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FRATERNIDADE HERMÉTICA Junho de 2012 SCHOLA PHILOSOFICA HERMÉTICA CLÁSSICA ITÁLICA A “Schola Philosofica Hermética Clássica Itálica” (SPHCI) Ir + Tm+ de Myriam foi fundada por Giuliano Kremmerz e tem como base a Pragmática Fundamental ( Estatuto), composta por 60 artigos aprovada na Convenção de 22 de dezembro de 1909, que ocorreu na Grande Ordem Egípcia sob cuja alta proteção a Irmandade de Myriam está colocada. Giuliano Kremmerz estabeleceu que a Irmandade siga um duplo método de estudo: um de leituras, conferências e publicações, com o objetivo de dar um conjunto de conhecimentos de tudo o que se refere ao hermetismo, ciências antigas e psicologia moderna; o outro de práticas tradicionais e individuais, através das quais se dirigem as manifestações das energias, para que sejam úteis à terapêutica hermética e à taumaturgia, através de uma experiência científica controlável por todos. A Irmandade tem, com efeito, finalidade exclusivamente terapêutica e contribui para aliviar e curar o sofrimento físico daqueles que a ela recorrerem, através da atuação de quem compõe a sua corrente anímica, que atinge a força inexaurível da qual o Centro dispõe. Na América Latina a Irmandade de Myriam usou o nome de Fraternidade Hermética e foi fundada em 1928 em Buenos Aires e sucessivamente em São Paulo por Manlio Magnani, que tinha sido iniciado no hermetismo mágico na Itália, antes de sua viagem para a América do Sul. Magnani instituiu a Secretaria para a América Latina da Fraternidade Hermética, dando-lhe um corpo ritual em boa parte afim àquele da Myriam. Após a morte de Magnani em 1943, a Fraternidade se ocultou, e volta hoje a operar no Brasil. Uma breve Biografia de Kremmerz O sobrenome Kremmerz não deve enganar. Não se trata de um sobrenome de origem alemã ou norte-europeia: Kremmerz é o nome esotérico, tirado de um nhieroglífico egípcio, do doutor Ciro Formisano. Ciro Formisano era napolitano, tendo nascido em Portici, perto de Nápoles, no dia 8 de abril de 1861, em uma família de classe média. Fez os estudos clássicos em Nápoles e formou-se em literatura; trabalhou como professor de história e geografia em um ginásio perto de Caserta. Tendo perdido o emprego e falecido o pai decidiu mudar de vida e em 1888 embarcou

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FRATERNIDADE HERMÉTICA

Junho de 2012

SCHOLA PHILOSOFICA HERMÉTICA CLÁSSICA ITÁLICA

A “Schola Philosofica Hermética Clássica Itálica” (SPHCI) Ir + Tm+ de Myriam foi fundada por Giuliano Kremmerz e tem como base a Pragmática Fundamental ( Estatuto), composta por 60 artigos aprovada na Convenção de 22 de dezembro de 1909, que ocorreu na Grande Ordem Egípcia sob cuja alta proteção a Irmandade de Myriam está colocada. Giuliano Kremmerz estabeleceu que a Irmandade siga um duplo método de estudo: um de leituras, conferências e publicações, com o objetivo de dar um conjunto de conhecimentos de tudo o que se refere ao hermetismo, ciências antigas e psicologia moderna; o outro de práticas tradicionais e individuais, através das quais se dirigem as manifestações das energias, para que sejam úteis à terapêutica hermética e à taumaturgia, através de uma experiência científica controlável por todos. A Irmandade tem, com efeito, finalidade exclusivamente terapêutica e contribui para aliviar e curar o sofrimento físico daqueles que a ela recorrerem, através da atuação de quem compõe a sua corrente anímica, que atinge a força inexaurível da qual o Centro dispõe. Na América Latina a Irmandade de Myriam usou o nome de Fraternidade Hermética e foi fundada em 1928 em Buenos Aires e sucessivamente em São Paulo por Manlio Magnani, que tinha sido iniciado no hermetismo mágico na Itália, antes de sua viagem para a América do Sul. Magnani instituiu a Secretaria para a América Latina da Fraternidade Hermética, dando-lhe um corpo ritual em boa parte afim àquele da Myriam. Após a morte de Magnani em 1943, a Fraternidade se ocultou, e volta hoje a operar no Brasil.

Uma breve Biografia de Kremmerz

O sobrenome Kremmerz não deve enganar. Não se trata de um sobrenome de origem alemã ou norte-europeia: Kremmerz é o nome esotérico, tirado de um nhieroglífico egípcio, do doutor Ciro Formisano. Ciro Formisano era napolitano, tendo nascido em Portici, perto de Nápoles, no dia 8 de abril de 1861, em uma família de classe média. Fez os estudos clássicos em Nápoles e formou-se em literatura; trabalhou como professor de história e geografia em um ginásio perto de Caserta. Tendo perdido o emprego e falecido o pai decidiu mudar de vida e em 1888 embarcou

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para Montevidéu; do Uruguai transferiu-se para a Argentina que naquele final de século era um centro ativo de espiritualismo e ocultismo. Ali completou os seus estudos formando-se em medicina e especializando-se em homeopatia. As notícias que possuímos sobre a estadia sul americana de Kremmerz são muito vagas e de segunda mão, porque o mestre sempre evitou comentar este período da sua vida. Ficou na Argentina, viajando também para o Brasil (Mato Grosso) e para a Bolívia até 1893, onde dedicou-se com sucesso à medicina homeopática e onde, segundo o nosso ponto de vista, deixou sinais profundos de terapeuta em algum centro hermético; ao mesmo tempo conta-se que depois de algumas boas operações na bolsa conseguiu acumular uma fortuna que permitiu-lhe voltar para a Itália, reencontrar a família e continuar na sua missão de terapeuta. Após o seu retorno para a Itália a sua vida pode ser dividida em dois períodos distintos, um que vai de 1895 a 1912 no qual Kremmerz continuou a morar em Nápoles e outro que vai de 1912 a 1930 no qual morava no principado de Mônaco. Morreu em Mônaco em 1930. (Extraído da Palestra sobre a Myriam feita por Roberto Sestito em São Paulo em 2002)

Entre as muitas histórias e lendas, difundidas ao redor da figura de Giuliano Kremmerz, aquela da viagem e de sua permanência na América Latina está entre as mais fascinantes. Sentimos o dever de contá-la sumariamente, já que quando falarmos do papel de Magnani na Fraternidade Hermética latino-americana, serão inevitáveis as comparações com a Fraternidade de Myriam e então com a viagem do hermetista de Portici para a Argentina. No fascículo anônimo “O mito do Kremmerz”, escrito provavelmente por Alfonso Del Guercio, no capítulo “A permanência na América” lemos as seguintes informações: “Antes de mais nada resulta que Kremmerz permaneceu na América, com certeza na Argentina, pelo menos por um período de tempo de mais ou menos três anos, e mais precisamente de maio de 1889 a março de 1892. E foi justamente no ano de 1892 que deve ter ocorrido o seu retorno para a Itália, quando em 8 de Março daquele ano a Comissão Diretiva do jornal “O Operario Italiano” de Buenos Aires tomou conhecimento da demissão de Formisano com a seguinte carta: “Temos o dever de participar à V.S. que na reunião de ontem esta Comissão diretiva, sentida pelo fato de que o Sr. tenha apresentado a sua demissão por ter que se repatriar, deliberou por unanimidade de votos, agradecê-lo muito pelos importantes serviços prestados ao jornal …”. Em uma biografia de Kremmerz escrita por Arduino Anglisani lemos ao contrário que Formisano ” … tinha seguido uma expedição científica comandada por um Príncipe, da qual faziam parte vários cientistas, nas florestas do Mato Grosso”. Com uma notícia como esta, a fantasia humana voa longe porque para quem não conhece o Estado brasileiro de Mato Grosso, na divisa com a Bolívia e com o Peru, não pode ter a mínima idéia de como pudesse ser esta região naqueles anos: uma interminável selva habitada por poucos indígenas misteriosos e inacessíveis e onde era impossível penetrar. Sem dúvida, porém, o Mato Grosso, como a inteira bacia amazônica, conservavam e conservam os mistérios mais interessantes da tradição xamânica e da magia natural, aquela magia, principalmente baseada sobre o conhecimento das ervas, do qual Kremmerz teria dado prova de ser mestre quando fundou em Nápoles a Fraternidade de Myriam. Então não é um absurdo supor que naquela breve estadia argentina Kremmerz tenha participado de algum sodalício hermético e que tenha praticado a terapêutica mágica, da qual, a partir de 1896, com o início da publicação do “Il mondo secreto” será promulgador nos círculos esotéricos italianos. Uma outra hipótese, certamente mais ousada mas que se baseia em alguns elementos que nos preocuparemos em evidenciar no decorrer do nosso texto, é que Kremmerz, durante suas viagens pela América do Sul, tenha descoberto na Argentina ou talvez em outro lugar uma fonte ou um pólo da tradição hermética, o qual assumiu na Itália, por obra do próprio Kremmerz, a direção e a aplicação conhecidas sob o nome de Myriam e na Argentina, por obra de Magnani, sob o nome de Fradernidad Hermetica, e a denominação comum da “Schola Philosofica Hermetica Classica”.

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(Extraído do prefácio do livro de Manlio Magnani-Supremo Vero– Associação Cultural IGNIS, 2006).

Porque o nome “Myriam”

Maria (ou Myriam) representa a alma humana perfeita, virgem e limpa das impurezas; é o estado de pureza virginal que concebe e faz nascer no homem o Christos milagroso – dito divino – que está dentro de nós, mas que se só se manifesta nas sobrecitadas condições. O Christos é o verbo divino feito carne: verbum caro factum est. Maria (ou Myriam) é então um estado operante por amor fraterno (manifestação do amor que nos atrai para o centro unitário de Deus); – novamente o símbolo da Rosa+Cruz que dá potência à vara dos magos, aqueles que são salvos das águas. Para terminar, Myriam é a Minerva médica (todos os médicos sabem o que seja) que dispensa a sanidade pro salute populi (para a saúde de todos). Este simbolismo da Myriam é anterior de muitos séculos ao Cristianismo e a Ísis velada egípcia e as divindades femininas ou lunares assírio-babilônicas são testemunhas.

A História da “Porta Hermética” de Roma

O alquimista Giuseppe Francesco Borri em 1659 foi acusado pela Santa Inquisição de heresia e envenenamento. Fugitivo, após uma vida aventureira passada em várias cidades da Europa, onde exerceu a profissão médica, foi preso e ficou encarcerado em Roma na prisão de Castel Sant’Angelo entre 1671 e 1677. Quando lhe foi concedida a semi liberdade em 1678, voltou a frequentar seu velho amigo Massimiliano Palombara que o acolheu em sua casa nos anos sucessivos até a sua morte em 1680. Entre os anos de 1678 e 1680 Borri e Palombara fizeram as inscrições enigmáticas, e sabe-se com certeza que pelo menos uma inscrição da casa (aquela acima do arco da porta na rua Merulana) é de 1680. Borri foi novamente detido no Castel Sant’Angelo em 1691 onde teria morrido em 1695, mas apenas três anos após, presume-se que tenha nascido um dos mais misteriosos personagens do século XVIII: o Conde de St. Germain, um lendário alquimista que teria encontrado o segredo do elixir da longa vida, cuja existência se sobrepõe em parte com aquela do mago Cagliostro que por sua vez declarava ter vivido por dois séculos. A comparação entre os retratos de Francesco Giuseppe Borri e do Conde de St. Germain, mesmo que sejam separados por um século, mostram de acordo com algumas opiniões, que se referem à mesma pessoa.

Manlio Magnani

As notícias que temos sobre a vida de Manlio Magnani são poucas e fragmentárias no que se refere ao período “italiano” que vai desde o nascimento até 1928, o ano de sua viagem para a Argentina.

As notícias são mais abundantes durante o período “sul-americano” que vai de 1928 até 1943, ano de sua morte. Foi um engenheiro mecânico, especializado na criação de sistemas de ar condicionado. Casou em Parma com Irene Valenti, com a qual teve dois filhos: um homem que quando tinha vinte anos foi com ele para a Argentina e que morreu logo após a sua chegada e uma mulher, Cleofe, que viveu até a morte na casa paterna em Corniglio, pequena cidade perto de Parma. Em Parma, o jovem Manlio foi iniciado na Maçonaria do Rito Escocês. Em Palermo foi iniciado no Rito Oriental Antigo e Primitivo de Memphis, o mesmo Rito no qual foi iniciado em 1902 Arturo Reghini, e no qual obteve o grau de Grande Inspetor. Pertencia à Irmandade Terapêutica+Mágica de Myriam, provavelmente inscrito pelo próprio Ciro Formisano, visto que Magnani possuía o

cordão, a Pragmática e os Ritos na edição original usados naqueles anos, e elaborados por Giuliano Kremmerz, objetos que eram dados reservadamente apenas aos afiliados da Myriam. Do livro de Manlio Magnani “Supremo Vero”, Ignis

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OBSERVAÇÕES SOBRE O TRABALHO DE MANLIO MAGNANI

de Ivan della Rosa (*) Com “Supremo Vero”, publicado pela Associação Cultural Ignis, Roberto Sestito propõe à atenção do público italiano o retrato de um esoterista da cidade de Parma pouco conhecido pela maioria dos cultores desta matéria. Engenheiro, físico e estudioso de hermetismo, Manlio Magnani (1881-1943) pertence àquele grupo de estudiosos formado pela escola pitagórica contemporânea de Amedeo Armerntano (1886-1966) e de Arturo Reghini (1878-1946). Iniciado no Rito Filosófico Italiano, no Rito Primitivo Oriental de Memphis e na Ordem Martinista, foi inscrito na “Schola Philosophica Hermetica Classica Italica” (S.P.H.C.I.) de Giuliano Kremmerz como testemunham os fascículos e outros objetos originais da Miriam encontrados em seu arquivo. (…) Em 1928 deixou a Itália por motivo de trabalho e foi para Buenos Aires, onde ficou por alguns anos antes de transferir-se definitivamente para São Paulo no Brasil convidado por Armentano. São Paulo o hospedou até a sua morte em 1943. Na introdução bem orientada deste pequeno livro, Sestito nos apresenta então o ambiente hermético sul-americano da época ajudando-nos a colher as diferentes condições de vida de Magnani e dos poucos, mas interessantes, personagens e sodalícios com os quais entrou em contato. Destes ambientes são testemunhas as cartas e as informações, poucas mas de segura procedência, que vêem o nosso protagonista pertencer ao círculo de uma não muito bem identificada “Schola Philosophica Hermetica” – semelhante no objetivo àquela kremmerziana mas caracterizada com relação a esta última por uma colocação mais acentuadamente Órfico-pitagórica dentro da qual conduziu o seu trabalho e uma exemplar experiência terapêutica. Traçam-se assim os contornos de um esoterista com uma personalidade muito singular. Prova disto são os profundos conteúdos da coleção selecionada de ensaios, no livro apresentados nos quais o autor manifesta uma maturidade de idéias e uma intensidade de pensamento incomuns. Um erudito, então, em plena coerência com a tradição filosófica antiga, nas quais páginas não se encontra somente a exposição ordenada de um sistema, mas também um empenho espiritual “ativo” que, indo de Plotino à Gnose, das Upanishads à Kabbalah, tem ao mesmo tempo o raro valor de fornecer um quadro atento e um estímulo vital para com a dimensão da transcendência.

(O texto integral foi publicado pela revista “Politica Romana” nº. 9)

(*) Ivan dalla Rosa, nasceu em Bolzano (Itália) em 1958. Formado em filosofia em Bologna. Estudioso dos textos de Giuliano Kremmerz, René Schwaller de Lubicz e Massimo Scaligero, conhece profundamente a história do hermetismo ocidental com particular referência à sua dimensão mediterrânea aplicando-se ao estudo do pensamento filosófico hermético das origens com relação aos conceitos e às doutrinas dos autores pertencentes à assim dita Escola Partenopéia. A este propósito, dedicou-se à analise de um vasto e variegado “corpus” de fontes da idade antiga e moderna que compreendem os textos do Corpus Hermeticum, aqueles da alquimia muito antiga e aqueles dos mais credenziados mestres da modernidade. Publicou para a World Futures: The journal of general evolution, para as Edições Rebis e Política Romana artigos e ensaios sobre várias temáticas que se referem à filosofia hermética. Tendo tido como base o ensinamento kremmerziano, atualmente dedica-se à escritura de um trabalho monográfico sobre o Arcano Mágico nas doutrinas da Escola napolitana. Vive e trabalha em Bolonha (Itália).

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Indicador bibliográfico

(Algumas leituras sugeridas por Manlio Magnani) Hinos Órficos Cesare della Riviera, Il mondo magico degli eroi Paracelso, Obras completas Franz Cumont, Os mistérios de Midras, Editora Madras CORPUS HERMETICUM Enrico Cornelio Agrippa, La filosofia occulta Thomas Burgoyne, La luz de Egipto Sedir, Historia Y Doutrina De La Rosa-cruz Luigi Valli, Il linguaggio segreto di Dante e dei Fedeli d’Amore G. Meyrink, O Golem James George Frazer, The Golden Bough Lucio Apuleio, O asno de ouro Jámblico, Vida pitagórica. Madrid,Editorial Gredos Plotino, Enéadas

Ino Orfico a Igea

(Saude)

Amável e querida, Fecundadora, rainha universal,

Escuta oh bendita Igea, Que trazes felicidade,

Mãe de todos, Os males dos mortais são destruídos por ti;

Toda casa por teu mérito floresce alegre, e as artes florescem, o mundo te deseja,

oh Soberana, somente o Hades que destrói as almas te odeia,

oh sempre jovem, o desejada, Repouso dos mortais:

Sem ti todas as coisas são inúteis para os mortais, nem mesmo a riqueza traz felicidade para as festas,

e sem ti o homem se torna um velho sofredor; Somente tu comandas a todos e imperas sobre todos. Então tu, deusa, vem aos iniciados sempre protetora,

livrando da aflição dos tristíssimos males.

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Julho de 2012

O FUTURO DO BRASIL

Este artigo faz parte de uma coleção de escritos que foram publicados no livro “Supremo Vero” de Manlio

Magnani, pela “Associazione Culturale Ignis”.

Considerando-se a atual situação política do Brasil, que está se tornando uma potência mundial assim como

a China, a ĺndia e a Rússia, este artigo de 1937 pode ser considerado realmente profético.

°°°

É permitido a um filósofo da História, provisoriamente hóspede da grande República americana, exprimir as

suas íntimas convicções sobre o presente e sobre o futuro do Brasil?

Acredito que sim. E me preparo para escrever as minhas convicções porque admiro e amo o Brasil, porque

nesta terra maravilhosa e estando no meio deste povo privilegiado sinto vibrar as forças criadoras de um

imenso destino.

Há mais de vinte anos eu renunciei a publicar os meus escritos. Somente o contato com aquele prodígio de

beleza e força que é o Brasil e a clara percepção que está se formando para ele um futuro incomparável,

puderam operar em mim a profunda mudança que me induz a pegar novamente em uma caneta.

Que o leitor me perdoe a digressão e venhamos ao argumento.

+ + +

A situação mundial pode ser resumida assim:

- A Europa chegada às horas críticas da velhice está ocupada com um trabalho importantíssimo: aquele de

rejuvenecer, e as suas energias de vida operam em tal sentido com grande fervor;

- A Ásia está elaborando alguma coisa de enorme através das vicissitudes de seu próprio despertar depois

de uma milenar letargia. Está próximo o despertar, iminente; este despertar será formidável quando terá se

realizado o peso asiático sobre a vida mundial. Vive agora a vigília do completo despertar. O Japão

enquanto talvez acredite preparar uma conclusão, é ao contrário um portador, muito eficaz, de estímulos

para o despertar. A primeira a despertar será a China, depois a ĺndia, depois... enfim a Ásia inicia uma nova

era histórica;

- a América do Norte é um mastodonte consagrado ao fracasso. Colocada entre a Europa e a Ásia ela não

soube entender os seus rumos, e não soube ou não pôde nem mesmo intuir o caminho para seu próprio

destino . Mentalidade e sentimento focalizados sobre meras aparências de vida e não sobre várias

atividades e essências de vida, provará somente os esplendores fáceis de benefícios transitórios obtidos

através de reflexos de atividades históricas que continuaram a ser estranhas para ela. Nada de diferente,

nada além disto.

Porém estes três continentes representam somente um hemisfério terrestre.

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Para que um equilíbrio mundial seja possível, e para que o jogo da translação das civilizações sobre o

planeta seja completo é necessária também a participação do outro hemisfério. Agora a vida em nosso

planeta tem respiração e ritmo universais, não pode ficar localizada próxima a um só polo.

+ + +

De fato a América do Sul sente ser chamada para funções mundiais, talvez funções ainda não bem

compreendidas pelas mentes, porém pressentidas pelos povos, intuídas pelas inteligências.

Europa, América do Norte, e o agente mais ativo do despertar asiático, o Japão, apontam a atenção sobre a

América do Sul com curiosidade, interesse, prevenção e também com uma vaga sensação de temor.

Na América do Sul todo profundo observador o qual seja acostumado a considerar os fenômenos nas

causas e em seus desenvolvimentos, - e não somente nas aparências como é próprio de uma certa fácil e

vaga ciência – descobre fácilmente o férvido operar de impulsos vitais cujo jogo procede com firmeza,

fortemente e com coordenação inegável, mesmo que as aparências possam dissimulá-la ou ocultá-la. Nada

de igual se manifestou durante a formação da potência Norte Americana. Lá operavam impulsos menos

profundos, os quais depois se confundiram com aquilo que eu chamei antes de reflexo de atividades

históricas que continuaram estranhas. E por isto aquela potência será sempre instável, extremamente

traiçoeira, estéril de eficácia históricamente e mundialmente duradoura ou geratriz de eventos de ampla

potência.

O Brasil se apresenta de uma maneira especialmente típica. Para expressá-la eu me sirvo de um conceito

comum a muitos estudiosos mesmo que não seja suficientemente difundido: o Brasil é a América do Sul

inteira. Não é preciso dar às palavras um sentido comumente político; aqui falamos das forças íntimas,

profundas da vida.

Eu considero o conceito o Brasil é a América do Sul inteira por si só tão evidente que a sua veracidade não

precisa de demonstração. Então não é para dissertar sobre esta verdade evidente que eu escrevo.

Existe neste conceito muito mais; e agora peço aos homens brasileiros de pensamento um pouco de sua

atenção.

+ + +

A maravilhosa realidade que está em processo de elaboração no Brasil tem valor e sentido não somente

Sul-Americanos, não sómente americanos, mas universais.

No Brasil, e só no Brasil, se manifesta, em desenvolvimento perfeitamente observável um processo de

formação étnico-psicológico ao qual não posso, não sei encontrar confrontos.

Todos os povos – com exceção do Brasileiro – oferecem aspectos equivalentes, não obstante aparentes e

por isto superficiais diferenças, naquela que podemos considerar a nota falsa de seus desenvolvimentos.

Aqueles aspectos, por mais que sejam numerosos, nós podemos incluí-los em três categorias principais:

- relativismo e unilateralidade;

- involuntária, inconsciente escravização a correntes, tradições ou modos já estabelecidos, próprios ou

importados;

- superficialidade.

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Sem dúvida o mundo deve ao prevalecer absoluto nas nações velhas e novas de uma ou mais destas

características, a impotência para resolver as questões mais importantes e gerais, males gravíssimos do

presente momento.

Ao invés de pensar em crises econômicas ou políticas ou morais, quando consideramos o mundo atual –

especialmente nos últimos cinquenta anos – seria mais apropriado pensar em uma verdadeira insuficiência

étnico-psicológica. Cuja insuficiência foi e é a causa pela qual nenhum país e nenhum grupo político tenha

podido compreender em tempo como na base de todas as questões de hoje exista uma causa mais vasta,

absolutamente mundial, aonde encontram origem todos os problemas, questões debatidas, e aonde

fatalmente todos precisam ser resolvidos. A falta ou até mesmo somente a imperfeição de uma tal

compreensão inibe que se possa inventar meios aptos para as soluções adequadas.

Nos momentos mais solenes e trágicos da história verificou-se o aparecimento de um novo explendor de

vida e de civilização, justamente quando entre os povos competidores, um se manifestou capaz de sentir

mais universalmente, e então capaz de levar-nos para as suas concepções e para os desejos ousados para

um ponto mais longe, para uma ordem mais geral de todos os particularismos e relativismos conhecidos.

A origem e o estabelecer-se das grandes épocas sucessivas de civilização na história da humanidade, vos

demonstra a exatidão deste princípio. As civilizações de Roma, Grécia, Egito, Pérsia, Extremo Oriente, todas

foram sempre assim. Até mesmo a salvação da qual desfrutou a Europa no final da Idade Média, e que

conduziu depois às possibilidades da grandiosa América, deve-se justamente ao repetir-se do mesmo

fenômeno.

Ora, aonde encontrar hoje as possibilidades de uma tal elevação? do surgir de uma visão apta a atingir a

base mais profunda dos fenômenos? do surgir de inteligência e vontade de ação capaz de traçar o sulco no

qual curso possa e deva desenvolver-se um novo ciclo de civilização?

Todas estas possibilidades eu as vejo no Brasil, na nação Brasileira.

+ + +

Um complexo processo étinico-psicológico muito amplo para poder ser descrito em um artigo - , que se

desenrola no Brasil, favorecido extraordinariamente pelas condições naturais e geográficas, é “substância”

da minha fé e “razão” das minhas afirmações.

A atenção que pedi pouco antes aos homens Brasileiros de pensamento, eu gostaria que fosse direcionada

a observar melhor o quanto a inteligência e o sentimento brasileiros estão forjando lentamente sob este

sol quente em meio a uma exuberância verde e florida da natureza muito bonita. É um fluir de pensamento

e de sentimento em ritmos sempre mais amplos, em ritmos que vão longe e se alargam em distâncias

infinitas como as ondas do mar agitado. E não obstante fica, como diria o antigo Poeta, “fixo em seu

centro”, isto é fixo em uma maravilhosa unidade fundamental, básica.

As improvisações modernas de todo gênero, especialmente aquelas da economia, da técnica e da literatura

e dos costumes, em uma palavra as modernas improvisações da vida artificial, chegam aqui também, assim

como em todos os lugares. Os fantasmas antigos e novos também estão presentes aqui assim como em

qualquer outro lugar. Não se fala das coisas mais profundas, mas delas não se fala em nenhum lugar do

mundo. A alma Brasileira não é seduzida pelas improvisações nem pelos fantasmas. É a única a não sofrer

esta sedução. Por que?

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As coisas mais profundas, isto é a realidade do espírito e as verdades essenciais da vida, aquelas que agora

não encontram uma maneira para expressar-se na filosofia ou na arte, agem na alma Brasileira, lhe dão a

virtude de aproximar-se do novo e deter-se sobre o antigo com um senso de jogo, um senso de senhor que

sabe ou sente de não estar ligado nem a um nem ao outro, que sabe de ser sí mesmo e naquele ser sí

mesmo está pressentido todo o futuro.

Qual futuro?

Analisem profundamente o sereno olho do brasileiro, o jovem ou o velho, indaguem o secreto vigor

espiritual que está no profundo de sua alma, e poderão adivinhá-lo. A profundidade e a vastidão da

descoberta se revelarão com um senso de universalidade.

E isto nos garante que no Brasil de hoje começa o mundo americano de amanhã.

São Paulo 22/IX/1937 Manlio Magnani

Amadeu Rocco Armentano

Nasce em Scalea (Itália) no ano de 1886. Músico, filósofo, mestre oculto da “Scuola Italica”, iniciado em Florença nos graus da Maçonaria Simbólica e em Roma nos elevados graus do Rito Escocês Antigo e Aceito, membro do Supremo Conselho e fundador, juntamente com o filósofo pitagórico Arturo Reghini, do “Rito Filosofico Italiano”. Foi doutor em hermetismo membro da “Società Alchemica Italiana”, da qual também fez parte Giuliano Kremmerz.

No ano de 1924 transferiu-se para o Brasil e foi recebido pelas maiores instituições maçônicas de São Paulo. Em 1927, para sanar uma cisão criada no Grande Oriente de São Paulo, foi encarregado pelo Supremo Conselho dos Kadosh de presidir uma comissão de pacificação, que assumiu a tarefa de acabar com o desacordo.

No arquivo histórico de Armentano está conservada interessante documentação, que a Fraternidade Hermética se propõe a classificar e publicar tão logo possível. Reproduzimos aqui ao lado a capa do “Manifesto” que o Grande Oriente de São Paulo imprimiu no ano de 1928 por razão do acordo conseguido.

Armentano foi um hábil compositor e suas músicas foram publicadas pela “Ricordi” brasileira. Fundou em Mogi das Cruzes o conservatório Santa Cecília.

Em São Paulo foi amigo e conselheiro espiritual de Manlio Magnani, que introduziu no Brasil em 1930 a Fraternidade Hermética, fundada em Buenos Aires pelo hermetista italiano no ano de 1928.

Armentano foi amigo das maiores personalidades artísticas e esotéricas de seu tempo, de Papus a Guénon, de Giovanni Papini a Arturo Reghini, seu discípulo. A sua obra “Massime di Scienza Iniziatica” foi publicada na Itália pela editora “Ignis”.

Morreu em São Paulo no ano de 1966.

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Agosto de 2012

Tudo o que pode impedir o desenvolvimento espiritual

Entre os valores humanos e o desenvolvimento iniciático existe uma diversidade que pode ser resumida na

seguinte imagem: se para os valores humanos existem infinitas direções horizontais, para o

desenvolvimento espiritual existe só uma direção vertical.

Colocando no alto o céu ou seja o espírito e embaixo a matéria e o corpo, adota-se o símbolo da linha

vertical para exprimir o modus vivendi iniciático; efetivamente é suficiente, sobre esta única direção

vertical, distinguir os dois sentidos, aquele descendente da “queda” e aquele ascendente da “ascensão”.

Assim fazendo o símbolo indica um radical antagonismo entre as duas tendências e atitudes de vida.

A vida espiritual não consiste somente no imitar a natureza, ocorre ajudá-la com o rito e com a arte.

Antigamente não se pensava que o desenvolvimento espiritual de cada um dependesse de uma exaltação

dos valores humanos e da mudança do homem comum em homem bom e melhor. Tratava-se não de

prolongar a fase humana da vida mas de terminá-la. A iniciação marca o início de uma vida nova e

consequentemente o fim e não a continuação e o melhoramento da velha.

§ § §

Entre o organismo corpóreo e a consciência existe um vínculo em virtude do qual, mesmo que se

teóricamente o corpo pudesse viver autônomamente, este exercitaria de fato uma sua ação sobre a

consciência.

O organismo subsiste e vive em virtude de uma contínua troca à qual ocorre prover para nutrí-lo, defendê-

lo e conservá-lo. Mas cada organismo vivo quer antes de mais nada viver e sobreviver.

A consciência é continuamente empurrada por este profundo desejo de vida para ganhar um modo

decente de existir.

Não obstante os esforços e as lutas o indivíduo é no final destinado a morrer e mesmo quando tenha

consciência não desiste da luta pela vida.

Aquilo que é importante relevar é que esta inexorável lei tem como efeito o exercitar um chamado muito

forte sobre a consciência, vinculando-a às condições e ao plano material de vida. Isto determina a

identificação e a limitação da consciência na consciência individual orgânica polarizada para o externo.1

Esta exasperação da consciência e da sensibilidade corpórea para o mundo externo e as necessidades da

vida comum acontece quase sempre prejudicando parcial ou totalmente a sensibilidade e as percepções de

ordem diferente e superior. Qualquer atenção é acompanhada e diremos quase possível por uma

concomitante desatenção. A atenção voltada, através dos sentidos, para a vida e para o mundo exterior é

acompanhada por uma desatenção pela vida e o mundo interior.

1 Na verdade é a única consciência da qual nós temos “consciência”.

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As exigências da vida física desenvolvem e afinam os sentidos e a inteligência, mas não desenvolvem a

espiritualidade. Pelo contrário, a férrea necessidade da adaptação ao ambiente comporta o ocultamento e

a perda da sensibilidade espiritual.2

Ocorre perceber o estado das coisas, ocorre afastar a consciência do instinto natural, livrar-se do hábito de

sentir a vida na forma exterior. Não é uma coisa simples urta-se na incompreensão de todos.3

Reconhecida a antítese radical entre as condições e as exigências da vida física e aquelas da vida espiritual,

ocorre decididamente fazer marcha ré.4

Não se trata mais de resolver o atormentador problema da vida quotidiana, mas de enfrentar o mistério da

vida eterna; é necessário que não se viva mais para os outros e se comece a viver para o si interior (não no

sentido egoísta, mas no sentido altruísta, porque aprendendo a amar o próprio si aprende-se a amar o

tudo). O início da vida espiritual consiste portanto no interiorizar-se, no fechar-se.

Se retornamos ao simbolismo da linha vertical, o símbolo nos diz imediatamente qual é a vida a ser vivida:

parar de descer, de cair e começar a subir, a ressurgir.

Existem várias vias para a percepção da realidade interior. A via régia é aquela tradicional da arte e do rito.5

Mas nem mesmo a arte régia pode fazer desaparecer o contraste entre as condições e as exigências

peculiares das duas atitudes de vida: tal contraste pelo contrário acentua-se necessariamente em algumas

operações do rito que requerem isolamento e tranquilidade especiais. E o isolamento e a tranquilidade são

necessários para alcançar a condição de silêncio interior.

Em tais casos o contraste com o ambiente externo é tão forte e as reações são tão imprevisíveis que é

aconselhável prevení-las evitando de colocar os outros em condições de dizer coisas e emitir sentenças

contra as quais não se pode rebater absolutamente nada.

2 Ocorre que se esclareça aqui em que consiste esta adaptação ao ambiente para a vida espiritual. Neste entra o

ambiente de trabalho e o ambiente de família especialmente quando ambos sejam afins e voltados quase

exclusivamente para os valores materiais da vida. Em tais casos a oposição é tão radical e profunda ao ponto de

constringir o noviço que começa uma prática iniciática a ter que fazer escolhas até mesmo dolorosas, mas necessárias

para a continuação de uma ascensão espiritual.

3 Reforçando o que foi dito na nota precedente este livrar-se do hábito comporta consequências, pelo menos no

início, muito pesadas sobre a vida de todo dia: da incompreensão total de todas as pessoas (incluídos os familiares)

que se frequentam, até o rompimento (casamentos tediosos que acabam, relações com pais e filhos que perdem o

interesse etc.) e isto porque esta fase preliminar coincide com o trabalho mais duro da prática ritual, aquele da

purificação.

4 Trata-se na maior parte dos casos do momento mais difícil, porque coloca-se em discussão o próprio passado e no

momento da autocrítica mais radical percebe-se que só nós mesmos somos responsáveis por aquilo que nos acontece

e que o nosso futuro depende só de nós.

5 Falamos óbviamente de vias mágicas e esotéricas excluindo aqui qualquer envolvimento de caráter religioso ou

místico que não entra no nosso gênero de estudos e de práticas. Chama-se rito o trabalho organizado por uma Escola

e entende-se por arte a disciplina aplicada por um discípulo sob a guia de um Mestre.

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GIULIANO KREMMERZ E A ESCOLA HERMÉTICA

Este escrito não pretende ser uma das muitas biografias de Giuliano Kremmerz ou uma história da

Fraternidade terapêutica mágica de Myriam ou da “Schola Philosophica Hermetica Classica italica”, mas

propõe-se apenas a realçar o significado da obra deste Iniciado, tentando mostrar a maneira na qual a

idéia e a tradição hermética encarnaram-se nele.

Ciro Formisano, nascido em Portici no dia 8 de Abril de 1861, após a aprendizagem sob a orientação de Izar,

entrou quando tinha vinte e cinco anos na “Ordine Osirideo Egizio”. E foi precisamente Pasquale De Servis,

Izar, que apresentou Ciro Formisano, em 1886, a Giustiniano Lebano, o depositário do Grande Oriente

Egípcio ou Grande Ordem Egípcia.

Em 1893 De Servis deixou a vida terrena e Ciro Formisano, o futuro Giuliano Kremmerz, prosseguiu a sua

evolução dentro do círculo de Giustiniano Lebano, o qual, mesmo tendo compreendido o seu grande poder

iniciático, percebeu também o seu caráter exuberante e a sua inclinação absoluta para o uso pro salute

populi de tudo aquilo que aprendia.

O relacionamento entre Lebano e Formisano foi bom até 1897, e isto permitiu que fosse aprovada em 20 de

março de 1896 na Grande Ordem Egípcia a primeira idéia de “Schola Ermetica” com finalidades

terapêuticas; o primeiro esbôço de tal idéia se tornará em um segundo momento a Fraternidade

Terapêutica-Mágica de Miriam.

De 1896 a 1899 Formisano, que a partir deste momento se apresentava como Giuliano Kremmerz, publicou

os fascículos do Mundo Secreto.

Nestes fascículos ele começou a expor as bases elementares da doutrina hermética. Sentia dentro de si que a herança hermética deveria apresentar-se de maneira conforme aos novos tempos e ao novo nível de evolução da humanidade, e que a própria Tradição Hermética não podia mais ser herança de círculos restritos detentores de uma transmissão documentária, mas que deveria ser exposta inteligentemente, com a finalidade de chamar para si os homens de boa vontade. O temor de ver profanadas e dadas ao povo as verdades sagradas da Tradição fez com que o relacionamento entre Lebano, alguns de seus discípulos e Kremmerz sofresse as consequências. Nos escritos presentes no Mundo Secreto e sucessivamente, de 1899 a 1900, nos Fascículos da publicação A Medicina Hermética, se nota ainda, se lidos atentamente, uma visão da Tradição, ligada aos esquemas derivantes do material iniciático da Escola Hermética Napolitana. No primeiro fascículo da Medicina Hermética ( julho de 1899 ) ele expõe porém o primeiro pacto de constituição da Fraternidade Terapêutica Mágica de Miriam colocando como única finalidade desta Fraternidade a Terapêutica e no Mundo Secreto de setembro publica um primeiro regulamento de 42 artigos, com a finalidade de disciplinar o funcionamento da Escola. Ele, sucessivamente, faz aprovar pela Grande Ordem Egípcia a Pragmática Fundamental da “Schola Philosophica Classica Italica” – Fraternidade Terapêutica Mágica de Miriam. (22 de dezembro de 1909). Em 1910 desaparece da vida terrena Giustiniano Lebano e aparece a obra, talvez a mais significativa, de Kremmerz: A Porta Hermética. Esta obra tem que ser considerada como o Manifesto de uma nova Escola, de um novo modo de expressão da Tradição Única. Com este “Manifesto” Kremmerz não assume o papel de transmissor “ortodoxo” dos documentos iniciáticos da Escola Hermética Napolitana, mas cria as bases para uma nova expressão da própria Tradição. Então todas as polêmicas com respeito ao fato de que Kremmerz possa ou não ser considerado um continuador do Grande Oriente Egípcio, não tem mais sentido. Ele, nutrido pelo hermetismo de matriz egípcia e napolitana, evoluiu até sentir dentro de si o chamado das Inteligências da Tradição, que fazem dele um instrumento para renovar o modo no qual a própria Tradição precisa manifestar-se na humanidade.

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Kremmerz escreve na Porta Hermética: “ Eu sou o espírito do tempo e falo sobre a procura da verdade na ciência humana com a liberalidade que o critério moderno aconselha. [...] E digo com o bom senso itálico, com aquele bom senso medíocre que todos possuem, que a via justa, despida de qualquer propósito sectário, deve ser indicada para os pesquisadores da verdade. Filósofos palavreiros, e cientistas com limitados sentidos indagativos, precisam deixar o lugar para uma escola racional de cultura que indicará a via para o povo para que marque o limite no qual o filósofo deve fundir-se ao cientista e caminhar para a conquista da verdade pro salute populi”. Na pág. 20, da obra “A Porta Hermética”, Kremmerz continua: “ Eu fundo nesta noite na sua casa da Esperança esta Escola Integral Itálica”. Eis a fundação de uma nova Escola, de um novo suporte para uma nova expressão da Tradição. Com esta ação ele se destaca de uma forma cristalizada da Tradição, para colher desta o sentido imutável, vital e transmití-lo e colocar em prática um “experimento” de aplicação da Ciência Hermética para a saúde do homem. Kremmerz escreve na pág. 71: “ *…+eu espero que a escola hermética integral possa criar ou propiciar uma tentativa de milagre sem templo, pro salute populi. E digo brevemente. Da integração pode-se obter tudo, o bem e o mal. É sabido porém que aqueles que se dedicaram às boas

práticas fizeram somente o bem. É lógico. Obtendo progressos, intelectuais e psíquicos, não se pode

conceber o mal, não se saberia praticar o mal, o qual é uma concepção restritiva da natureza e uma baixa

fisionomia do Universo. Por isto os Rosacruzes tradicionais foram praticantes da taumaturgia e foram

taumaturgos todos os grandes iniciados nas ciências sagradas. Uma escola de integração não é possível sem

uma finalidade de realização e a finalidade, uma finalidade de nobre caridade civil, é o fazer convergir as

forças ocultas, que se integram em nós, com o objetivo de aliviar os sofrimentos humanos”.

Este trecho é importante seja porque define uma finalidade prática na humanidade, seja porque recorda o

verdadeiro sentido da missão dos Rosacruzes, dos verdadeiros e invisíveis Rosacruzes.

Este è o grande ideal que Giuliano Kremmerz precisava realizar.

Nos anos seguintes a 1910, ele tentou criar uma estrutura que pudesse encarnar este alto Ideal.

Conseguiu em parte, com a criação das Academias. Ele mesmo dizia que não queria ser lembrado como um fundador de Academias. Em 1911 a “Schola Philosophica Hermetica Classica Italica” tinha quatro Academias, A “Vergiliana” de Roma, dirigida por Pietro Bornia, a “Pitagora” de Bari, fundada por Alberto Russo Frattasi e dirigida pelo advogado Vignali, a “Porfiriana” de Taranto, dirigida por Giuseppe De Carlo, a “Sebezia” de Nápoles, dirigida por Di Martino. Estas Academias eram unidas em duas circunscrições: a do Sul foi entregue a Giacomo Borraci e a do Norte a Luciano Galleani. Logo após foi constituída também a Academia “Giuliana”, dirigida por Alfredo Carreras. Mais uma vez porém houve, como sempre na história, a dificuldade de se manter pura a expressão da Tradição, no momento em que esta se encarna em um suporte. Como sempre os homens prestaram maior atenção à estrutura do que ao Ideal que esta encerrava e encarnava. Mas, apesar de tudo, a tentativa tinha que ser feita. Esta sua Obra, a serviço da mais pura Tradição, não foi aceita pelos sucessores de Giustiniano Lebano, que não reconheceram nela a renovação necessária da expressão e da ação da própria Tradição e se preocuparam com o fato de que as verdades sagradas fossem profanadas, das quais eles se consideravam os legítimos herdeiros. É justo que exista o medo da profanação das Verdades Sagradas, mas isto não deve levar a um endurecimento cristalizado da forma na qual se exprimem, porque este fato impede o correto fluir da Tradição. A Tradição verdadeira, justamente, como a Vida, escorre e não pode ser considerada propriedade exclusiva de ninguém e, mesmo que se preste atenção para que não aconteçam profanações, não é possível obstacular o seu fluxo. Alguns acontecimentos desagradáveis, devidos ao limite dos homens impulsionaram o próprio Kremmez a

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abandonar a Itália em 1912; ele se transferiu para Beausoleil, na França. Com a chegada do governo fascista, as Academias tiveram que ser fechadas ou colocadas em sono. Giuliano Kremmerz escreveu outras obras depois da Porta Hermética; em particular modo recordamos os fundamentais Diálogos sobre o Hermetismo, escritos durante os últimos anos de sua vida terrena. No Prefácio desta obra, em março de 1929, um ano antes de seu falecimento, ocorrido em 7 de maio de 1930, ele exprime este desejo, válido ainda hoje: “Eu desejo somente uma coisa: que os estudiosos de Hermetismo mágico, italianos, não se separem, não se dividam, não combatam entre eles com polêmicas áridas, mas que se sintam filhos da grande arte (uso uma fórmula e um atributo comum nos escritos dos alquimistas) e sejam unidos com amor entorno do delicadíssimo ponto da procura pela ciência mais humana que o homem jamais possuiu. O Hermetismo, a magia, a filosofia das forças ocultas não se reduzem a simples erudição nem a exercícios verbais e oratórios. É preciso conquistar, possuir, conservar, assim como a Esfinge, para depois doar aos pobres da Ciência e da Arte quando estivermos prontos para o sacrifício de nos sentirmos nobremente pródigos”. Esta última frase, que foi colocada em cursivo é de fundamental importância, para que se compreenda a Obra realizada por Kremmerz. Ele dedicou toda a sua vida para a realização daquela Escola Integral, que deveria encarnar o alto Ideal da nova expressão da Tradição. Temos que ser agradecidos a Kremmerz por tudo aquilo que nos transmitiu, mas acredito também que nesta época, após cem anos da publicação da Porta Hermética, nós estamos diante de um desafio: tentar superar todos os obstáculos causados pelos egoismos pessoais, sair dos esquemas de falsas ortodoxias, que muitas vezes escondem somente cristalizações egoistas, e tentar colher aquela pureza e aquela Luz, que esperam somente encontrar um suporte adapto para que possam exprimir-se novamente entre os homens. Será que conseguiremos nesta época encontrar a medida certa, para consentir à tradição de operar na sociedade, sem que existam profanações e desvios? Conseguiremos ser “inteligentemente abertos” e permitir que a tradição escorra como linfa vital? Este é o desafio. (FDA)

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Setembro de 2012

Giuliano Kremmerz e a religiosidade grego-romana

Falar sobre a figura, e sobre a obra humana e magistral de Giuliano Kremmerz, nome iniciático de Ciro

Formisano, com relação a espiritualidade que em Pitágoras, em Platão, encontrava na doutrina dos

mistérios antigos os seus eixos essenciais de referência, não é fácil, sobretudo por causa das

incompreensões às quais podemos estar expostos. Portanto, nas breves análises que desenvolveremos,

serão evidenciadas não somente as afinidades de um sentir comum, mas também as devidas diferenças

entre a dimensão mágica e aquela religiosa conhecida como pagã.

Partiremos evidenciando que em diferentes pontos da sua obra escrita e em particular nos “Diálogos sobre

o Hermetismo”6 o hermetista de Portici quis muitas vezes sinalizar o fato de pertencer a uma identidade

ancestral da Tradição espiritual Itálica e Romana, muitas vezes colocando-se propositalmente em contraste

com os fanatismos exóticos de um espiritualismo suspeito do final de 1800 e dos primeiros anos de 1900:

“Como italiano eu me orgulho de operar italianamente e romanamente, no sentido de coordenar toda a

parte realmente importante desta filosofia, para resgatar o nosso primado de pensadores da hegemonia

das invasões de falsos teólogos estrangeiros, que vem na nossa terra para trazer o verbo construído com

interpretações ainda mais manipuladas com mentalidade que não é aquela latina, não é itálica, não é clara,

impondo-nos comentários a teorias filosóficas orientais que não são as nossas, claras, límpidas, cristalinas,

aptas a entender o pouco conhecimento religioso de outras latitudes e longitudes”.

Nesta ótica, alguns estudiosos definiram o hermetismo de Kremmerz pagão. As referências em tal sentido

não são poucas nem de modesta importância, justamente para indicar uma real comunhão com a sábia

herança destas civilizações antigas. Neste sentido, tem que ser notada a profundidade dada seja à iniciação

órfica seja ao ensinamento pitagórico:

“O nosso círculo é Círculo Pitagórico. Pitágoras ensinava que a vida deveria ser vivida com a positividade da

realização. Queria que a imagem da evolução humana caminhasse em direção de um estado de paz

absoluta que talvez pudesse chegar até à compenetração da vida dos seres animais”.

Daquilo que se entende da “Opera Omnia” de Kremmerz7 nas páginas reservadas à purificação hermética, o

pitagorismo assume na prática ascética e terapêutica uma primária importância. O que está indicado com

respeito à denominada neutralidade mágica, isto é dissolver da alma os vínculos do corpo, os vínculos

passionais e de herança genética, pode ser tranquilamente colocado com relação a todas aquelas práticas

da ascensão nas antigas Escolas de Crotone, de Metaponto e de Taranto.

6 Texto do qual pegamos, por simplicidade e homogeneidade, todas as citações de Kremmerz neste artigo.

7 A publicação desta obra está sendo preparada no Brasil. O primeiro volume “A Ciência dos Magos” estará disponível

brevemente nas livrarias, e será publicado pela editora Incógnito: http://www.editoraincognito.com.br

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Além disso, não é casual, lendo alguns estudos sobre o tradicionalismo itálico do século XX, como o ótimo

ensaio de Fabio Giorgio “Roma Renovata Resurgat” editado pela “Settimo Sigillo di Roma”, mas também de

outros pesquisadores, uma contiguidade entre alguns pertencentes da Fraternidade de Myriam de Giuliano

Kremmerz e alguns pertencentes à “Schola Italica” de Amadeu Armentano e Arturo Reghini.8 Continuando

na mesma linha de raciocínio, não podemos não reconhecer uma profunda ligação ideal que Ciro

Formisano teve com a civilização romana, compreendida não somente em seu significado histórico, mas

sobretudo em toda a sua importância de Idéia imortal de Civilização Solar.

Além de tudo ele não deixou de lado a importância do Nome Secreto da Cidade Eterna e a importância do

sagrado direito que nela é reconhecido, como ato normativo de civilização dos povos, talvez pela primeira

vez na história da humanidade:

“...a religião romana na sua integração era parte das funções estaduais, como um dever público...É um

ritual da iniciação latina que deu ao ocidente, como recordação da sua potência divina, o nome oculto da

cidade sagrada, não mística, sagrada no sentido profundo porque tinha conhecimento sobre o Homem,

muito antes que a peste de origem oriental alterasse a visão da Verdade Eterna.”

Em tudo isto, não poderíamos não enfrentar a chegada do cristianismo no ocidente clássico, evento, que

como confirmará o próprio Kremmerz, representará uma verdadeira pandemia de involução da civilização

grego-romana:

“A missão de transformar o homem de lobo voraz em doce cordeiro, foi dada ao cristianismo, o responsável

absoluto pela vitória dos povos bárbaros sobre o mundo romano e de uma longa e obscura noite medieval,

na qual a loucura e a ignorância envolveram a grande Europa em um estado tal de esterilidade intelectual

que um silabário parecia uma obra de arte.”

A este ponto é oportuno enfrentar um aspecto delicado do ensinamento hermético Kremmerziano, o qual,

de acordo com algumas escolas mágicas do século IX e com grandes expoentes das mesmas, como por

exemplo Eliphas Levi, apresenta uma série de simbologias e de práticas que reconduziam a uma ritualidade

não somente pitagórica, caldéia e egípcia, mas também cabalística e cristã.

O Hermetismo por sua íntima natureza tem uma dimensão absolutamente diferente com respeito à

qualquer culto religioso, seja este pagão, monoteísta ou meditativo.

Toda a Humanidade é UMA. Assim como UM é o sol pêgo como fonte de luz e de vida de todo o universo

solar. Em consequência um é Deus, porque é o criador e o criado, isto é a síntese personificada de tudo o

que é visível, Um, Universo. Se a dicotomia religiosa tem sentido em um nível de fé e de culto, o perde,

absolutamente, no campo da prática hermética, aonde não nos confrontamos com um antropomorfismo

sagrado e emocional, mas com forças no estado puro, que são evocadas com técnicas que a Tradição

Ocidental usa não como crença, mas por eficácia energizada e acumulada durante os séculos.

Acreditamos, por outro lado, que se observássemos com atenção a estrutura sagrada do Antigo Egito,

através dos preciosíssimos estudos do egitólogo simbolista Renè Schwaller de Lubcz e de sua mulher Isha,

poderíamos compreender como tais dimensões, aquela do culto e aquela iniciática, sejam

8 Quanto a alguns personagens que trabalharam seja com a magia terapêutica, seja com o pitagorismo itálico,

assinalamos a singular personalidade de Manlio Magnani, que em seu texto “Supremo Vero” contém uma

interessante introdução de Roberto Sestito, com divulgação de um certo valor sobre a vida e os relacionamentos

herméticos de Magnani.

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hierárquicamente e organicamente compreendidas na unidade do Sagrado e no reconhecimento da

presença real dos Deuses.

Enfim, o que podemos compreender do pensamento de Kremmerz quanto à religiosidade grego-romana?

Nós agora ofereceremos a nossa resposta, que é justamente pessoal e então parcial, que não deve ser

universalizada, porque cada um precisa construir o próprio percurso, em total liberdade e sem

condicionamentos. Este é o ponto de partida e em seguida nos confrontaremos com a nossa própria

vontade e com as nossas próprias qualidades. Aqueles que conservam Oro Alchemico9 na própria mineira

poderão subir da base até o vértice da pirâmide, que é uma conversão do multíplice na Unidade,

conquistando a alquimia vegetal daquela Força, que como ensina justamente Kremmerz, informa o

Universo inteiro.

Então manter o máximo possível a neutralidade interna, a liberdade de juízo, dos ipse dixit, para que se

possa manter longe de qualquer dogmatismo obtuso, seja ele cristão, islâmico, pagão. O mal da

modernidade é multiforme e esconde-se atrás da falsa dicotomia dos dogmatismos contrapostos.

Giuliano Kremmerz e a espiritualidade clássica nos oferecem as armas para ver além do aspecto formal,

para descobrir no profundo a modernidade, que é homologação, escravidão, sonambulismo:

“Quem pode afirmar que o auge do progresso humano não foi alcançado em épocas muito distantes? E que

a tradição religiosa de um pecado de origem ou de uma prevaricação, não seja a típica acusação feita a

estes distantes progenitores que lançaram no abismo o mundo no qual viviam, ignorando a possibilidade de

destruição da onipotência que possuíam por causa da inconsciência do orgulho?”

Luca Valentini

HERMES – HERMETISMO - ESCOLA HERMÉTICA

1 – Hermes.

Atualmente os estudos sobre as forças emanadas pelo organismo humano e sobre os estados da

mentalidade que acompaham e que precedem ou seguem os fenômenos assim ditos psíquicos,

progrediram muito, considerando o servilismo da consciência religiosa de alguns e da negatividade das

pessoas mais cultas e de fama indiscutível, no aceitar novidades científicas que destroem métodos

considerados ótimos até hoje.

Muitas palavras novas foram construidas para poder indicar estas ou aquelas variedades de

manifestações, enquanto que a descoberta da lei, nos limites da qual os fenômenos se realizam, está

longe de ser uma conquista concreta.

Sem a bagagem moderna de vocábulos e de experiências ordinárias, até poucos séculos atrás esta era

matéria de uma escola filosófica misteriosa e curiosa que se proclamava hermética.

Na palavra que qualifica esta filosofia, encontro os atributos de seus meios de pesquisa e de realização:

hermes é o Mercúrio alado dos Fenícios e dos Romanos; a palavra hermes talvez tenha sido pêga pelos

9 Em italiano no texto.

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Gregos do “huerma” hebraico porque tal palavra significava sutileza, astúcia, sagacidade, e Mercúrio nas

características antigas era astuto e sagaz, embaixador dos Deuses, e a origem vem do hebraico marcor,

comércio, e então o traficante que sabe enganar com atúcia, ladro.

Corresponde ao Anubi egípcio10 desenhado com a cabeça de cachorro, para indicar vulgarmente a

Constelação da Canícula, para indicar hieraticamente as qualidades vigilantes e sob um determinado

aspecto, com uma serpente que se retorce no próprio corpo, do Oriente esch-caleph, vir canis; Esculápio

também era considerado inventor da medicina e guardião da vida.

Então Hermes, Anubi, Mercúrio, Esculápio, indicavam a mesma propriedade mental que nos une à

verdade dos céus antropomórficos divinos das religiões simbólicas do passado.

Na linguagem grega hermes é mercúrio é Templo11: a faculdade de interpretar chamava-se ermenìa e

ermeneus o intérprete; ermeneuo significa ensinar, ermoglifi: a arte do estatuário, a escultura, isto é a

expressão plástica das formas mentais. Ermeneutica é a interpretação dos livros sagrados antigos.

Então filosofia hermética foi a filosofia sutil, capaz de interpretar e fazer manifestar o hermes, então

ciência por excelência, que penetra na parte mais misteriosa do nosso campo mental, e hermetista

chamou-se o artista que colocava em prática e realizava os predicados da ciência hermética como ciência

sutil a ponto de acreditar que fosse divina.

Basicamente, hermes é o intelecto da força que diviniza o homem. O poeta nos momentos de inspiração

(istros=furor) – o matemático que resolve problemas dificílimos – o físico que encontra uma lei e a prova

– um orador que seduz uma assembléia – um músico que encanta os seus ouvintes – são manifestações

do hermes, intelecto sutil das mais altas pulsações hiper-cerebrais.

A filosofia hermética é a ciência que procura este deus inatingível e o fixa.

Assim todas as utopias do bem, do divino, do altíssimo, são matérias herméticas.

O Hermes vulgar é o Mercúrio traficante que se manifesta na necessidade de adaptação da vida ao

ambiente, o Hermes filosófico, o Mercúrio generoso que sobe até o Olimpo aonde os deuses se divertem,

e procura – se for possível – o elixir da longa vida e a transmutação do chumbo em ouro.

O hermes vulgar dá o sucesso da vida prática, o bom cidadão utilitário, respeitado, enriquecido, muitas

vezes condecorado e premiado. O Hermes filosófico ou dá o telégrafo sem fio ou o avião ou abre a porta

do manicômio.

Eu disse que todas as utopias generosas são herméticas, porque todas as utopias que hoje, são voltadas

para um ideal de bem, e que não o alcançam, se tornarão a realidade do amanhã. A história de todas as

civilizações está repleta destes exemplos; assim os povos conquistaram a liberdade de consciência, assim

foi inventada a máquina a vapor, assim a utopia da paz sobre a terra reinará entre os povos e se tornará

carne e realidade.

10

Plutarco o chama Hermanubi, e refere que foi filho adúltero de Nefte, esposa de Typhon, e de Osíris. Quando Ísis

soube do abandono do menino, procurou-o e criuou-o e Anubi tornou-se o guardião da Deusa, da mesma maneira

que os cães protegem o homem. Vigílio o chama latrator.

11 Ερμή-ου =Hermes Eρμήσ-μειυν = Templum

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No Hermetismo, simbólica fonte de verdade absoluta e relativa, todos podem procurar a realização do

próprio desejo; quanto mais alto é o objetivo, mais nobre é o Hermes que o propicia.

1 – continua

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Outubro de 2012

Aforismos

Estes Aforismos fazem parte da “Opera Omnia” de Giuliano Kremmerz (ed. Italiana, traduzidos em português por E.A.).

Iniciação: Iniciar quer dizer começar. Initium, princípio. Para este início ninguém dá um fim. Porque o arcano é de uma natureza tal que quem o viu de perto não pode comunicá-lo. (I,10). A palavra initia indica também um movimento para o interno.

Programa hermético: A preparação para o poder mágico ou para o hermetismo puro e simples é de caráter diferente: o seu programa pode ser explicado em poucas palavras: fazer com que os poderes integrativos do intelecto humano (vontade) tenham o domínio absoluto do invólucro animal para torná-lo um servo obediente e pronto para obedecer a autoridade psicodinâmica que existe em nós; purificar-se de todo obstáculo ao exercício livre da vontade inteligente sobre o corpo, instrumento necessário à vida humana; livrar-se de todas as necessidades. (II,92)

Educação hermética: o seu pensamento age com tanta segurança sobre o corpo que se você tiver a paciência de exercitar-se poderá usá-lo de acordo com a sua vontade. Você não terá medo de doenças, nem de contágios, nem de desordens orgânicas de nenhum tipo. Será suficiente pensar querendo, com segurança no comandar, que aquela determinada coisa em seu organismo não aconteça. Esta é educação hermética. (II, 110)

Purificação: O hermetismo se abre somente para as consciências já livres de todos os fatores obscuros, baseadas em uma moral pura, não ofuscada por nenhuma paixão, nem mesmo pelo preconceito da própria infalibilidade. A chave mestra do conceito educativo da própria personalidade está justamente nesta purificação da consciência da névoa da convenção humana. (II,159-160)

Regime de vida: Colocar-se em condições de grande equilíbrio físico e intelectual, com um regime de vida sóbrio, sem esforços que possam conduzir ao ascetismo, observar em silêncio, no sagrado silêncio que separa o adepto da vaidade da palavra, não é uma coisa muito difícil. Fazendo assim propicia-se em vocês o desenvolvimento da inteligência hermética, isto é o poder sutil e penetrativo da mente humana que se aproxima da realidade existente nas coisas que chamam a atenção dos nossos sentidos humanos [...] Nebo, Hermes, Mercúrio, Lúcifer, Espírito Santo são sinônimos do mesmo estado de ser da inteligência humana cujas leis secretas ainda são desconhecidas pelos homens. (II, 224).

1-continua

HERMES – HERMETISMO - ESCOLA HERMÉTICA

II – A medicina hermética

As forças ocultas, isto é não manifestadas, que tem origem no organismo humano, herméticamente e

idealmente podem ser dirigidas e adaptadas para as mais diversas direções. A magia, em seu conceito

osirideu, teve que ser concebida como o estado completo de possessão hermética, porque foi sinônimo de

ciência por excelência a qual não encontrava nenhuma realização que para ela fosse impossível. Mas para

que as coisas sejam reduzidas à singular pobreza dos casos práticos, é necessário que qualquer pessoa que

queira estudar dentro de si e fora de si esta aplicação de suas faculdades, que não sejam vulgarmente

estudadas, se proponha um objetivo a ser conseguido.

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A nossa Escola (S.P.H.C.I.) uma vez que se determine em seus discípulos um movente de ação e um controle

de experiência, se ocupa somente de Medicina Hermética.

Esta Medicina Hermética ou Divina (ou seja a qual dá origem aos poderes divinizantes do homem) existe?

Pode existir? é uma utopia? uma fábula? um símbolo? Temos procurar e provar, práticamente e

cientificamente, com método positivo.

Nos últimos séculos as ciências médicas progrediram muito. Todos os dias, talentos de primeirissima ordem

e experimentadores incansáveis, nos laboratórios, nas universidades, nos hospitais, dão admirável prova da

potencialidade crítica do engenho humano que tenta roubar da Natureza o segredo que nunca foi

alcançado da vida sã, com a nobilíssima finalidade de combater a dor e fazer com que a morte recue.

Quando um psicógrafo descobre um remédio ou um magnetizador consegue curar um corpo enfermo para

logo após cantar um hino de desprezo à ciência uficial, se faz uma injustiça grosseira contra aqueles que

nos deram um conjunto belíssimo de precisas observações, que contribuem para a formação de uma arte

infalível que é o ideal científico do futuro.

Entre a anatomia imperfeitíssima da Idade Média, e a anatomia topográfica e comparada contemporânea,

existe um abismo. A clinica, a patologia médica e cirúrgica, a química analítica, a histologia, a técnica

cirúrgica, a diagnóstica, a biologia, a fisiologia, a microscopia, são a base da sabedoria experimental para

conquistar um poder benéfico contra um princípio morboso único, que determina ou a dor ou a morte. E é

ciência indiscutível nos dados positivos da observação contínua.

Hoje em dia o insucesso deste grupo de ciências na prática da aplicação acontece por causa da deficiência

da terapêutica, ao redor da qual delineiam-se as divergências das escolas, porque todos os métodos são

insuficientes nas aplicações das premissas, porque o princípio vital que se manifesta em todos os lugares e

de todas as maneiras, é tão impoderável, de origem tão obscura, que quando não intervém de maneira

enérgica sob o estímulo fácil de um medicamento bio-químico, o homem da ciência não consegue curar

nem mesmo uma forma leve ou manifestação de um morbo.

Alopáticos12, homeopáticos13, isopáticos14 e todos os descobridores de novos métodos e de remédios

potentes, se equivalem na terapêutica. Chegam aonde um elemento misterioso assim o permite, param

aonde o próprio elemento – dono da vida e da morte – para.15

Todos os ingredientes que a natureza nos oferece, são usados para enriquecer a farmacêutica e

impressionara a imaginação do paciente. Minerais, metais, vegetais, venenos, produtos orgânicos, banhos

de luz, águas de toda a espécie, eletricidade, vegetarianismo, soros, a humanidade prova tudo. Quando

12

Contraria contrariis curantur.

13 Similia similibus curantur.

14 Cura com os mesmos produtos morbosos específicos os diferentes males que especificamente invadem um

organismo são. Ienner, com a vacina, foi isopatico para prevenir a varíola. O tuberculinum e os soros a base de

atenuações, são isopáticos. Vem de isos, igual.

15 Esta ignorância sobre o princípio vital, como se desenvolve ou se dissolve, é a causa da necessidade misteriosa de

criar um deus, do qual se teme a ira porque se ignora a sua lei de função. A vida humana era representada por uma

matrona vestida de verde, a esperança, com uma coroa de espinhos e rosas sobre a cabeça, era a alternativa dos

sofrimentos e das alegrias.

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alguma coisa é insuficiente, o condenado pela ciência recorre – como última esperança – à fé em uma

ajuda divina ou morre.

Quem nunca viu uma sala ou um consultório de hospital, nunca poderá imaginar a imensa quantidade de

dores humanas que a ciência não pode curar, nem poderá imaginar o cansaço de um médico diante da

insuficiência dos nossos meios, que se deparam contra os males inevitáveis. A tuberculose, o diabetes, o

câncer, ainda não são curados... mas também as coisas mais aparentemente simples continuam a ser um

mistério: por exemplo, a dor de cabeça contínua não se cura.16

A humanidade tem medo da morte. Este medo garante o sucesso das religiões que se ocupam da nossa

alma após a desagregação do corpo físico, e a indústria dos milagres legendários.

Permanece na humanidade a história impressionante ou a fábula generosa de homens ou deuses que

aparecem periodicamente, os quais diante da natureza que destrói um organismo, comandaram que

parasse e que o reconstituisse. Estes homens ou deuses se chamaram Apollonio de Tiana ou Cristo,

Rosacruzes, Templários ou Santos, Paracelso, Borri ou Cagliostro. A antiga fábula nos conta dos templos de

Esculápio, as fábulas modernas dos santuários milagrosos.

Então, hoje assim como no passado, surje um antigo aforisma hermético que dificultou os alquimistas do

século XVII: A vida comanda à vida, todas as escolas de terapia são boas ou falsas, dependendo do médico

que usa um remédio qualquer, do azeite ao stramonium, do sal de cozinha à estricnina, tenha ou não o

poder , a virtude, a força de infundir no medicamento a vitalidade que compensa as energias dispersas no

corpo enfermo; em outras palavras o médico que realiza o milagre, dá parte do seu princípio vital

necessário ao enfermo. Assim o princípio terapêutico hermético é o mesmo princípio vital, cuja deficiência

determina o estado morboso.

2 - continua

16

A resignação à dor e a dor como necessidade, são conceitos místicos, diante dos iniciados que representam a

ciência e a consciência do homem. A ciência não pode aceitar a premissas da dor necessária, caso contrário o estímulo

da utopia hermética da abolição da dor fica faltando. Se procedemos do pressuposto que a dor física, por exemplo, é

uma necessidade inevitável, deveríamos fechar as universidades que ensinam a medicina, enquanto que a civilização é

caracterizada justamente pela soma dos progressos humanos que eliminam os maiores sofrimentos dos bárbaros. Cito

um exemplo na higiene que é uma ciência recente, após a decadência da civilização grego-romana que eliminou o

banheiros públicos e expôs, através da sujeira do corpo, a vida do homem a infinitas variedades de infecções

dermatológicas. Os resultados da falta de limpeza do corpo, que produzia dores, eram considerados uma necessidade

até quando a ciência venceu a resistência do misticismo cristão.

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Novembro de 2012

Aforismos

Estes Aforismos fazem parte da “Opera Omnia” de Giuliano Kremmerz (ed. Italiana, traduzidos em português por E.A.)

Esta escola tem como programa de ensino “Nosce te ipsum”, isto é o “conheça a si mesmo” dos antiquíssimos, de um ponto de vista não religioso nem místico mas intensamente introspectivo. Se propõe o estudo do organismo humano em seu complexo de mente e corpo físico, com todos os seus poderes físicos manifestos e escondidos, para que o estudioso, bom observador, possa integrar-se completamente. (III,7)

A nossa Fraternidade não procura por irmãos perfeitos, senão seria uma verdadeira associação de santos e de heróis, mas procura e inclui em si todos os homens de boa vontade que, mesmo não sendo perfeitos, possam ser considerados como perfectíveis. (III, 258)

Não acreditar em nada só por ter ouvido falar; não acreditar nas tradições que chegam até nós velhas e alteradas pela linguagem humana; não acreditar nas coisas muito faladas pelos homens, e não acreditar também só porque diante de você se encontra o testemunho de um sábio; não acreditar em uma coisa só porque algumas probabilidades lhe demonstram a sua verdade ou porque por antigo hábito a considere verdadeira; não acreditar na única autoridade de seu Mestre e de seu Sacerdote. Aceite como verdade, e viva de acordo com ela, só o que a sua procura e a sua experiência lhe demonstraram correspondente à sua saúde, ao seu bem e ao bem dos outros homens como você. (op. Ris)

O silêncio não significa somente o não falar, mas o fazer calar todo o mundo exterior em volta de você de modo que possa despertar o sentimento de escutar a voz íntima, interna, profunda. (op. ris )

Se você despreza o escárnio da multidão, se entre o equilíbrio da razão bem sólido e o movimento dos senhores que riem de você, você for bastante forte para se separar do mundo, você começará a ser; você começará a viver de vida própria; você começará a vitória sobre a maioria numérica da ilusão. [...] O cérebro do homem é um santuário que reflete, no absoluto da lógica, todo o esplendor da razão divina quando não trabalha para congestões de paixões humanas. (I, 105)

Breve nota sobre as finalidades da Myriam

René Guénon em uma obra com o eloquente título Considerações sobre a Iniciação (obra traduzida

também em português e que recomendamos a todos aqueles que se aproximam da nossa Fraternidade; ver

o link “Biblioteca” no presente site ndc) escreve que as verdadeiras organizações iniciáticas, que são

sempre a expressão de um Centro detentor de uma sabedoria de origem sobre-humana, colocam-se, por

causa desta dimensão transcendente, acima das seitas religiosas e das simples sociedades secretas, com as

quais não devem ser confundidas por nenhum motivo.

Se estas (e outras) elementares mas indispensáveis explicações não estiverem claras e sobre as quais a obra

de Guénon é generosa de esclarecimentos, é difícil ter uma ideia exata da verdadeira essência da

Organização iniciática conhecida como Fr+Tm+de Myriam (Fraternidade Terapêutica Mágica de Myriam),

fundada por Giuliano Kremmerz com a aprovação do Centro iniciático do qual ele dependia.

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Somente se for entendida a dimensão iniciática da Myriam e a vastidão dos horizontes espirituais que esta

era destinada a abrir, podemos colocar-nos na prospectiva exata para avaliar a tarefa desta organização

iniciática, que apareceu improvisamente no ambiente do século XX, que foi palco de correntes de

pensamento completamente diferentes do ideal da ascensão hermética que a Myriam propiciava.

A Myriam, treinando o discípulo no benéfico e pietoso exercício da terapêutica, entendida como medicina a

distância, o conduzia, com a sua luminosa e potente teurgia, a um grau de pureza e de transparência

espiritual, tal que o permitia intuir o sentido não comunicável de ulteriores arcanos, os quais teriam

permitido que ele se colegasse fatidicamente com o Centro do qual a Myriam era a emanação direta e que

representava, sem interrupção, a dimensão mais interna e misteriosa.

Acredito que, o que foi dito acima, seja suficiente para que se possa reconhecer a total insipiência daqueles

que, ofendendo gravemente o aspecto feminino da divina Manifestação, desdenhavam o caráter, segundo

eles somente “lunar” da Myriam, fazendo-se passar por astrônomos desajeitados empenhados na

insensata tarefa de cancelar a Lua do mapa celeste e esquecendo que a Lua reflete, mais tenuamente e

então suportável para o olhar, a idêntica luz solar que se irradia potente do Astro diurno.

Desviemos então o olhar de tais absurdos e direcionemos o mesmo para o grandioso cenário da dimensão

iniciática da Myriam, que é tão semelhante àquela evocada pelo antigo filósofo e teurgo Jâmblico em seus

Mistérios. Portanto, esclarecendo, somente os comportamentos dos personagens que transcendem as

atividades humanas (às vezes muito humanas) das vicissitudes das crônicas myriâmicas, adquirem interesse

e significado que, de diversas maneiras, estiveram empenhados no trabalho myriâmico. Diversamente, eles

seriam condenados ao papel de ilustres (?) desconhecidos, destinados a deixar sem resposta o

interrogativo “manzoniano”(referente ao escritor italiano Alessandro Manzoni (1785-1873) e à sua obra “I

Promessi Sposi”, ndc): quem era este?. Somente se as crônicas myriâmicas forem colocadas em um quadro

iniciático que lhes pertence conquistam um significado que vai além do círculo dos poucos curiosos e

“aptos aos trabalhos” que normalmente as ocupam.

Por outro lado um sinal certo da crescente sensibilidade da cultura contemporânea em favor de tais

formas de “história” aparentemente menor consiste no interesse, mesmo que condicionado por exagêros e

distorsões preconceituosas, a favor da influência que movimentos e grupos esotéricos, independentemente

do julgamento de mérito que se formule sobre eles, possam ter exercitado diretamente sobre a cultura e

indiretamente sobre a sociedade da época, através de canais difíceis de serem identificados porque a

cultura não gosta de ser colocada em esquemas rígidos. (pf)

Extraído da Introdução de Piero Fenili ao livro de Ugo Cisaria, L’ORDINE EGIZIO E LA MYRIAM DI GIULIANO

KREMMERZ, Rebis, 2008.

HERMES – HERMETISMO - ESCOLA HERMÉTICA

III – Médico hermético ou hermetista.

Mesmo que este enunciado seja possível, a Medicina Hermética, concebida como uma transfusão de vida

à vida, não seria um paradoxo, nem uma fábula, nem um símbolo nem um sonho de uma mente poética.

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Se o princípio vida17 fosse uma coisa concreta como o ácido carbônico ou o extrato de camomila, a lógica

não se oporia a aceitar uma hipótese como tantas outras existentes na terapêutica. Deste fato ficariam

contentes os alopáticos que poderiam tentar uma injeção de soro do novo medicamento, e os

homeopáticos que veriam salva assim a honra dos similia similibus.

Fato está que este princípio-vida todos sabem que existe ou deveria existir, assim como sabem que

existe o amor, a dor, o prazer, mas ninguém foi capaz de reduzí-lo a uma coisa concreta.

É um espírito, diz o gramático, o sopro de fogo18 que dá a energia da existência individual e universal. É a

quintessência, observa o alquimista. É a alma universal, acrescenta o filósofo.

É melhor não definí-lo.

Observamos simplesmente: o princípio-vida se manifesta sintéticamente na síntese daquilo que nos

circunda, homens, plantas, animais, minerais e preside a todas as combinações e a todos os fenômenos

físicos e químicos. Analisando, é o mesmo fenômeno que se apresenta à nossa observação em cada

organismo ou corpo específico de maneira diferente e seguindo um processo igualmente específico e

diferente. Se o materialista o indaga, deve resultar19 que a vida é uma modalidade ( ou estado de ser ) da

matéria, que a matéria vivente é irritável porque responde a certas excitações a qual, agindo sobre os

sentidos, se converte em imagem e pensamento. Se é obervado por um filósofo amigo das abstrações, é

considerado como um elemento sui generis inteligentemente enérgico e separado das coisas que ele

identifica e anima.

Nos dois casos este princípio de vida, assim como em tudo o que nos circunda, e em toda a matéria que

vive, o homem não precisa estudá-lo fora de si, porque ele mesmo é um princípio de vida individuado.

Eu exponho o enunciado alquímico sob forma inteligível para o novo século.20

Estudar o princípio de vida em nós, separá-lo se é separável, integrá-lo se é integrável, levá-lo ao ápice da

sua potencialidade, torná-lo apto para enriquecer-se com a mesma energia da fonte do princípio-vida

universal, até poder dispor dele e nutrir-se e nutrir os organismos que não o tem, é educação hermética e

leva – possivelmente – ao conceito de um médico hermético.

A lenda que afirma a existência de almas sacerdotais capazes de comandar o princípio vital, desfolhado

do misticismo das figuras religiosas e mágicas, poderia dar-nos a largada ou o ponto de chegada de uma

unidade pensante para produzir o milagre vivente, o santo religioso ou mago antireligioso, que

representam a indêntica fórmula com a dupla face de adaptação e de desenvolvimento.

17

O “iod” da fórmula hebraica.

18 Πνσ Ignis

19 Como na discussão entre Pasteur e Pouchet.

20 Esta simples frase, em sua simplicidade, esconde o verdadeiro arcano do hermetismo constituído pela prática

terapêutica pro salute popoli (ndt).

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É o método21 de ação fantástico que já marca o seu início com as curas hipnóticas nas clínicas modernas,

curas nas quais a ação irritativa exterior age diretamente ou por reflexo sobre o princípio vital da pessoa,

e lhe consente a reação volitiva que falta em todos os enfêrmos com energia reduzida.

Eis aqui explicado , em poucas palavras, o conceito fundamental da obra iniciada.

3 – fim.

21

O magnetismo animal é fantástico no sentido grego clássico da palavra. Fantazo significa “faço aparecer” e, como

dizem os médiuns, “eu me imagino” ou “eu me projeto, projeto a minha forma”. Fantasia significou imaginação e

esplendor; fantasma,espectro, e fantastos aquele que produz visão. Com este valor filológico os estados hipnóticos,

que produzem visões, são fantásticos, assim como deve ser fantástico o princípio que produz as imagens verdadeiras

nas visões dos sonhos no estado normal. O fantasma hermético é a verdadeira exteriorização fantasmagórica das

escolas modernas de fenômenos psíquicos.

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Dezembro de 2012

Atividades da Fraternidade Hermética

A PALESTRA DE SÃO PAULO

COLÓQUIO INTERNACIONAL DE SINTRA

São Paulo, 30 de novembro de 2012.

No Templo do Grande Oriente Paulista, Roberto

Sestito, Presidente da Fraternidade Hermética,

falou sobre “Hermetismo e Terapêutica Espiritual”.

Clicar AQUI para ler o texto completo da palestra.

Sintra (Portugal) 2-3 de novembro de 2012.

Convidado para fazer parte do Colóquio

Internacional que tinha como tema “A viagem

iniciática”, organizado pela Fundação Cultursintra

e realizado na Quinta da Regaleira, Roberto Sestito

apresentou dois temas: o primeiro sobre “A

viagem iniciática na Cidade do Sol” e o segundo

sobre “A via iniciática da Fraternidade Hermética

na América Latina”.

Clicar AQUI para ler o texto completo do colóquio

“A viagem iniciática na Cidade do Sol”.

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HERMETISMO E TERAPÊUTICA ESPIRITUAL

A minha tarefa esta noite é a de falar sobretudo sobre a vida de dois mestres: Ciro Formisano e Manlio

Magnani e dos ambientes que frequentaram, assim como das obras que realizaram. Logo após

descreverei de maneira sintética a Escola que Formisano fundou na Itália e Magnani na América Latina,

qual foi o programa desta Escola e a atividade que desenvolveu na Itália e que desenvolve atualmente no

Brasil. Em primeiro lugar eu gostaria de esclarecer que a minha presença aqui tem a única finalidade de

transmitir um conhecimento. Não existe de minha parte nenhum propósito de proselitismo porque a

Fraternidade Hermética da qual falarei não é uma seita, não é uma religião, não é uma associação

profana e eu não sou o gurú ou o pastor de uma nova fé que promete a felicidade e o sucesso.

Minha exposição se limitará às notícias mais importantes porque desejo reservar a maior parte do tempo

a um colóquio entre nós, para poder responder às perguntas que certamente não faltarão e poder então

explicar com maiores detalhes os argumentos que em minha leitura são sumariamente apresentados.

Querendo facilitar o debate que seguirá, é necessário que eu explique o significado de alguns termos que

serão usados com uma certa frequência em minhas palavras e que fazem parte do vocabulário da

Fraternidade Hermética.

Estas são: fraternidade – hermetismo – magia, mago, mágico – miriam – terapêutica – iniciação –

tradição.

Fraternidade.

O conceito de Fraternidade ou Irmandade provém da palavra latina frater (irmão) que exprime

geralmente a relação carnal entre os filhos nascidos dos mesmos pais. Foram os alquimistas medievais

que introduziram em sua linguagem o termo fratres para indicar aqueles que seguem os mesmos

estudos, as mesmas investigações dos mistérios da natureza humana, o mesmo ideal, para indicar uma

ligação que estes consideravam mais elevada e mais duradoura do que aquela do sangue, uma ligação

espiritual que mantinha unidos os fratres também depois da morte física. Neste sentido são irmãos os

iniciados do mundo inteiro porque todos percebem a verdade da mesma maneira e com as mesmas leis.

Hermes, hermetismo.

Quem é Hermes, palavra da qual deriva hermetismo? Hermes é o Mercúrio alado dos Fenícios e dos

Romanos; o Anubis egípcio. A palavra hermes segundo os antigos Gregos significava sutileza, astúcia,

sagacidade, e Mercúrio nas características antigas era astuto e sagaz, embaixador dos Deuses. Então a

filosofia hermética foi a filosofia sutil, capaz de interpretar e fazer manifestar o hermes, foi a ciência por

excelência, que penetra na parte mais misteriosa do nosso campo mental, e hermetista chamou-se o

artista que colocava em prática e realizava os predicados da ciência hermética como ciência sutil a ponto

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de acreditar que fosse divina. Basicamente, hermes é o intelecto da força que diviniza o homem e

filosofia hermética é a ciência que procura este deus inatingível e o fixa.

Myriam.

Myriam é o nome da rosa mística dos Rosa+Cruzes e representa um estado de pureza virginal, a eterna

manifestação do amor. Para que se entenda este nome, imagine-se Miriam como o tipo da mais benéfica

divindade, como a Diana da mitologia clássica, como a milagrosa e encantadora Isis egípcia, ou como o

símbolo de um estado especial de purificação do espírito humano que é fonte de todos os mais

maravilhosos prodígios. Miriam representa então a alma humana perfeita, virgem e limpa de qualquer

sujeira. Miriam é tambem um estado operante por amor fraterno e enfim Miriam é a Minerva médica

que dispensa a saúde pro salute populi (para a saúde de todos).

Magia.

Quando vocês ouvirem esta palavra eu peço para que esqueçam os ilusionistas e os prestigiadores do

circo. Eles não tem nenhuma relação com a magia e o mago da doutrina hermética. Magia é uma

alteração da palavra Mag, que nas línguas do antigo oriente significa sacerdote perfeitíssimo, sábio. Em

língua caldéia Magdhira significa grande sabedoria. Mas se a palavra Magia soa mal a muitos ouvidos

modernos, especialmente porque abusaram dela, a substituiremos então com duas palavras que a

explicam: ciência integral. Ciência que completa (integra) o homem ensinando-o a técnica e a prática

para que retorne para o seu profundo ancestral e para prevenir as suas metas finais; de modo que na

própria unidade vivente ele possa discernir o “ fui – sum – ero” ou seja resolver o enigma do “nosce te

ipsum” ou seja conheça a si mesmo. E' uma palavra que contém todos os atributos da onipotência divina;

se vocês dão ao nome deus o valor da suprema inteligência que cria, regula e conserva o universo o

MAGO é o possessor, o depositário vivente e usuário da ciência de deus.

Iniciação

Esta palavra, assim como a palavra magia e como a palavra esoterismo pode criar muitos equívocos e

confusão porque é usada imprópriamente por muitas pessoas. É uma palavra extremamente precisa e

deve ser usada com muita prudência. É importante que se entenda o significado clássico da palavra

iniciação. A palavra latina initia indica um movimento para o interno, por isto antigamente quando se

pronunciava o verbo inter-ire, isto è ir em direção ao interno, queria-se dizer a morte.

Consequentemente a iniciação fazia com que se conhecesse os princípios das coisas e o iniciado

conquistava a razão de viver com alegria mas conquistava também a razão de morrer com uma

esperança melhor. Em resumo, a iniciação elevava a alma de uma vida material, simplesmente humana,

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para uma comunhão com o mundo divino. Portanto para ser um iniciado é preciso morrer para a vida

comum e renascer para uma vida sagrada.

Terapêutica.

A palavra terapêutica na nossa Escola está quase sempre associada a magia e a miriam. A razão é muito

simples: a fraternidade representa uma força ativa dirigida para beneficiar os sofredores. A nossa é uma

escola de amor e os fatores da nossa ajuda são fisicamente estabelecidos como forças ativas e benéficas.

E’ uma associação de vontades humanas dirigidas para o bem da humanidade, uma associação

cientificamente constituída, para que o homem que faz parte cumpra a sua missão de ajudar o próprio

semelhante com todas as suas energias psíquicas colocadas em movimento pela própria vontade; uma

vontade purificada de qualquer egoismo e animada pela consciência de produzir o bem dos outros, sem

ambição pessoal premiável e sem esperança de nenhuma compensação.

Tradição.

A palavra “tradição” – escreve Guénon – exprime etimológicamente a ideia de transmissão. Muitas

pessoas não sabem que a palavra qabbalah, vulgarmente transcrita cabala designa a palavra “tradição” e

exprime o significado mais preciso de transmissão. Mas quando falamos de “transmissão” nós não nos

referimos às coisas de natureza profana, porque o termo “tradição” foi usado sempre por nossos Mestres

em um âmbito de caráter sagrado e iniciático.

Consequentemente uma escola como a Fraternidade Hermética, respondendo a todos os requisitos

pedidos por uma organização esotérica, é sobretudo “tradicional” já que a “transmissão” dos

ensinamentos herméticos são de natureza vertical, do mundo sobre-humano àquele humano.

A vida de Giuliano Kremmerz.

No final do século XIX, exatamente em 1888 desembarcava em Montevidéu no Uruguai de um navio

proveniente de Nápoles o doutor Ciro Formisano, formado em literatura em Nápoles. Era a época da

grande migração italiana para a América do sul. Mas, ao contrário de tantos italianos que partiam para as

Américas à procura de sorte e para dar um futuro a seus filhos, Ciro Formisano tinha um sonho em sua

mala: o sonho de um homem predestinado a realizar grandes coisas e a fundar uma grande Escola de

magia na Itália.

Giuliano Kremmerz, nome sagrado do Dr. Ciro Formisano nasceu em Portici, perto de Nápoles em 8 de

abril de 1861. Na juventude Ciro entrou em contato com um sábio personagem, Pasquale De Servis, mais

conhecido pelos esoteristas do tempo como Izar. Este inspirava-se à tradição de origem pitagórica que

floresceu no sul da Itália e ao cultos isíacos (lunares) e osirideus (solares) importados do Egito. De acordo

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com o que diz Kremmerz foi o próprio De Servis quem transmitiu ao jovem Ciro, juntamente com o seu

patrimônio sapiencial, a iniciação aos mistérios da ciência sagrada.

De fato Izar, mesmo mantendo um relacionamento direto com alguns ilustres protagonistas do cenário

cultural do tempo, entre os quais o advogado Giustiniano Lebano e o príncipe Leone Caetani duque de

Sermoneta, foi exatamente no jovem Formisano que reconheceu as qualidades do futuro mestre da

Schola Hermetica.

A formação cultural de Formisano, completou-se, sobretudo, nos anos que vão de 1888 até 1893,

naqueles cinco anos coincidentes com a sua estadia na América Latina formando-se médico homeopàta.

Desta misteriosa estadia falarei agora em linhas gerais, já que, quando ilustrarei o papel de Magnani na

Fraternidade Hermética latino-americana, serão inevitáveis as aproximações e comparações com a

Fraternidade de Myriam e, consequentemente, com a viagem do hermetista napolitano na Argentina.

Em uma biografia de Kremmerz intitulada “Il mito del Kremmerz”, no capítulo “La permanenza in

America”, podem ser lidas as informações que comprovam uma atividade de jornalista no jornal

“L’Operaio Italiano” de Buenos Aires.

Em outra biografia de Kremmerz lemos, ao contrário, que Ciro Formisano “... tinha seguido uma

expedição científica capitaneada por um Príncipe, da qual faziam parte vários homens de ciência, nas

florestas do Mato Grosso”.

Pois bem, todos sabem como poderia ser aquela região naqueles anos: uma selva interminável, habitada

por poucos indígenas, misteriosos e inacessíveis, e onde era impossível penetrar. É porém indubitável

que o Mato Grosso, tal como toda a bacia amazônica, conservava e conserva alguns elementos, entre os

mais interessantes, de uma cultura xamânica antiquíssima e da magia natural; magia esta baseada,

sobretudo, no conhecimento e no uso das ervas, da qual Kremmerz dará provas da sua mestria quando

fundará em Nápoles a Fratellanza di Myriam.

Não é então arriscado supor que, naquela breve estadia sul-americana, Kremmerz tivesse tido contatos

com alguns grupos ou personalidades locais e que tivesse praticado a medicina hermética, da qual, a

partir de 1896, com o início da publicação de “Il mondo secreto” será o propagador nos círculos

esotéricos italianos.

Outra hipótese, certamente mais audaz, mas que se baseia sobre alguns elementos que trataremos de

colocar em evidência no decorrer da nossa palestra, é a de que Kremmerz, no decorrer das suas viagens

sul-americanas, teria descoberto na Argentina ou, talvez, em outro lugar, uma fonte, ou, se preferirmos,

um foco da tradição hermética, que assumiria na Itália, por obra do próprio Kremmerz, a direção e as

aplicações conhecidas sob o nome de Myriam e na Argentina, por obra de Magnani, sob o nome de

Fraternidade Hermética, e sob a denominação comum de Schola Philosofica Hermetica Classica.

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Elementos que o Mago de Portici teria sabiamente integrado na terapêutica

mágica da “Ordem” napolitana de caráter egípcio, da qual um representante

em Nápoles era o advogado Giustiniano Lebano (a esq: Lebano na sua

livraria), e que remonta ao Príncipe Luigi d'Aquino Caramanico, ao Príncipe

Raimondo de Sangro e ao próprio Cagliostro.

Coincide com o retorno na Itália e com a morte de Pasquale de Servis o

emergir em Formisano da personalidade que o tornará único como homem

e como mestre. Usando o nome iniciático de Giuliano Kremmerz começou

na revista "O Mundo Secreto" a divulgação das doutrinas de magia natural e divina.

No primeiro fascículo da "Medicina hermética" (1899) foi publicado em 7 artigos o Pacto fundamental de

constituição da Schola que constitui ainda hoje, desde 1909, a "Pragmática Fundamental da

S.P.H.C.l.Ir+Tm+ de Myriam".

Instituiu academias myriamicas em Nápoles, Bari e Roma reunindo numerosos

afiliados aos quais os doentes, por iniciativa própria, podiam se dirigir para

ajudas terapêuticas gratuitas.

Em 1907 deixou Nápoles com a família transferindo-se para Ventimiglia,

depois para Camogli, para enfim em 1912 estabelecer-se definitivamente em

Beausoleil, no principado de Mônaco, onde concluiu a sua vida terrestre em 7

de maio de 1930.

O programa da Fraternidade Hermética.

O programa pode ser resumido assim:

a) desenvolver, em grupos homogêneos, e em virtude do princípio numerico pitagórico, os poderes

terapêuticos da alma humana;

b) canalizar em benefício dos enfermos ou das pessoas em estado de desequilíbrio a energia

psíquica destas forças curativas que Kremmerz chamou corrente de almas orantes;

c) usar ritos mágicos sob forma de hinos e de ideogramas ou símbolos representantes o oculto da

idéia terapêutica;

Quando numerosas pessoas se associam, com a intenção de alcançar um determinado objetivo ou de

realizar um certo programa, estas formam uma corrente de vontade.

Os terapeutas antigos, mesmo isolados, uniam-se entre eles em uma corrente de almas para curar os

doentes também à distância. Hoje sabemos que aquela corrente terapêutica potenciava o magnetismo

humano, do qual cada um de nós é dotado; um magnetismo natural e terrestre que deriva da única

energia que regula e governa o macrocosmo.

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O magnetismo humano, através de exercícios oportunos, pode ser potenciado. Pode até ser

“conservado” no cosmos, como em um imenso e invisível acumulador, para ser utilizado, no momento

oportuno, pelo operador mágico.

A magia natural é constituída por esta infinita energia magnética. Não existe, por isto, uma magia

“branca”, ou angélica, oposta a uma magia “negra” ou diabólica: existe somente a pureza ou a impureza

anímica do operador.

A Fraternidade é constituida por pessoas, homens e mulheres, “que se preparam voluntariamente para a

conquista das próprias virtudes super humanas por meio de uma vida retissima e pura, e colocam ao

mesmo tempo a conquista destas forças a serviço das dores que afligem o próximo menos progredido

espiritualmente.”

Para a atuação desta finalidade a escola pede a seus inscritos grande empenho de consciência, espírito

prático e ativo, o abandono de aspirações fantásticas e o seguir poderes a baixo custo, constância firme e

sobretudo uma visão clara de si mesmo com relação ao ambiente e à natureza universal. Esta última

exigência afunda as suas raízes no pressuposto doutrinário do hermetismo segundo o qual o homem é

visto como a máxima expressão em ação da vida animal inteligente.

Em poucas palavras, entre uma corrente psíquica, uma religiosa e uma hermética a diferença é muito

grande e na Myriam além da específica orientação terapêutica, se faz uma seleção do valor anímico dos

participantes estabelecida desde a origem pelo fundador. Além disto, todo o cerimonial mágico serve

para liberar energia refinada proveniente da parte mais nobre da alma humana.

A prática da terapêutica mágica ensina:

1) não existe enfermidade do corpo que não seja uma consequência do desequilíbrio do espírito e

da aura humana;

2) que a terapêutica espiritual ou divina não usa drogas mas somente perfumes naturais analógicos

aos ensinamentos astrológicos da escola;

3) que quando o espírito do homem está pronto para a vida do além, é um delito interromper a

partida.

E’ importante lembrar sempre que nos círculos esotéricos, o visível esconde o invisível; por isto quem

entra na Fraternidade Hermetica deve:

- OBEDECER, sem nunca discutir, o direto superior ou quem faz as vezes do mestre;

- NÃO DESEJAR A EXPERIÊNCIA para convencer-se, porque antes de entrar na escola ocorre estar já

convencido do que se vai fazer. Por isto é pedido preliminarmente, antes da entrada, o estudo

escrupuloso das obras herméticas;

- SABER SILENCIAR para não dissipar o que se aprendeu;

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- AMAR o irmão inscrito como membro da mesma família, não envergonhar-se da companhia do irmão

pobre ou pouco instruido, porque a missão do homem perfeito é ajudar os imperfeitos e o Deus supremo

dá segundo a pureza do coração e não segundo a riqueza e o grau social;

Estas são as linhas fundamentais da Fraternidade Hermetica.

A vida de Manlio Magnani.

Em 1928 desembarcava em Buenos Aires, proveniente da Itália o engenheiro Manlio Magnani. Em sua

grande mala ele guardava o sonho de uma vida melhor na América Latina mas guardava também alguma

coisa a mais: os documentos, os livros, os objetos que demonstravam que se tratava de um homem não

comum, de um homem destinado a fundar uma grande Escola na América Latina. Chegava no novo

mundo com o diploma de Grande Inspetor da Ordem Oriental de Memphis, com os supremos graus do

Rito Escocês Antigo e Aceito, e principalmente com o título de Mestre de Myriam.

Manlio Magnani, nasceu em Parma, em 1881. Foi um mestre dotado de grandes dons filosóficos, perito

de Cabala e de Magia que, pela sua qualidade e realizações, o colocam em total paridade com os

mestres, seus contemporâneos, que viveram e operaram na

Europa.

Algum tempo depois de ter chegado a Buenos Aires, Magnani

escreve uma carta ao irmão Armentano, que era assim como ele

33 do Rito Escocês e Superior Incógnito da Ordem Martinista e

que, desde 1924 tinha se estabelecido em São Paulo. Nesta carta

diz querer se transferir para o Brasil por razões de trabalho e diz

também que a Argentina em geral e Buenos Aires em particular apresentam um curioso interesse. Com

base nos documentos por nós examinados, Magnani referia-se por certo à Fraternidade Hermética por

ele fundada e na qual tinha admitido regularmente os primeiros irmãos.

O apelo a Armentano produz o seu efeito, pois Magnani decide transferir-se para São Paulo. No Brasil,

com a fraterna ajuda de Armentano, Magnani deu um novo impulso à Fraternidade Hermética. É

interessante assinalar a adesão do advogado Giulio Romeo, pessoa bem entrosada na sociedade civil

paulista e na comunidade italiana, cultor da tradição hermética e pitagórica. Romeo tinha visitado

Magnani na Argentina, provavelmente para ser iniciado na Fraternidade Hermética. Deste modo, o

sodalício consolidou-se e desenvolveu vigorosamente os trabalhos rituais por muitos anos de forma

ininterrupta.

Entretanto, o grupo de Buenos Aires continuava a ser dirigido pelo próprio Magnani através de

instruções epistolares, prosseguindo com os trabalhos rituais sem interrupção e mantendo a corrente

viva e ativa. Nas numerosas cartas que ele escreveu, que são ricas de ensinamentos dos mais diversos,

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ressaltam sobretudo os ensinamentos de caráter terapêutico, onde o valor da tradição hermética emerge

com toda a pujança e virtude.

Escrevia em cartas encabeçadas por esta frase: “A vida é um rito ou não é nada” - máxima retomada pela

revista do Gruppo di UR, que tinha sido criado em Roma, em 1927, por Reghini, Evola e Parise - e assinava

com o nome iniciático que lhe tinha sido atribuído quando assumira a condução da Fraternidade.

No período argentino, traduziu os ritos para a língua espanhola e, quando se transferiu para o Brasil,

escreveu a maior parte dos ensaios, os quais, em conjunto com a copiosa correspondência, forneceram o

material para a publicação do livro “Supremo Vero”, editado na Itália pela Associação Cultural IGNIS .

Os assuntos tratados por Magnani nos seus ensaios visam integralmente um conhecimento superior -

está assim explicado o título “Supremo Vero” *Verdade Suprema+ que foi dado a esta coletânea.

Abraçam um campo que vai da Alquimia ao Pitagorismo, do espiritualismo antigo às suas manifestações

mais recentes, da Ciência à Política e às religiões, dos Mistérios e do Hermetismo até a civilização e ao

mistério do nome de Roma, considerada a mais alta expressão do espírito ocidental. Magnani era “um

Fogo que dá vida a todos os seres animados, dirigido pelo querer dos homens puros”. Era a expressão

humana de uma força sagrada que podemos fazer remontar à época da Grande Grécia Itálica, tal como

Kremmerz era a encarnação humana de um puro gênio egípcio.

Nos anos brasileiros, consagrou a sua existência a escrever os ensaios reproduzidos no volume citado

acima, mantendo um teor de vida pitagórico. Foi pródigo em conselhos e em instruções rituais para os

irmãos com a intenção de melhorar o nível de conhecimentos de cada um dos inscritos. Nível por si só

bastante alto, mas que Magnani tratou de ampliar e de elevar, aconselhando e propondo a leitura e o

estudo de livros difundidos nos ambientes esotéricos mais qualificados de seu tempo, como a Ordem

Martinista, o Rito de Mênfis e a Sociedade Teosófica.

Um exemplo deste dinamismo espiritual, que fez de São Paulo dos anos 30 um centro cultural de fazer

inveja às próprias capitais européias, pode ser encontrado em uma carta escrita por Giulio Romeo, em

Março de 1933, na qual cita livros de Elifas Levi, Raimundo Lúlio, Romain Rolland, René Guénon e outros,

chega a comparar Armentano, com o qual se encontrava regularmente, a um mestre, se não superior,

seguramente do mesmo nível de Giuliano Kremmerz.

O hermetismo de Manlio Magnani.

A educação hermética – escreve Magnani – tem como objetivo: preparar-se para atingir o princípio vital

universal e ser enriquecido por ele, seja para restabelecer a saúde ou o equilíbrio interior, seja para poder

ajudar a restabelecê-los nos outros.

A finalidade de uma educação hermética é a de preparar para o exercício consciente desta virtude. O

desenvolvimento desta educação compreende habitualmente três fases:

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Preparar para a possibilidade de ter contato com os aspectos mais próximos do estado

humano do princípio vital, e de estabelecer uma relação harmoniosa com as forças que já

operam no mesmo sentido;

Conhecer distintamente as forças e as entidades salutares e obter o poder de utilizá-las;

Conhecimento integral e absoluto do princípio vital. Estado de comunhão com o mesmo.

Hoje, assim como no passado, surje um antigo aforisma hermético que dificultou os alquimistas do

século XVII: A vida comanda à vida, todas as escolas de terapia são boas ou falsas, dependendo do

médico que usa um remédio qualquer, do azeite ao stramonium, do sal de cozinha à estricnina, tenha ou

não o poder , a virtude, a força de infundir no medicamento a vitalidade que compensa as energias

dispersas no corpo enfermo; em outras palavras o médico que realiza o milagre, dá parte do seu princípio

vital necessário ao enfermo. Assim o princípio terapêutico hermético é o mesmo princípio vital, cuja

deficiência determina o estado morboso.

Baseando-nos na nossa experiência, adquirida nas Academias da Fraternidade Terapêutico-Mágica de

Myriam, na Itália e depois de um atento exame e estudo das duas escolas, a kremmerziana e a latino-

americana, diremos que, ainda que ambas tenham uma origem comum, e em comum a terapêutica

mágica, elas se valem de instruções e de ritos em parte diferentes entre eles, sobressaindo a

componente cabalistico-rosicruciana, em Kremmerz, e a componente órfico-pitagórica, em Magnani. Isto

bastou para que nos déssemos conta de que a Fraternidade Hermética latino-americana prepara os

discípulos para um desenvolvimento espiritual individual e de grupo, cuja essência e finalidade não

divergem em relação às regras ditadas por Kremmerz na sua célebre Pragmatica, mas que, com Magnani,

se enriquecem com elementos obtidos, certamente, em virtude do contato e da colaboração com os

Mestres da Scuola Italica, como Armentano e Reghini. Isto faz da Fraternidade Hermética uma

organização mágico-esotérica ímpar, quer na Europa, quer nas Américas.

Magnani tinha uma visão da morte digna de um mestre tendo alcançado o ponto mais excelso da

iniciação mistérica. Disto são testemunhos os escritos que ele dedicou a este “mistério”, o seu

testamento espiritual e, por fim, o elogio póstumo que Amedeo Armentano pronunciou sobre o seu

túmulo.

No testamento confiado ao seu mestre, além de lhe deixar todos os materiais e documentos da

Fraternidade, Magnani escreve:

Deixo a física existência serenamente, e até com alegria. Não guardo ódios nem rancores. Não

tenho remorsos. Entendi a existência humana como um campo de batalha, no qual o único

objetivo e a única vitória é a libertação, ou seja, o pleno e completo despertar espiritual.

Alcançada essa meta, a existência terrena perde os seus atrativos, torna-se um peso do qual é

doce livrar-se. Concebi os meus escritos como uma espécie de testamento filosófico (…) e ao

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terminar o escrito sobre "A MORTE", sinto-me pronto, muito pronto, a deixar o ''mundano

rumor”.

Armentano recordou-o digna e solenemente com uma oração fúnebre, pronunciada no estilo dos antigos

hierofantes, com estas palavras: Bem, irmão Magnani; liberta-te do invólucro que ainda pesa sobre o teu

espírito e segue o teu caminho, agarra-te aos raios magníficos da estrela que segue o Sol e depois...,

depois o salto é breve, a luz do astro ardente do amor atrair-te-á e tu fundir-te-ás com a sua eternidade

luminosa”. Foi em 23 de Julho de 1943.

A Fraternidade hoje.

Sob os olhos vigilantes e discretos de Amedeo Armentano, a Fraternidade continuou a viver nos irmãos

que tinham sobrevivido a Magnani. Romeo havia falecido dois anos antes de Magnani e os irmãos

argentinos mantiveram por algum tempo contatos epistolares. Veio depois o momento em que o grande

espírito de Armentano se libertou da prisão terrestre e a Fraternidade entrou em sono entre as seguras

paredes domésticas dos herdeiros do mestre calabrês.

Desde 1943, passaram-se até hoje quase 70 anos. Finalmente, os deuses quiseram que a Fraternidade

voltasse a operar com a fundação da Academia Latino Americana, por mérito, sobretudo, de uma neta do

mestre Armentano, a Senhora Emirene, aqui presente, que além de ter recebido em herança os arquivos

de seu avô, trabalha há anos, silenciosa e disciplinadamente, sobre os ensinamentos herméticos e

pitagóricos deixados por Manlio Magnani.

A Academia já deu início a um programa editorial de tradução, em português, e publicação da Opera

Omnia de Kremmerz, à qual se seguirá a tradução e publicação dos ensaios de Magnani.

Enfim, a leitura dos livros de Kremmerz e Magnani que estão sendo publicados são uma condição

essencial para que se possa ser admitido na Fraternidade Hermética.

Acredito que o povo brasileiro, tendo chegado, assim como escreveu Magnani no artigo “O futuro do

Brasil”, a competir em paridade de valores com outras potências mundiais, precisa atingir

simultâneamente uma maturidade espiritual que sirva de suporte para a formação da futura classe

dirigente deste país jovem e repleto de forças vitais ainda inexploradas.

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VIAGEM INICIÁTICA NA CIDADE DO SOL

“E’ ‘I bel morir, che fa gl’huomini Dei, ove solo il valor saggio, e virile

della sua gloria spiega i gran trophei.

Qui dolce libertà l’alma gentile ritrova, e prova il ver, che senza lei

sarebbe anchor il paradiso vile”. Soneto de Tommaso Campanella

“É o morrer bem, que torna os homens Deuses ,

e somente o sábio e viril valor da gloria explica os grandes troféus.

Portanto a alma gentil reencontra a doce liberdade, e prova o verdadeiro,

sem a qual (a liberdade) o paraíso também seria vil”.22

É opinião comum entre os estudiosos e os leitores da Cidade do Sol que o célebre ensaio de

Tommaso Campanella mais não é do que a douta metáfora de uma ideal e utópica república platónica,

concebida pelo filósofo calabrês com base nas suas intuições monarco-universalistas e tendo por finalidade

o derrube do domínio espanhol em Itália.

Se quisermos entender de maneira correta o aforisma filosófico

segundo o qual “quem não sabe governar-se a si próprio não é capaz de

governar um império” e que “a verdadeira finalidade de cada república é o

culto divino do bem supremo”, acreditamos que a Cidade do Sol se destinava a

ser algo mais do que uma erudita alegoria de uma forma de governo.

Em nosso entender, esta obra é também a representação simbólica do

Homem e das suas aspirações à libertação e à imortalidade; em suma, é a

descrição de uma viagem iniciática realizada pelo próprio homem “que o

morrer bem” eleverá a deus.

No soneto em epígrafe do filósofo de Stilo [na Calábria,] esconde-se,

em nossa opinião, a chave desta viagem iniciática, mas é sobretudo na

“Prattica dell’estasi filosofica”, atribuída a Campanella, que se desenvolve, ora de modo claro, ora

voluntariamente obscura, a disciplina que permitirá ao predestinado transpor as misteriosas portas que o

conduzirão ao júbilo supremo da alma.

Todavia, a hipótese de que a Cidade do Sol oculte na sua arquitectura urbana o percurso iniciático

do Homem não exclui, de todo, as demais opiniões, isto é, que o ensaio tenha nascido da ideia política de

uma república teocrática e solar; ou melhor, e vendo as coisas de outro modo, esta hipótese poderia até sair

reforçada, pois nenhuma república platónica poderia realizar-se sem um preliminar e indispensável

exercício espiritual do homem, a cuja execução a “Prattica” parece oportunamente destinar-se.

Tal como na Divina Comédia de Dante, da qual não supúnhamos o que nela se escondia até Luigi

Valli ter revelado a sua linguagem secreta, também na Cidade do Sol não se pode entrever a palingenesia do

homem e o seu destino à imortalidade, sem, primeiro, admitir o seu carácter esotérico e simbólico, e,

sobretudo, sem haver procurado as chaves de leitura.

22 Este soneto de Campanella escrito na língua italiana de 1600, não é fácil de ser traduzido. A nossa versão é uma

livre adaptação.

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O indício mais interessante daquilo que afirmamos, e que nos induziu a formular hipóteses tão

audazes, pode ser encontrado no seguinte comentário de Arturo Reghini (foto

abaixo) à Prattica dell’estasi filosofica. Eis o que escreve o filósofo pitagórico no seu livro “As palavras

sagradas e de passe”:

“A técnica do êxtase filosófico encontra-se exposta de forma mais ou menos encoberta em vários

textos; ela constitui, de resto um arcano, sendo necessariamente inefável.

Encontramos na literatura filosófica italiana uma magnífica página, atribuída por uns a Campanella,

por outros a [Giordano] Bruno, e que é digna quer dum quer doutro; o documento intitula-se “La

prattica (sic) dell’Estasi Filosofica”.

Sente-se nela a segurança de quem fala por experiência própria; a prática da contemplação, os seus

efeitos, tudo está delineado com limpidez e precisão maravilhosas.

É uma página insuperada da literatura técnica iniciática, e a tradição esotérica ocidental lança,

através da obra deste neo-pitagórico da Itália meridional, vívidos clarões de luz, desafiando

heroicamente a ignorância e a ferocidade cristã.

É sobre a experiência do êxtase filosófico que se baseia, em nosso entender, o drama místico da

morte e ressurreição dos mistérios.

O desenvolvimento naturalista desta concepção é integrado e iluminado pelo conhecimento do

fenómeno da palingenesia, o qual, constituindo uma possibilidade

orgânica da vida humana, também seria conhecido no mundo antigo.

No Vedanta, a condição da consciência durante o êxtase é chamada

sandhya (derivado de sandhi, ponto de contacto ou de união entre duas

coisas), isto é, entremeio entre o sono profundo (sushupti) e a morte.”.

A referência feita por Reghini à tradição védica é extremamente

importante e não é casual; revela um estreito parentesco entre as técnicas do

êxtase pitagóricas e yóguicas, cuja razão de fundo podemos descortinar no facto

de a Cidade do Sol ter sido fundada por migrantes indianos. Escreve pois o

filósofo calabrês: “São gentes que chegaram da Índia, que eram muito filósofos, e fugiam da devastação dos

Mongóis...”.

Convém aqui recordar o ordenamento da cidade que obedece a uma intenção filosófica com o

intuito evidente, através do uso dos números sagrados, de estabelecer um pacto espiritual entre o homem

e as potências celestiais. O número dois do diâmetro da cidade, juntamente com o sete do círculo e com os

sete círculos que têm o nome dos sete planetas certamente não estão ali por acaso. Entra-se na cidade por

quatro portas e percorrem-se quatro estradas. Também a descrição dos edifícios, das estradas, das praças,

das colunas e dos claustros não é isenta de referências numerológicas ou astrológicas. Não há dúvida de

que nos encontramos em presença de uma arquitectura sagrada, que recorda os mistérios das catedrais e

dos Mestres Comacinos descendentes das corporações romanas.

Não me vou alongar na descrição do vértice da hierarquia política e sacerdotal unificada na pessoa

do príncipe sacerdote, indicado pelo símbolo do Sol, coadjuvado por três potências ditas sapiência, potência

e amor. Alguém, comentando e confrontando a ideologia política de Dante com a de Campanella disse que

o primeiro antecipa a era moderna enquanto o segundo retorna ao mundo antigo. Em nossa opinião, esta é

uma crítica despropositada porque sabemos que, na obra de Dante como na de Campanella, a ideia central

é a da unidade do Império, e como ambos não ignoravam a aversão da Igreja para com este, é fácil concluir

que os dois viam no Império a solução para facilitar a ascensão da humanidade atormentada até Deus.

Esta referência à numerologia sagrada da Cidade do Sol e ao seu simbolismo tem por único

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objectivo recordar a perfeita sincronização do texto do monge calabrês com a tradição oculta e pitagórica e

permite-nos assim uma comparação mais pormenorizada entre as duas “vias”: a extática e a védica.

A prática do êxtase filosófico constitui um arcano, afirma Reghini, e pode ser apresentada do modo

seguinte:

É necessário escolher um lugar isolado, sem barulhos, no escuro ou à luz de uma candeia colocada

atrás de si, de modo a que não fira os olhos, ou com os olhos cerrados.

Num momento sereno e com o ânimo sereno, despojado das paixões do corpo e da alma.

Quanto ao corpo, não deverá sentir nem frio nem calor, não deverá sentir qualquer dor, deverá ser

sóbrio e purificado, sem apetites, nem sede, nem fome, nem embaraço, nem qualquer desejo.

Instale-se comodamente, estendido ou sentado, apoiando a cabeça sobre a mão esquerda ou noutra

posição cómoda.

Que o ânimo esteja despojado de qualquer paixão ou pensamento, a mente não esteja ocupada por

dores ou alegrias, temores ou esperança, sem pensamentos amorosos ou preocupações familiares,

próprias ou de outros. Apague as recordações de coisas passadas e presentes.

Depois de estar instalado comodamente, deve começar a afastar todos os pensamentos que venham

à cabeça, expulsá-los todos um a um até que não voltem mais, de modo a não pensar em nada e

permanecer imóvel neste estado como se fosse uma planta ou uma pedra.

Deste modo, a alma, não estando mais ocupada em qualquer acção vegetativa ou animal, retira-se

em si mesma e, servindo-se apenas dos instrumentos intelectuais, purgada de todas as coisas

sensíveis, deixa de percepcionar as coisas em forma objectiva, mas assim como elas são: feita Anjo,

vê intuitivamente a essência das coisas na sua natureza simples, vê uma verdade pura, nítida, não

ofuscada pelo desejo.

Por isso, antes de pôr-se à obra, é preciso estabelecer o que se quer especular, entender ou

investigar. Mas só quando a alma se tiver libertado de todas as impurezas lhe aparecerá uma clara

e resplendente luz que iluminará a verdade das coisas. É assim que alma ressentirá um prazer

e uma doçura tão grande que não há nada igual no mundo.

E quando a alma voltará ao corpo do qual estava separada, terá uma grande dor, e certamente não

voltaria se não soubesse que permanecer alongadamente neste êxtase significaria afastar-se

definitivamente do corpo.

Por esta razão, esses subtilíssimos espíritos nos quais a alma se demora sobem até a cabeça e alguns

sentem uma dulcíssima comichão no cimo da cabeça, onde temos os instrumentos intelectuais.

Durante a prática, estes espíritos erguem-se em parte, mas o homem morreria se todos se

libertassem.

Estão mais predispostos ao êxtase aqueles que têm o crânio “aberto”, de cuja “fissura” podem exalar

uns quantos espíritos.

Não muitos, de outra forma a cabeça ficaria repleta e os seus órgãos ficariam inábeis.

Creio que este seja o êxtase filosófico do qual fala Porfírio e com o qual Plotino foi arrebatado por

sete vezes.

Mas é raro que no homem se achem todas as circunstâncias favoráveis. Se assim fosse poderia-se

conseguí-la por três ou quatro vezes.

Tudo o que é entendido no decurso do êxtase é preciso escrevê-lo nos mínimos detalhes, ou, doutro

modo, esquecê-lo-eis.

O ponto central da “Prattica dell’estasi ” é constituído certamente pelo “destacar” da alma do

corpo, que, naturalmente, e se lermos com atenção, é dado como certo, pois perante a frase “l’anima

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pensando d’avere a ritornare nel corpo”, não podemos não constatar que o regresso ao corpo sobrevém

depois de uma separação, havida enquanto o corpo continuava a viver regularmente.

A semelhança com os dois últimos “Versos Áureos” de Pitágoras que recitam textualmente: “Assim,

o corpo despojando, no éter livre andarás / espírito númeno imortal e invulnerável serás” é notável.

Quando sabemos que o objectivo primordial do discípulo pitagórico era o de alcançar com

sucessivos esforços a libertação dos vínculos do corpo, e não a espera passiva e inerte da morte,

percebemos claramente que os versos aludem àquele abandono do corpo que se obtém com o “destaque

voluntário ritual” e não aquele “destaque” que a morte traz a todos os homens e a todos os animais. Como

é evidente, trata-se de algo essencial para a correcta compreensão do Pitagorismo e das consequências da

prática do êxtase. E, num assunto desta importância, para que seja ainda mais claro de que não se trata de

um simples acaso, veja-se que o último verso contém três palavras que, todas, significam imortal.

No Fédon, Sócrates diz:

“É pois bastante claro que se nós quisermos conhecer alguma coisa verdadeiramente, é preciso

segregar-se do corpo, e a alma deve examinar por si própria as coisas em si mesmas… Durante a

presente vida nós só nos aproximaremos da verdade na medida em que nos afastarmos do corpo e

renunciarmos a manter comunicação com ele”.

Na sua obra “Apologia para os grandes homens suspeitos de magia”, Gabriel Naudé, amigo e

contemporâneo de Campanella, que havia definido o filósofo como a “fénix dos génios”, escreve:

A melancolia pode reter longamente a alma numa profunda meditação, e então os espíritos

[note-se a semelhança com as palavras do «Estasi»] retiram-se aonde a alma se fecha no seu centro,

para lhe prestar qualquer serviço, os outros permanecem destituídos do seu calor influente e

parecem não ter mais nenhuma centelha de vida; é propriamente a isso que chamamos Êxtase”.

Campanella conforma-se assim fielmente à tradição mistérica mais antiga. A «prattica dell' estasi»

não fornece ao aspirante uma descrição pormenorizada da fisiologia oculta do Homem, mas limita-se, para

que este importante “destaque” seja alcançado, a sugerir um “método”; método esse que podemos, por

comodidade, subdividir e resumir em três partes, e que é suficiente para alcançar o objectivo:

1. preparação do corpo.

2. exercício sobre o pensamento.

3. exercício sobre o intelecto.

Na “Prattica dell’estasi ”, também não se faz qualquer referência a exercícios respiratórios, mas

sabemos por Reghini e por outros discípulos da Scuola Italica que alguns destes exercícios revestem uma

certa importância nos rituais por eles seguidos. Sobre os resultados, as informações são escassas, mas

alude-se com frequência a diferenciados estados de consciência alcançados ou a serem alcançados.

Cremos, por isso, que não seja inútil dar uma olhada aos ensinamentos mais ortodoxos da tradição

védica e ver o que se diz a este propósito, uma vez que foi demonstrada a proximidade ideológica entre

tradição pitagórica e tradição vedantina, e seria oportuno confrontar as experiências descritas no yoga

indiano com aquelas da scuola itálica, onde podemos apreciar ainda melhor o método pitagórico por nós

examinado.

“No hatha yoga, o motor principal da transformação... da mente comum [manas] numa condição

para lá da mente – é de natureza pneumática [espiritual]. – escreve D. G. White em “Il corpo

alchemico” pag. 56 – É o vento, o elemento dinâmico da antiga tríade védica, que assumindo a

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forma do respiro controlado desempenha um crucial papel transmutativo no sistema hatha-yóguico.

Quando o respiro é estável, a mente e o sémen são estabilizados; mas, coisa ainda mais importante,

quando, através do controlo do respiro [pranayama], é aberta a base do canal central, esse mesmo

respiro causa a inversão das polaridades comuns. Em vez de descer, o sémen, a energia e a mente

são então feitas sair pela abóbada craniana, determinando a total integração yóguica [samadhi], a

inversão do fluxo do tempo, a imortalidade e a transcendência de todo o universo criado”.

A relação entre respiro e cabeça (crânio) é, portanto, explícita, tal como não se pode excluir o facto

de que a inversão do tempo deva ser relacionada com o controlo e a paragem do fluxo do pensamento; esta

informação de White ajuda por isso a compreender melhor as misteriosas referências de Campanella ao

“crânio” e aos “espíritos” que podem exalar da cabeça.

As notícias “alquímicas” de White são ainda mais particularizadas e contribuem na perfeição para

compreender a razão pela qual Reghini falava de um “arcano” quando comentava a “Prattica»

Existe um monumento esculpido em pedra à memória de Tommaso Campanella que o representa

nas suas vestes de frade, sentado com o pé esquerdo apoiado sobre dois livros e o queixo apoiado sobre a

mão esquerda, numa posição tal que nos recorda a descrição existente na “Prattica”. Será por acaso?

Mas há mais. Lemos noutros excertos do livro de White que a famosa Cidade da Lua poderia muito

bem ser uma Cidade do Sol pois na tradição vedantina a inversão entre Lua e Sol não é impossível e não

ofende a sensibilidade e a inteligência do operador, como certamente poderia acontecer noutros lugares

longe da Índia mágica e alquímica. (Alguns siddha chamam sol e lua os dois canais laterais do corpo subtil).

Na fisiologia yóguica do homem, o Sol, localizado em baixo e a Lua, posicionada na cabeça,

fornecem matéria de contemplação e de estudo importante, à qual o ocultismo ocidental também sempre

deu muita atenção.

A este respeito, White escreve que dum lado encontramos juntos a Lua e o Mercúrio, e, do outro, o

Sol e o Enxofre; daí decorre, então, que devemos reconhecer na Cidade do Sol o estado sucessivo ao da Lua,

alcançado no cimo do crânio em virtude de um “modelo yóguico que descreve a separação yóguica da

consciência comum e o retorno a ela, nos termos de uma interacção entre o Sol, localizado no baixo-ventre,

e a Lua, colocada na abóbada craniana do corpo subtil”.

É impossível não ver nestes excertos semelhanças, analogias, afinidades, para não dizer mais, com

os pontos mais “arcanos” da “Prattica”, sobre os quais, ainda que com o auxílio dos exercícios da alquimia

indiana, é possível lançar um feixe de luz clarificadora.

Os fugitivos indianos, uma vez fundada a nova cidade, decidem viver em comunidade; o paradoxo

de um povo que põe tudo em comum (é um paradoxo porque o próprio filósofo se encarrega de precisar

que, no seu país de origem, não se pratica este costume), homens, mulheres, bens, ainda que tenha um

ilustre precedente na utopia platónica, não deve ser considerado como uma utopia, ou, como alguém já

disse, uma forma de socialismo aristocrático, ou, ainda, erradamente, uma espécie de comunismo radical.

Vê-lo-íamos de melhor vontade como a metáfora principal desta obra na qual o dualismo filosófico do ser e

as suas consequentes antinomias humanas e sociais só podem ser reconhecidas e depois anuladas num

corpo que as transmuta e as transcenda a todas, depois de se sujeitar a elas e as sofrer. O melhor modo de

o interpretar é precisamente aquele usado por Campanella: comunhão de tudo numa espécie de

monaquismo ortodoxo, o múltiplo no todo, o tudo no Uno: uma visão que nos reporta para Plotino, o

grande pitagórico do séc. III d.C..

Quando Campanella aborda o problema da geração, a metáfora torna-se mais profunda e menos

explícita, e, por isso, mais esotérica. A pureza da raça não é o resultado de uma simples norma eugénica e

de engenharia genética, ou de normas com as quais os habitantes da república teriam de se conformar, mas

sim o resultado de uma destilação operada no atanor de uma sociedade fortemente hierarquizada que,

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através do impedimento dos débeis, dos impuros e dos néscios de se desenvolverem e se multiplicarem,

expressa a aspiração a uma cidade solar liberta da decadente e degenerada condição humana, condição

geralmente considerada como transitória rumo a um estado numinoso. Encontramos por isso mais uma vez

o propósito final da palingenesia pitagórica.

No Ocidente, uma visão deste género, tendo sofrido o ostracismo de quase todas as instituições

civis e religiosas (que se afirmaram depois da desagregação da civilização greco-romana) resta o apanágio

de restritos círculos de iniciados, ao passo que na Índia, onde os sonhos e as quimeras frequentemente se

realizam, andou a alimentar os estudos e as tradições mágico-alquímicas que visam a perfeição do corpo e a

sua imortalidade, que coexistiam harmoniosamente e frequentemente coincidiam com as vias internas de

separação e integração da consciência individual na consciência cósmica.

A breve mas significativa referência que Campanella faz a uma regeneração do corpo físico quando

afirma que os solarianos “têm por segredo o renovar da vida a cada sete anos, sem aflições e com bela arte”

é muito importante. Esta afirmação não pode ser entendida como um convite a uma simples dieta

alimentar virada apenas para a saúde do corpo, porque a referência à posse de um segredo é nítida e está

ligada ao exercício de uma arte, palavras que encontramos todas igualmente usadas na linguagem dos

alquimistas e dos hermetistas. Para ser um pouco mais claro: é a confirmação que Campanella entendia

fazer da Cidade do Sol um modelo de vida para seres que deviam passar pela primeira morte, e que, através

do exercício de uma arte, se teriam dirigido para a imortalidade do espírito em conjunto, talvez, também

com a do corpo. Esta última possibilidade é considerada pelos alquimistas indianos não só como possível,

mas como certa.

Na Índia, o poder mágico de regeneração está relacionado com o uso de ervas e águas curativas sob

o controlo directo de escolas de alquimistas, ao passo que, no Ocidente, estes conhecimentos eram o

apanágio de raros cenáculos fechados, onde o conhecimento e o uso das ervas eram privilegiados. Na

Scuola Italica temos o exemplo de Amedeo Armentano, mestre de Arturo Reghini, que usava a ortiga para

fins mágicos.

É muito provável que o mago Campanella se tenha detido, no decorrer dos seus estudos e das suas

viagens, sobre as numerosas analogias entre “via bramânica” e via pitagórica, sem excluir, por outro lado, o

seu interesse por uma “via do cinábrio” que prevê o uso sem preconceitos do aparelho físico-sensório

humano com respeito às funções do corpo subtil que vemos serem utilizadas e até muito bem nas “escolas”

que se limitam a dar uma iniciação virtual ou simbólica.

A este propósito, é revelador o facto que, ao falar da arte militar e guerreira, os solarianos, diz

Campanella, “não temem a morte, porque todos crêem na imortalidade da alma, e que, morrendo, se

juntam com os espíritos bons ou culposos, segundo os méritos. Ainda que eles fossem brâmanes

pitagóricos, não criam na transmigração da alma, a não ser por qualquer decisão de Deus”.

O que teria levado o frade calabrês a afirmar que os solarianos crêem na imortalidade da alma e

não na sua transmigração (a menos que ela seja decretada por Deus) e assim a distanciar-se de um dos

principais aspectos do pensamento bramânico e pitagórico? É difícil dizê-lo: a doutrina católica nega a

transmigração da alma nos corpos; teria sido pois por cautela religiosa ou por conveniência política, ou

porque, mais uma vez, teria querido ocultar na expressão enigmática giudizio di Dio algo que tem que ver

com a condição humana, resultante de inúmeras existências estratificadas no homem histórico, como é

definido na tradição hermética?

Na verdade, a Cidade do Sol é um imponente edifício político e social dotado de inusuais

instrumentos de governo e de uma moral, que nada têm em comum com os princípios da doutrina cristã;

cremos que as escassas referências que Campanella concede à tradição cristã são devidas, acima de tudo, à

necessidade que teve de salvaguardar o seu escrito dos numerosos inimigos que, dentro e fora da Igreja,

urdiam planos para o tramar e sonhavam a sua perda.

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Não conseguiu evitar os processos e a dura prisão, mas, para fugir à morte, o filósofo de Stilo serviu-

se de alguns estratagemas: o da loucura, que finge em frente aos torturadores da Santa Inquisição para

evitar a morte física, e o da alegoria com que se revestem alguns dos seus mais importantes escritos, entre

os quais a Cidade do Sol, para dar a conhecer a sua doutrina a quem tinhas ouvidos para ouvir e olhos para

ver.

Uma última reflexão, antes de terminar, feita sobre a numerologia da Cidade do Sol que merece um

tratamento à parte. De facto, entre a influência astrológica e o movimento dos sete planetas, em relação

com os sete círculos com os quais é composta a cidade, que têm os nomes dos próprios planetas e os sete

centros vitais do Homem (os sete çakra da tradição védica) existe uma estreita relação. Mais um indício que

permite afirmar que no centro da urbe solar se ergue a possante figura do Homem sobre a via da

divinização.

Concluímos dizendo que estes são simples apontamentos baseados sobre algumas intuições, que

não têm a pretensão de constituir propriamente um verdadeiro estudo; poderão apenas representar um

ponto de partida e um incentivo para uma análise mais douta e mais extensa que confiamos a quem souber

e quiser fazê-la.

ROBERTO SESTITO

Traduções para o português de Emirene Armentano. Todos os direitos reservados.

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