
de análise, provém da teoria e não do exame
empreendido (YIN, 1994 apud ZAINAL, 2007).
Sendo assim, os argumentos mais comuns dos
críticos dos estudos de caso estão no risco de o
investigador apresentar uma falsa certeza das suas
conclusões e fiar-se demais em falsas evidências.
Em decorrência disso, deixar de verificar a
fidedignidade dos dados, da categorização e da
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014137
análise realizada. A recomendação para eliminar o
viés de estudo é elaborar um plano de estudo de
caso que previna prováveis equívocos subjetivos
(VENTURA, 2007, p. 386).
O estudo de caso, aplicado em pesquisas,
corresponde a um estudo em profundidade e
perspectiva, subjetivo por natureza, não subor-
dinado a qualquer outro. A demanda temporal é
consequência. Portanto, não implica a simplificação
de realidade complexas ou desconsideração de
sua subjetivação inerente. O que se discute como
restrição, no entendimento dos autores, deve ser
considerado como traço inerente ao método.
Cesar (2006) ressalta a necessidade de se dis-
cutir o estudo de caso em três dimensões de análise:
natureza da experiência (como fenômeno investiga-
do), natureza do conhecimento a ser elaborado e a
possibilidade de generalização do estudo.
Nesse trabalho, que considera a utilização do
método como estratégia de ensino, estabeleceram-
-se as seguintes perspectivas: aprendizado – quali-
dade da experiência – produtos e contribuições
– desdobramentos do estudo. Almeja-se que o dis-
cente, sob tutoria/orientação especializada do do-
cente, promova ou facilite a aprendizagem por meio
da imersão e entrega à experiência vivenciada.
É forçoso identificar previamente as neces-
sidades de ensino-aprendizagem e a duração da
imersão. Entende-se que os estudos de caso são
longitudinais por natureza, característica que tem-
poriza a validade de suas conclusões. A experiência
de composição do case converte o conhecimento
tácito (carga de experiência dos atores) em explí-
cito. A ênfase da estratégia está na elaboração do
estudo, nas intenções implícitas e explícitas subja-
centes, aquisição e consolidação da experiência.
Entende-se que as restrições atribuídas ao
estudo de caso apresentadas se agigantam em
decorrência do desalinhamento entre procedi-
mentos e objetivos propostos. Os estudos popu-
lacionais, realizados junto a amostras assintóticas,
paradoxalmente também perdem significado por
conta dos padrões de representatividade.
2 Proposta de Aplicação
A prática do estudo de caso demanda pro-
tocolo e sistematização, bem como parâmetros de
validade, confiabilidade e desempenho. “[...] isto é,
indicadores de que os resultados, as afirmações das
proposições – teses – e outras evidências, de fato,
revelaram o que se pretendia do estudo dentro do
domínio teórico e prático que circunscreveram o
Estudo de Caso” (MARTINS, 2008, p. 3).
São etapas do método, empregado como
estratégia de ensino:
DOCENTE
a) Integração entre os conteúdos curricu-
lares e experiências de mercado por
meio de pesquisa de campo, fase que
com preende desde a identificação das
possibilidades de atuação e expertise
necessária para atuação ao reco nhe-
cimento das expectativas do público-
-alvo (conteúdos de base e transversais).
b) Seleção dos conteúdos pré-requisita-
dos para a experiência.
c) Planejamento relativo à aplicação da
estratégia.
d) Orientação quanto à composição do
protocolo de estudo de caso.
DISCENTE
a) Estudo sistematizado dos conteúdos
de base e aqueles transversais.
b) Composição do referencial teórico de su-
porte aos trabalhos (repertório técnico).
138
c) Planejamento do estudo à luz da
revisão realizada e orientação do
docente (definição dos procedimentos
e escolha dos instrumentos de coleta).
d) Imersão profissional. Observação e
coleta de dados.
e) Tratamento dos dados obtidos, trian-
gulação e sistematização.
f) Análise e conclusões, por meio da
articulação entre conteúdo e prática
(confronto dirigido).
g) Apresentação dos resultados e obten-
ção de feedback.
h) Composição do caso, que poderá ser
usado como fonte para aplicações do
método do caso, estratégia distinta
desta descrita.
Essas etapas integram o protocolo de estudo
de caso, definido como “[...] conjunto de códigos,
menções e procedimentos suficientes para replicar
o estudo ou aplicá-lo em outro caso que mantém
características semelhantes ao Estudo de Caso
original” (MARTINS, 2008, p. 9).
O uso do método como estratégia de en-
sino independe do tipo de ensino, se presencial ou
a distância.
QUADRO 2 – Protocolo do estudo de caso
Protocolo de Estudo de Caso (Imersão Profissional)
Unidade-caso
Temática de exploração
Tipologia do estudo (exploratória, descritiva ou experimental)
Objetivos de aprendizado
Objetivo geral
Objetivos específicos
Referencial teórico de suporte
Questão estruturante (norteadora) - Principal e complementares
Técnicas de coleta
Procedimentos
Duração prevista
Duração real (tempo efetivo no campo)
Observações
Restrições da análise empreendida
Prognósticos
Resultados
Parâmetros de indexação
Análise de resultados
Conclusões
Avaliação da experiência
Recortes emergentes
Produtos do estudo de caso
FONTE: Os autores (2012)
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014139
O protocolo, tal como estruturado no
QUADRO 2, define o design do estudo e direciona
o trabalho do discente, ensejando direcionamento
às questões norteadoras do estudo, além de
corresponder a um exercício de planejamento e
observação sistemática. Sua utilização orienta a
imersão profissional, parametrizando a abordagem,
evitando que o produto do estudo de caso se limite a
um relato de fatos, desprovido de uma análise crítica,
voltada para a descoberta ou inovação, movida pela
necessidade de compreender a realidade.
A sistematização de dados impõe critério
e organização, compreendendo todo o processo
de transcrição de relatos, observações e opiniões,
estruturados a partir de parâmetros predefinidos de
indexação, previsto no protocolo (MARTINS, 2008).
Essas características credenciam o método
à condição de estratégia de ensino na área de Ad-
ministração sem desprestigiar o reconhecido mé-
todo do caso (ferramenta de aprendizagem am-
plamente empregada na capacitação de gestores),
entendimento compartilhado nesse trabalho.
Ressalte-se que a estratégia de estudo
de casos, tal como apresentada, não comporta
protocolos rígidos, inflexíveis.
O documento em questão é igualmente útil
à elaboração da carta de intenções, que dá start ao
diálogo com o mercado.
Destaque-se que o estudo de caso não cor-
responde a uma atividade de supervisão ou ins-
peção, em razão do seu forte componente crítico
e construtivista, posto que assume função didáti-
ca na condição de instrumento de aprendizagem,
complementando a experiência em sala de aula.
Trata-se de uma oportunidade à elaboração de as-
sociações e dissociações intelectualmente embasa-
das, edificando sentidos e significados.
Esse contato mediado com a realidade pro-
fissional tem o potencial de preparar o discente
para a experiência do estágio, facultando amadu-
recimento. O olhar descomprometido com vínculos
institucionais evita contaminações e influências na
composição de interpretações, em geral decor-
rentes de vínculos laborais, crenças, valores cris-
talizados, impressões e juízos circunstanciais. Na
verdade, produz efeito contrário, amplia a lente de
análise, incitando a reflexões variadas e não predi-
tas sobre o objeto de estudo; especialmente sobre
aspectos de sua composição.
O discente parte de um repertório técnico
de base (adquirido em sala de aula), conhecimento
tácito, em direção à aquisição de novos elementos,
suscitados pela vivência (conhecimento explícito).
A aplicação do método tem o potencial de
ensejar ao aluno o desenvolvimento de capacidade
de resposta em diferentes situações de mercado,
contribuindo efetivamente para o aprimoramento
do repertório profissional por meio de comparações
e contraste.
O uso do método como estratégia de ensino
desloca o controle do processo ensino-aprendizagem
para o discente, forçando-o a planejar e elaborar sua
trilha de aprendizagem, conduzindo o docente à
atuação como orientador e mediador de realidades.
É nesse ponto que os reflexos da experiência diferem
daqueles produzidos pelo método do caso. Almeja-
-se que o caso seja um catalisador da construção e
não exclusivamente de discussão.
Na atividade ou elaboração de casos em-
presariais o êxito da abordagem do estudo
[...] depende da perseverança, criatividade e raciocínio
crítico do investigador para construir descrições, inter-
pretações, enfim, explicações originais que possibilitem
a extração cuidadosa de conclusões e recomendações.
Nesse sentido, o pesquisador deve apresentar encadea-
mentos de evidências e testes de triangulações de
dados que orientaram a busca de resultados alcançados
(MARTINS, 2008, p. 3).
São duas as categorias de informações em
um estudo de caso: aquelas de apoio argumentativo
140
e as de apoio secundário. As infor mações de apoio
argumentativo compõem o eixo que estrutura o tra-
balho de campo (construto), con ferindo identidade
ao estudo.
Um dos atributos fundamentais a um estudo
de caso é a existência de limites bem definidos,
à luz de um eixo de desenvolvimento teórico e
planejamento elaborado. A robustez analítica, lógi-
ca das conclusões e defesa das proposições sob o
caso, com certeza, não lhe garante suficiência pela
construção de uma teoria que consiga explicar o
recorte da realidade explorado no estudo de caso
(MARTINS, 2008, p. 4).
As informações de apoio secundário são
aquelas relevantes à contextualização ou mesmo à
caracterização da unidade-caso. Seu aporte deve
ser dosado para não ensejar a perda de foco.
São parâmetros de avaliação do estudo de
caso, aplicado como estratégia de ensino: qualidade
das informações de apoio argumentativo; harmonia
(equilíbrio) entre informações de apoio secundário
e argumentativo; lógica na concatenação dos ar-
gumentos, conclusões e recomendações (encadea-
mento de ideias e proposições); fundamento analíti-
co; rigor metodológico; completude; limites bem
definidos; estrutura do arranjo e experiência imersiva.
O desenvolvimento de um estudo de caso
empresarial demanda imersão profissional, não se
confundindo com a realização de poucas visitas,
relato de longas histórias, entrevistas e obtenção
de volumosos dados secundários.
São benefícios potenciais da aplicação do
método de estudo de caso como estratégia de
ensino: estabelecimento de vínculo entre a aca-
demia e as organizações; promoção de inserção
no mercado de trabalho, ensejando o mapeamen-
to de perfis e adequação dos conteúdos disci-
plinares; desenvolvimento de funções cognitivas;
estímulo à aquisição de relacionamentos interpes-
soais fora do âmbito institucional (composição de
network) e negociação de ideias, bem como à tri-
agem eficaz de conteúdo (prática seletiva) e co-
laboração intelectual entre os pares; acomodação
de diferentes conteúdos curriculares simultanea-
mente na prática profissional, característica que o
credencia a condição de atividade interdisciplinar
(adaptabilidade) encurtamento do ciclo de vali-
dade dos estudos, o que força sua recontextua-
lização, renovação e releitura (existência de um
prazo de validade, cuja identificação demanda
uma avaliação subjetiva). Gil (2004) destaca esse
último item como restrição, todavia, entende-se
que a revisão continuada dos estudos decorre
da necessidade de acompanhar as tendências, a
evolução do próprio conhecimento.
A convergência dos benefícios depende da
preparação, disciplina de preparação, transparência
na comunicação e feedback (FIG. 1), componentes
presentes no processo de planejamento.
FIGURA 1 – Requisitos de sucesso da estratégia
FONTE: Os autores (2012)
— Sensibilização sobre a importância do estudo e do rigor metodológico.
— Planejamento.
— Composição do lastro teórico.
— Orientação sistemática.
— Observação.
— Assistência do docente.
— Acompanhamento.
— Transparência.
— Avaliação e comunicação do desempenho, numa perspectiva proativa.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 126 - 143, jan./jun. 2014141
A eficácia da estratégia é função direta da
qualidade do planejamento e protocolo do estu-
do, do comprometimento, motivação, autonomia
e predisposição do discente a aprendizagem, re-
querendo disciplina, iniciativa e dedicação. A re-
configuração do papel do professor nessa aborda-
gem constitui fator crítico.
O desenvolvimento de estudos de caso se es-
barra em dificuldades ou restrições, especialmente o
tempo demandado para sua elaboração e imersão
propriamente dita, o que afronta a realidade brasilei-
ra, especialmente dos cursos noturnos. Essa carac-
terística não exime a academia do debate sobre as
condições adequadas à aplicação do método no
contexto local, contemplando em análise as limita-
ções aplicativas. A contextualização metodológica é
importante, mas sem perder de vista os parâmetros
de qualidade e demandas estruturais necessárias a
sua consecução, suscitando uma reflexão sobre o es-
tudo de caso nos moldes brasileiros.
Considerações Finais
Neste artigo foi apresentado o estudo
de caso como estratégia didático-pedagógica
com abordagem construtivista, na condição de
experiência de imersão. A complementaridade
das características do método e as demandas da
área de Administração o qualificam.
Advogou-se que o método de estudo de
caso pode ser utilizado como estratégia de ensino,
se conduzido como atividade de imersão orientada
por um docente, tende a ser eficaz aos propósitos
de aprendizagem. Acredita-se que o método de
estudo é mais efetivo do que aquele em que o
caso é apresentado ao aluno como produto.
O estudo de caso como estratégia de
ensino viabiliza a vivência da coleta de dados, sua
• Recebido em: 22/10/2012
• Aprovado em: 01/07/2013
sistematização e dificuldades, colocando o aluno
dentro do contexto onde o fenômeno analisado
acontece ou se expressa.
O arranjo metodológico de um estudo de
caso é complexo e encadeado, conduzido geral-
mente por questões do tipo “como” e “por que”
(este último, componente analítico). No intuito
de responder a essas questões, a realidade é
preservada durante a análise, sem prescindir o
potencial de intervenção do discente.
A proposta resgata o potencial contributivo
do discente na construção de significados a
partir da conexão com a realidade de mercado. O
aluno não é um elemento passivo no processo de
aprendizagem.
Os argumentos concatenados convergiram
para a viabilidade de aplicação do método como
estratégia de ensino, mas aponta para a neces-
sidade de se repensar aspectos relacionados às
condições de aplicação em razão das limitações
mapeadas nesse estudo.
142
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Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os clientes a comprar no comércio popularAttractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy
in popular trade
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014145
Resumo
O comércio popular tem atraído cada vez mais multidões aos seus pontos de vendas. Mercadorias diferenciadas,
estoque cheio e preços baixos são alguns dos atrativos desse segmento de mercado. No entanto, a concorrência
entre as organizações do setor tem aumentado, assim como a concorrência do comércio popular com outros
canais de venda. Diante disso, é relevante descobrir o que leva o consumidor a tais práticas de compras.
O presente artigo tem como objetivo principal identificar quais são os fatores motivadores que levam
os consumidores a frequentar e comprar no comércio popular. Para a realização da pesquisa, utilizou-se o
método descritivo, realizando um questionário estruturado. A amostra foi de 352 pessoas que frequentam
comércio popular. Primeiramente, foi identificado o perfil dos respondentes. Em seguida, foram levantados os
hábitos de consumo com relação às compras em comércio popular e, na sequência, com relação aos canais
de venda alternativos. Foram verificados a frequência de visitas, o valor gasto em cada compra, os produtos
mais procurados e os fatores que influenciam na decisão de compra, sendo estes últimos identificados como
preço e variedade de produtos para o comércio popular, assim como a facilidade de pagamento e descontos
e promoções para os canais de venda alternativos. Entre os quatro produtos mais procurados, observou-se
que três deles são concomitantes aos dois locais mencionados. Enquanto o consumidor de comércio popular
busca preços mais vantajosos e variedade de produtos, o consumidor de locais alternativos procura formas de
pagamento facilitadas, descontos e promoções. A renda familiar mensal do consumidor influencia pouco, pois
se notou que quem possui renda maior prefere efetuar compras de menor valor.
Palavras-chave: Marketing. Comércio Popular. Comportamento do Consumidor.
Abstract
The popular trade has increasingly attracted crowds to their outlets. Differentiated goods, full stock and low
prices are some of the attractions of this market segment. However, competition between organizations in the
sector is increasing, as well as the popular trade competition with other sales channels. In this sense, it is important
to discover what leads consumers to these places. This study aimed to identify the main motivating factors that
lead consumers to attend and buy at popular trade. In order to carry out the research was used the descriptive
method, using a structured questionnaire. The sample comprised 352 people who attend popular trade. First, it
was identified the profile of the respondents. Then, consumer habits related to purchases in popular trade were
collected, following with regards to alternative sales channels. It was checked the frequency of visits, amount
spent on each purchase, the most sought after products and the factors that influence the buying decision, the
latter being identified as price and range of popular products for trade, and ease of payment and discounts and
promotions for alternative sales channels. It was observed that that among the four most popular products, three
are concomitants to the two places mentioned. While consumers trade popular search better prices and variety
of products, the consumer of alternative places search payment methods facilitated, discounts and promotions.
The monthly income of the consumer little influence because it was noticed that those who have higher incomes
prefer to make purchases of less value.
Keywords: Marketing. Popular Trade. Consumer Behavior.
Fernando César Lenzi1
Atratividade do comércio popular: fatores que motivam os clientes a comprar no comércio popularAttractiveness of popular trade: factors that motivate customers to buy in popular trade
1 Doutor em Administração pela FEA/USP. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Administração da Univali. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Políticas Públicas da Univali. E-mail: [email protected].
146
Introdução
O consumo, em geral, configura o perfil
de milhões de pessoas espalhadas pelo mundo
afora. Mercadorias de todas as espécies e a
iniciativa de consumir são características do
mercado moderno e não faltam meios de compra.
Em várias ocasiões, depara-se com anúncios e
comerciais incentivando essa tendência, e, cada
vez mais cedo e com mais frequência, as pessoas
estão aderindo à compra. Com a facilidade de
adquirir o produto e parcelar sem sair de casa,
a internet também se tornou uma concorrente e,
ao mesmo tempo, uma forte aliada das empresas.
A concorrência acirrada e a disputa para
conquistar, manter e vender o maior número
de itens possíveis ao consumidor tem deixado
o mercado cada vez mais saturado, devido ao
acesso de novas empresas que surgem já visando
ao resultado desejado. A empresa que consegue
acompanhar o mercado, conhecer tendências
e adaptar-se às inúmeras situações adversas
poderá considerar-se uma empresa vitoriosa.
“Quem souber enxergar oportunidades em meio
às dificuldades e conseguir tirar proveito delas,
estará pelo menos um passo a frente” (BRUNETTI;
BRANDALIZE, 2005, p. 96).
Oferecer produtos mais baratos não gera
uma vantagem competitiva para as empresas, é
preciso que haja uma estratégia consistente, com
uma combinação adequada entre o posicionamento
da empresa e seu mix de marketing para atender
ao público de baixa renda. Ou seja, ao priorizarem
este segmento de mercado, as empresas adotam
um posicionamento que reflete nos preços, nos
produtos, na promoção e no ponto de venda
(SPERS; WRIGHT, 2006).
No âmbito empresarial, identifica-se a
pre o cupação com o desenvolvimento de pro-
dutos, pesquisas e hábitos de preferências e
comportamentos regionais. Assim, analisando
isoladamente o setor do comércio do estado de
Santa Catarina em quantidade de empresas e
vínculos empregatícios, segundo dados do Sebrae/
SC (2008), Santa Catarina possuía um total de
374.629 empresas formalmente estabelecida. As
microempresas representam 94% e as pequenas
empresas representam 5,1% dos estabelecimentos
do Estado. Juntas, geram 892.208 empregos, o
equivalente a 50,2% dos postos de trabalho. A
renda média de salários, em 2008, no estado de
Santa Catarina era de R$ 765,78.
A importância das micro e pequenas empresas
brasileiras (MPEs) para o desenvolvimento econômico
e geração de empregos não tem encontrado paralelo,
no que tange à produção de teorias no campo da
estratégia, consideradas as limitações da capacidade
de ação das MPME e das idiossincrasias de seus
líderes (FONTES; NUNES, 2010).
No segmento de comércio popular, que
naturalmente são pequenas empresas, é desafiante
se manter ativo e em contínuo crescimento diante da
evolução de opções de compras para o consumidor.
Oferecer produtos mais baratos não gera uma
vantagem competitiva para as empresas, é preciso
que haja uma estratégia consistente, com uma
combinação adequada entre o posicionamento da empresa
e seu mix de marketing para atender ao público de baixa
renda.
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Por isso, questionar como esse segmento de
comércio consegue competir com organizações
que realizam investimentos tanto no campo de
pesquisa, treinamento de pessoal, atendimento ao
cliente quanto no espaço físico da empresa, o que
parece relevante, pois empresas de médio e grande
porte também exploram este mercado.
Tendo em vista o contexto do comércio
popular e da ampliação do consumo de produtos
dessa natureza, o objetivo deste artigo é deter-
minar quais os fatores motivadores que levam os
consumidores a frequentar e comprar no comércio
popular de pequeno porte.
Este estudo contribui no sentido de trazer
à tona os motivos que estão relacionados à
motivação de compra por parte dos consumidores
do comércio popular, preenchendo uma lacuna de
investigação que leve a novas formas de gestão de
pequenas empresas.
1 Fundamentação Teórica
1.1 Varejo
A loja de varejo como se conhece até
hoje, conforme explica Gonçalves (2005), foi
inventada no Japão ao final do século XVII. Pouco
depois, surgiu na Europa Ocidental baseada em
três hipóteses: a compra oferecida ao cliente,
especialmente à dona de casa, oferecendo a única
saída da rotina de cuidar das crianças, ir à igreja,
cozinhar etc.; a tomada de decisão, uma forma
de conquistar o poder da escolha, algum tipo de
poder; e oportunizar o acesso a outras pessoas e
outras fontes de informação.
Apesar de existirem dois tipos de varejo
(loja física e virtual), a loja física consegue chamar
a atenção dos clientes e despertar maior desejo
para efetuar a compra. A concorrência é uma
realidade que deve ser administrada para que dela
se tirem os maiores e melhores proveitos possíveis
(STADLER, 2000).
O varejo, conforme conceituam Levy e Weitz
(2000, p. 27), “é um conjunto de atividades de
negócios que adiciona valor a produtos e serviços
vendidos a consumidores para seu uso pessoal ou
familiar [...]”. Enquanto os atacadistas satisfazem
as necessidades dos varejistas, estes direcionam
seus esforços para satisfazer as necessidades dos
consumidores finais.
No varejo, ao avaliar os benefícios, Parente
(2000) salienta que o consumidor considera
aspectos como variedade, qualidade, apresentação
e ambientação, na avaliação dos custos, ele leva
em conta os preços e as ofertas apresentadas pela
loja. O varejo deve ser sempre o mais acessível
possível ao seu público, buscando atrair o maior
número de clientes.
No varejo, o consumidor
considera aspectos
como variedade,
qualidade, apresentação
e ambientação, na
avaliação dos custos, ele
leva em conta os preços
e as ofertas apresentadas
pela loja.
148
No entendimento de Engel, Blackwell e
Miniard (1995), o ambiente de varejo também
influencia a busca do consumidor, uma vez que a
distância entre os varejistas concorrentes pode
determinar o número de lojas que os consumidores
visitam durante a tomada de decisão. Nesse sentido,
quanto maior a distância menos lojas são visitadas.
1.2 Comércio Popular
Dentro do comércio varejista destaca-
se o comércio popular, personalizado pelos
camelódromos. Conforme explica Pagnussat
(2003, p. 93), o “camelódromo faz parte do
comércio varejista”. O autor argumenta ainda que
há camelódromos que modificaram o comércio
varejista, pela mudança do perfil de consumidor e
do público-alvo das lojas, as quais já não vendem
como antigamente. Muitos itens que os camelôs
vendem são iguais aos das lojas nas proximidades.
O camelódromo de Balneário Camboriú
(SC) é o mais organizado que existe no Sul do
País. As tendas (ou lojas) do camelódromo têm
qualidade e variedade de produtos maiores que
algumas lojas da cidade (PAGNUSSAT, 2003).
A ideia do comércio popular é exatamente
incentivar o cliente a comprar, impressionar e
preencher a visão dos clientes com quantidade,
oferecendo variedade de marcas, tipos e tamanhos,
criando um conceito de potência. O segredo é
“encher” os olhos dos clientes.
Para os autores Spers e Wright (2006), a
ideia de que as empresas atuantes no mercado de
bens populares possuem um posicionamento de
preços baixos para a maioria de seus produtos em
relação aos concorrentes, considerada como um
importante fator de competitividade. O ambiente
de compra, ou seja, a atmosfera do ponto de venda
é uma variável a ser gerenciada e um instrumento
muito importante de diferenciação do varejo.
A venda no varejo proporciona um aspecto de
reforço dos vínculos com o cliente.
Há uma infinidade de lojas de pequeno
porte nas ruas centrais, nas galerias e nos shopping
centers, as quais possuem clientes exclusivos pela
utilização do produto. São lojas que não necessitam
de ponto comercial em zona específica, pois se
instalam em calçadas das ruas centrais, como
também em galerias ou shopping center. Possuem
público especial: aquele que compra o produto
para uso próprio ou para presentear alguém
(PAGNUSSAT, 2003).
Spers e Wright (2006) sustentam que,
quanto às características do produto, os bens e
serviços são padronizados e simples, sendo que
a empresa não precisa de tantos esforços em
termos de amplitude da linha de produtos como
no caso de empresas que atuam junto às classes
A e B, que apresentam uma maior variedade de
produtos, com uma maior amplitude de suas
linhas. Além de mais padronizados, as mercadorias
populares são mais simples, tendo pouco custo
em produto e processos.
1.3 O Comportamento do Consumidor
O campo do comportamento do consu-
midor estuda como as pessoas, os grupos e as
organizações selecionam, compram, usam e
descartam artigos, serviços, ideias ou experiências
para satisfazer suas necessidades e desejos.
Estudar o cliente ajuda a melhorar ou lançar
produtos e serviços, determinar preços, projetar
canais, elaborar mensagens e desenvolver outras
atividades de marketing.
Assim, analisar o comportamento do
consumidor tem por objetivo descobrir o que
cada um busca no mercado para satisfazer suas
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necessidades. “Ser consumidor é ser humano. Ser
consumidor é alimentar-se, vestir-se, divertir-se... é
viver” (KARSAKLIAN, 2000, p. 11).
Como todo cidadão tem comportamentos
distintos diante de cada situação, também apre-
senta atitudes distintas diante de ofertas que estão
a sua volta. No ato da compra de um produto
ou serviço existem influências que interferem
na decisão no momento de sua aquisição. Se os
consumidores são diferentes uns dos outros, são
as suas diferenças que vão determinar seus atos
de compra e seus comportamentos em relação as
outras pessoas no mercado de consumo.
Complementa Cobra (1997, p. 59) ao des-
tacar que “cada consumidor reage de forma dife-
rente sob estímulos iguais, e isso ocorre porque
cada um possui uma ‘caixa preta’ diferente”. Cor-
roborando com o autor, Engel; Blackwell e Miniard
(1995) descrevem que se todos os seres humanos
fossem idênticos em suas preferências e compor-
tamentos, não haveria necessidade de segmenta-
ção de mercado e todos os produtos seriam iguais.
Como as pessoas diferem em suas motivações,
necessidades e processos decisórios, o comporta-
mento de compra também é distinto.
1.4 Fatores que Influenciam o
Comportamento do Consumidor
O consumidor é influenciado por vários
fatores que podem determinar o seu poder de
compra, como as classes sociais a que pertence, as
variáveis sociais, variáveis econômicas e culturais.
Para Karsaklian (2004, p. 321), “comprar já
traz satisfação, sentimento que é prolongado pelo
consumo do produto em si. Assim, a compra e o
consumo servirão de atividades que possibilitarão
a experimentação de novas sensações”.
Os fatores sociais influenciam no compor-
tamento do consumidor, uma vez que os grupos de
referência, a família, os amigos etc. têm forte poder
de apelo no momento de decisão da compra. Na
concepção trazida por Kotler e Armstrong (1993,
p. 83) afirma-se que “cada classe social apresenta
preferências distintas por produtos e marcas
levando em consideração o valor dos produtos”.
No tocante aos fatores econômicos, Kotler
(1999) salienta que uma população não constitui,
por si só, um mercado. É preciso haver pessoas
dispostas e capazes de comprar, sendo o poder
aquisitivo quase sempre distribuído desigualmente,
seja entre consumidores ou entre empresas
compradoras.
Segundo Cobra (1997, p. 62), “a noção essen-
cial do comportamento do consumidor diz que ele
é influenciado pelas perspectivas econômicas”,
ou seja, as mudanças no valor líquido (o que
entra menos o que sai) é que influenciarão na
predisposição de consumir, porque tais mudanças
modificam o estado de espírito das pessoas. “De
todas as variáveis do marketing mix, a decisão
Se os consumidores são
diferentes uns dos outros,
são as suas diferenças
que vão determinar seus
atos de compra e seus
comportamentos em
relação às outras pessoas no
mercado de consumo.
150
de preço é aquela que mais rapidamente afeta a
competitividade, o volume de vendas, as margens
e a lucratividade das empresas varejistas.”
(PARENTE, 2000, p. 160).
De forma sucinta, Schiffman e Kanuk (1997)
salientam que apesar da renda ser a muito tempo
uma variável importante para diferenciar segmentos
de mercado, essa indica apenas a capacidade ou
incapacidade de se pagar por um produto.
Tendo como base de estudo e pesquisa a
cidade de Itapema/SC, a caracterização de renda
da população foi avaliada segundo informações
do Sebrae/SC (2008), em R$ 907,15 (novecentos
e sete reais e quinze centavos) segundo os valores
médios dos salários pagos em 2008 no município.
A caracterização do porte empresarial de Itapema
é de 3.763 empresas formais que geram 8.681
empregos. Os fatores culturais envolvem um
complexo de valores, ideias e atitudes que permitem
as pessoas comunicarem-se e avaliarem-se como
membros da sociedade por meio dos fatores
culturais, na forma de agir no mercado e na sua
interação com o ambiente (ENGEL; BLACKWEEL;
MINIARD, 2005).
1.5 Fatores que Motivam os Clientes
Com relação aos fatores motivadores
dos clientes, Stadler (2000, p. 119) salienta que
“as pessoas, em geral, refletem uma motivação
equilibrada. Elas analisam uma oferta, a fim de se
satisfazerem com ela. Porém, também a examinam
de uma forma a evitar situações desagradáveis
que possam prejudicar sua situação [...]”.
Discordando com o autor acima, Costa
e Láran (2006) ressaltam a questão da compra
por impulso, argumentando que os esforços em
busca de modelos explicativos do comportamento
de compra por impulso são recentes e requerem
questionamentos, aperfeiçoamentos e validações
empíricas.
Impulso é considerável uma necessidade
forte, às vezes, irresistível, com a inclinação de
agir sem deliberação ou planejamento. Hoch e
Loewenstein (1991 apud COSTA; LÁRAN, 2003)
explicam que a compra impulsiva trata do resultado
da luta entre forças psicológicas dos desejos e
da força de vontade, ou seja, entre a vontade de
comprar e o autocontrole, prevalecendo o desejo.
Para Dias (2004), as compras planejadas
são realizadas por consumidores que saem de
suas casas tendo em mente o que vão adquirir.
No entanto, muitas mercadorias são compradas
impulsivamente e isso ocorre quando o indivíduo
é atingido por algum estímulo forte que o leva
a comprar no momento em que não resiste à
exposição do produto. “Uma pessoa motivada
está pronta para agir. Como ela realmente age
é influenciado por sua percepção da situação”
(KOTLER, 1998, p.173).
Consumidores passeiam pela loja como uma
forma de entretenimento e prazer, vivenciando
sentimentos positivos como contentamento
(BABIN; DARDEN; GRIFFIN, 1994 apud COSTA;
LÁRAN, 2006). Estudos anteriores apontam que
os indivíduos que “circulam” mais tendem a realizar
mais compras não planejadas do que aqueles que
passeiam menos (JARBOE; MCDANIEL, 1987 apud
COSTA; LÁRAN, 2006).
Para Las Casas (1997), a força interna que
dirige o comportamento dos consumidores é a
motivação. Os indivíduos sentem-se motivados
à compra, em grande parte impulsionada pela
proteção de si própria. Essa força interna que
leva as pessoas a comprarem produtos e serviços
poderá ser de ordem psicológica ou fisiológica.
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1.6 Mix de Marketing
A teoria dos quatro Ps – produto, preço,
praça e promoção –, de Jerome McCarthy, precede
significativa relevância nas ações do varejo popu-
lar. Esses quatro elementos interagem constante-
mente na busca de resultados efetivos em cada
empresa (GONÇALVES, 2005).
Para Kotler (1999), da mesma forma que
os economistas usam os conceitos demanda e
oferta para estrutura de análise, o profissional
de marketing sustenta o conceito dos quatro Ps
como uma “caixa de ferramentas” para orientá-lo
no planejamento de marketing.
O primeiro “P” vem de produto. Nesse
sentido, ressalta Kotler (1999, p. 126), que “a base
de qualquer negócio é um produto ou serviço”. O
objetivo, nesse sentido, é oferecer algo de maneira
diferente e melhor aos clientes.
A praça, segundo Gonçalves (2005), é a
alma do varejo tradicional. Consumidores sempre
se agrupam onde há maior variedade de lojistas
ofertando produtos. No mercado consumidor
há uma intensa batalha entre pequenos, médios
e grandes varejistas. Para Kotler (1999), os
consumidores, hoje, conseguem comprar produtos
a partir de sua própria casa, evitando transtornos,
como tirar o carro da garagem, enfrentar trânsito,
calor, chuva e filas em lojas. Em tais pontos de
venda, não há grandes investimentos em serviços
diferenciados como no mercado de luxo e de alta
renda, nos quais a diferenciação é um importante
fator de competitividade. No varejo, as empresas
oferecem a seus clientes um atendimento básico
(SPERS, WRIGHT, 2006).
O terceiro “P” é o preço, que, para Gonçalves
(2005), geralmente é constituído baseando-se nos
custos. No entanto, essa prática tem-se revelado
ineficiente quando se deseja competir, pois a
concorrência está atenta e disposta a cortar seus
preços. O preço, diferentemente dos outros três
mix de marketing, tem o poder de gerar a receita.
As empresas tentam elevar seus preços até onde
o nível de diferenciação permite (KOTLER, 1999).
No entendimento de Pancrazio (2000), o preço
básico é definido pela equação: preço = custo + lucro,
mas também pode ser definido pela concorrência
que varia em função da marca e no critério de quanto
o consumidor está disposto a pagar.
Promoção de vendas é o conjunto de mé-
todos e formas utilizadas para aumentar a venda
de um produto ou serviço durante um período
determinado (LEGRAIN; MAGAIN, 1992).
2 Metodologia
Para o desenvolvimento deste artigo, optou-
-se por uma pesquisa descritiva, que, como salientam
Collis e Hussey (2005), é usada para identificar e
obter informações sobre as características de um
determinado problema ou questão.
O preço básico é definido
pela equação: preço =
custo + lucro, mas também
pode ser definido pela
concorrência que varia em
função da marca e no critério
de quanto o consumidor está
disposto a pagar.
152
Os procedimentos metodológicos para
sustentar este estudo foram de abordagem
quantitativa que, segundo Collis e Hussey (2005),
tendem a produzir dados específicos e precisos,
de confiabilidade considerada alta.
Na abordagem da pesquisa utilizou-se o
ques tionário autopreenchível, buscando a opinião
do entrevistado em relação aos fatores expostos,
demonstrando a sua interação com a decisão de
compra.
O sujeito deste estudo abrange o público
frequentador do comércio popular de Itapema/
SC, constituindo uma amostra não probabilística e
aleatória simples, pois pretende atingir da mesma
forma toda a população pesquisada, escolhendo
aleatoriamente os respondentes (LAKATOS;
MARKONI, 1992).
“A amostragem aleatória simples carac-
teriza-se pelo fato de cada elemento da população
ter probabilidade conhecida, diferente de zero,
idêntica a dos outros elementos, de ser selecionado
para fazer parte da amostra” (MATTAR, 1996, p. 275).
Com base no erro amostral tolerável es ta-
belecido (5%), uma primeira aproximação para
o tamanho da amostra aleatória (n0) a ser re ti-
ra da pela equação N0= 1/ (E
0)2 é de 352 pessoas,
representando 11,73% da população que frequentam
mensalmente o camelódromo da Meia Praia nesta
época do ano (setembro).
O instrumento de coleta de dados utilizado
no estudo foi um questionário estruturado com
uma sequência de perguntas fechadas orga-
nizadas após a realização de pré-teste, tendo em
vista que o objetivo é extrair respostas confiáveis
da amostra escolhida e descobrir o que um grupo
selecionado de participante pensa ou sente
(COLLIS; HUSSEY, 2005).
As perguntas foram elaboradas visando
obter informações sobre a qualidade do atendi-
mento, os motivos que levam a esta escolha e os
atrativos vistos pelos clientes neste segmento de
comércio. Além disso, o instrumento de pesquisa
possibilitou investigar a percepção dos clientes em
relação ao comércio popular identificando qual
a atratividade que este segmento de comércio
desperta nos clientes e as principais características
destes consumidores.
O levantamento de informações inclui fontes
de dados primários, que, para Mattar (1996), são
aqueles que não foram coletados anteriormente,
estando ainda em posse dos pesquisados e que são
coletadas com o propósito de atender as necessi-
dades específicas da pesquisa em andamento.
Ocorreu aplicação de pré-teste mediante
pesquisa aleatória, sendo readaptadas algumas
questões que haviam ficado confusas para o
entendimento dos respondentes.
Após aplicado o questionário e coletados
os dados, estes foram tabulados e lançados
no programa Excel, cujos resultados foram
apresentados por meio de gráficos para facilitar a
compreensão das respostas.
Os fatores limitantes resumem-se ao preen-
chimento incompleto e/ou incorreto de alguns
questionários, acarretando realização de novas co-
le tas. Ressalta-se também que um único local de
coleta de dados também é um fator limitante, visto
a abrangência do tema comércio popular.
3 Resultados
3.1 Perfil dos Respondentes
Nesta etapa do estudo são apresentados
os resultados obtidos após a realização da
pesquisa de campo e posterior análise. Aborda-se
primeiramente o perfil do público participante da
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014153
pesquisa; em seguida, é feita uma análise do setor
de camelódromos e, por fim, uma análise dos canais
de venda que concorrem com os camelódromos.
No tocante ao perfil dos respondentes,
observa-se que a maioria da amostra pesquisada
de 352 frequentadores do comércio popular,
foi composta por integrantes do sexo feminino,
representando 64% do total, enquanto que os
respondentes do sexo masculino totalizaram 36%.
Com relação à faixa etária, verifica-se que a amostra
é composta predominantemente de jovens na faixa
de 17 a 24 anos, representando 63% do total. Ainda,
30% dos respondentes encontram-se na faixa de 25
a 34 anos; e 7%, de 35 a 50 anos. Verifica-se também
que a maioria dos respondentes tem renda familiar
mensal média acima de R$ 3.001, representando
48% do total da amostra; 23% possuem renda
familiar de R$ 2.001 a R$ 3.000; 21%, de 1.001 a R$
2.000; e 8%, até R$ 1.000.
3.2 Compras em Comércio Popular
Após a análise do perfil dos respondentes da
pesquisa, verificaram-se os aspectos relacionados
às compras realizadas em comércio popular pelo
público pesquisado, identificando frequência de
visitas, valor gasto em cada compra, os produtos
mais procurados e os fatores que influenciam nessa
decisão. Identificou-se que 69% dos respondentes
raramente costumam frequentar camelódromos.
Esse número permite supor que a maioria apenas
desloca-se ao comércio popular quando sente
necessidade de adquirir um produto que é mais
facilmente encontrado neste local ou está disponível
apenas em comércio popular. Constatou-se que 23%
dirigem-se ao mencionado local uma vez por mês,
enquanto apenas 5% frequentam o comércio popular
uma vez por semana e 3% dos respondentes nunca
frequentam o comércio popular. Ao frequentar o
comércio popular, 51% dos respondentes afirmam
que se dirigem direto à loja relacionada ao produto
desejado, enquanto 49% costumam passar por todas
as lojas na ocasião, a fim de conferir as novidades.
Com relação ao valor gasto em cada compra,
verificou-se que 38% dos respondentes gastam entre
R$ 51 e R$ 100 em cada compra realizada; enquanto
37% gastam menos de R$ 50; 22% gastam entre R$
101 e R$ 200; e apenas 3% dos respondentes gastam
acima de R$ 200. O valor gasto geralmente é
desembolsado em apenas uma loja, correspondendo
a 56% dos respondentes da pesquisa; enquanto 44%
gastam esse valor em várias lojas.
Traçando uma correlação entre a renda do
respondente e o valor gasto na compra, percebe-
-se que 56% dos que gastam menos de R$ 50 no
comércio popular possuem renda mensal familiar
acima de R$ 3.001. Entre os que gastam de R$ 51
a R$ 100, também predomina a renda acima de R$
3.001, porém com uma diminuição de percentual
para 46%. Na faixa de valor gasto entre R$ 101 e R$
200 há uma aproximação das rendas, sendo 36%
acima de R$ 3.001,00, 21% de R$ 2.001 a R$ 3.000,
29% de R$ 1.001 a R$ 2.000 e quem tem renda
familiar até R$ 1.000 representa 14%. Nos gastos
acima de R$ 200, a renda predominante passa a
ser de R$ 1.001 a R$ 2.000.
Nesse sentido, denota-se que quem possui
renda mensal familiar acima de R$ 3.001 costuma
efetuar compras de menor valor, enquanto quem
possui renda na faixa de R$ 1.001 a R$ 2.000 gasta
um valor maior, conforme gráfico a seguir.
154
No tocante aos produtos mais procurados, os respondentes priorizaram oito categorias. Eletrônicos e
acessórios para computadores constituem a categoria de produtos. O segundo produto mais visado são CDs
e DVDs. Cosméticos, maquiagem e perfumes representam o terceiro item em ordem de prioridade.
Por meio da correlação entre os produtos mais procurados no comércio popular e o gênero de quem
compra esses produtos, verifica-se que nos produtos eletrônicos e acessórios para computadores a distribuição
entre sexo masculino e feminino está bem equilibrada com 46% e 54%, respectivamente. O mesmo equilíbrio
ocorre com relação a CD e DVD, havendo 53% de compradores do sexo masculino e 47% do sexo feminino, sendo
o único produto com maioria masculina. Nos demais produtos, há predominância de determinado gênero, uma
vez que o produto pode ser mais direcionado para aquele público-alvo. Produtos como bolsas, malas e mochilas;
cosméticos, maquiagem e perfumes; bijuterias e brinquedos houve predominância do gênero feminino (89%).
Para os produtos bebidas, a totalidade é composta por homens, com renda familiar mensal superior a R$ 3.001,
que possuem o hábito de realizar compras em shoppings e lojas de grifes. Nos produtos roupas e calçados, a
totalidade dos compradores é composta por homens, os quais foram identificados com renda familiar mensal
entre R$ 1.001 a R$ 2.000, que costumam efetuar compras para toda a família em valores entre R$ 101 e R$ 200
e acima de R$ 200.
TABELA 1 – Produtos mais procurados no comércio popular
Produto Prioridade Percentual de preferência
Eletrônicos e acessórios para computadores 1 32,88%
CD e DVD 2 24,66%
Cosméticos, maquiagem, perfumes 3 16,44%
Bolsas, malas e mochilas 4 13,70%
Bijuterias 5 4,11%
Brinquedos 6 4,11%
Bebidas 7 2,74%
Roupas e calçados 8 1,37%
8%16%
20%56%
Gasto acima de R$ 200,00 Acima de R$ 3.001,00
R$ 2.001,00 a R$ 3.00,00
R$ 1.001,00 a R$ 2.00,00
Até R$ 1.00,00
Gasto entre R$ 101,00 e R$ 200,00
Gasto entre R$ 51,00 e R$ 100,00
Gasto abaixo de R$ 50,00
8%19%
27%46%
14%29%
21%36%
14%
14%29%
43%
GRÁFICO 1 – Renda x valor gasto no comércio popular
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014155
Considerando que os produtos mais pro curados no comércio popular são eletrônicos e acessórios para
computador, importante detalhar o perfil de quem procura tais produtos. Nesse sentido, observa-se que 44%
dos respondentes que procuram os produtos mencionados anteriormente possuem renda familiar mensal
acima de R$ 3.001, e 26% possuem renda de R$ 2.001 a R$ 3.000. Quem possui renda familiar de R$ 1.001 a R$
2.000 representa 17%. Os respondentes com renda familiar até R$ 1.000 constituem 13%.
Com relação à faixa etária dos consumidores de eletrônicos e acessórios para computadores, verifica-
se que 63% dos respondentes possuem de 17 a 24 anos de idade; 33% possuem de 25 a 34 anos; e apenas 4%
possuem de 35 a 50 anos.
Em resumo, o perfil predominante de quem procura eletrônicos e acessórios para computador no comércio
popular é constituído por mulheres, com idade de 17 a 24 anos e com renda familiar mensal acima de R$ 3.001.
Quando da identificação dos fatores que influenciam na decisão de compra do consumidor que
frequenta comércio popular, foi questionado ao público-alvo da pesquisa entre sete fatores se estes influenciam
muito, influenciam pouco, ou se não influenciam em sua decisão de compra. Verificou-se que o fator que mais
influencia é o preço do produto comercializado, tendo como resultado o seguinte: 66% dos respondentes
afirmaram que influencia muito, 32% que influencia pouco e apenas 3% afirmaram que o fator preço não
influencia. O segundo fator que gera mais influência sobre a decisão de compra é a variedade dos produtos,
seguida da disponibilidade de produtos similares aos originais. O fator que menos influencia na decisão de
compra, de acordo com os respondentes, é o público frequentador de comércio popular: 57% afirmaram que
tal fator não influencia; 29% que influencia pouco; e 13% afirmaram que influencia muito. O segundo fator que
menos influencia é o ambiente, observando--se, portanto, que o público pesquisado dirige--se ao comércio
popular apenas quando surge a necessidade de um produto disponível neste local.
GRÁFICO 2 – Fatores que influenciam na decisão de compras no comércio popular
FONTE: O autor (2012)
156
3.3 Canais de Venda Alternativos
Nesta etapa são analisados os dados relativos aos canais de venda que são alternativos ao comércio
popular, os quais se configuram como concorrentes a este tipo de comércio. Questionou-se aos respondentes
qual outro local eles costumam frequentar. A maioria dos respondentes frequenta shoppings, representando
32% do total; enquanto 23% frequentam lojas de rua/avenida; 19% utilizam a internet; 12% frequentam
boutiques/lojas de grife; 9% visitam lojas de departamento; e 5% utilizam catálogos/vendedoras ambulantes
para realizar suas compras.
Identificados os locais/formas de compra mais utilizados pelos respondentes, parte-se para a
identificação dos produtos mais procurados nesses locais, listados na TAB. 2.
Produto Prioridade Percentual de Preferência
Roupas e calçados 1 52,11%
Eletrônicos e acessórios para computadores 2 21,13%
Bolsas, malas e mochilas 3 12,68%
Cosméticos, maquiagem, perfumes 4 5,63%
CD e DVD 5 4,23%
Bijuterias 6 1,41%
Brinquedos 7 1,41%
Bebidas 8 1,41%
TABELA 2 – Produtos mais procurados em locais alternativos
FONTE: O autor (2012)
Analisando a tabela, percebe-se que os pro-
dutos mais procurados em comércios alternativos
são roupas e calçados, seguido de eletrônicos e
acessórios para computadores. O terceiro item mais
procurado são bolsas, malas e mochilas. Cosméti-
cos, maquiagem e perfumes são o quarto item mais
visado. Bijuterias, brinquedos e bebidas são os tipos
de produtos menos procurados nesses locais.
Ao se verificar o gênero predominante dos
produtos em locais alternativos, denota-se que a
maioria dos que procuram roupas e calçados são
do sexo feminino (76%). Com relação a eletrônicos
e acessórios para computadores, o sexo masculino
constitui a maioria, representando 60% dos respon-
dentes, assim como bolsas, malas e mochilas são
mais procurados por mulheres (78%). A totalidade
dos respondentes que procuram cosméticos, maqui-
agem e perfumes em locais alternativos é do sexo
feminino. Houve também resultados inusitados, isto
é, 100% das pessoas do gênero masculino procuram
bijuterias e 100% do gênero feminino procuram bebi-
das; porém é um dado sem muita relevância devido
ao baixo índice de preferência apresentado anterior-
mente na TAB. 2.
Roupas e calçados constituíram os produtos
mais procurados nos locais alternativos de compra.
Com isso, é importante identificar o perfil predominante
de quem procura por esses produtos. Observa-se
que quem possui renda familiar mensal de R$ 2.001
a R$ 3.000 representa 44% dos respondentes que
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014157
procuram os produtos mencionados anteriormente;
36% possuem renda familiar acima de R$ 3.001; e 21%
de R$ 1.001 a R$ 2.000.
Quanto à faixa etária dos consumidores
que procuram roupas e calçados em locais
alternativos (shopping, lojas de grife, internet,
lojas de departamento etc.), verifica-se que 67%
possuem idade entre 17 e 24 anos; 27% possuem
entre 25 e 34 anos; e apenas 6% tem de 35 a 50
anos de idade. Em suma, percebe-se que o perfil
predominante dos respondentes que procuram
roupas e calçados em locais alternativos ao
comércio popular é composto de mulheres com
idade entre 17 e 24 anos, com renda familiar mensal
de R$ 2.001 a R$ 3.000.
Com relação aos fatores que influenciam
na decisão de compra quando os respondentes
frequentam os locais mencionados, o fator que mais
influencia é a forma de pagamento facilitado, a qual
para 73% dos respondentes é fator que influencia
muito; 16% consideram que influencia pouco; e
8% afirmaram que não influencia. Descontos e
promoções vêm em seguida como segundo fator de
maior influência. Os fatores que menos influenciam
são o ambiente que envolve diversão/compras
passeio; 32% afirmaram que influencia muito; 45%
influencia pouco; e 22% que não influencia; além do
ambiente sofisticado, sendo considerado também
um fator de pouca influência.
Influencia muito Influencia pouco Não influencia Não sei dizer/ não lembro
73
53
35
16
31
40
45
22
31
8
14
26
22
5
30
3 3 1 1 34
70
3332
Forma de pagamento facilitado
Atendimento personalizado
Ambiente sofisticado
Ambiente que envolve/ diversão/compras/passeio
Descontos e promoções
Facilidade de compra sem sair de casa
FONTE: O autor (2012)
GRÁFICO 3 – Fatores de influência na decisão de compra em locais alternativos
Mediante a análise dos dados apresentados, pode-se traçar um comparativo entre os consumidores
de comércio popular e consumidores de locais alternativos. Enquanto os primeiros estão em busca de preço
baixo e ampla variedade de produtos, os segundos procuram formas de pagamento facilitadas e descontos
e promoções. Percebe-se, assim, que um preço atrativo é fator motivador para ambos os tipos de comércio.
158
Comparando os produtos mais procurados
no comércio popular com os produtos mais
visados em locais alternativos, percebe-se que
entre os quatro produtos mais procurados, três
são comuns a dois pontos de venda: eletrônicos
e acessórios para computadores; cosméticos,
maquiagem, perfumes; e bolsas, malas e mochilas.
CDs e DVDs são mais procurados no comércio
popular, porém, os itens roupas e calçados são os
mais procurados nos locais alternativos.
Ressalta-se ainda que se verificou, por meio
da correlação da renda familiar mensal com as
preferências de consumo, que consumidores de
maior poder aquisitivo costumam, proporcional-
mente, realizar compras de menor valor, enquanto
os respondentes que possuem renda familiar um
pouco menor costumam gastar mais em suas visi-
tas ao comércio popular.
Bolsas, malas e mochilas, que constituem
o mix de produtos da organização em estudo,
são o quarto item mais procurado no comércio
popular e o terceiro item mais procurado em
locais alternativos. Nesse sentido, ressalta-se a
necessidade da empresa focar nos fatores que,
de fato, influenciam o consumidor na decisão
de compra com relação ao comércio popular:
preço e variedade dos produtos. Cabe salientar o
entendimento de Parente (2000, p. 160) de que
“de todas as variáveis do marketing mix, a decisão
de preço é aquela que mais rapidamente afeta a
competitividade, o volume de vendas, as margens
e a lucratividade das empresas varejistas”.
O estudo, de forma geral, acabou confir-
mando o entendimento empírico de que o con-
sumidor que frequenta comércio popular está
em busca de produtos baratos. Além disso, no
comércio popular ele encontra uma variedade de
produtos que dificilmente encontra-se em outros
canais, constituindo um fator de influência na
decisão de compra tão importante quanto o preço.
Considerações Finais
O objetivo deste estudo foi identificar quais
os principais fatores motivadores que levam os
consumidores a frequentar e a comprar no co-
mércio popular. Nesse sentido, foram identificados
quais são os produtos mais procurados pelos con-
sumidores e os principais hábitos de consumo. Foi
ainda levantada a frequência de retorno às com-
pras por parte dos clientes do comércio popular;
além de identificada a média de valor gasto em
cada compra.
Num primeiro momento, tratou-se da iden-
tificação dos produtos mais procurados pelos
consumidores e os principais hábitos de consumo,
cujos produtos mais visados na ocasião de uma
visita ao comércio popular são eletrônicos e jogos
para computador. Os produtos menos procurados
são roupas e calçados. Com relação à quantidade
de itens e a diversidade dos segmentos comprados
em cada visita ao comércio, verificou-se que a
maioria dos respondentes gasta o valor da compra
em apenas uma loja de comércio popular. Foi
realizada também uma análise dos locais/formas
alternativas de compra.
Na sequência, identificou-se que o público
pesquisado raramente dirige-se ao comércio po-
pular, fazendo-o apenas quando surge a neces-
sidade de se adquirir um produto que está associado
a estes locais, seja pela facilidade de encontrar ou
pela exclusividade de venda (quando o produto é
encontrado apenas no comércio popular).
Por último, abordou-se a identificação da
média de valor gasto em cada compra, perce-
bendo-se que a maioria dos respondentes gasta
entre R$ 51 e R$ 100. Todavia, é importante ressaltar
que boa parte dos respondentes gasta até R$ 50
em cada compra. Essa média de gasto corrobora
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 144 - 161, jan./jun. 2014159
com o entendimento de que o consumidor de
comércio popular busca preços módicos.
Os resultados do estudo se mostraram
de grande relevância às empresas que atuam
ou pretendem atuar no comércio popular. Num
primeiro momento, ressalta-se a identificação dos
produtos mais procurados no comércio popular,
assim como em outros locais, o que permitiu
observar que entre os quatro produtos mais
procurados, três são concomitantes aos dois locais
mencionados. Destarte, é notável a competição
na preferência do consumidor em procurar no
comércio popular ou em locais alternativos os
produtos que ele necessita, muito embora os
fatores de influência na compra identificados sejam
distintos: enquanto o consumidor de comércio
popular busca preços mais vantajosos e variedade
de produtos, o consumidor de locais alternativos
procura formas de pagamento facilitadas,
descontos e promoções. Ressalta-se, ainda, que
a renda familiar mensal do consumidor influencia
pouco, visto que quem possui renda maior prefere
efetuar compras de menor valor.
Demonstradas as principais contribuições do
estudo, ressalta-se que futuros trabalhos poderão
complementar esta pesquisa, principalmente
no tocante à facilidade de pagamento como
motivador de compra em comércio popular, bem
como aos fatores de atratividade do camelódromo
de Itapema.
• Recebido em: 21/01/2013
• Aprovado em: 19/06/2013
160
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Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de CuritibaOriginale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s
gastronomic segment
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014163
Ricardo Teixeira Miranda 1
Richard Schwarz2
Resumo
O panorama da gastronomia no Brasil, do início do século XXI, está passando por profundas transformações.
O aumento de renda e o fortalecimento do poder de compra de classes que antes não possuíam acesso a
certas condições de consumo, aliados ao crescente incremento no empreendedorismo do segmento voltado
à alimentação, vêm se refletindo em uma expansão do setor e em um inevitável acirramento da concorrência.
Especificamente em Curitiba, certas regiões estão se tornando conhecidos polos gastronômicos, sendo um
deles localizado no bairro Cabral, onde se encontra a Originale Cucina e Pizzeria, presente no mercado
local há 12 anos. Para enfrentar este contexto de impactantes mudanças, a Originale optou por realizar um
completo reposicionamento estratégico de sua atuação e marca, buscando elevar seu patamar de qualidade
e atendimento, porém sem abdicar dos pontos críticos de sua essência, que garantiram sua longevidade. O
objetivo deste artigo é analisar, por meio de um estudo de caso, como este processo dinâmico vem ocorrendo
no empreendimento e quais suas formas, dificuldades e impactos, no sentido de agregar informações sobre
o peculiar setor de gastronomia curitibano, ao contrastar a atuação e evolução de um player tradicional e
estabelecido, em relação a um contexto de fortes mudanças em seu cenário competitivo de atuação.
Palavras-chave: Marketing. Empreendedorismo. Estratégia. Concorrência. Gastronomia. Curitiba.
Abstract
The food segment scenery in Brazil at the beginning of the XXI century is undergoing profound changes. The
growth of income and the strengthening of the purchasing power of classes that previously had no access
to certain conditions of consume, added to the raise in the entrepreneurship on the food segment have
reflected in an expansion of the sector and an unavoidable increase in competition. Specifically in Curitiba,
some regions are becoming known gastronomic poles, as the Cabral neighborhood, where Originale Cucina
and Pizzeria is located, for the last 12 years. To confront this strongly changing context, Originale has chosen to
conduct a complete strategic repositioning of its operations and brand, seeking to raise its level of quality and
service, but without sacrificing the essence of the critical points that ensured its longevity. The purpose of this
article is to examine through a case study how this dynamic process is occurring in the enterprise and which
forms, difficulties and impacts are, in order to gather information about the peculiar food sector in Curitiba,
by contrasting the performance and evolution of a traditional and established “player” against a backdrop of
major changes in its competitive landscape of business.
Keywords: Marketing. Entrepreneurship. Strategy. Competition. Food. Curitiba.
1 Mestre em Administração pela PUC-PR. Professor do ISAE/FGV da disciplina Geomarketing e professor auxiliar da PUCPR no curso de Administração. E-mail: [email protected].
2 Mestre em Administração pela PUC-PR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação, Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected].
Originale Cucina – um estudo de caso de posicionamento estratégico no segmento gastronômico de CuritibaOriginale Cucina – a strategic positioning case study in Curitiba’s gastronomic segment
164
Introdução
Na década de 2000, o Brasil passou por um
dos maiores processos de crescimento econômico
de sua história. Essa expansão proporcionou um
ambiente de estabilização econômica e ampliação
das condições de oferta de crédito e empregos, o
que, por sua vez, permitiu que 60 milhões de cida-
dãos, oriundos principalmente das classes C e D,
ampliassem seu acesso ao mercado de consumo.
De acordo com o DIEESE (Departamento Intersin-
dical de Estatística e Estudos Socioeconômicos),
cerca de 130 milhões de brasileiros compõem es-
tas faixas, que contam com renda mensal entre 2 e
4 salários mínimos. Para o Portal Alimentação Fora
do Lar (2013), além desse cenário, outros princi-
pais fatores de expansão do mercado de alimen-
tação fora do domicílio são a falta de tempo para
preparação da comida em casa, a busca por maior
conveniência e a diminuição do número médio de
habitantes por residência.
1 Perfil Brasileiro do Consumo de Alimentação Fora do Domicílio
Segundo a ABRASEL (2012), o aumento do
poder de consumo, relacionado em grande parte ao
aumento da renda per capita, levou os brasileiros,
em geral, a alterar também seus hábitos alimentares.
Houve, com isso, um aumento significativo na
demanda por serviços de alimentação fora do
domicílio, sendo que, no Brasil, 31% das pessoas
consomem alimentos na rua semanalmente,
percentual que deverá atingir 50% em 2020. A
classe com renda mensal de até R$ 400,00 gasta
12% do valor com alimentação na rua, quando essa
renda passa a ser de R$ 1.000,00 a R$ 1.200,00
essa fatia também cresce, passa a 21%, e quando o
trabalhador recebe mais de R$ 4.000,00 chega a
37%. Ou seja, a ampliação da classe média no país
teria um impacto direto no costume de comer fora
do domicílio (ABRASEL, 2012).
Apesar dos gastos com alimentação com-
prometerem uma fatia menor da renda das famílias
brasileiras, esses ainda representam uma grande
parcela do orçamento familiar, quase um quinto de
seu consumo total. De acordo com a Pesquisa de
Orçamentos Familiares (POF) do IBGE, elaborada
em 1974/1975, as despesas com alimentos corres-
pondiam a 33,9% dos gastos das famílias. Na
última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF3)
do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), esse comprometimento recuou 14 pontos
percentuais, totalizando 19,8% (IBGE, 2009), e
grande parte destes gastos são realizados fora
do domicílio. Segundo o Portal Alimentação Fora
do Lar (2013), mais de 25% das refeições no Brasil
atualmente são consumidas fora de casa, sen-
do que, nos grandes centros urbanos, esse índice
chega a ultrapassar 33%. Ou seja, o potencial de
crescimento desse mercado parece promissor
quando comparado aos Estados Unidos, onde este
setor responde atualmente por mais de 60% das
refeições das pessoas.
O aumento do poder de
consumo, relacionado em
grande parte ao aumento
da renda per capita, levou
os brasileiros, em geral,
a alterar também seus
hábitos alimentares.
3 A Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) é uma pesquisa domiciliar que tem como principal objetivo a obtenção de informações sobre a estrutura de orçamentos das famílias, ou seja, quanto ganham e qual a destinação de seu dinheiro.
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a cidade como a 4ª maior economia do Brasil (ver
TAB. 1), apesar de ocupar apenas a 8ª colocação em
população, conforme demonstrado no GRÁF. 1. Em
2010, a renda média dos responsáveis por domicílios
curitibanos foi de aproximadamente R$ 7.904 por
mês (TAB. 2), o que, comparado à renda média dos
domicílios brasileiros, chega a ultrapassar a renda
nacional em 273%. Em relação à distribuição de
renda segundo as classes sociais, observa-se que
15,2% correspondem à classe A, 29% à classe B,
18,4% à classe C, 25,3% à classe D e apenas 5,94%
pertencem à classe E.
TABELA 1 - Ranking das 10 cidades com maior
participação no PIB Nacional
Capital Estado2009
Ranking Part. %
São Paulo SP 1º 12,02
Rio de Janeiro RJ 2º 5,43
Brasília DF 3º 4,06
Curitiba PR 4º 1,41
Belo Horizonte MG 5º 1,38
Manaus AM 6º 1,25
Porto Alegre RS 7º 1,17
Duque de Caxias RJ 8º 1,01
Garulhos SP 9º 1,00
Osasco SP 10º 0,98
FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)
Para o segmento de alimentação fora do
domicílio, segundo Bezerra e Sichieri (2010), a
frequência de consumo brasileira foi de 35%, sendo
maior na região Sudeste (38,8%), seguida da Sul
(34,8%) e menor na região Norte (28,1%). A frequência
foi maior entre os indivíduos de 20 a 40 anos (42%),
do sexo masculino (39%), com maior nível de renda
(52%) e maior escolaridade (61%). Os alimentos
mais frequentemente consumidos fora do domicílio
foram: refrigerantes (12%), refeições (11,5%), doces
(9,5%), salgados fritos e assados (9,2%) e fast foods
(7,2%). Os pesquisadores também identificaram
maiores regularidades entre os indivíduos residentes
em domicílios situados na área urbana, no município
da capital e com menos de quatro moradores. Esses
aspectos, juntamente com a escolaridade, são
importantes marcadores do nível socioeconômico
dos indivíduos, confirmando a importância da
renda como um dos principais determinantes do
consumo de alimentos.
1.1 Curitiba e o Setor de Alimentação Fora
do Domicílio
Curitiba vem se desenvolvendo em um
ritmo cada vez maior, fato demonstrado pelos
seus indicadores socioeconômicos que mostram
12
10
8
6
4
2
0São Paulo Rio de
JaneiroFortaleza Belo
HorizonteManaus Curitiba Recife Porto
AlegreBrasíliaSalvador
11,24
6,32
2,68 2,56 2,45 2,381,8 1,75 1,54 1,41
GRÁFICO 1 - População das maiores cidades brasileiras (milhões)
FONTE: Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)
166
Em relação à renda dos bairros de Curitiba, vê-se na TAB. 2 que o bairro do Batel lidera o ranking com
um rendimento médio de R$ 10.340,00 e o Cabral, bairro onde se localiza a empresa foco deste estudo de
caso, apresenta-se como 3º colocado, com um valor médio 274% maior que a média do município.
1.2 O Bairro Cabral
O bairro, a 3,3 km de distância do Marco
Zero do Centro de Curitiba, seguiu a mesma linha
de desenvolvimento do bairro Juvevê: a partir da
implantação da Estrutural Norte e dos eixos de
transporte urbano na década de 70. Abrigando
um dos grandes terminais de transporte público
da cidade, o terminal Cabral, suas vias principais
atraem empreendimentos residenciais de porte,
comércio e serviços de todos os gêneros.
Medio5 Mediano6
Valor (R$) Ranking Valor (R$) Ranking
Batel 10,340 1º 7,068 1º
Jardim Social 9,302 2º 6,058 2º
Cabral 7,904 3º 6,058 3º
Bigorrilho 7,659 4º 5,250 4º
Juvevê 6,937 5º 5,048 5º
Água Verde 6,730 6º 4,241 7º
Alto da Glória 6,590 7º 4,443 6º
Seminário 6,483 8º 4,039 8º
Hugo Lange 6,300 9º 4,039 9º
Mossungê 5,988 10º 2,264 26º
Curitiba 2,890 - 1,141 -
TABELA 2 - Rendimento médio e mediano dos responsáveis por domicílios, por bairros – 2010
FONTE: IBGE (2000), IPPUC/Banco de Dados e Agência Curitiba de Desenvolvimento (2012)456
4 Estimativa para 2010 pela UTFPR, com base no IPCA.5 Média ponderada é calculada através do quociente da soma dos produtos entre o ponto médio da classe de rendimento e o número de
observações desta classe pelo número total de observações.6 Mediana é a realização que ocupa a posição central da série de observações quando estas estão ordenadas segundo suas grandezas.
A denominação “Cabral” surgiu no século XIX. Segundo o
próprio historiador Ermelino de Leão, o nome do bairro é
uma homenagem à influente família Cabral, que residia na
região e, em meados do século passado, doou o terreno
onde se ergueu a pequena capela consagrada ao Bom
Jesus, hoje conhecida como Igreja do Cabral. Os primeiros
moradores chegaram no início do século XVIII, conseguindo
seus lotes de terra mediante concessão da Câmara de
Curitiba. Muitos desses sítios compõem hoje o Graciosa
Country Club, alguns trechos da Av. João Gualberto, da
Anita Garibaldi e da Munhoz da Rocha (IPPUC, 2013).
O bairro Cabral, com 2,04 km de área total
(TAB. 3), possui uma população média de 13 mil
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pessoas. Seus moradores são bem servidos: há 370
pontos de comércio e outros 685 de serviços, três
praças, além de supermercados e escolas; também
possui edifícios residenciais de bom padrão e
muitas residências.
TABELA 3 - Dados do bairro Cabral
Área (Km2) 432
População Total 13, 060
Comércio 370
Insdústrias 116
Serviços 685
Distância do bairro ao Centro (Marco Zero) (Km) 3, 32
Hospitais 1
Jardinetes 3
Praças 2
FONTE: Os autores (2013)
Dados do Instituto de Pesquisa e Planeja-
mento Urbano de Curitiba (IPPUC, 2013) mostram
que o setor de alimentação possui 1.480 estabele-
cimentos comerciais em atividade no bairro, sendo
que o setor de alimentação responde por 10,3%
deste total com 152 estabelecimentos de refeições
prontas para consumo no local. Devido à alta densi-
dade demográfica da região (TAB 4), o setor de ser-
viços coloca-se como importante setor econômico.
TABELA 4 – Cabral: população, área e densidade
demográfica
Total de
HabitantesÁrea
(Km2)
Densidade
Demográfica
(hab/km2)
Absoluto % Valor (R$)
Cabral 13,060 0,75% 2,04 6,402
Curitiba 1.751,907 100 432 4,054
A TAB. 5 traz dados referentes às classes
de rendimentos das famílias residentes no bairro
Cabral, demonstrando uma população com maior
poder aquisitivo que a média do município, em
que 31,26% ganham acima de 30 salários mínimos,
contra 9,34% da média da cidade.
Famílias residentes
Bairro Cabral Curitiba
Até 0,50 salário mínimo 18 0,38% 1.183 0,24%
+ de 0,5 até 1 SM 28 0,59% 16.163 3,26%
+ De 1 até 2 SM 45 0,96% 38.223 7,72%
+ De 2 até 3 SM 7 0,15% 41.313 8,34%
Até 3 SM 98 2,08% 96.882 19,56%
+ de 3 até 5 SM 165 3,51% 83.015 16,76%
+ de 5 até 10 SM 515 10,94% 128.264 25,90
+ de 10 até 15 SM 496 10,54% 54.841 11,07%
+ de 15 até 20 SM 507 10,77% 34.642 6,99%
+ de 20 até 30 SM 564 11,98% 33.836 6,83%
+ de 30 SM 1.471 31,26% 46.277 9,34%
+ de 3 SM 3.718 79,01% 380.875 76,90%
Sem Rendimento 890 18,91% 17.553 3,54%
Totais 4.706 100,00% 495,310 100,00%
TABELA 5 - Famílias residentes, por classes de rendimento nominal familiar – 2000
168
2 Fundamentação Teórico-Empírica
Curitiba é uma cidade em que apenas 3% dos
moradores residem sozinhos e o padrão familiar
mais comum é o de um casal com dois filhos,
com uma valorização expressa da manutenção
da família, haja vista que o lazer preferido do
curitibano é passar seu tempo livre com a família
(RETRATO..., 2001). Desta forma, a identificação
dos hábitos alimentares é de grande valia para
entender um pouco mais sobre este consumidor,
que mantém a tradição, mas, ao mesmo tempo,
encontra-se na vanguarda do desenvolvimento
econômico e cultural do país.
Segundo Strobel et al. (2005), cerca de
70% dos curitibanos têm o hábito de almoçar
em restaurantes pelo menos um final de semana
por mês, com destaque para 12% que frequentam
restaurantes todos os finais de semana (sábados
e domingos). Os restaurantes preferidos são as
churrascarias (56%) e os italianos (22%). Ainda,
conforme os estudiosos, a preocupação com a
alimentação é algo que faz parte do cotidiano
das pessoas, que costumam fazer, em geral, três
refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar,
sendo que a maioria não tem o hábito de comer
entre essas refeições.
2.1 Polos de Atividades: Conceitos e
Considerações
A busca pela aproximação geográfica
entre empresas do mesmo ramo de atividade traz
benefícios já bastante estudados desde o século
XIX. Quando Marshall (1920) estabeleceu a relação
entre aglomeração geográfica de empresas e
desempenho, observou que firmas concentradas
desfrutavam de vantagens em relação àquelas
fora dessas aglomerações. Essas vantagens eram
derivadas da maior capacidade de inovação e das
economias geradas em equipamentos e mão de
obra. A partir daquele momento, as aglomerações
passaram a ser caracterizadas pelo grande fluxo
de conhecimento, intensa especialização de mão
de obra e existência de uma rede de indústrias
subsidiárias e de maquinário especializado
(MARSHALL, 1920).
No século XX, Porter (1998) vai além e
passa a apontar os benefícios das aglomerações,
enfatizando o potencial de aumento da produ-
tividade e a taxa de inovação das firmas nelas
instaladas, levando à expansão e à formação
de novas empresas que reforçam a inovação
e ampliam o aglomerado (PORTER, 1998). Na
mesma obra, o autor definiu os aglomerados como
um agrupamento geograficamente concentrado
de empresas inter-relacionadas e instituições
correlatas numa determinada área, vinculadas
por elementos comuns e complementares, o
autor incluiu ainda, em sua definição, empresas
de produtos ou serviços finais, fornecedores
e empresas clientes na cadeia de produção,
conforme o grau de sofisticação e profundidade
A preocupação com a alimentação é algo que
faz parte do cotidiano das pessoas, que costumam
fazer, em geral, três refeições por dia: café da manhã, almoço e jantar, sendo que a maioria não tem
o hábito de comer entre essas refeições.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014169
do aglomerado. No entanto, a importância de se
estudar a economia por meio deste enfoque é
devido ao fato de que os aglomerados se alinham
melhor com a natureza da competição e com as
fontes da vantagem competitiva. Assim, enquanto
Marshall enfatizava como principal benefício da
aglomeração o aumento da produtividade, Porter
acrescenta ainda a inovação e o crescimento al-
can çado pelo intercâmbio, cooperação, com-
partilhamento de infraestruturas e apoio institu-
cional entre empresas dos aglomerados.
Imbuzeiro e Lustosa (2010) afirmam que
o diferencial competitivo é construído ao longo
de cadeias produtivas, que são integradas tanto
setorialmente como espacialmente e que podem
ser denominadas de diversas formas (arranjos
produtivos locais, clusters, aglomerados produtivos,
distritos industriais), porém expressando o mes mo
fenômeno. Para os autores, não há mais sentido em
se desvincular localidades de setores produtivos e
dividi-los, de forma estanque, em industrial, agrícola
e comercial. E que, apesar da globalização, não
existem evidências do declínio de identidades locais,
o que favoreceria o surgimento de novos polos.
Em Curitiba, verifica-se a consolidação de
várias aglomerações, a partir daqui denominadas
Arranjos Produtivos Locais (APLs), como o co-
mércio de veículos na Avenida Mário Tourinho nos
bairros Batel e Campina do Siqueira e também na
Avenida Marechal Floriano Peixoto, no bairro Vila
Hauer; comércio de tecidos, no bairro Vila Hauer;
sapatos na Rua Teffé, no bairro Centro Cívico; móveis
na Al. Dr. Carlos de Carvalho, no bairro Batel, entre
outros. Uma forte característica desses APLs, é o
surgimento deles por meio da casualidade, onde,
após a instalação das primeiras empresas comuns
ao setor, ocorre uma simples imitação da estratégia
das pioneiras pelas outras empresas, que vêm a se
instalarem nas proximidades. Diferentemente de
APLs, que são estimulados pelo poder público,
essa geração espontânea se dá em função das
vantagens que se pode obter da aglomeração.
Pode-se justificar o processo de desenvolvimento
dos aglomerados por meio dos estudos de Porter
(1998), que comenta ser mais facilmente previsível
seu desenvolvimento do que a determinação dos
fatores do seu surgimento, pois se assemelha a uma
reação em cadeia, induzida pela rivalidade saudável
e das iniciativas empreendedoras. Ou seja, é
importante compreender que o APL se desenvolve
dentro de um contexto dinâmico de cooperação
em contraste com a competição. Por exemplo, no
caso da Originale Cucina, ao mesmo tempo em que
um empreendimento se beneficia do movimento
de pessoas gerado pelos concorrentes vizinhos,
também se estabelece a luta pela conquista da
preferência destes potenciais clientes.
2.2 Estratégias de Competição
O acirramento da concorrência e a com-
petição por um espaço no mercado têm forçado
as organizações a definirem estratégias com
vistas a capacitarem-se para suportar, ou mesmo
superar, as novas e crescentes demandas do
ambiente em que estão inseridas. Neste sentido,
a essência da formulação estratégica consiste em
enfrentar a competição em que, segundo Porter
(1998), cinco forças básicas compõem o estado
de competição em um setor. Neste estudo, dadas
as características observadas na aglomeração
onde se situa a Originale Cucina, serão focadas as
ameaças de novos entrantes e as manobras pelo
posicionamento entre os atuais concorrentes.
Devido ao seu relativo baixo custo de
instalação e exigência de capital, necessidade
de escala de produção mediana, fácil acesso a
fornecedores e canais de distribuição e facilidade
em se estabelecer estratégias de diferenciação
de produtos, o setor gastronômico apresentaria
uma fraca barreira a novos entrantes. Apenas
170
exigências legais, como alvarás, aprovação de
projetos pela prefeitura, corpo de bombeiros e
Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA)
são fatores operacionais dificultantes à entrada de
novos concorrentes.
A disputa entre concorrentes, por meio de
campanhas publicitárias, competição por preços e
diferenciação por produtos e serviços é uniformi-
zada mediante nivelamento entre os concorrentes,
verificado no aglomerado gastronômico do bairro
Cabral. A instalação de alguns restaurantes dife-
renciados, como o restaurante Madero Burger &
Grill e a Pizzaria Mercearia Bresser, trouxe à região
um novo padrão de cardápio e atendimento, até
então predominantemente dominado por pizza-
-rias, lanchonetes e serviços de entrega rápida.
Dentro deste cenário, a vantagem com-
petitiva pela visão baseada em recursos examina
a ligação entre as características internas da
empresa e seu desempenho (BARNEY, 1991).
Segundo esse pesquisador, a empresa apresenta
vantagem competitiva ao adotar uma estratégia de
criação de valor que não está sendo implementada
simultaneamente pelos seus concorrentes atuais
ou potenciais. Por ser facilmente duplicada, essa
não é uma vantagem competitiva sustentada,
mas tão somente uma estratégia de imitação ou
substituibilidade, pois concorrentes ou poten-
ciais entrantes podem programar as mesmas
estratégias, mas de uma maneira diferente ao
utilizar diferentes recursos.
Também, na abordagem das capaci dades
dinâmicas, cujos estudos conduzidos por Teece;
Pisano; Schuen (1997) indicam a replicabilidade
e imitabilidade de um processo organizacional,
somente serão comportados como vantagem
competitiva se essas estiverem formadas por um
conjunto de rotinas, capacidades e ativos com-
plementares difíceis de imitar. Entende-se aqui
replicabilidade e imitabilidade como fenômenos
que determinam o quão rapidamente uma compe-
tência ou uma capacidade pode ser copiada pelos
competidores (TEECE; PISANO; SCHUEN, 1997).
2.3 A Gastronomia Local em Curitiba
Curitiba caracteriza-se por apresentar duas
grandes concentrações de estabelecimentos de
alimentação: uma situada na Avenida Comenda-
dor Franco (mais conhecida como “Avenida das
Torres”), que interliga a cidade ao município de
São José dos Pinhais (localização do aeroporto
internacional Afonso Pena), onde se localizam di-
versas churrascarias que servem rodízio de carnes
e também massas. Outra localidade gastronômica
de Curitiba é o famoso bairro de Santa Felicida-
de, que, por sua vez, concentra a culinária italia-
na. Além dessas duas rotas gastronômicas, preva-
lecem os pequenos e médios nichos culinários
es palhados pela cidade, como as imediações da
Praça Espanha, os bairros Cabral, Juvevê e Batel, o
Largo da Ordem e a Avenida Batel, com seus bares,
A empresa apresenta
vantagem competitiva ao
adotar uma estratégia de
criação de valor que não
está sendo implementada
simultaneamente pelos
seus concorrentes atuais ou
potenciais.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014171
e os shoppings centers, que, além de suas praças
de alimentação, agora também oferecem espaços
diferenciados e a presença de “grifes” gastronômi-
cas locais, tais como Madero, Bistrô do Victor e La
Pasta Gialla, entre outras.
2.4 O Bairro Cabral: um Novo
Polo Gastronômico?
Abrigo do foco deste estudo de caso, o
bairro Cabral vem apresentando um expressivo
crescimento no número de estabelecimentos deste
setor, o que levou os proprietários a reposicionarem
estrategicamente seu negócio de acordo com
as novas características da concorrência e dos
consumidores que frequentam a região, que passou
a atrair não apenas os moradores locais, mas
também clientes de outras localidades da cidade
e inclusive dos municípios-satélite que compõem
a região da grande Curitiba, tais como Colombo,
Almirante Tamandaré e Araucária, entre outros.
Exemplo claro deste crescimento é a diversificação
de casas que se estabeleceram no bairro tais como
Subway e Au Au (sanduíches), Mercearia Bresser
e Atolinni (pizzarias), Madero (hamburgueria),
Wikimaki e Saikoo (comida japonesa), Yogufast e
Freddo (iogurteria e sorveteria) etc.
Além disso, a abertura de diversos esta-
belecimentos voltados à alimentação em bairros
contíguos ao Cabral também influem na atração de
clientes para esta região da cidade, anteriormente
não tão associada à gastronomia curitibana. Como
exemplo, pode-se citar também os bairros do Alto
da XV, Alto da Glória e Juvevê, com casas como
Beto Batata, Cantina do Délio, Baggio, Abaré,
Vindouro, Mangiare Felice, Yoguland, Fornão,
Jacobina, Capitu, Paraguassu, Menina Zen e Cana
Benta, entre outros O principal desafio, então, para
um player já estabelecido e posicionado na região, é
como continuar sendo competitivo e crescer (tanto
em faturamento como em imagem) dentro deste
contexto de uma forte concorrência e das mudanças
do cenário macroeconômico sobre os hábitos de
consumo alimentares da população curitibana,
sempre tão tradicionalista, crítica e exigente.
2.5 Perfil do Empreendedor
Para entender a evolução do desen-
volvimento da Originale Cucina e Pizzeria, é
necessário compreender um pouco da trajetória
do seu empreendedor, Luiz Ricardo Iwersen.
Após concluir seu Bacharelado em Administração
de Empresas em 1998, Iwersen começa a atuar
como Gerente de Negócios Corporativos em
uma instituição bancária em Curitiba, atendendo
o mercado de pequenas e médias empresas.
Por meio desta experiência, fez contatos com
empresários de diversos segmentos, como varejo,
automobilístico e farmacêutico. Em função do
porte dessas organizações, o profissional começa
a entender a dinâmica de um negócio deste porte,
muitas vezes regional e até familiar, principalmente
devido ao contato com os proprietários, o que lhe
proporciona uma visão geral dos empreendimentos.
Em função desse conhecimento, sai do banco
e começa a atuar na empresa de transportes de
valores de sua família, trabalhando na transferência
de uma nova tecnologia norte-americana para
confecção de coletes à prova constituídos por
uma malha de kevlar trançado. Assim, iniciou um
intercâmbio de informações com empresas dos
Estados Unidos que resultou em uma estadia de
um ano estudando na Universidade da Califórnia,
em San Diego, para consolidar seu conhecimento
do idioma inglês e também da cultura de negócios
americana. Nesse período, é feita uma proposta
de um grupo para a aquisição da empresa de sua
família, que é aceita. Ao retornar ao Brasil, Iwersen
é contatado por um possível parceiro para analisar
172
em conjunto a viabilidade da abertura de um
novo empreendimento, desta vez no segmento de
alimentação.
2.6 Originale Cucina e Pizzeria: um Pouco
de História
A Originale Cucina e Pizzeria, citada a
partir deste momento como somente Originale,
foi inaugurada em 2002 como uma nova unidade
da Pizzaria Di Piu, pelos empresários Luiz
Ricardo Iwersen e Mário Niclevicz, a partir de
uma análise geográfica de regiões com potencial
de absorver serviços de alimentação. O grupo
Di Piu já possuía duas outras unidades nas ruas
Padre Anchieta e Princesa Isabel, e procurava há
mais de um ano um local para abrir uma unidade
na região do Cabral, já antecipando o possível
forte potencial de consumo para alimentação do
bairro. Porém, não havia disponibilidade de bons
imóveis comerciais para aluguel ou compra. Nesta
época, os poucos e principais estabelecimentos
do segmento estabelecidos na região eram
McDonald’s, Pizza Hut e Di Frango. O ponto que
finalmente surgiu e foi escolhido, se trata de uma
casa na Avenida Munhoz da Rocha, 665, tendo
como fortes diferenciais iniciais de atuação o
ambiente discreto e introspectivo, a capacidade
original para atender 70 pessoas sentadas em
quatro salas e possuir estacionamento interno
para cerca de 10 veículos. Em 2006, ocorre uma
divisão amigável da sociedade, apenas em função
de divergências conceituais sobre a estratégia de
atuação do negócio, sendo que a partir daí Mário
Niclevicz prossegue com o nome e com as demais
unidades Di Piu (que também ainda se encontram
em atividade) e Luiz Iwersen fica com a direção
da unidade Cabral, que é então rebatizada com o
nome de Originale Cucina e Pizzeria.
3 Metodologia de Pesquisa
3.1 Caracterização da Pesquisa
Pesquisas descritivas têm como objetivo primordial a
descrição das características de determinada população
ou fenômeno ou, então, o estabelecimento de relações
entre variáveis. Algumas pesquisas descritivas vão além
da simples identificação da existência de relações entre
as variáveis, e pretendem determinar a natureza dessa
relação. Nesse caso, tem-se uma pesquisa descritiva
que se aproxima da explicativa. Há, porém, pesquisas
que, embora definidas como descritivas com base em
seus objetivos, acabam servindo mais para proporcionar
uma nova visão do problema, o que as aproxima das
pesquisas exploratórias (GIL, 2002, p. 42).
Este estudo caracteriza-se como uma
pesquisa qualitativa, cuja estratégia é de estudo
de caso único de natureza descritivo-analítica
(YIN, 2005). A proposta é investigar as estratégias
de reposicionamento de uma empresa do setor
gastronômico do bairro Cabral de Curitiba, pa ra
fazer frente ao crescente incremento no empreen-
dedorismo do segmento, à expansão do setor e ao
acirramento da concorrência.
3.2 População e Amostra
A população seria, de modo geral, a totalidade
de restaurantes e casas voltadas para o segmento de
alimentação da cidade de Curitiba. Para uma maior
delimitação, poderia se dizer que seria o grupo de
restaurantes franco-italianos e pizzarias da cidade.
A amostra escolhida foi o restaurante Originale, que
possui uma única unidade, no bairro do Cabral. A
amostra foi escolhida de forma não probabilística
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014173
e por meio do critério de conveniência, por possuir
o perfil ideal para a análise e por fornecer de forma
ampla e irrestrita o acesso às informações relativas à
sua atuação, mesmo aquelas consideradas de cunho
mais sigiloso e estratégico.
3.3 Coleta e Tratamento de Dados
Os dados para a elaboração do estudo foram
coletados por meio de três métodos complementa-
res: observação, documentação e entrevista.
A observação, segundo Gil (2009, p. 72), no
contexto do presente estudo, pode ser classificada
como espontânea, informal e não planificada, ao
se combinar os teores exploratório e descritivo do
tema. Este formato se mostra de grande utilidade
ao promover a aproximação dos pesquisadores
com o fenômeno pesquisado, permitindo que
eles obtenham uma compreensão mais precisa
do problema e de suas implicações. Procurou-se
aqui se atentar aos sujeitos (quem e quais são os
participantes e como se relacionam entre si), ao
cenário (onde tudo se situa e suas características)
e ao comportamento social (papéis e condutas
desempenhados). Esta observação aconteceu na
forma de visitas à Originale e ao acompanhamento
de seu funcionamento durante um período de
aproximadamente uma semana.
Já a análise de documentação foi de grande
importância para aumentar o grau de conhecimento
sobre a empresa, seus métodos, processos,
estrutura, atuação e características, além da forma
como se deu o seu efetivo reposicionamento e
quais foram seus impactos. A documentação da
Originale também ajudou na complementação das
informações obtidas mediante as outras formas
de coleta de dados, auxiliando a corroborar fatos
e a suscitar novas ideias e conceitos no processo
analítico. Os tipos de documentos analisados foram
cardápios, cartas de vinhos, anúncios publicitários,
folders, embalagens de viagem e o site da empresa.
Finalizando as formas de coleta de dados,
chegou-se às entrevistas, que são, de acordo com
Gil (2009, p. 63), a mais importante técnica no
sentido de obter informações acerca do que os su-
jeitos da investigação sabem, acreditam, esperam,
imaginam, planejam, agem ou intencionam. Sendo
bem conduzida, a entrevista pode até desvendar
aspectos inconscientes determinantes do compor-
tamento humano. No presente estudo, optou-se
por realizar duas entrevistas em profundidade e
semiestruturadas com o proprietário da empresa,
Luiz Ricardo Iwersen, com tempo total de cerca de
quatro horas de duração.
4 Análise: Reposicionamento da Originale Cucina e Pizzeria
4.1 Reposicionamento Estratégico
O reposicionamento estratégico da Origi-
nale, iniciado com a separação da sociedade do
Grupo Di Piu, em 2006, e que se encontra em an-
damento até o presente momento, envolveu basi-
camente os seguintes grandes itens relacionados
à atuação do estabelecimento: comunicação, es-
trutura, atendimento, cardápio e precificação, além
de outros diferenciais menores, que serão devida e
especificamente abordados a seguir.
4.2 Comunicação
A reformulação da comunicação da Originale
teve origem a partir da própria constituição no novo
nome. A opção por Originale para suceder Di Piu
deve-se a uma questão anterior de disputa do nome
174
Di Piu e que havia feito o grupo começar a assinar
suas casas como “Di Piu. La Originale”, para evitar
confusões associativas. Com a cisão societária, a
unidade Cabral adotou apenas o nome “Originale”,
que acabaria posteriormente sendo adaptado e
expandido para “Originale Cucina e Pizzeria”.
Para manter a sinergia e essência do trabalho
de construção de marca e identidade que a Di Piu
já havia realizado no Cabral durante os quatro
anos de atuação, optou-se por conservar as cores
verde e vermelho na constituição da nova marca e
na comunicação da nova casa Originale, de forma
que o apelo aos clientes tradicionais da casa fosse
mantido, ao mesmo tempo que apontava uma
nova direção em sua atuação.
Com relação à comunicação interna, foi re-
elaborada toda a parte visual de cardápios e uma
nova carta de vinhos, além de parcerias com forne-
cedores e demais empresas para apoio à produção
de embalagens de pizza e jogos americanos des-
cartáveis das mesas. Buscou-se uma comunicação
mais leve, sutil e refinada, já que o principal públi-
co é um que espera passar momentos agradáveis
enquanto saboreia um bom prato e degusta uma
excelente bebida, por exemplo, casais das classes
A-, B e C+.
Já para a comunicação externa, iniciou-se
com anúncios em revistas regionais e nacionais
especializadas em gastronomia e entretenimento,
além de anúncios com chamadas em rádios locais e
da colocação de backlight e sinalização exterior no
imóvel. Ultimamente, o foco neste tipo de comuni-
cação não tem sido muito forte, até porque os no-
vos e fortes concorrentes que chegaram ao bairro,
tais como Madero e Bresser, tendem a investir pesa-
damente em mídia, atraindo tal demanda de clien-
tes que, por vezes, não conseguem absorver e que
acabam conhecendo a Originale, por não poderem
ir aonde originalmente pretendiam. Apesar disso,
um dos focos de comunicação da casa é tornar seu
nome cada vez mais forte e reconhecido na região,
como se verá a seguir.
Com relação a essa concorrência, o aspecto
de polo gastronômico privilegia sobremaneira
a Originale, ao atrair clientes que tenderiam
originalmente a se dirigir a outras regiões como
Batel e Santa Felicidade e, ao mesmo tempo, o
posicionamento da casa é não conflitar com esta
nova concorrência, o que será comentado em mais
detalhes no item “Cardápio e Precificação”.
A internet também se mostrou um impor-
tante aspecto de ajuda ao reposicionamento da
Originale, por constituir um site refinado, direto e
agradável e com inovações, como a possibilidade
de se realizar o pedido on-line.
Por fim, a respeito da comunicação, é muito
interessante salientar que o principal veículo de
comunicação da Originale é a recomendação pes-
soal, o popular “boca a boca”, fato que ocorre até
pela limitação física imposta por dispor de apenas
uma unidade.
4.3 Estrutura
A estrutura física da Originale era inicialmente
constituída de 70 lugares (sentados) para aten-
dimento em mesas dispostas em quatro salas. O
aumento da demanda e da busca por se jantar
fora de casa no novo polo gastronômico do Cabral
impulsionou o investimento para a construção
de uma nova sala com mais 20 lugares, para
aproveitar o ganho em escala, além do aumento
do ticket médio por cliente7. O salão (conjunto das
salas) é considerado como o “cartão de visitas” da
Originale, sendo que quem conhece os produtos na
7 Total do faturamento com refeições e bebidas, dividido pela quantidade de clientes, mensal. Representa o gasto unitário médio de cada cliente.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014175
casa acaba posteriormente também pedindo pelo
delivery. A decoração foi realizada com paredes
de vidro e placas decorativas de bebidas, criando
um clima simultaneamente intimista, acolhedor e
nostálgico. Uma parede viva (paisagismo vertical)
foi elaborada junto à nova área (inspirada na
arquitetura do restaurante paulistano Kaa), para
trazer um toque de natureza, rusticidade e beleza
ao novo espaço. Aquecedores a gás e iluminação
incidental ajudaram a complementar a expansão.
Ambientações especiais também são planejadas
e elaboradas pela casa em datas especiais, como
balões vermelhos em forma de coração no Dia dos
Namorados, por exemplo.
4.4 Atendimento
O atendimento da Originale é dividido em
basicamente quatro canais diferentes: balcão
(para pedidos no local), delivery (entrega em
domicílio), salão (conjunto das quatro salas) e site.
Balcão e delivery não tiveram grandes alterações
estruturais e de funcionamento em relação ao
início das atividades do restaurante, e as inovações
relativas ao site já foram comentadas. No canal
salão, além das mudanças físicas já citadas, há
também a qualidade técnica dos garçons, pois eles
são estimulados a realizar cursos e treinamentos
de capacitação e desenvolvimento, como vinhos,
águas especiais e barman, por exemplo.
Outro ponto forte de diferenciação da
Originale em relação à concorrência é o seu foco
na constituição de equipes qualificadas e com
longevidade, sendo que o pagamento de salários
acima da média de mercado atrai e retém bons
profissionais, bastando citar que, atualmente, o
funcionário mais recente foi admitido há dois anos.
O reposicionamento da Originale fez que a equipe
da casa aumentasse em 30%, principalmente
devido ao almoço à la carte que foi instituído,
necessitando de praticamente uma nova equipe
de atendimento e uma de cozinha.
4.5 Cardápio e Precificação
A Originale realizou seu reposi ciona mento
neste aspecto ao migrar da posição de ser uma
simples provedora de fast food (basicamente pizzaria
com entregas em domicílio) para rumar a ser um
restaurante e cantina de teor franco-italiano. A origem
da Di Piu, que iniciou suas atividades anteriormente
ao governo do Presidente Lula, enxergava na
competição de preço um forte elemento de seu
posicionamento, apesar de não ter ofertado um preço
de entrada no mercado, e sim, ter tentado se colocar
como uma empresa de qualidade ligeiramente
superior aos demais concorrentes, focado em
vários pontos de vendas e ganhos de escala. Essa
foi a principal razão da separação da sociedade e o
motor do reposicionamento da Originale, buscando
se posicionar mais como restaurante, e com um
subsequente valor maior de ticket médio por cliente.
O boom dos cursos de chef de cozinha e o interesse
pelo tema gastronomia também funcionaram para
dar propulsão à busca deste objetivo. Surge uma
visão de busca pela perenidade no exigente mercado
curitibano, ao se pretender seguir o modelo de casas
altamente tradicionais da cidade como Scavollo,
Pamphylia e Spaghetto, por meio da oferta da
maior qualidade pelo menor preço possível (melhor
custo-benefício). Outro benchmark importante a ser
citado é o Restaurante Ráscal, de São Paulo, que
busca proporcionar a aproximação entre a cozinha
e o cliente para uma maior integração e satisfação
gastronômica.
O cardápio evoluiu para abranger pratos tais
como carnes, aves e peixes, além de massas mais
elaboradas do que as simples pizzas, lasanhas e
nhoques anteriormente ofertados. Foi estabelecida
uma nova metodologia de busca de padronização e
176
excelência dos pratos ofertados, e foram elaboradas
pesquisas de satisfação do consumidor para apoiar
na consolidação deste processo. Outro ponto
decisivo para a escolha dessa oferta de pratos mais
elaborados foi pautada no fato da casa utilizar
garçons em vez de atendentes, que possuem mais
técnica ao servir, o que poderia ser explorado ao se
buscar ofertar mais opções ao cliente Originale e,
simultaneamente, obter um maior ticket médio por
cliente. O posicionamento mais elaborado também
exigiu sacrifícios, como a extinção de panfletagens
locais e também de promoções antigas de pontos
cumulativos (para troca por pizzas ou refrigerantes
gratuitos) e de indicações de porteiros de prédios da
região, sendo que as únicas promoções que ocorrem
são mais refinadas, como a de segunda-feira, com
vinho à luz de velas (focando casais) e de terça-feira,
com pedido especial de pizza (uma gigante ou duas
grandes) dando direito a uma sobremesa gratuita,
visando fortalecer o movimento nestes dias. O fator
preço foi outro que se beneficiou da vinda dos novos
concorrentes à região, uma vez que o alto nível deles
valorizou a importância do produto da Originale, que
pode ser considerado relativamente mais barato do
que os dos concorrentes como Bresser, Abaré, Baggio
e até mesmo da Di Piu, apesar de não apresentar
uma qualidade inferior a eles em termos de opções,
ingredientes e sabor. A inserção de pratos à la
carte se mostrou uma decisão acertada, já que hoje
responde por 30% do faturamento total da empresa,
contra 70% da pizzaria, que ainda permanece sendo
o carro-chefe do empreendimento.
4.6 Demais Diferenciais
Um dos pilares da estratégia de reposicio-
namento da Originale está, de certa forma, pauta-
da no seu próprio nome: a busca em ser original
para impressionar o seu cliente. Além dos pontos
já citados nos outros itens, certos aspectos tam-
bém merecem ser destacados. O primeiro deles
é a completa reelaboração da carta de vinhos da
casa, a partir da adoção e oferta de vinhos espe-
ciais nacionais. A ideia surgiu a partir de uma visi-
ta dos proprietários a vinícolas da Serra Gaúcha,
onde constataram a altíssima qualidade de certos
produtores, cujos vinhos de tipo exportação são
praticamente desconhecidos em Curitiba. Isto au-
xilia na criação de cultura gastronômica no clien-
te e no ganho de imagem da empresa, pois seria
mais fácil e lucrativo apostar em vinhos chilenos e
argentinos populares, mas a Originale optou por
até sacrificar parte de sua receita em nome do seu
posicionamento desejado. O fato de a expansão
de cardápio também apresentar carnes, aves e
massas diferenciadas também auxiliou nesta con-
solidação do vinho nacional de qualidade como
diferencial de pioneirismo no segmento na cidade.
Outro diferencial desenvolvido foi a criação
do cardápio vegan (completamente vegetariano,
sem a utilização de nenhuma substância animal, tais
como ovos e leite), tendência de mercado em busca
de vida mais saudável e da redução do consumo de
carne. Os cinco pratos desenvolvidos neste sistema
atraíram uma clientela específica de pessoas volta-
das para o consumo vegetariano, e chegou a con-
templar uma menção em uma conceituada revista
de gastronomia como referência nesta área, sendo
o único restaurante franco-italiano a apresentar tal
tipo de opção para seus clientes na cidade.
Prosseguindo na busca de diferenciais criati-
vos, a Originale também desenvolveu uma oferta de
diversas cervejas especiais, tais como Paulaner, Er-
dinger e Murphy’s, entre outras (mais uma tendência
atual do mercado gourmet) para harmonizar com
seus pratos, e está iniciando também a comercializa-
ção de águas minerais premium, tais como San Pel-
legrino, Acqua Panna e Perrier, outra nova tendência.
Café expresso e biscoitos artesanais também são
ofertados aos clientes após as refeições.
E, finalizando o desenvolvimento de dife-
renciais originais, no momento, está se institucio-
nalizando a disponibilização para seu público de
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 162 - 179, jan./jun. 2014177
um de drinks especiais como Manhattan, Sex On
The Beach etc., no lugar de bebidas tradicionais,
também focando no aumento do valor médio con-
sumido na casa.
Considerações Finais, Limitações e Recomendações
O presente sucesso da Originale e sua longe-
vidade em um mercado onde o índice de mortali-
dade de novas empresas é tão alto são indicativos
do acerto na sua política de reposicionamento. As
divergências de visões que originaram a separação
societária que implicou na criação da Originale refle-
tem a primeira constatação e recomendação oriunda
do presente estudo: em certo momento, houve uma
bifurcação de caminhos empresariais, em que um
lado optou pelo posicionamento original mais volta-
do à atuação como fast food e pizzaria, orientada
ao atendimento de massa via delivery, com vistas ao
ganho em escala (Di Piu) e o outro lado, por sua vez,
optou por desenvolver um novo posicionamento
mais elaborado, rumando para uma atuação mais di-
versificada, como um restaurante com mais opções
de pratos e com vistas a um ganho incremental so-
bre o consumo de cada cliente (Originale).
A recomendação aqui seria para novos es-
tudos que pudessem apontar os benefícios e as
desvantagens de cada opção dentro do mercado
curitibano, por exemplo, o que poderia resultar em
interessantes análises. Outro ponto conclusivo do
estudo foi que a Originale soube muito bem admi-
nistrar a questão da mudança proporcionada pela
economia nos últimos governos, bem como a ocor-
rida localmente em seu reduto de atuação, fazendo
a casa focar em novos clientes de crescente poder
aquisitivo, mas que valorizam seu dinheiro e estão
sempre em busca da melhor relação custo-benefício,
ao mesmo tempo em que, às vezes, não se sentem
tão à vontade em estabelecimentos considerados
mais sofisticados.
Desta maneira, a Originale busca obter os be-
nefícios de sua refinada concorrência, sem incorrer
no erro de querer disputar posição, o que poderia ar-
ranhar sua imagem e performance. Ao absorver a de-
manda não trabalhada por seus vizinhos, a Originale
também começa a criar novos clientes, atualmente
de todas as partes da grande Curitiba. E também
cria clientes cativos, ao prestar atenção a detalhes,
por exemplo, e trabalhar para desenvolver diferen-
ciais únicos e criativos. A busca por um aumento do
ticket médio por cliente (em função de suas limita-
ções físicas) impulsionou a imagem da empresa, ao
também demandar mudanças significativas em pro-
cessos e produtos, assim a percepção dos clientes
acompanhou a evolução do novo posi cionamento,
fato que, também a título de recomendação, poderia
se buscar comprovar via pesquisas.
Ao investir cada vez menos em mídias
tradicionais, a Originale parece estar na contramão
de seu principal objetivo no momento, que é tornar
seu nome cada vez mais forte e reconhecido na
região. Para isto, o que poderia ser uma boa opção
seria a abertura de uma nova casa ou a criação de
um sistema de franquias, por exemplo. Porém, ao
optar por permanecer como a empresa que capta
os clientes excedentes do polo que se desenvolveu
ao seu redor, além de contar com as indicações de
seus habitués, aumentar sua clientela não é difícil,
ao ofertar bom preço, combinado a qualidade. A
visão da empresa é que o mercado é dinâmico,
devendo-se acompanhá-lo, especialmente se já se
sabe qual é a posição pretendida no mesmo e se
deseja consolidá-la.
Fechando estas conclusões, vê-se como prin-
cipal limitação deste estudo de caso a sua dificulda-
de de validação externa deste estudo de caso, em
função das especificidades da empresa, do contexto
e do momento histórico, apesar de que as constata-
ções e ideias aqui aventadas e discutidas possam ser
de grande utilidade para estabelecimentos similares
em Curitiba ou outros lugares que também desejem
reorientar seu posicionamento estratégico.
178
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• Recebido em: 04/04/2013
• Aprovado em: 15/06/2013
Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de telefoniaCustomer value – market study of telephone operators
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014181
Eliane Cristine Francisco-Maffezzolli1
Paulo de Paula Baptista2
Richard Schwarz3
Wesley Vieira da Silva4
Resumo
Qual o valor real de um cliente? Apesar de existirem divergências com relação à própria conceituação
da expressão “valor do cliente”, o conhecimento de quanto cada um deles efetivamente vale para uma
empresa pode ser uma poderosa ferramenta na definição das estratégias empresariais. A relevante
importância social e o acelerado crescimento do segmento de telefonia celular no Brasil nos últimos
anos o elegem como importante campo de estudos para este tema. Para isto, o que se procurou neste
estudo foi investigar se haveria uma correlação estatística entre o aumento da base total de assinantes
de duas das maiores operadoras do país, Vivo e TIM, e seus respectivos valores acionários e de mercado,
no período compreendido entre 2006 e 2010. Também se procurou criar índices preditivos a partir
das possíveis correlações, através de cálculos de regressão linear. As correlações foram verificadas,
porém de forma intensa e positiva para a Vivo, enquanto que de forma mais suave e negativa para a
TIM, o que leva à conclusão de que efetivamente existe relação entre as variáveis, mas outros fatores
estratégicos também contribuem de forma significativa para aumentar o valor de uma operadora, além
do crescimento de sua base de clientes.
Palavras-chave: Marketing. Valor. Cliente. Telefonia Celular.
Abstract
What is the real value of a customer? Although there are even divergences about the real concept of
“customer value”, the knowledge of how much each one is worth for a company may be a powerful
tool in the definition of organization strategies. The relevant social importance and the fast growth
of the cellular telephony segment in Brazil during the last years elect it as the perfect field study for
this theme. For this, what this study wanted was to investigate if there would be a statistic correlation
between the raise of the total customer basis of two of the country´s largest operators, Vivo and TIM,
and their respective actions and market values, during the period comprehended between 2006 and
2010. It was also the intent here to try to create predictive indices from these possible correlations,
through linear regression analysis techniques. The correlations were verified, but in an intense and
positive form for Vivo, while in a negative and softer way for TIM, which leads to the conclusion that,
although there are effective relations between the variables, other strategic factors also contribute in a
significant way to raise the value of a telephony company, besides the growth of its base of customers.
Keywords: Marketing. Value. Customer. Mobile Telephony.
1 Doutora em Administração pela UFPR. Professora adjunta do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected] Doutor em Administração pela USP. Professor adjunto do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected] Mestre em Administração pela PUCPR. Consultor empresarial especializado em Marketing, Comunicação,
Planejamento Estratégico e Desenvolvimento de Negócios. E-mail: [email protected] Doutor em Engenharia de Produção pela UFSC. Professor titular do PPAD – PUCPR. E-mail: [email protected].
Valor do cliente – estudo do mercado de operadoras de telefoniaCustomer value – market study of telephone operators
182
Introdução
Clancy e Shulman (1994) iniciam seu livro
Mitos do marketing que estão matando seus ne-
gócios com um divertido cartum em que um men-
digo, em um banco de praça, diz a outro que “ia
muito bem – um bom escritório, carro da empre-
sa, sala de refeições executiva – quando eles atre-
laram meu salário ao retorno que eu conseguiria
para o orçamento de marketing”. Os autores con-
cluem sua obra afirmando que mais da metade
dos gerentes indagados por pesquisas recentes
não acreditam que a maioria dos programas de
marketing produza retorno sobre investimentos.
Os motivos seriam a errada opção por mitos, pal-
pites e esperanças, porque o marketing é muito
mais ciência do que arte, existindo atualmente
cada vez mais dados e instrumentos que possibili-
tam aumentar drasticamente a taxa de sucesso de
uma empresa. E um dos mistérios relativos a este
sucesso seria: quanto realmente vale um cliente?
Esta deve ser uma das perguntas mais importantes
do marketing e, simultaneamente, também uma
das mais difíceis de responder, pois este conhe-
cimento pode representar toda a diferença entre
perdurar ou perecer para uma empresa. Mesmo
assim, as organizações operam com diferentes in-
dicadores, avaliações e índices, muitas vezes até
sem qualquer cientificidade ou critério racional,
tentando sempre estimar o potencial valor de um
cliente para sua operação, para poder estabelecer
suas estratégias.
O mercado brasileiro de telefonia celular
constitui um excelente campo de estudos para
este tema. A forte competitividade, que se
traduz na busca dos clientes, tem se acentuado
cada vez mais a partir da formação de grandes
grupos de telecomunicações móveis, com bases
consolidadas de milhões de clientes. Além disso,
recentemente, o Brasil rompeu a barreira de 100%
de penetração de telefonia celular (mais de um
aparelho celular por habitante, com 107 telefones
para cada grupo de 100 habitantes), superando
até mesmo os Estados Unidos (com 102 celulares
para cada 100 habitantes), de acordo com os
dados da consultoria internacional Wireless
Intelligence (divulgados pelo portal especializado
em telecomunicações IDG Now!), demonstrando
que o país é efetivamente um dos maiores (e mais
desejados) mercados mundiais do setor.
Tais fatos demonstram que esta ferrenha
competição apenas tenderá a se acirrar, pois as
operadoras agora terão que tirar clientes de suas
concorrentes, já que o mercado está se tornando
cada vez mais escasso e disputado.
Diferentemente de outras conceituações
que definem o valor do cliente como a soma
do que ele pode gastar com uma empresa, esta
análise procura relacionar diretamente, e de
forma estatística, o quanto a entrada de um novo
cliente afeta o valor de mercado percebido desta
empresa, bem como quais seriam as tendências
estatísticas de crescimento ou redução das bases
de clientes e valores de mercado das principais
operadoras do país para os próximos períodos.
Em busca destas respostas, foram analisadas as
evoluções das bases de clientes e dos resultados
na Bolsa de Valores e de valor de mercado das
operadoras Vivo e TIM, no período compreendido
entre 2006 e 2010.
Em termos teóricos, a mensuração é um dos
grandes aliados dos administradores na mo derna
tomada de decisão. Farris et al. (2007) enfatizam
que, provavelmente, nenhuma métrica é perfeita,
recomendando que os profissionais de marketing
utilizem “painéis” de métricas combinadas, poden-
do visualizar de forma mais ampla as dinâmicas de
mercado e utilizando uma medição para verificar as
outras, minimizando os possíveis erros cometidos e
maximizando a precisão de seu conhecimento. Por-
tanto, quanto mais apurada for a métrica com que
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014183
uma empresa consiga avaliar a representatividade
real de um cliente frente ao seu empreendimento,
mais confortável, segura e embasada tenderá a ser
a tomada de decisão de seus administradores.
Um dos maiores problemas em uma sociedade moderna
resulta do fato de que muitos dos conceitos que medem
o estado de assuntos importantes ou são conceitos inven-
tados e longe da intuição ou são tratados por ferramentas
estatísticas complexas e igualmente discrepantes da intui-
ção e do senso comum. (CASTRO, 2006, p. 118)
Em termos práticos, o aumento da base de
clientes é essencial para o desenvolvimento das
operadoras por permitir o aumento de suas receitas
totais e ganhos de escala na manutenção de suas
bases (ao dividir os custos de atendimento, por
exemplo). Também por reforçar o apelo publicitário
e de comunicação, pois atua na percepção de
qualidade dos seus prospects e pode influenciá-
los, ao divulgar quantas pessoas estão optando
pelos seus serviços, por exemplo. Acrescida a
estas possibilidades, a criação de um indicador
que relacionasse o quanto a entrada de um novo
cliente reflete diretamente no valor de mercado
da empresa se mostra interessante por simplificar
e facilitar as análises gerenciais sobre o retorno de
seus investimentos.
Constata-se também que a telefonia celu-
lar é extremamente importante para o Brasil por
ser a principal responsável pelo desenvolvimento
das telecomunicações na última década, princi-
palmente em função da forte concorrência que
se estabeleceu no segmento. Em quinze anos de
presença no Brasil, a partir do início da década de
1990, o número de telefones celulares ultrapas-
sou o de telefones fixos, representando uma das
mais altas taxas de crescimento no mundo. Se-
gundo a Pesquisa Nacional de Amostra de Domi-
cílios (IBGE – PNAD, 2009), divulgada no site es-
pecializado Teleco, 31% dos domicílios brasileiros
possuíam telefone celular e 51% tinham telefone
fixo em 2001. Este quadro se inverteu a partir de
2004, sendo que, em 2009, 78,5% dos domicílios
possuíam aparelho celular, contra apenas 43,1%
com telefone fixo. Além disso, não podemos es-
quecer o enorme benefício que o telefone celular
pode representar às camadas menos favorecidas
da população, pois, em 2009, entre os domicílios
com renda inferior a dez salários mínimos, 76,6%
possuíam telefone celular e somente 38,3%, te-
lefones fixos. Este fator se deve provavelmente
à atratividade do sistema pré-pago da telefonia
celular para as famílias de menor renda, além dos
incomensuráveis benefícios agregados ao servi-
ço como mobilidade, serviços de dados, internet
móvel e recursos dos aparelhos (fotografias, ví-
deo, música, music players etc.).
Analisando o quadro competitivo das ope-
radoras celulares no Brasil, fica ainda mais evidente
a importância de se conhecer o valor de seu clien-
te, em função da distribuição do marketshare no
final de 2010, pois 99,7% (202.230.517 usuários)
do mercado atual estavam em poder de apenas
quatro operadoras, e com uma distribuição relati-
vamente equilibrada: Vivo (29,7%), Claro (25,4%),
TIM (25,2%) e Oi (19,4%), de acordo com os dados
O aumento da base de
clientes é essencial para
o desenvolvimento das
operadoras por permitir o
aumento de suas receitas
totais e ganhos de escala
na manutenção de
suas bases.
184
destas colocações, feitas por uma das maiores
referências mundiais no assunto, verifica-se que é
muito importante para a organização de sucesso
estabelecer parâmetros válidos para avaliar o valor
de seu cliente.
2 Valor do Cliente
Rust, Zeithaml e Lemon (2001, p. 16) definem
valor do cliente de uma empresa como o total dos
valores de consumo do cliente ao longo de seu ciclo
de consumo, naquela empresa. Os autores pontuam
que este valor, embora não represente o valor
total da empresa (que também compreende seus
ativos físicos, suas competências e propriedade
intelectual), é o componente mais importante
do seu valor total. Isto ocorre porque os clientes
existentes são simplesmente a fonte mais certa e
confiável de receitas futuras e a administração de
seus valores é vital para a tomada de decisões,
podendo resultar em significativa vantagem
competitiva em seu segmento. Esta é uma era em
que profundas mudanças estão acontecendo, de
forma cada vez mais rápida e irreversível e com o
acelerado desenvolvimento tecnológico, produtos
vêm e vão, mas os clientes permanecem. Por
isso, a gerência está historicamente mudando seu
foco do valor de marca para o valor do cliente
(RUST et al., 2001). Isto é importante também
para compreender o momento de crescimento
econômico do Brasil, pois as classes econômicas
de menor poder aquisitivo estão tendo acesso a
bens que, anteriormente, encontravam-se fora de
seu alcance de consumo. E as empresas brasileiras
terão que entender e se adaptar rapidamente a
esta nova realidade, especialmente aquelas de um
mercado tão dinâmico e competitivo quanto o
das telecomunicações móveis, em que cada novo
cliente é altamente valioso e, justamente por isso,
extremamente disputado.
oficiais do site da Agência Nacional de Telecomu-
nicações (Anatel). E com a penetração superando
100%, todas disputam praticamente os mesmos
clientes (variando apenas em função de sua atu-
ação geográfica). Desta forma, em um cenário
que tende a se tornar cada vez mais competitivo
e difícil, quanto mais informações sobre o valor do
cliente se tiver em mãos, mais facilmente os gesto-
res poderão tomar suas decisões estratégicas.
1 Organizações e Resultados
Segundo Kotler (2009), o marketing reali-
zado com qualidade demanda pesquisa cuidadosa
sobre a oportunidade no mercado e a preparação
de estimativas financeiras baseadas na estratégia
proposta que indiquem se os retornos atenderiam
os objetivos financeiros da empresa. O autor
aponta que os mercados se caracterizariam por
abundância de fornecedores e marcas, existindo
uma escassez de clientes, e não de produtos, e
afirma que, devido ao esforço de aquisição de
novos clientes, as empresas precisam analisar se
o Custo de Aquisição do Cliente (CAC), ou seja, o
investimento realizado para a conversão daquele
cliente será coberto pelos “Lucros no Ciclo de
Vida do Cliente” (LCVC), ou seja, o lucro total que
aquele mesmo cliente proporcionará à companhia.
Outro dado importante citado por Kotler, a partir
de uma pesquisa do Technical Assistance Research
Program (TARP), é que o custo incorrido para
atrair um novo cliente é cinco vezes maior que o
custo para manter um cliente fidelizado, e destaca
que é necessário para as empresas estimar o custo
da perda dos clientes (KOTLER, 2009). O autor
acredita que uma empresa não vale mais do que
o valor vitalício de seus clientes, e que o ideal do
marketing é conhecer tão bem seu cliente-alvo
que as barreiras para sua conversão deixassem
de existir, a ponto de até se poder dispensar o
seu esforço de vendas (KOTLER, 2003). A partir
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014185
Rust et al. (2001) estabelecem que, neste
momento de transição destas tendências, o valor
do cliente é dinâmico e para competir no futuro, as
empresas precisam cada vez mais focar em seus
clientes, devendo, em conjunto, observar se seus
principais concorrentes também buscam fazer o
mesmo. Este mesmo raciocínio de que o foco das
empresas deve passar do interno para o externo
é colocado por Day (2011), pois, em uma era tão
turbulenta e competitiva, somente as organizações
com qualificações superiores para compreender,
atrair e reter clientes poderão criar estratégias
para oferecer mais valor aos seus consumidores
e, desta maneira, alinhar-se com as mutáveis
exigências do mercado. O autor também assinala
que estas empresas são as capazes de identificar
e alimentar seus clientes valiosos e que não têm
medo de desencorajar os clientes que drenam
seus lucros, por sua inconstância e por ser caro
demais atendê-los. Estas tendências vêm cada vez
mais se confirmando, com o aumento do número
de promoções diferenciadas pelas operadoras,
especialmente voltadas aos clientes de maior
consumo de telefonia e serviços móveis agregados
(os chamados heavy users), inclusive chegando a
realizar ofertas de aparelhos celulares gratuitos,
desde que condicionados à permanência do cliente
na base da operadora por um determinado período.
3 Valor do Cliente versus Valor para o Cliente
Day (2011) afirma que, de cadeias de valor
(fluxo de processos unilateral passando das
empresas para os clientes), atualmente se passa
a ciclos de valor (processo bilateral de reforço
contínuo, com as empresas interagindo com os
clientes, definindo, desenvolvendo e entregando
valor e recebendo seus feedbacks, em uma
construção contínua). Colocações como esta
ajudam a compreender a relação entre o valor do
cliente (o que ele representa para a empresa) e
o valor percebido pelo cliente (o que a empresa
representa para o cliente), conceitos distintos,
porém profundamente interligados e dependentes.
A empresa somente perdura se os clientes
acreditarem na proposta de valor da mesma e
consumirem seus produtos e serviços em vez dos
da concorrência e eles (os clientes), por sua vez,
acabam se constituindo no principal valor (ativo)
para a organização.
Gale (1996) define valor do cliente como a
qualidade percebida pelo mercado ajustada pelo
preço relativo de seu produto, conceituação que
se aproxima daquela do valor percebido pelo
cliente, de Day (2011). Esta distinção (e possível
confusão) também foi abordada por Leão e Mello
FONTE: Rust et al. (2001)
QUADRO 1 – Tendências a longo prazo
186
(2008), que enunciam três conceitos de valor
associados a clientes: o primeiro é relacionado
ao custo e benefício, ou seja, a diferença entre
os valores que o cliente obtém (benefícios
funcionais e subjetivos) comprando e usando
um produto e os custos (dinheiro, esforço, custo
físico ou psíquico) de que ele dispõe para obter
este produto. O segundo, relativo às métricas de
marketing, refere-se ao valor que um indivíduo
tem para uma organização, durante toda a sua
vida útil enquanto cliente. E o terceiro, baseado
na psicologia social, aborda o aspecto do valor
relativo à existência humana em suas relações
sociais, assumindo que as pessoas alcançam seus
valores pessoais por meio de ações específicas,
dentre elas, o consumo. Os problemas relativos
à definição destes conceitos começam pela
própria terminologia adotada, na tradução dos
originais para a língua portuguesa. Em inglês,
enquanto o segundo conceito é chamado de
customer equity ou lifetime customer value, o
primeiro e o terceiro são ambos chamados de
customer value. Se o primeiro conceito aparece
agora como valor para o cliente (até mesmo nos
manuais de marketing), é a vez de os outros dois
serem apresentados com um mesmo nome: valor
do cliente. A terminologia de “valor do cliente”,
relativa ao segundo conceito, surgiu na tradução
do livro de Rust, Zeitham e Lemon (2001). Por sua
vez, a terminologia de “valor do cliente”, relativa
ao terceiro conceito, foi sugerida por Leão e Mello
(2008, p. 39), sob o argumento de “que se se
discutem os valores relativos aos próprios clientes,
então estes só podem ser do cliente”. Resumindo
e esclarecendo, temos as seguintes definições: (1)
“Valor para o cliente” – valor(es) da empresa para
o cliente; (2) “Valor do cliente” – valor do cliente
para a empresa e (3) “Valor do cliente” – valores
pessoais e íntimos do cliente. Cada definição
tem sua área, momento e contexto próprios de
aplicação. O item abordado no presente estudo,
neste caso, refere-se então ao segundo conceito
apresentado por estes autores.
O marketing é uma arte sutil, que demanda
sensibilidade para avaliar sua efetividade. Clancy
e Shulman (1994) afirmam que não se dispõe de
instrumentos para se medir o marketing, como
os que possuímos para medir a velocidade de
um furacão ou a intensidade de um terremoto.
Farris et al. (2007) dizem que o marketing, apesar
de sua importância, é uma das funções menos
compreendidas e mensuráveis das empresas,
chegando a representar, somado aos custos da
área de vendas, 10% ou mais dos orçamentos
operacionais, em uma imensa quantidade de
organizações. Por isso, eles sugerem a utilização
de diferentes formas de mensuração em conjunto,
para aumentar a precisão e o conhecimento a
respeito de seus mercados. Farris (2007, p. 164),
inclusive, define Valor de Duração do Cliente (VDC)
como o “valor atual de fluxos de caixa futuros
atribuídos ao relacionamento com o cliente”,
alinhado com o conceito já anteriormente citado
de Kotler (2009), de Lucros no Ciclo de Vida do
Cliente (LCVC). Um dos principais usos do valor de
duração do cliente seria subsidiar decisões sobre
a prospecção, segundo os autores, pois somente
com uma completa compreensão de como se
dará seu relacionamento financeiro com o cliente
recém-adquirido é que a empresa poderá tomar
uma decisão embasada, econômica e realista
quanto aos custos totais que serão necessários
para promover sua aquisição.
O marketing é
uma arte sutil, que
demanda sensibilidade
para avaliar sua
efetividade.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014187
4 Metodologia de Pesquisa
4.1 Caracterização da Pesquisa
Apesar de este artigo demonstrar possíveis
pontos de relação com a pesquisa descritiva e
explicativa, trata-se de, fundamentalmente, de um
estudo exploratório (de acordo com seu objetivo)
e documental/não experimental (de acordo com a
sua coleta de dados), de teor quantitativo (na busca
de representatividade estatística) e longitudinal
(de acordo com a classificação temporal). Também
apresentou uma pequena fase bibliográfica (apenas
para a sua contextualização e para a elaboração de
seu referencial teórico).
As unidades de análise serão as operadoras
de telefonia celular do mercado brasileiro. Como
o seu valor de mercado também pode ser
influenciado por outras variáveis que não somente
o aumento de clientes, o foco do presente estudo
será apenas verificar se existe correlação estatística
especificamente entre a variação/crescimento
destas duas variáveis. O método científico utilizado
para esta investigação será o hipotético-dedutivo,
definido por Lakatos e Marconi (2001, p. 106)
como aquele “que se inicia pela percepção de uma
lacuna nos conhecimentos, acerca da qual formula
hipóteses e, pelo processo de inferência dedutiva,
testa a predição da ocorrência de fenômenos
abrangidos pela hipótese”.
4.2 População e Amostra
A amostra selecionada é composta por duas
das principais operadoras atuantes no Brasil: a Vivo
(controlada pela espanhola Telefónica e composta
pelas subsidiárias Telesp, Tele Sudeste, Tele Leste e
CRT) e a TIM (controlada pela italiana Telecom Itália
Móbile e composta pelas subsidiárias TIM Sul, TIM
Maxitel e TIM Nordeste). A população considerada
seria o conjunto de todas as operadoras celulares
do Brasil até 2010, que são, além destas, a Claro
(controlada pelo grupo mexicano América Móvil
e composta pelas subsidiárias Americel, ATL, BCP
Nordeste, Claro Digital e Tess), a Oi (controlada
pela portuguesa Portugal Telecom com outros
sócios e que agora engloba as antigas Telemar,
Brasil Telecom e Amazônia Celular) e as menores
CTBC, Sercomtel e Unicel (Aeiou).
Estas duas empresas (Vivo e TIM) foram
escolhidas por seu tamanho e relevância no país e
no segmento, pois somadas representam mais de
55% do mercado, em termos de número atual de
clientes. E a tendência de crescimento de todos estes
grandes players ainda deverá impactar e intensificar
a absorção de operadoras menores pelas maiores.
Optou-se apenas por excluir as duas outras maiores
operadoras (Claro e Oi) do estudo por limitações
que serão descritas a seguir, e as operadoras
menores também não foram consideradas para a
análise, pois apresentam maiores flutuações em
suas bases, além de operarem em reduzidas áreas
geográficas e possuírem menor capacidade de
investimentos e impacto sobre o mercado como um
todo, o que muda (e muito) seu perfil de atuação.
Como a tendência das menores é que sejam
gradualmente absorvidas pelos grandes grupos em
função de sinergias e ganhos de escala, o que já foi
citado anteriormente, optou-se por focar o estudo
apenas nos grupos.
Como foi calculadamente selecionada, de
acordo com critérios previamente estabelecidos para
a busca da otimização dos resultados esperados,
a classificação da amostra é não probabilística
e intencional (ou de seleção racional), que é
definida, de acordo com Richardson (1999, p. 161),
como aquela em que “os elementos que formam a
amostra relacionam-se intencionalmente de acordo
com certas características estabelecidas no plano
188
e nas hipóteses formuladas pelo pesquisador”. A
hipótese, no caso, é a de que o aumento da base
de clientes de um grupo de telefonia aumentaria
proporcionalmente o valor de sua ação.
4.3 Coleta e Tratamento de Dados
A coleta de dados das bases históricas das
operadoras foi efetuada via a fonte oficial gover-
namental de informações sobre telecomunicações,
o site da Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel). A coleta de dados dos valores históricos
mensais das operadoras se deu via informações do
site oficial ligado ao mercado de ações da Bolsa de
Valores de São Paulo, a Bovespa, extraídos por meio
da utilização da ferramenta eletrônica Economáti-
ca. Ambos os dados são considerados secundários,
devido a sua prévia disponibilização nestas fontes.
O seu tratamento estatístico e analítico foi então
procedido com o auxílio da ferramenta de software
SPSS 17.0, onde se determinou a melhor forma de
se avaliar os dados. Também se utilizou as planilhas
Excel, do Microsoft Office para auxiliar nos cálculos
e análises da hipótese proposta para este artigo. Fo-
ram levantados os dados das variáveis relativos ao
período de 5 anos compreendido entre os anos de
2006 e 2010, pois foi a partir de quando os mesmos
começaram a ser compilados e divulgados oficial-
mente pelo Governo Federal, e com a quantidade de
dados acumulados em 60 meses de evolução já se
possuía volume e relevância para suportar aceitáveis
verificações estatísticas.
Em seguida, foram procedidas análises com
base na estatística descritiva, com a realização de
cálculos de correlação e regressão linear simples. A
modalidade de análise foi a definida por Gil (2008,
p. 163) como bivariada, pois é o caso daquelas
pesquisas que, “mesmo sem definir relações de
dependência procuram verificar em que medida as
variáveis estão relacionadas entre si”. Após a co-
leta, os dados foram devidamente trabalhados, na
sequência de operações que sugerem Lakatos e
Marconi (2001, p. 166): “seleção, codificação e ta-
bulação”, para a posterior análise e interpretação,
cuja eficácia, segundo as autoras, é que “determi-
nará o valor da pesquisa” (LAKATOS, MARCONI,
2001, p. 169). Utilizou-se de Coeficientes de Cor-
relação, como o de Pearson (paramétrico) ou de
Spearman (não paramétrico), que, de acordo com
Vieira (2003), são medidas do grau de associação
ou dependência entre duas variáveis.
4.4 Definição das Variáveis
Com base no referencial teórico buscou-
se responder o seguinte questionamento: existe
uma relação direta entre o crescimento da base
de clientes de uma operadora de telefonia mó-
vel e seu valor de mercado? A hipótese H0
(nula)
era de que não existe uma correlação estatística
entre o crescimento da base de clientes de uma
operadora de telefonia móvel e seus correspon-
dentes valores de mercado e acionário. A hipóte-
se H1 era de que exis te uma correlação estatística
entre o crescimento da base de clientes de uma
operadora de telefonia móvel e seus correspon-
dentes valores de mercado e acionário. Caso H1
fosse comprovada, a intenção complementar do
estudo seria a elaboração de índices de valores
de clientes e de possíveis modelos preditivos de
crescimento para as operadoras.
De acordo com Selltiz (1987, p. 1, grifo do
autor), “construtos são as abstrações que os cientistas
sociais consideram nas suas teorias. Para medir um
construto, precisamos primeiramente identificar uma
variável que represente, de manei ra mais concreta,
abstração”. Partindo desta definição, os principais
elementos considerados no escopo deste projeto (e
que melhor representam estas abstrações) são:
— Construto: o valor do cliente das ope-
radoras de telefonia celular.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014189
— Variável independente: o número de
cli entes da base das operadoras.
— Variáveis dependentes: o valor das
ações das operadoras na bolsa de
valores e o valor total de mercado da
operadora, segundo o Economática.
— Variável interveniente: a influência do
tamanho da base de clientes no valor
acionário (e no valor de mercado) da
operadora.
4.4.1 Base de clientes
— Definição constitutiva: a base de clientes
é a soma do número total de assinantes
de uma operadora de telefonia móvel,
tanto de clientes de planos pós-pagos
como de pré-pagos. No caso de um
indivíduo possuir dois aparelhos celulares
ou chips de duas empresas, ele será
contado como dois clientes diferentes,
um de cada operadora, pois cada cliente
equivale a uma linha de telefone móvel.
— Definição operacional: a base de clien-
tes de cada operadora celular foi me-
dida através do número total de assi-
nantes (dados secundários) extraídos
da fonte oficial do governo de informa-
ções sobre o setor, a Anatel.
4.4.2 Valor de ação
— Definição constitutiva: o valor da ação é
o valor de transação estipulado para as
cotas das operadoras estudadas e lan-
çadas nas bolsas de valores, de acordo
com a regulamentação, leis e diretrizes
do mercado financeiro nacional. Ação,
segundo definição do site da Bovespa
(2011), seção de Perguntas Frequen-
tes, 2 – Mercado de Ações, é “um título
nominativo negociável que representa,
para quem a possui, uma fração do ca-
pital social de uma empresa, significan-
do que este indivíduo é um dos sócios”.
— Definição operacional: o valor das ações
utilizado para a consecução deste estu-
do foram números (dados secundários)
extraídos da Bovespa, sendo escolhidas
para análise as ações do tipo PN, deno-
minadas “Preferencial Nominal” e que
priorizam o foco de seu proprietário no
retorno sobre o seu investimento.
4.4.3 Valor de mercado
— Definição constitutiva: o valor de mer-
cado de cada operadora é o valor total
em reais estipulado para cada empre-
sa, em função de todos seus ativos,
operações e patrimônios.
— Definição operacional: o valor de merca-
do das operadoras estudadas é a conso-
lidação de seu total patrimonial, calcula-
do e compilado pela área de Indicadores
de Mercado do software Economática.
Foi agregado à análise do valor da ação
de cada empresa no sentido de buscar
enriquecer as análises deste estudo.
5 Apresentação e Análise de Dados
A análise se inicia com os dados da
operadora Vivo. Após a obtenção da sequência
de 60 meses (5 anos) da evolução da base de
190
clientes da operadora a partir do site da Anatel, extraiu-se também da base do Economática as suas ações de
classificação PN 4, com fechamento mensal na Bolsa de Valores de São Paulo. Também se procedeu a análise
de um dos Indicadores de Mercado do software Economática denominado “Valor de mercado” consolidado,
que será tratado neste artigo como “preço”, nas tabelas em que vier a constar. Ambos são medidos em
moeda nacional brasileira Real (R$), enquanto que a base de clientes é contabilizada pelo número total de
assinantes. De janeiro de 2006 a dezembro de 2010, o valor da ação PN4 da Vivo subiu de R$ 35,87 para R$
48,45, e o número de clientes subiu de 30.005.229 para 60.292.511, dobrando de tamanho e consolidando sua
posição como líder de mercado no Brasil. Isto resultou no seu valor de mercado total (“preço”) praticamente
quadruplicado (!) de R$ 6,98 bilhões para R$ 28,72 bilhões no mesmo período, segundo dados do Economática.
Analisou-se, então, a normalidade de ambas as curvas de dados para a determinação de utilização de testes
paramétricos ou não paramétricos, por meio do software estatístico SPSS Statistics 17.0.
Clientes Ação Preço
rho de
Spearman
Clientes
Coeficiente de Correlação 1,000 ,745** ,629**
Sig. (bicaudal) . ,000 ,000
N 60 60 60
Ação
Coeficiente de Correlação ,745** 1,000 ,890**
Sig. (bicaudal) ,000 . ,000
N 60 60 60
Preço
Coeficiente de Correlação ,629** ,890** 1,000
Sig. (bicaudal) ,000 ,000 .
N 60 60 60
** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal).
FONTE: Os autores (2011)
TABELA 2 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora Vivo
Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk
Estatística DF Sig. Estatística DF Sig.
Clientes ,177 60 ,000 ,884 60 ,000
Ação ,079 60 ,200* ,979 60 ,404
Preço ,181 60 ,000 ,921 60 ,001
a. Correção de Significância Lilliefors
* Este é um limite inferior da significância real.
FONTE: Os autores (2011)
TABELA 1 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora Vivo
Analisando os resultados da TAB. 1, percebe-se que somente a sequência de dados relacionada
ao valor de “ações” teria uma distribuição normal, com nível de significância acima de 0,05 (0,2 e 0,404,
respectivamente), sendo as demais distribuições não normais. Dessa forma, optou-se por uma posterior
avaliação de teor não paramétrico, utilizando-se para isto o Coeficiente de Correlação de Spearman, conforme
se pode verificar na TAB. 2.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014191
Usando a fórmula, verifica-se que, para chegar ao valor patrimonial total de R$ 30 bilhões, a Vivo
deveria atingir o total de 82.055.699 clientes. Também se calcula que, ao atingir a marca de 100 milhões de
clientes, seu valor patrimonial estimado seria aproximadamente de R$ 35.854.400.000.
ModeloCoeficientes Não Padronizados Coeficientes Padronizados
T Sig.B Erro Padrão Beta
1(Constante) 11,471 2,888 3,972 ,000
Clientes 5,377E-7 ,000 ,717 7,823 ,000
a. Variável Dependente: ação.
TABELA 3 – Resultado de Testes de Regressão Linear para Operadora Vivo
FONTE: Os autores (2011)
Valor da Ação Vivo = 11,471 + 5,377E-7 x (Número de Clientes Vivo)
Valor do Preço Vivo = 3,229E9 + 326,254 x (Número de Clientes Vivo)
Estudando-se os resultados obtidos após o
teste de Correlação de Spearman e expostos na
TAB. 2, rejeita-se a hipótese nula de não correlação
e se percebe que existe correlação entre os dados
devido ao valor calculado para os Sig. (todos
zero) para um nível de significância de 0,01. Desta
forma, verifica-se que o nível de correlação entre
o número de clientes e o valor da ação da Vivo é
positivo e intenso, com o valor de 0,745, ou seja,
74,5% de influência do crescimento do número de
clientes sobre o aumento do valor final da ação.
Também é positiva a correlação entre a base de
assinantes e o valor patrimonial da empresa, apesar
de apresentar menor intensidade, com índice de
0,629, significando 62,9% de influência do aumento
do número de clientes sobre o crescimento do
valor de mercado indicado da empresa.
A partir destes resultados, e comprovada,
como se desejava, a correlação entre as variáveis,
buscou-se então, por meio de um modelo de
regressão linear, estabelecer uma fórmula preditiva
integrada para a evolução da base de assinantes
e o crescimento do valor da ação da operadora
Vivo. Procedendo-se a esta construção também
no software estatístico SPSS, chegou-se aos
resultados elencados na TAB. 3.
Utilizando os dados aqui obtidos, a fórmula preditiva integrada entre valor de ação e número de clientes
para a operadora Vivo se constitui, então, na seguinte:
Aplicando a fórmula, é possível gerar interessantes visualizações: por exemplo, para chegar ao valor de
R$ 50,00 cada ação, a Vivo deveria amealhar 71.655.198 clientes, aproximadamente 19% a mais do que possuía
em dezembro de 2010. Também se calcularia que, ao atingir a marca de 100 milhões de clientes, sua ação
deveria estar cotada a R$ 65,24, sendo que, em dezembro de 2010, cada ação sua valia R$ 48,45, segundo a
Bovespa.
A fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) seria:
192
Com relação à operadora TIM, um fato de início já chama a atenção: diferentemente da Vivo, o valor da sua
ação PN TCSL 4 caiu no período investigado, apesar de sua base de clientes ter aumentado consideravelmente.
Em resumo, as ações desceram de R$ 7,00 a R$ 5,35, ao passo que o número total de clientes mais que dobrou,
passando de 20.512.073 a 51.027.625, representando 25,14% do total de usuários de celulares do país no final de
2010. Isso gera uma disputa, palmo a palmo, da vice-liderança nacional com a Claro, que possui, por sua vez,
51.637.685 clientes, 25,44% do total do Brasil, no mesmo período. Porém, segundo o indicador de mercado do
Economática, o seu valor de mercado total (“preço”) praticamente dobrou no intervalo estudado, de R$ 7,2
bilhões para R$ 14,7 bilhões. Procedendo-se, a seguir, com a análise da normalidade das curvas de dados para
a operadora TIM, tem-se como resultado os números que são apresentados na TAB. 4.
Kolmogorov-Smirnova Shapiro-Wilk
Estatística DF Sig. Estatística DF Sig.
Clientes ,078 60 ,200* ,970 60 ,141
Ação ,074 60 ,200* ,973 60 ,215
Preço ,109 60 ,073 ,967 60 ,103
a. Correção de Significância Lilliefors.
* Este é um limite inferior da significância real.
TABELA 4 – Resultado de testes de normalidade para dados da operadora TIM
FONTE: Os autores (2011)
Correlações
Clientes Ação Preço
Clientes
Correlação de Pearson 1 -,501** -,382**
Sig. bicaudal ,000 ,003
N 60 60 60
Ação
Correlação de Pearson -,501** 1 ,743**
Sig. bicaudal ,000 ,000
N 60 60 60
Preço
Correlação de Pearson -,382** ,743** 1
Sig. bicaudal ,003 ,000
N 60 60 60
** Correlação é significante ao nível de 0.01 (bicaudal).
TABELA 5 – Resultado de testes de correlação para dados da operadora TIM
FONTE: Os autores (2011)
Observando os resultados da TAB. 4, percebe-se que todas as sequências de dados apresentam
distribuições normais, com níveis de significância acima de 0,05 (0,2; 0,2; 0,073; 0,141; 0,215 e 0,103). Optou-se,
então, por uma posterior avaliação de teor paramétrico, utilizando-se o Coeficiente de Correlação de Pearson,
conforme se pode verificar na TAB. 5.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014193
ModeloCoeficientes Não Padronizados Coeficientes Padronizados
T Sig.B Erro Padrão Beta
1(Constant) 7,500 ,587 12,782 ,000
Clientes -7,472E-8 ,000 -,501 -4,408 ,000
a. Variável Dependente: ação.
FONTE: Os autores (2011)
TABELA 6 – Resultado de testes de regressão linear para operadora TIM
Valor da Ação TIM = 7,5 - 7,472E-8 x (Número de Clientes TIM)
Valor do Preço TIM = 2,052E10 – 175,656 x (Número de Clientes TIM)
Utilizando a fórmula, pode-se também realizar curiosos exercícios: por exemplo, ao amealhar 71.655.198
clientes (quantidade que a Vivo deveria ter para cada ação sua valer R$ 50,00, como simulado anteriormente),
a TIM teria o valor de cada ação cotado a R$ 2,15, quase vinte e cinco vezes menor. Também utilizando a
fórmula, calcula-se que, ao atingir a marca de 100.374.733 clientes, a ação da TIM valeria zero (!) reais.
Já a fórmula para a previsão do valor de mercado (“preço”) da operadora é:
Por meio da fórmula, verifica-se, surpreendentemente, que quando a TIM atingisse a marca de 116.819.238
clientes, seu valor patrimonial estimado seria de zero (!) reais. Sabe-se que, tanto este valor, como o da ação
acima, de zero reais, não são factíveis, porém apenas uma tendência apontada pela correlação. Estudos mais
aprofundados devem ser feitos a partir destas constatações, como será visto no próximo item.
Estudando os resultados obtidos após o teste de Correlação de Pearson e expostos na TAB. 5, rejeita-se a
hipótese nula de não correlação e se verifica que, de fato, existe correlação entre os dados devido ao valor
calculado para os Sig. (zero e 0,003) para um nível de significância de 0,01. Dessa forma, verifica-se que o
nível de correlação entre o número de clientes e o valor da ação da TIM é, surpreendentemente, negativo e
de média intensidade, com o valor de -0,501, ou seja, 50,1% de influência do aumento do número de clientes
sobre o decréscimo do valor final da ação. Também é negativa a correlação entre a base de assinantes e o valor
patrimonial da empresa, apesar de apresentar menor intensidade, com índice de -0,382, significando 38,2,% de
influência do crescimento do número de clientes sobre a redução do valor de mercado indicado da empresa.
Verificada esta inesperada correlação negativa entre as variáveis, fez-se o exercício, através de um
modelo de regressão linear, de estabelecer uma fórmula preditiva integrada para o aumento da base de
assinantes e a redução (!) do valor da ação da operadora TIM, apenas para efeitos de análise. Procedendo-se
a esta experiência, chegou-se aos resultados exibidos na TAB. 6.
A fórmula preditiva integrada entre o valor de ação e o número total de clientes para a operadora TIM
é a seguinte, então:
194
Considerações Finais, Limitações e Recomendações
Fica evidente a importância de se salientar
as limitações encontradas no decorrer da
elaboração deste artigo. Inicialmente, este estudo
visava contemplar a análise dos quatro maiores
grupos de telefonia celular do Brasil, Vivo, TIM,
Claro e Oi, responsáveis por mais de 99% dos
clientes do país. A primeira dificuldade foi com a
obtenção dos dados relativos ao crescimento das
operadoras, contornada depois pela obtenção
deles por meio de uma profunda investigação
do site da Anatel, até se conseguir chegar a uma
determinada área de extração de informações
onde se mostrou possível gerar esta evolução para
o período desejado. Porém, outra limitação logo se
apresentou: a aglutinação dos dados da Oi Celular,
englobando as empresas Telemar e Brasil Telecom,
além da não adição dos valores da Amazônia
Celular (adquirida posteriormente) a este grupo;
e da Telemig Celular a Vivo (também adquirida
em seguida). Estes fatores foram corrigidos e
ajustados, de forma a não virem a prejudicar as
posteriores análises, mas então outra dificuldade se
apresentou: as ações de Brasil Telecom e Telemar
se apresentavam separadas na Bovespa, bem
como aglutinadas entre si, no caso da operação
móvel e da operação fixa de cada uma, conjugadas.
Como isto geraria uma distorção nesta análise, por
não englobar operações fixas, apenas as celulares,
optou-se por retirar a Oi da amostra considerada.
Fator semelhante ocorreu com a operadora Claro,
controlada pela América Móvil: suas ações, que
se encontram disponibilizadas apenas na Bolsa
de Valores de Nova York, contemplam operações
de diversos segmentos, incluindo telefonia fixa e
até mesmo negócios do setor de televisão, entre
outros, o que impossibilita a análise direta do
crescimento de seu valor apenas em função da
evolução da base de clientes da marca de telefonia
móvel Claro no Brasil. Desta forma, ficam ambas
como sugestões para possíveis futuros estudos
neste sentido, desde que se torne possível a
obtenção dos dados nos formatos necessários
para atingir tais objetivos.
As principais conclusões a que se chegou a
partir da realização deste estudo foram:
1 - Existe uma correlação entre valor da empresa e
aumento de sua base de clientes.
Apesar de não se desejar correr o risco de
uma possível generalização, e de somente duas
empresas terem sido aqui analisadas, verificou-se
que existe uma forte tendência de ligação entre o
valor da ação de uma empresa e o aumento de seu
número de clientes. Ou seja, não são meros fatores
isolados, aleatórios e independentes. O presente
fato deve ocorrer devido ao acompanhamento da
opinião pública e principalmente dos investidores
sobre o desempenho das operadoras e sua
subsequente busca pelos papéis daquelas que
se apresentam com os melhores prognósticos
de crescimento futuros. Isto ficou mais evidente
no caso da operadora Vivo, cujo crescimento
de base rendeu dividendos aos seus acionistas,
evidenciado a partir de uma forte correlação
estatística verificada. Porém, isto não ocorreu
simplesmente devido ao aumento do número de
seus clientes, mas de uma possível série de fatores
integrados. Mais por menores sobre estes fatores
serão detalhados nos próximos itens conclusivos.
2 - A mera aquisição de clientes não é garantia de
valorização de uma operadora.
Mesmo parecendo contradizer a conclusão
anterior, não é o que acontece. Como se sabia
anteriormente, a partir do estudo da teoria
estatística, a correlação entre duas variáveis não
implica necessariamente em uma relação de
causalidade. Ou seja, apesar do consumidor ser
um ativo estratégico vital para o sucesso de uma
organização, o fato de uma empresa valer mais não
seria decorrente apenas do aumento de sua base
de clientes, pura e simplesmente. Por isso, verificou-
-se que, mesmo a base da operadora TIM tendo
crescido significativamente (cerca de duas vezes
e meia), o valor de suas ações caiu drasticamente
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 180 - 197, jan./jun. 2014195
(quase um terço) no período analisado. E, mesmo
assim, continuou se apresentando um fator
correlacional entre ambas as variáveis, apesar
deste inesperado efeito invertido. Outro ponto
interessante é que, diferentemente da correlação
positiva constatada no caso das ações da Vivo,
que se mostrou forte (coeficiente de 0,745), a
correlação negativa das ações da TIM se apresentou
significativamente mais fraca (coeficiente de
-0,501). O valor de mercado da empresa, segundo o
indicador mercadológico do Economática, porém,
também dobrou, acompanhando relativamente
o grau de crescimento de sua base de clientes.
Estes fatos, surpreendentemente, também podem
ajudar a originar novos estudos quantitativos que
aprofundem a compreensão das razões entre este
relacionamento que se apresenta estatisticamente
real e efetivo, mesmo que de forma inversa ao que,
de início, esperava-se encontrar nesta pesquisa.
3 - A aquisição de clientes faz parte de uma estra-
tégia integrada rumo ao sucesso.
Como visto aqui, a aquisição de clientes
apresentaria correlação com o valor de uma ope-
radora celular, porém nem sempre de forma forte
e positiva. O que isto quer dizer é que a fórmula
de sucesso de uma operadora depende de diver-
sos fatores, tais como suas estratégias de cresci-
mento e fusão/aquisição, expansão para novos
mercados e desenvolvimento de públicos-alvo,
sinergias, comunicação, publicidade e alinhamen-
tos internacionais, entre outros, que devem estar
plenamente integrados e concatenados sob um
mesmo “guarda-chuva” estratégico. Como no caso
da TIM, cujos problemas financeiros da Telecom
Italia em seu país de origem e suas incertezas so-
bre a manutenção das suas operações na América
Latina nos últimos anos podem ter afetado mais
o valor de suas ações do que seu intenso cresci-
mento de base de clientes no Brasil. Conseguirá a
operadora reverter esta tendência? É possível, por-
que, apesar desta queda no valor no período, suas
ações parecem atualmente apontar uma tendência
de crescimento. E, no caso da Vivo, o fato de ter
efetivamente definido sua situação acionária entre
Portugal Telecom e Telefônica, além de apresentar
uma estratégia consistente e integrada para sua
atuação no Brasil (e também na América Latina),
da mesma forma impactou no aumento de seu va-
lor acionário e na sua consolidação na liderança do
segmento, mesmo com o avanço considerável das
demais concorrentes. O futuro do mercado deste
segmento parece ser extremamente excitante em
termos de competição no Brasil.
4 - Novos estudos do tema se mostram necessários
e de possível (e relevante) interesse.
Como estas operadoras estudadas não apre-
sentaram uma tendência uniforme de cres cimento
e uma evolução combinada de clientes-valor, não
foi possível estabelecer um índice de crescimen-
to conjunto ou um efetivo fator preditivo geral do
segmento, que pudesse ajudar a indicar tendências
mais amplas, gerais e impactantes, neste caso. Só foi
possível desenvolvê-los individualmente, por ope-
radora, como foi aqui apresentado. Futuros novos
estudos no contexto do mercado móvel também
poderão ser efetuados a partir destas perspectivas,
como o estabelecimento de valores diferenciados
para clientes de planos pré e pós-pagos, ou formas
de se conquis tar completamente para suas bases
clientes que também possuem celulares de empre-
sas concorrentes, por exemplo. De qualquer forma,
ficam aqui as sugestões para possíveis novas pes-
quisas neste sentido, tanto para o segmento anali-
sado de telecomunicações como para outros, que
possam ajudar a lançar novas luzes sobre a variação
do va lor de uma empresa a partir do seu número de
clientes e também auxiliar a se medir efetivamente
o real “valor de um cliente” para a organização, de
forma simples e precisa, ao menos sob este prisma,
para fornecer melhores, mais assertivos e mais se-
guros subsídios para a tomada de decisão de seus
líderes e gestores.
196
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• Recebido em: 01/02/2013
• Aprovado em: 12/06/2013
A distribuição espacial do emprego formal na produção algodoeira e têxtil no estado do Paraná no período de 1997 a 2007
The location of the employment in the cotton production and textile
industries in Paraná state in the period 1997 to 2007
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014199
A distribuição espacial do emprego formal na produção algodoeira e têxtil no estado do Paraná no período de 1997 a 2007The location of the employment in the cotton production and textile industries in Paraná state in the period 1997 to 2007
Jandir Ferrera de Lima1
Katia Fabiane Rodrigues2
Lucir Reinaldo Alves3
Ricardo Rippel4
Resumo
Este artigo analisa o padrão de localização do emprego formal no cultivo
do algodão e na indústria têxtil das mesorregiões do estado do Paraná, no
período de 1997 a 2007. Utilizaram-se métodos de análise regional para
estimar o padrão de localização dessas atividades produtivas. A análise
constatou que ocorreram transformações significativas na distribuição setorial
do emprego principalmente na produção de algodão, mudança que está
vinculada ao processo de reestruturação da agricultura, que caracterizou uma
nova localização geográfica dessa atividade.
Palavras-chave: Localização. Análise Regional. Economia Espacial.
Abstract
This paper examines the location pattern of formal employment in the
cultivation of cotton and textile industry in the region-meso of Paraná state in
Brazil, from 1997 to 2007. We used methods of regional analysis to estimate the
pattern of location of productive activities. The analysis found that there were
significant changes in the sector distribution of employment on the cotton
production, change that is bound linked to the restructuring of agriculture that
characterized a new geographic location of this activity.
Keywords: Regional. Analysis. Spatial Economics.
1 Ph.D. em Desenvolvimento Regional pela Université du Québec (UQAC). Pesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ). Professor da Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
2 Doutoranda em Desenvolvimento Regional e Agronegócio pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
3 Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Professor Assistente do Colegiado de Ciências Econômicas da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC) e do Grupo Dinâmicas Socioeconômicas Nacionais e Regionais Comparadas (DISENREC). E-mail: [email protected] ou [email protected].
4 Doutor em Demografia pela Universidade de Campinas (UNICAMP). Professor da Pós-graduação em Desenvolvimento Regional e Agronegócio da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE), Campus de Toledo. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Agronegócio e Desenvolvimento Regional (GEPEC). E-mail: [email protected].
200
Introdução
O estado do Paraná passou por transforma-
ções em sua estrutura produtiva no final da déca-
da de 1970, devido ao esgotamento da fronteira
agrícola e à modernização das atividades agrope-
cuárias. Esse fenômeno deu início a um proces-
so de reestruturação da base agrícola do estado,
com o fortalecimento da integração produtor-
-agroindústria em setores específicos. Destaca-se
também, nesse cenário, a migração de algumas
atividades agrícolas e a substituição de cultivos,
principalmente a permutação de culturas perma-
nentes por temporárias.
Entre as culturas temporárias, o algodão
foi a mais significativa. Segundo Rolim (1997), a
produção algodoeira brasileira, que ao longo da
década de 1980 garantia a autossuficiência do
produto na faixa de 860 mil toneladas de pluma,
foi reduzida pela metade na safra de 1994/1995. A
redução das alíquotas de importação da pluma e
a fragilidade financeira do produtor rural em todas
as regiões do Brasil estimularam essa tendência.
Para Traionotti et al. (2003), isso exigiu uma
intensa reestruturação da produção de algodão
nacional, fato que a longo prazo levaria à crise da
cotonicultura e sua migração para outras regiões.
O estado do Paraná, que sustentava um dos
primeiros lugares no cultivo nacional de algodão,
contou com um declínio de sua produção, que
encontrou espaço para expansão da cultura no
Centro-Oeste brasileiro, na segunda metade da
década de 1990. Tal cenário revela um processo
de permutação de culturas, quando se analisa a
introdução da cultura da soja no espaço paranaense.
Assim, impulsionada por esse processo e aliada ao
programa Corredores da Exportação, entre outros
eventos, a soja ganha espaço na produção do estado
do Paraná, tanto que nas últimas décadas aparece
como uma das principais atividades produtivas do
estado, como demonstram os dados a seguir.
Conforme a TAB. 1, houve um aumento
nominal de 1.356% na produção de soja no estado do
Paraná, que passou de 456.710 toneladas em 1970
para 3.264.946 toneladas em 1975, o equivalente
a 25% da produção nacional. Diferentemente da
soja, o algodão diminuiu o montante produzido
depois de uma forte expansão na década de 1980.
TABELA 1 – Produção das principais lavouras no Paraná, em toneladas – 1970-1995
Lavouras 1970 1975 1980 1985 1995
Algodão 399.123 272.923 452.490 846.682 267.433
Café 116.900 1.195.013 367.914 569.186 109.470
Milho 3.550.555 1.953.470 5.466.967 5.803.713 8.988.166
Soja 456.710 3.264.946 5.400.192 4.413.000 5.694.427
Trigo 268.246 443.600 1.350.276 2.639.225 1.033.689
FONTE: Censos Agropecuários – IBGE (1970-1995)
A agricultura paranaense
passou a expandir suas
atividades por meio de
realocações dos recursos
produtivos entre as
culturas, preferencialmente
na expansão de área
daquelas com mercado
mais estáveis e mais
rentáveis.
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014201
Pela TAB. 1, observa-se que o produtor
paranaense mudou sua estrutura de cultivo,
focando as commodities com maior retorno.
Com isso, a agricultura paranaense passou a
expandir suas atividades por meio de realocações
dos recursos produtivos entre as culturas,
preferencialmente na expansão de área daquelas
com mercado mais estáveis e mais rentáveis. Isso
gera mudanças nas explorações agrícolas, havendo
uma seleção de culturas em termos de vantagens
comparativas regionais, com isso, o impacto da
modernização diferencia-se regionalmente e
conforme a conjuntura.
Da mesma forma que a produção de algo-
dão, o setor têxtil também passou por turbulên-
cias, devido à política de inserção do Brasil no mer-
cado internacional nos anos 1990. Isso representou
uma mudança importante nos setores nacional e
paranaense. E todos esses fatores corroboram as
mudanças no padrão de localização das ativida-
des do setor têxtil no espaço geográfico parana-
ense. Como a produção de algodão e a indústria
têxtil, que usa a pluma como matéria-prima, são
empregadores significativos da força de trabalho,
essa análise procura compreender, por meio dos
métodos de análise regional, o comportamento
do emprego formal nesses setores produtivos e
como eles mudam espacialmente em intervalos de
tempo. Assim, o objetivo deste artigo é analisar a
localização do emprego formal da produção de al-
godão e da indústria têxtil no estado do Paraná.
Para isso, foram utilizados os métodos de análise
regional, pelas medidas de localização e associa-
ção geográfica, no período de 1997 a 2007.
Destarte, este artigo encontra-se dividido
em quatro seções, além desta introdução. Na se-
ção seguinte, são abordados o referencial teórico,
os materiais e o método utilizado. Na terceira se-
ção são apresentados os resultados e as discus-
sões relacionadas ao padrão de localização das
atividades produtivas. As conclusões, na quarta
seção, sintetizam esta pesquisa.
1 Elementos Teóricos e Metodológicos
Esta seção apresentará, além do ferramental
metodológico, que abordará medidas de análise
regional, breves conceitos das teorias de localização
industrial e agrícola, de forma a complementar os
métodos de localização regional.
Os fatores de produção estão distribuídos no
espaço, e a ciência econômica estuda esses fato-
res a partir de sua utilidade na geração de riquezas.
Nesse sentido, é importante analisar as mudanças
espaciais dos fatores de produção com as mu-
danças que ocorrem na localização das atividades
produtivas. Assim, a análise econômica espacial in-
troduz a noção de espaço como uma tendência di-
nâmica do sistema produtivo. A economia espacial
estuda a localização das atividades econômicas, ou
seja, questiona os problemas relativos à concentra-
ção e dispersão das atividades e as semelhanças ou
diferenças dos padrões de distribuição geográfica
dessas atividades ao longo do tempo (PONSARD,
1988; FERRERA DE LIMA, 2003; CAROD, 2005).
A localização das
atividades implica
a determinação de
preços, o dinamismo da
produção, a dispersão
dos postos de trabalho
e o desenvolvimento
econômico regional.
202
Dessa forma, o espaço é elemento funda-
mental para análise da concentração das atividades
produtivas e de regiões polarizadas. A localização
das atividades implica a determinação de preços, o
dinamismo da produção, a dispersão dos postos de
trabalho e o desenvolvimento econômico regional. A
natureza econômica do espaço é causa de todo um
conjunto de decisões que influencia a dinâmica do
sistema de produção (PONSARD, 1988).
A localização da produção dependerá dos
fatores locacionais: mercado consumidor, mão de
obra, disponibilidade de matérias-primas ou condi-
ções especiais para produção, como subsídios, in-
centivos ou acesso a recursos naturais. Os fatores
locacionais são todos os fatores que influenciam na
escolha da localização de uma unidade produtiva,
eles são de natureza econômica e não econômica.
O primeiro grupo está relacionado ao lucro, o segun-
do está relacionado aos fatores que influem em sua
função utilidade, como, por exemplo, o clima e a vida
social. Assim, o fator locacional constitui um ganho,
uma redução de custos, que determinada atividade
econômica obtém quando se localiza em determina-
do ponto no espaço (AZZONI, 1985; FERREIRA, 1989).
No que se refere à atividade agrícola, segun-
do Ferreira (1989), o fator principal do estudo das
áreas de abastecimento é a terra, pois a utilização
desse fator obriga essa atividade a se dispersar no
espaço geográfico, devido a elementos tecnoló-
gicos e econômicos. A tecnologia é o uso da terra
no processo produtivo. Já o elemento econômico
é o preço da terra, cujo valor afeta a sua utilização,
e, além disso, inclui os custos de transporte. Desse
modo, existem dois efeitos, um no sentido da disper-
são relacionada à renda da terra e outro no sentido
da concentração da atividade agrícola, devido aos
custos, em particular dos transportes. Segundo Ma-
tos (1998), os produtos agrícolas chegam ao merca-
do numa situação de concorrência, de modo que a
produtividade, os custos de transporte e a procura
determinam, em conjunto, uma sucessão no espaço
das áreas cultivadas.
Se os produtos agrícolas in natura chegam
ao mercado numa posição mais próxima à
concorrência perfeita, o mesmo não ocorre com os
produtos oriundos de complexos agroindustriais,
cujo perfil transita da concorrência imperfeita ao
oligopólio. O complexo agroindustrial é o conjunto
formado pelos setores produtores de insumos e
máquinas agrícolas, de transformação industrial
dos produtos agropecuários, de distribuição,
de comercialização e também atingindo a área
de financiamentos para custeio da produção. O
complexo industrial compreende a “explosão”
da matéria-prima, que pode ser transformada
em vários outros produtos finais, por meio dos
processos industriais e comerciais. Ou seja, o
complexo industrial está intimamente ligado às
cadeias de produção, cada uma associada a um
produto. O surgimento do complexo agroindustrial
moderno é o resultado da expansão do parque
industrial, que passa a buscar novos campos
de atividades para aumentar seus lucros, e
da expansão da produção agrícola moderna,
assumindo as mesmas características de outros
ramos da produção industrial, com alto grau de
concentração e cartelização (BATALHA, 1997;
SORJ, 1986).
Os produtos agrícolas chegam ao mercado
numa situação de concorrência, de modo que a produtividade, os custos de transporte e a procura determinam, em conjunto, uma sucessão
no espaço das áreas cultivadas.
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Nesse ambiente de ideias, as medidas de
localização fundamentam o estudo da dispersão
e da concentração das atividades produtivas no
espaço geográfico. Mediante esse cenário, a seção
a seguir versará sobre as medidas de localização,
de modo a elucidar o objetivo desta pesquisa.
1.1 Os Indicadores do Padrão de Localização
Para contemplar o escopo deste estudo, utili-
zaram-se as medidas de localização, pois permitem
o conhecimento do padrão de localização das
atividades produtivas de uma região. O ponto de
partida para o cálculo das medidas de localização
é uma matriz de informações setorial-espacial de
uma variável base. Neste estudo, utilizar-se-á o
emprego formal como variável base.
Segundo Haddad (1989), a variável emprego é
escolhida com frequência, haja vista a disponibilidade
Eij = Número de empregados no ramo prod. i da mesorregião j; (1)
∑ Eij = Número de empregados no ramo prod. i de todas as mesorregiões;
j
(2)
∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. da mesorregião j;
i
(3)
∑∑ Eij = Número de empregados em todos os ramos prod. de todas as mesorregiões.
i j
(4)
Assim, a partir das equações 1, 2, 3 e 4, podem ser representadas, no QUADRO 1, as medidas de
localização e o seu padrão de análise.
de informações desagregadas em nível de setor e
espaço, sua uniformidade para medir e comparar a
distribuição das atividades e setores.
Os dados sobre o emprego formal foram
extraídos da base de dados on-line da Relação Anual
de Informações Sociais (RAIS), do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE) para os ramos produtivos,
do cultivo de algodão e da indústria têxtil. Os
períodos analisados foram 1997, 2000 e 2007. Como
o foco do estudo são as atividades algodoeiras, tanto
na produção quanto na transformação, elas foram
desagregadas dos seus respectivos setores.
As medidas de localização escolhidas para a
análise foram o Quociente Locacional e o Coeficiente
de Associação Geográfica (Cagik). Essas medidas
são de natureza setorial e se preocupam com a
localização do emprego formal nos ramos produtivos
entre as regiões, além disso, elas identificam padrões
de concentração ou dispersão espacial do emprego.
Desse modo, para a estimativa dessas medidas, têm-
-se as seguintes equações:
204
O Quociente Locacional (QL) compara
a participação percentual de uma região em
determinado setor com a participação percentual
da mesma região no emprego total do conjunto da
economia, neste caso, o estado do Paraná. Caso
o valor do QL seja maior que a unidade, a região
detém importância no ramo produtivo, no contexto
do estado. Ao contrário, se o QL for menor que a
unidade, então, o setor em questão possui pouca
importância no contexto estadual.
O Coeficiente de Associação Geográfica
(Cagik) compara as distribuições percentuais
de emprego de dois ramos produtivos entre as
regiões. Se os valores se aproximarem da unidade,
significa que a atividade produtiva não está
associada geograficamente com a outra atividade
produtiva. No entanto, se o valor do coeficiente
aproximar-se de 0 (zero), então os setores estão
distribuídos regionalmente da mesma forma,
ou seja, os padrões locacionais dos dois ramos
produtivos estão associados geograficamente.
QUADRO 1 – Descrição das medidas de localização
Indicador Equação Interpretação dos Resultados
Quociente
Locacional (QL)
∑∑∑
∑
i jij
iij
jijij
EE
EE=QL
/
/QL ≥ 1/Localização significativa
0,50 ≤ QL ≤ 0,99/Localização média
QL ≤ 0,49/Localização fraca
Coeficiente de
Associação
Geográfica (Cagik)
2
∑ ∑∑
−
=j
iij
ij
iij
ij
ik
EE
EE
Cag
0,7745 ≤ (Cagik) = associação fraca
0,5162 ≤ (Cagik) ≤ 0,2582 = associação média
0,2581 ≤ (Cagik) ≤ 0,0001 = associação significativa
FONTE: Haddad (1989)
Setor i Setor k
A seguir, os resultados e discussões forma-
lizam as observações deste método.
2 O Padrão de Localização do Emprego Formal na Cotonicultura Paranaense
Esta seção apresentará os resultados das
medidas de localização. Entretanto, primeiramente,
é interessante analisar a distribuição do emprego
formal entre os setores analisados para as
mesorregiões do Paraná. Nesse sentido, a TAB. 2
apresenta essa distribuição.
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TABELA 2 – Distribuição percentual do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil nas mesorregiões do Paraná de 1997, 2000 e 2007
Período 1997 2000 2007 1997 2000 2007
Setores Cultivo de Algodão % Indústria Têxtil %
Noroeste Paranaense 0.05 0.01 0.02 7.74 9.08 12.34
Centro Ocidental Paranaense 0.00 0.02 0.04 4.90 5.08 5.62
Norte Central Paranaense 0.00 0.00 0.02 6.02 7.02 7.47
Norte Pioneiro Paranaense 0.01 0.01 0.07 4.39 5.39 5.86
Centro Oriental Paranaense 0.00 0.00 0.09 1.79 1.51 0.99
Oeste Paranaense 0.01 0.00 0.03 1.49 2.40 3.44
Sudoeste Paranaense 0.00 0.00 0.04 6.75 7.54 8.27
Centro-Sul Paranaense 0.00 0.00 0.12 0.30 0.55 1.27
Sudeste Paranaense 0.00 0.00 0.07 0.78 0.76 1.14
Mesorregião Metropolitana de Curitiba 0.00 0.00 0.01 0.75 0.69 0.65
Estado do Paraná 0.00 0.00 0.03 2.59 3.03 3.55
FONTE: MTE-RAIS (2009)
Nota-se, mediante os dados da TAB. 2, que
a participação do cultivo de algodão foi crescente
no estado do Paraná ao longo do tempo, mas,
nos anos de 1997 e 2000, não representava
significância no estoque de empregos formais
e, no ano de 2007, esse percentual passou para
0,03%. Além disso, o setor ganhou participação
na maioria das mesorregiões. A exceção foi a
mesorregião Noroeste paranaense, que tinha a
maior participação, de 0,05% em 1997, passou
para 0,02% em 2007. Neste ano, a mesorregião
que se destacou foi a Centro-Sul paranaense, que
tinha um percentual de 0,12% de empregados
formais nesse setor. Já a indústria têxtil teve
maior concentração de emprego na mesorregião
Noroeste paranaense, além disso, a região
apresentou um significativo aumento no emprego,
passando dos 7,74% em 1997 para 12,34% em 2007.
Destarte, para além do aumento da parti-
cipação do setor de cultivo de algodão na con-
centração do emprego formal, na maior parte das
mesorregiões, também houve um aumento da par-
ticipação da indústria têxtil. Por exemplo: enquanto
no Noroeste paranaense houve uma diminuição da
participação do setor de cultivo de algodão, o setor
da indústria têxtil mais do que compensou esse de-
clínio. Assim, supõe-se que essa mesorregião está se
especializando mais na industrialização do algodão
do que no plantio da matéria-prima.
Esses resultados ressaltam o fenômeno de
migração da cultura de algodão para outras regiões
dentro ou fora do estado do Paraná. Para corroborar
essa colocação, a série histórica do GRAF. 1 demons-
tra a queda na participação na produção de algodão
do estado do Paraná a partir da década de 1990, per-
durando com oscilações negativas.
206
O Paraná, a partir de 1980, detinha uma
significativa participação na produção nacional
de algodão, contribuindo para o atendimento do
consumo interno até meados dos anos de 1990.
Somente no ano de 1985, o Paraná (que sempre
produziu quase 100% de toda a produção de
algodão da Região Sul) produzia 39% de todo o
algodão nacional. Segundo o censo agropecuário
de 2006, essa produção era somente de 1%.
Uma hipótese para esse decréscimo é que está
ocorrendo a substituição da produção de pluma
por outras atividades agrícolas no estado.
Nesse sentido, nota-se que houve um
declínio na produção. Esse declínio foi paralelo
ao deslocamento do plantio das Regiões Sul e
Sudeste (Paraná e São Paulo) para as regiões
GRÁFICO 1 – Participação percentual das regiões geográficas na quantidade produzida de algodão – 1970-2006
FONTE: IBGE (2010)
Norte
Nordeste
Sudeste
Sul
Centro-Oeste
Paraná
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Central e Nordeste do Brasil, onde predomina a
cotonicultura mais competitiva, mecanizada e
conduzida empresarialmente em grandes áreas.
Conforme mostra o GRAF. 1, as regiões Centro-
-Oeste e Nordeste foram responsáveis por 61% e
33%, respectivamente, da produção de algodão
em 2006. Essa migração ocorreu principalmente
pelos seguintes fatores: declividade dos solos,
que permite a colheita mecânica, reduzindo
gastos com mão de obra; maior regularidade
climática; e plantio em escala, propiciando maiores
investimentos nas lavouras e, consequentemente,
melhor produtividade (BARBOSA; NOGUEIRA
JUNIOR, 2000; PARANÁ, 2003).
Esse panorama evoluiu de modo acelerado
e contribuiu para o agravamento da crise na
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Verifica-se que o segmento de cultivo de al-
godão demonstrou um significativo padrão de lo-
calização do emprego nas mesorregiões Noroeste
paranaense em 1997 e no Centro Ocidental para-
naense em 2000. Já em 2007, o QL apresentou
uma forte queda, e a localização mais expressiva
ocorreu na mesorregião Centro-Sul paranaense.
Por outro lado, é possível notar que a quantidade
de mesorregiões que apresentaram um QL signifi-
cativo nesse setor aumentou.
Quando se analisa o setor da indústria têxtil,
não se observa nenhuma mudança mais significa-
tiva nas mesorregiões. Nos três anos analisados, as
mesorregiões Noroeste paranaense, Centro Oci-
cotonicultura paranaense, refletindo em diversos municípios do interior do estado, pois as perdas com as
receitas municipais, a redução dos estabelecimentos rurais e a eliminação de postos de trabalhos nessa atividade
contribuíram para o êxodo rural e a deslocalização de postos de trabalho nas atividades urbanas. Além disso, a
cultura, por ser explorada por pequenos agricultores no Paraná e por ser a maior geradora de mão de obra, em
comparação com a soja e o milho, também desestimula a agricultura familiar. Assim, as opções por outras culturas
no estado desaceleraram a produção de tal maneira que se produziu somente 27% da demanda das fiações.
E todos esses fatores foram cruciais para que o estado do Paraná passasse de exportador para um
grande importador do produto. Observa-se que as mudanças ocorridas, devido à abertura comercial, foram
exigentes para alguns setores da economia, o que levou muitos setores à reestruturação. Esse processo
envolveu atividade produtiva têxtil, com ênfase maior na cotonicultura (GUILHERME; MICHELLON, 2004).
Assim, a TAB. 3 mostra o padrão de localização nos dois setores de estudos.
TABELA 3 – O padrão de localização (QL) do emprego formal em ramos produtivos selecionados nas mesorregiões do Paraná – 1997-2007
MesorregiõesCultivo de Algodão Indústria Têxtil
1997 2000 2007 1997 2000 2007
Noroeste Paranaense 13.29 4.19 0.77 2.88 3 3.48
Centro Ocidental Paranaense - 11.17 1.59 1.89 1.68 1.58
Norte Central Paranaense 0.42 0.91 0.83 2.32 2.32 2.1
Norte Pioneiro Paranaense 3.38 9.06 2.81 1.69 1.78 1.65
Centro Oriental Paranaense - 0 3.39 0.69 0.5 0.28
Oeste Paranaense 1.77 0 0.96 0.58 0.79 0.97
Sudoeste Paranaense - 0 1.52 2.6 2.49 2.33
Centro-Sul Paranaense - 0 4.7 0.12 0.18 0.36
Sudeste Paranaense - 0 2.57 0.3 0.25 0.32
Metropolitana de Curitiba - 0 0.24 0.29 0.23 0.18
FONTE: Os autores (2010)
dental, Norte Central, Norte Pioneiro e Sudoeste
foram as únicas que apresentaram um padrão de
localização do emprego formal significativo para
esse setor. Destas, a mesorregião Noroeste para-
naense nos períodos analisados obteve os maio-
res valores de QL na indústria têxtil, revelando
que essa mesorregião concentra uma significativa
parte do emprego formal nesse ramo de atividade.
Nota-se também que a mesorregião metropolitana
de Curitiba apresentou a menor concentração de
emprego na indústria têxtil do estado, com valores
entre 0,29 e 0,18.
Dessa forma, a mesorregião Noroeste pa-
ranaense tem a indústria têxtil como um grupo-
208
QUADRO 2 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo de algodão e na indústria têxtil no Paraná – 1997-2007
Ramos de AtividadeCultivo do Algodão Indústria Têxtil
1997 2000 2007 1997 2000 2007
Cultivo do Algodão
Indústria Têxtil
FONTE: Os autores (2010)
Nota: níveis de associação geográfica:
Associação significativa
Associação média
-chave da economia regional dessa localidade.
Essa mesorregião constitui um importante polo de
vestuário e confecções, concentra um dos maio-
res números de empresas e mão de obra ocupada
do estado do Paraná. As empresas contam com
cooperativas de vendas por atacado e associação
de shoppings atacadistas, como a da cidade de
Cianorte (Asamoda) (IPARDES, 2004).
O parque industrial do segmento do vestuá-
rio cresceu de 277 confecções, em 1995, para 763,
em 2002, com destaque para as empresas Be Ei-
ght, Morena Rosa, Lúcia Figueiredo Macksonn e For
Boys, de Cianorte; Cortez & Massambani, de Japurá;
Storti, de Altônia; Retook, de Umuarama; Noroeste
e Kollan, de Paraíso do Norte; Willitex, de Tamboara;
Paranacity, de Paranacity; e Sandy, de Paranavaí. A
mesorregião ainda conta com 35 empresas no seg-
mento de malharia, estamparia, texturização e têx-
teis diversos, 14 unidades industriais no segmento
de beneficiamento e fiação de algodão (INSTITUTO
PARANAENSE DE DESENVOLVIMENTO ECONÔ-
MICO E SOCIAL, 2004).
Cabe ressaltar também que, em 2003, o
estado do Paraná já havia conquistado um lugar de
destaque na indústria da moda. Segundo Camara
et al. (2006), o Estado se firmara como o segundo
maior polo industrial de confecção do país, sua
produção era estimada em 150 milhões de peças/
ano, com um faturamento anual de R$ 2,8 bilhões.
Já a mesorregião metropolitana de Curitiba
teve perda relativa de empregos formais na indús-
tria têxtil. Segundo o Ipardes (2004), a indústria
têxtil não tem muito dinamismo nessa mesorregião,
que é caracterizada pelos complexos industriais ele-
tro-metal-mecânico, complexo químico, complexo
agroindustrial e madeireiro e outros complexos de
eletroeletrônicos e bebidas.
Nesse contexto, após abordagem dos resul-
tados do QL, a seguir será realizada a análise dos
resultados do Coeficiente de Associação Geográ-
fica. O QUADRO 2 apresenta as associações con-
forme resultados da pesquisa.
A mesorregião Noroeste
paranaense tem a indústria
têxtil como um grupo-chave
da economia regional e
constitui um importante
polo de vestuário e
confecções, concentra um
dos maiores números de
empresas e mão de obra
ocupada do estado do
Paraná.
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Esse coeficiente revela que, de modo geral, os ramos produtivos analisados tiveram forte associação
geográfica, ou seja, o emprego formal nessas atividades está distribuído regionalmente da mesma forma. As
exceções ocorreram no ano de 1997, quando os setores de cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram
Cagik médios.
Dessa forma, o cultivo de algodão e a indústria têxtil apresentaram rotatividade no período, pois
Cagik passou de médio em 1997 para forte em 2000 e 2007, ou seja, os resultados para os últimos períodos
demonstram que o emprego formal nesses ramos produtivos está geograficamente associado. A TAB. 4, a
seguir, especifica esses resultados quando apresenta o Cagik para as mesorregiões.
TABELA 4 – Coeficiente de Associação Geográfica (Cagik) do emprego formal no cultivo do algodão e na indústria têxtil para as mesorregiões do Paraná nos intervalos de 1997, 2000 e 2007
Mesorregiões
1997 2000 2007
Cultivo do algodão/Indústria têxtil
Cultivo do algodão/Indústria têxtil
Cultivo do algodão/Indústria têxtil
Noroeste Paranaense 0.4914 0.062 0.1532
Centro Ocidental Paranaense 0.0461 0.2217 0.0001
Norte Central Paranaense 0.3544 0.2708 0.2479
Norte Pioneiro Paranaense 0.0686 0.2796 0.0441
Centro Oriental Paranaense 0.0391 0.0281 0.1826
Oeste Paranaense 0.1059 0.0722 0.0008
Sudoeste Paranaense 0.079 0.0745 0.0287
Centro-Sul Paranaense 0.0037 0.0057 0.1314
Sudeste Paranaense 0.0069 0.0061 0.0498
Metropolitana de Curitiba 0.1368 0.1059 0.0227
FONTE: Os autores (2010)
De acordo com os resultados da TAB. 4, no
ano de 1997, somente as mesorregiões Noroeste
e Norte Central obtiveram um Cagik médio para o
emprego formal nas atividades da produção de
algodão e da indústria têxtil. As demais mesorregiões
representaram uma forte associação, sendo a mais
expressiva na mesorregião Centro-Sul paranaense.
Já em 2000, associação média ocorreu nas
mesorregiões Norte Central e Norte Pioneiro e
associação forte novamente na mesorregião Centro-
Sul. No período que sucede, todas as mesorregiões
apresentaram forte associação geográfica do
emprego formal nas atividades do cultivo do
algodão e da indústria têxtil, e a mesorregião Centro
Ocidental obteve a maior associação geográfica.
Esses resultados apontam para hipótese de que a
produção de algodão e a indústria têxtil passaram
por um processo de distribuição espacial do
emprego formal no estado ao longo do período.
Isso posto, cabe ressaltar que no ramo agrí-
cola são visíveis diversas mudanças de localização.
Sobre isso, Souza e Santos (2009) apontam que
210
Essa atividade apresentou maior participação
na mesorregião Noroeste paranaense, destarte,
essa mesorregião é caracterizada pelas facções e
confecções, que tornam-na conhecida por fazer
parte do corredor da moda da região Norte.
Entretanto, de modo geral, em todas as mesorregiões
verificou-se um aumento da participação dessa
atividade na concentração de emprego formal,
mostrando o espraiamento no espaço paranaense
das indústrias têxteis.
Ao que se refere ao Cagik, com exceção para
o primeiro período, em que o índice apresentou
média associação regional, os demais períodos
apresentaram para os setores forte distribuição
regional. Para os ramos produtivos de cultivo do
algodão e a indústria têxtil, a associação geográfica
foi significativa. Entre essas atividades, a produção de
algodão, em virtude do processo de reestruturação
que ocasionou a migração dessa cultura, apresentou
uma tendência de deslocamento geográfico
relevante ao longo do período.
determinadas culturas migraram do Paraná para
outras regiões do país na década de 1990 a 2005.
Essas culturas foram substituídas por outros culti-
vos, como é o caso do algodão, que diminuiu sig-
nificativamente a produção no estado. Entretanto,
outras culturas, como a cana-de-açúcar, apresen-
taram um crescimento substancial de área planta-
da e de produção no estado. Além disso, outras
lavouras migraram e se concentraram em regiões
específicas dentro do Paraná, como ocorreu com a
do feijão e a do café.
Conclusão
O objetivo deste artigo foi analisar a locali-
zação do emprego formal na produção de algodão
e na indústria têxtil no estado do Paraná e deter-
minar o desempenho setorial do emprego formal
nessas atividades. O estudo abrangeu as mesorre-
giões paranaenses em relação ao Paraná no perí-
odo de 1997 a 2007. Analisou-se, por meio de um
instrumental de análise regional, o desempenho
das 10 mesorregiões do estado.
Nesse sentido, os resultados para o QL
demonstraram mudanças na estrutura do emprego,
principalmente no ramo de produção de algodão.
Essa atividade apresentou mudanças geográficas
quanto à participação desse setor na economia
do estado. Ao longo do período, a participação
mudou da mesorregião Noroeste paranaense, em
1997, para Centro Ocidental paranaense, em 2000,
e em 2007 para o Centro-Sul paranaense.
Além disso, a produção de algodão de-
cresceu significativamente no Paraná devido ao
processo de reestruturação da atividade, que teve
início na década de 1970 e intensificou-se com
abertura comercial da década de 1990, e, por fim,
registrando as menores safras em 2006. Nesse
sentido, essa atividade não possui relevância no
estado do Paraná como na década de 1980.
Já a indústria têxtil possui uma relevância
maior, no Paraná, que a produção de algodão.
• Recebido em: 25/04/2012
• Aprovado em: 01/03/2013
R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 17, n. 1, p. 198 - 211, jan./jun. 2014211
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212
Orientações aos Colaboradores da Revista da FAE
214
Histórico e Missão
A Revista da FAE, existente desde 1998, é um espaço
para divulgação da produção científica e acadêmica de temas
multidisciplinares, que enfoca, principalmente, as áreas de Ad-
ministração, Contabilidade, Economia, Direito, Engenharia, Edu-
cação, Sistemas de Informação, Psicologia e Filosofia, com o
intuito de discutir o posicionamento das organizações e o de-
senvolvimento local.
Por sua missão ser a de fomentar a produção e a dis-
seminação de conhecimento em áreas correlatas à discussão
sobre a gestão de negócios e o posicionamento das orga-
nizações no processo de desenvolvimento local, entre nossos
leitores, encontram-se professores, alunos de graduação e pós-
-graduação, consultores, empresários e profissionais de empre-
sas públicas e privadas.
Já com o tema organizações e desenvolvimento, o ob-
jetivo é analisar o papel e a interação da organização, qualquer
que seja sua origem ou situação societária, no processo de
sustentabilidade econômica, social, ambiental e política.
Além de trabalhos puramente teóricos, serão acei-
tos para apreciação artigos resultantes de estudos de casos
ou pesquisas direcionadas que exemplifiquem ou tragam ex-
periências fundamentadas teoricamente e que contribuam
com o debate estimulado pelo objetivo da revista.
Enfatiza-se a necessidade de os autores respeitarem
as normas estabelecidas nas Notas para Colaboradores,
especialmente as referentes ao limite de tamanho. Os
trabalhos serão publicados de acordo com a ordem de
aprovação, porém será priorizado o conteúdo multidisciplinar
do debate.
Todos os artigos estão disponíveis para download, ex-
ceto a última edição.
Objetivo
O objetivo da Revista da FAE é promover a publicação
de temas relacionados à gestão de negócios e à inserção das
organizações no processo de desenvolvimento local.
A Revista da FAE deseja motivar e instigar os seus
leitores a compreender o papel das organizações no processo
de desenvolvimento local, tendo acesso à discussão de temas
atuais e relevantes para definição estratégica e ope racional das
organizações.
Assim, será dada prioridade à publicação de artigos
que, além de inéditos, nacional e internacionalmente, versem
sobre o papel das organizações no desenvolvimento local e
discutam temas contemporâneos da gestão de negócios.
Orientação Editorial
Os trabalhos selecionados pela Revista da FAE serão
aqueles que abordem temas relacionados ao seu objetivo, ou
seja, que se refiram a ferramentas técnicas e teorias relacio-
nadas à gestão de negócios e à função das organizações no
processo de desenvolvimento local.
Com o tema gestão de negócios, visa-se contri-
buir com o debate sobre sistemas de gestão de produção
e gestão econômica de sistemas produtivos, com o intuito
de discutir o processo de desenvolvimento da organização.
Trata-se de uma visão holística sobre a gestão de negócios, a
partir de uma abordagem multidisciplinar das áreas de Ciên-
cias Sociais Aplicadas (Administração, Contábeis e Econo-
mia), Jurídica (Direito) e Exatas (Engenharias).
Focos
O principal requisito para publicação na Revista da
FAE consiste em que o artigo represente, de fato, uma con-
tribuição científica. Tal requisito pode ser desdobrado nos
seguintes tópicos:
• O tema tratado deve ser relevante e pertinente
ao contexto e ao momento e, preferencialmente,
pertencer à orientação editorial.
• O referencial teórico-conceitual deve refletir o
estado da arte do conhecimento na área.
• O desenvolvimento do artigo deve ser consis-
tente, com princípios de construção científica
do conhecimento.
• A conclusão deve ser clara e concisa e apon-
tar implicações do trabalho para a teoria e/ou
para a prática administrativa.
Espera-se, também, que os artigos publicados na
Revista da FAE desafiem o conhecimento e as práticas esta-
belecidas com perspectivas provocativas e inovadoras.
215R e v . F A E , C u r i t i b a , v. 16, n. 2, p. 211 - 214, jul./dez. 2013
Escopo
A Revista da FAE tem interesse na publicação de
artigos de desenvolvimento teórico e trabalhos empíricos.
Os artigos de desenvolvimento teórico devem ser
sustentados por ampla pesquisa bibliográfica e devem
propor novos modelos e interpretações para fenômenos
relevantes com relação à gestão de negócios e à interação
das organizações no desenvolvimento local.
Os trabalhos empíricos devem trazer avanços ao
conhecimento na área, por meio de pesquisas metodologi-
camente bem fundamentadas, criteriosamente conduzida, e
adequadamente analisadas.
referências bibliográficas completas deverão
ser apresentadas em ordem alfabética no final
do texto, de acordo com as normas da ABNT
(NBR-6023).
• Diagramas, quadros, figuras e tabelas devem
ser numerados sequencialmente, apresentar
título e fonte, bem como ser referenciados no
corpo do artigo.
Permuta
A Revista da FAE faz permuta com as principais
faculdades e universidades do País.
Assinatura
Periodicidade: Anual
Valor: R$ 65,00
• Para assinar, favor entrar em contato pelo
telefone (41) 2105-4093 ou [email protected].
Envio de Artigos
Os artigos deverão ser encaminhados para:
FAE Centro Universitário
Núcleo de Pesquisa Acadêmica
Rua 24 de Maio, 135
80230-080 Curitiba/PR
E-mail: [email protected]
Fone: (41) 2105-4093 - Fax (41) 2105-4195
Agradecemos o seu interesse pela Revista da FAE e espera-
mos tê-lo(a) como colaborador(a) frequente.
Notas para Colaboradores
A Revista da FAE está aberta a colaborações
do Brasil e do exterior. A pluralidade de abordagens e
perspectivas é incentivada.
Podem ser publicados artigos de desenvolvimento
teórico e artigos baseados em pesquisas empíricas (de 5 mil
a 8 mil palavras).
A aceitação e publicação dos textos implicam a
transferência de direitos do autor para a Revista. Não são
pagos direitos autorais.
Os textos enviados para publicação são apreciados
por pareceristas pelo sistema blind review.
Os artigos deverão ser encaminhados para o
Núcleo de Pesquisa Acadêmica (NPA) com as seguintes
características:
• Na folha de rosto deverão constar o título
do trabalho, o(s) nome(s) completo(s) do(s)
autor(es), acompanhado(s) de um breve cur-
rículo, relatando experiência profissional e/ou
acadêmica, endereço, números do telefone e
do fax e e-mail.
• A primeira página do artigo deve conter o tí-
tulo (máximo de dez palavras), o resumo em
português (máximo de 250 palavras) e as pa-
lavras-chave (máximo de cinco), assim como
os mesmos tópicos vertidos para o inglês (title,
abstract, keywords).
• A formatação do artigo deve ser: tamanho
A4, editor de texto Word for Windows, mar-
gens 2,5 cm, fonte times new roman 13 e/ou
arial 12 e espaçamento 1,5 linha.
• As referências bibliográficas devem ser citadas
no corpo do texto pelo sistema autor-data. As