frederick s. lord jr. - mas será que eles cavalgam golfinhos

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    - Ora, mas que coisa linda! - exclamou a Sra. Hunt, ao entrarna sala de estar dos Malones. - Venha ver, Wallace! Eles arranjaramum Nenenzinho dgua! - Ela colocou o nariz extremamente empo-ado a alguns cen metros do vidro do tanque s escuras e arrulhoupara a gura igualmente curiosa ali dentro. - Que coisinha mimosavoc .

    O Professor Hunt aproximou-se de sua mulher, frente ao

    grande tanque, e assen u com um movimento de cabea aprecia -vo. - Animais fascinantes, no? - Voltou-se para seus an tries. - Eum bom assunto de conversa, imagino.

    Je Malone sorriu.- Sim, . Cada vez que temos gente aqui, geralmente passa-

    mos a primeira hora conversando sobre este pequeno Nemo.A Sra. Hunt bateu de leve no tanque com uma comprida unha

    alaranjada.- Oi, sujei nho.- Por favor, no faa isto - disse-lhe Mary Ann Malone. - Ele

    deve estar rando um cochilo, e no quero que se agite demasiado.A Sra. Hunt endireitou-se e fungou.

    Mas ser que eles cavalgam gol nhos?

    Frederick S. Lord, Jr.

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    - Est bem. Est sempre escuro ali? Quisera que pudssemosver melhor. Isto - acrescentou, com menos afabilidade do que asugerida apenas pelas palavras - se sua me no se importar.

    Mary Ann emper gou-se, em seguida ps-se vontade. -

    outra que jamais entender - disse para si mesma. Depois explicoucalmamente:

    - que Nemo gosta de olhar para fora.Aproximou-se do tanque e abriu uma porta no compar men -

    to embaixo. O Professor Hunt inclinou-se, a m de ter um vislumbredo mecanismo interno.

    - So baterias aquilo ali? - indagou.- Sim - disse Mary Ann. - Para o caso de uma emergncia. Ali

    est a bomba de ar, e aquele o aquecedor. - Introduzindo a mo,ligou um interruptor e o interior do tanque de repente se iluminou.

    O pequeno Nemo media atualmente oitenta cen metros, daponta do ves gio de nariz ponta de suas largas nadadeiras. Na l -

    ma veri cao, pesara pouco mais de onze quilos. Exceto na cara,mos e ps, era recoberto de uma espessa pele dourada, com listrasmarrons indicando que acabaria por escurecer completamente.

    As mos, comprimidas contra o vidro, nham formato huma -no, s que os polegares e mnimos eram mais compridos e desen-volvidos do que seriam os de uma criana humana. Membranaspalmadas ocupavam os espaos entre os dedos, at as primeiras juntas. Da parte exterior dos polegares e mnimos, estendiam-seoutras membranas, ligadas aos lados de fora e de dentro dos coto -velos. Mais uma srie de membranas ligava-se por trs dos cotove -los at as costelas inferiores de cada lado, dando parte superiordo seu corpo uma aparncia de morcego.

    - Hum ... - proferiu Mary Ann, com ar de desaprovao. - Estna hora de limpar essas guelras de novo.

    - Absolutamente encantador! - anunciou a Sra. Hunt. - Noimaginava que pudessem ser to mimosos.

    Mary Ann desceu a mo e apagou a luz.- Agora que quieto - disse a Nemo, brandindo o dedo. Ele

    comeou a correr de um canto para o outro de seu cubculo. - Es -tou falando srio - insis u Mary Ann. Subindo num banco junto ao

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    tanque, en ou a mo dentro dgua e o corpinho coleante veio su -bindo para ser coado.

    Je franziu as sobrancelhas.- Bem, agora que todas as apresentaes foram feitas, que tal

    uma bebida? Venha, querida.- J vou - retorquiu Mary Ann, ainda coando Nemo. - Os es-

    tranhos o pem nervoso e quero me cer car de que compreendeque tudo est bem.

    - Vamos para o outro aposento - disse-lhe Je . - No demore.- Pode deixar - respondeu ela. No entanto ainda no estava

    olhando para o marido ao diz-lo.Aps o jantar, a Sra. Hunt insis u em ajudar Mary Ann a lavar

    os pratos.- Voc lava que eu enxugo - disse ela. - No me esqueci como

    se faz isto.- Estou certo de que Mary est habituada a ter as mos den -

    tro dgua - observou o Professor Hunt maliciosamente.A Sra. Hunt ergueu um dos pires mal combinados dos Malo-

    nes. - Veja s, Wallace! No so vantajosas essas quermesses dasesposas dos membros da faculdade? Isto fazia parte da srie dovelho Professor Campbell, no?

    O Professor ergueu os olhos do caf que tomava e sorriu.- Oh sim, assim me parece. No sabia que ainda andavam por

    a.A Sra. Hunt teve um sorriso afetado.- No apenas so hediondos, como tambm pra camente in -

    quebrveis.O Professor Hunt, de sbito, sen u a necessidade de compen -

    sar a embaraosa falta de tato de sua mulher.- Sabe, Clia, Je e Mary Ann muito breve estaro comendo

    em pratos de prata, se o quiserem. A julgar pelo tamanho de seuanimalzinho ali, no demorar muito at que comece a render.

    - Igualmente certo - disse Je , como se isso lhe vesse acaba-do de ocorrer. - Algum de Sea le vir no dia quatorze, me parece.Disseram quatorze ou quinze, querida?

    Mary Ann manteve os olhos sobre os pratos dentro da pia. -

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    Dia quatorze - murmurou.- Bem, no uma data muito distante - retorquiu o Professor

    Hunt. - Estou feliz por voc, Je , realmente estou. Vi alguns estu-dantes de direito bastante promissores sarem daqui simplesmen -

    te porque no nham habilidade su ciente para arranjar dinhei -ro para con nuar. E no haver de passar seus primeiros dez anosaps os estudos pagando esses insidiosos emprs mos em que os jovens sempre se enredam.

    - No, conseguiremos, certamente, comear sem nus - asse -verou Je , convicto. - Sem nada que nos sobrecarregue.

    L da sala de estar vieram rudos de espadanar e salpicar.- L est ele recomeando - suspirou Je . - Eis outra coisa que

    venho almejando: ter de novo uma noite inteira de sono. Ficariamsurpresos com o trabalho que do estes monstrinhos.

    - Volto j - disse Mary Ann. Deteve-se porta, antes de sair doaposento. - E lhe agradeceria bastante, Je ry, se deixasse de cha -mar meu lho de monstro.

    Tentando determinar at onde poderia ir o planejamento ge-n co, antes que o feto se tornasse to incompa vel com a me aponto de no lograr sobreviver, os cien stas do Ins tuto de Eugeniade Sea le efetuaram modi caes cada vez mais radicais, pormteoricamente harmoniosas, nas sucessivas experincias. Quandofalharam as tenta vas repe das de criar um beb mais complexoe diferenciado, foi dado o passo nal. Encontrou-se um volunt -rio humano, e antes que objees morais, cas, legais ou sociaisper nentes pudessem ser adequadamente expressas, um Homo

    Aqua cus de nome Frank cons tua uma realidade vicejante e eco -logicamente adaptada.

    Nunca se duvidou da u lidade do Homo Aqua cus . No ape-nas estava habituado a cul var e colher algas, plantas marinhas edzias de outros pos de vida marinha comes veis, como haviamuitas outras a vidades em que ele poderia se sair melhor do queat ento se conseguira. Com histrica consistncia, a CIA delineoumuitos projetos nos quais o H.A. desempenhava um papel impor-tante. Empresas de servios pblicos encontraram no H.A. um sal -

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    vador de nadadeiras. Turmas de salvamento, bilogos marinhos,oceangrafos e dzias de indstrias e agncias imediatamente vi -ram o seu potencial.

    A procura pelo H.A. em breve superou a oferta. Embora no

    houvesse falta de voluntrias para serem mes hospedeiras, ape-nas um nmero limitado de mulheres possua o potencial gen coe psicolgico para dar luz e criar uma criana gnero Homo Aqua-

    cus .Para Je e Mary Ann Malone, os cem mil dlares pagos por

    um saudvel Agricultor Marinho foram uma soluo pronta paraum aperto nanceiro de nenhum outro modo supervel. Tentandodesesperadamente achar um modo de manter o marido estudan-do e os sonhos deles intatos, recorrera ao Ins tuto e fora aceita. Aimplantao fora indolor, a gravidez calma. O parto fora um sonhoprolongado, nebuloso, mas no inteiramente desagradvel. E ago -ra...

    - Do licena? - indagou Je , irritado. - Tive um dia danado decomprido e amanh tenho outro mais comprido ainda. Seu olharturvo foi at os dois ocupantes do tanque e em seguida at o rel-gio murmurejando suavemente sobre a mesa do caf. - So quasetrs horas, meu Deus.

    Mary Ann afastou do rosto a mecha curta de cabelo mido episcou para ele, um descabido sorriso de nhando em seus lbios.- Ah, mesmo? Desculpe, querido. No percebi que estvamos fa -zendo tanto barulho. Nemo estava inquieto, eis tudo.

    De repente, as nadadeiras de Nemo surgiram frente do ros -to de Mary Ann e bateram forte na gua, salpicando-a num ataquefur vo.

    - Voc! - exclamou ela, tentando alcanar o esquivo travesso,sem consegui-lo. - Gostaria que lhe zessem ccegas?

    Je recuou e examinou as gotas de gua sobre o tapete, juntoaos seus chinelos.

    - Do licena? - repe u.Mas Mary Ann estava rindo. Nemo abocanhara com suas du -

    ras gengivas os seus dedos dos ps.

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    - Devagar! - adver u ela. - No quero ser podada!- Saia j da! - ordenou Je . - No quero car aturando isto

    muito tempo.- Por que no se junta a ns? - props Mary Ann. - Ou j to-

    mou seu banho semanal?- Quer car sria, por favor?- Est bem - suspirou ela. - Quer me dar meu peignoir?Subiu no banco que trouxera consigo para dentro do cub -

    culo de Nemo e lanou primeiro uma perna, depois a outra, parafora dgua, sobre o banco fora do tanque. Je jogou-lhe o peignoir,mantendo-se carrancudo.

    - Voc poderia tambm ter um pouco de considerao comi -go, sabe - disse-lhe ele. - A nal de contas sou seu marido.

    - Ser mesmo? - exclamou Mary Ann sarcas camente. - Es -ve imaginando quem seria a pessoa de quem eu estava tendo umvislumbre duas vezes por dia. Ainda bem que voc se apresentou,seno eu poderia jamais car sabendo.

    - As coisas vo melhorar - assegurou ele, em tom de ro na.- E o que deverei fazer enquanto isso - hibernar? - Desceu do

    banco e voltou-se para olhar a carinha desapontada que lhe seguiatodos os movimentos. - Acabou a brincadeira, querido disse-lhe ela.- O Monstro Genuno est dizendo que devemos calar e ir dormir. -Cingiu mais o peignoir em torno de si, atravessou a sala de estar esentou-se no sof.

    Je ainda estava zangado.- Creio que lhe pedi para no se sentar no sof quando es ver

    molhada - proferiu, cortante.- Ora, v para a cama - retrucou ela. - E trate de se secar.- Isto no natural, sabe.- O qu? Um beb se mostrar agitado no meio da noite?Ele sentou-se na outra extremidade do sof e acendeu um

    cigarro do mao na extremidade da mesa.- Voc sabe exatamente de que estou falando - tornou ele,

    primeira baforada. - No natural que se sinta assim com relaoa esse ... - Fez um gesto em direo ao tanque. - Bastardo de luxo.

    - Ele to humano quanto voc, Je . s vezes at mais.

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    - Isso foi o que esses espreme cucas meteram na sua cabea:Se eu vesse do alguma idia de quanto ele ia tomar do seu tem -po, nunca teria ido adiante com isto.

    - Bem, foi voc quem trouxe a propaganda a respeito.

    Ela cou observando as bolhas de ar dentro do cubculo deNemo e inconscientemente avaliou a velocidade do oxigenador.Nunca imaginei que pudesse ser to ciumento, Je .

    - Voc precisa desis r dele, sabe.- No quero. Pretendo comprar uma casa na praia e cri-lo

    eu mesma. Mas no me parece que voc compreenda isto. Nos diasque correm, voc s se preocupa com voc mesmo.

    Je tragou fundo o cigarro, antes de responder.- Olhe - disse nalmente - nada h que eu possa fazer a res -

    peito. Temos um contrato que diz o que acontecer a Nemo, eistudo.

    - Mas eu sou a me dele, Je - retorquiu Mary Ann, a voz ago-ra um spero sussurro. A gua salgada descendo vagarosamentepor suas faces no provinha do tanque. - O que acontecer a ele?Quem cuidar dele? Ele precisa de mim, Je !

    - Mas ele gostar de estar com os da sua espcie.- Mas ns tambm somos da sua espcie.- Isto foi o que os psiclogos lhe disseram que devia achar.- No. a verdade. No se importa com o que for feito dele?- Li a informao toda - retorquiu Je . - Ele ser treinado no

    Ins tuto uns dois anos e depois ser posto para trabalhar ondequer que achem que poder se sair melhor.

    - Mas ele estar feliz?- Todos os Nenns dgua so muito bem tratados. Deixe de

    se preocupar com isso.- No isto que estou querendo dizer! - gritou ela.Je jogou fora o cigarro e ps-se de p.- Est por demais agitada para dizer coisa com coisa no mo-

    mento. Vou dormir. Sugiro que tome um banho e faa a mesmacoisa. Boa-noite.

    Ela no respondeu. Je deu um suspiro de cansao e frus -trao misturados e voltou para o quarto. Menos de um minuto

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    depois estava dormindo.Mary Ann tou a gurinha boiando no tanque, tambm ador -

    mecida. Tentou imagin-lo deixando-a, mas a idia era por demaispenosa. Acharia que ela deixara de am-lo? Iria se sen r confuso

    e apavorado, nha certeza. E estava igualmente certa de que nin -gum jamais se importaria tanto com ele quanto ela.

    Vira os lmes sobre a vida dos Agricultores Marinhos. Leratudo o que pudera sobre eles. Plantavam, cul vavam e colhiam.Pescavam, caldeavam e exploravam. Comiam bem e trabalhavammuito. Dormiam profundamente e pareciam sa sfeitos.

    - Mas ser que eles cavalgam gol nhos? - indagou ela e nohavia ningum ali para responder-lhe.

    Mary Ann abriu a porta do apartamento, as duas pesadassacolas de man mentos aninhadas nos braos. A tarde de sbadocons tua uma exaus va, porm bem-vinda mudana em sua ro -na. No que houvesse algum roman smo em pagar contas, com -prar hamburgers e uma dzia de incumbncias pela cidade inteira;o fato que nha tempo para dedicar a si mesma - tempo de vervitrines e devanear. Aquelas poucas horas fora do apartamento,mesmo cansa vas, de algum modo a restauravam para a semana.

    Fechou a porta atrs de si com um pontap e acendeu a luzcom um piparote. Em seguida, lanou um olhar sobre a longa pa -rede vazia defronte janela panormica e largou os man mentosa seus ps.

    Nada restava. O tanque, o compar mento, Nemo. Nada, ano ser a marca retangular e mais clara do tapete. Haviam-no leva-do. Chegaram num m de semana e levaram-no.

    A bolinha de borracha vermelha, que es vera aninhada notopo de uma das sacolas de man mentos, rolou para dentro do es -pao vazio. Na outra sacola, lentamente crescia a mancha dos ovosquebrados. Arquejante, ela deixou os man mentos onde estavam edirigiu-se cozinha. Sabia que Je di cilmente poderia ter mudadotudo para o outro aposento, mesmo assim se permi u alguns mo -mentos de esperana.

    Sobre a mesa da cozinha, estrategicamente exposto, estava

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    um dispendioso jogo de porcelana ssea Havilland, com um magn-co desenho vermelho. Era uma das coisas que ela outrora dissera

    a Je sonhar possuir, quando ele fosse um advogado bem-sucedidoe vessem casa prpria.

    Havia um bilhete sobre um dos pires. Antes de peg-lo paraler com a mo trmula, reconhecera os rabiscos de Je :

    Querida: Achei que caria mais fcil para voc se zssemos desta ma -

    neira. Tudo correu muito serenamente e Nemo estava simplesmen -te mo. Trarei carne e bebida para o jantar.

    Com amor, Jef!

    Era um jogo de peas numerosas. A jovem soluante levoutempo para quebrar cada uma delas.

    Mary Ann comprimiu as palmas e o nariz de encontro janelapanormica da casa nova dos Malones e contemplou, sem muitointeresse, a ora e a fauna dos subrbios de Chicago. No haviamesmo muito que ver. As casas em es lo campestre, regularmen -te espaadas em ruas lisamente pavimentadas, desa avam o olhara encontrar alguma coisa fora do lugar ou estapafrdia. As casaseram todas muito bonitas. Os carros estacionados em la dupla naspistas junto s casas eram todos muito bonitos. E as pessoas quemoravam nas casas e guiavam os carros eram todas muito bonitas.

    Nos dois anos desde que haviam deixado a Costa Oeste e semudado para o Meio-Oeste, Mary Ann conhecera um bocado degente boa e fora convidada para um bocado de bons lares. Je es -tava indo bem na rma e trazia, quase todas as semanas, amigosnovos e in uentes para conhecer sua senhora e bater um papo.E todos aqueles casais, des nados por Je a serem alvos do encan -to dela, eram exatamente iguais a Clia e Wally Hunt. Dentro dedez ou vinte anos, disse consigo mesma, ela prpria e Je estariamtransformados em Clia e Wally Hunt. Ningum indaga a esses pei-xes sobre o aspecto das coisas vistas do seu lado da redoma, pen -sou Mary Ann. Ningum.

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    Deixou que a sua memria revivesse a discusso que ela e Je nham do na noite anterior. Ela queria voltar para a escola. Queria

    voltar a trabalhar. Queria fazer qualquer coisa que a tornasse algomais do que a sua cozinheira, governanta e huri. E Je gostava das

    coisas do jeito que elas estavam.Ento, naquela manh seguinte, sugerira um acordo. Ao caf,

    ele falara a respeito de ter um verdadeiro beb.- Para que voc se ocupe de alguma forma - dissera ele. - Para

    que lhe faa companhia durante o dia.E ela a rara sobre ele tudo o que no estava pregado. No

    iria ser comprada daquela vez, gritara-lhe. Era um dbil mental in -sensvel, inapto para a paternidade. Vendera o primeiro beb deles.Quem diria que no zesse o mesmo de novo?

    A certa altura no meio disto tudo, Je murmurara alguma for -ma de desculpa e esquivara-se para fora da casa, o caf escorrendoda gravata.

    Por volta do meio da tarde, ela j havia arrumado a cozinha,a maquilagem e as idias. Sabia agora o que nha a fazer e o faria.Je provavelmente no entenderia, mas ela havia tentado transmi -

    r sua mensagem no bilhete agora colado geladeira.Enquanto ela olhava para fora da janela, um velho txi arrui-

    nado penetrou na entrada para veculos. Apanhou a maleta e saiu.

    Os olhos cor de avel da Sra. Danis cin laram na direo da jovem que esperava por ela no seu gabinete.

    - Desculpe faz-la esperar, Sra. Malone. Juro que passei meta-de do meu tempo ao telefone.

    - Espero no t-la afastado de alguma coisa importante - disseMary Ann.

    - J no me deixam fazer coisa alguma importante - retorquiu-lhe a Sra. Danis. Sentou-se diante da sua mesa em desordem e en-

    ou uma mecha solta do cabelo castanho para dentro do coquefrouxo, no alto da cabea. - Quer caf? - indagou.

    - No, obrigada. Na verdade no quero tomar muito do seutempo. S vim lhe fazer algumas perguntas, eis tudo.

    Mary Ann achava di cil pensar na Sra. Danis como sendo uma

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    das mais destacadas cien stas que trabalhavam no Ins tuto. A ve -lha suter verde e os jeans desbotados, embora uma ves mentapr ca considerando-se a sua funo de chefe da Escola Marinha,no contribuam para lembrar ao observador o seu pres gio. E o

    colar de prolas danando por fora do agasalho surrado davam quarentona um ar de desconcertante excentricidade.

    - Muito bem, pergunte ento - retorquiu a Sra. Danis. - Fazparte do meu servio. - Estendeu a mo de pele rugosa e puxouas cor nas da janela do seu gabinete. L fora, um grande tanqueestava apinhado de Agricultores Marinhos meio crescidos, supervi-sionados por carrancudos behavioristas.

    - Estou espantada de ver como eles crescem depressa - ob -servou Mary Ann.

    - . Parece no haver transcorrido tempo algum desde quan -do os apanhamos at a hora de os soltarmos. Acho que assim acon-tece numa quan dade de situaes. O Dr. Hargen mostrou-lhe asdependncias?

    - Sim. Ele foi muito gen l. No fazia idia de que o lugar fosseto grande. H tantos deles.

    As duas mulheres caram caladas alguns momentos.- Bem, agora - principiou a Sra. Danis jovialmente - imagino

    que esteja interessada no que aconteceu com o seu sujei nho...Mary Ann tentou disfarar sua surpresa.- Puxa, estou. Lembra-se dele? Tinha marcas marrons nas cos -

    tas e...- Sra. Malone - interrompeu pacientemente a Sra. Danis. -

    Propositadamente no conservamos registros de onde vm nossosalunos. Deve saber por qu. Alm do mais, lidamos com milharesno momento. Suas marcas mudam medida que crescem. Noconseguiramos localiz-lo para a senhora, por mais que tentsse-mos. Desculpe, pensei que soubesse.

    - Oh! - foi tudo o que Mary Ann pde proferir.- Diz que ele veio ter conosco uns dois anos atrs, no foi isso?- Ah, disse? No me lembro. Quero dizer, sim. Dois anos atrs,

    neste ms.A Sra. Danis manuseou alguns papis e acenou com a cabea,

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    em assen mento ao que estava lendo.- Era um sujeito muito a vo? Poder ter se formado com a

    turma do ms passado.Mary Ann esboou um sorriso triste lembrana. - Sim. E era

    muito hbil com as mos.- Ento provavelmente foi ter nos leitos de Vancouver. Quase

    todos os melhores dentre os nossos tm ido parar l recentemente.No demora muito e teremos todo o Sound cul vado.

    - Tem certeza que l onde ele est?- No, no posso dar certeza. Mas trata-se do lugar mais pro-

    vvel. No que v conseguir reconhec-lo, entenda. Ou que possa,bem assim, encontr-lo.

    O queixo de Mary Ann tremeu, numa esforada demonstra -o de rmeza.

    - Acho que poderia reconhecer meu prprio lho. Apenas...queria v-lo mais uma vez. Sabe, nunca ve a oportunidade de des -pedir-me dele. Nunca ve a oportunidade de explicar.

    - Tenho certeza de que ele compreende - disse a Sra. Daniscom bondade. - Presentemente ele tem uma vida nova. E umaquan dade de amigos novos. Oua: so quatro horas agora. Porque no vem at minha casa comigo para uma bebida e um dosfants cos jantares do meu marido? Ento poderamos conversardevidamente sobre isso.

    - De qualquer maneira, obrigada - proferiu Mary Ann, levan-tando-se. - Desejo agradecer-lhe pelo tempo que me concedeu. -Dando uma reviravolta, saiu porta afora antes que a Sra. Danis pu-desse dizer qualquer outra palavra.

    A barca das cinco horas de Sea le estava apinhada de car -ros e de passageiros entediados. Reconhecia-se os poucos turistasa bordo por sua presena junto ao parapeito, debruando-se parauma viso melhor dos Agricultores Marinhos abaixo.

    Mary Ann baixou o olhar sobre a gua azul-esverdeada, amente arrebatada pela prpria turbulncia. A bola de borracha deum vermelho reluzente sobressaindo do seu bolso ainda trazia ortulo adesivo com o preo.

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    Talvez se um dos Agricultores Marinhos no houvesse olhadopara cima: movido por uma curiosidade autnoma, ela no teriatentado agir sob o impulso que momentaneamente acometera suaimaginao.

    Tinha um p descalo sobre o parapeito, quando uma motomou-a pelo brao e uma voz suave disse:

    - No.- Obrigada por me haver impedido de fazer uma tolice - pro -

    feriu apenas Mary. - Ainda bem que me seguiu.Os olhos cor de avel da Sra. Danis tremeluziram.- Sabia o que voc poderia fazer desde o primeiro instante

    em que conversamos. Tendo acabado de falar com Je ao telefone,comecei a me preocupar com voc. J nha visto antes a expressoque havia em seus olhos.

    - J?- Mary, porventura achou que era a primeira mulher a se sen -

    r dessa maneira? Ou que ir ser a l ma? Tudo a que damos vida,devolve-a para ns. No abandonamos tal vida sem perder um pou -co da nossa. Teria sido anormal voc no ter amado seu lho. Estcon ando demais em psiclogos e hipnoterapeutas. Oh, sim, j viesse olhar antes. A primeira vez foi no espelho.

    - Voc? - Mary Ann quedou-se boquiaberta.A Sra. Danis assen u com a cabea, orgulhosa.- Tenho cinco lhos a por baixo das ondas. Amei cada um de-

    les e chorei a par da de cada um. Mas me sinto grata pelo que pas -sei. Penso neles como rapazes fortes, bem sucedidos e bonitos, fa -zendo o que todas as mes esperam de seus lhos: tornar possvelo futuro. Gosto de pensar neles como assistentes de oceangrafos,como capatazes de poos de petrleo submarinos, ou como... - Exi -biu o colar, em seguida rou-o, colocando-o em torno do pescoode Mary Ann. - Pescadores de prolas.

    - Mas ser que eles cavalgam gol nhos? - murmurou MaryAnn, ansiosa.

    - Hein? O qu? Oh, sim, cavalgam. Pelo menos os mais jovens.No que devessem faz-lo, mas o fato que os gol nhos

    adoram. E voc sabe como so os garo nhos.