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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO INSTITUTO DE EDUCAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Educação
MARIA CLAUDIA RAMOS CABETE PEREIRA
FRACASSO ESCOLAR E APRENDIZAGEM:
Leitura, linguagem oral, mediação
Cuiabá – MT 2005
2
MARIA CLAUDIA RAMOS CABETE PEREIRA
FRACASSO ESCOLAR E APRENDIZAGEM:
Leitura, linguagem oral, mediação
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação, da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação (Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas e Formação de Professores; Linha de Pesquisa: Educação e Linguagem; Grupo de Pesquisa: Sociologia da Linguagem e Educação).
Orientadora: Profª. Drª. IZUMI NOZAKI
Cuiabá – MT 2005
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Índice para Catálogo Sistemático 1. Leitura 2. Linguagem oral 3. mediação
P436f Pereira, Maria Claudia Ramos Cabete Fracasso Escolar e Aprendizagem: leitura, linguagem oral, mediação/ Maria Claudia Ramos Cabete Pereira. - - Cuiabá: UFMT/IE, 2006.
167p. : il. color.
Trabalho apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Instituto de Educação da Universidade Federal de Mato Grosso, como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Educação (Área de Concentração: Teorias e Práticas Pedagógicas e Formação de Professores; Linha de Pesquisa: Educação e Linguagem; grupo de Pesquisa: Sociologia da Linguagem e Educação).
Orientadora: Profª. Drª. Izumi Nozaki. Bibliografia: p. 163-167. Incluem Anexos CDV – 372.41
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DEDICATÓRIA
À minha mãe, por seu exemplo de força,
coragem e perseverança mesmo diante das
maiores adversidades.
À meu marido e filhos, fontes inesgotáveis de
paciência, compreensão, que impulsionaram e
apoiaram o processo de construção do meu
trabalho, “aromas” que preenchem o meu viver
e fazer.
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AGRADECIMENTOS ESPECIAIS
À Professora Drª. IZUMI NOZAKI pelo aprendizado compartilhado através do seu conhecimento, pela brilhante orientação e ajuda no processo de produção e concretização do trabalho de mestrado.
Às professoras Dras. TATIANE DIAS LEBRE e CANCIONILA JAZKOVSKI CARDOSO pelo profissionalismo e competência e por aceitarem o convite para participarem da avaliação do trabalho. Às colegas mestrandas FLÁVIA e MARILZA (mais que amiga, irmã), grandes companheiras de percurso. Aos alunos, professores e pais, sujeitos da pesquisa, pela colaboração e autorização na utilização dos resultados. Aos diretores e coordenadores das escolas pesquisadas que facilitaram o acesso à escola e colaboraram com a pesquisa. Aos mestres, colegas, coordenadores e funcionários do Programa de Pós – Graduação da UFMT, pela convivência, ajuda e aprendizagem compartilhada. Aos colegas e amigos ROSA, ELIZEU, MARLENE, IZANA, TEREZINHA, CEZAR, ROSA NEIDE, JOCINETE, MARIA APARECIDA e outros que me incentivaram e participaram em momentos específicos do processo de construção do trabalho. Às minhas irmãs HELENICE, MARTA e HELENA e SORAIA , pelo incentivo.
À UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO - UFMT e à SECRETARIA DE ESTADO DE EDUÇAÇÃO – SEDUC, por permitirem o acesso e viabilização dos meus estudos.
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RESUMO Pesquisas têm mostrado que crianças em fase de pré-adolescência, apesar de
submetidas ao processo de escolarização e alfabetização dentro de uma proposta
inovadora e voltada para o enfrentamento do fracasso escolar, continuam
apresentando problemas de aprendizagem de leitura. A experiência como
professora e fonoaudióloga tem mostrado que os pais percebem que seus filhos
apresentam problemas de acompanhamento escolar, e que professores identificam
empiricamente os alunos com dificuldades de aprendizagem. Pressupondo a
existência de implicações do desenvolvimento da linguagem oral sobre o
desenvolvimento da aprendizagem da leitura, o presente estudo buscou avaliar o
desenvolvimento real da criança com dificuldade de aprendizagem da leitura e
identificar os fatores de ajuda (mediação) acionados pela família e pela escola no
seu processo de desenvolvimento. Apoiando-se na teoria do desenvolvimento da
linguagem de Vygotsky, dos códigos sociolingüísticos de Bernstein e nos
instrumentos de avaliação da linguagem e da leitura de Alliende e Condemarín, o
presente estudo aplicou nove atividades de linguagem oral e de leitura em 18
crianças da I fase do II Ciclo de escolas municipais de Diamantino identificadas
pelos professores como com dificuldades de aprendizagem, entrevistou seus pais ou
responsáveis e realizou filmagens em sala de aula para observar a interação dos
professores com esses alunos. O estudo revelou que as crianças consideradas
como com dificuldades de aprendizagem lêem palavras e textos simples e
complexos, com muitas ou poucas letras e palavras, mas apresentam dificuldades
quanto ao entendimento do que leu e não fazem perguntas aos adultos para obter
informações ou ajuda. Os pais apresentam diferentes fatores de ajuda, portanto, não
são omissos, mas são fatores com poucas implicações sobre o processo de
aprendizagem da criança. Na escola, os professores pouco falam com as crianças
com dificuldades de aprendizagem e não apresentam tarefas diferenciadas para
elas. Diante dos resultados, o estudo concluiu que o desenvolvimento da linguagem
oral não tem implicações sobre a alfabetização gráfica, mas sobre a identificação
dos significados das palavras, e propôs que os professores utilizem um instrumental
adequado para avaliar as crianças de modo a obter informações mais precisas
referentes às dificuldades de aprendizagem e poder organizar ações mais seguras
capazes de mediar o desenvolvimento e o aprendizado de seus alunos.
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ABSTRACT
Researches have shown that children in pre-adolescence stage, although they are
submitted to schooling and literacy process within an innovative proposal that aims to
reduce the rate of scholastic failure, they have difficulties in reading. The experience
as a teacher and as a phonoaudiologist allows me to assure that parents of children
with difficulties in learning at school are conscious of their handicap, and teachers, in
general, used to identify empirically the pupils with difficulties to learn. Considering
the existence of implications of oral language development on the development of
the reading skills, the present study evaluated the real language and learning
development of 18 children of 1st Phase of 2nd Cycle of Diamantino city public
schools. They were identified as children with difficulties to learn by their teachers,
and they were asked to answer to nine oral language and reading activities. Also, to
identify the family and school’s help factors towards children’s development, their
parents or relatives were interviewed and interactions between their teacher and
pupils in classroom were video recorded. The study was based on Vygotsky’s theory
of language, Bernstein’s sociolinguistic code theory, and Alliende and Condemarín’s
tools of language and reading skills evaluation. It revealed that children considered
as having learning difficulties are capable of reading words and simple and complex
texts with many or few letters and words; otherwise, they have difficulties to
understand what they had read, and they do not used to ask for help or for
information to an adult even when they need some. The parents revealed that they
are not absent in their children’s school life once they try to help them to get success
at school, but the help factors they present have weak implications on children’s
learning process. At school, teachers rarely talk to the children with learning
difficulties and do not give them different exercises or activities. In conclusion, the
development of the oral language has no implications on the process of learning of
the alphabets, but it is crucial to the development of the capacity of identification of
the meanings of the words. Finally, the study emphasized the importance of teachers
to use more appropriated ways to evaluate children development stage so that they
can obtain more precise information about their pupils and their learning difficulties;
doing so, they will certainly be in better conditions to mediate children development
and school learning process.
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LISTA DE QUADROS
Quadro 1. Evolução do crescimento populacional e escolarização no Brasil, da
população de 5 a 19 anos, de 1920 a 1970...............................................................27
Quadro 2. Aspectos do crescimento da população de 7 a 12 anos, no Brasil, e a
expansão do ensino primário por regiões..................................................................28
Quadro 3. Rendimento do ensino primário comum no Brasil, entre 1959 a 1969.....29
Quadro 4. Percentual de estudantes nos estágios de construção de competências –
Língua Portuguesa – 4ª série E.F. Brasil – SAEB, 2001 e 2003................................32
Quadro 5. Demonstrativo da constituição de turmas nas Escolas Cicladas de Mato
Grosso........................................................................................................................33
Quadro 6. Progressão da leitura nas séries iniciais..................................................48
Quadro 7. Exemplos de funções de comunicação e da linguagem de crianças
pequenas....................................................................................................................59
Quadro 8. Resultados do levantamento por escola do nº de salas da I fase do II ciclo
e de alunos com dificuldades de aprendizagem e de leitura.....................................73
Quadro 9. Codificação dos indivíduos da amostra....................................................75
Quadro 10. Síntese das atividades de leitura e linguagem oral aplicadas às
crianças......................................................................................................................81
Quadro 11. Registro de conceitos sobre a linguagem escrita...................................82
Quadro 12. Roteiro para avaliar a familiarização das crianças com diversos
textos..........................................................................................................................83
Quadro 13. Ficha de observação da leitura oral........................................................84
Quadro 14. Roteiro da Entrevista com os pais..........................................................88
Quadro 15. Dados relativos à família das crianças...................................................90
Quadro 16. Perfil dos sujeitos da pesquisa – dados das crianças, informações
coletadas através de pais e professores....................................................................95
Quadro 17a. Avaliação da leitura emergente. (atividade 1)....................................100
Quadro 17b. Avaliação da leitura emergente. (atividade 2)....................................101
Quadro 18a. Avaliação da leitura inicial. (atividade 3)............................................102
Quadro 18b. Avaliação da leitura inicial. (atividade 4)............................................103
Quadro 19. Avaliação da leitura das séries intermediárias.....................................103
Quadro 20. Avaliação da linguagem oral das crianças...........................................124
Quadro 21. Síntese dos resultados da avaliação da leitura....................................126
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Quadro 22. Resultado geral da leitura e da linguagem...........................................127
Quadro 23. Mediação da família..............................................................................133
Quadro 24. Freqüência da mediação do professor em sala de aula.......................141
Quadro 25. Freqüência da leitura da criança em sala de aula................................142
Quadro 26. Quadro geral dos dados e análise da pesquisa...................................145
Quadro 27. Classificação dos resultados das crianças por ordem decrescente de
valores......................................................................................................................147
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SUMÁRIO
MEMORIAL ...............................................................................................................11
INTRODUÇÃO: O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA.........................25
CAPÍTULO I – FRACASSO ESCOLAR E APRENDIZAGEM: REVENDO
CONCEITOS DE LEITURA, LINGUAGEM, MEDIAÇÃO...........................................40
1.1. O Fracasso escolar e a aprendizagem da leitura............................................40
1.2. A linguagem e suas perspectivas....................................................................49
1.3. A mediação no processo de aprendizagem....................................................65
CAPÍTULO II – METODOLOGIA DA PESQUISA......................................................71
2.1. O tipo da pesquisa...........................................................................................71
2.2. O local da pesquisa.........................................................................................72
2.3. Os sujeitos da amostra: instrumentos, procedimentos e critérios de
análise.............................................................................................................73
2.3.1. Avaliação da leitura e linguagem oral das crianças.........................................75
2.3.2. Avaliação da mediação da família...................................................................87
2.3.3. Avaliação da mediação da escola...................................................................93
CAPÍTULO III – RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS.......................................95
3.1. Perfil das crianças do estudo...........................................................................95
3.2. Resultado da análise da leitura e da linguagem oral.......................................99
3.2.1. Avaliação da leitura.........................................................................................99
3.2.2. Avaliação da linguagem oral..........................................................................110
3.3. Os fatores de mediação da aprendizagem da família e da
escola............................................................................................................128
3.3.1. A família na mediação da aprendizagem......................................................128
3.3.2. Resultados e análise das observações em sala de aula, a medição
professor/aluno..............................................................................................134
3.3.3. A medição da leitura em sala de aula............................................................142
CONSIDERAÇÕES FINAIS.....................................................................................150
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.........................................................................163
ANEXOS
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MEMORIAL
Maria Claudia Ramos Cabete Pereira
Eu, Maria Claudia Ramos Cabete Pereira, nasci em Altinópolis, Estado de
São Paulo, no dia 31 de maio de 1956. Sou filha de Cidônio Ramos Cabette,
agricultor, e de Ruth Soares Cabette, do lar. Sou a quarta filha de uma prole de nove
filhos, somos cinco mulheres e 2 homens, sendo dois falecidos. Atualmente, sou
casada com Antonio Carlos Pereira e tenho dois filhos: Maisa e Rafael, de 21 e 18
anos, respectivamente.
Meu pai, já falecido, era descendente de pai português e mãe italiana.
Apesar de um homem simples, sempre exerceu uma certa liderança junto aos seus
irmãos e às pessoas vizinhas. Era uma espécie de conselheiro, pessoa calma,
sempre usava o mesmo tom de voz grave e pausada. Alto, magro, sério, mas que
traduzia serenidade e um grande poder de convencimento. Um homem especial, que
apesar de nos estudos não ter ultrapassado as séries iniciais, sempre foi um grande
leitor e contador de histórias.
Minha mãe era descendente de pai português e mãe brasileira, e dedicou
sua vida à educação dos filhos e à árdua tarefa diária dos afazeres domésticos. Uma
grande matriarca, pessoa forte e decidida, uma pessoa que poucas vezes vi chorar,
trabalhava muito, se dedicou para manter as condições de estudo e de um bom nível
de vida para os filhos. Procurava, quando necessário, resolver os problemas
financeiros vendendo roupa, ou doces de marmelo, de goiaba, aproveitando as
frutas de cada época. Ela sempre foi mais determinada que meu pai, lutava por uma
vida mais confortável para a família. Minha mãe estudou até o curso ginasial, e
sempre reclamava por não ter se formado e trabalhado como uma de minhas tias,
que se formara como professora e lecionava no Colégio Industrial. Interrompeu os
estudos para ajudar minha avó nos trabalhos domésticos e nos cuidados com meu
avô, um homem doente, que exigia atenção especial.
Meus dois avôs materno e paterno, ambos, por coincidência, chamados
Manoel, morreram cedo, e por isso, em ambas as famílias, predominou o
matriarcado.
Tenho algumas características de meu pai, mas creio que a herança
genética de minha mãe predominou, pois nós duas temos o temperamento forte.
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A infância
Fui uma criança muito tímida, mas observadora. Desde bem pequena,
ajudava nos afazeres domésticos e a cuidar de meus irmãos, visto que minha mãe
não tinha empregada doméstica para auxiliar nas tarefas do lar.
Fui sempre uma pessoa muito medrosa e indecisa, o que fez com que as
coisas sempre acontecessem com um certo atraso em minha vida. Pensava e ainda
penso muito antes de tomar qualquer decisão.
Passei toda a minha infância no Sítio São Marcos, distante 10 Km de
Altinópolis, brincando por entre as árvores, na lagoa nadando ou pescando tilápias;
chupando manga, jabuticaba; pulando corda; jogando peteca; ouvindo as conversas
dos freqüentadores da “Venda da Helena”, que era propriedade de minha avó
paterna Dona Helena Bonolo, e as histórias contadas por meu pai após o jantar.
A venda de minha avó ficava a uns 50 metros de minha casa, ao lado da
estrada que dava acesso a várias fazendas e sítios, onde passavam os caminhões
para pegar a produção de leite da região e, portanto, ponto de encontro dos
fazendeiros locais.
O sítio tinha uma máquina de beneficiar arroz que ficava em frente à casa
onde morávamos e um belo campo de futebol onde aconteciam jogos aos finais de
semana entre os peões das fazendas, quando nós, isto é, eu e meus irmãos
vendíamos pirulitos fabricados pela minha mãe.
Foi uma infância da qual trago boas recordações. Lembranças do grande
sobrado, onde as alegrias se misturavam ao medo dos morcegos, que, às vezes,
entravam durante a noite. Lembro-me da pequena vela acesa sobre o azeite que
clareava suavemente o quarto que compartilhava com todos os meus irmãos.
Recordo-me das brincadeiras ao entardecer e à noitinha no terreiro de café em
frente à casa onde brincávamos de “lenço atrás”, “salve latinha”, “brincadeiras de
roda”, e tantas outras.
Existia, no andar de cima da casa, um quarto enorme, o maior de todos,
que estava sempre fechado e que chamávamos de quarto dos morcegos. O que
acontecia é que no quarto, que não tinha forro, os morcegos transitavam livremente.
Porém, foi neste quarto que descobri o encantamento dos livros. Minha irmã mais
velha fora estudar em Altinópolis, mas deixou em uma gaveta esquecidos alguns
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livros. Um era o da Cinderela, um livro grande com gravuras coloridas e capa
grossa, exibindo personagens que instigavam a minha imaginação e os sonhos com
príncipes e princesas.
Os livros sempre tiveram presença marcante em minha casa.
Ganhávamos muitos livros de primos e primas e tias. Havia na copa do grande
sobrado onde morávamos uma estante repleta de livros lidos pelos mais velhos aos
menores, ou por nossos pais. Lembro-me bem da coleção “Sítio do Pica-pau
Amarelo”, de Monteiro Lobato, a coleção “Angélica”, “Os Segredos de Taquarapoca”,
e tantos outros. As imagens dançavam em minha mente, imaginava lugares nunca
visitados, desvendava o mundo através daquelas palavras saboreadas com tanto
gosto.
O contato com aquele mundo rural cheio de surpresas, também, foi uma
grande escola. Por exemplo, as festas folclóricas e religiosas, como a imagem dos
foliões de reis que vinham com suas roupas de palhaço e adentravam a sala de
nossa casa cantando e dançando, e eu e meus irmãos, enfileirados e assustados na
escada do sobrado esperando sermos escolhidos por meu pai para segurar a
bandeira.
O pouco contato com os brinquedos industrializados favorecia a
imaginação e a busca por brinquedos e brincadeiras utilizando os recursos naturais
ou de domínio popular, passados de geração a geração pelos mais velhos.
Brincadeiras como com a peteca de palha de milho e pena de galinha,
cuidadosamente confeccionada por meu pai, eram partilhadas por todos ao final da
tarde.
Em dias de chuva, participávamos das sessões de brincadeiras como
trava-língua, adivinhações e músicas infantis, dirigidas com maestria por minha mãe
para aliviar o medo e a tensão das crianças causados pelos relâmpagos e trovões,
ao mesmo tempo em que degustávamos bolinhos de chuva ou pipoca, cujo milho
era produzido no próprio sítio.
Lembro-me também do amigo (quase um avô), o Sr. João Daniel, pai do
Milton, um dos palhaços da “folia de reis”, que trabalhava no sítio com sua família e
morava ao lado do sobrado, e que, quando ia à cidade, trazia um saquinho de papel
cheio de doces coloridos.
Como valorizávamos as pequenas coisas! A horta e as flores plantadas
por minha avó (dálias, rosas, bocas de leão, palmas, etc), o cheiro das frutas como
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goiabas, ameixas, laranjas, abacates... A sangria, suco feito com vinho tinto, os
doces caseiros, os biscoitos e as broas de milho feitos no forno à lenha, o bolo de
fubá assado sobre as brasas e o feitio da pamonha compartilhado por todas as
crianças.
Era um mundo sem violência, onde predominava a emoção, a imaginação,
a criatividade das brincadeiras, e nos brinquedos, pequenos pedaços de pau,
sabugos de milho, folhas, transformavam-se em bois, vacas, bonecas, carros.
A grande alegria era quando meu pai e os funcionários do sítio matavam
porco do qual se aproveitava praticamente tudo: o toucinho, o torresmo para fazer o
pão, a carne era moída, as tripas lavadas e secas para fazer lingüiça caseira, e os
miúdos para o chouriço. Como não havia refrigeração, a carne normalmente era logo
consumida ou cozida e acondicionada em latas, para ser conservada na própria
banha do animal.
A subsistência vinha quase toda do que era plantado e dos animais
criados no sítio. A forma de vida assemelhava-se um pouco com a vida nos tempos
feudais. Até mesmo as roupas eram confeccionadas por minha mãe que comprava o
tecido em peça na venda da minha avó. Nesta época, poucas coisas eram
compradas na cidade.
Nós, as crianças, adorávamos as festas. As festas natalinas aconteciam
ao lado da casa da minha avó, na avenida de jabuticabeiras onde meus tios tocavam
e meu pai e minha mãe cantavam a música “Cabocla Tereza”, ou meu pai cantava
tango. Havia também os terços e festas juninas no nosso sítio e nos sítios vizinhos,
aonde íamos com a lanterna, aos bandos, cantando e brincando na escuridão da
noite.
Faltavam alguns meses para completar sete anos quando ingressei na
vida escolar freqüentando a Escola Rural do Bairro do Congonhal que ficava ao lado
da estação de trem, aproximadamente 1Km e meio da sede do sítio. A escola
funcionava somente com uma sala multiseriada. O local era chamado Bairro do
Congonhal por agregar várias áreas de terra situadas em torno da estação da
Estrada de Ferro São Paulo e Minas.
Meu primeiro ano escolar foi bastante tumultuado. No início, sentia muito
medo, medo que muitos achariam ridículos, mas que acarretavam em mim grande
sofrimento. Saíamos bem cedo, eu e meu irmão Marcos, às vezes, com o campo
coberto de geada. Eu tinha muito medo de atravessar os “mata burros” da estrada e,
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como meu irmão não me ajudava na travessia, muitas vezes atravessava
engatinhando. Hoje, olho para os mesmos “mata burros” e penso como pude ter
medo de algo tão insignificante. Assim, vejo como a imaginação da criança pode
influenciar significativamente em seu comportamento e desenvolvimento.
Na infância, fui um pouco franzina, e tive alguns problemas de saúde que
dificultaram um pouco o meu aprendizado da leitura e da escrita. Tinha bronquite
asmática que me obrigava a faltar com freqüência às aulas. Por um período
prolongado e crítico de saúde, fui encaminhada para a cidade de Ribeirão Preto para
tratamento.
Durante o tratamento, minha família mudou-se para Altinópolis e, ao
retornar para a escola, estava matriculada no Grupo Escolar Coronel Joaquim da
Cunha. Minha nova professora, Dona Aurora, teve bastante paciência comigo, e me
ajudou por meio de aulas particulares em sua casa. Mesmo com a ajuda da
professora, percebo que até hoje apresento certa dificuldade na grafia de palavras e
também de pontuação, concordância verbal e nominal. Nessa escola, completei as
quatro séries iniciais e fiz prova de admissão, obrigatória para o ingresso no curso
ginasial.
Com a mudança para a cidade, começaram também as dificuldades
financeiras para minha família. No sítio, tínhamos quase tudo para as necessidades
básicas, pois o que meu pai não plantava, adquiríamos na venda da minha avó que
funcionava como uma pequena mercearia onde encontrávamos o básico para a
subsistência.
Na cidade, passamos a ter contato com coisas tais como o cinema, o
sorvete, o chiclete, as roupas de moda, que eram praticamente desconhecidas para
nós, e que antes não nos fazia falta, mas que agora nos atraía.
A mudança dificultou também a vida de meu pai que já não contava com
minha mãe em certas atividades do sítio, e para minha mãe que,nesta ocasião,
tinha que resolver parte dos problemas sozinha.
A mudança do sítio para a cidade, principalmente pelos meus problemas
de saúde, só foi um pouco antecipada, pois ela ocorreria de qualquer forma, porque
meus pais queriam que nós estudássemos. Nesse período, meus dois irmãos mais
velhos já estavam na cidade morando com uma tia e cursavam o ginasial, em
Batatais, uma cidade vizinha, onde havia o Colégio Vocacional, no qual se
desenvolvia uma experiência inovadora para a época. No colégio os alunos
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estudavam artes, ginástica olímpica e outras disciplinas que não faziam parte do
currículo na maioria das escolas.
Não havia naquele tempo as facilidades de acesso à escola como as de
hoje. Trago gravadas em minha memória lembranças das divisões em sala de aula
em alunos fracos, médios e fortes, e de muitos colegas que reprovaram ou mesmo
abandonaram a escola.
A Adolescência
Em Altinópolis, fiz o curso ginasial no Colégio Estadual Professor Antônio
Barreiros, onde tive muitas dificuldades de relacionamento com os professores (eu
era muito tímida e os professores muito rígidos) e de aprendizagem. A metodologia
de ensino era bastante tradicional.
Neste período, fui uma aluna mediana, e infelizmente reprovei em
matemática no último ano do colegial (correspondente hoje à oitava série), o que
além de me custar mais um ano de estudo, tive ainda, no ano seguinte, que
compartilhar a mesma sala de aula com minha irmã um ano mais nova.
Quando penso em minha reprovação, lembro-me também que fiz aulas
particulares com uma professora de matemática, prima de minha mãe, e que por
mais que ela me ensinasse as equações, não conseguia entendê-las. E quando
penso nesses momentos, me questiono sobre esses problemas de aprendizagem,
pois meus irmãos não tiveram as mesmas dificuldades.
O que me ajudou a superar os problemas de aprendizagem? Em uma
família grande, existe muita competitividade, mas também muita colaboração, e a
ajuda familiar, para mim foi importante tanto apoiando como cobrando resultados.
Existia também em mim uma grande vontade de vencer. Ademais, a perspectiva de
mudança para Ribeirão Preto trouxe novas esperanças e mudanças significativas
em minha vida e desempenho escolar.
Outros colegas não tiveram a mesma sorte: lembro-me de um colega que
tinha dificuldade no ritmo da fala, caracterizado como gagueira, que tanta pressão e
humilhação sofreu dos professores (mais especificamente da professora de história)
que abandonou os estudos.
Em 1973, minha família mudou-se novamente, agora, para Ribeirão Preto,
com o propósito de facilitar os nossos estudos e pela necessidade financeira de
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buscar um centro maior que possibilitasse, além dos estudos, trabalho para os filhos
mais velhos. No novo colégio, encontrei professores mais interessantes, disciplinas
pelas quais me interessei muito como Sociologia, Língua Portuguesa,
especificamente os conteúdos de literatura e Biologia pela qual cultivei um interesse
especial por genética, e cujo professor era uma pessoa extremamente versátil,
alegre, e ensinava utilizando trocadilhos.
Neste período, cursei o 2º Grau, hoje denominado Ensino Médio, no
Colégio Estadual Otoniel Motta, uma escola pública bastante conceituada na
localidade. Nesta escola, consegui superar parte da minha timidez, mas ainda
persistiam alguns problemas de aprendizado e de adaptação. No primeiro ano, fiquei
para fazer a recuperação da disciplina de Português. Sempre me sentia um pouco
inferior aos meus irmãos, principalmente em relação às minhas irmãs mais novas
que sempre obtinham melhores resultados. Sentia que apesar de meus pais não
falarem, faziam comparações quanto ao desempenho diferenciado dos filhos.
Em Ribeirão Preto, minha mãe, como sempre uma grande guerreira,
enfrentou o desafio de gerenciar um pensionato de estudantes, comprado de uma
tia. Nesse período, meu pai já começava a apresentar sinais da doença, o enfisema
pulmonar, que lhe tirou a vida alguns anos depois.
A tomada de decisão – a idade adulta
Ao terminar o 2º Grau, prestei vestibular para Psicologia na USP de
Ribeirão Preto, mas não passei. No ano seguinte, fiz o cursinho à noite, e enquanto
durante o dia, trabalhava em uma firma de Equipamentos Eletrônicos, como
secretária. O trabalho ajudou-me a desinibir, mas era bastante desgastante estudar
e trabalhar.
Neste ano, não consegui novamente ingressar em uma faculdade pública
pelo pouco tempo que restava para o estudo e principalmente pela minha dificuldade
nas matérias das áreas exatas. Como pretendia fazer Psicologia, cursei o 2º Grau
direcionado para a área de humanas, uma opção educacional da época. Estudei
Psicologia, Sociologia, Filosofia, mas não tive, no 3º ano, disciplinas como Biologia,
Física e Química, matérias que eram exigidas no vestibular.
Movida pela curiosidade, e na busca de algo novo, optei por prestar
vestibular para Fonoaudiologia, um curso recente na época. Prestei vestibular na
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Faculdade Paulista em São Paulo e na Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, onde ingressei no ano de 1977, formando-me bacharel em
Fonoaudiologia no ano de 1980. Só pude cursar a faculdade porque consegui ser
beneficiada com o Crédito Educativo que pagava as mensalidades escolares e
disponibilizava também uma quantia para minha manutenção, embora fosse pouco
e não tenha sofrido reajuste durante os quatro anos.
A Faculdade foi a grande libertação, o período das decisões próprias, da
emancipação. Porém, sempre me perseguia o receio de falhar e de não
corresponder às expectativas de meus pais.
Não fui uma aluna brilhante, mas mediana em relação à turma. Uma turma
heterogênea, principalmente quanto ao poder econômico, que percebíamos até na
separação que ocorria dentro da sala de aula. As meninas de maior poder
econômico eram as mais falantes, as que decidiam pela turma e se impunham mais
perante os professores. Esses problemas fizeram com que me retraísse em muitas
situações, deixando de participar mais efetivamente das aulas e atividades. Minha
timidez, apesar de um pouco menos visível, continuava a incomodar.
O curso de Fonoaudiologia da Universidade Católica de Campinas estava
integrado à Faculdade de Educação, o que não ocorria em outras faculdades como
na Universidade Federal de São Paulo, o qual estava mais ligada à área médica.
Essa diferença causou-me algumas dificuldades de ordem pessoal e
também profissional. Pessoal, porque trouxe uma certa insegurança no
desenvolvimento do trabalho profissional e muitas dúvidas relacionadas
principalmente aos conhecimentos teóricos relacionados à área médica. Algumas
patologias que exigiam um conhecimento científico maior não foram devidamente
trabalhadas na Universidade. A Fonoaudiologia é uma profissão que está
relacionada à linguagem, e, portanto, envolve diversas áreas do conhecimento como
a Lingüística, a Psicologia, a Sociologia, a Medicina e Educação. Enfim, exige
múltiplos e complexos conhecimentos.
Os caminhos trilhados na área profissional seguiram duas vertentes: uma
a Educação, e outra, a clínica, o que me fez como profissional estar sempre à
procura de novos aprendizados a fim de subsidiar melhor o meu trabalho como
fonoaudióloga.
A Vida Profissional
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Iniciei, recém formada, no ano de 1981, minha carreira profissional
trabalhando na ASSOCIAÇÃO DE PAIS E AMIGOS DOS EXCEPCIONAIS - APAE
de Botucatu como contratada e permaneci no cargo por um período de um ano e
quatro meses, quando deixei o emprego para me casar.
A APAE de Botucatu, na época, era uma entidade grande, com muitos
profissionais e uma equipe multidisciplinar: um médico neurologista, dois psicólogos,
dois fisioterapeutas, uma assistente social, uma fonoaudióloga e uma coordenadora
pedagógica.
Havia também um grande número de professores, inclusive mestres da
área de marcenaria, para atendimento profissionalizante na oficina que funcionava
na própria escola.
A experiência foi muito importante para mim, a escola contava com
aproximadamente cem alunos que apresentavam as mais diversas patologias.
Formávamos eu, a psicóloga e uma fisioterapeuta, uma equipe de profissionais
jovens e recém formados, que tínhamos muita vontade de acertar e de provocar
mudanças. Porém, essas mudanças nem sempre foram bem aceitas pelas
professoras da escola, profissionais que estavam já há bastante tempo no cargo.
Nossa inexperiência provocou alguns atritos, e vejo hoje que estes foram
provocados, de um lado, por nossa imaturidade, e de outro, pela dificuldade que as
pessoas têm de aceitar mudanças.
Neste período, achei muito importante o trabalho em equipe: uma vez por
semana, a equipe técnica se reunia para estudo de caso dos pacientes novos, casos
indicados para promoção de turma ou os com problemas mais graves. Assim, iniciei
também um contato mais próximo com os problemas de aprendizagem mais
freqüentes das crianças na escola. Já naquele período, a década de 80, a APAE de
Botucatu realizava experiências concretas de inclusão dos Portadores de
Necessidades Especiais em salas regulares de ensino, mantendo contato e
acompanhamento dos casos.
Após esse tempo de dezesseis meses, minha vida tomou novos rumos
com a vinda do meu noivo para o Mato Grosso. Como já estávamos namorando por
longos oito anos, desde os meus dezessete anos, em 1982, casamo-nos e viemos
para o município de Diamantino, no Estado de Mato Grosso. Meu marido é
Zootecnista e foi contratado para gerenciar uma fazenda no município de Arenápolis.
20
Nossa decisão de morar em Diamantino foi inicialmente por motivo
profissional, pois havia a possibilidade de trabalho na minha área na APAE de
Diamantino, onde iniciei minha vida profissional no Estado de Mato Grosso. Não
obstante, Diamantino havia nos atraído mais do que Arenápolis, pois estava mais
bem estruturada e em um período de expansão econômica.
No nosso segundo ano na cidade, passamos por sérios problemas
pessoais. Perdi meu primeiro filho no mês de maio com apenas dois dias de vida e,
em novembro, meu marido sofreu um acidente de carro, voltando da fazenda onde
trabalhava. Logo que se restabeleceu, ele foi demitido do emprego. Passamos por
momentos difíceis, mas que serviram para fortalecer nossa relação. Eu, neste
momento, já era contratada. Era pouco o salário de professora, mas este nos ajudou
a sobreviver até que meu marido arrumasse um novo emprego, o que ocorreu
alguns meses depois.
Em agosto de 1984, tive minha filha Maisa, e em julho de 1987, nasceu
Rafael, que veio após mais uma experiência ruim, um aborto natural no intervalo
entre os dois filhos.
Continuei ainda por vários anos na APAE, e devido à falta de profissionais
formados com especialização na área de Educação Especial, passei a exercer a
função de coordenadora, e depois, de diretora, por ser naquele momento a única
profissional com nível superior na Entidade.
Já nesse período, havia por parte dos profissionais da APAE de
Diamantino, uma preocupação com os encaminhamentos das crianças com
dificuldades de aprendizagem para a instituição que muitas vezes, as acolhia sem
saber muito bem como lidar com elas.
A clientela da escola era bastante heterogênea. Tínhamos alunos
matriculados com vários níveis de deficiência mental, múltiplas deficiências,
deficientes auditivos, deficientes visuais e alunos com dificuldades de aprendizagem
escolar.
Nós, profissionais da instituição, passamos por diversos embates com os
profissionais da rede de ensino. Enfrentávamos uma barreira permanente dos
profissionais das escolas regulares para a realização da inclusão e na aceitação do
papel da escola na busca de solução para os problemas de aprendizagem dessas
crianças. Houve alguns avanços ao longo dos anos, porém, ainda distantes do ideal.
21
Para que pudesse melhor orientar os professores e expandir meus
conhecimentos na área pedagógica, resolvi, então, me inscrever no curso Logus II
de formação para o Magistério, um curso modular e à distância. Com o diploma do
curso Magistério, prestei o concurso público para professor efetivo de I a IV série,
sendo então, desde 1986, efetiva na rede estadual de ensino.
Com essa nova experiência de formação na educação, trabalhei também
como professora alfabetizadora na MODERNA ASSOCIAÇÃO DIAMANTINENSE
DE ENSINO - MADE, uma escola particular de Diamantino, um trabalho que gostei
muito de fazer. Nesta escola, em sala de aula, um dos alunos era disléxico, com
problemas de comportamento, Nesse período procurei realizar um trabalho
diferenciado com essa criança com dificuldades de aprendizagem, reservando-lhe
um tempo maior nos intervalos das aulas e nos dias de avaliação, pois o seu ritmo
era mais lento e precisava de um acompanhamento na leitura. Em sala de aula,
trouxe a criança para sentar mais próximo do quadro e de mim, para poder intervir
quando percebesse nela qualquer desatenção ou dificuldade. A mãe também foi
orientada a buscar ajuda de um psicólogo, porque a criança apresentava problemas
emocionais relacionados à família, diante do fato do pai ter se envolvido em tráfico
de drogas e estar preso.
Fui, posteriormente, convidada a participar da equipe da Superintendência
Regional de Educação como responsável pela Educação Especial e Educação de
Jovens e Adultos. Essas funções foram bastante importantes, pois trouxeram-me
novos conhecimentos e contatos com pessoas das várias escolas do município. Na
APAE, esse contato era limitado à Educação Especial.
Essas novas funções deram-me oportunidade de participação em diversos
cursos e oficinas promovidos pela SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DO
ESTADO DE MATO GROSSO, SEDUC, realizados em Cuiabá ou no pólo, que
contribuíram para a melhoria da minha formação, abrindo novos caminhos de
conhecimento e trabalho.
Nos municípios do interior do Estado, existia e ainda existe uma grande
dificuldade de acesso a livros e cursos. Por isso, sempre que surgia oportunidade de
aprender coisas novas nas mais diversas áreas educacionais, procurava aproveitar
as oportunidades e participar dos eventos patrocinados, ou não, pela SEDUC.
22
Após a extinção da Superintendência, já trabalhando como professora
efetiva na Escola Estadual Irmã Lucinda Facchini, fui novamente convidada para o
cargo de Diretora da APAE, o qual aceitei e assumi até o início de 1998.
Em 1998, foram criados dois CENTROS DE FORMAÇÃO E
ATUALIZAÇÃO DE PROFESSORES - CEFAPRO, pela SEDUC, um em Diamantino
e outro em Rondonópolis. Após a seleção de Professores Formadores, passei a
fazer parte do quadro de profissionais do CEFAPRO de Diamantino.
Nos dois primeiros anos, nós, os professores, estudamos e procuramos
estabelecer um contato direto e de muita reciprocidade entre os professores do Pólo.
Tínhamos capacitações freqüentes promovidas pela SEDUC, com profissionais das
mais diversas universidades e sobre diferentes áreas do conhecimento.
Nesse período, em contato com os professores, no programa de formação
continuada encontrávamos freqüentes queixas e questionamentos sobre como
trabalhar com as crianças com problemas de aprendizagem., queixas sobre alunos
que não aprendiam, que não liam.
Neste mesmo ano, resolvi fazer uma complementação na área de
Pedagogia, oferecida pelas FACULDADES INTEGRADAS DE DIAMANTINO - FID.
Minha decisão teve vários motivos, dentre eles, o de conseguir um diploma em
licenciatura Plena em Pedagogia para poder regularizar minha situação funcional
junto à Secretaria de Estado de Educação (pois tinha somente o título de bacharel
em Fonoaudiologia, o que impedia o meu enquadramento definitivo como
funcionário público estadual)., mas também na busca de melhorar meus
conhecimentos na área.
Outro motivo foi o privilégio de não ter que me deslocar de Diamantino, já
que a faculdade estava oferecendo um curso local. Além dessas duas razões, havia
a necessidade de buscar mais conhecimento, pois vinha já há bastante tempo
trabalhando em educação e sentia necessidade de aprimoramento na área.
Neste período, fui também docente do PROFORMAÇÃO, um curso de
Educação à Distância de Formação de Professores de I a IV série sem formação
específica de 2º Grau e que estavam em exercício como docentes, principalmente
na zona rural. Fui responsável, nas 1ª e 2ª turmas, pelos primeiros módulos de
linguagem e pelas disciplinas de Organização do Trabalho Pedagógico e de
Fundamentos da Educação no módulo de História da Educação.
23
Com a implantação do Núcleo de Educação Aberta e a Distância, NEAD,
em Diamantino, que foi realizada através de um acordo entre a SEDUC e a
UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO, UFMT, nós do CEFAPRO,
tivemos a oportunidade de participar do curso de Especialização em EAD para
Orientadores Acadêmicos. O curso representou para mim novos saberes e novas
experiências na área educacional.
Infelizmente, em 2000, a SEDUC, pela necessidade de cumprir projetos do
MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO E CULTURA, MEC e outros do próprio Estado,
acabou por compartimentar a equipe do CEFAPRO, quando cada um dos
professores formadores assumiu a coordenação de um projeto, e com isso
perdemos um pouco a visão do todo. A mim, coube a coordenação do Projeto Arara
Azul, que tem a função de promover cursos profissionalizantes para os funcionários
efetivos das Escolas Estaduais, um compromisso assumido pelo governo estadual
através da Lei Complementar nº 50 de 1º de outubro de 1998, art. 84, § 2º. Estes
cursos dão a legitimidade para o enquadramento definitivo do funcionário. No
Projeto Arara Azul, ministrei aulas nas áreas de Legislação Escolar e Trabalhista,
Sociologia e Antropologia, Relações Humanas no Trabalho e Teoria do Espaço
Escolar.
No Projeto, através do Estágio Supervisionado dos alunos cursistas, visitei
e conheci a realidade das escolas de todo o pólo, uma experiência que me
aproximou dos diversos segmentos e onde pude observar principalmente a
complexidade das relações do saber e do fazer na prática e no cotidiano escolar,
além das relações políticas e de poder no âmbito da escola.
No período de julho de 2002 a dezembro de 2004, trabalhei como
Fonoaudióloga no Centro de Reabilitação de Diamantino, onde atendia a
comunidade em geral e também as crianças da APAE que apresentavam problemas
de linguagem ou de fala.
Em 2003, na clínica, fiz a avaliação de três crianças de uma mesma
família, todas elas apresentando dificuldades de aprendizagem, apesar de
estudarem em fases e ciclos diferentes. Nesse curto período de dois anos e meio,
muitas outras crianças passaram pela clínica apresentando problemas semelhantes.
Com as mudanças ocorridas no governo estadual atual e as novas
propostas educacionais da SEDUC para o CEFAPRO, fui temporariamente cedida
novamente para a APAE, onde exerci o cargo de coordenadora até julho de 2005.
24
Trabalhei por vários anos na APAE, e sinto-me parte da história da
Instituição, fundada em 1980, completando 25 anos neste ano de 2005. Ainda hoje
mantenho um contato muito próximo e acompanho o fluxo de alunos. Ainda temos
muitos casos de alunos na instituição que são encaminhados para a escola regular e
acabam abandonando e retornando para a APAE. Poucos são os que realmente se
adaptam ou evoluem na aprendizagem.
Enfim, reportando-me a minha própria história de vida, no auge dos meus
49 anos, ainda escuto os sons e as vozes das pessoas de um passado distante,
ainda tão presentes em minha memória.
A convivência com meus filhos também se tornou fonte de observação e
questionamento. Minha filha Maisa, mais calada, mas com um poder de
concentração enorme, uma disciplina e organização invejáveis, é uma leitora voraz,
adora literatura, e autores como Saramago, Guimarães Rosa e outros.
Rafael, muito comunicativo, expansivo, falante e compulsivo, não é tão
aficcionado leitor, mas faz uso da leitura como instrumento para alcançar seus
objetivos. Em uma ocasião ainda no início da adolescência, ele queria aprender a
fazer uma página na Internet, leu por vários dias manuais sobre o assunto,
adquiridos com um amigo, e finalmente, após esse período, realizou o seu desejo.
Meus filhos demonstram facilidade no uso da linguagem, pois foram
sempre incentivadas a aprender. Ambos, aos quatorze anos, assumiram uma vida
independente, fora de Diamantino para estudar, pessoas que irão trilhar caminhos
diferentes, mas aptos a se tornarem profissionais de sucesso.
Indícios me levam a inferir que a linguagem, nas suas mais diversas
formas, e a leitura, como instrumento de aquisição de conhecimento, mediada pelas
diversas relações com outros sujeitos do meio, parecem contribuir significativamente
para a formação intelectual no homem dentro de um processo histórico, e ao longo
dos tempos.
25
INTRODUÇÃO
O PROBLEMA E OS OBJETIVOS DA PESQUISA
A história da educação brasileira mostra que durante o período colonial,
apenas um número limitado de pessoas oriundas da classe dominante tinha direito à
educação escolarizada. A educação escolar, nesta época, era destinada apenas aos
filhos - não às filhas - dos donos das terras e senhores de engenho, que recebiam a
formação através dos padres da Companhia de Jesus.
Foi no século XIX, segundo Romanelli (1999), que ascendeu no cenário
nacional uma camada social intermediária, ligada ao artesanato, ao pequeno
comércio e à burocracia, que constituiu a classe burguesa, a qual passou a ter uma
participação social ativa e um comprometimento político significativo, marcando a
evolução política no sistema monárquico do país e ocasionando a implantação da
República. Conforme a autora, um dos instrumentos fundamentais para essa
transformação política no país pela burguesia foi a sua educação escolarizada.
A implantação do sistema republicano e a expansão econômica da
burguesia, com sua conseqüente influência na política nacional, permitiram, ainda
que de maneira restrita, uma maior participação nos processos políticos pelas
camadas mais pobres da sociedade brasileira, participação até então ignorada.
Deste modo, segundo Ghiraldelli Jr. (1994, p. 15-16), o regime republicano, embora
não tenha representado o fim do sistema político elitista, não deixou de considerar a
participação popular nos interesses políticos do país.
A República trouxe, assim, profundas transformações na sociedade
brasileira, especialmente quanto à expansão da lavoura cafeeira, à melhoria da
infra-estrutura urbana (redes telegráficas, instalações portuárias, ferrovias,
melhoramento urbano), à industrialização, enfim, a modernização do país.
Segundo Patto (1999, p. 76-77), mesmo não ocorrendo mudanças
profundas na estrutura social, foi durante as quatro décadas da República Velha que
se criaram condições para mudanças significativas no quadro econômico, social,
político e cultural, que culminaram na revolução de 1930. Segundo a autora, várias
foram as reformas educacionais planejadas nessa época como:
26
[...] a de Sampaio Dória, em São Paulo (1920), a de Lourenço Filho, no Ceará (1923), a de Anísio Teixeira, na Bahia (1925), a de Mário Casassanta, em Minas Gerais (1927), a de Fernando Azevedo, no Distrito Federal (1928), e a de Carneiro Leão em Pernambuco (1928), (PATTO, 1999, p.78).
Para Patto (1999, p.80), embora somente a partir de 1930 tenha se
tornado realidade o crescimento de uma rede pública de ensino, não se pode
esquecer que sua construção foi decorrente das idéias e lutas encaminhadas nos
dez anos anteriores. A efervescência educacional da década de 20 estava
relacionada com os movimentos nacionalistas e, portanto, com uma luta política
entre facções da elite brasileira.
Estas reformas, segundo a autora, apesar de suas diferenças devidas à
própria diversidade de formação intelectual de seus pensadores, ligavam-se todas
aos princípios do movimento educacional europeu e norte-americano conhecido
como Escola Nova, que teve início no século anterior. No Brasil, essas idéias foram
divulgadas através de publicações, na década de 30, de autores como Dewey,
Claparède, Piéron e Wallon. Essa nova proposta pedagógica vem contrapor os
pressupostos filosóficos e pedagógicos do ensino tradicional.
Apesar das críticas, Patto salienta a importância dessa modalidade de
ensino baseada nas doutrinas do movimento escolanovista, por basear-se numa
nova concepção da infância e por ter reconhecido a especificidade psicológica da
criança. Este reconhecimento, mais recentemente, no Brasil, ressurgiu na adoção da
teoria piagetiana como referencial para as discussões sobre a aprendizagem escolar
e da aprendizagem da leitura e escrita.
Romanelli (1999), como Patto, acreditava que toda essa modernização
não foi suficiente para promover mudanças sociais fundamentais, porque:
a forma como se instalou o regime republicano no Brasil e como se conduziram no poder as elites, em nada modificando a estrutura sócio-econômica influiu para que, de um lado, não houvesse pressão de demanda social de educação e de outro, não se ampliasse a oferta, nem se registrasse real interesse pela educação pública universal e gratuita (ROMANELLI,1999, p.60).
Com a Revolução de 30, resultante da crise que destruiu o poder e o
monopólio das velhas oligarquias, foi implantado o capitalismo industrial no Brasil, e
neste período, o crescimento populacional e as freqüentes reivindicações da
27
população por acesso à educação foram fatores fundamentais para a expansão do
ensino.
Para uma melhor visualização através de dados estatísticos do que
ocorreu nesse período anterior e posterior à revolução de 30, foram incluídos alguns
levantamentos importantes descritos por Romanelli.
Romanelli (1999) mostra, através do quadro abaixo, que a partir da
década de 20 ocorreu uma enorme expansão do ensino, quando 90% da população
escolarizável ainda não freqüentava a escola. A evolução foi crescente durante as
décadas de 40, 50, 60, e na década de 70, como se pode ver, houve um
considerável crescimento da demanda social de educação no país, alcançando uma
taxa de escolarização de 53,72%; porém, 46,28% da população escolarizável ainda
estava fora da escola.
Quadro 1: Evolução do crescimento populacional e es colarização no Brasil da população de 5
a 19 anos, de 1920 a 1970
Anos População de 5 a 19 anos
Matrícula no primário
Matrícula no Ensino
Médio
Total de matrícula
Taxa de escolarização
Crescimento da população
Crescimen-to da
matrícula 1920
1940
1950
1960
1970
12.703.077
15.530.819
18.826.409
25.877.611
35.170.643
1.033.421*
3.068.269
4.366.792
7.458.002
13.906.484
109.281*
260.202
477.434
1.177.427
4.989.776
1.142.702*
3.328.471
4.924.226
8.635.429
18.896.260
8,99
21,43
26,15
33,37
53,72
100
122,26
148,20
203,71
276,86
100
291,28
430,92
755,70
1.653,64
* Dados estimados Fonte dos dados brutos:
a) Fundação do IBGE: Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970. b) Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, n.º 101. c) Werner Baer, A Industrialização e o Desenvolvimento Econômico no Brasil, F.G.V. d) Estatísticas da Educação Nacional, 1960-1971.
(In. ROMANELLI, 1990, p. 64).
Os dados estatísticos revelam, deste modo, uma maior preocupação por
parte da sociedade brasileira frente ao problema da extensão da escolarização, e
graças a tal preocupação política e econômica, passou-se a alfabetizar um maior
número de pessoas.
No que se refere à população de crianças de 7 a 12 anos, Romanelli
(1999, p. 65) mostra no quadro abaixo, a extensão do ensino primário, por região,
nas décadas de 40 e 50, e a inclusão no sistema escolar de crianças com mais de
12 anos. Estes dados assinalam fatores importantes, sendo que um deles se refere
ao atraso na procura de escolas por parte da população que iniciava a escolaridade
com mais de 7 anos e o alto índice de reprovação.
28
Para a autora, o Quadro 2 sugere um aumento das disparidades regionais
quanto ao crescimento demográfico em relação à distribuição da educação de base,
sobressaindo a região centro-sul e a região norte, pelo avanço do complexo
industrial naquela região. Porém, tanto a população total quanto a parcela com
freqüência à escola já demonstravam um alto crescimento nesta época, em todas as
regiões do país.
Quadro 2: Aspectos do crescimento da população de 7 a 12 anos, no Brasil, e a expansão do ensino
primário, por regiões
Regiões
1940
1950
População
Freqüência
à escola
%
População
Freqüência
à escola
%
Norte Nordeste Leste Centro-Sul
240.568
1.627.682 739.517
4.140.808
153.404 493.534 177.170
2.381.645
63,76 30,32 23,95 57,51
289.534
2.063.404 912.877
4.805.637
168.108
1.012.483 368.226
3.560.107
58,06 49,06 40,33 74,08
total 6.748.575 3.205.753 47,51 8.071.452 5.108.924 63,29
Fonte: Florestan Fernandes, Educação e Sociedade no Brasil, pp. 48 e 51(In. ROMANELLI, 1999, p.65).
Todavia, é importante lembrar que apesar do aumento da demanda, sempre
foi preocupante a questão da repetência como um dos índices indicativo do fracasso
escolar.
Romanelli (1999, p. 86) demonstrou que apesar de a maior taxa de
escolarização, em 1970, corresponder à matrícula de crianças na faixa etária de 7 a
14 anos, 42,10% de crianças nesta faixa etária estavam ainda fora da escola. Além
disso, 58,13% da matrícula do ensino primário estava representada por alunos que
já tinham ultrapassado a faixa dos 10 anos.
Nesta época, não somente as crianças entravam tardiamente na escola,
como também era alto o índice de reprovação e evasão, aumentando a defasagem
idade/série. A maior taxa de reprovação ocorria na 1ª série, como se pode observar
no Quadro 3, referente ao rendimento escolar das crianças no período
compreendido entre as décadas de 50 a 70.
29
Quadro 3: Rendimento do Ensino Primário Comum no Bra sil, entre 1959 a 1969
Ano Matrícula geral
Matrícula efetiva
Taxa de evasão
Aprovação Taxa de reprovação
Taxa de rendimento
geral 1959
1963
1966
1969
7.141.284
9.299.441
10.695.391
12.294.343
6.107.279
8.131.422
9.659.591
10.954.667
14,47
12,56
9,68
10,89
3.807.590
5.498.002
6.538.418
8.105.940
37,65
32,38
32,31
26,00
53,31
59,12
61,13
65,93
Fontes; Brasil, Séries Estatísticas Retrospectivas, 1970, IBGE. Estatísticas da Educação Nacional, 1960/71, MEC. (In. ROMANELLI, 1999, p. 85).
Fazendo referência ao período de 70, Patto (1999) cita uma publicação da
revista do INSTITUTO NACIONAL DE EDUCAÇÃO E PESQUISA, INEP do ano de
1972, na qual o autor busca explicar as desigualdades educacionais através da
“teoria da carência cultural”, teoria essa, veiculada nos Estados Unidos, a partir da
década de 60. Para a autora, a aceitação dessa teoria para a explicação do fracasso
escolar, no Brasil, nos anos 70, era compreensível pelos seguintes motivos:
Continha uma visão de sociedade não negadora do capitalismo; atendia aos requisitos da produção científica, tal como esta era predominantemente definida nesta época; vinha de encontro (sic) a crenças arraigadas na cultura brasileira a respeito da incapacidade de pobres, negros e mestiços; reforçava as “explicações do Brasil”, então em vigor, segundo as quais o subdesenvolvimento econômico mergulhara, infeliz, mas fatalmente, significativa parcela da população numa indigência intelectual e cultural, cuja reversão era proclamada como imprescindível ao “milagre brasileiro”; finalmente, ao ressaltar a pobreza e suas mazelas, atraiu a atenção exatamente dos educadores mais sensíveis ao problema das desigualdades sociais mas pouco instrumentados teoricamente, em decorrência das lacunas de sua formação intelectual, para fazer a crítica deste discurso ideológico (PATTO, 1999, p.120-121).
Deste modo, o poder público, embasando-se na “teoria da carência
cultura” pôde isentar-se das responsabilidades com o fracasso, uma vez que ocorria
no país um aumento da oportunidade de inclusão no sistema educacional, e
conseqüentemente a democratização do ensino em franca expansão. Tal isenção
induziu por outro lado, uma relação entre o fracasso escolar e as diferenças
socioculturais dos sujeitos.
O Brasil tem uma história de democratização do acesso à escola e de
fracasso escolar e uma preocupação com a educação que perpassa um século. E
em 1882, Rui Barbosa já denunciava a precariedade da educação brasileira e
30
apresentava propostas de melhoria da qualidade do ensino (SOARES, 1995, p. 8.
apud. NOZAKI e PICHITELLI, Anped, 2005. CD-ROOM).
Após um século, Nozaki e Pichitelli (Anped, 2005) com base em dados
extraídos do Censo Escolar veiculados pelo MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E
CULTURA, MEC (1998), relativos ao período de 1991 a 1997, observam que, na
atualidade o acesso à escola está praticamente universalizado. E mais, que o
fracasso escolar encontra-se mais especificamente ligado à repetência do que à
evasão, pois esta tem permanecido estável nos últimos anos em torno de 1%,
conforme MEC (1998). Segundo Nozaki e Pichitelli (Anped, 2005), portanto, se a
média de permanência da criança na escola é de 5 a 8 anos, isso prova que há por
parte das crianças e de suas famílias um esforço em manterem-se ligados à escola.
Observa-se então que os alunos não têm abandonado a escola tanto
como se supunha, mas eles voltam ano após ano, após serem reprovados, na busca
de uma nova oportunidade, que a escola aparentemente tem demonstrado incapaz
de oferecer. Portanto, a escola avança vertiginosamente na quantidade de oferta,
mas exibe índices ainda bastante preocupantes de fracasso escolar.
Na atualidade, o INEP, ligado ao MEC, tem, desde 1995, a cada dois anos
divulgado os resultados do SISTEMA DE AVALIAÇÃO DA EDUCAÇÃO BÁSICA,
SAEB, avaliação esta realizada nas escolas públicas e particulares em todas as
regiões do país, com a finalidade de averiguar o desempenho dos alunos da 4ª série
e 8ª série do Ensino Fundamental e da 3ª série do Ensino Médio, nas áreas de
Língua Portuguesa e Matemática.
Na última avaliação, realizada no ano de 2003, o INEP apresentou um
estudo comparativo geral, e ao se analisar particularmente os resultados da 4ª série
do Ensino Fundamental os dados revelaram que, depois de três períodos de quedas
consecutivas nas médias, houve uma melhora significativa no desempenho em
termos nacionais e locais. Porém, se a escala de desempenho no SAEB em leitura é
descrita de 0 a 375 pontos e o patamar considerado próximo ao adequado é de 200
pontos conforme consta do documento apresentado pelo INEP/MEC (2004), ao se
analisar os dados, observa-se que nenhuma melhora nas médias chegou perto
deste patamar. Conforme o relatório,
31
a média de desempenho no SAEB 2003, comparado com 2001, evidencia mudanças positivas e significativas, a partir de testes estatísticos rigorosos, para o Brasil, de 165,1 para 169,4 (4,3), o Nordeste, de 146,9 para 152,3 (5,3), o Centro-Oeste, de 164,4 para 172,5 (8,1), para o Estado de Sergipe, de 149,9 para 160,0 (10,4), e de Mato Grosso do Sul, de 156,7 para 165,4 (8,6). [...] Outra análise, levando em consideração procedimentos estatísticos menos rigorosos, indica ainda aumento significativo nas médias de proficiência no Acre (10,4), em Tocantins (13,4), no Rio Grande do Norte (7,4), em Pernambuco (8,0), na Bahia (7,9), no Mato Grosso (7,2) e em Goiás (8,0) (INEP/MEC, 2004).
No caso específico da região centro-oeste, observou-se que o gráfico
elaborado com base em dados estatísticos do SAEB relativo ao período de 1995 a
2003, indicou que também houve uma pequena melhora na média nas avaliações
entre 2001 e 2003, porém, sem que em nenhum momento tenha se alcançado o
patamar mínimo de 200 pontos.
155160165170175180185
1995 1997 1999 2001 2003
Gráfico 1. Média do desempenho em Língua Portugues a, na 4ªsérie do Ensino Fundamental da região centro-oeste
Fonte: MEC/INEP, 2004.
Ao observar, em particular, os dados referentes à área de Língua
Portuguesa, em 2001, segundo o SAEB, 59% dos estudantes da 4ª série do Ensino
Fundamental avaliados em todo o país encontravam-se entre os níveis muito crítico
e crítico. Esse percentual caiu para 55%, em 2003, conforme mostra o Quadro 4,
porém, os dados indicam que, mais da metade dos alunos ainda se encontra em
estágios inferiores quanto às habilidades de leitura e interpretação de texto.
32
Quadro 4: Percentual de estudantes nos estágios de construção de competências em Língua Portuguesa – 4ª série do Ensino Fundamental – Brasi l – SAEB 2001 e 2003
Estágio 2001 2003
Muito Crítico¹
Crítico²
Intermediário³
Adequado4
22,2
36,8
36,2
4,9
18,7
36,7
39,7
4,8
Total 100,00 100,00 1. Muito crítico = Não desenvolveram habilidades de leitura mínimas condizentes com quatro anos de escolarização. Não foram alfabetizados adequadamente. Não conseguem responder os itens da prova. 2. Crítico = Não são leitores competentes, lêem de forma ainda pouco condizente com a série, construíram o entendimento de frases simples. São leitores ainda no nível primário, decodificam apenas a superfície de narrativas simples e curtas, localizando informações explícitas, dentre outras habilidades. 3. Intermediário = Começando a desenvolver as habilidades de leitura mais próximas do nível exigido para a série. Inferem informações explícitas em textos mais longos; identificam a finalidade de um texto informativo; reconhecem o tema de um texto e a idéia principal e reconhecem os elementos que constroem uma narrativa, tais como o conflito gerador, os personagens e o desfecho do conflito; entre outras habilidades. 4. Adequado = São leitores com nível de compreensão de textos adequados à série. São leitores com habilidades consolidadas. Estabelecem a relação de causa e conseqüência em textos narrativos mais longos; reconhecem o efeito de sentido decorrentes do uso da pontuação; distinguem efeitos de humor mais sutis; identificam a finalidade de um texto com base em pistas textuais mais elaboradas, depreendem relação de causa e conseqüência implícitas no texto, além de outras habilidades.
As médias comparativas de desempenho em Língua Portuguesa na 4ª
série do Ensino Fundamental, em Mato Grosso, descritas como dados estatísticos
menos rigorosos segundo o MEC/SAEB/DAEB (2004), correspondeu em 2001 a
uma pontuação média de 152,2, e em 2003, de 159,4 apresentando uma diferença
de 2001 para 2003 de 7,2 pontos. Os dados comparativos entre 2001 e 2003
demonstram que houve uma melhora no desempenho das crianças, porém, ainda
abaixo da média de 200 pontos.
O Brasil, segundo estatísticas e avaliações do MEC/INEP, apresenta ainda
na atualidade, um alto índice de fracasso escolar em relação ao rendimento escolar
dos estudantes do Ensino Fundamental e Médio. Esses índices colocam o país em
situação desfavorável perante o mundo e até mesmo perante a realidade da
América Latina.
Com a finalidade de enfrentar essa situação e modificar os índices atuais,
o governo tem apresentando propostas de mudanças no sistema educacional
visando a melhoria da qualidade do ensino. Uma destas propostas encontra-se
sacramentada na LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA,
33
LDB, Lei n° 9394/96, por meio da flexibilização cur ricular descrita no art. 23 da
referida Lei. Este artigo determina que:
a educação básica poderá organizar-se em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não seriados, com base na idade, na competência ou em outros critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo de aprendizagem assim o recomendar.
Este artigo delega plenos poderes aos órgãos públicos para definir junto
com as instituições de ensino, a melhor forma de atender aos interesses da
comunidade escolar, respeitando as diversidades regionais e culturais, e
possibilitando aos governos estaduais criarem alternativas próprias, para enfrentar
os problemas referentes ao processo de ensino aprendizagem.
Em consideração à nova legislação, a SECRETARIA DE EDUCAÇÃO DO
ESTADO DE MATO GROSSO, SEDUC, propôs, em 1996, uma reforma educacional
com a implantação do SISTEMA ÚNICO E DESCENTRALIZADO DE EDUCAÇÃO
BÁSICA, SUDEB, e a partir de então, introduziu Projetos como o Projeto Terra
(1996), o Ciclo Básico de Aprendizagem (1997) e a Escola Ciclada (2000),
objetivando, em suas bases teóricas e metodológicas, mudar do Sistema Seriado do
Ensino para o Sistema Ciclado (SEDUC, 2000, p.13).
O projeto em questão prevê eliminar a reprovação nas séries iniciais,
permitindo a retenção apenas ao final de cada ciclo, não podendo ultrapassar um
ano letivo. Portanto, na nova proposta, a retenção poderá ocorrer apenas na III fase
do I, II e III ciclo (SEDUC/MT, 2000, p. 56-57).
No mesmo documento citado acima, foi determinado o agrupamento dos
alunos por idade e por fases de desenvolvimento, e no caso da retenção ou
distorção idade/série, fica claro que as crianças devem ser encaminhadas às turmas
de superação, conforme o descrito no Quadro 5.
Quadro 5: Demonstrativo da constituição das turmas nas Escolas Cicladas de Mato Grosso
Ciclos Fases Agrupamentos Fases de desenvolvimento Turma de superação I Ciclo 1ª fase
2ª fase 3ª fase
6 a 7 anos 7 a 8 anos 8 a 9 anos
Infância
Maiores de 9 anos
II Ciclo 1ª fase 2ª fase 3ª fase
9 a 10 anos 10 a 11 anos 11 a 12 anos
Pré - adolescência
Maiores de 12 anos
III Ciclo 1ª fase 2ª fase 3ª fase
12 a 13 anos 13 a 14 anos 14 a 15 anos
Adolescência
Maiores de 15 anos
▪ Fonte: Quadro nº 1: Enturmação (SEDUC, 2000, p. 52)
34
O I Ciclo, segundo a proposta da SEDUC (2000), tomou como base os
pressupostos de Vygotsky 1 com ênfase na linguagem. No início da escolarização, a
criança com idade entre 6 e 7 anos já percorreu momentos significativos de
desenvolvimento do pensamento e da linguagem, e ambos, através do processo de
generalização e compreensão da realidade, caracterizam o que o autor denomina de
fala interior. Esse processo de internalização, entretanto, fundamenta-se nas
interações sociais, através das quais a criança apropria-se dos significados
construídos culturalmente.
Segundo a proposta da Escola Ciclada (SEDUC, 2000, p.43), ainda com
base em Vygotsky, a aprendizagem pelas crianças dos conceitos científicos na
escola não depende somente da racionalidade lógica, mas envolve também a
afetividade e a imaginação, e ainda observa, segundo Wallon, que a construção de
conhecimentos sobre a realidade ocorre concomitante à construção do sujeito.
O II ciclo determina a fase de desenvolvimento denominada de pré-
adolescência como um período de transição entre a infância e a adolescência, em
que tanto o pensamento como a linguagem se afastam da realidade imediata. Neste
processo, segundo a proposta, a abstração caracteriza os processos cognitivos.
Através da aprendizagem dos conceitos científicos consolidam-se as
funções metacognitivas, permitindo à criança pré-adolescente ter um controle mais
deliberado sobre os conceitos já formados e sobre os processos mentais. Portanto, a
reflexão representa a forma privilegiada de compreensão e intervenção sobre o real
SEDUC (2000, p.46).
Especificamente quanto ao currículo, o Projeto da “Escola Ciclada de Mato
Grosso” para o II Ciclo, seguindo a proposta da Base Nacional Comum, Lei 9394/96,
art. 26, está fundamentado em três áreas do conhecimento, ou seja, Linguagens,
Ciências Naturais e Matemática, e Ciências Humanas e Sociais. A proposta sugere
um trabalho globalizado e interdisciplinar entre as áreas, sendo que a área de
linguagem engloba as disciplinas de Português, Arte, Educação Física e Língua
Estrangeira.
____________
1. o documento SEDUC (2000), apresentou como referências bibliográficas: VYGOTSKY, L.S. Pensamento e linguagem. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991. ____. A Formação Social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1994. ____. Psicologia da arte. São Paulo: Martins Fontes, 1999. WALLON, H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975. ____. As origens do pensamento na criança. São Paulo: Manole, 1998.
35
A concepção de linguagem adotada no documento, referindo-se
especialmente à Prática de Leitura, considera a leitura uma atividade humana, uma
ação que propicia um sentido, uma relação que se estabelece entre o leitor, um
sujeito, um ser psicológico e social, inserido nas mais diversas práticas histórico-
sociais de leitura.
Neste sentido, uma grande preocupação do Projeto está em procurar
redimensionar a concepção escolar de leitura. O referido documento da SEDUC
considera como competências básicas de leitura, aspectos como reconhecer
diferentes tipos de textos e suas funções com base em determinadas características,
ler e reconhecer automaticamente as palavras, ler e compreender textos
diversificados, ler variando o modo de leitura de acordo com o tipo de texto, entre
outras (SEDUC, 2000, p.120-22).
No Projeto de Escola Ciclada de Mato Grosso (2000), foram definidas as
competências básicas quanto às práticas de leitura, envolvendo a prática de ensino
da leitura pautada na determinação de objetivos claros, que propiciassem o
interesse e o envolvimento do aluno nas atividades, estabelecessem objetivos de
leitura, impulsionassem o aluno a refletir e controlar conscientemente o
conhecimento, podendo assim exercitar estratégias de seleção e de procedimentos,
fazendo escolhas que colaborassem no processo de compreensão.
Observou-se, contudo, que a proposta do Projeto não especificava as
competências a serem adquiridas em cada um dos ciclos de aprendizagem e não
delimitava uma ordem de dificuldades ou competências a serem alcançadas no I, II
ou III Ciclos referentes às fases de desenvolvimento da criança - as quais são
definidas como infância (6 a 9 anos), pré-adolescência (9 a 12 anos) e adolescência
(12 a 15 anos).
No Estado de Mato Grosso, pelo menos na maioria das escolas públicas,
não mais se estabelece a seriação. A diferença básica entre a seriação e os Ciclos
de aprendizagem está em se desenvolver um trabalho pedagógico mais
fundamentado no desenvolvimento e na idade das crianças, na tentativa de diminuir
as defasagens de idade/série, como as que sempre ocorreram na história da
educação brasileira.
Em se tratando especificamente do município de Diamantino, situado a
200 km da capital do Estado de Mato Grosso, foi implantado no ano de 2000, em
36
toda a Rede Pública de Ensino, o Sistema de Ciclos, obedecendo as orientações
regulamentais da SEDUC.
A implantação da proposta no município foi gradativa, obedecendo às
orientações da Secretaria de Estado de Educação. Em princípio, foram implantados
o I e II Ciclos, e posteriormente, em 2005, implantou-se também o III Ciclo.
Em 1998, com a implantação dos CENTROS DE ATUALIZAÇÃO E
FORMAÇÃO DE PROFESSORES, CEFAPROs, o Estado legitimou uma forma de
acompanhamento e de suporte às políticas públicas do Estado, um órgão com a
finalidade de capacitar e acompanhar os professores, na apropriação dessas
mudanças no sistema de ensino e a nova concepção de ensino e de aprendizagem.
No CEFAPRO de Diamantino, durante as reuniões dos professores da
Rede Pública de Ensino, a queixa mais freqüente girava em torno dos problemas de
aprendizagem de algumas crianças que já haviam completado o I Ciclo, e apesar de
freqüentarem já a I, II ou III fase do II Ciclo, ainda apresentavam dificuldade na
leitura.
Na clínica de Fonoaudiologia, do Centro de Reabilitação, da Secretaria
Municipal de Saúde do município de Diamantino, observou-se que, apesar das
reformulações estruturais da educação pública no município, havia um número
considerável de crianças entre 9 a 13 anos com indicativo de dificuldades de
aprendizagem e de linguagem que eram encaminhadas normalmente pelos
professores das turmas do II Ciclo do Ensino Fundamental, ou até mesmo por
médicos e enfermeiras do Posto de Saúde, estes ao atenderem as crianças, ouviam
das mães, queixas relativas às dificuldades de linguagem e aprendizagem e, diante
disto, indicavam o tratamento fonoaudiológico.
Dentre os casos encaminhados, os mais comuns eram de crianças com
troca e omissão de fonemas (na fala) e de letras ou grafemas (na escrita), gagueira,
dislalia, disfonia. Na escola, professores declaravam que algumas crianças
transferiam suas dificuldades de fala para a escrita, como no caso das trocas dos
fonemas surdos por sonoros ou o inverso, apresentando as mesmas dificuldades da
linguagem oral na escrita.
No ano de 2004, foram 12 casos atendidos e todos eles apresentavam
problemas de fala e/ou de linguagem, além de baixo rendimento escolar,
especialmente na área de conhecimentos lingüísticos. E quando submetidas à
37
avaliação clínica de linguagem2 parte destas crianças apresentou também
problemas na leitura e na escrita.
Estes casos, porém , supõe-se não são comuns apenas no município de
Diamantino, isto porque, outros pesquisadores , também fonoaudiólogos, tal como
Siqueira (2004) têm apresentado problemas semelhantes em suas clínicas. Em um
trabalho de pesquisa que questiona a transferência do papel de educador do
professor para o clínico no atendimento ao aluno que apresenta alteração de leitura
e escrita, a autora Siqueira esclarece:
de acordo com estudos realizados na clínica escola de Fonoaudiologia da Universidade Metodista de Piracicaba (Lacerda, 1988 e Leonelli, 2002) e a partir da constatação empírica em minha própria experiência clínica, presencia-se hoje um número significativo e crescente de crianças que, por não aprenderem a ler e escrever na escola, são encaminhadas para as clínicas de fonoaudiologia. Confere-se ao fonoaudiólogo o papel de alfabetizador de uma criança rotulada incapaz (muitas vezes disléxica) a qual a escola alega não ter mais meios de ensinar. O que a prática de atendimento destas crianças mostra é que quando se encaminha um aluno para a clínica há a crença num distúrbio inerente a ele (SIQUEIRA, Anped 2004, CD-ROOM).
Com base nas considerações acima, pode-se dizer que, os professores
identificam alunos com dificuldades de aprendizagem, e os pais percebem que seus
filhos apresentam problemas de acompanhamento escolar. Estas crianças, então,
são encaminhadas para as clínicas de fonoaudiologia e lá são constatados
problemas de desenvolvimento da linguagem e no aprendizado da leitura.
Em resumo, o problema é que, apesar de submetidos ao processo de
escolarização e alfabetização dentro de uma proposta inovadora e voltada para o
enfrentamento da questão do fracasso escolar, há crianças em fase de pré-
adolescência que ainda apresentam problemas de linguagem e aprendizagem,
especificamente de leitura.
_____________
2. A avaliação fonoaudiológica na área da linguagem é o procedimento de coleta de informações e dados direcionados para a investigação de processos comunicativos não verbais; linguagem oral (atraso na aquisição); linguagem escrita e leitura (distúrbios de aprendizagem); fala (omissões, substituições e distorções na produção dos fonemas). Durante a avaliação são realizadas entrevistas com os pais ou responsáveis pela criança, aplicação de procedimentos para caracterização do desenvolvimento e das dificuldades apresentadas.
38
Em face disto, considerando que há um aparente embricamento entre o
desenvolvimento da fala e/ou da linguagem e o aprendizado da leitura, a questão
que se levanta é: os problemas no desenvolvimento da linguagem oral têm
implicações sobre as dificuldades de aprendizagem da leitura?
E mais, considerando que, de um lado, pais queixam-se das dificuldades
de linguagem e de aprendizagem de seus filhos e professores queixam-se de
problemas de aprendizagem dos alunos, e de outro, fonoaudiólogos e demais
profissionais reconhecem as dificuldades de linguagem oral e de leitura e escrita nas
crianças encaminhadas, uma segunda questão se levanta: que fatores de ajuda têm
sido implementados pela família e pela escola no sentido de mobilizar o
desenvolvimento da linguagem e da leitura pelas crianças com dificuldades de
aprendizagem?
Assim sendo, o presente estudo visou especificamente, a)avaliar, na
perspectiva da linguagem oral, o desenvolvimento real da criança com dificuldade de
aprendizagem da leitura; e b) conhecer os fatores de ajuda acionados pela família e
pela escola, no processo de desenvolvimento de crianças com dificuldades de
aprendizagem da leitura e da linguagem oral.
Para atingir tais objetivos, o presente estudo, baseando-se notadamente
em teorias de Vygotsky, Bernstein, Alliende e Condemarín, propôs como objetivo
geral analisar o desenvolvimento real de crianças com dificuldades de aprendizagem
de leitura, e avaliar a atuação efetiva da família e da escola no processo de
mobilização das funções psicológicas superiores da criança.
A pesquisa, numa abordagem materialista dialética qualitativa exploratória,
apoiou-senos três princípios da pesquisa vygotskiana, caracterizados pela 1) análise
do processo de desenvolvimento da linguagem e da leitura, e nos fatores de ajuda
presentes no desenvolvimento, o 2) explicação do problema, e 3) avaliação do
processo de mudança. Deste modo, considerou como sujeitos do estudo, 18
crianças da I fase do II Ciclo do Ensino Fundamental com dificuldades de
aprendizagem, especificamente em leitura, indicadas pelas professoras de cinco
turmas, de três escolas da rede pública municipal de Diamantino – MT.
Para avaliar o seu desenvolvimento real de leitura e de linguagem oral das
crianças com dificuldades de aprendizagem, foram aplicadas 9 atividades
específicas, e para avaliar os fatores de ajuda, foram realizadas entrevistas com os
pais e filmagens em sala de aula.
39
O estudo revelou, deste modo, em poucas palavras, que as crianças com
problemas de aprendizagem têm defasagem no desenvolvimento de linguagem oral,
e estes, pouca ajuda recebem tanto da parte da família como da escola.
O presente estudo foi organizado em três capítulos, sendo que no Capítulo
I encontram-se descritos os pressupostos teóricos que definem a leitura, a
linguagem e a mediação da aprendizagem.
O Capítulo II refere-se aos princípios metodológicos da pesquisa, e
apresenta os meios, instrumentos e critérios de análise utilizados.
O Capítulo III explicita os resultados e análises dos procedimentos
aplicados, referentes à leitura, à linguagem oral e também dos fatores de ajuda da
família e da escola, mais especificamente do professor.
As considerações finais apresentam os resultados relevantes em relação à
leitura e à linguagem oral das crianças com dificuldades de aprendizagem, indicando
que elas têm defasagem no aprendizado da leitura, e no desenvolvimento da
linguagem oral. Em se tratando dos fatores de ajuda, os pais, reconhecem os
problemas de aprendizagem e muitos deles, tentam de forma simples, ajudar os
seus filhos. Quanto aos fatores de ajuda dos professores, poucos foram os
momentos de ajuda, presenciados durante as filmagens em sala de aula,
relacionada às crianças do estudo.
40
CAPÍTULO I
FRACASSO ESCOLAR E APRENDIZAGEM: REVENDO
CONCEITOS DE LEITURA, LINGUAGEM, MEDIAÇÃO
Com o intuito de fundamentar teoricamente o trabalho de pesquisa, o
presente capítulo explicitou os conceitos principais ligados ao estudo, referentes ao
fracasso escolar e aprendizagem da leitura, fracasso escolar e linguagem e a
mediação no processo de aprendizagem.
1.1. O fracasso escolar e a aprendizagem da leitura
A intenção inicial foi conceituar o que na literatura alguns estudiosos e
pesquisadores têm descrito como fracasso escolar, compreendendo que existem
divergências de opinião, dependo da área de estudo, ou linha de pesquisa.
Charlot (2000), salientou dois pontos principais relacionados ao fracasso
escolar, primeiro, para o autor não existe o fracasso escolar; os fenômenos reais é
que são denominados de fracasso escolar. Não existe, segundo Charlot um objeto
chamado “fracasso escolar”; existem alunos que não conseguem acompanhar o
ensino que lhes é oferecido, não adquirem o saber esperado, não constroem certas
competências. Portanto, o conjunto desses fenômenos observáveis é o que os
mestres e a mídia denominam de “fracasso escolar”. Segundo palavras do autor:
o fracasso escolar não é um monstro escondido no fundo das escolas e que se joga sobre as crianças mais frágeis, um monstro que a pesquisa deveria desemboscar, domesticar, abater. O “fracasso escolar” não existe; o que existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares que terminam mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus resistente, chamado “fracasso escolar” (CHARLOT, 2000, p 16).
O segundo ponto importante da teoria de Charlot relaciona-se ao que deve
ser analisado: os alunos, as situações, as histórias. O autor diz que as respostas
para o fracasso escolar encontram-se no processo histórico, escolar e familiar dos
indivíduos com problemas de aprendizagem, numa visão antropológica de relação
com o saber, visto que o homem é um ser social, ocupa um lugar na história, uma
41
história singular, contida em uma história maior, a da espécie humana. Segundo o
autor:
[...] nascer significa ver-se submetido à obrigação de aprender. Aprender para construir-se, em um triplo processo de “hominização” (tornar-se homem), de singularização (tornar-se um exemplo único de homem), de socialização (tornar-se membro de uma comunidade, partilhando valores e ocupando um lugar nela), (CHARLOT, 2000, p.53).
Muitos outros autores têm se preocupado com o fracasso escolar,
principalmente das camadas mais pobres da população brasileira. Para Soares
(2002), a escola dita para o povo é ainda bastante insatisfatória tanto do ponto de
vista quantitativo como qualitativo, pois os altos índices de evasão e repetência dos
alunos pertencentes às camadas populares têm comprovado isso, e que apesar de
uma progressiva democratização do acesso à escola, não está igualmente
ocorrendo a democratização da escola, o que vem acentuando as desigualdades
sociais e provocando a sua legitimação.
Grande parte da responsabilidade por essa incompetência deve ser atribuída a problemas de linguagem: o conflito entre a linguagem de uma escola fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas, cujos padrões lingüísticos usa e quer ver usados, e a linguagem das camadas populares, que essa escola censura e estigmatiza, é uma das principais causas do fracasso dos alunos pertencentes a essas camadas, na aquisição do saber escolar (SOARES, 2002, p. 6).
Os PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS DA LÍNGUA
PORTUGUESA, PCNs na sua introdução já indicam uma preocupação com o
fracasso escolar do ensino da Língua Portuguesa. Segundo o texto, as discussões
sobre o assunto tiveram início na década de 80. No Ensino Fundamental, o eixo das
discussões no que se refere ao Fracasso Escolar tem sido a questão da leitura e da
escrita.
Sabe-se que os índices brasileiros de repetência nas séries iniciais – inaceitáveis mesmo em países muito mais pobres – estão diretamente ligados à dificuldade que a escola tem de ensinar a ler e a escrever. Essa dificuldade expressa-se com clareza nos dois gargalos em que se concentra a maior parte da repetência: no fim da primeira série (ou mesmo das duas primeiras) e na quinta série. No primeiro, por dificuldade de alfabetizar, no segundo, por não conseguir garantir o
42
uso eficaz da linguagem, condição para que os alunos possam continuar a progredir até, pelo menos, o fim da oitava série (MEC, P.C.N. de Português, 2001, p.19).
Como pesquisadora sobre leitura, Solé (2003) relata que há muitos anos
fala-se de um fenômeno descrito como “analfabetismo funcional”, também
denominado de neo-analfabetismo ou iletrismo. Esse fenômeno mantém uma
relação estreita com a cultura escrita de pessoas já alfabetizadas. Segundo a autora,
Viñao (1985) define como características desse fenômeno:
[...] usos restritos e pobres da leitura e, mais ainda da escrita; dificuldade recusa ou aversão no momento de se relacionar com o escrito; falta de habilidades necessárias para fazer uso da leitura, do ponto de vista pessoal, cívico ou do trabalho (SOLÉ, 2003, p.32).
Segundo a autora, Viñao revela que esse novo analfabetismo “manifesta o
fracasso do projeto educativo de uma sociedade que tem entre suas metas a
alfabetização”. (SOLÉ, 2003, p.32-33).
O aprendizado da leitura segundo Alliende e Condemarín, é um fator
determinante do êxito ou fracasso escolar. Para os autores, a leitura é uma
atividade que compreende ao mesmo tempo disciplina de ensino e instrumento para
o manejo das demais faces do currículo.
[...] primeiramente, uma das maiores metas na educação básica era “aprender a ler”; agora a ênfase está em “ler para aprender”. [...] nas séries fundamentais, a aprendizagem do código dentro de contextos significativos para a criança, é de grande importância; mas, posteriormente, a leitura é utilizada como instrumento para a aquisição dos outros setores do programa de estudo (ALLIENDE e CONDEMARÍN, 2005, p.13).
Relacionando a consciência metalingüística ao aprendizado da leitura,
Bunce (1996) cita que Van Kleeck (1984) observou duas categorias de habilidades
metalingüísticas importantes para a comunicação. Uma é a habilidade envolvida no
reconhecimento e na correção de erros de fala-linguagem e outra é a envolvida na
adaptação às necessidades do ouvinte. Ainda afirma que outros tipos de
capacidades metalingüísticas podem ser mais diretamente relacionadas a
habilidades de letramento. Essas habilidades incluem a capacidade de reconhecer
as relações som-símbolo, os sentidos das palavras e as relações gramaticais.
43
Vygotsky empreendeu uma série de estudos com a finalidade de
desvendar essas inter-relações complexas em certas áreas do aprendizado escolar,
sendo essas áreas: leitura e escrita, gramática, aritmética, ciências sociais e ciências
naturais. Vygotsky mostrou com seus experimentos que: “[...] o desenvolvimento da
escrita não repete a história do desenvolvimento da fala. A escrita é uma função
lingüística distinta, que difere da fala oral tanto na estrutura como no funcionamento”
(VYGOTSKY, 2000, p.123).
O autor relata que no início do aprendizado as funções psíquicas
necessárias para a aprendizagem ainda não estão maduras, mesmo naquelas
crianças que dominam o currículo. A aprendizagem escolar exige da criança um alto
nível de abstração. Na linguagem escrita a criança necessita se desligar do aspecto
sensorial da fala e substituir palavras por imagens de palavras. “Uma fala apenas
imaginada, que exige a simbolização de imagem sonora por meio de signos escritos
(isto é um segundo grau de representação simbólica)”. (op. Cit. p.123).
Para Vygotsky:
A gramática e a escrita ajudam a criança a passar para um nível mais elevado do desenvolvimento. Assim, a nossa investigação mostra que o desenvolvimento das bases psicológicas para o aprendizado de matérias básicas não precede esse aprendizado, mas se desenvolve numa interação contínua com as suas contribuições. (VYGOTSKY, 2000, p.126).
Percebe-se, portanto que não existem etapas rígidas de desenvolvimento
a serem alcançadas para que a aprendizagem ocorra, como postulava Piaget, mas é
todo um processo de interação. Entretanto, para Vygotsky, a curvas de
desenvolvimento e aprendizado não coincidem, e o aprendizado precede ao
desenvolvimento.
Para compreendermos a importância da leitura no processo de
desenvolvimento das crianças pode se remeter a Alliende e Condemarín, que
descrevem a leitura como determinante nos processos de pensamento, ao
afirmarem que:
a cultura letrada, ao mobilizar a linguagem do mundo oral auditivo para o mundo sensorial da visão, transforma a comunicação oral e os esquemas cognitivos das pessoas. Nas culturas orais, a limitação das palavras apenas a sons, num contato [face a face], determina não só modos de expressão, como processos de pensamento. O acesso à
44
linguagem escrita não só realimenta o escutar, o falar e o produzir textos, como também modifica as representações, a consciência e a ação (ALLIENDE e CONDEMARÍN, 2005, p. 16).
Percebe-se, por esta análise que, para a criança, o aprendizado da leitura
vai conseqüentemente impulsionar o seu desenvolvimento. Alliende e Condemarín,
citando a Teoria das Inteligências Múltiplas de Howard Gardner (Ramos-Ford e
Gardner, 1997), descrevem que:
[...] a Inteligência verbal-lingüística é uma das inteligências mais associadas às habilidades do letramento emergente. Esta envolve a habilidade de escutar com compreensão, falar de um modo articulado, identificar e relacionar os sons com a palavra, ler com um propósito, escrever e criar histórias e poesias, e usar a linguagem e suas expressões (op.Cit. p.36).
O que estes autores, Alliende e Condemarím, dizem está ligado ao
processo inicial de aprendizagem da leitura, pois enquanto a criança desenvolve
essas habilidades vai aos poucos se familiarizando com a escrita e reconhecendo-a
em suas mais diversas formas e tipos.
Falando sobre o aprendizado da leitura, Solé (2003) argumenta que:
Aprender a ler não é muito diferente de aprender outros procedimentos que se ensinam na escola. Requer que o aluno atribua sentido à leitura, que disponha de recursos cognitivos suficientes para fazê-lo e que tenha a seu alcance a ajuda insubstituível de pessoas que confiem na competência da criança e que saibam intervir para incentivá-la. Como ocorre com outras aprendizagens, não se realiza de um dia para o outro, nem se consegue seu domínio de uma vez para sempre. Trata-se de um processo dilatado, ao longo do qual incrementam-se as possibilidades do leitor e o aproximam da imagem do leitor inteligente, ou pelo menos convencional (SOLÉ, 2003, p.67).
Bunce (1996), discorrendo sobre as habilidades metacognitivas na sala de
aula, diz que uma das mais importantes habilidades metacognitivas utilizadas em
sala de aula é a habilidade de monitorar a própria compreensão, tanto da linguagem
escrita quanto da falada. As habilidades metacognitivas são também importantes
para a habilidade de um estudante em compreender informações de graus variados
de abstração.
45
Segundo palavras de Simons e Murphy, autores como Rubin (1978),
Schallert, Kleiman e Rubin (1977) acreditam que a linguagem oral e a linguagem
escrita diferem de inúmeras maneiras, as quais eles salientam dizendo que:
A fala tende a ser multicanalizada, incluindo modos de transmissão léxico-semântico-sintáticos, interacionais, para lingüísticos e não-verbais, enquanto a escrita é unimodal, dependendo maciçamente do canal léxico-semântico-sintático. A linguagem oral geralmente envolve um alto grau de interação e envolvimento dos participantes que compartilham o mesmo contexto temporal e espacial, freqüentemente em encontros face a face (SIMONS e MURPHY, in COOK-GUMPERZ, 2002, p. 219).
Para esses autores, a sensibilidade das crianças para as diferenças entre
linguagem oral e linguagem escrita e sua consciência sobre as características
textuais da linguagem escrita podem influenciar em sua aquisição das habilidades
de leitura. Por conseguinte, o que se constata é que o ato de ler não é mecânico
nem apenas mera decodificação de símbolos.
Em outro momento do texto, os autores afirmam que, o encontro das
crianças com os textos escritos exige que elas se tornem conscientes de sua
linguagem falada e de suas unidades (o que tem sido chamado de consciência
fonológica) e que desenvolvam estratégias diferenciadas do processamento do
discurso, as quais se fazem necessárias devido às diferenças entre a linguagem
escrita e a linguagem falada.
A pesquisa em questão envolveu crianças com dificuldades de
aprendizagem da leitura, mas como conceituar essas dificuldades de leitura?
Segundo García (1998), dificuldades de aprendizagem da leitura,
define-se pela presença de um déficit no desenvolvimento do reconhecimento e compreensão dos textos escritos. Este transtorno não é devido nem à deficiência mental, nem a uma inadequada ou escassa escolarização, nem a um déficit visual ou auditivo, nem a um problema neurológico. Somente se classifica como tal se é produzida uma alteração relevante do rendimento acadêmico ou da vida cotidiana (GARCÍA, 1998, p.173).
O autor, portanto, descarta a possibilidade de problemas associados,
como problemas neurológicos ou outros, estando a dificuldade de aprendizagem da
46
leitura mais especificamente ligada ao reconhecimento e compreensão da linguagem
escrita. García esclarece também que:
Este transtorno é denominado como “dislexia” ou como transtorno do desenvolvimento da leitura (Stanovich, 1992). Manifesta-se uma leitura oral lenta, com omissões, distorções e substituições de palavras, com interrupções, correções, bloqueios. Produz-se uma afetação, também, da compreensão leitora (GARCÍA, Op. Cit. p.173).
No artigo veiculado na Internet (2005) cujas editoras responsáveis são
Novaes e Ruschel3 , foi estabelecido uma diferenciação entre o que é uma
dificuldade de aprendizagem e o que é um quadro de Transtorno de Aprendizagem.
[...] muitas crianças em fase escolar apresentam certas dificuldades em realizar tarefas, que podem surgir por diversos motivos, como problemas na proposta pedagógica, capacitação do professor, problemas familiares ou déficits cognitivos, entre outros. A presença de uma dificuldade de aprendizagem não implica necessariamente em um transtorno, que se traduz por um conjunto de sinais sintomatológicos que provocam uma série de perturbações no aprender da criança, interferindo no processo de aquisição e manutenção de informações de uma forma acentuada.
Segundo as autoras, atualmente a descrição dos transtornos de
aprendizagem é encontrada em manuais internacionais de diagnóstico, no CID-10,
elaborado pela Organização Mundial de Saúde (1992), e também no Manual de
Diagnósticos e Estatísticas das Perturbações Mentais, DSM-IV, que foi organizado
pela Associação Psiquiátrica Americana (1995).
Ambos os manuais reconhecem a falta de exatidão do termo “transtorno”,
contudo justificam o uso do termo com a finalidade de evitar confusões maiores,
relacionadas ao uso das expressões “doença” ou “enfermidade”.
Referentes ao Transtorno de Leitura - DSM-IV4, foram encontradas as
seguintes características diagnósticas:
3. Novaes e Ruschel são as responsáveis pelo site – www.permanente.com.br Maria Alice Fontes P. Novaes é Psicóloga pela PUC-SP, doutoranda em Saúde Mental pelo Departamento de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina, Universidade Federal de São Paulo –UNIFESP. Editora responsável do site. Silvia H. Pellegrini Ruschel é Fonoaudióloga pelo Instituto Metodista de Educação e Cultura - RS, mestre em Fonoaudiologia Clínica pela Puc-SP. Psicopedagoga realizou aperfeiçoamento em Linguagem pelo Centro de Especialização Em Fonoaudiologia Clínica – CEFAC-SP. 4. As definições sobre Transtornos de Leitura, CID-10 e DSM-IV, foram pesquisados nos sites: www.psicologia.com.pt e www.psiqwweb.med.br
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A característica essencial do Transtorno da Leitura consiste em um rendimento da leitura (isto é, correção, velocidade ou compreensão da leitura, medidas por testes padronizados administrados individualmente) substancialmente inferior ao esperado para a idade cronológica, a inteligência medida e a escolaridade do indivíduo (Critério A). A perturbação da leitura interfere significativamente no rendimento escolar ou em atividades da vida cotidiana que exigem habilidades de leitura (Critério B). Na presença de um déficit sensorial, as dificuldades de leitura excedem aquelas habitualmente a este associadas (Critério C). Caso esteja presente uma condição neurológica, outra condição médica geral ou outro déficit sensorial, estes devem ser codificados no Eixo III.
O diagnóstico encontrado no CID-10, denominado F81.0 Transtorno
Específico de Leitura, está assim definido:
A característica essencial é um comprometimento específico do desenvolvimento das habilidades de leitura, não atribuível exclusivamente à idade mental, a transtornos de acuidade visual ou escolarização inadequada. A capacidade de compreensão da leitura, o reconhecimento das palavras, a leitura oral, e o desempenho de tarefas que necessitam da leitura podem estar todas comprometidas. O transtorno específico da leitura se acompanha freqüentemente de dificuldades de soletração, persistindo comumente na adolescência, mesmo quando a criança haja feito alguns progressos na leitura. As crianças que apresentam um transtorno específico da leitura têm freqüentemente antecedentes de transtornos da fala ou de linguagem. O transtorno se acompanha comumente de transtorno emocional e de transtorno de comportamento durante a escolarização.
No sentido de compreensão e análise do processo de aprendizagem da
leitura das crianças com dificuldades de leitura, buscou-se na atual pesquisa novas
opções e conceituações, utilizando, para tal, como base teórica, os estudos de
Alliende e Condemarín (2005).
Os autores citados descrevem a aprendizagem da leitura como um
processo integrado por quatro etapas principais: “leitura emergente, leitura inicial,
leitura nas séries intermediárias e leitura avançada”.
Estas etapas, entretanto, segundo os autores são apenas formas de
sistematizar as informações, visto que, na realidade, as etapas se superpõem. A
leitura emergente relaciona-se àqueles primeiros indícios de leitura e é reconhecida
sobre o conceito de articulação.
48
A leitura inicial vai continuar o processo iniciado na educação infantil. Já
se enfatiza nesta etapa o desenvolvimento de uma série de habilidades específicas
referentes à aprendizagem dos fonemas, as quais permitem à criança alcançar um
nível progressivo de aprendizagem do código, superando o “brincar de ler”,
começando a ler de forma independente, compreendendo o significado do texto ao
seu alcance. Para os autores, o aprendizado da leitura inicial constitui-se em um
aprendizado complexo, no qual:
uma vez que o leitor descobre as regras necessárias para transformar os sinais espaciais em seus equivalentes verbais, progride para a captação direta do significado, utilizando, para isso, o seu domínio da linguagem e o seu nível de conhecimento e de conceitualização (ALLIENDE e CONDEMARÍN, 2005, p.73).
Após superar a etapa de decodificação da leitura inicial, a criança inicia a
etapa de leitura intermediária, na qual ela deverá alcançar maior fluência e precisão
na leitura. Este período pode se estender por pelos últimos 3 anos do ensino formal,
que constituem especificamente, no caso da Escola Ciclada, as três fases do II ciclo.
A leitura avançada é considerada como o passo seguinte à leitura das séries
intermediárias,
Alliende e Condemarín (2005) salientam que o programa de ensino nesta
etapa da leitura nas séries intermediárias deve enfatizar o aprofundamento da
aprendizagem do código e no desenvolvimento de habilidades básicas de leitura oral
e silenciosa, para alcançar um nível que torne a leitura uma atividade satisfatória e
reforçadora, no nível criativo, informativo e funcional.
Com a finalidade de se estabelecer uma determinada progressão no
aprendizado da leitura pelas crianças, reporta-se a Alliende e Condemarín (2005, p.
85), em que os autores procuram estabelecer a seguinte progressão aproximada:
Quadro 6 – Progressão da leitura nas séries iniciai s
Grau Escolar Tipo de leitura - 1º semestre Tipo de Leitura - 2º semestre
Educação Infantil Leitura emergente Leitura emergente Primeira série Leitura inicial Leitura inicial com integração de
totalidades e habilidades Segunda série Consolidação da leitura inicial Início da leitura intermediária com
leituras independentes e dirigidas Terceira série Consolidação da leitura
intermediária Avanço da leitura intermediária e independente
Fonte: Alliende e Condemarín (2005, p. 86)
49
Diante do exposto, importante é compreender que tanto na proposta da
escola ciclada como na progressão proposta por Alliende as etapas não são
determinadas por limites rígidos, mas sim de modo a prever uma flexibilização.
Alliende explica que a criança, ao superar a etapa de decodificação correspondente
à leitura inicial, passa para uma etapa subseqüente, destinada a alcançar uma maior
fluência e precisão, que irá se estender pelo período dos três primeiros anos do
ensino formal, passando para a leitura intermediária e posteriormente para a
independente.
Nessa classificação de leitura os autores destacam a leitura emergente,
leitura inicial e leitura das séries intermediárias, sendo a leitura das séries
intermediárias a fase em que deveriam se encontrar os alunos sujeitos à pesquisa,
da I fase do II Ciclo do Ensino Fundamental.
Segundo Solé (in. TEBEROSKY et al.):
Não é possível avançar na leitura sem identificar os diferentes sinais gráficos (letras) de cada língua. Se a identificação é muito lenta e difícil, exigirá um alto grau de esforço que pode levar o aluno a perder o significado global do que lê. Assim é importante que o aluno identifique com segurança confiabilidade e fluidez (SOLÉ, 2003, p. 38).
No estudo em questão, os conceitos sobre leitura, de Alliende e
Condemarín (2005), a classificação de leitura descrita pelos autores, foram a base
de sustentação para a avaliação e a análise das crianças do estudo, por
apresentarem uma forma de progressão, que facilitou a visualização do processo de
aprendizagem de leitura. Compreender o desenvolvimento real da criança em
relação à aquisição da leitura.
1.2. A linguagem e suas perspectivas
Para entender o fracasso escolar e a dificuldade que certas crianças
apresentam no aprendizado da leitura crê-se ser importante entender como ocorre o
processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem das crianças a partir
da aquisição da linguagem.
Segundo Vanoye (2002), Émile Benveniste, assim definiu linguagem:
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[...] é um sistema de signos socializado. “Socializado” remete claramente à função de comunicação da linguagem. A expressão “sistema de signos” é empregada para definir a linguagem como um conjunto cujos elementos se determinam em suas inter-relações, ou seja, um conjunto no qual nada significa por si, mas tudo significa em função dos outros elementos. Em outras palavras, o sentido de um termo, bem como o de um enunciado, é função do contexto em que ele ocorre (VANOYE, 2002, p.21).
Benveniste, em sua definição de linguagem, já destaca a linguagem com a
função de comunicação e a importância do contexto em que ela ocorre, pois o ser
humano se destaca de outros animais principalmente por possuir linguagem, e a
linguagem como fator de socialização.
Bernstein (in. Domingos et. al. 1986), antes de definir os códigos
lingüísticos de fala, faz uma breve definição de língua e linguagem.
Hymes [190] escreveu: Tipicamente, a linguagem refere-se ao ato ou processo, enquanto a língua se refere à estrutura, padrão ou sistema. Linguagem é uma mensagem, língua é um código. Os lingüistas têm se preocupado em inferir as constantes do código da língua (DOMINGOS, et. al. 1986, p. 41-42).
Também Soares (2002), numa visão sociológica e sociolingüística,
relaciona o problema do fracasso escolar com os problemas de linguagem. A escola
enfatizando a linguagem das classes privilegiadas em detrimento da linguagem das
classes populares reportando-se à teoria dos códigos sociolingüísticos desenvolvida
por Bernstein.
A teoria de Bernstein preocupa-se com o processo de transmissão
cultural. Sua tese aponta para a problemática da reprodução cultural e de mudança,
evidenciando questões fundamentais da natureza e do processo de controle social.
Bernstein também explicita essas dificuldades enfrentadas pelo sistema
escolar e emite sua opinião sobre as causas do fracasso quando diz que:
o ambiente educativo das escolas dos nossos dias está longe de ser satisfatório. Para além de um conjunto de condições tendentes à redução de motivações e expectativas de alunos e de professores, a escola atribui valor e significados reduzidos às realizações culturais e representações simbólicas da família e da comunidade de muitos alunos. A dificuldade que algumas crianças experimentam na escola pode ser entendida, a certo nível como a confrontação entre ordens de significação, relações sociais e valores diferentes. Como conseqüência, estas crianças ficam em crucial desvantagem em
51
relação à cultura total da escola. Esta cultura não lhes diz respeito e elas poderão não lhe responder. O que acontece é que a escola apela para significados universalistas em contextos retirados do mundo simbólico da classe média. Assim muitas crianças da classe trabalhadora, quando entram para a escola, estão a penetrar num sistema simbólico que não lhes oferece qualquer ligação com a sua vida familiar e comunitária (DOMINGOS, et al, 1986, p.7).
Para Bernstein, existem diferenças no processo de socialização das
crianças de acordo com a classe social a qual pertencem. As crianças de famílias da
classe trabalhadora tendem a desenvolver e utilizar mais o código restrito, no
entanto as da classe média têm maior tendência para o desenvolvimento do código
elaborado. Cada um desses códigos irá determinar de forma qualitativa a seleção, a
organização e a realização dos significados nos diversos contextos.
Portanto, as crianças da classe trabalhadora, ao ingressar na escola que
culturalmente está fundamentada em significados universalistas da classe média,
entram em contato com uma linguagem com a qual não estão familiarizadas.
Conseqüentemente terão, uma maior dificuldade na aprendizagem.
Estudos que analisam os alunos fracassados apontam várias causas e
aspectos, entre os vários aspectos em destaque encontram-se: a) dificuldades de
aprendizagem da leitura, b) a linguagem oral e o uso dos códigos sociolingüísticos,
c) a socialização da criança por meio da mediação do adulto.
Cardoso (2000, p.16) enfatiza que “dentre os inúmeros fatores que
influenciam os processos de aprendizagem no interior da escola destaca-se a
linguagem, enquanto meio de intercâmbio educacional”, e segundo a autora muitas
pesquisas têm focalizado os diferentes usos da linguagem, citando estudos como os
de Bernstein (1971), Soares (1986), Franchi, 1986, Kato (1987); Cagliari (1989)
Cook-Gumperz (1991), entre outros.
Segundo CooK-Gumperz (2002), citado por Cardoso, muitos são os
fatores reconhecidos como fundamentais para o sucesso escolar, porém as
diferenças de linguagem até recentemente vinham sendo ignoradas e vistas como
prejuízos incidentais para o processo de aprendizagem. Entretanto, para o autor, se
o intercâmbio verbal tem um caráter essencial no processo de aprendizagem
escolar, são as diferenças no uso da linguagem que tendem a ser o foco da
preocupação. De acordo com ele, as crianças podem chegar à escola como falantes
competentes da língua, porém, de acordo com o uso que fazem da língua, que pode
52
tomar forma de uma variedade de dialetos, as crianças poderão ser julgadas não só
pelo seu desempenho verbal, mas também em questões de atitude e motivação.
Segundo Roazzi e Carvalho (1995), nos últimos anos, um assunto vem
chamando a atenção dos pesquisadores: a “consciência metalingüística”, causando
controvérsia entre os pesquisadores, questionando-se sobre sua origem. Alguns
consideram-na resultado da aprendizagem da leitura, enquanto outros acreditam ser
ela sua precursora, desempenhando um importante papel para esta aprendizagem.
Bunce, citando L. Miller (1990), sugeriu que:
a competência de linguagem desenvolve-se em dois níveis. Seus processos de nível I incluem semântica, sintaxe e morfologia, fonologia e pragmática básicas. Os processos de nível II incluem percepção metalingüística, conhecimento de discurso e pragmática de nível mais elevado. N. W. Nelson (1989) referiu-se aos processos nível II como “meta-habilidades” (p.177). Sob esse título, ela incluiu habilidades metalingüísticas que envolvem falar sobre e manipular símbolos lingüísticos; habilidades metacognitivas que envolvem monitorar pensamento e compreensão; e habilidades metapragmáticas que envolvem reconhecer as regras de interação (BUNCE, 1996, p.142).
Para Roazzi e Carvalho (1995), consciência metalingüística refere-se à
habilidade de saber a diferença entre o que é dito e o que é significado e em saber
lidar com ambigüidades. A metalingüística pode envolver aspectos lingüísticos
diferentes, como fonemas, morfemas, palavras, sentenças, gramática, sintaxe,
pragmática e semântica. Geralmente, quanto mais a criança possui experiências
com a linguagem e quanto mais reflete sobre o seu uso, maior será sua consciência
metalingüística.
Roazzi e Carvalho (op. Cit.1995, p.481-482), acreditam na metalingüística
como fundamental para o desempenho da linguagem oral e escrita para o sucesso
das crianças na escolarização. Segundo os autores, Clark (1978) reuniu evidências
de que as crianças a partir de 2 anos já são conscientes da linguagem e capazes de
refletir sobre suas propriedades. A autora então sistematizou as evidências
coletadas em sua pesquisa em 6 níveis:
Nível 1 – habilidade de monitorar os próprios enunciados: reparando a própria fala espontaneamente; praticando sons, palavras e sentenças; ajustando a própria fala à idade e ao status do ouvinte. Nível 2 – habilidade para checar os resultados de um enunciado: verificando se o ouvinte entendeu ou não (e então reparando
53
quando necessário); comentando sobre enunciados seus e de outros; corrigindo o enunciado de terceiros. Nível 3 – habilidade de testar a linguagem concretamente: decidindo se uma palavra ou descrição funciona corretamente ou não (e se não, treinando outra). Nível 4 – habilidade de treinar deliberadamente para aprender: praticando novos sons, palavras, sentenças; fazendo “vozes diferentes” para diferentes papéis sociais. Nível 5 – habilidade de predizer as conseqüências do uso de flexões, palavras, frases, sentença: aplicando flexões para “novas” palavras fora do contexto; julgando, fora do contexto, qual enunciado pode ser mais prático ou mais apropriado a um falante específico; corrigindo a ordem das palavras e a relação em sentenças julgadas “tolas”. Nível 6 – habilidade de refletir sobre um produto do enunciado: identificando unidades lingüísticas, como frases, palavras, sílabas, sons; fazendo definições; construindo trocadilhos e charadas; explicando por que certas sentenças são viáveis e como elas podem ser interpretadas (CLARK, 1978, p. 34, in. ROAZZI e CARVALHO, 1995).
Os autores Roazzi e Carvalho, fazendo referências às definições de outros
autores sobre metalingüística e metacognição, explicitaram que:
o termo “metalingüística”, ao lado da “metamemória” , “metacompreensão” etc., está agrupado dentro da Psicologia Cognitiva sob a rubrica de uma palavra chave: metacognição (ver Flavell, 1978, Dixon, Henley, 1980), um tipo de habilidade especificamente humana e, ao mesmo tempo, um componente essencial das funções psicológicas de nível superior (Vygotsky, 1984) (ROAZZI e CARVALHO, 1995, p.482).
As funções psicológicas superiores, são descritas por Vygotsky como
fundamentais no desenvolvimento intelectual dos indivíduos. Ao estudar a linguagem
e sua relação com o desenvolvimento e a aprendizagem, observou-se que as teorias
de Vygotsky e Piaget apresentam definições inversas em se tratando do
desenvolvimento da fala e do pensamento, pois para Vygotsky o desenvolvimento
do pensamento vai do social para o individual e não do individual para o socializado,
como propunha Piaget (VYGOSTKY, 2000, p. 24), e em ambas as teorias há uma
preocupação em explicar a importância da linguagem nesse processo.
Dentre os mais diversos estudos realizados na área de Educação e
Linguagem tem se destacado, no último século, com relevada importância, os
estudos realizados por Piaget e Vygotsky.
Para Vygotsky (2000), o estudo do pensamento e da linguagem é uma das
áreas da psicologia onde se faz necessária a compreensão das relações
interfuncionais, compreender a inter-relação de pensamento e palavra. Para ele o
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erro está nos métodos de análise adotados pelos pesquisadores até então. Sua
sugestão seria a análise em unidades, onde o termo unidade se refere ao produto de
análise, conservando todas as propriedades do todo, não podendo ser dividido, pois,
correr-se-ia o risco de perdê-las.
Qual a unidade do pensamento verbal que satisfaz esses requisitos? Acreditamos poder encontrá-la no aspecto intrínseco da palavra, no significado da palavra. Até o momento, poucas pesquisas sobre esse aspecto intrínseco da fala foram realizadas, e a psicologia tem pouco a nos dizer sobre o significado da palavra que não se aplique, do mesmo modo, a outras imagens e atos do pensamento. A natureza do significado como tal é clara. No entanto, é no significado da palavra que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal. É no significado, então, que podemos encontrar as respostas às nossas questões sobre a relação entre o pensamento e a fala (VYGOTSKY, 2000, p.5).
Vygotsky observa que: “uma palavra não se refere a um objeto isolado,
mas a um grupo ou classe de objetos; portanto, cada palavra já é uma
generalização”. (op. Cit. p. 5-6).
Para explicar a generalização, podemos citar um exemplo de Alliende e
Condemarín (2005), quando dizem que os alunos leitores independentes, com a
familiarização com o texto impresso, enriquecem o vocabulário e as estruturas
gramaticais que conhecem, aumentando também sua competência ortográfica. “As
palavras ditas ou ouvidas têm múltiplas identidades semânticas, gustativas, olfativas,
visuais; mas carecem de uma identidade gráfica e ortográfica”. (ALLIENDE e
CONDEMARÍN, 2005, p. 14). Escutar a palavra maçã pode despertar diversas
associações como: “torta de maçã”, “maçã verde”, “a maçã da Branca de Neve”, ou
um desenho.
Para Vygotsky, “a verdadeira comunicação humana pressupõe uma
atitude generalizante, que constitui um estágio avançado do desenvolvimento da
palavra”. (VYGOTSKY, 2000, p.7). A comunicação humana só é possível porque o
pensamento do homem espelha uma realidade conceituada. Pensando dessa forma,
para ler precisa-se, além de decifrar símbolos, através das generalizações,
compreender-se o que se lê, relacionando com nossos conhecimentos já
internalizados, que Vygotsky denomina de fala interior.
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Segundo o autor, esses conceitos explicam porque, mesmo com a
familiarização de certas palavras, certos pensamentos não podem ser comunicados
à criança, pois o que ocorre é a falta do conceito adequadamente generalizado.
No segundo capítulo de seu livro “Pensamento e Linguagem”, Vygotsky
(2000), faz uma análise sobre a teoria de Piaget sobre a linguagem e o pensamento
das crianças. O autor inicia dizendo da importância dos estudos de Piaget, que
revolucionaram o estudo da linguagem e do pensamento das crianças através de
seu método clínico de investigação das idéias infantis, no qual estudou
sistematicamente a percepção e a lógica infantis.
Em vez de enumerar as deficiências do raciocínio infantil, em comparação com o dos adultos, Piaget concentrou-se nas características distintivas do pensamento das crianças, naquilo que elas têm, não naquilo que lhes falta. Por meio dessa abordagem positiva, demonstrou que a diferença entre o pensamento infantil e o pensamento adulto era mais qualitativa do que quantitativa (VYGOTSKY, 2000, p.11).
Veja como essa questão é colocada pelo próprio Piaget, quando escreve
sobre as funções de linguagem em um de seus experimentos:
O problema que tentaremos resolver aqui é o seguinte: quais são as necessidades que a criança tende a satisfazer quando fala? Tal problema não é propriamente lingüístico, nem propriamente lógico; é um problema da psicologia funcional. Mas é através dele que convém abordar qualquer estudo sobre a lógica da criança. Problema singular, à primeira vista, pois parece que na criança, como em nós adultos, a linguagem serve ao indivíduo para comunicar seu pensamento. Mas as coisas não são tão simples assim. Em primeiro lugar, o adulto por meio das palavras, procura comunicar diferentes modos de pensar.[...] (PIAGET, 1993, p.1).
Neste mesmo livro (op. Cit. p. 32-33), Piaget afirma que os psicanalistas
distinguiram duas maneiras fundamentais de pensar: o pensamento dirigido ou
inteligente e o pensamento não dirigido, que Bleuler chamou de autístico. Essas
duas formas de pensamento têm características divergentes, diferem quanto a sua
origem, pelo fato de uma delas ser socializada enquanto a outra permanece
individual e incomunicável.
Para Piaget, entre o pensamento autístico e o pensamento inteligente
existem diversas variedades relativas ao grau de comunicabilidade, sendo que essas
variedades intermediárias devem obedecer a uma lógica especial intermediária entre
56
a lógica do autismo e a da inteligência. Piaget denomina de pensamento egocêntrico
a principal dessas formas intermediárias.
O autor destaca como pensamento não comunicável: o pensamento não
dirigido (o pensamento autístico) e o pensamento dirigido (o pensamento
egocêntrico), e como pensamento comunicável (pensamento mitológico) a
inteligência comunicada.
Vygotsky explica de forma clara que Piaget divide e classifica as falas das
crianças em dois grupos: o egocêntrico e o socializado, e o que os difere são as
funções.
Na fala egocêntrica, a criança fala apenas de si própria, sem interesse pelo seu interlocutor; não tenta comunicar-se, não espera resposta e, freqüentemente, nem sequer se preocupa em saber se alguém a ouve. É uma fala semelhante a um monólogo em uma peça de teatro: a criança está pensando em voz alta, fazendo um comentário simultâneo ao que esteja fazendo. Na fala socializada, ela tenta estabelecer uma espécie de comunicação com os outros – pede, ordena, ameaça, transmite informações, faz perguntas (VYGOTSKY, 2000, p.18).
Para Piaget, as crianças aos sete, oito anos, sentem necessidade de
trabalhar com os outros, e conseqüentemente a fala egocêntrica desaparece. Para
ele, a fala egocêntrica não teria nenhuma função útil no comportamento da criança,
e ela vai se atrofiando à medida que esta se aproxima da idade escolar. Para
Vygotsky, entretanto, a fala egocêntrica desde cedo tem um papel importante na
atividade da criança. Baseado em seus estudos levanta a hipótese de que “a fala
egocêntrica é um estágio transitório na evolução da fala oral para a fala interior”
(VYGOTSKY, 2000, P.21).
Os pressupostos teóricos de Vygotsky (2000) quanto ao processo de
desenvolvimento afirmam que primeiro ocorre a fala social, depois a egocêntrica, e
depois a interior, divergindo, segundo ele, do esquema Behaviorista – “fala oral,
sussurro, fala interior” e também da seqüência de Piaget , que parte do pensamento
autístico não verbal, à fala socializada e ao pensamento lógico, através do
pensamento e da fala egocêntricos. Para o autor, “o desenvolvimento do
pensamento não vai do individual para o socializado, mas do social para o
individual”, como já havia sido citado anteriormente.
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Uma das fontes de pesquisa para uma análise do desenvolvimento da
linguagem oral que dá suporte ao trabalho são os estudos realizados por Vygotsky,
que também salientam a importância dos fatores externos para a o desenvolvimento
da fala interior e do pensamento na criança, que ocorre através da fala socializada.
O desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem, isto é, pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultural da criança. Basicamente, o desenvolvimento da fala interior depende de fatores externos: o desenvolvimento da lógica na criança, como os estudos de Piaget demonstraram, é uma função direta de sua fala socializada. O crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem. (VYGOTSKY, 2000, p.62-63).
Segundo Vygotsky, aproximadamente aos dois anos a fala da criança
passa a servir ao intelecto e os pensamentos passam a ser verbalizados, o que é
revelado por dois sintomas: “(1) a curiosidade ativa e repentina da criança pelas
palavras, suas perguntas sobre cada coisa nova (o que é isso?) e (2) a conseqüente
ampliação do vocabulário, que ocorre de forma rápida e aos saltos” (VYGOTSKY,
2000, p.53).
Nesse momento, a criança tenta aprender os signos ligados aos objetos,
parecendo ter descoberto a função simbólica da fala. A fala, portanto, que
inicialmente era afetivo/cognitiva, passa agora para a fase intelectual.
Para Vygotsky (2000, p.57) o desenvolvimento da fala segue o mesmo
curso e obedece as leis relativas ao desenvolvimento de todas as outras operações
mentais que envolvem o uso de signos e atividades.
O autor divide em quatro estágios o desenvolvimento dessas operações: o primeiro, o estágio natural ou primitivo, correspondendo à fala pré-intelectual.
O estágio chamado de “psicologia ingênua” ou por analogia “física
ingênua”, onde a criança experimenta as propriedades físicas do seu próprio corpo,
e utiliza essa experiência no uso de instrumentos; é a fase também onde a criança
apresenta as primeiras manifestações de inteligência prática. Nesse estágio a
criança já manifesta o uso correto de formas e estruturas gramaticais, mesmo antes
de entender, as operações lógicas, que elas representam. Pode utilizar orações
subordinadas, operando com palavras como “porque, se, quando, mas”. Apresentam
o domínio de sintaxe da fala, antes da sintaxe do pensamento.
58
O terceiro estágio vai se caracterizar por signos exteriores, operações
externas que são usadas como auxiliares na solução de problemas internos (ex:
contar com os dedos). No desenvolvimento da fala, este estágio está caracterizado
pela fala egocêntrica.
Por fim, o quarto estágio, denominado “crescimento interior”, onde ocorre
a interiorização das operações externas, que passam por profundas mudanças no
processo. A criança conta mentalmente, usa a “memória lógica”, opera com relações
intrínsecas e signos interiores. Com relação à fala, corresponde ao estágio final da
fala interior, silenciosa.
Para Vygotsky (2000, p. 58-59), pode-se afirmar, ao considerar a função
da fala interior, que o pensamento e a fala são dois círculos que se cruzam. Nas
partes que coincidem, o pensamento e a fala se unem para produzir o que se chama
pensamento verbal. Para o autor, a fusão de pensamento e fala tanto em adultos,
como em crianças, é um fenômeno limitado a uma área circunscrita. Segundo ele, o
pensamento não verbal e a fala não intelectual não participam dessa fusão e são
afetados pelos processos de pensamento verbal somente de forma indireta.
Outra fonte utilizada como referência na pesquisa, relaciona-se com as
funções da linguagem, que foram descritas de diferentes formas por diversos
autores.
Del Rio (1996) cita diversos estudos que apresentam uma relação de
funções da linguagem adaptadas às primeiras etapas do desenvolvimento
comunicativo e lingüístico, entre eles: Dore (1974), Barret (1982) e Muñoz (1983). As
funções que a autora descreve no quadro abaixo foram elaboradas a partir de
observações empíricas da população infantil e do desenvolvimento normal das
crianças (HALLIDAY, 1975; DEL RIO, 1988), ou com crianças que apresentavam
necessidades educativas especiais (KENT, 1983, apud. DEL RIO, 1996, p.40-41).
Podemos observar, no quadro 7 abaixo, que muitas das funções citadas
por Del Rio (1988), de certa forma correspondem às citadas por Halliday (1975), por
exemplo: obtém ação – reguladora; obtém informação – heurística; auto descritiva
ou auto imaginativa – imaginativa; informa – representativa (função descrita por
Halliday, que não consta no quadro de Del Rio). Observem, portanto o quadro 7,
correspondente ao da Figura 1 de Del Rio:
59
Quadro 7 - Exemplos de funções da comunicação e da linguagem de crianças pequenas.
Halliday (1975) del Rio (1988) Kent (1983)
Instrumental Reguladora Interacional
Pessoal Heurística
Imaginativa
Informa
Obtém ação Obtém informação
Aprende Repete/ mantém
Autodescritiva Auto-imaginativa
Atenção
Solicitação Agradecimento
Enfado Recusa / oposição
Complacência /negativa
Fonte: Del Rio (1996, p.40).
A autora faz também uma referência crítica às “funções de linguagem na
idade escolar”, da obra de J. Tough (1989), por não incorporar claramente a utilidade
social e interpessoal da linguagem ao mundo extra-escolar e nem tampouco avaliar
a qualidade da interação em sala de aula, relacionada com o desenvolvimento da
própria linguagem. As funções ou categorias de uso denominadas por J. Tough
(1989) são: 1) auto-afirmação, 2) dirigir, 3) relatar, 4) raciocinar, 5) predizer e
antecipar, 6) projetar, 7) imaginar.
Perpassando por essas diversas teorias, decidiu-se por analisar os
modelos de linguagem através das funções comunicativas da fala dos sujeitos da
pesquisa, baseado na proposta de Halliday, por entender que o autor, assim como
Vygotsky, Bernstein e outros, acredita na importância das interações sociais, e que o
desenvolvimento da linguagem e suas relações acontecem através do meio social.
“O crescimento intelectual da criança depende de seu domínio dos meios sociais do
pensamento, isto é, da linguagem” (VYGOTSKY, 2000, p.63).
Halliday, citado por Nozaki (1986, p. 46) “Acredita que a interação da
criança com os outros começa ao nascer e que, em idade precoce, a linguagem já
começa a mediar vários aspectos da sua experiência”.
Segundo Nozaki (1986, p.47-49), Halliday (1973) definiu sete modelos de
linguagem: a Instrumental , a Regulatória , a Interacional , a Pessoal , a Heurística ,
a Imaginativa e a Representativa .
Descrevendo sucintamente cada modelo de linguagem descrito por
Halliday (1973), e traduzidas por Nozaki (1986), tem-se que:
▪ A função Instrumental – segundo Halliday é determinada “pelo fato
das crianças tornarem-se conscientes muito cedo de que a linguagem
é e pode ser usada como meio de obter de imediato os objetos”
60
(op.Cit. p. 47), para Halliday essa função é usada pela criança, para a
satisfação da necessidade material e manipulação e controle do meio
ambiente, é a função do “eu quero”.
▪ A função regulatória – “tem por função servir à criança como um
instrumento de controle do comportamento dos outros sobre si
mesma, isto é, para manipular as pessoas no ambiente”. (op.cit,
p.47). Neste modelo a criança emite inicialmente frases simples e não
estruturadas, contudo com o tempo, ela vai aprendendo as
seqüências de instruções ordenadas atingindo um estágio posterior,
passando a converter conjuntos de regras e instruções. Esta é a
função de linguagem definida por Halliday como “faça como eu lhe
digo”.
▪ A função interacional – está estreitamente relacionada à função
regulatória da linguagem, refere-se ao uso da linguagem na interação
entre o “EU” e os outros, a linguagem vai ser usada para definir e
consolidar o grupo, primeiro num relacionamento pessoal e fechado
entre a criança e a mãe e depois, com outros grupos através de
relações mais dinâmicas. Esta é a função definida por Halliday como
do “eu e você”, permite à criança interagir com alguém presente
(cumprimentando) ou ausente (chamando).
▪ A função pessoal – segundo a autora, refere-se à consciência da
linguagem como uma forma da própria individualidade. “A criança
torna-se capaz de oferecer à alguém aquilo que lhe é único, tornar
pública sua individualidade através da expressão direta de
sentimentos e atitudes próprias[...]. (op. Cit. p. 48). Através desse
processo surge a compreensão pela criança do ambiente como
sendo o não-eu. Halliday denomina essa função do “aqui estou eu”, e
que esta função permite que a individualidade da criança seja
compreendida e identificada através da linguagem.
▪ A função heurística – refere-se à linguagem como um meio de
investigação da realidade, capaz de explorar o seu ambiente. Para
Halliday (1973) no momento em que a criança se expressa através de
perguntas, ela não está somente procurando fatos, mas as
explicações dos fatos, as generalizações da realidade, que se
61
tornaram possíveis pelo uso da linguagem. Para Halliday, esta é a
função do “diga-me por que?”.
▪ A função imaginativa – permite à criança o seu relacionamento com
o ambiente, porém, usando a linguagem para criá-lo e recriá-lo de
acordo com a sua inclinação. Esta é a função denominada pela
autora de “vamos fazer de conta”.
▪ A função representativa ou informativa – nesta função a criança
torna-se consciente da sua capacidade de transmitir uma mensagem
ou informação através da linguagem, uma mensagem que tem
referência específica ao processo, pessoa, objetos, abstrações,
quantidades, estados e relações do mundo real à sua volta. A
capacidade de a criança transmitir uma informação ou um conteúdo
desconhecido ao ouvinte. Halliday descreve essa função como a do
“eu tenho algo a dizer”.
Através da verbalização das respostas das crianças torna-se possível
analisar a utilização dessas funções na linguagem oral da criança e, portanto, no uso
que ela faz dos códigos sociolingüísticos.
Segundo Bernstein (in DOMINGOS, et. al. 1986, p.42-43), a criança ao
aprender a falar aprende os códigos específicos, reguladores dos atos verbais, e
aprende também as exigências da sua estrutura social. Suas experiências são
transformadas em aprendizagem geradas pelos seus atos de fala, que
aparentemente são voluntários.
Bernstein (op. Cit.) enfatiza que, “todos os códigos têm de seguir um
conjunto de regras que constituem a língua, mas os códigos de fala são uma função
do sistema de relações sociais”. Dependendo do tipo de relação social, esta atuará
seletivamente no que é falado, quando é falado e como é falado. As relações sociais
são reguladores das opções dos falantes tanto no nível sintático como lexical.
Para analisarmos a linguagem oral, utilizamos como referência Vygotsky e
Halliday, como já foi visto, e também o código sociolingüístico segundo as definições
de Bernstein (in DOMINGOS, et.al.1986), em que o autor define dois tipos gerais de
código de fala: código elaborado e código restrito.
Inicialmente, o autor utilizou os termos “uso público da língua” e “uso
formal da língua”, que segundo o próprio autor, acabaram inadequadamente
62
associados e identificados respectivamente como uma forma não-standand e
standard da língua.
Segundo Bernstein, a definição geral de códigos que tinha sido utilizada
por ele em Bernstein (1977c) e também em Bernstein (1981) já enfatizava a relação
entre significados, realizações e contextos. Um código é: “um princípio regulativo,
tacitamente adquirido, que seleciona e integra significados relevantes, formas de
realização e contextos evocadores”. O autor ainda acrescenta que “a unidade de
análise dos códigos não é um enunciado abstrato, ou um contexto isolado, mas a
relação entre contextos”. (BERNSTEIN, 1996, p. 143).
O autor faz também uma distinção dos componentes verbais ou
lingüísticos e extraverbais ou para-lingüísticos de uma dada comunicação.
O verbal está relacionado com a mensagem, na qual a organização do
significado e sua combinação são mediadas pelas palavras. O componente para–
lingüístico ou extraverbal refere-se a significados enfatizados pelas associações
expressivas da palavra (ritmo, acentuação, ênfase) ou por gestos, expressão facial,
postural, etc.
Bernstein, (in. DOMINGOS et al. 1986, p.43-46), define dois tipos de
código restrito. Primeiro, o código restrito de predicabilidade léxica; neste código,
independente do grau de complexidade, todas as palavras e estrutura são
previsíveis, tanto para o falante quanto para o ouvinte. Dá como exemplos os modos
ritualísticos de comunicação, relações de protocolo, serviços religiosos recepções,
algumas situações de contar histórias. Nesse tipo de código, sobressaem os canais
extraverbais, e o código restrito define o modo de relação social, com uma restrição
da sinalização verbal de diferenças individuais. Os indivíduos relacionam-se através
da posição social ou status que ocupam.
O segundo, o código restrito de elevada predicabilidade sintáxica, é
definido como o código em que a predicabilidade ocorre apenas ao nível estrutural
sintático. O vocabulário é composto de um número limitado de palavras.
O código está voltado para uma relação social de uma determinada
comunidade, que compartilham as mesmas expectativas, um conjunto de
identificações comuns ao grupo. A tendência é sobressair a fala impessoal,
direcionada a um determinado referente. Torna-se importante: “como se diz quando
se diz, e não o que se diz”. (p.46) È provável que os significados sejam concretos,
descritivos ou narrativos e não analíticos ou abstratos, e em determinadas áreas,
63
altamente condensados. A fala nas relações sociais tende a ser rápida e fluente com
indícios de articulação reduzidos.
Nesse tipo de código é provável encontrar um baixo nível de seleção
sintática e léxica. “O significado único do indivíduo estará implícito” (DOMINGOS, et.
al., p.46).
Esse tipo de código reforça a forma de relação social pela restrição da
sinalização verbal da experiência individual. O código restrito, segundo Bernstein,
não afeta a quantidade, mas a forma do discurso.
Quanto ao código elaborado de baixa predicabilidade sintáxica, a
predicabilidade é menor ao nível sintático, e existe uma tensão na escolha dos
recursos lingüísticos.
O planejamento verbal proporciona um nível mais elevado de organização
sintática e de seleção léxica. Esse código tem a função de preparar e distribuir os
significados de forma explícita. O código elaborado, diferentemente do restrito, que
facilita a troca de símbolos comunitários, facilita a construção e a troca verbal de
símbolos individualizados ou pessoais e, portanto mais implícitos.
Para Bernstein (In. DOMINGOS, et. al. 1986), os códigos são induzidos
pela relação social, expressando-a e regulando-a, podendo o indivíduo transitar
entre um e outro código, controlando também a capacidade de se deslocar de um
papel para outro.
Certos grupos de crianças como conseqüência das formas de socialização, estão preparadas para receber e para dar significações universalistas em certos contextos, enquanto que outros grupos o estão no sentido de significações particularistas, o mesmo acontecendo com as formas de relação social (por exemplo, entre mãe e filho) que lhes deram origem. [...] o que tornou acessível à aprendizagem, a maneira como se tornou possível e os modos da relação social são, igualmente muito diferentes (BERNSTEIN, in BRANDÃO, 1987, p. 51-52).
Ao nível das conseqüências do uso dos significados particularistas,
Bernstein comenta que as crianças preparadas para receber e dar significações
particularistas na escola provavelmente terão dificuldades. Isto porque na escola a
preocupação é com a transmissão e desenvolvimento das ordens de significação
universalistas. Portanto, a criança cuja socialização preparou para dar e receber
significações universalistas será então mais sensível às ordens simbólicas da
64
escola, enquanto que as preparadas para as significações particularistas serão bem
menos sensíveis.
O autor sugeriu então que as formas dos códigos elaborados
possivelmente dão acesso a ordens de significação universalistas que são menos
ligadas ao contexto, enquanto que os códigos restritos dão acesso a ordens de
significado particularistas que são ligadas ao contexto e refere-se a um contexto em
particular. Todavia, desmistificando as críticas sobre a teoria dos códigos lingüísticos
como discriminatória em relação à classe trabalhadora, Bernstein argumenta que:
Dizer que o código é restrito não significa dizer com isso que uma criança é não verbal nem, no sentido técnico, desfavorecida no plano lingüístico, pois ela possui a mesma inteligência tácita para o sistema de regras lingüísticas que qualquer outra criança. Significa, apenas, que são limitados os contextos e as condições que orientarão a criança para ordens de significação universalistas e que a levarão a fazer as escolhas lingüísticas pelas quais essas significações são produzidas e tornadas públicas. Isso não quer dizer que as crianças não possam produzir, num momento qualquer uma linguagem elaborada em contextos particulares (BERNSTEIN, in BRANDÃO, 1987, p.53).
Bernstein (in DOMINGOS, et. al.,1986)5, salienta em seus trabalhos a
importância da estrutura social, que através das suas agências socializadoras como
a família, os grupos sociais, escola e trabalho, e de seus agentes, regulam as
relações sociais que para Vygotsky se traduzem na mediação como interação social.
Para Bernstein, a aquisição da linguagem é definida como códigos
sociolingüísticos “restrito” e “elaborado”, que são princípios de regulação verbal, ou
regulação do comportamento verbal. Dependendo da situação, o indivíduo faz sua
escolha do uso do código, o que Vygotsky chamou de planejamento verbal. Para
Bernstein nem sempre a escolha do código pela criança corresponde ao código
utilizado pela escola, o que pode acarretar em problemas de aprendizagem.
Segundo Bernstein (1996, p.143), “o código é um regulador das relações
entre contextos e, através dessa relação, um regulador das relações dentro do
contexto”.
Na escola, o agente socializador, segundo Bernstein, ou mediador
segundo Vygotsky, será representado principalmente pelo professor.
____________
5. A obra das autoras portuguesas, discípulas de Bernstein, é a única obra com tradução para a Língua Portuguesa, que traz as definições da teoria dos códigos. È uma obra revisada e compartilhada pelo autor.
65
1.3. A mediação no processo de aprendizagem
O processo de aprendizagem não decorre somente da educação escolar
formal. A criança, ao entrar para a escola, tem uma história de vida, apresenta uma
linguagem própria desenvolvida de acordo com o meio familiar e social ao qual
pertence, já passou por processos anteriores de aprendizagem, que envolveram
suas experiências sociais, afetivas e familiares, que são fatores de mediação da
aprendizagem. Outro fator importante no processo de aprendizagem é o
desenvolvimento mental do indivíduo: o desenvolvimento do pensamento, segundo
Piaget (1993), ou como denomina Vygotsky (2002), o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores.
Logo, o aprendizado é que nos torna diferentes das outras espécies, nos
faz únicos e ao mesmo tempo seres sociais, pois é através da socialização mediada
por outros adultos é que o aprendizado se transforma em conhecimento de fato.
As idéias de Cook-Gumperz assemelham-se às de Vygotsky, quanto à
importância da mediação professor/aluno, no processo de aprendizagem.
o aprendizado não é apenas uma questão de processamento cognitivo no qual os indivíduos recebem, armazenam e utilizam certos tipos de mensagens instrucionais que estão organizadas em um currículo. A aprendizagem da leitura [e da escrita] ocorre em um ambiente de intercâmbios interacionais nos quais o que deve ser aprendido é, até certo ponto, construção conjunta de professor e aluno (COOK-GUMPERZ, 2002, p. 18).
Em estudos realizados sobre a aprendizagem, o pensamento e a
linguagem, Vygotsky, numa perspectiva materialista histórico-dialética, revelou que:
a aquisição da linguagem pode ser um paradigma para o problema da relação entre o aprendizado e o desenvolvimento. A linguagem surge inicialmente como um meio de comunicação entre a criança e a pessoas em seu ambiente. Somente depois, quando da conversão em fala interior, ela vem a organizar o pensamento da criança, ou seja, tornar-se uma função mental interna (VYGOTSKY, 1998, p.117).
Deste modo, para Vygotsky o desenvolvimento e a aprendizagem são
processos dependentes da aquisição da linguagem, a linguagem é que impulsiona o
desenvolvimento. A aprendizagem precede o desenvolvimento, pois à medida que
66
as crianças aprendem em contato com o seu meio social e sua cultura histórica,
através da linguagem, mediada pelo adulto, elas então, organizam os seus
pensamentos e desenvolvem as funções mentais superiores.
No tocante aos processos de desenvolvimento e de aprendizagem,
Vygotsky (2002, p.118), esclarece que “os processos de desenvolvimento não
coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de
desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado;
desta seqüenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal”.
Portanto, é na zona de desenvolvimento proximal, através da mediação do adulto
por meio da linguagem e de instrumentos adequados, despertando vários processos
internos de desenvolvimento, que o indivíduo alcança o que ele chama de nível de
desenvolvimento potencial.
Se para Vygotsky é nessa inter-relação com outras pessoas que a criança
vai através da linguagem desenvolver a sua fala interior (ou melhor, dizendo, as
funções mentais superiores) e, segundo Bernstein, os princípios regulativos, o
código que irá selecionar e integrar significados relevantes dentre e entre contextos,
não se pode então negar a importância da linguagem para o processo de
desenvolvimento e de aprendizagem, conseqüentemente ao aprendizado da leitura.
Observando o desenvolvimento sobre este prisma, em que o
desenvolvimento do pensamento está intimamente ligado à socialização do
indivíduo, percebe-se que a mediação se revela um fator importante no
desenvolvimento da aprendizagem pela criança. Vygotsky (2002, p.112), define que
a zona de desenvolvimento proximal é a distância entre o nível de desenvolvimento
real e o nível de desenvolvimento potencial, que é determinado através da solução
de problemas pela intervenção de um adulto ou de companheiros mais capazes.
Quem serão esses mediadores que atuarão na zona de desenvolvimento
proximal, que representa aquelas funções que ainda não amadureceram, mas estão
em processo de maturação, às quais Vygotsky chamou de “brotos”?
Os mediadores podem ser professores, colegas ou familiares, que irão
contribuir, através da mediação, para o aprendizado de novos conceitos. O
desenvolvimento mental da criança, como um processo dinâmico, só será
determinado se forem revelados os seus dois níveis: o nível de desenvolvimento real
67
e a zona de desenvolvimento proximal. Para o autor, o que a criança realiza com
ajuda hoje será capaz de fazer sozinha no futuro.
Segundo Del Rio, Vygotsky (1973) apresenta duas idéias centrais em sua
obra.
Em primeiro lugar, ele postula que os Processos Psicológicos Superiores,
entre os quais está a atividade lingüística, se desenvolvem em cada indivíduo em
dois momentos: o chamado plano interpessoal, que ocorre quando o aprendiz
desempenha certas atividades em interação com outros, e com a ajuda de outros,
pois não conseguirá realizá-los sozinho. Graças a um conjunto de processos que
estão no plano interpessoal, o sujeito pode esconder um outro nível de atividade,
qualitativamente diferente. É o segundo momento, denominado de intrapessoal no
qual o indivíduo realiza independentemente a atividade, e é quando se diz que a
aprendizagem se interiorizou (DEL RIO, 1996, p. 75-76).
Conclui-se então que é no chamado plano interpessoal que ocorre a
mediação do adulto, que irá contribuir para o desenvolvimento dos Processos
Psicológicos Superiores, sendo um deles a linguagem, a qual representa um dos
fatores primordiais para o aprendizado da leitura.
Para Gomes (2002, p.17-22), uma das principais mudanças que ocorreram
na teoria educacional foi a identificação do agenciamento da aprendizagem.
Segundo ele, anteriormente acreditava-se que “um aprendiz individual, por si só,
realizava tal agenciamento”. Essa interpretação [óbvia], no entanto, recebeu uma
reavaliação crítica de pelo menos duas direções: uma da teoria sociocultural
baseada nos trabalhos de Vygotsky e seus seguidores e a outra da teoria de
Feuerstein, a teoria da Experiência de Aprendizagem Mediada, EAM.
As duas teorias ressaltam a importância das forças socioculturais para o
desenvolvimento e a aprendizagem de uma criança. Ambas direcionam para o papel
fundamental dos pais, professores, colegas e comunidade para a definição do tipo
de interação que acontece entre as crianças e o meio ambiente ao qual elas
pertencem.
Ainda segundo Gomes, existem duas faces da mediação: uma humana e
outra simbólica. Os estudiosos que focalizam a mediação humana o fazem tentando
responder ao seguinte questionamento: “que tipo de envolvimento por parte do
adulto é efetivo na melhoria do desempenho da criança?” Entretanto, os que
68
focalizam o aspecto simbólico da mediação tendem a questionar: “que mudanças no
desempenho da criança podem ser alcançadas pela introdução das ferramentas
mediadoras simbólicas às crianças?”.
Para esse autor, a diferença básica entre as teorias de Vygotsky e
Feuerstein está na teoria sociocultural, baseada em estudos de Vygotsky, na qual:
o papel do mediador humano é sublimado pela noção de que cada função psicológica aparece duas vezes no desenvolvimento, uma como forma de interação real entre as pessoas, outra como forma interiorizada dessa função. [...] Feuerstein postulou que a qualidade da experiência de aprendizagem mediada pode ser alcançada apenas se alguns critérios da EAM forem seguidos. Dentre os mais importantes critérios está a intencionalidade e a reciprocidade da interação, seu caráter transcendente (isto é, ter significado além da situação aqui e agora) e a mediação do significado (GOMES, 2002, p.22).
Quer-se demonstrar, com isso, que as novas formas de entender a
aquisição de conhecimentos e a aprendizagem passam pela compreensão de que a
mediação do adulto, utilizando ou não algum tipo de instrumento, é fundamental
para o desenvolvimento das crianças.
Na medida em que as crianças vão desenvolvendo a linguagem, através
da socialização, vão também formando conceitos que facilitarão o desenvolvimento
das funções psicológicas superiores.
Vygotsky, em seus estudos, busca elucidar essa relação entre o
aprendizado e o desenvolvimento, refutando a idéia de rigidez na delimitação dos
níveis de desenvolvimento:
Um fato empiricamente estabelecido e bem conhecido é que o aprendizado deve ser combinado de alguma maneira com o nível de desenvolvimento da criança. Por exemplo, afirma-se que seria bom que se iniciasse o ensino da leitura, escrita e aritmética numa faixa etária específica. Só recentemente, entretanto, tem se atentado para o fato de que não podemos limitar-nos meramente à determinação de níveis de desenvolvimento, se o que queremos é descobrir as relações reais entre o processo de desenvolvimento e a capacidade de aprendizado. Temos que determinar pelo menos dois níveis de desenvolvimento (VYGOTSKY, 2002, p.111).
O primeiro nível é o que o autor denomina de nível de desenvolvimento
real, o nível de desenvolvimento das funções mentais da criança em que se
estabeleceram resultantes de ciclos de aprendizagem já completados, estabelecidos
69
sobre aquilo que a criança consegue realizar sozinha, de acordo com a vivência de
cada criança, dos problemas por ela enfrentados no percurso de sua vida.
Vygotsky, ao demonstrar que a capacidade de crianças com níveis iguais
de desenvolvimento mental para aprender através da orientação de um professor
variavam muito, compreendeu que aquelas crianças não tinham a mesma idade
mental, e que, portanto, o curso do aprendizado de cada criança seria diferente. À
esta diferença denominou zona de desenvolvimento proximal, que representa
aquelas funções que ainda não amadureceram, mas que se encontram em
processo, e que através da ajuda do adulto promoverá o nível de desenvolvimento
potencial.
Portanto, o adulto, através da mediação, atuando na zona de
desenvolvimento proximal, favorece a passagem do desenvolvimento real ao
desenvolvimento potencial, num processo dinâmico induzido pela aprendizagem.
Outro autor, Wallon, também acreditava que o meio social e a escola são
indispensáveis para o desenvolvimento da criança. Segundo Werebe, para Wallon,
[...] o meio escolar é indispensável ao desenvolvimento da criança, pois ela não deve receber exclusivamente a ação do meio familiar. Tem necessidade de freqüentar meios menos estruturados e menos carregados afetivamente. As relações que a criança mantém no ambiente familiar são inelutáveis. O grupo familiar lhe é imposto, e ela tem dificuldade para libertar-se e abstrair-se dentro dele. A criança pertence à constelação familiar tanto quanto pertence a si mesma, observou Wallon (17, 1959).[...] A escola ao contrário, é um meio mais rico, mais diversificado e oferece à criança a oportunidade de conviver com seus contemporâneos e com adultos que não possuem o mesmo status que seus pais (WEREBE,1999, p.25),
Segundo Wallon, a vida intelectual supõe a vida social. Tendo isto em
mente, delega aos pais e professores o poder e as responsabilidades educacionais,
colocando a criança numa situação de dependência do adulto. Porém, uma das
idéias centrais da teoria Walloniana sobre o desenvolvimento, segundo Werebe
(1999), é a de que a “evolução deve ser encarada em termos de relações sempre
novas entre um ser e um meio, que se modificam reciprocamente”.
Mais uma vez observa-se a necessidade e a importância das relações
sociais e do papel do adulto, incluindo além dos familiares, o professor, como
70
responsável e mediador no processo de desenvolvimento e aprendizagem das
crianças.
Este capítulo buscou tratar especificamente dos fundamentos teóricos que
permeiam as discussões e o desenvolvimento desta pesquisa. Conceitos sobre
fracasso escolar, linguagem, leitura e mediação foram esclarecidos na tentativa de
compreender suas relações e importância na aprendizagem das crianças, sujeitos
do estudo.
Enfim, existe uma relação intrínseca nas teorias dos autores estudados
enfatizando a importância do meio social, cultural, e especificamente da linguagem,
na aquisição de conceitos, no desempenho intelectual e de aprendizagem da
criança. A maioria dessas teorias foram fundamentadas, pela abordagem dialética e
histórico-social.
71
CAPÍTULO II
METODOLOGIA DA PESQUISA
Este capítulo tem como objetivo apresentar a metodologia aplicada ao
trabalho de pesquisa com vistas à análise do desenvolvimento real da linguagem e
da leitura de crianças com dificuldades de aprendizagem, e dos fatores de ajuda – a
partir daqui, denominados de fatores de mediação, com base na terminologia
desenvolvida pro Vygotsky e explicitadas no capítulo anterior – da família e da
escola no processo de mobilização das funções psicológicas superiores da criança.
Deste modo, o presente capítulo apresenta a) o tipo de pesquisa; b) o
local da pesquisa; e c) os sujeitos da amostra: instrumentos, procedimentos de
coleta de dados e critérios de análise.
2.1. O tipo de pesquisa
Para alcançar seus objetivos, o presente estudo foi desenvolvido através
da abordagem materialista dialética qualitativa exploratória, apoiada em 3 princípios
básicos da metodologia de pesquisa vygotskiana, ou seja,
(1) uma análise do processo em oposição a uma análise do objeto; (2) uma análise que revela as relações dinâmicas ou causais, reais, em oposição à enumeração das características externas de um processo, isto é, uma análise explicativa e não descritiva; e (3) uma análise do desenvolvimento que reconstrói todos os pontos e faz retornar à origem o desenvolvimento de uma determinada estrutura. O resultado do desenvolvimento não será uma estrutura puramente psicológica, como a psicologia descritiva considera ser, nem a simples soma de processos elementares, como considera a psicologia associacionista, e sim uma forma qualitativamente nova que aparece no processo de desenvolvimento (VYGOTSKY, 2002, p.86).
Assim sendo, no presente estudo, buscou-se aprofundar o entendimento
acerca do desenvolvimento da linguagem e da leitura nas crianças e dos fatores de
ajuda que estão presentes nesse desenvolvimento, acompanhando os fatores
essenciais da análise psicológica de Vygotsky, isto é, a análise qualitativa,
explicativa e do processo.
72
2.2. O local da pesquisa
Com o intuito de definir o local e os sujeitos da pesquisa, buscou-se,
inicialmente, refletir sobre quem eram as crianças com dificuldade de aprendizagem
e, em específico, de leitura. Pensou-se, no começo do trabalho, em iniciar a
investigação pelas salas de aula de I e II fase do II Ciclo porque se supunha que
essas crianças já estariam alfabetizadas e tendo já superado as dificuldades iniciais
de leitura.
Em princípio, foi feito um levantamento em toda a rede de ensino do
município de Diamantino, MT, através de uma pesquisa informal, junto às secretarias
das escolas para saber, quantas salas de I e II fase do II ciclo havia na rede escolar
do município. Optou-se, então, começar o levantamento das crianças com
dificuldades de leitura pelas crianças das turmas de I fase do II ciclo, considerando o
número maior de salas encontradas.
Constatou-se que em Diamantino, a maior concentração de salas nesse
nível de ensino estavam localizadas na rede municipal de ensino, já dentro de uma
proposta de redimensionamento determinada pela Lei federal nº 9394/96, que
estabelece que o Ensino Fundamental seja de responsabilidade dos municípios.
Neste sentido, as escolas estaduais e particulares foram excluídas do estudo pelo
fato de atenderem a um número reduzido de salas de I fase do II ciclo.
Em uma nova etapa, nas escolas municipais localizadas em bairros mais
próximos do centro da cidade, que atendiam alunos da zona urbana e rural, marcou-
se uma entrevista com os professores da I fase do II ciclo destas escolas com a
finalidade de detectar junto a eles, as crianças com dificuldades de aprendizagem. A
investigação visava detectar quantos alunos da I fase do II Ciclo apresentavam
dificuldades de aprendizagem, mais especificamente de leitura. O levantamento
inicial foi realizado, portanto, em três escolas da rede municipal, no ano de 2004,
conforme os resultados descritos no Quadro 8.
73
Quadro 8 – Resultado do levantamento por escola do nº. de salas da I fase do II Ciclo e de alunos com dificuldades de aprendizagem e de l eitura
Nome da escola N° de salas de 1ª fase do II Ciclo
N° alunos com dificuldades de aprendizagem
N° alunos com dificuldades
de leitura Escola 1 03 16 alunos 14 alunos Escola 2 02 09 alunos 04 alunos Escola 3 01 02 alunos 02 alunos
Total 06 salas 27 alunos 20 alunos
Durante a entrevista com os professores das seis salas de aula, foram
apontados alunos com diversos problemas de aprendizagem, e dentre eles, foram
selecionados apenas aqueles que apresentavam, como problema principal, a
dificuldade em leitura. Por esse motivo, uma das salas da Escola 2 foi excluída da
amostra por apresentar apenas dois alunos com dificuldades de aprendizagem, mas
não de leitura.
Sintetizando, o local da realização da pesquisa se restringiu às três
escolas municipais, sendo, a Escola 1 com 3 turmas , a Escola 2 com 1 turma, e a
Escola 3 com 1 turma.
2.3. Os sujeitos da amostra: instrumentos, procedim entos e critérios de análise
Os sujeitos do estudo foram constituídos por crianças que, no final do ano
de 2004, freqüentavam a I fase do II Ciclo, e que foram identificadas pelos
professores como crianças com dificuldades de aprendizagem, e, dentre elas,
somente aquelas que apresentavam dificuldades específicas de leitura.
Inicialmente, da Escola 1, seriam investigadas 16 crianças. Porém, diante
do fato de uma das professoras retirar dois alunos da lista por considerar que estes
estavam superando bem o problema da leitura e que, por esse motivo, não via
necessidade destes fazerem parte da amostra, o número total de alunos desta
escola foi reduzido para 14 alunos. O resultado desse primeiro levantamento com as
professoras sobre as dificuldades das crianças encontra-se registrado e disponível
no Anexo I.
No início do ano de 2005, após o trabalho de identificação dos sujeitos do
estudo, a amostra inicial de 20 crianças foi reduzida para 18 sujeitos, tendo em vista
que uma das crianças abandonara a escola, e outra, se mudara para outro
74
município. Lea mudara-se de Diamantino e fora transferido para Sinop e, Jos, irmão
de Jsi, abandonara a escola em 2005. A mãe foi procurada, mas, apesar da
insistência para que a criança realizasse a avaliação, esta não compareceu à escola.
Antes do início da realização das atividades, foi necessário um trabalho
de verificação nas escolas dos casos de transferência, porque, constatou-se que 3
crianças que estudavam na Escola 2 haviam sido transferidas para uma Escola
Estadual do mesmo bairro.
As quatro crianças da zona rural que estudavam na Escola 3 e uma da
Escola 2 haviam sido transferidas para um bairro localizado na entrada da cidade,
porque desta forma diminuiria a distância entre a casa e a escola, e reduziria os
gastos com combustível do ônibus que transporta as crianças da rede municipal.
Também uma criança da Escola 3, pelo novo zoneamento dos alunos, teve que
retornar para a escola do seu bairro, de onde havia se transferido no ano anterior
por motivo de reprovação. Com essas mudanças, nove crianças mudaram de escola
em 2005.
Deste modo, foram considerados como sujeitos do estudo, 18 crianças da
I fase do II ciclo apresentando dificuldades de aprendizagem em leitura, assim como
os pais ou responsáveis e professores. Em relação aos pais foram 17 sujeitos
(sendo 14 mães, 2 avós e 1 pai), e também as 5 professoras, docentes responsáveis
pelas 5 salas de aula dos alunos da amostra.
Embora fossem 18 crianças, o estudo contou com a participação de 17
pais pelo fato de um dos pais ser responsável por duas crianças gêmeas (Cla e
Ana), que estudavam em salas separadas. O Quadro 9 abaixo apresenta a
codificação dos indivíduos do estudo, localizando-os por escola, professora
responsável e familiar entrevistado.
75
Quadro 9: Codificação dos indivíduos da amostra
Escola Código Código da Professora
Codificação dos alunos
Pais ou responsável entrevistado
Escola 1 A A Emi (M) Emi Nay (A) Nay
Escola 2
B
B Car (A) Car Luc (M) Luc
Lui (M) Lui Wil (M) Wil
Escola 3
C
C
Ada (M) Ada Bru (M) Bru Cri (M) Cri Gra (M) Gra Jsi (M) Jsi
D
D
Cla * (M) Cla Cro (P) Cro Ale (M) Ale Ala (M) Ala
E
E Ana * (M) Ana
And (M) And Eli (M) Eli
Legenda: (M) – mãe, (P) – pai, (A) – avó. * irmãs gêmeas.
Instrumentos, Procedimentos e Critérios de Análise
Na seqüência, serão apresentados os instrumentos, os procedimentos e
critérios referentes à pesquisa com as crianças, com os pais e com os professores,
procurando sempre atender aos objetivos específicos do estudo.
2.3.1. Avaliação da leitura e linguagem oral das cr ianças
a) Instrumentos aplicados à criança
Para avaliar, na perspectiva da linguagem oral, o desenvolvimento real da
criança com dificuldade de aprendizagem de leitura, foram elaborados instrumentos
capazes de indicar o nível de aprendizagem real em leitura e o desempenho da
criança quanto à linguagem oral.
76
Para a avaliação das crianças, foi elaborado um conjunto de 9 atividades
divididas em dois grupos, sendo que a primeira parte buscou avaliar a leitura, e a
segunda parte, a linguagem oral.
a.1) Instrumentos de avaliação da leitura das crianças
Para a avaliação da leitura, tomou-se como referência o estudo
desenvolvido por Alliende e Condemarín (2005) e constou de 6 atividades, sendo 2
atividades referentes à avaliação da leitura emergente , 2 atividades destinadas à
avaliação da leitura inicial , e 2 atividades destinadas à avaliação da leitura das
séries intermediárias .
Especificamente, para a avaliação da leitura emergente foram utilizados
os instrumentos descritos a seguir como atividades 1 e 2 . A atividade 1
caracterizou-se pelo registro de conceitos sobre a linguagem escrita, ou seja, pela
familiarização com o uso do material impresso e conhecimento dos diferentes termos
da linguagem escrita em revista, livro, jornal. Os resultados foram anotados em uma
ficha de registro utilizada depois para a análise dos dados.
A atividade 2 visava o reconhecimento do uso de diferentes textos pela
criança, ou seja, sua familiaridade com diversos tipos de textos. O material era
acompanhado de oito perguntas, ou seja, uma pergunta específica para cada texto a
ser identificado pela criança.
As atividades destinadas à avaliação da leitura inicial foram
representadas pela atividade 3, que se caracterizou pela leitura de letras, ou seja,
de vogais e consoantes, confeccionadas em material plástico, emborrachado,
denominado “E.V.A”. O objetivo da atividade era o de averiguar se a criança
apresentava conhecimento básico do alfabeto, palavras e significado. Com as letras
espalhadas sobre a mesa, foram realizadas perguntas do tipo: a) quais são as
vogais; b) quais são as consoantes; c) quais as letras que você conhece?
Também se avaliou a leitura inicial por meio da atividade 4 que
caracterizou-se pela leitura de 10 palavras de categorias semânticas diferentes
(galinha, vaca, bota, sapato, navio, abacaxi, cadeira, fogão, palhaço, braço).
77
Parte do material é denominado de ABFW 6 e é constituído de figuras
para aplicação das provas de vocabulário e fonologia. O material tem, de um lado, a
figura, e no verso, a palavra escrita. As palavras escritas foram apresentadas uma a
uma, e solicitado à criança a sua leitura. Depois da leitura, foi-lhe perguntado: “o que
significa o que você leu?”.
As atividades destinadas à avaliação da leitura nas séries
intermediárias foram representadas pelas atividades 5 e 6 . Na atividade 5, foram
utilizadas as recomendações do “inventário de leitura informal” (ILI), descritas na
obra de Alliende e Condemarín (2005, p.104).
A atividade 5 caracterizou-se pela leitura oral de textos narrativos com
graduação de 25 a 50 palavras (nível de 1ª série), 50 a 100 palavras (nível de
2ªsérie), e de 100 a 200 palavras (nível de 3ª série), os quais seguem abaixo.
Textos de 25 a 50 palavras aproximadamente
TEREZINHA DE JESUS
Teresinha de Jesus de uma queda foi ao chão. Acudiram três cavaleiros,
todos três chapéu na mão.
O primeiro foi seu pai, o segundo, seu irmão, o terceiro foi aquele
a quem Teresa deu a mão. (39)
A RAPOSA E AS UVAS
Uma raposa passou embaixo de uma parreira carregada de lindas uvas. Ficou com muita vontade de comer aquelas uvas.
Deu muitos saltos, tentou subir na parreira, mas não conseguiu. Depois de muito tentar foi-se embora, dizendo:
- Eu nem estou ligando para as uvas. Elas estão verdes, mesmo...(53)
O GALO E A PÉROLA
Um galo estava ciscando, procurando o que comer no terreiro, quando encontrou uma pérola. Ele então pensou:
- Se fosse um joalheiro que te encontrasse, ia ficar feliz. Mas para mim uma pérola de nada serve; seria muito melhor encontrar algo de comer.
Deixou a pérola onde estava e se foi, para procurar alguma coisa que lhe servisse de alimento. (60)
_______________ 6. ANDRADE, Claudia Regina F. de; BEFI-LOPES, Débora Maria; FERNANDES, Fernanda D. M.; WERTZNER, Haydée F. ABFW – Teste de Linguagem Infantil nas áreas de Fonologia, Vocabulário, Fluência e Pragmática. Pró-Fono Produtos Especializados para Fonoaudiologia Ltda. Material de Avaliação utilizado na área de Fonoaudiologia.
78
O CÃO E O OSSO
Um dia um cão ia atravessando uma ponte, carregando um osso na boca. Olhando para baixo, viu sua própria imagem refletida na água. Pensando ver outro cão, cobiçou-
lhe logo o osso e pôs-se a latir. Mal, porém, abriu a boca, seu próprio osso caiu na água e se perdeu para sempre.
Mais vale um pássaro na mão do que dois voando. (67)
Textos de 50 a 100 palavras aproximadamente
O BURRO E O LEÃO
Vinha o burro pelo caminho, na sua ignorância de sempre. Numa curva, deparou-se
com o leão. - Saia já de minha frente - disse ele, com a presunção dos tolos. O leão olhou bem para o burro e pensou: “seria fácil demais dar uma lição a esse
infeliz. Não vou sujar meus dentes e minhas garras com ele”. E prosseguiu, muito calmo, sem se importar com o burro. (73)
A RÃ E O TOURO
Um grande touro passeava pela margem de um riacho. A rã ficou com muita inveja de
seu tamanho e de sua força. Então começou a inchar, fazendo enorme esforço, para tentar ficar tão grande quanto
o touro. Perguntou às companheiras do riacho se estava do tamanho do touro. Elas
responderam que não. A rã tornou a inchar, mas ainda assim, não alcançou o tamanho do touro. Pela terceira vez, a rã tentou inchar. Mas fez isso com tanta força que acabou
explodindo, por culpa de tanta inveja. (93)
A LINDA ROSA JUVENIL
A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil (bis) Vivia alegre a cantar, a cantar, a cantar (bis)
Mas uma feiticeira má, muito má, muito má (bis) Adormeceu a rosa assim, bem assim, bem assim (bis)
Não hás de acordar jamais, nunca mais, nunca mais (bis) Um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei (bis)
E despertou a rosa assim, rosa assim, rosa assim (bis) E os dois puseram-se a dançar, a dançar, a dançar (bis)
E batam palmas para o rei, para o rei, para o rei (bis). (93)
MAURÍCIO E SUA TURMA
Maurício de Souza, criador de Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali, Bidu e o resto da turma era repórter policial da Folha de São Paulo quando publicou, em 1959, sua primeira tira de quadrinhos com o cãozinho Bidu.
Embora já fosse personagem, o cãozinho ficou algum tempo sem nome. Só depois de um concurso para batizá-lo, é que Maurício adotou o nome “Bidu” para seu personagem.
Já Mônica surgiu pouco depois em 1961, fazendo companhia ao personagem Cebolinha. Tanto Mônica como Magali, as duas personagens femininas mais famosas de Maurício, foram inspiradas nas filhas do autor que também se chamam Mônica e Magali. (106)
79
Textos de 100 a 200 palavras aproximadamente
O GALO E A RAPOSA
O galo e as galinhas viram que lá longe vinha uma raposa. Empoleiraram-se na árvore mais
próxima, para escapar da inimiga. Com sua esperteza, a raposa chegou perto da árvore e se dirigiu a eles: - Ora, meus amigos, podem descer daí. Não sabem que foi decretada a paz entre os animais?
Desçam e vamos festejar esse dia tão feliz! Mas o galo que não era tolo, respondeu: - Que boas notícias! Mas estou vendo daqui de cima alguns cães que estão chegando. Decerto
eles também vão querer festejar. A raposa mais que depressa foi saindo: - Olha, é melhor que eu vá andando. Os cães podem não saber da novidade e querer me atacar.
(120)
O CORVO E O JARRO
Um corvo, quase morto de sede, foi a um jarro, onde pensou encontrar água. Quando meteu o bico pela borda do jarro, verificou que só havia um restinho no fundo. Era difícil alcançá-la com o bico, pois o jarro era muito alto.
Depois de várias tentativas, precisou desistir. Desesperado, surgiu então uma idéia em seu cérebro. Apanhou um seixo e jogou-o no fundo do jarro. Jogou mais um e muitos outros.
Com alegria verificou que a água vinha, aos poucos se aproximando da borda. Jogou mais alguns seixos e conseguiu matara a sede, salvando a vida.
Água mole em pedra dura, tanto dá até que fura . (111)
A FORMIGA E A POMBA
Uma formiga sedenta chegou à margem do rio, para beber água. Para alcançar a água, precisou descer por uma folha de grama. Ao fazer isso, escorregou e caiu dentro da correnteza.
Pousada numa árvore próxima, uma pomba viu a formiga em perigo. Rapidamente, arrancou uma folha de árvore e jogou dentro do rio, perto da formiga que pôde subir nela e flutuar até a margem.
Logo que alcançou a terra, a formiga viu um caçador de pássaros, que se escondia atrás de uma árvore, com uma rede nas mãos. Vendo que a pomba corria perigo, correu até o caçador e mordeu-lhe o calcanhar. A dor fez o caçador largar a rede e a pomba fugiu para um ramo mais alto.
De lá, ela arrulhou para a formiga: - Obrigada querida amiga. Uma boa ação se paga com outra . (143)
O RATO DO MATO E O RATO DA CIDADE
Um ratinho da cidade foi uma vez convidado para ir à casa de um rato do campo. Vendo que seu
companheiro vivia pobremente de raízes e ervas, o rato da cidade convidou-o a ir morar com ele: - Tenho muita pena da pobreza em que você vive - disse. - Venha morar comigo na cidade e você verá como lá a vida é mais fácil. Lá se foram os dois para a cidade, onde se acomodaram numa casa rica e bonita. Foram logo à despensa e estavam muito bem, se empanturrando de comidas fartas e gostosas,
quando entrou uma pessoa com dois gatos, que pareceram enormes ao ratinho do campo. Os dois ratos correram espavoridos para se esconder. - Eu vou para o meu campo - disse o rato do campo quando o perigo passou. - prefiro minhas raízes e ervas na calma, às suas comidas gostosas com todo esse susto.
Mais vale magro no mato que gordo na boca do ga to. (171)
80
Importante esclarecer que os textos utilizados nas atividades de leitura,
todos eles narrativos, foram retirados de livros didáticos referentes às séries iniciais.
Eles serviram como instrumento de leitura e de linguagem oral, escolhidos e lidos
pelas crianças, salvo algumas exceções em que a criança não conseguiu ler ou em
que o texto foi escolhido pela entrevistadora.
Os textos não continham ilustrações para não fornecer indícios ao leitor, e
o vocabulário e nível de linguagem foram adequados ao nível de aprendizado das
crianças. Foram disponibilizadas duas a três seleções em cada um dos níveis de
graduação de modo que a criança tivesse um leque de opções para a escolha do
texto a ser lido. As instruções foram fornecidas de modo que a criança pudesse
realizar a leitura, primeiro, oralmente, e depois, silenciosamente.
A atividade 6 caracterizou-se pela leitura silenciosa de textos utilizando o
mesmo sistema e os mesmos textos narrativos da atividade 5 . Nesta atividade, os
textos tanto poderiam ser escolhidos pelas crianças, como poderiam ser sugeridos
pela entrevistadora, quando necessário.
a.2) Avaliação da linguagem oral das crianças
Para a avaliação da linguagem oral, foram aplicadas três atividades, as
atividades 7, 8 e 9.
A atividade 7 caracterizou-se pela identificação do significado das
palavras pelas crianças, após ter feito a leitura de palavras da atividade 4 .
A atividade 8 referiu-se à interpretação de texto lido na atividade 5 , e à
interpretação do texto lido na atividade 6 .
A atividade 9 caracterizou-se pela descrição de uma figura. Nesta
atividade, foram utilizadas 12 figuras retiradas do calendário 2005, do Banco do
Brasil (ver Anexo II), e um biombo de papelão, encapado com um tecido com
motivos infantis. A criança deveria escolher uma das figuras e descrevê-la para a
entrevistadora para que ela pudesse reconhecê-la entre o mesmo conjunto de
figuras à sua disposição.O biombo era colocado entre a entrevistadora e a criança
com a finalidade de impedir que a entrevistadora visse a figura escolhida pela
criança.
Abaixo encontram-se as atividades aplicadas, organizadas sinteticamente
na seqüência apresentada às crianças.
81
Quadro 10 – Síntese das atividades de leitura e lin guagem oral aplicadas às crianças
LEITURA
LEITURA EMERGENTE Atividade 1 Avaliar a familiaridade com o uso do material
impresso e conhecimento dos diferentes termos da linguagem escrita em revista, livro, jornal.
Atividade 2 Avaliar a familiaridade com diversos tipos de textos LEITURA INICIAL Atividade 3 Avaliar o conhecimento básico do alfabeto, palavras
e significado. Atividade 4 Avaliar a capacidade de leitura de palavras de
categorias semânticas diferentes. LEITURA NAS SÉRIES INTERMEDIÁRIAS Ativid ade 5 Avaliar a capacidade de leitura oral de textos
narrativos com graduação. Atividade 6 Avaliar a capacidade de leitura silenciosa de textos
narrativos com graduação. LINGUAGEM ORAL
Atividade 7 Avaliar a capacidade de identificação do significado das palavras lidas na atividade 4.
Atividade 8 Avaliar a capacidade de interpretação de texto de leitura oral realizada na atividade 5, e de interpretação de texto de leitura silenciosa realizada na atividade 6.
Atividade 9 Avaliar a capacidade de descrição de figuras.
b) Procedimento de coleta de dados das crianças
Para a coleta de dados referentes à leitura e à linguagem oral das
crianças, as 9 atividades foram realizadas individualmente na escola, utilizando-se
uma mesa e cadeiras com a crianças posicionada de frente para a entrevistadora.
As atividades foram filmadas em fitas VHS e gravadas em fita K-7, e posteriormente,
transcritas e analisadas.
Todas as crianças colaboraram e não se recusaram a fazer qualquer uma
das atividades. Algumas delas tiveram a curiosidade de saber o por quê desse
trabalho. Car, por exemplo, perguntou: “por que você está gravando, filmando?” Ala
perguntou: “tem mais gente aqui, que tava lá?” (referindo-se à sua sala do ano
anterior, ao que a entrevistadora explica que And se encontra lá). A maioria das
crianças fez as atividades normalmente sem qualquer questionamento. É claro que,
antes de iniciar a entrevista, houve uma apresentação e uma breve explicação pela
entrevistadora do que seria realizado naquele contexto.
82
Para a realização do trabalho de coleta de dados, procurou-se encontrar
em cada uma das escolas um ambiente que fosse o mais tranqüilo possível, isento
de barulho e da presença de outras pessoas.
c) Critérios de análise dos dados das crianças
A avaliação da leitura das crianças baseou-se na ordem de classificação
da leitura descrita por Alliende e Condemarín (2005), ou seja, leitura emergente,
leitura inicial e leitura das séries intermediárias.
c.1) Critérios de análise da leitura das crianças
A análise da leitura emergente foi realizada com base em 2 grupos de
critérios, ou seja, em:
1) observações e apontamentos sobre a familiaridade da criança com o
uso do material impresso, através do resultado da atividade 1, utilizando-se o
“Registro de Conceitos sobre a Linguagem Escrita” (Quadro 11).
Quadro 11 - Registro de Conceitos sobre a Linguagem Escrita
Perguntas observações Apontar alternadamente o livro, a revista e o jornal, e perguntar: O que é isso?
Mostrar a capa do livro e/ou da revista e perguntar como se chama essa parte.
Apresentar o livro ao contrário e observar se a criança corrige sua posição ao pegá-lo.
Dizer-lhe: “olhe esse livro”. Observar se, ao folheá-lo, o faz desde o começo.
Dizer-lhe: “mostre-me uma página” (ou uma folha) e observar se entendeu. Em caso de dúvida, pedir-lhe: “mostre-me outra página”.
Perguntar-lhe: onde aparece o título deste livro? Perguntar-lhe “o que é isso?”, mostrando uma linha. - uma letra - uma palavra - um número - letras maiúsculas e minúsculas - sinais de pontuação - uma sílaba - uma frase - um parágrafo
Nota: Adaptado de Alliende e Condemarín (2005, p.53)
83
Neste sentido, a avaliação da leitura emergente, em especial quanto à
familiaridade com o uso do material impresso e o conhecimento dos diferentes
termos da linguagem escrita será realizada levando-se em consideração os
seguintes aspectos:
a) reconhecer o material de leitura, a posição de leitura, como folhear;
b) reconhecer as partes que compõem o material (capa, página, título,
linha, etc.);
c) reconhecer a diferença de letra, palavra, número, maiúscula e
minúscula, sinais de pontuação.
Em cada um dos aspectos, a resposta correta será valorada com score 3,
a resposta parcialmente correta com score 2 e a resposta incorreta com score 1.
2) observações e apontamentos sobre a familiarização da criança com
variados tipos de textos e o seu uso na atividade 2 , utilizando-se para isso o
“Roteiro para avaliar a familiarização das crianças com diversos textos” (Quadro 12).
Quadro 12 - Roteiro para avaliar a familiarização d as crianças com diversos textos
Perguntas Tipos de texto Anotações Qual você escolheria se quisesse... escolher o que comprar para sua casa?
Catálogo de compras
fazer um bolo de chocolate Receitas culinárias saber onde fica o Estado do Paraná Mapa ler para aprender coisas novas Livro, gibi, livro de história ligar para alguém que não sabe o número Catálogo telefônico ir para outra cidade Passagem de ônibus, mapa saber o que acontece em outras cidades ou em outro país?
Jornal
se divertir? Gibi ou livro de história Nota: adaptado de Alliende e Condemarín (2005, p.54), acrescentando mais de uma opção de resposta de tipo de texto, na seqüência 4, 6 e 8 apresentados no quadro, pois a pergunta poderia induzir a mais de uma escolha pela criança.
A avaliação da leitura emergente quanto à familiaridade com diversos tipos
de textos, levará em consideração os seguintes aspectos:
a) escolher o que comprar para sua casa (catálogo de compras);
b) fazer um bolo de chocolate (receitas culinárias);
c) saber onde fica o Estado do Paraná (mapa);
d) ler para aprender coisas novas (livro, gibi, livro de história, revista);
e) ligar para alguém que não sabe o número (catálogo telefônico);
f) ir para outra cidade (passagem de ônibus, mapa);
84
g) saber o que acontece em outras cidades ou país (jornal, revista);
h) ler para se divertir (gibi, livro de história).
Em cada um dos aspectos, a resposta correta será valorada com score 3,
a resposta parcialmente correta com score 2 e a resposta incorreta com score 1.
Na análise da leitura inicial realizada na atividade 3, verificou-se os
acertos e erros apresentados pela criança sobre o conhecimento do alfabeto,
palavras e significados; e na atividade 4, foram verificados os acertos e erros
apresentados pela criança durante a leitura das dez palavras de categorias
semânticas diferentes e grau de dificuldade variado, verificando se a criança
apresenta omissão, inversão ou troca de letras.
Contudo, para a avaliação da leitura inicial, quanto ao conhecimento
básico do alfabeto, palavras e significados, considerando-se os seguintes aspectos:
a) reconhece as letras;
b) reconhece a diferença entre vogal e consoante.
Em cada um dos dois aspectos a resposta adequada foi valorada com
score 3, a resposta regular com score 2 e a resposta considerada crítica com score
1.
Ainda na avaliação da leitura inicial, na atividade 4, relacionada ao
aspecto a) leitura de palavras, foi considerado o score 3 para a resposta adequada,
score 2 para a resposta regular e 1 para a resposta referente à crítico.
Para a análise da leitura nas séries intermediárias realizada na
atividade 5, utilizou-se a “Ficha de observação da leitura oral”, na qual foi registrada
a freqüência da presença dos itens fluência, reconhecimento das palavras, como
enfrenta as palavras desconhecidas, utilização do contexto, e uso da voz (Quadro
13).
Quadro 13 - Ficha de observação da leitura oral Características da leitura Freqüência da Apresentação Nunca Às vezes Com
freqüência
I. FLUÊNCIA
- lê palavra por palavra - lê monotonamente sem inflexões - ignora a pontuação - lê de forma rápida e espasmódica - perde o lugar ao ler
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II. RECONHECIMENTO DAS PALAVRAS
- tem dificuldade para reconhecer palavras comuns - decodifica com dificuldade palavras desconhecidas - omite palavras - salta linhas
III. COMO ENFRENTA AS PALAVRAS DESCONHECIDAS - soletra-as
- tenta sonorizá-las sílaba por sílaba - não utiliza o reconhecimento por forma, por extensão ou por configuração.
- falta flexibilidade para utilizar indícios fônicos ou estruturais IV. UTILIZAÇÃO DO CONTEXTO
- Adivinha de forma excessiva a partir do contexto - Não utiliza o contexto como um meio de reconhecimento
V. USO DA VOZ
- enuncia com dificuldade - omite nos finais de palavras - substitui sons - gagueja ao ler - lê atropeladamente - a voz aparece nervosa ou tensa
Fonte: adaptado de Bennet (1942, apud. Alliende e Condemarín 2005, p. 106).
A avaliação da leitura das séries intermediárias considerará os seguintes
aspectos:
I. Fluência: a) lê palavra por palavra; b) lê monotonamente sem inflexão; c)
ignora a pontuação; d) lê de forma rápida e espasmódica; e) perde o lugar ao ler.
II. Reconhecimento das palavras: a) tem dificuldade para reconhecer
palavras comuns; b) decodifica com dificuldade palavras desconhecidas; c) omite
palavras; d) salta linhas.
III. Como enfrenta as palavras desconhecidas: a) soletra-as; b) tenta
sonorizá-las sílaba por sílaba; c) não utiliza o reconhecimento por forma, por
extensão ou por configuração; d) falta flexibilidade para utilizar indícios fônicos ou
estruturais.
IV. Utilização do contexto: a) advinha de forma excessiva a partir do
contexto; b) não utiliza o contexto como forma de reconhecimento.
V. Uso da Voz: a) enuncia com dificuldade; b) omite nos finais das
palavras; c) substitui sons; d) gagueja ao ler; e) lê atropeladamente; f) a voz parece
nervosa ou tensa.
86
Em todos esses aspectos, relacionados à sua freqüência de apresentação,
a resposta nunca será valorada com score 3, a resposta às vezes com score 2, e a
resposta com freqüência com score 1.
A leitura das séries intermediárias realizada na atividade 6 foi avaliada
observando-se a interpretação do texto pela criança e sua compreensão do que foi
lido.
c.2) Critérios de análise da linguagem oral das cri anças
Quanto à análise da linguagem oral, foram levados em consideração os
resultados das atividades 7, 8 e 9, quando foi observada a função social da
linguagem denominada de representativa ou informativa (conforme HALLIDAY,
1973, apud NOZAKI, 1986), em que a criança “torna-se consciente de que pode
transmitir uma mensagem através da linguagem, uma mensagem que tem referência
específica ao processo, pessoa, objetos, abstrações, qualidades, estados e relações
do mundo real à sua volta”, que tem referência ao que Bernstein, reformulando
Halliday, definiu como “contexto instrucional” que determina competências
específicas para lidar com objetos e pessoas.
No presente estudo, a função representativa ou informativa da
linguagem da criança foi analisada com base nas respostas obtidas nas atividades
7, 8 e 9 segundo os seguintes critérios: primeiro, se a criança fornece informações
precisas sobre o que lhe foi perguntado em relação ao significado das palavras, ou
outras perguntas feitas pela entrevistadora; segundo, se suas respostas
apresentam riqueza de informações; e terceiro, se ela apresenta uma escolha
apropriada.
Nas respostas obtidas nas atividades 7, 8 e 9, pôde-se analisar o uso da
função heurística (HALLIDAY, 1973, apud. NOZAKI, 1986), pela criança,
observando se ela solicita ajuda, faz perguntas que possam facilitar as
generalizações, esclarecer fatos da realidade próprios ao contexto de avaliação.
O planejamento verbal foi analisado observando se a criança utiliza um
tempo para pensar nas respostas à atividade 7 , na interpretação dos textos da
atividade 8, e na atividade 9 no momento em que a criança realiza a descrição de
figuras. O planejamento verbal foi identificado observando-se nas atividades, se a
criança se prepara, faz uma pausa antes de falar, usa o tempo para planejar para
87
que sua linguagem seja clara e explicativa, e facilita o entendimento pelo ouvinte da
linguagem oral da criança.
Sintetizando, a linguagem oral foi analisada, através das respostas obtidas
nas atividades 7, 8 e 9, quanto ao uso das funções representativa ou informativa
e heurística e ao planejamento verbal .
A avaliação da função representativa ou informativa será realizada
considerando-se os seguintes aspectos:
a) fornece informações precisas;
b) apresenta riqueza de informação;
c) apresenta uma escolha apropriada.
A função heurística será avaliada através do aspecto: a) se solicita ajuda
através de perguntas pertinentes que facilitem as generalizações da realidade.
Quanto ao planejamento verbal, o aspecto definido para a sua avaliação
será: a) utiliza um tempo para pensar.
Para tanto, será determinado, para a resposta sim score 3, para a
resposta às vezes score 2 e para a resposta não score 1.
2.3.2. Avaliação da mediação da família
Para conhecer os fatores de ajuda acionados pela família no processo de
desenvolvimento de crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura e da
linguagem oral, foram aplicados instrumentos específicos direcionados aos pais e/ou
responsáveis pelas crianças do estudo.
a) Instrumentos aplicados à família
Para melhor conhecer a realidade familiar das crianças e sua socialização
e investigar os fatores de ajuda na relação da criança com a família, além de
possíveis influências no processo de desenvolvimento da linguagem e de
aprendizagem, elaborou-se um roteiro de entrevista, semelhante a uma anamnese,
com a finalidade de coletar dados referentes: a) à identificação, b) ao
desenvolvimento da criança, e c) à socialização da criança (ver Quadro 14).
88
Quadro 14 – Roteiro da Entrevista com os pais
b) Procedimentos de coleta de dados da família
Com o auxílio dos professores e da escola, foi enviado um recado para os
pais ou responsáveis das crianças, marcando dia e hora da entrevista. Alguns pais
foram atendidos prontamente, porém, outros tiveram suas entrevistas remarcadas, e
outros, foram procurados em suas residências para se averiguar a sua
disponibilidade.
O trabalho de coleta de dados referente à mediação dos pais/responsáveis
baseou-se na aplicação de um roteiro de entrevista realizada individualmente na
escola ou na residência das crianças, com hora e data marcada, conforme a
1. IDENTIFICAÇÃO Nome: _______________________________________________idade_______________ Nome da mãe: ____________________________________________________________ Trabalho ________________________horário de trabalho__________________________ Nome do pai: _____________________________________________________________ Trabalho ________________________horário de trabalho__________________________ Endereço_________________________________________________________________ Telefone__________________________ Escolaridade da mãe____________ escolaridade do pai_____________ Tipo de Moradia: _________________________________________________ Renda Familiar: ____________________nº de filhos_____ a criança é o______ 2. DESENVOVIMENTO DA CRIANÇA Gestação: _______________________ Parto___________________________________________________________________ Alimentação_________________________________________________________ ____ Hábitos: _________________________________________________________________ Desenvolvimento motor: ____________________________________________________ doenças_________________________________________________________________ Dados pessoais de desenvolvimento da fala e de socialização: ________________________________________________________________________ Dados Familiares: _________________________________________________________ 3. SOCIALIZAÇÃO DA CRIANÇA
• Quando não estão trabalhando o que gostam de fazer? • Quando está em casa, como é o seu dia? • Seu filho(a), o que costuma fazer quando não está na escola? • Quais as brincadeiras que ele(a) mais gosta? • Como você vê o desenvolvimento escolar de seu filho? • Existe algo importante sobre o seu filho que gostaria de me contar?
89
preferência dos entrevistados. Todo o conteúdo das entrevistas foi gravado em fita
K-7, e posteriormente, transcritas e analisadas.
Apesar da entrevista ter sido guiada por um roteiro, no desenrolar da sua
realização, outros questionamentos foram apresentados à medida que o
entrevistado indicava dados importantes sobre a criança, principalmente em relação
à escola, à mediação da família, e ao aprendizado escolar.
c) Critérios de análise dos dados da família
Para a análise dos fatores de ajuda da família no processo de
aprendizagem das crianças, foram utilizados, como referência, as duas últimas
perguntas da entrevista referentes à socialização da criança, ou seja, a) como vê o
desenvolvimento escolar do filho? e b) existe algo importante sobre o seu filho que
gostaria de contar?. Essas duas questões serviram de base para que a
entrevistadora a partir do relato dos pais pudesse buscar novas informações
referentes à família e sua relação com o aprendizado escolar e o desenvolvimento
da linguagem das crianças.
Outras informações relevantes fornecidas espontaneamente, ou instigadas
através de novos questionamentos da entrevistadora, foram devidamente
aproveitadas no sentido de complementar a análise e melhor fundamentá-la.
Foram definidos como critérios de análise da família, quanto ao modo de
mediação, se a família: a) age sobre o processo de desenvolvimento da criança, b)
age, mas não sobre o processo de desenvolvimento da criança e c) não age sobre o
processo de desenvolvimento da criança. Quanto ao local de mediação da criança,
optou-se por dois critérios, ou seja, a) interno à família e b) externo à família.
Para a avaliação da família, serão determinados os seguintes escores
para as respostas referentes ao local de mediação: a) interno a família, valor 2; b)
externo à família, valor 1; e c) não ocorre a mediação, valor 0 (zero). Em relação ao
modo de mediação os escores relativos à resposta a) age sobre o processo, o valor
será 2; b) age mas não sobre o processo o valor será 1; e c) não age sobre o
processo, o valor correspondente será 0 (zero).
Com base nos dados fornecidos pelos pais, segue abaixo um perfil das
famílias, explicitando-se: o grau de escolaridade dos pais, ocupação, renda familiar,
tipo de famílias e o número de pessoas na casa (Quadro 15).
90
Quadro 15: Dados relativos à família das crianças
Entrevistado Escolaridade Média da
família
Ocupação da família
Renda familiar
Tipo de constituição
familiar
Nº de pessoas na
casa Emi 4ª série Cozinheira 2salários Pais
separados Mãe e dois
filhos
Nay Analfabeta
Séries iniciais Avô – braçal Filho – não
disse
5 salários Mora com os avós
7 pessoas
Car
Não informou
a mãe tem o Ensino médio
Auxiliar de Serviços Gerais
3 salários (recebe
pensão do viúvo)
Mora com a avó, mãe estuda em
Cuiabá
Avó e dois irmãos
Luc 7ªsérie
(não sabe informar)
Empregada doméstica
3,5 salários
Mãe separada,
mora com a família da
mãe
Mãe, e 2filhos(1
mora com o pai) avós e 3
tios Lui 3ª série
(não sabe informar)
Dona de casa e trab.
Rural
2 salários
Pai, mãe, 3 filhos
Mora com a cunhada, e
os filhos
Wil Ensino médio Ensino médio
Vendedora Carimbaria
3 salários Pai, mãe e filhos
Mãe, pai e 2 filhos, mãe tem mais 1 filha moça
Ada 3º grau inc. 5ª série
Dona de casa e
mecânico
2 salários Pai, mãe e filhos
Pai, mãe e 2 filhos
Bru 7ª série Médio
incompleto
Artesã Funcionário
CEMAT
3,5 salários Pai, mãe, filhos
Pai, mãe e dois filhos
Cri 3ºgrau inc. 5ª série
Não trabalha Moto-taxista
3 salários Pai falecido, padrasto,
mãe e filha
3 pessoas Filha única
Gra 6ªsérie 3ªsérie
Não trabalha Pedreiro
Não tem renda fixa
Pai, mãe, filhos
Pai, mãe e 7 filhos
Jsi 1ª série 2ª série
Não trabalha Trab. Rural
1 salário e pouco
Pai, mãe e filhos
Pai, mãe e 4 filhos
Cla e Ana 2ª série 5ª série
Serviço Dom. Vaqueiro
3 Salários Pai mãe e filhos
Pai, mãe e três filhos
Cro 6ª série (não soube informar)
Firma de Mat.de
construção
2 salários Pai, filhos e madrasta
Pai, 3 filhos madrasta
Ale Analfabeta 3ª série
Não trab. Trabalhador rural/ propri.
1 salário aposentado
Pai, mãe e filhos
8 pessoas 4 filhos casados
Ala 4ªsérie 3ª série
Doméstica e Frentista
1salário Padrasto, mãe e filhos
Pai, mãe e 5 filhos
And 6ª série
Auxiliar de Serv. Gerais e motorista
3 salários Pai, mãe e filhos
Pai, mãe e 3 filhos, 1 com
a avó Eli 6ª série
3ª série Doméstica Guarda- noturno
2,5 salários Padrasto, mãe e filhos
Mãe, padrasto e 2
filhos Nota : A escolaridade foi apresentada na seqüência, primeiro a escolaridade da pessoa entrevistada e a seguir a do seu cônjuge ou companheiro, salvo exceções das crianças que moram somente com a mãe ou pai, ou avó.
91
Deste modo, as famílias das crianças do estudo são constituídas de 78%
dos pais ou responsáveis que não concluíram o ensino fundamental, grande parte
deles é analfabeta ou cursou no máximo até a quarta série. Dentre elas, apenas
duas mães cursam o ensino superior, e em duas famílias há membros que estão
cursando ou cursaram o ensino médio, O Gráfico 2 sintetiza os dados referentes à
escolaridade das famílias das crianças do estudo.
Quanto à renda familiar, 84% dos responsáveis recebem até 3 salários
mínimos, e 22% não tem salário fixo ou recebem apenas um salário mensal (Gráfico
3).
Quanto ao tipo de família, 50% das famílias são nucleares (pai, mãe e
filhos) e os outros 50%, são de pais separados, ou que têm novos parceiros, ou em
que as crianças são criadas por avós e tios (Gráfico 4).
Gráfico 2 - Grau de escolaridade da família
02468
101214
anal
fabeto
s
até 4
ª sér
ie
até 8
série
E.Méd
io In
c.
E. Méd
io
E. Sup
. Inc.
E. Sup. Inc.
E. Médio
E.Médio Inc.
até a 8ªsérie
até a 4ªsérie
analfabetos
Gráfico 3 - Renda familiar
4
11
3 0até 1 salário
até 3 salário
até 5 salários
acima de 5 salários
92
Quanto à profissão dos pais, os maiores índices são de pais trabalhadores
rurais e de mães que executam trabalhos domésticos ou não trabalham fora (Gráfico
5).
Em síntese, a maioria das crianças analisadas é oriunda da população de
baixa renda e com condições socioeconômicas compatíveis com a da classe
trabalhadora.
Gráfico 4 - Tipo de família
50%50%
0%0% nuclear
0utra const.Familiar
0
1
2
3
4
5
6
7
mulheres homens
Gráfico 5 - Profissão dos pais e ou responsáveistrabalho doméstico
não trabalha
aux.serv. Gerais
vendedora
artesã
trab. Rural
funcionário públ.
mecânico
mototaxista
guarda-noturno
pedreiro
firm. Mat.const.
carimbaria
93
2.3.3. Avaliação da mediação da Escola
a) Instrumentos aplicados ao professor
Para a observação e avaliação da mediação por parte dos professores
no processo de ensino e de aprendizagem das crianças, foram realizadas filmagens
em sala de aula, dando especial atenção aos contextos de interação entre professor
e aluno. Foram observadas as atividades e os contatos entre o professor e o aluno,
e também os fatores de ajuda do professor relacionados principalmente à leitura em
sala de aula.
Os dados foram posteriormente distribuídos em um quadro específico
com a finalidade de orientar o trabalho de análise.
b) Procedimentos de coleta de dados do professor
O trabalho de coleta de dados referente à mediação por parte dos
professores baseou-se em filmagens com duração de 4 horas em cada uma das 5
salas de aula, realizadas em dias e horários alternados, utilizando-se uma filmadora
e um tripé posicionado no fundo da sala de aula. Todo o seu conteúdo foi transcrito
e analisado posteriormente.
Para a realização das filmagens, foram contatadas anteriormente a
direção e a coordenação da escola e, principalmente, os professores que foram
bastante receptivos e atenderam prontamente à solicitação.
c) Critérios de análise dos dados do professor
A análise dos professores em sala de aula baseou-se nos seguintes
aspectos: a) com que freqüência o professor fala com a criança; b) se fornece
explicação para a criança; c) se apresenta atividades diferenciadas para as crianças
com dificuldade na leitura; d) se solicita a ajuda da criança em atividades de sala de
aula; e e) se elabora perguntas à criança com dificuldade.
A mediação ou os fatores de ajuda em relação à leitura, também foram
analisados e sustentados por 4 itens, ou seja, a) se lê quando solicitado pela
94
professora; b) se lê oralmente para a classe; c) se lê durante atividade com colegas
e d) se lê silenciosamente em sala de aula.
Como forma de avaliação, será utilizado como parâmetro de análise, tanto
nos itens relacionados ao professor em sala de aula como em relação aos itens
relativos aos fatores de ajuda em relação à leitura, a somatória do número
ocorrência ou não do item observado.
Neste capítulo, tratou-se especificamente da metodologia da pesquisa,
descrevendo o tipo de pesquisa, os instrumentos, procedimentos e critérios de
análise, relacionados aos sujeitos do estudo.
95
CAPÍTULO III
RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
O objetivo maior deste capítulo é apresentar os resultados e as análises
dos dados referentes à avaliação das crianças com dificuldades de aprendizagem
quanto à leitura e à linguagem oral, e também, dos resultados e análises dos fatores
de mediação da família e da escola.
Como proposta de organização do trabalho, com vista a atender aos
objetivos iniciais do trabalho e aos princípios metodológicos, na tentativa de
compreender o processo de desenvolvimento inicial das crianças suas relações
sociais e familiares, elaborou-se um quadro síntese revelando o perfil de cada
criança da amostra.
Primeiramente, contudo, será apresentado o perfil de cada criança do
estudo (ver Quadro 16) elaborado a partir de informações fornecidas pela família e
pelos professores. No perfil, encontram-se as informações referentes à idade, sexo,
dificuldades de aprendizagem, comportamento e socialização, dados sobre o
nascimento e desenvolvimento, linguagem e reprovação.
Posteriormente ao perfil das crianças, então, encontram-se os resultados
da análise da leitura e da linguagem oral e, em seguida, os resultados da mediação
na família e na escola.
3.1. Perfil das crianças do estudo
Quadro 16 – Perfil dos sujeitos da pesquisa - dados das crianças – informações coletadas através de pais e professoras
Suj
eito
s
idad
e
sexo
Difi
culd
ade
de
apre
ndiz
agem
Com
port
amen
to
e so
cial
izaç
ão
Dad
os
do n
asci
men
to e
de
senv
olvi
men
to
lingu
agem
repr
ovaç
ão
Emi 11 F Leitura (lê sílabas
simples) é melhor em matemática
Esquece o que aprende, falta
muito, desatenta, boa socialização, É discriminada pelos colegas
cesariana Passou da hora de nascer,não chorou, nasceu
cianótica, internou com pneumonia e
bronquite
Não teve problema de
fala
2 vezes
96
Sujeitos Id
ade
sexo
Difi
culd
ade
de
apre
ndiz
agem
Com
port
amen
to e
so
cial
izaç
ão
Dad
os d
o na
scim
ento
e
Des
envo
lvi-
men
to
Ling
uage
m
repr
ovaç
ão
Nay 10 F Não lê (troca letras na
leitura), copia bem, tem outro
irmão com problemas na
escola
Faz amizade facilmente, é
nervosa, chora facilmente.
parto normal, baixo peso mamou até 1 ano, alimenta-se bem andou com 10 a 11meses
Falou cedo, mas a avó
acha que ela fala um pouco
enrolado (Problema
de adenóide)
- a avó
percebe as dificuldades da criança na escola, de leitura
Car 9 M Dificuldade em leitura e
produção de texto e
também em matemática
Bom relaciona-mento com os colegas, tem
amigos mas é tímido.
Parece segundo a avó revoltado com
o pai
cesariana, sem intercorrências
teve icterícia com 17 dias passou 10 dias na UTI. Andou com 1
ano e 6 meses, tinha feridas e
bolhas nos pés.
Falou com 1 ano e 6 meses,
- avó disse
que a criança tem letra feia e
ele não desenvolve na escola
Luc 9 M Muita dificuldade de
leitura e produção de
texto, segundo a professora
Até 2 anos ao chorar desmaiava,
tem enurese noturna (usa
fralda), tem tremor nas mãos, nega
problemas neurológicos, é muito nervoso, desorganizado
cesariana, mãe teve queda de
pressão na gestação
hemorragia no parto, criança
nasceu cianótica
Não teve
problemas de fala
- está fraco na escola, não lê direito,
não gosta de escrever, é
bom de matemática
Lui
13 M Dificuldade em leitura e
produção de texto
às vezes é muito nervoso, batia nas irmãs, fugia da sala de aula, recusava a fazer as atividades
parto normal, mãe não fez pré-
natal, andou com 1 ano e 2
meses
Teve dificuldade
de fala, falou com 3 anos e meio mais ou menos, 2
tios da criança têm
gagueira
Reprovou várias vezes já esteve em
várias escolas até na Apae. O neurologista
nada constatou
Wil 9 M Dificuldade na leitura e
produção de texto
Excelente em matemática
Tem dificuldade de relacionamento, é
tímido, convive mais com adulto e brinca com o irmão
parto normal, gestação teve 2
ameaças de aborto, não foi
amamentado no seio, não
engatinhou e andou com 1 ano
Fala bem, não
apresenta problema de
fala
- teve
dificuldade de
adaptação à escola
Ada 9 M Apresenta problemas de
leitura e escrita, lê
pouco
Tem boas relações com os outros.
Teve problemas desde o pré-escolar, era
hiperativo, teve um bloqueio, prof.
Muito rígida
cesariana, teve icterícia no nascimento,
tomou remédio, andou com 1
ano, problema de adenóide,
operou c/2anos
Falou na época certa, porém ainda
apresenta trocas na
fala
reprovou na II fase do I
ciclo
97
Sujeitos
Idad
e
Sex
o
Difi
culd
ade
de
apre
ndiz
agem
Com
port
amen
to
e so
cial
izaç
ão
Dad
os d
o na
scim
ento
e
Des
envo
lvi-
men
to
Ling
uage
m
Rep
rova
ção
Bru 9 F Apresenta dificuldade de
leitura e escrita
é muito tímida, criança frágil
segundo a mãe, emburra e chora com facilidade
Cesariana, a gestação foi
tranqüila, porém no final teve
hemorragia, ficou nervosa e
necessitou fazer cesariana
Começou a falar cedo,
tem dificuldade
na fala, gosta de
cantar, mas os outros
gozam pela sua
dificuldade de fala
-
Cri 10 F Não escreve e não lê
segundo a professora
Fala bastante, tem boa relação com as pessoas, convive
muito com adultos, é nervosa irrita c/
facilidade
parto normal, saudável, teve 1 internação por
Pneumonia Faz tratamento
hormonal, puberdade
precoce
Fala bem Conversa
muito
reprovou, falta muito às aulas, a
mãe segundo a professora, parece não se importar
Gra 9 F Apresenta problemas na
leitura e na escrita
Fala muito baixo, é muito tímida, é chorona, muito
nervosa e ciumenta, brinca
mais sozinha
parto normal, mas teve que
tomar remédio a partir do 8ºmês. A criança ficou na incubadora
após o nascimento
Não apresenta problemas
de fala
-
Jsi 10 F Dificuldade para aprender, esquece o que
aprende, problemas de
leitura
Gosta de fazer amizade,
comunica-se bem com as pessoas,
brinca com as primas
cesariana Gestação correu bem apesar de ter pressão alta, a criança nasceu
um pouco inchada e
passou da hora do parto
Não teve problemas para falar, falou cedo
- dificuldade em realizar as tarefas apesar da vontade de aprender
Cla 11 F Escreve bem, mas tem
dificuldade em leitura
é um pouco tímida, gosta de brincar com a irmã de pular elástico,
corda, pescar e jogar dominó
Parto difícil e complicado, nasceu de 8
meses, é gêmea de Ana, andou com 1 ano e 3
meses, o médico alertou para problemas futuros de
aprendizagem
Demorou para
começar a falar
Já reprovou, mãe acha
que mudança constante
interfere no aprendizado das meninas
Ana 11 F Apresenta problemas na
leitura
é tímida e mais calada, brinca com
a irmã gêmea, é mais calma que a
irmã e mais esforçada na
escola
Parto difícil, nasceu de 8
meses mas não precisou da incubadora como a irmã
Falou com 2 anos mais ou menos
reprovou, estuda em
sala separada da irmã gêmea
98
sujeitos
idad
e
sexo
Difi
culd
ade
de
apre
ndiz
agem
Com
port
amen
to
e so
cial
izaç
ão
Dad
os d
o na
scim
ento
e
Des
envo
lvi-
men
to
Ling
uage
m
Rep
rova
ção
Cro 13 F Tem dificuldade de Interpretar, e de leitura, tem
uma letra bonita
é tímida, um tanto fechada, não gosta
de sair de casa, brinca com os
irmão e o pai leva ao rio para nadar
Nasceu de parto normal, não teve
problemas ao nascer
Fala bem, nega
problema de fala
reprovou, tem
dificuldade na escola, o
pai vê o problema,
relacionado ao
abandono pela mãe
Ale 10 M Tem dificuldade em
leitura e na escrita
É muito retraído, não participa em sala de aula, tem poucos amigos na escola, tem outro
irmão com dificuldades na
escola
cesariana porque a mãe queria
fazer laqueadura, os outros filhos nasceram de parto normal
Não apresenta
problema de fala
- mãe acha
que ele tem mais
dificuldade em
Matemática e que ele lê
um pouquinho
Ala 10 F Lê muito pouco e
segundo a professora só copia, apesar de boa letra,
esquece o que aprende.
Falta muito
Não tem amigos, tem problemas
familiares, sente falta do pai, é
nervosa e não aceita o padrasto
parto normal, andou com 9
meses
Falou na época certa
- segundo a mãe está fraca na
escola, não conhece as
letras
And 9 M Começou a desenvolver a leitura no final de 2004, não lia nada até o ano anterior
é ativo e desinibido, gosta
de ir na avó quando está de folga, tem um
irmão que mora com a avó
parto normal, correu tudo bem
Fala bem, não tem problema
- mãe acha
que ele é o melhor na
escola, tem outros dois
irmãos deficientes
Eli 11 M Apresenta dificuldade na
escrita e leitura
é tímido, não faz perguntas, chorava muito na escola no
ano anterior, melhorou em 2004
parto normal, correu tudo bem,
bom desenvolvimento
Fala bem, não tem problema
- mãe acha
que ele tem dificuldade
de se adaptar e
eles mudam muito
legenda: (F) feminino, (M) masculino.
Sobre as crianças do estudo, pode-se dizer a) quanto à idade , que as
crianças tinham entre 9 e 13 anos, sendo que entre as 18 crianças, 12 tinham entre
9 e 10 anos, b) quanto ao sexo , 10 eram do sexo feminino e 8 do sexo masculino;
c)quanto ao nascimento, 9 crianças nasceram de parto cesariana sendo 6 com
complicações, e 9 crianças nasceram de parto normal, sendo que, 3 com
99
complicações; d) desenvolvimento motor , apenas 4 crianças tiveram um pequeno
atraso para iniciar a andar; e) quanto ao desenvolvimento da linguagem , 5
crianças tiveram atraso ou problema na aquisição ou na linguagem oral; f) quanto ao
desenvolvimento social , 8 crianças apresentaram dificuldade para se relacionar e
timidez, 4 com alguma dificuldade de relacionamento, e 6 apresentaram um bom
relacionamento social; e g) quanto ao rendimento escolar, 7 crianças já foram
reprovadas em algum momento da escolarização e, todas apresentam dificuldade na
aprendizagem da leitura.
3.2. Resultados da análise da leitura e da linguage m oral
Com a finalidade de atender ao primeiro objetivo específico, ou seja, o de
avaliar, na perspectiva da linguagem oral, o desenvolvimento real da criança com
dificuldade de aprendizagem de leitura, a seguir encontram-se os resultados da
avaliação da leitura, e na seqüência, os resultados da avaliação da linguagem oral
das crianças.
3.2.1. Avaliação da leitura
A análise da leitura foi realizada levando-se em consideração os três
níveis, ou seja, leitura emergente, leitura inicial e leitura das séries intermediárias.
Primeiramente, então, serão apresentados os resultados referentes à
leitura emergente, que tratou de analisar a familiaridade com o uso do material
impresso e conhecimento dos diferentes termos da linguagem escrita em revista,
livro e jornal, e também avaliar a familiaridade com diversos tipos de textos.
Deste modo, o Quadro 17 apresenta o resultado da avaliação da leitura
emergente. O Quadro 17 (a), relativo aos resultados da atividade 1 e o Quadro 17
(b), apresenta os resultados da atividade 2.
100
Quadro 17 (a) – Avaliação da leitura emergente (ati vidade 1)
Leitura Emergente
Conceitos
Sujeitos da Pesquisa
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Fam
iliar
idad
e co
m o
uso
do
mat
eria
l im
pres
so
Ativ
idad
e 1
a) reconhece o material de leitura, a posição de leitura, como folhear;
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
1
3
2
3
1
b) reconhece as partes que compõem o material (capa, página, título, linha, etc.);
2
3
3
3
3
2
2
3
2
3
3
2
3
2
2
2
3
2
c) reconhece a diferença de letra, palavra, número, maiúscula e minúscula, sinais de pontuação.
2
2
2
3
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
2
3
2
Total
7
8
8
9
8
7
7
8
7
8
8
7
8
5
7
6
9
5
Legenda: 3 – resposta correta, 2 – parcialmente cor reta, 1 incorreta. Scores: máximo – 9 , médio – 6, mínimo 3
Analisando as respostas das crianças nas atividades de leitura
emergente percebe-se que apenas 2 crianças (Ale e Eli) obtiveram resultados
abaixo da média na atividade 1 . As outras crianças apresentaram resultados acima
da média.
No item “a” da atividade 1 , Ana identificou o livro de história como um livro
de poesia, fazendo uma confusão de gênero textual. Ale não nomeou o jornal, a
revista nomeou como folha e o livro como caderno, porém, quando a entrevistadora
questionou se era mesmo um caderno, ele, então, disse ser um livro. Ana e Ale
foram os únicos que não identificaram corretamente o material apresentado.
No item “b”, da atividade 1 , as crianças demonstraram mais dificuldade
em identificar o que é página, folha ou capa de um livro. Na primeira atividade, a
maior concentração de erros ocorreu no item “c”, principalmente na identificação de
pontuação, maiúscula e minúscula e na diferenciação entre letra e palavra.
Esse resultado indica que a maioria das crianças já conhece os materiais
de leitura como jornal, revista, livro e, identificam suas partes, porém, ainda, às
vezes, fazem confusão com os termos.
Em relação aos símbolos empregados na escrita como sinais de
pontuação, letras, maiúsculas e minúsculas, palavras, sílabas, etc., apenas duas
101
crianças não demonstraram dificuldades, as demais se mostram inseguras quanto
ao emprego correto desses símbolos e do seu uso.
Quadro 17 (b) – Avaliação da leitura emergente (ati vidade 2)
Leitura Emergente
Conceitos
Sujeitos da Pesquisa
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Fam
iliar
idad
e co
m o
s di
vers
os ti
pos
de te
xtos
A
tivid
ade
2
a) escolher o que comprar para sua casa (catálogo de compras);
1
1
3
3
1
1
3
3
3
3
1
1
3
3
3
1
3
3
b) fazer um bolo de chocolate (receitas culinárias);
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
c) Saber onde fica o Estado do Paraná (mapa);
3
3
3
3
1
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
d) ler para aprender coisas novas (livro, gibi, livro de história, revista);
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
e)ligar para alguém que não sabe o número (catálogo telefônico).
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
1
3
3
3
3
3
3
3
f) ir para outra cidade (passagem de ônibus, mapa);
3
3
3
3
3
3
1
1
3
1
1
1
1
1
3
1
3
1
g)Saber o que acontece em outras cidades ou país (jornal, revista);
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
1
3
3
3
3
3
3
3
h) ler para se divertir (gibi, livro de história)
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
1
3
3
3
3
3
3
3
total
22
22
24
24
20
22
22
22
24
22
14
20
22
22
24
22
24
22
Legenda: 3 – resposta correta; 2 – parcialmente correta; 1 - incorreta
Scores: máximo – 24, médio – 16, mínimo – 8
Na atividade 2 , a criança que apresentou maior dificuldade foi Jsi, cujo
resultado ficou abaixo da média. As outras crianças apresentaram um índice elevado
de acertos. Os erros apresentados foram relacionados à identificação da passagem
de ônibus em primeiro lugar, e em segundo, o catálogo de compras, provavelmente
por apresentarem um formato de texto não muito convencional, e sem qualquer
proximidade com os textos veiculados na escola. Em geral, crianças estão
acostumadas a manipular o livro didático, e livros de literatura infantil.
Cabe aqui ressaltar que foi incluído como correta a resposta “mapa” para a
pergunta “qual você escolheria se quisesse ir para outra cidade?” Isto porque
102
algumas crianças escolheram essa opção o que não deixa de estar correto. Outras
opções também foram aceitas para a pergunta “qual você escolheria se quisesse
aprender coisas novas?” Neste caso, algumas crianças deram como resposta, o livro
de literatura infantil ou o almanaque da Mônica.
O Quadro 18, referente à leitura inicial, apresenta os resultados da
análise das atividades 3 e 4, e tratou de avaliar o conhecimento básico do alfabeto,
palavras e significado, além de também avaliar a capacidade de leitura de palavras
de categorias semânticas diferentes.
Quadro 18 (a) –Avaliação da leitura inicial (ativid ade 3)
Leitura Inicial
Sujeitos da Pesquisa
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Leitu
ra in
icia
l
Ativ
idad
e 3
con
heci
men
to
bási
co d
o al
fabe
to,
pala
vras
e
a). Reconhece as letras
2
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
3
2
3
3
3
b). reconhece e diferencia vogal e consoante
1
1
1
3
3
2
1
1
3
1
1
1
2
1
3
1
3
1
Total
3
4
4
6
6
5
4
4
6
4
4
4
5
4
5
4
6
4
Legenda: 3 – adequado, 2 – regular , 1 crítico Scores – máximo 6 , médio – 4, mínimo – 2
Com relação à leitura inicial, a avaliação quanto ao reconhecimento das
letras , na atividade 3 , apenas 2 das crianças (Emi e Ala) fizeram alguma confusão;
as demais demonstraram conhecer as letras do alfabeto.
No segundo item, o reconhecimento da diferença entre vogal e
consoante , apenas 5 crianças demonstram domínio completo desse conceito, as
demais ainda confundem os dois termos.
Na atividade 3, entretanto, percebeu-se que apenas uma das crianças
(Emi) ficou com escores abaixo da média.
103
Quadro 18 (b) – Avaliação da leitura inicial (ativi dade 4)
Leitura Inicial
Sujeitos da Pesquisa
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Leitu
ra in
icia
l
Ativ
idad
e 4
a). leitura de palavras (10 palavras)
2
3
2
3
3
3
3
3
2
3
2
3
3
3
3
3
3
3
Nº de erros
4
1
2
-
-
1
1
1
5
-
2
1
-
-
-
-
-
-
Total
2
3
2
3
3
3
3
3
2
3
2
3
3
3
3
3
3
3
Legenda: 3 – adequado, 2 – regular , 1 crítico. Escores – máximo 3 , médio – 2, mínimo – 1
Na leitura de palavras, na atividade 4, 77,7% das crianças apresentaram
escores acima da média, as outras, tiveram alguns erros na leitura, mas, apesar de
algumas dificuldades, leram a maioria das palavras propostas, apenas 4 crianças
(Emi, Car, Cri, e Jsi) tiveram escores considerados médios.
Os resultados da avaliação da leitura inicial indicaram que elas já
passaram pelo processo inicial de leitura e apenas um pequeno número de crianças
ainda apresenta dificuldades neste nível de leitura.
O Quadro 19 apresenta os resultados da avaliação da leitura da atividade
5, correspondente à leitura de texto oral, e da atividade 6 , referente à leitura
silenciosa de texto. Esse nível de leitura exige uma maior habilidade das crianças
como leitoras, não só de reconhecimento dos símbolos gráficos, mas de
compreensão e de desenvolvimento metalingüístico.
Quadro 19– Avaliação da leitura das séries intermed iárias (atividade 5)
Leitura das Séries Intermediárias
Sujeitos da Pesquisa
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
*
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Leitu
ra O
ral d
e te
xtos
A
tivid
ade
5
I.Flu
ênci
a
- lê palavra por palavra
1
2
2
2
3
2
1
3
-
3
1
1
1
3
2
3
1
3
- lê monotonamente sem inflexões
1
1
1
1
2
2
1
3
-
3
1
1
1
2
2
3
2
3
- ignora pontuação 1
1
1
1
2
2
1
2
-
2
1
2
1
2
2
2
1
3
- lê de forma rápida e espasmódica
3
3
3
3
3
3
3
3
-
3
3
3
3
3
3
1
3
3
- perde o lugar ao ler 2 3 3 3 3 2
2 3 - 3 3 3 3 3 3 3 2 3
104
II. r
econ
heci
men
to d
as
pala
vras
- tem dificuldade para reconhecer palavras comuns
2 2 2 2 3 3 2 2 - 2 2 2 2 2 3 2 2 3
- decodifica com dificuldade palavras desconhecidas
1 2 1 1 3 2
2 2 - 2 1 2 2 2 2 2 1 2
- omite palavras 1 3 3 3 3 2 2 2 - 3 3 3 2 3 3 2 2 3
- salta linhas 3 3 3 3 3 3 3 3 - 3 3 3 3 3 3 3 3 3
III. C
omo
enfr
enta
as
pala
vras
des
conh
ecid
as - soletra-as 2 1 2 2 3 1 1 3 - 3 2 2 2 3 2 3 2 3
-tenta sonorizá-las sílaba por sílaba
2 2 2 2 3 2 1 3 - 3 1 2 2 3 1 3 1 3
- não utiliza o reconhecimento por forma, por extensão ou por configuração
2 2 2 2 2 2 1 2 - 2 2 2 2 2 3 2 2 2
- falta flexibilidade para utilizar indícios fônicos ou estruturais
2 2 2 2 3 2 2 2 - 2 2 2 2 2 3 2 2 2
IV. u
tiliz
ação
do
con
text
o
- adivinha de forma excessiva a partir do contexto
2 2 3 3 3 3 1 2 - 2 2 3 2 3 2 2 2 3
- não utiliza o contexto como meio de reconhecimento
2 2 2 2 3 2 2 3 - 2 2 2 2 2 2 2 2 3
V. U
so d
a vo
z
- enuncia com dificuldade
1 2 2 2 3 3 2 3 - 3 2 2 2 2 3 3 1 3
- omite nos finais das palavras
3 3 3 3 3 3 1 3 - 3 2 3 3 3 3 3 2 3
- substitui sons 3 2 2 2 3 3 1 3 - 2 2 2 3 3 2 2 2 2
- gagueja ao ler 2 2 3 2 3 3 1 3 - 3 1 1 1 2 2 3 1 3
- lê atropeladamente 3 3 3 3 3 3 1 3 - 3 1 1 2 3 3 2 3 3
- a voz parece nervosa ou tensa
3 3 2 2 3 3 2 3 - 3 2 2 2 3 3 1 3 3
Total geral
42
46
47
46
58
51
33
56
*
55
39
44
43
54
52
49
40
59
Legenda: Freqüência da apresentação 3 –nunca; 2 – às vezes; 1 – com freqüência. Escores: máximo 63, médio 42; mínimo 21 * Cri, não conseguiu fazer a leitura dos textos
A atividade 6 – leitura silenciosa de textos , inicialmente seria um
instrumento que segundo Alliende e Condemarín (2005, p. 109), complementaria a
avaliação da leitura oral, apresentando indícios de hábitos posturais inadequados,
como mover os lábios, mexer a cabeça ao longo da linha, seguir a linha com o dedo,
etc.
Após a aplicação da atividade 6 , decidiu-se por eliminar a atividade com
esse fim, pois não se observou qualquer anormalidade postural grave nas crianças,
apenas em algumas crianças, um pouco de relaxamento na postura física diante do
papel, uma maior proximidade do material de leitura, acompanhamento da linha
com o dedo, ou leitura sussurrada.
105
Chegou-se à conclusão que esses hábitos não estariam interferindo
significativamente na leitura, e também que estes não ajudavam a esclarecer as
possíveis dificuldades na leitura. Contudo, foi mantida a análise desta atividade
quanto à avaliação da linguagem oral, relacionada à interpretação do texto lido pela
criança.
Ao se analisar os resultados da avaliação da leitura intermediária realizada
através da leitura oral de textos, foi encontrado entre as 18 crianças somente uma
(Cri), que não leu o texto. As leituras feitas pelas outras crianças oscilaram quanto
às respostas dadas às características indicativas de dificuldades de leitura.
Ainda com relação aos resultados da atividade 5 , observou-se que
apenas 3 crianças (Ada, Jsi e And) apresentaram escores abaixo da média. Outras
7 crianças ( Emi, Nay, Car, Luc, Cla, Cro e Ana) apresentaram índices próximos da
média. Outro dado constatado é que nenhuma criança atingiu o escore máximo. Um
total de 7 crianças (Lui, Wil, Bru, Gra, Ale, Ala e Eli) foram as que apresentaram
melhores resultados.
Lui, de 13 anos, um dos mais velhos do grupo, dá mostras de superação
das dificuldades de leitura, pois seu aproveitamento foi bom nos três níveis de leitura
realizados. Ele é uma criança que já freqüentou temporariamente a APAE, uma
escola para Portadores de Necessidades Especiais, já reprovou mais de uma vez, e
mudou de escola várias vezes. Então, na pré-adolescência apresenta indícios de
superação dos problemas.
No caso específico de Cri, essa criança, de fato, demonstra uma grande
dificuldade de leitura. Entretanto, ela sabe das suas dificuldades, em 2005,
participou de aulas de reforço individual, e está novamente cursando a I fase do II
Ciclo, contudo, o fato de perceber, analisar e refletir sobre o erro cometido, e estar
disponível para aprender, mostra nesta criança indícios de pequenos avanços.
Na escola, porém, mesmo que a retenção do aluno seja prevista apenas
ao final do ciclo, Cri e Cla foram reprovadas ao final da I fase do II Ciclo.
Na seqüência, descreveu-se os dados mais significativos encontrados na
avaliação da leitura, dos sujeitos da pesquisa.
▪ Emi – a criança apresentou dificuldades de pontuação, troca de letras
e de palavras na leitura da lista de palavras (braço – branco, galinha – gavião, fogão
– feijão, facão), na leitura de textos, lê palavra por palavra, sem inflexão, ignora a
pontuação, omite palavras (“de, de muito salto em tem sobre” “quando o texto era”
106
“deu muitos saltos, tentou subir na parreira”). Tem dificuldades para reconhecer e
decodificar algumas palavras gagueja ao ler.
▪ Nay – apresentou problemas quanto à pontuação, o reconhecimento
de letras maiúsculas e minúsculas, diferenciação entre vogal e consoante. No texto,
lê sem inflexão e sem pontuação, teve dificuldade na decodificação de algumas
palavras, (parreira - pareira, saltos – sabor), adivinha de forma excessiva a partir do
contexto (raposa, leu raposinha), gagueja, lê soletrando, dá mostras de relaxamento
ao ler.
▪ Car – leu as palavras “palhaço” e “cadeira” e outras retiradas dos
textos (“Maurício” – “Maucícia”, “linda” – “nina”, “resposta” – “repoca”, “dente” –
“deute”), não obedece à pontuação, lê monotonamente sem inflexão, decodifica com
dificuldade certas palavras (“cobiçou” – “cobliçou”), lê sílaba por sílaba e não utiliza o
contexto como meio de reconhecimento.
▪ Luc – demonstra conhecer os conceitos sobre a língua escrita, letras,
vogais e consoantes; realizou bem todas as atividades de leitura emergente e inicial.
Advinha a partir do contexto, lê sem inflexão na leitura, decodifica com dificuldade
algumas palavras. Não utiliza adequadamente os indícios fônicos ou estruturais
(“ignorância” – “ignorácia”, “saía” – “saia”, “pelo caminha”), lê pausadamente sem
obedecer às pontuações.
▪ Lui – conhece letras e palavras, leu com desenvoltura o texto, apenas
um pouco de maneira monótona, sem inflexão; apresentou uma boa leitura, sua
maior dificuldade encontra-se na interpretação do que lê, às vezes, durante a
atividade demonstra desatenção.
▪ Wil – apresentou dificuldade quanto à familiaridade com o material
impresso, na pontuação, lê monotonamente sem inflexão, gagueja quando lê,
apresenta alguma dificuldade na decodificação de palavras (“chão” – “som”,
“acodri... acodiram”), soletra as palavras, e não utiliza o contexto como meio de
reconhecimento das palavras.
▪ Ada – demonstrou dificuldade quanto à familiaridade com os conceitos
de linguagem escrita, pontuação, lê palavra por palavra, sem inflexão, ignora a
pontuação, tem dificuldade para reconhecer certas palavras e, às vezes, troca por
outras (“osso” – “so sosso”, “pássaro” – “pessoa”); decodifica com dificuldade
palavras não conhecidas (“atravessando” – “te te a tra ve atravessando”), adivinha
de forma excessiva a partir do contexto, enuncia com dificuldade, lê
107
atropeladamente, voz tensa, apresenta troca de fonema surdo por sonoro (“o cão” –
“o gão”, “bota” – “boda”).
▪ Bru – não reconhece a pontuação, lê fluentemente, porém, não
reconhece algumas palavras, confundindo-as com outras (por exemplo: “osso” –
“urso”). Advinha de forma excessiva as palavras a partir do contexto.
▪ Cri – não reconhece a pontuação, demonstra insegurança em suas
respostas, responde sempre com uma pergunta, e admite confundir “d” com “v”, com
“f” (“é v, f, eu confundo d”), apresenta indícios de troca dos fonemas surdos por
sonoros, soletra as letras ao ler as palavras, confunde-se na leitura e não leu o texto
escolhido. A criança reprovou em 2004, e está tendo reforço oferecido pela escola.
▪ Gra – tem dificuldade em identificar a pontuação na leitura do texto,
omite palavras e faz trocas (“na mão” – “no chão”) e advinha de forma excessiva os
termos a partir do contexto (“a uva estava na parreira” – “a uva estava na pia”).
▪ Jsi – não reconhece a pontuação, teve dificuldade em identificar os
textos na leitura emergente, lê palavra por palavra, tem dificuldades em reconhecer
certas palavras e decodificar outras - (“parreira” – “parede”), advinha de forma
excessiva a partir do contexto, gagueja ao ler, e dá mostras de tensão ao ler.
▪ Cla – também apresenta dificuldades com a pontuação e no
reconhecimento dos textos acertou apenas 50%; na leitura de textos lê palavra por
palavra, ignora a pontuação, tem dificuldade em reconhecer palavras comuns (“três”
– “tes”, “irmão” – “irmã”), não decodifica adequadamente certas palavras (“parreira” –
“peneira”), não utiliza o contexto como forma de reconhecimento, e gagueja um
pouco na leitura.
▪ Cro – apresenta dificuldades na identificação da pontuação, distinguiu
as vogais e as consoantes, mas, às vezes, os confunde. Lê palavra por palavra e
sem inflexão, omite palavras, decodifica com dificuldade algumas palavras
(“acudiram” – “acodia, acoderia”), advinha de forma excessiva a partir do contexto
(“Terezinha de Jesus” - trocou a palavra ”Jesus” por “Deus”) enuncia com
dificuldade, gagueja na leitura; aproxima-se muito do papel para ler, tem uma
postura inadequada e debruça-se sobre o papel.
▪ Ale – apresenta dificuldade nos conceitos de linguagem escrita,
pontuação, reconhece as letras, mas não distingue consoante e vogal; na leitura dos
textos ignora a pontuação, lê sem inflexão, decodifica com dificuldade certas
108
palavras (ex: empoleiraram-se) falta flexibilidade para utilizar indícios fônicos (“cães”
– “cões”), gagueja ao ler e não faz uso do contexto como meio de reconhecimento.
▪ Ala – tem dificuldade em identificar a pontuação, identifica as vogais e
as separa das consoantes; na leitura de palavras apresentou dificuldade na palavra
“braço”, mas depois decodificou-a corretamente. Lê sílaba por sílaba, sem inflexões,
apresenta troca de palavra (“Terezinha de Jesus” – “Terezinha de Deus”) o que
demonstrou adivinhar excessivamente a partir do contexto e gagueja na leitura.
▪ Ana – apresenta dificuldades com a pontuação e para distinguir vogal e
consoante, lê de forma rápida e atropelada, apresenta troca de palavras (“chão” –
“cão”, “chapéu” – “chama”), apesar de que se corrigiu em seguida; omite também
palavras (“a quem Tereza deu a mão” – “o que te deu a mão”), advinha a partir do
contexto e demonstra tensão muscular ao ler.
▪ And – sua maior dificuldade é a leitura de textos, lê com dificuldade,
até mesmo para reconhecer palavras simples (“A raposa e as uvas” – “a reporta e as
avas”), e também na decodificação de algumas palavras, soletra palavra por palavra
ou sílaba por sílaba, enuncia com dificuldade, gagueja ao ler e usa os dedos para
acompanhar a leitura. Teve tanta dificuldade em ler o texto que a entrevistadora teve
que ler novamente o texto para poder verificar o seu entendimento e interpretação
oral pela criança.
▪ Eli – Não reconhece adequadamente a pontuação, trocou mais de uma
vez o termo letra por palavra; na leitura, apresentou boa fluência, porém, teve
dificuldade na decodificação de palavras (“presunção” – “precisão”), além de trocar
palavras, falta flexibilidade na utilização dos indícios fônicos (por exemplo:
“ignorância” – “guinorácia”) e não utiliza o contexto como meio de reconhecimento.
Com base nos dados apresentados, constatou-se que, de forma geral, as
crianças do estudo apresentam, de fato, tal como apontado pelos professores,
dificuldades de leitura, porém, estas variam de criança para criança. Pode-se
observar que cada criança se encontra num estágio diferente do aprendizado da
leitura, mas existem semelhanças nas dificuldades apresentadas, como por
exemplo, no reconhecimento dos sinais de pontuação ou no reconhecimento de
vogais e consoantes, em que a maioria apresenta ainda dificuldades em distinguir.
Outro fato observado é que, apesar das crianças estarem na I fase do II
ciclo, e a maioria, em 2005, época da coleta de dados, já na II fase do II ciclo, ou
comparativamente à seriação na 4ª série do Ensino Fundamental (como denomina o
109
INEP, na avaliação do SAEB), a maioria das crianças apresenta dificuldades em
definir conceitos básicos sobre a linguagem escrita, que denominamos de leitura
emergente. Apenas 3 das 18 crianças responderam na íntegra aos questionamentos
feitos pela entrevistadora.
Na segunda atividade de leitura emergente, que buscava avaliar a
familiaridade com os diversos tipos de textos, apenas uma das crianças alcançou
escores abaixo da média, e a dificuldade maior foi com os textos de formato não
convencional, como foi o caso da passagem de ônibus. Porém, uma boa
familiarização com os diversos tipos de texto não é indicativo suficiente para que a
criança apresente um bom rendimento em leitura, como é o caso da criança Cri que
acertou todas as questões referentes aos textos, embora conheça as letras e
distinga as vogais das consoantes. Cri apresentou 50% de erros na leitura de
palavras e não conseguiu fazer a leitura do texto.
Quanto à familiarização com diversos tipos de texto, um dado que chama
a atenção é que, quando a entrevistadora fazia inicialmente a leitura de um texto
para a criança (sendo utilizado o texto “Maurício e sua Turma”, que versava sobre a
história de Maurício de Souza, brasileiro, cartunista e autor de histórias em
quadrinhos e criador de vários personagens), a maioria das crianças, mesmo tendo
à sua frente uma edição especial sobre a Mônica, com a sua figura na capa, ao ser
questionada, relatava não conhecer o autor e seus personagens. Alguns diziam
conhecer, mas da televisão, o que pode talvez ser um indício de que a escola utiliza
pouco o gibi como material didático e pedagógico.
Analisando os dados coletados sobre a leitura inicial, percebeu-se que
todas as crianças conhecem as letras, apesar de algumas ainda confundirem com as
letras menos utilizadas como o “w”, “y”. Porém, o que chama a atenção é a
quantidade de crianças (13) que ainda não sabe diferenciar o que é vogal do que é
consoante, sendo que, apenas 5 delas identificaram corretamente
Na leitura das palavras, apenas duas crianças demonstraram uma
dificuldade maior (Emi e Cri), que também tiveram grandes dificuldades na leitura do
texto. Outro caso é o de And, que leu corretamente todas as palavras, mas na leitura
do texto sua dificuldade foi enorme.
Com referência à leitura nas séries intermediárias, observou-se que todas
as crianças apresentaram algum tipo de dificuldade na leitura, uns em maior e outros
em menor grau. As crianças que leram com maior dificuldade ou não leram foi Emi,
110
Cri e Ada, apesar de que outras como Jsi, And, Cla, entre outros que também
apresentaram bastante dificuldade.
As dificuldades de leitura oral se confirmaram também no momento em
que as crianças interpretavam o que haviam lido na leitura silenciosamente.
Concluindo, os resultados obtidos através da atividade de leitura realizada
pelos sujeitos da pesquisa indicam que todos eles apresentam dificuldades de
aprendizagem da leitura, porém, os problemas diferem de criança para criança,
embora alguns sejam convergentes. Todavia, ressalta-se que nenhuma das 18
crianças apresenta um índice zero de aprendizagem, apenas encontra-se em atraso
ou em defasagem no nível de aprendizagem, que acredita-se serem problemas
possíveis de solução. Uma mostra de melhora na leitura é o caso de Lui, uma
criança que passou por um processo longo de escolaridade e que demonstra estar
melhorando gradativamente na leitura. No entanto, Lui ainda apresenta uma grande
dificuldade de atenção e de compreensão do material lido, como veremos ao
analisarmos a seguir, a linguagem oral das crianças.
3.2.2. Avaliação da linguagem oral
Como parâmetro de análise da linguagem oral das crianças, foram
utilizadas 1) as interpretações orais que as crianças fizeram em relação aos textos
lidos oral e silenciosamente, 2) a descrição do significados das palavras, as falas
espontâneas ou respostas dadas às perguntas da entrevistadora e, por fim, 3) a
descrição da figura. As funções da linguagem que subsidiaram a análise foram:
▪ a função de linguagem representativa e/ou informati va, relativa à
atividade 7 , 8 e 9, nas quais os itens analisados foram se a criança:
a) fornece informações precisas, e b) apresenta riqueza de
informações, c) se a escolha é apropriada;
▪ a função de linguagem heurística, utilizando-se as atividades 7, 8
e 9 na observação do item a) se solicita ajuda, através da realização
das atividades pela criança;
▪ planejamento verbal, se utiliza tempo para pensar, analisado nas
atividades 7, 8 e 9 .
111
Na avaliação da linguagem oral, inicialmente será apresentado alguns
exemplos, de como as crianças responderam ao questionamento da entrevistadora
sobre o significado das palavras lidas, na interpretação dos textos e na descrição da
figura, observando se a criança utiliza a função da linguagem representativa e/ou
informativa.
a) Função representativa e/ou informativa
Emi – ao falar o significado das palavras cita funções do objeto,
informando que, por exemplo: vaca: “de tirá leite”, navio: “pra andar no mar, pegar
peixe”, sapato: “pra calçar”.
Nay - Quando perguntado onde mora respondeu: “lá em cima” (indicando
com a mão uma direção), demonstrando que não utiliza as palavras para fornecer
informações precisas. A mesma dificuldade é apresentada quanto ao significado das
palavras, por exemplo: palhaço: “de fazer graça”, abacaxi: “é uma fruta, uma coisa
assim... (faz gestos com a mão)... O cabelinho dela”, fogão: “fogão... é boca que
acende assim...”. O último exemplo demonstra também que ela utiliza um tempo
para pensar, mas não faz uma escolha adequada.
Na descrição da figura, apresenta várias informações, mas
desconectadas, como: “ela tá em cima de um sofá, e ela tá olhando uma lagoa
parece, e ela tá com uma corda pendurada numa árvore, e a lagoa também”.
Quando foram solicitadas mais informações disse: “um pé de manga, parece. Ela tá
com uma blusinha branca, tá com uma calça azul, o cabelo cacheado, só isso”.
Car - Ao ser perguntado “se eu quisesse chegar na sua casa, como eu
faria para ir até lá?” Ele respondeu:
(Car) – “A senhora roda aqui, pode pegar o retão, o retão tem uma quina e vai reto, daí, uma casa branca com pé de coqueiro lá na frente”.
Também na interpretação do significado das palavras, como na resposta
anterior não consegue informar adequadamente, usa mais da função do objeto como
em: abacaxi: “é de comer, é uma fruta”, sapato: “pra usar... usar igual tá aqui”
(mostrando o pé), “é uma... é galinha significa pra criar, come”, braço: “ah, pra
pessoa usar”.
112
Luc - procura explicar apresentando riqueza de informação, na tentativa
de melhor representar aquele objeto, mas não informa, de fato, o que é o objeto e
nem como representa adequadamente através da linguagem.
Bota: (Luc) - “Um calçado que a gente usa pra ir pra fazenda, pra calçar e trabalhar”. Navio: (Luc) - “Navio é pra viajar, pra passear. É um objeto grande, da pra viajar, pra passear, pra mudar de cidade”. Vaca: (Luc) – “É um animal grande. O boi serve de alimento, da pra gente comer e andar”.
Lui – não utiliza adequadamente a função de linguagem informativa e/ou
representativa, porque responde às questões da seguinte forma:
(E) – O que é sapato? (Lui) – “Tênis”. (E) – Tênis é sapato? Qual a diferença entre tênis e sapato? (Lui) – “Porque o sapato... E o tênis não”. (E) – O que significa braço? (Lui) – “Bracinho de escrever” (mostrando o braço).
Na descrição da figura, ele não faz escolhas apropriadas e não traz
muitas informações para o ouvinte. A criança nomeia várias coisas (toco, madeira,
alguma coisa), mas não diz que o menino está em cima de um barco.
(Lui).– “Ele está em cima de uma madeira”. (E) – Ele está de pé, mas quem está em pé? (Lui) – “É um guri”. (E) – O que ele está fazendo? (Lui) – “Está olhando”.
Wil - Quando foi perguntado se estava lendo bem, disse “não, mais ou
menos”. Para explicar onde morava, mostrou dificuldade em informar: “tem uma
subida, lá de trás, aí tem outra, tem um portão alaranjado, tudo murado o quintal, é
lá”. Em relação ao significado das palavras, em algumas, aparece uma tentativa
maior de fornecer informação no sentido de dar uma maior representatividade ao
objeto ou animal como em: “galinha é um animal que serve para nós comer”. Em
outras palavras, apesar de trazer muita informação não esclarece de fato o que é o
objeto.
(Wil) – “Navio, é pra nós andar que ele não afunda, só de vez em quando”.
113
(E) – De vez em quando afunda? Você já viu falar de algum que afundou? (Wil) – “Já, de petróleo”. (Wil) – “Abacaxi ele nasce para ir ao mercado para nós comprar e levar para casa pra comer. Tá mal!” (E) – Tá mal? Por que você acha que você tá mal? Você não está gostando? (Wil) – “Eu tô!”
A observação da criança indica que não se saiu bem na atividade. Isto
pode ser indício de um avanço da criança no uso da metalinguagem, visto que ela
analisa sua própria fala, questionando a sua escolha.
Wil apresentou bastante dificuldade na interpretação dos textos, deu pouca
informação e fez escolhas não apropriadas como no texto Terezinha de Jesus:
(E) – Do que fala o texto, o que você entendeu do texto? (Wil) – “Eu entendi que os irmãos dele que era o primeiro e o que puxou pro pai. Só isso que entendi”.
Ada – na identificação das palavras, como a maioria das crianças, faz uso
mais da função do que do significado, inclusive, faz confusão com determinados
conceitos como em: galinha: “que faz frango com ela” ou em braço: “uma mão que a
gente vai pegar coisa, um copo”. O primeiro exemplo revela indícios de
generalização do significado.
Em relação à descrição da figura, a criança escolheu a figura de um bebê
e apresenta uma linguagem com riqueza de detalhes, demonstrando afetividade e
familiaridade ao descrevê-lo.
Faz perguntas com a finalidade de descobrir a “regra”, apresenta uma
competência discursiva somada a uma competência pragmática, indicando o uso da
função heurística.
(Ada) – “É um nenê. Um nenê pode dar a dica assim quando ele é pequeno assim, alguma coisa?” (E) – É, qualquer coisa, você vai falando alguma coisa que tem na figura para eu poder descobrir. (Ada) – “Ele tá num lugar cheio de árvore, ele é pequeno, tem o olho verde e é fofo”. (E) – É fofo? (Ada) – “É (ele sorri ao observar a figura). E ele tem o cabelo pequeno”. (E)– Pequeno de que jeito? (Ada)– (sai de trás do biombo e mostra o seu próprio cabelo) “É assim oh!”
114
Bru – na descrição do significado das palavras descreve mais a função do
objeto, não dando uma informação mais precisa em: “cadeira de sentar. Galinha, a
galinha bota no seu ninho. Palhaço faz muita brincadeira com as crianças do circo.
Sapato a gente calça ele”. Em alguns momentos, a entrevistadora reforça a pergunta
dando então oportunidade da criança descrever com maiores detalhes sobre o
objeto ou animal perguntado:
(Bru) – “Abacaxi a gente come ela”. (E) – Mas o que é o abacaxi? (Bru) – “É redonda e tem uma coroa verde”. (Bru) – “Vaca é de dá leite”. (E) – Mas o que é uma vaca? (Bru) – “Ela...Ela tem bezerro que come mato, ela é gorda e tem uma cabeça e uma orelha”.
Nos momentos em que a entrevistadora tenta mediar, incentivando-a a dar
novas respostas, surgem alguns indícios da função representativa ou informativa na
fala da criança, como no uso espontâneo da fala, referindo-se ao irmão:
(E) – Você tem mais um irmãozinho? (Bru) – “Só tenho um, o nome dele é Bruno”. (E) – Então é Bruno e Bruna? (Bru) – “Igual do meu, só muda o ”a” e o “o” ”.
Na interpretação dos textos Bru procura dar as informações, nas duas
histórias, a criança apresenta dificuldade na escolha, e em ordenar o texto lido.
(Bru) – “Ela conta que Terezinha de Jesus foi ao chão, esse três cada um caiu, ai três chapéu na mão. Ai tirou primeiro o pai e depois o filho e depois veio aquele”.
(Bru).– “Ele o cão carregava o urso na boca, o cão olhava para baixo ai o urso falou - deixa ele, e depois o cão jogou ele na água”.
Cri – Na emissão dos significados das palavras, faz confusão de conceitos
como: “Vaca é igual um cavalo”. A entrevistadora questiona – é igual um cavalo? Ela
responde – “não, vaca é gorda, né”, portanto, não consegue dar uma informação
correta sobre o animal, apesar de procurar apresentar vários detalhes. Nas outras
palavras lidas, também faz referência mais à função do que ao significado, por
exemplo: fogão – “fogão é que coloca panela pra fazer comida”. Galinha – “tem
filhotinhos, bota ovo”. Como percebemos as informações também são confusas.
115
Gra – A criança apresentou dificuldade para dizer o significado das
palavras. Não conseguiu dizer o significado de vaca, mesmo depois da
entrevistadora repetir a pergunta por duas vezes. As outras palavras, respondeu
com um enunciado simples, usando a função do objeto: fogão – “de cozinhar”,
cadeira – “é de sentar”. A palavra braço apenas usou de gesto para indicar o seu
próprio braço. No caso de Gra, percebe-se que ela usa de respostas curtas, de
pouca informação ou representatividade.
Jsi - Na interpretação do significado das palavras lidas, a criança tem
dificuldade no uso da função da linguagem representativa e ou informativa, mesmo
sendo uma criança da zona rural não conseguiu dizer o significado da palavra vaca.
Usa de um tempo para pensar, mas não consegue dar a resposta. E nas outras
palavras responde a função ao invés do significado como, por exemplo: fogão – “pra
cozinha (...) faze comida”, galinha – “ela bota”, sapato – “sapato é que o homem
calça pra sair pra trabalhar”.
Quanto aos textos ela inicia a interpretação fazendo uma confusão dos
personagens, ou associando raposa com rapunzel:
(E) – Então essa história fala do quê? (Jsi) – “Da uva”. (E) – E de quem mais? (Jsi) –“Da Rapunzel”. (E) – Ela queria o que? (Jsi) – “Ela queria pegar a uva e não conseguiu, ai deixou de mão e foi embora”.
No final, em apenas uma frase ela tenta resumir toda a história, e deixa
de trabalhar com outras informações importantes do texto. No segundo texto, a
dificuldade foi maior, resumiu seu entendimento da história em apenas uma frase
simples, mas que não representa a síntese do texto: “eu entendi, o galo”.
Cla - Como a maioria das outras crianças da amostra, ela, para expressar
o significado das palavras, descreve mais a função como em: palhaço – “palhaço
que sempre faz a gente ri” – vaca – “de tirá leite pra nóis bebe”. No caso do palhaço,
tenta dar uma representação para ele, mas não indica o que significa a palavra.
Apresenta dificuldade para descrever a figura do menino. Ela não dá
muitas informações ao ouvinte, suas escolhas são pouco esclarecedoras.
(E) – Ele está dormindo, está aonde?
116
(Cla) – “Está acordado”. (E) – Mais uma dica. (Cla) – “Eu acho que ele tava na floresta”. (E) – Porque você acha que ele estava na floresta?
(Cla) –... (não consegue responder).
Cro - Em relação ao significado das palavras lidas, a criança não dá
informações que levem ao significado, mas sim à função da palavra lida, por
exemplo: bota – “bota é aquela que a gente calça no pé”, palhaço – “é aquele que
faz palhaçada”, braço – “braço é quando a gente agarra isso aqui, que a gente
escreve”.
Ale - quanto ao uso da função de linguagem representativa ou informativa
pela criança, ela emite significados parecidos com a maioria dos seus colegas,
utilizando mais a suas funções do que o significado como em: fogão – “pra fazer
bolo, por a panela no fogo”, navio – “andar dentro d’água”, abacaxi – “tem vez que a
gente chupa ele”.
Na interpretação dos textos, no primeiro momento, consegue apenas
nomear os personagens.
(E) – Você gostou da história? Quem são os personagens da história? (Ale).– “O galo e a raposa”. (E).– O que aconteceu de interessante que você achou? (Ale).– (pausa) “Bom...” (E).– O que aconteceu, o que a raposa queria com o galo? Ale) – (pausa)...
A entrevistadora insistiu por quatro vezes, modificando as perguntas, mas
ele não conseguiu dizer nada sobre o texto.
Ala - esta criança também tem dificuldade em dizer o significado das
palavras lidas, e descreve o uso ou a função do elemento lido, por exemplo: palhaço
– “palhaço? Ele vai no circo”, galinha – “é pra por no fogão pra fazer comida, matar
ela”. Quando perguntado onde a criança morava, ela diz: “perto do Plácido” (que é
uma Escola Estadual da cidade). Como ela usa o código restrito, essa informação
estaria inadequada supondo-se que a entrevistadora não conhecesse o local. Falta
informação para que possa representar o local onde mora.
117
Ana – como a maioria das crianças, ela teve dificuldade em informar o
significados das palavras que leu. Fez confusão com alguns conceitos, por exemplo:
fogão – “de comer alguma coisa”, bota – “um sapato!”.
Com relação à descrição da figura, não foi muito diferente da sua
interpretação do texto, também não apresentou riqueza de informação.
(Ana) – “Um sofá com corda amarrada e uma menina de joelho. Com cheio de árvore”. (E) – Que mais? (Ana)– “Um rio”. (E) – Mais alguma dica? (Ana) – “Não!”
And - essa criança foi a que apresentou o significado das palavras com
maior riqueza de detalhes, porém dentro de uma visão bastante peculiar, mas que
também falha quanto ao propósito de representar o significado do elemento. Por
exemplo: bota – “tem um pião que usa bota, tem menino, por exemplo, que dança
country”, fogão – “fogão é as pessoas adulta que usa o fogão pra fazer almoço, pra
fazer bolo, pão, chá”, navio – “é o navio que navega algumas pessoas que vão
viajar, que trabalha, é mari... É soldado que trabalha no navio”. Cadeira – “é onde as
pessoas senta pra é pra, onde é pra sentar no escritório, na escola, na diretoria,
numa reunião”. Sapato – “várias pessoas usa tênis, sandália, rasteirinha, chinelo pra
andar no pé, porque se anda descalço entra micróbio”.
Em relação à interpretação dos textos fez uma boa interpretação do texto
lido pela Entrevistadora “Maurício e sua turma” e respondeu corretamente as
perguntas. O primeiro texto leu, com dificuldade e não compreendeu. A
entrevistadora releu o texto, e And melhorou sua interpretação, inclusive quanto à
riqueza de informação e às suas escolhas. Repare:
1)depois da leitura dele:
(E) – Quem era o personagem principal dessa história? (And) – “A menininha”.
(E) – A menininha? Tinha uma menininha ai?
(And) – “Era a uva que...”. (E) – Onde estava a uva?
(And)– “Estava em cima da mesa e a menina queria tentar comer a uva”.
2) após a leitura da entrevistadora:
118
(And)– “Era uma raposa e a uva. Aí a raposa viu um monte de uva em cima de uma árvore e tentava, tentava pegar e não conseguiu, depois desistiu e foi se embora, falou que não queria mesmo come porque estava verde”.
No texto que ele tentou ler silenciosamente a sua interpretação piorou, não
fez uma boa leitura, dificultando assim a sua interpretação.
Na descrição da figura ele consegue fazê-lo com certa quantidade de
detalhes, e suas escolhas foram razoáveis apesar de algumas expressões serem
muito particulares como “roda cutia” com a qual ele nomeou a brincadeira de roda
entre uma moça e duas crianças, presente na figura.
Eli - A criança tem dificuldade em dizer o significado dos objetos ou
elementos lidos mesmo quando utiliza um tempo para pensar, outras vezes diz o
significado, mas não apresenta riqueza de informação.
(E) – O que significa bota? (Eli) -...(pensa por um tempo) “Sapatão”. (E) – O que é vaca? (Eli) – “Um animal”. (E) – Abacaxi, o que significa? (Eli) – “Uma fruta”.
Ao contar as histórias aparece a dificuldade em informar os detalhes da
história, e também de interpretação, com escolhas não apropriadas.
(E) – Quem são os personagens? (Eli) – “O burro e o leão”. (E) – O que aconteceu com o burro e o leão? (Eli) – “Eles encontraram, aí depois eles discutiram e foi”.
No segundo texto, na leitura silenciosa, ele escolheu “o galo e a pérola”,
sua interpretação foi melhor, apesar de confundir pérola com diamante.
(E)- Quem são os personagens dessa história? (Eli) – “O galo e a pérola”. (E) – O que é essa pérola? (Eli) – “Um diamante”. (E) - Na história, o que tem a ver a pérola com o galo?
(Eli) – “O galo tava caçando comida aí ele achou uma pedra”. (E)- Ele fez o que com a pedra? Ele comeu? (Eli) – “Deixou e foi procurar alimento”.
119
b) Função Heurística
Na análise da função heurística, o propósito foi observar se a criança
solicita ajuda durante a realização de uma atividade, ou se não compreendeu e quer
nova explicação. Abaixo, encontram-se alguns exemplos de perguntas feitas,
durante a atividade de descrição de figuras.
Bru – teve muita dificuldade em entender a atividade, e perguntou três
vezes o que deveria fazer: “o que tem na figura? Falar como? Tem uma... Pra falar o
desenho?” A criança não faz escolhas apropriadas, foi necessário a entrevistadora ir
questionando para que ela emitisse as respostas.
No caso de Bru, pela sua dificuldade na compreensão do que é lhe dito
durante uma atividade, acredita-se que nos momentos de aprendizagem escolar
necessite de uma atenção mais exclusiva da professora, no sentido de mediar o seu
aprendizado da leitura e compreensão do que está lendo.
Ala – Ao descrever a figura, apresentou escolhas inadequadas ao
contexto e forneceu pouca informação para o reconhecimento da mesma. Foi uma
das poucas crianças que fez perguntas.
(Ala) – “Tem uma árvore, tem um monte de árvore”. “Pode falar mais?” (E) – Pode! Se não, como eu vou descobrir? (Ala) – “Tem uma árvore que uma pessoa está agarrada”. (E) – Só? (Ala) – “Só”. (E) – Não tem mais nenhuma dica assim que você pode dar?
(Ala) – “E a pessoa tá com uma corrente de pau”. (era uma pulseira de madeira).
Cri – . Na descrição da figura, pediu para repetir, ficou empolgada com a
atividade como se fosse uma brincadeira: “acertou! Mais uma vez, tia!” Sua
descrição não apresentou riqueza de informação, suas escolhas nem sempre foram
as mais apropriadas para o momento.
(Cri) – “Tem um mar”. (E) – Um mar? Que mais? (Cri) – “É tem um guri ali, e uma caixa”. “E tem mais uma coisa, é pra eu falar tudo?” (E) – Vai falando até eu adivinhar. (Cri) – “E tem uma cadeira”.
120
Ada - fez perguntas no momento de descrever a figura de um bebê,
queria saber como dar as informações sobre a figura.
(Ada) – “É um nenê”. (E) – Um nenê? (Ada) – “Pode dar a dica assim, quando ele é pequeno, assim , alguma coisa?”
Luc – Na descrição da figura, notou-se que a criança apresenta uma fala
fanhosa, às vezes, gagueja um pouco, uma fala de difícil compreensão. É
necessário repetir a explicação, pois ela escolhe e mostra a figura para a
entrevistadora. Fica ansioso, inicia a descrição e já quer passar para outra figura.
Parece que a criança tem dificuldade de compreender a linguagem utilizada pela
entrevistadora.
(Luc) – Um guri e um barco. (E) – O quê? (Luc) – Um guri e um barco entrando no mar. (E) – Ah, entrando no mar! (Luc) – Escolher outra? (E) – Que mais? Não, só essa. (Luc) – Tem o mar, é algumas cores ta pintado o barco, a táuba.
c) Planejamento Verbal
Neste item, buscou-se observar se as crianças, através de pausas durante
a sua fala, demonstraram utilizar um tempo para planejar, expressar-se de forma
coerente e adequada à descrição da figura ou na interpretação do texto.
Exemplos de planejamento verbal
Nay – Na interpretação do texto, mesmo parecendo utilizar um tempo para
pensar, não faz uma escolha adequada,
(E) – Ah, ela conseguiu comer? (Nay) –... (tenta ler novamente) “Ela tá ligando, era a uva”. (o texto original dizia: eu nem estou ligando para as uvas. Elas estão verdes mesmo).
Luc – Na interpretação das histórias que leu, Luc tem dificuldade em
descrever o que leu, mesmo utilizando um tempo para pensar e tentar reler parte do
texto.
(E) – O que fala a história? (Luc) – Encontrou o caminho, e ele foi pro caminho e na curva viu o leão. (E) – Você lembra o que ele falou pro leão?
121
(Luc) – (tenta retomar a leitura, pensa um pouco).. .Presunção dos tolos, o leão... Olhou bem...
Aqui ele faz uma pausa e não consegue mais dizer o restante do texto.
Nesse momento, se a entrevistadora fizesse uma mediação, ajudando-o a retomar a
história, provavelmente ele teria melhorado a sua interpretação. No segundo texto,
consegue dizer apenas parte da história, porém, de forma confusa.
Ada – Quanto aos textos, como teve muita dificuldade em ler, a
entrevistadora releu para que ele pudesse interpretar; ainda assim, suas escolhas
não são apropriadas mesmo utilizando um tempo para pensar, como vemos no
exemplo:
(E) – Ficou mais fácil agora? (Ada ) –“O cão viu o reflexo dele na água, ele foi olhar par a baixo e o osso caiu da boca dele, ai ele...” (E) – O que aconteceu com o osso? (Ada) – “Aí ele, aí falou dois pássaro voando e voltou”.
Cla – Em relação à interpretação dos textos, o que se nota é que ela tem
dificuldade nas suas escolhas, apresenta poucas informações, apesar de fazer
pausas para pensar.
(E) – De que fala a história, o que tem a raposa a ver com a uva? (Cla) – A raposa é... Tava com vontade de comer a u va. (E) – E ela conseguiu? (Cla) – Conseguiu. (E) – Como ela fez para pegar a uva? Onde estava a uva? (Cla) –... (E) – Ela sabia onde estava a uva? Como ela fez para pegar? (Cla) – Tinha uma peneira... (parreira).
Cro – Quanto à interpretação dos textos, suas escolhas não se
apresentaram apropriadas, mesmo quando ela utiliza um tempo maior para pensar,
como em:
(E) – O que aconteceu com a Terezinha? (Cro) – Ela deu a mão pro primeiro que não tinha pai, deu a mão pro segundo, deu a mão pro segundo que não tem irmão, o terceiro foi aquele que não teve, assim... Que não conhecia ninguém, então ela ajudou.
No segundo texto:
(E) – Onde é que estava a uva? (Cro) – “A uva...” (demora bastante) (E) – Estava em algum lugar a uva? (Cro).– “... Ah, a uva tava num... Embaixo de uma pa... p areira...” (E) – Uma parreira né. E aí, ela conseguiu a uva?
122
(Cro) – Não!
Ala – Na interpretação dos textos apresenta muita dificuldade, faltando-lhe
clareza. Demonstra falta de entendimento do texto lido, mesmo quando utiliza tempo
para pensar.
(E) – O que aconteceu com a Terezinha? (Ala) – “A Terezinha ela... De uma... Ela foi ao chão”. (E) – Quem eram os três cavaleiros? (Ala) - “Foi é o... Era... Os três era o pai, o irmão e... A quele que... Tereza... “
No segundo texto: (E) – O que tem o galo a ver com a pedra? (Ala) – “Ele... ele tava... ele tava muito triste, aí um dia ele falou que ele foi... pé....pérula. aí...ficaram feliz mais... par a mim uma pérola de nada seria... ontem... amém... enquanto a lguém...”
Ana – Quanto à interpretação dos textos, fica claro a desorganização do
pensamento, gerando escolhas não apropriadas, como se vê nas suas falas, mesmo
que utilizando tempo para pensar.
(E) – O que está dizendo a historinha? (Ana) – “Toma do irmão dele depois o terceiro na mão o chapéu, esse era o cavaleiro”.
No segundo texto: (E) – Como chama a historinha? (Ana) –“A raposa e a uva. “ (E) – O que falava a historinha? (Ana) –“... Da peneira”. (E) – O que era a peneira? (Ana) – “... Deus”.
Car – Às vezes, ao descrever a figura, utiliza tempo para pensar, apresenta
muitas informações, mas muitas delas são incorretas.
(E) – Pode ir falando, tem que fazer com que eu descubra qual você escolheu. (Car) – “Uma figura de um menino... É ele tá rindo na foto, tá em cima de um... Sentado no banco, os olhos dele é castanho, ele é branquinho”. (não tem banco na foto, aparece apenas o rosto e os ombros da criança). (E).– Que mais? (Car) – “Ele ta abrindo a boca pra tirar o sono, ta de blusa azul com amarelo. Só!” (a criança apenas esboça um leve sorriso). (Car) – “Ele não tem muito cabelinho”.
Emi – Após a explicação da entrevistadora, Emi manipula as figuras,
escolhe uma delas, mas descreve outra figura. Primeiro, ela diz ter entendido a
123
explicação, mas na hora de começar, diz não ter entendido. Parece planejar
mentalmente, mas a resposta não é clara e não tem riqueza de informações, como
em:
(E) – Mais alguma detalhe? Olha bem, eu não consegui achar aqui. Emi) – (demora um pouco, olha para o biombo, olha novamente a figura) “Ele é amarelo”. (E) – O que é amarelo? (Emi) – “O barco!”
Wil – Na descrição da figura, em um momento percebe-se que ele utiliza
um tempo para pensar quando diz: - “tem um balanço... tem muitas árvores, tem
um rio atrás”, porém, é interessante salientar que a criança descreve o fundo e não
a figura central. Quando solicitado pela entrevistadora mais uma dica, torna a dar
uma referência secundária que nem mesmo está explícito na foto – “tem grama ”.
Em suas outras respostas, não aparece a figura feminina presente na foto, que é a
central na cena.
(Wil) – “Tem um sol lá atrás, ta aparecendo só uns pinguinhos”. (Wil) – “Tem o balanço, e o sofá, mas o sofá não ta no balango não”.
Portanto apesar de sua fala espontânea trazer várias informações, esta
mostra-se incompleta e suas escolhas não são apropriadas.
Jsi – Durante a atividade de descrição da figura, atrás do biombo, na hora
de falar, faz caretas, põe a língua para fora, aparenta uma certa tensão quando a
entrevistadora solicita mais informações.
(Jsi) – “Só!” (E) – Não tem mais nada assim para você dar uma dica para mim? (Jsi) – “Tem outros pezinhos de árvore só”. (E) – E a moça, como é essa moça? Ela está sozinha ou tem mais alguém?
(Jsi) – (põe a língua para fora e demonstra tensão facial) “Tá sozinha”.
(E) – Como é que ela é? (Jsi) – Ela é morena de cabelo liso...E ta com uma pulseira no braço
Portanto, a criança apresenta dificuldade nas escolhas, sua fala
espontânea não apresenta riqueza de informação, e no momento do planejamento
verbal a criança demonstra tensão.
Cro – Na descrição da figura se mostra confusa com dificuldade na
escolha dos termos adequados. Em alguns momentos parece fazer o planejamento
124
verbal, mas não consegue dar muitos detalhes da figura. Cro escolheu para
descrever a figura do bebê, e o faz da seguinte forma:
(Cro) – “É, tá mostrando uma... Ah de longe assim, meio de longe, tá mostrando umas negócio assim tudo verde, ah, tem assim tipo rino assim”.
(E) - Uma pessoa? (Cro) – “É”.
(E) - E como é essa pessoa?
(Cro) – “Ela é pequena”. (E) - Ah, é pequena, não é moça então? (Cro) – “É pequena, é branco, ih...tá cum...ta tipo rino com a boca aberta...”
As crianças, sujeitos do estudo foram colaboradoras e agiram com
naturalidade às atividades individuais propostas pela entrevistadora. Algumas das
crianças reagiram à atividade 9 da descrição da figura, como se fosse uma
brincadeira de adivinhação, talvez por ter sido a atividade mais lúdica.
No quadro 20, foi realizada uma síntese dos dados obtidos a partir da
avaliação da linguagem oral, utilizando as atividades que foram descritas
anteriormente, na tentativa de realizar uma análise qualitativa dos dados.
Quadro 20 – Avaliação da linguagem oral das criança s
crianças Função representativa ou
informativa Funç ão Heurística Planejamento Verbal
Total Ativ. 7 Ativ. 8 Ativ. 9 Ativ. 7 Ativ, 8 Ativ. 9 Ativ. 7 Ativ. 8 Ativ. 9
a b c a b c a b c a a a a a a Emi 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 1 3 2 3 20 Nay 1 2 2 2 1 1 1 2 2 1 1 1 3 3 2 25 Car 1 2 2 2 2 2 1 1 1 1 1 1 3 1 2 23 Luc 2 2 2 2 1 1 2 2 2 1 1 3 2 3 2 27 Lui 1 1 1 2 2 2 1 1 1 1 2 1 1 2 1 20 Wil 2 2 2 1 1 1 2 2 2 1 1 1 2 1 3 24 Ada 2 2 2 2 1 1 2 2 1 1 1 3 1 3 3 27 Bru 2 1 1 1 2 1 2 2 1 1 1 3 1 1 1 21 Cri 2 1 1 2 1 1 1 2 1 1 1 3 3 2 3 25 Gra 1 1 1 2 2 1 2 2 1 1 1 1 1 3 1 21 Jsi 1 1 1 2 2 1 2 2 1 1 1 1 3 1 3 23 Cla 1 1 1 1 1 1 1 1 2 1 1 1 1 3 3 20 Cro 2 2 1 2 1 1 1 2 1 1 1 3 1 3 3 25 Ale 2 1 1 2 2 1 1 1 1 1 1 1 3 3 3 24 Ala 2 1 1 2 1 1 1 2 1 1 1 3 3 3 3 27 Ana 2 1 1 1 1 1 2 2 1 1 1 1 3 3 3 24 And 2 3 3 2 2 1 2 2 2 1 1 1 3 2 3 30 Eli 2 1 1 2 2 2 2 2 1 1 1 1 3 1 3 24
Nota: Função representativa ou informativa : a) fornece informações precisas, b) apresenta riqueza de informação, c) apresenta uma escolha apropriada. Função heurística: a) se solicita ajuda através de perguntas pertinentes ao contexto. Planejamento verbal: a) utiliza um tempo para pensar. Escores: máximo – 45, médio – 30 e mínimo – 15 Legenda: sim – 3 , ás vezes – 2, não – 1
125
Os resultados da análise do Quadro 20 indicaram que todas as crianças
apresentaram um total igual ou abaixo da média, embora bem acima do mínimo.
As análises realizadas através da fala das crianças em contextos
diferentes e utilizando vários instrumentos, nos indicaram grandes semelhanças
entre as crianças pesquisadas.
Com relação ao uso da função da linguagem representativa e/ou
informativa, nenhuma das crianças deu informações que de fato levassem ao
significado das palavras lidas. Utilizavam mais freqüentemente a função do objeto ou
elemento para explicar o seu significado, ao invés de descrever suas características
mais genéricas. Isso não quer dizer que não conheciam a palavra lida, mas sim que
suas escolhas não foram apropriadas à explicitação do significado das palavras.
Apenas And apresentou escores maiores em relação à riqueza de informação e
escolhas mais apropriadas.
Em face da vivência escolar das crianças que já cursavam a I fase do II
Ciclo, na faixa etária entre de 9 e 13 anos, a expectativa era a de que pudessem
descrever as figuras através de características já aprendidas e vivenciadas no
currículo escolar, ou no seu cotidiano, como no caso da palavra braço, parte do
corpo humano, matéria dos currículos de ciências. O mesmo pode-se dizer sobre os
animais como a vaca e a galinha, que são animais próximos da realidade rural da
metade das crianças do estudo.
No item específico de solicitação de ajuda, no momento da realização da
atividade, seis crianças pediram ajuda através de perguntas para a entrevistadora. O
resultado indica que as demais crianças têm dificuldade de solicitar ajuda do adulto.
A pouca solicitação de ajuda por parte da criança também foi notada nas filmagens
da sala de aula, o que indica, que a função heurística da linguagem, descrita por
Halliday, é pouco usada pela criança.
A atividade 9 foi a que mais promoveu a mobilização da função
heurística.
Quanto ao planejamento verbal, observou-se que, na maioria das
crianças, esse tempo avaliado através das pausas, ou mudança repentina de
assunto, ou como Cri, “e tem mais uma coisa... que mais?” Que fala como se
estivesse falando consigo mesma, expondo o seu pensamento verbalmente, não foi
suficiente para que as crianças fizessem escolhas apropriadas ao solicitado.
126
Em relação à avaliação da escolha ser ou não apropriada nota-se que a
maioria das crianças utiliza uma linguagem própria do grupo social como: “guri”,
“roda cutia”, fofo, bracinho, Assembléia (referindo-se à igreja), Plácido (referindo-se
à escola), “pau de árvore” (galho), “tá tipo rino” (está sorrindo), e outros.
O Quadro 21 apresenta uma síntese dos resultados da avaliação no
tocante à leitura.
O quadro 22 refere-se à síntese dos resultados da avaliação da leitura e
da linguagem oral das crianças.
Quadro 21 – Síntese dos resultados da avaliação da leitura
Atividades
Sujei tos
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
*
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Ava
liaçã
o da
leitu
ra
Leitura
emergente
(9 – 6 – 3)*
(24 – 16 – 8)*
Ativ
idad
e 1
7
8
8
9
8
7
7
8
7
8
8
7
8
5
7
6
9
5
Ativ
idad
e2
22
22
24
24
20
22
22
22
24
22
14
20
22
22
24
22
24
22
Leitura Inicial
(6 – 4 – 2)*
(3 – 2 – 1 )*
Ativ
idad
e 3
3
4
4
6
6
5
4
4
6
4
4
4
5
4
5
4
6
4
Ativ
idad
e 4
2
3
2
3
3
3
3
3
2
3
2
3
3
3
3
3
3
3
Leitura intermediária
(63 – 42 – 21)* A
tivid
ade
5
42
46
47
46
58
51
33
56
*
55
39
44
43
54
52
49
40
59
Total –Leitura (105-70-35)*
76
83
85
88
95
88
69
93
39
92
67
78
81
88
91
84
82
93
Nota: * Representa os valores dos escores máximo, médio e mínimo, na atividade.
127
Quadro 22 – Resultado Geral da avaliação de leitura e de lingua gem
Resultados Sujeitos
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Cri
*
Gra
Jsi
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
Total Leitura (105-70-35)*
76
83
85
88
95
88
69
93
39
92
67
78
81
88
91
84
82
93
Total Linguagem (45- 30 - 15)*
20
25
23
27
20
24
27
21
25
21
23
20
25
24
27
24
30
24
Total Geral Escores (150-100-50)*
96
108
107
115
115
112
96
114
44
113
90
98
106
112
118
108
112
117
Nota: * Representa os valores dos escores máximo, médio e mínimo, na atividade.
Nos resultados encontrados, nota-se que na somatória geral de linguagem
oral e leitura, apenas cinco crianças ficaram abaixo da média (Emi, Ada, Cri, Jsi e
Cla), sendo que o índice mais baixo foi de Cri, por ela não ter conseguido ler os
textos.
Apenas 4 crianças (Lui, Bru, Ala e Eli) apresentam escores mais altos,
porém não muito próximo do máximo. Entre eles, Lui e Eli apresentam um
rendimento melhor em leitura, mas ficam abaixo da média em linguagem oral. As
outras duas crianças também têm escores menores em linguagem oral, próximo da
média.
No geral os números indicam que as crianças apresentaram escores
melhores em leitura do que em linguagem.
Com a explicitação dos dados das crianças em relação à linguagem oral,
fechou-se o ciclo das análises das atividades realizadas com as crianças da
amostra.
Na seqüência serão apresentados os dados e resultados obtidos através
da entrevista, com os pais ou responsáveis pelas crianças, que possibilitou um
resgate e um conhecimento de particularidades do desenvolvimento e aprendizagem
dos sujeitos do estudo.
128
3.3. Os fatores de mediação da aprendizagem da famí lia e da escola
Com a finalidade de atender ao segundo objetivo específico de conhecer
os fatores de ajuda acionados pela família e pela escola no processo de
desenvolvimento das crianças com dificuldades de aprendizagem da leitura e da
linguagem oral, esse tópico, em específico, objetiva descrever os resultados e
análise referentes à mediação da família, através da análise da entrevista e da
mediação do professor pela análise das filmagens em sala de aula.
3.3.1. A família na mediação da aprendizagem
A mediação da família no processo de aprendizagem da criança foi
identificada através da entrevista realizada na escola ou na residência das pessoas
entrevistadas. Além das perguntas incluídas no roteiro, foram exploradas outras
informações que resultaram nos fatores de mediação definidos no estudo. Contudo,
esclarecendo, na verdade, os fatores foram definidos após a realização da
entrevista, e da transcrição das respostas e fala das mães ou responsáveis, enfim,
com os dados já existentes.
Antes, porém de se averiguar os fatores de ajuda da família, considerou-
se relevante verificar se as famílias têm ciência das dificuldades das crianças.
Deste modo, após o levantamento com base nas transcrições realizadas,
pôde-se constatar que todas as pessoas entrevistadas, mãe, pai ou responsável,
demonstram ter consciência da dificuldade escolar das crianças do estudo,
conseguem identificar que a criança não tem um bom desempenho escolar, como a
mãe da Ala, do Eli, da Emi, do Luc, e do Wil, a avó da Nay, o pai da Cro, por
exemplo:
(E) - Como é que ela é na escola? (M) Ala - “Ela assim, no começo até agora ela está muito fraca né, ela não tá apresentando direito né, to achando ela assim muito parada né”. (E) - A dificuldade maior dela é no que? (M) Ala - Na leitura. Assim, prestar atenção essas coisas né, na leitura dela, conhecer letras, essas coisas né, ela não ta desenvolvida. (E) - A dificuldade maior dele que você vê é a matemática, o português, o que é? Qual é a mais difícil pra ele que você acha?
129
(M) Eli – “Ah, o mais difícil dele é... Ele lê, mas só que ele lê muito devagar né”.
(E) - E contar o que ele leu, ele lembra ou tem dificuldade de lembrar ou de entender?
(M) Eli – “ele tem dificuldade!”
(M) Emi – “Às vezes a gente ensina uma frase, ou tem vez que eu paro pra ensinar ela a ler, quando dá meia hora faz uma pergunta pra ela e ela não sabe o que está escrito”. (M) Luc – “Ah, ele ta muito fraco, ele não está lendo direito, ele está com muita dificuldade aqui na escola, direto eu venho e converso com a professora, muito pela idade dele”. (E)- Está com nove né?(M) Luc – “Ta com nove, ele ta lendo assim, ele lê, só que ele lê gaguejando, só que ele é bom de matemática, matemática ele é bom”.
(M) Wil – “Eu acho ele um pouco lento para a leitura, a base de português, inclusive ele tem aquela dificuldade com a dicção, eu noto, ele tem a dificuldade de ler uma palavra mais complexa, ele já sabe, mas sabe como é, é só preguiça talvez, talvez não seja só preguiça né?” (E) - Como é a leitura dela? (A) Nay – “Ela é toda... Sei lá, gaguejando, ela lê um pedaço assim,
mas você não entende o que ela lê, não entende, é difícil”.
(E) - Como é a leitura dela? (P) Cro – “Fraca”. (E) - Mais fraca que jeito, qual é a maior dificuldade dela? (P) Cro - “Pra ler ela tem dificuldade um pouco mais lê”.
Os familiares reconhecem as dificuldades, porém, quanto à mediação do
conhecimento pela família, nem todos ajudam as crianças.
Foram detectados dois tipos de fatores de ajuda da família : a) realizado
pela própria pessoa, e b) realizado por outra pessoa. Entre esses fatores
encontramos formas diferentes de ajuda como: ensinar a ler, tomar tabuada, pedir
para a criança ler, procurar saber se está dando conta das tarefas, por a criança
para estudar, incentivando a criança para o estudo.
130
a) fatores de ajuda das mães ou responsáveis pela c riança :
(E) - Como a senhora vê o desenvolvimento escolar da Gra, como ela está na escola? (M) Gra – “Mal, às vezes, eu vou ensinar ela, acabo né... Ela não presta atenção”. (E) - Qual a dificuldade maior dela é na leitura, na escrita, é no quê? (M) Gra – “É na escrita, ela não conhece todas as letras ainda, às vezes, ela vai escrever, ela tá, ela gosta de cantar, e aí, ela fala – mãe eu vou fazer uma música pra mim cantá, uma música minha. E ela começou a escrever, aí eu fui lê, têm muitas palavras que ela troca as letras, E pra lê ela lê, mais não muito bem também”. (a mãe lê o que a criança escreveu) (M) Cla/Ana - “Agora todo dia eu saio, vou pra lá, hora que chegar eu quero tomar tabuada, quero vê se ta dando conta pego o caderno e quero saber, pego o livro pra lê e estuda, é assim agora. Agora, esses dias pra cá peguei mesmo no pé delas, né, tão estudando”. (mãe toma a tabuada) (E) - E aí, ele lê um texto, ele entende o que ele lê? (M) Ale - Ah, explicar as coisas ele não explica né, só se eu mando ele lê... Aí, eu quero que ele lê pra mim Vê né se eles tão lendo bem, se estão entendendo bem. A leitura que a professora passa pra eles, a tarefa né deles também tem que lê pra fazer tudo direitinho né, aí ele lê. Lê pra fazer ponto pra ele, ele não quer que ninguém ensina ele, ele que quer fazer sozinho né. (manda-o ler para ver se está lendo bem)
A avó de Car, ao ser perguntada sobre o que gostam de fazer
quando não está trabalhando, respondeu:
(A) Car - “Nós gosta de assistir filme, ele estuda, eu gosto de por ele para estudar tabuada, lê um pouquinho, ele tem que lê pra mim vê se ele já tá sabendo. Eu coloco”. (põe a criança para estudar tabuada)
Ou no caso de Lui, que desde o início da escolarização apresentou
problemas, passou por avaliações médicas e por várias escolas, mas que apesar
disso sempre houve tentativas de incentivo da mãe, como a mesma relata:
(M) Lui - “Ah, na escola ele é bem complicado, ele tá muito atrasado e quando ele foi pra fazer o pré, ele fugia da escola, às vezes eu ficava lá junto com ele, sentava do lado dele pra ver se ele copia as coisas na escola, mas ele abaixava a cabeça na carteira e falava
131
que não ia copiar mais, não copiava”. (ficava ao seu lado incentivando)
b) ajuda de outras pessoas :
Em alguns casos, observamos que a mãe se preocupa, mas ao mesmo
tempo percebe sua impotência diante do problema, não sabe como ajudar, e tenta
então buscar ajuda com outra pessoa.
(E) – Ela dá conta de ler? (M) Emi – “Bem pouco assim, tem uma dificuldade bastante, às vezes, até penso em contratar uma professora particular pra dar aula pra ela, pra vê se ela desenvolve mais né”. (pensa em procurar um professor particular)
(M) Cri – “Ai! Eu sinceramente assim... ela... Eu acho assim que ela tem uma dificuldade imensa, dificuldade mesmo de aprender. Aí eu tava com uma professora particular pra ela, ai ficou, a menina não pode mais vir, mas ela tava indo muito bem com a Fabiana, ela até estuda aqui”. (contratou um professor particular)
Em outras situações de mediação, as pessoas, ao invés de mediarem a
aprendizagem, acabam por resolver as atividades para a criança, não alcançando o
efeito esperado na zona de desenvolvimento proximal. Por exemplo:
(E) – Como é que a senhora vê o desenvolvimento dela na escola? Quais as dificuldades que a senhora observa? Ela tem dificuldade? (A) Nay – “Tem, ela tem porque quando chega em casa assim dever pra ela, tarefa pra ela, é a maior dificuldade pra irmã dela fazer, a menina fica ensinando ela, ensina, fala, explica e ela... Vixe, a menina às vezes tem que faze, tem que pega e fazer porque senão vem tudo sem fazer, tudo errado, é difícil porque a gente fala, a gente ta conversando com ela, ta orientando ela, a menina às vezes, pega brinca de escolinha, tudo pra vê... Brincando, mas ela sempre é...” (outra pessoa da família ajuda e faz a tarefa pela criança)
Em outra situação, observamos que a criança percebe claramente a sua
dificuldade e que sozinha não consegue resolver o problema, precisando, portanto,
de um mediador. Por exemplo, no caso de Jsi
(M) Jsi – “É às vezes ela tem vontade de querer fazer aquele negócio ela fala – mamãe oh, quer ver como é esta tarefa é? Olha mãe pra senhora vê, eu errei por causa disso aqui oh, essa letrinha oh, eu não sei o que é isso. Ai eu vou, leio pra ela e ela fala assim –
132
ai, se tivesse uma amiguinha lá junto comigo, ia lê , eu sabia fazer, mas eu não sei porque eu não soube ler. Ai a dificuldade dela é a leitura, eu olho pra ela assim, eu vejo aquela vontade, se ela aprender a ler aprende a fazer um bocado de coisa”.
Na maioria das vezes, a tentativa de mediar é realizada por uma prima,
um primo, um irmão, crianças que estão também estudando e que vão tentar suprir
as dificuldades dos pais em mediar, pois a maioria dos pais não estudaram ou
apresentam baixo grau de escolarização. Por exemplo:
(M) Jsi – “Bom ela ta assim no negócio de escola assim, ela é bem assim... Ela tem bastante persistência de vontade ela ta melhor que o Jos que tem aquela dificuldade de não querer, Jos tem aquele negócio de não querer, ela já tem vontade de querer. Que nem as leituras que ela ta desenvolvendo agora, a leitura que ela ta sabendo alguma coisinha , algumas palavras foi a prima dela que ensinou pra ela, então ela todo dia ela fazia assim, a prima dela passava ai ela falava: - Jeize você me ensina tal coisa? Ai Jeize vinha, lia um texto pra ela, às vezes lia duas vezes, ai ela ia e falava sobre aquele texto - é assim e assim, assim, ai ela falava que era. Então ela não tem aquela dificuldade, ela tem vontade”. (a prima ensina para a criança)
Podemos inferir, diante do exposto, que a mediação familiar, algumas
vezes, ocorre e em outras não, mas a maioria das famílias tem dificuldades em
mediar a aprendizagem escolar, apesar de terem ciência das dificuldades das
crianças e se preocuparem com a educação dos filhos.
Observou-se também que existem alguns fatores externos e internos que
podem estar interferindo na aprendizagem, interferindo também na mediação
familiar.
Como externos pode-se citar: a falta de escolarização dos familiares; o
fator econômico e social que pode inviabilizar o acesso a materiais de leitura ou
instrumentos de apoio à escola; um convívio familiar, social e religioso, restrito a
grupos específicos, impedindo que a criança tenha um contato mais efetivo com uma
linguagem mais universalista.
Podem ser relevantes os seguintes fatores internos: capacidade de
atenção, memorização, problemas emocionais, de fala, desenvolvimento intelectual,
entre outros, que transparecem através da fala da mãe ou dos responsáveis durante
a entrevista, e que não serão tratados em específico neste trabalho.
133
Quadro 23 – Mediação da família
crianças
Local da mediação Modo de mediação
Total Interno à família
(2)
Externo à família
(1)
Não ocorre mediação
(0)
Age sobre o
processo
(2)
Age mas não sobre
o processo
(1)
Não age sobre o
processo
(0)
Emi * - - 0 - 0 - 0 Nay 2 - - 2 - 4
Car** 2 1 - 2 - 5 Luc - 1 - 2 - - 3 Lui 2 - - - 1 - 3 Wil - - 0 - - 0 0 Ada 2 - - 2 - - 4 Bru - - 0 - - 0 0 Cri - 1 - 2 3 Gra 2 - - - 1 - 3 Jsi - 1 - 2 - - 3 Cla 2 - - - 1 - 3 Cro - - - - - 0 0 Ale 2 1 3 Ala - - 0 - - 0 0 Ana 2 - 1 3 And - - 0 - - 0 0 Eli 2 - - - 1 - 3
Nota: Escores: máximo – 5, médio – 2,5, mínimo – 0 *Mãe de Emi pensa em contratar um professor, mas não diz ter contratado. **Avó cobra que ele estude tabuada e também junto com Luc, participa do Programa “BB Educar” 7
Os resultados da mediação da família indicam que 66,6% das famílias
(correspondendo à 12 crianças, Nay, Car, Luc, Lui, Ada, Cri, Gra, Jsi, Cla, Ale, Ana,
Eli), têm apresentado tentativas de mediação simples. 33.3% das famílias
(relacionado à 6 crianças, Emi, Wil, Bru, Cro, Ala, And), não demonstraram mediar a
aprendizagem das crianças.
O fator de ajuda da família, relacionado ao aprendizado escolar, ocorre,
portanto, em pouco mais da metade das crianças sujeitos da pesquisa, uma ajuda
simples, voltada mais para o incentivo do que propriamente para o ensino e
aprendizagem. As outras famílias mesmo não demonstrando nenhum fator de ajuda,
apresentaram visíveis preocupações com os problemas de aprendizagem das
crianças.
_________________
7. Programa BB Educar – programa assistencial, em parceria Banco do Brasil e Prefeitura Municipal, de atendimento à crianças carentes ou em fator de risco, com atividades esportivas, lazer e reforço escolar.
134
3.3.2. Resultados e análise das observações em sala de aula, a mediação
professor/aluno
Para facilitar a explanação dos resultados e análise das filmagens em sala
de aula, serão observados dois tópicos: a relação professor/aluno em sala de aula,
descrito em 5 itens, e a leitura em sala de aula descrita em 4 itens.
As observações in loco foram filmadas e transcritas, sendo que e os dados
coletados transpostos para um quadro, facilitando assim a visualização dos dados,
selecionando-se cinco itens principais para a análise da relação professor e aluno,
sendo eles: 1) se o professor fala com a criança; 2) se ele dá algum tipo de
explicação para a criança; 3) apresenta atividades diferenciadas; 4) solicita ajuda da
criança; 5) elabora perguntas à criança.
1) Se o professor fala com a criança com dificuldad e de aprendizagem
Analisando o primeiro item “se o professor fala com a criança ”, o que se
observa é que duas das professoras, A e B, foram as que mais falaram com as
crianças. A professora A falou com Emi cinco vezes e com Nay nove vezes. A
professora B, também falou bastante com as crianças, porém mais com umas do
que com outras, com maior freqüência com Lui (oito vezes) e com menor freqüência
com Wil (1 vez), o qual, como pudemos perceber, também era o mais calado entre
as quatro crianças, sujeitos da pesquisa, desta sala de aula.
As outras três professoras apresentaram uma baixa freqüência de fala
com as crianças do estudo, principalmente a professora C, que falou somente uma
vez com três das crianças e nenhuma com as outras.
Um dado importante relacionado a este item da observação é que tanto as
professoras que falaram mais como as que pouco falaram não falaram algo de
significativo, que pudesse estar acrescentando novos conceitos ou relevantes para o
aprendizado das crianças. Citando alguns exemplos temos:
(Nay) – “Vou copiar esse lá oh”. (A) – “só copia aquele, deixa o outro lado tá”. (B) – “Vamos Lui, vamos! Vamos cantar Lui!” (B) – “Olha a letra do Luc como está melhor hoje, oh! Caprichou! Gostei de sua letrinha viu Luc!”
No exemplo, observa-se falas corriqueiras, sem nenhuma função de
aprendizagem. Normalmente a professora se dirige à criança para solicitar sua
135
atenção, repreender quando não está prestando atenção ou fazendo a atividade, por
exemplo:
(D) – “Cla, venha!” (Chamando a criança para entrar na roda e participar da atividade).
Ou quando em:
(E) – “Vamos começar a correção no quadro ta, quem terminou no caderno traz para mim. (chama And para resolveu um problema, ele não quis ir ao quadro, sua colega de carteira também não)”.
Tabela 1 – Fala com a criança
Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes) E
mi
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
1) Fala com a criança
4 9 5 7 8 1 1 - 1 - 1 3 - 1 - - 3 -
2) Se o professor dá algum tipo de explicação para a criança com
dificuldade de aprendizagem
Descrevendo agora o segundo item “ da explicação para a criança ”,
esclarecemos que este está voltado para a observação da professora relacionada
aos conteúdos trabalhados, se a professora busca explicar melhor quando a criança
não entende algo, ou se solicita sua ajuda na resolução de algum conteúdo não
compreendido.
Neste item, apenas a professora A dirigiu-se uma vez a Emi e duas vezes
a Nay; a professora B, uma vez a Car e Wil e duas vezes a Lui; e a professora E,
apenas 1 vez a Eli. As outras não apresentaram nenhuma manifestação de ajuda às
crianças.
No caso da Nay, a professora vai até a sua carteira e diz:
(A) – “Nay, você quer que eu leia junto com você de novo?”
A professora pergunta como ela faria, explica, mas a criança parece não
entender. A professora passa em seguida para a carteira de Emi. Com a Emi, a
professora tenta ajudar, mas depois delega a função para a colega sentada ao lado
da criança.
A professora insiste com Emi:
136
(A) – “Emi, leia a lista que você fez. Ela se recusa. A professora insiste: - algumas palavras que você não souber a Raí ajuda, vamos! (uma colega fala para deixar a Raí ler) Não, a Emi ela vai ler, ela que tem que fazer, cadê o seu, a lista que você fez?... O que está faltando Emi? Raí, você vai ler junto com ela e ver o que está faltando”.
A Professora B procura ajudar Wil quando ele vai ao quadro resolver um
problema de matemática.
(B) – “Número um, leia Gab para ele, bem alto Gab. (ele começa a fazer no quadro e a professora ajuda) falta um zero h! Vamos colocar a resposta, o que está perguntando lá, tem gente que está respondendo sem ver a pergunta, leia a pergunta. (após a leitura) Isso, qual o valor de cada prestação? Vamos por a resposta aqui embaixo para não ficar misturada com a outra”.
A professora B foi uma das professoras que mais falou com as crianças,
como também a que mais tentou dar explicações, mas neste caso temos um fator
importante a ser considerado que era o número de alunos, 16 presentes nos dois
dias de observação na sala de aula, tendo o menor número de alunos em relação às
outras salas de aula pesquisadas.
Outra questão que levantamos é que as explicações foram de curta
duração e pareceram não esclarecedoras para a criança em alguns casos, por
exemplo:
A professora pergunta quando olha o caderno de Lui:
(B) - “Do que fala o texto, Lui?”- “Sobre o caderno”. – “Você colocou o nome do escritor”. – “Quem é o personagem principal do texto Lui?” “Lê a pergunta porque você não leu direito”.
A professora fica um tempo frente a Lui, perguntando e questionando suas respostas.
(A)– “O que você respondeu? Quando você não entende, você lê de novo, porque se não entende não faz. Agora lê a outra”. (neste momento a professora vai até a entrevistadora e diz que a criança tem muita dificuldade de compreensão).
Tabela 2 – Dá explicação para a criança
Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes)
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
2) dá explicação para a criança
1 2 1 - 2 1 - - - - - - - - - - - 1
137
3) Se o professor apresenta atividades diferenciada s para as crianças com
dificuldades de aprendizagem
Em relação ao terceiro item, “apresenta atividades diferenciadas ”,
apenas uma professora apresentou uma atividade diferenciada para as crianças com
dificuldades de leitura. A professora A, realizou uma atividade sobre o tema
“Dengue”e uma produção de texto em duplas, a partir de alguns objetos que ela foi
apresentando para as crianças. No caso específico das duas meninas da amostra,
ela explicou que elas poderiam em vez de fazer frases, apenas escrevessem uma
lista com o nome dos objetos apresentados. Constatando o que foi dito:
(Nay) – “Professora nós!” (pedindo para ler para a sala) (A) – “Ai você explica, você fala que o seu é só uma lista ta Nay!” (Nay) - (Ela começa a ler a sua lista )– “Espelho...” (A) – “Só um pouquinho ta Nay. Para a Nay eu disse que ela poderia fazer uma lista ao invés do texto. Ela poderia fazer a lista se ela sentisse dificuldade de fazer o texto”.
Em dois momentos na fala da professora percebe-se que ela fez uma
separação na sala em turma A e turma B, sendo que a B seria aquelas crianças com
maior dificuldade de aprendizagem, que estão sentadas na 1ª fila da sala de aula.
Um dos momentos foi quando a professora diz: – “presta atenção ta. A turma B
(olhando para a 1ª fila) vai estar produzindo também”.
Neste caso específico, a professora usa uma estratégia metodológica
para solucionar as diferenças individuais de aprendizagem, porém parecendo um
pouco discriminatória, sendo uma prática utilizada no passado, nas escolas
tradicionais.
Em outro momento a professora A vai até a carteira de Nay e fala:
(A)- “Vou passar primeiro um pra vocês tá. Nay esse é pra vocês fazer mais rápido”. Quando a professora sai um colega pergunta: - “Nay você
conseguiu fazer?” (referindo-se ao problema anterior).
Uma atividade realizada por duas professoras denominada por elas de
“leitura compartilhada” revelava indícios de uma atividade diferenciada preparada
pelas professoras. Porém, a primeira, a professora A, inicia o primeiro dia lendo uma
parte de um livro de História intitulado “Uma História de Natal”, só dando seqüência
no segundo dia, que era uma sexta-feira, ficando ainda a leitura da parte final para
segunda-feira.
138
No primeiro dia da leitura, as crianças já demonstraram não entender o
texto e ficarem desatentas durante a leitura realizada pela professora.
(A) – “Alguém quer fazer algum comentário sobre o texto?” (as crianças permanecem em silêncio) “No início da História, o que vocês acharam?” Uma criança responde: - “o homem morreu”.
O texto continha algumas palavras de difícil compreensão como: lápide,
áspero; e expressões como “fechado como uma ostra”, que necessitavam ser
melhor explicitadas pela professora. O texto também não chamou a atenção das
crianças.
A segunda professora, B delega a função da leitura compartilhada a uma
das crianças, em seguida não faz qualquer comentário sobre a história e passa
imediatamente para outra atividade.
(B) – “A Ray vai fazer a leitura compartilhada para nós e nós vamos depois trabalhar a música no caderno ta”.(1). A criança lê com clareza e boa entonação um texto de Ana Maria Machado – “O Caranguejo” – e em seguida a professora diz: “Muito obrigada, vamos pegar o caderno de português, que nós vamos trabalhar a música”. (3) – (A música a qual ela se refere é uma música do compositor Toquinho “O Caderno”).
Portanto, o que se observa é que nenhuma das duas professoras realizou
de fato uma leitura compartilhada, primeiro, porque as leituras não foram de fato
compartilhadas pelas crianças, ficaram apenas como meros espectadores de uma
leitura realizada por outra pessoa, e nos dois casos as crianças se mostraram
desatentas e desinteressadas.
Tabela 3 – Apresenta atividades diferenciadas
Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes)
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
3) apresenta atividades diferenciadas
1 1 - - - - - - - - - - - - - - - -
4) Se o professor solicita ajuda da criança com dif iculdade de aprendizagem
Quanto ao quarto item, “ solicita ajuda da criança ”, apenas uma
professora solicita alguma ajuda das crianças. A professora B:
139
(C) - “Lui, pega um giz para mim (Lui vai até o armário no fundo da sala), está aberto Lui”.
Observamos que essa ajuda foi uma atividade meramente mecânica.
Nenhuma ajuda foi solicitada das crianças, com intuito de melhorar o seu
aprendizado.
Tabela 4 – Solicita ajuda da criança
Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes)
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
4) solicita ajuda da criança
- - - - 1 - - - - - - - - - - - - -
5) Se o professor elabora perguntas à criança com d ificuldades de
aprendizagem
Por fim, analisando o último item, “ elabora perguntas para a criança? ”,
percebe-se que alguns professores perguntaram mais que outras, porém, na maioria
das vezes, as perguntas pouco acrescentaram ao processo de raciocínio das
crianças, visto que eram perguntas que apenas estabeleciam um contato superficial
entre professor e aluno, por exemplo:
(A) – “Você escreveu? O que escreveu?” (perguntando primeiro a Nay, e depois para Emi) – “o que você colocou ai Emi?” “Vamos já, já colocaram? Já vamos fechando a idéia né”.
(B) – “E o Lui, como está ai Lui?”
(E) – “And, você já fez?”
Algumas poucas perguntas se relacionavam com o aprendizado, com
tentativa de instigar no aluno a busca do resultado ou de uma solução para a
atividade, como o que ocorre com a professora B, referindo-se à resposta que Wil
elaborou: - “porque será que o seu caderno é feio, você cuida dele?”
Ou ainda quando Car não soube o significado de uma palavra e buscou e
no dicionário:
(B) – “O que você quer, você já procurou? É com que letra? O que quer dizer, leia para mim. Vamos lá Car, bimestral, o que é bimestral?”
140
A professora A faz também várias perguntas sem grande importância para
mediar a aprendizagem. Entretanto, algumas surgem como tentativas de mediação
como nos exercícios de matemática:
(A) – “Uma hora é 60 minutos, o que você acha que vai ter que fazer, Nay? A criança responde:- vai dividir. A professora novamente pergunta: - uma hora é 60 minutos, em duas horas, o que você acha que eu tenho que fazer?”
Temos também o outro extremo ao se observar os dados coletados.
Olhando o quadro abaixo, houve professora que não fez perguntas à criança e
também não proporcionou nenhum tipo de ajuda a essas crianças, que são os seus
alunos com dificuldades de aprendizagem.
Outro fato que foi percebido durante as filmagens refere-se à
discriminação sofrida por algumas dessas crianças, mesmo que de forma indireta.
Por exemplo, no caso de Gra, que chegou atrasada:
Depois de um tempo Gra procura encostar sua carteira no grupo mais perto, mas uma das colegas diz com rispidez: - “não se senta aqui não, vai lá oh!” (apontando para o grupo da frente).
E também no caso de Emi:
(A) – “Ray senta aqui perto com a Emi, e você senta lá, tá bom? Você vai fazer com a Tat”. (professora A fazendo a troca de colegas). – “Você ajuda a Emi ta Raí. Raí senta aqui junto com a Emi!” (a criança não se levanta, demonstrando não ter gostado da troca). “Raí senta lá junto com a Emi, depois você acaba de copiar”. (a criança então, mesmo demonstrando insatisfação, faz a troca).
Tabela 5 – Elabora pergunta à criança
Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes)
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
5)elabora pergunta à criança
2 8 4 4 9 2 1 - - - - 1 - 1 1 - 1 1
Observa-se que das 5 professoras da amostra, 3 apresentaram pouco
contato com as crianças com dificuldade de aprendizagem, durante o período de
filmagem, como mostrado no quadro abaixo. Na maioria das vezes, essas crianças
também têm pouco contato com seus colegas que apresentam um desempenho
141
melhor na aprendizagem e que poderiam estar ajudando na superação das
dificuldades.
Após a explanação dos 5 itens analisados na mediação Professor aluno,
como forma de visualizar melhor os resultados encontrados, na seqüência encontra-
se um quadro sintético com os resultados encontrados durante as filmagens em
sala de aula observando os fatores de ajuda do professor.
Os resultados encontrados indicam que, este é um campo bastante
importante de ser investigado futuramente através de um tempo maior de
observação.
Quadro 24 – Freqüência da mediação do Professor em sala de aula Sujeitos da Pesquisa Mediação Prof./aluno (nº de vezes)
Em
i
Nay
Car
Luc
Lui
Wil
Ada
Bru
Gra
Jsi
Cri
Cla
Cro
Ale
Ala
Ana
And
Eli
1) Fala com a criança
4 9 5 7 8 1 1 - 1 - 1 3 - 1 - - 3 -
2) da explicação para a criança
1 2 1 - 2 1 - - - - - - - - - - - 1
3) apresenta atividades diferenciadas
1 1 - - - - - - - - - - - - - - - -
4) solicita ajuda da criança
- - - - 1 - - - - - - - - - - - - -
5)elabora pergunta à criança
2 8 4 4 9 2 1 - - - - 1 - 1 1 - 1 1
Total Geral
8 20 10 11 20 4 2 - 1 - 1 4 - 2 1 - 4 2
Em síntese os resultados obtidos através das filmagens em sala de aula
da relação professor/aluno indicaram que:
• apenas duas das professoras interagiram com as crianças
na tentativa de mediar a aprendizagem, as outras
praticamente não tiveram contato direto com as crianças;
• as professoras falam com as crianças sobre assuntos
irrelevantes;
• as professoras fornecem explicações não esclarecedoras às
crianças;
142
• Apenas uma professora solicitou ajuda das crianças, uma
ajuda mais física;
• As perguntas das professoras não induzem à reflexão;
• As atividades diferenciadas aplicadas pelas professoras não
se mostraram adequadas.
3.3.3 A mediação da leitura em sala de aula
As observações durante as quatro horas de filmagem em cada uma das
salas de aula demonstraram que as crianças, sujeitos da pesquisa tiveram poucas
chances de se expressarem através da leitura, algumas delas nem mesmo tiveram
uma só chance.
As professoras citaram várias vezes a leitura compartilhada, associada às
atividades de leitura propostas, porém apenas algumas crianças tiveram
oportunidade de ler para a classe, ou em dupla com um colega.
No quadro abaixo, encontra-se a freqüência com que esses momentos de
leituras em sala de aula ocorrem com as crianças sob observação.
Quadro 25 - Freqüência da leitura da criança em sa la de aula
Alunos
Turma
Lê quando solicitado
pela professora?
Lê oralmente
para a classe?
Lê durante atividade em grupo com colegas?
Lê silenciosamente?
Total
Emi A + - + - 2 Nay A +++ - - - 3 Car B ++ - - - 2 Luc B + - - - 1 Lui B ++ - + - 3 Wil B + - - - 1 Ada C - - - - - Bru C - - - - - Gra C - - - - - Jsi C - - - - - Cri C - - - - - Cla D - - - - -
Cro D - - - - -
Ale D ++ - - - 2 Ala D - - - - - Ana E - - - - - And E - - - - - Eli E - - - -
Legenda: (+) número de ocorrência de leitura; (-) não ocorreu leitura.
143
Os dados contidos no Quadro 25 revelam que 61,1% (11 crianças) não
tiveram qualquer chance de leitura. Os que mais leram foram os da turma A e B,
porém, os alunos das turmas C e E não tiveram qualquer oportunidade de ler.
Outro dado interessante é que na maioria das vezes quando era solicitado
pela professora que lessem para fazer as atividades, os alunos pesquisados se
mostravam dispersos ou ausentes, não demonstrando interesse pela leitura.
Algumas crianças se recusaram a ler quando solicitadas pela professora,
como no caso de Emi:
(A)– “Emi, você quer ler?” (Emi se recusa, e a professora insiste). (A) - “Emi, leia a lista que você fez”. (Ela novamente se recusa).
Outro que também não quis ler foi Wil:
(B)- “Então vamos fazer assim, cada um vai ler uma estrofe, vai lá Wil”.( Wil não quis ir à frente da sala ler).
Em outros momentos a professora B faz referência à filmagem, que foi um
incentivo para as crianças querer ler:
(B) - “Hoje todo mundo quer ler, vou trazer você aqui no dia da leitura” (referindo-se à pesquisadora).
Percebe-se também que as professoras C e E são mais caladas e se
expressaram pouco oralmente em sala de aula. A professora D fala bastante, porém,
não consegue um bom controle da sala: as crianças falam muito, são desatentas e
barulhentas.
Notou-se que certas crianças ficam como que anônimas em sala de aula,
como se praticamente ninguém as notasse, nem a professora e nem os colegas,
como é o caso de Bru, Gra, Jsi; também de Ala, Cro, Eli e Ana. Wil também foi o que
menos recebeu a atenção da professora B, além de ser o mais quieto dos quatro
alunos da sala com dificuldade de aprendizagem.
Uma situação diferente ocorreu na sala E. Em um dos dias da filmagem
era dia das crianças pegarem livros de literatura infantil na biblioteca. A professora,
após a visita da bibliotecária na sala de aula, liberava as crianças de dois em dois
para irem à biblioteca trocarem os livros já lidos, que estavam em poder das
crianças, por outros a serem lidos.
144
As crianças muitas vezes chegavam com o livro e passavam a folheá-lo
embaixo da carteira, curiosas por descobrir o seu conteúdo. A professora, porém,
não fez qualquer referência aos livros entregues pela criança nem aos novos
adquiridos no momento.
Não houve por parte da professora qualquer discussão sobre a leitura
realizada pelos alunos quanto à compreensão da história, as dificuldades com
relação à leitura realizada e nem tão pouco à escolha do livro feita pela criança.
Não se observou a aplicação de atividades diferenciadas com a finalidade
de retomar os conteúdos não aprendidos, perguntar ao aluno com o intuito de
instigar o raciocínio e a busca de soluções de problemas.
Em síntese pode-se dizer que durante o período da filmagem observou-se que:
▪ as crianças tiveram poucos momentos de leitura.
▪ os materiais lidos em sala, principalmente os denominados textos de
leitura compartilhada, não foram devidamente explicitados ou
explorados pelo professor e pela criança.
▪ as ocorrências de leitura se limitaram ao livro didático, problemas de
matemática, letras de música e os textos ditos compartilhados (uma
história sobre o Papai Noel e uma história infantil).
▪ as professoras, de um modo geral são muito caladas em sala de aula.
▪ crianças se recusam a ler.
▪ crianças quase que anônimas em sala de aula.
▪ a professora A que tinha o maior número de alunos, e a B, o menor,
foram as que mais mediações realizaram junto em às crianças.
Portanto, o número de alunos em sala parece não interferir na
quantidade de ajuda dada pelo professor.
Abaixo, o Quadro 26 apresenta a síntese dos dados mais relevantes do
estudo.
145
Quadro 26 - Quadro Geral dos dados e análise da pes quisa
sujeitos
Crianças Mediação Mediação
Leitura (Escores)
(105-70-35)
Linguagem oral
Escores (45-30-15)
Leitura e linguagem
Escores (150-100-50)
Da família
Escores (4-2-0)
Do professor Nº de vezes
Da leitura Nº de vezes
Emi 76 20 96 1 8 2 Nay 83 25 108 4 20 3 Car 85 23 107 3 10 2 Luc 88 27 115 3 11 1 Lui 95 20 115 3 20 3 Wil 88 24 112 0 4 1 Ada 69 27 96 4 2 - Bru 93 21 114 0 - - Cri 39 25 44 3 1 - Gra 92 21 113 3 - - Jsi 67 23 90 3 1 - Cla 78 20 98 3 4 - Cro 81 25 106 0 - - Ale 88 24 112 3 2 2 Ala 91 27 118 0 1 - Ana 84 24 108 3 - - And 82 30 112 0 4 - Eli 93 24 117 3 2 -
Nota: os scores seguem a ordem dos números: 1º máximo, 2º médio, 3º mínimo
A partir dos resultados apresentados no Quadro 25 pode-se afirmar que:
� em leitura somente 3 crianças ficaram abaixo da média (Ada, Cri e Jsi).
� em linguagem oral, todas as crianças obtiveram scores iguais ou
abaixo da média, embora todos acima do score mínimo.
� agrupando a avaliação em leitura e linguagem oral, 5 crianças
apresentaram scores abaixo da média (Emi, Ada, Cri, Jsi e Cla), enquanto as demais
obtiveram scores mais próximos da média do que do valor máximo. Portanto, em
leitura e linguagem, são crianças consideradas medianas.Dentre as crianças, Ada,
Cri, e Jsi são as que apresentaram maiores dificuldades em leitura e linguagem oral.
É importante ressaltar que a avaliação da linguagem estava condicionada
ao entendimento e interpretação do texto lido, reforçando a tese de que as crianças
conhecem os símbolos e os sinais gráficos. A dificuldade maior é, deste modo,
quanto à compreensão da leitura.
Os diagramas 1 e 2 apresentam uma nova forma de agrupamento dos
resultados, através de observação por quadrantes. No diagrama 1, reafirma-se o
resultado de que as crianças apresentaram melhores resultados em leitura
(83,3%das crianças), do que em linguagem (16,6%).
146
Diagrama 1 – leitura e linguagem
O segundo, o Diagrama 2, que relaciona os dados de mediação da família
com os fatores de desenvolvimento de leitura e linguagem oral, revela uma maior
dispersão dos resultados, o que não permite generalizações, as crianças com maior
desenvolvimento, e o maior fator de ajuda da família.
Diagrama 2 : Desenvolvimento da leitura e da lingua gem e mediação dos pais
Wil, Bru, Cro Ala, And
Emi
Nay,Car, Luc, Lui, Gra, Ale, Ana, Eli
Ada, Cri, Jsi, Cla
- desenvolvimento da leitura e da linguagem
- mediação dos pais
+ mediação dos pais
+desenvolvimento da leitura e da linguagem
Emi, Nay, Car, Luc, Lui, Wil, Bru, Gra, Cla, Cro, Ale, Ala,
Ana, And, Eli
Ada, Cri, Jsi
- leitura
- linguagem +linguagem
+leitura
147
Organizando, então, os dados de maneira diferente, levando em
consideração a classificação das crianças em ordem decrescente conforme o score
total, e identificando-as conforme o professor, os resultados se apresentam da
seguinte forma (ver Quadro 27):
Quadro 27 – Classificação dos resultados das crianças por ordem decrescente de valores
Classificação
criança
professor
Leitura e
linguagem
(150-100-50)
Leitura
(105-70-50)
Mediação da
família
(4-2-0)
Mediação
professor
Mediação
leitura
1º Ala D 118 91 0 4 -
2º Eli E 117 93 3 2 -
3º Lui B 115 95 3 20 3
4º Luc B 115 88 3 11 1
5º Bru C 114 93 0 - -
6º Gra C 113 92 3 - -
7º Wil B 112 88 0 4 1
7º Ale D 112 88 3 2 2
8º And E 112 82 0 4 -
9º Ana E 108 84 3 - -
10º Nay A 108 83 4 8 2
11º Car B 107 85 3 10 2
12º Cro D 106 81 0 - -
13º Cla D 98 78 3 4 -
14º Emi A 96 76 1 8 2
15º Ada C 96 69 4 2 -
16º Jsi C 90 67 3 1 -
17º Cri C 44 39 3 1 -
Os resultados do Quadro 27 permitem dizer que:
a) a Professora A de Emi e Nay, age igualmente com as crianças apesar
das diferenças entre si quanto ao nível de desenvolvimento de leitura e de
linguagem oral.
14º Emi 96 76 8 2
10º Nay 108 83 8 2
b) a Professora B de Luc, Lui, Wil e Car, é a que entre os professores atua
com maior intensidade sobre suas crianças. Mas sua maior atuação é sobre a
criança com maior nível de desenvolvimento em leitura e em linguagem oral.
148
3º Lui 115 95 20 3
4º Luc 115 88 11 1
7º Wil 112 88 4 1
11º Car 107 85 10 2
c) a Professora C de Bru, Gra, Ada, Jsi e Cri atua, ainda que muito
timidamente, sobre as crianças com o mais baixo nível de desenvolvimento de
leitura e de linguagem oral.
5º Bru 114 93 - -
6º Gra 113 92 - -
15º Ada 96 69 2 -
16º Jsi 90 67 1 -
17º Cri 44 39 1 -
d) a Professora D de Ala, Ale, Cro e Cla atua com maior freqüência sobre
as crianças que têm o maior e o menor nível de desenvolvimento de leitura e de
linguagem oral.
1º Ala 118 91 4 -
7º Ale 112 88 2 2
12º Cro 106 81 - -
13º Cla 98 78 - -
e) a Professora E de Eli, And e Ana atua mais sobre uma criança com
menor desenvolvimento em leitura, em seguida, sobre a criança com maior
desenvolvimento, e não atua sobre a criança com o menor nível de desenvolvimento
de leitura e de linguagem oral.
Considerando, contudo, que o nível de desenvolvimento entre as 3
crianças é muito próximo em termos de scores, pode-se dizer que a atuação do
professor sobre And se explique pela sua maior dificuldade de leitura.
2º Eli 117 93 2 -
8º And 112 82 4 -
9º Ana 108 84 - -
149
O presente estudo, em síntese, revelou os seguintes resultados:
▪ quanto às crianças, de um modo geral, as crianças com dificuldades
de leitura, lêem palavras (simples e complexas, com muitas ou
poucas letras) e textos (simples e complexos, com muitas e poucas
palavras);as crianças lêem palavras e textos mas com dificuldades
diversas de leitura e de entendimento do que leu; as crianças utilizam
tempo para pensar, mas não fazem perguntas ao adulto para obter
informações ou ajuda.
▪ quanto aos pais, de um modo geral, os pais das crianças com
dificuldades de aprendizagem, manifestam diferentes fatores de
ajuda; mas são fatores simples com pouca implicação no processo de
aprendizagem da criança.
▪ quanto aos professores, de um modo geral, pouco interagem com as
crianças com dificuldade de aprendizagem, e, portanto, pouco atuam
sobre o processo de desenvolvimento da aprendizagem da criança.
150
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente capítulo tem como objetivo refletir sobre os resultados mais
relevantes do estudo.
O estudo revelou, em primeira instância, que todas as crianças analisadas
são semelhantes à maioria das crianças com as quais cruzamos todos os dias nas
escolas. Elas são capazes de se comunicar através da fala e gestos, e apresentam
um comportamento social relativamente adequado e condizente com cada contexto
situacional.
No entanto, a análise dos resultados apresentados por essas mesmas
crianças na avaliação da linguagem oral e na avaliação de leitura mostrou uma outra
realidade. Todas as crianças apresentaram dificuldades nessas duas áreas do
conhecimento. Claro que existem divergência de resultados de uma criança para
outra, quanto ao grau de dificuldade ou condições para a realização das atividades.
As crianças do estudo apresentaram dificuldades inerentes ao primeiro
nível analisado que foi a leitura emergente, quanto ao reconhecimento da
pontuação, maiúscula e minúscula, na diferenciação de vogal e consoante, entre
outros. Na avaliação da leitura, as crianças apresentaram, maiores dificuldades na
leitura de textos.
Quanto à linguagem, as crianças utilizaram um tempo para pensar, mas
este não lhes garantiu uma resposta apropriada. Ademais, todas as crianças do
estudo demonstraram dificuldades em expressar o que entenderam da leitura, e
muitas vezes, davam respostas diferentes do significado real da palavra ou do texto.
E mais, as crianças não fizeram perguntas com a finalidade de obter informações ou
ajuda do adulto.
Assim, as crianças do estudo revelaram que podem ler, decodificar
símbolos escritos, em palavras e textos, a despeito de apresentarem dificuldades
visíveis quanto ao uso da linguagem oral. Este fato sozinho responde à primeira
questão fundamental – os problemas no desenvolvimento da linguagem oral têm
implicações sobre as dificuldades de aprendizagem da leitura? – O estudo
demonstrou, numa primeira visão, que a linguagem não interferiu diretamente na
alfabetização quanto ao reconhecimento e aprendizado dos símbolos gráficos,
enquanto processo inicial de alfabetização.
151
Nota-se, portanto, que essas crianças já conhecem a simbologia gráfica
da escrita, conhecem o alfabeto. Porém, estudos sobre alfabetização têm alertado
para o fato de que ler não significa meramente reconhecer o alfabeto.
Contrariamente, conforme esclarece Solé (2003), ler requer do aluno a atribuição de
sentido à leitura, o domínio de recursos cognitivos para fazê-lo, entre outras coisas.
Desse modo, ao se avaliar a atribuição de sentido àquilo que foi lido, o
estudo revelou que mais da metade das crianças está acima da média na avaliação
geral da leitura; no entanto, observou-se, também, que os valores se localizavam
muito próximos da média, o que mostra que a atribuição de sentido é uma tarefa
ainda difícil para essas crianças.
Ademais, observou-se que à medida que foram introduzidos os textos na
avaliação da leitura e o grau de dificuldade aumentava, as crianças passaram a ler
com dificuldade os textos e mostraram que a interpretação estava prejudicada. Este
fato induziu a se pensar que a criança que não lê bem, não pode interpretar o que
leu.
O mesmo aconteceu quando a entrevistadora leu o texto “Maurício e sua
turma” para as crianças, e elas demonstraram dificuldades em responder às
perguntas relacionadas ao texto elaboradas pela entrevistadora. As dificuldades
também apareceram no momento em que se solicitou à criança o significado das
diversas palavras lidas por eles, dificuldades estas que se expressaram no ato de
revelar o significado do que foi lido.
Na verdade, a maior dificuldade observada na avaliação de leitura
relacionou-se com a compreensão, tanto de palavras como de textos. Este fato
revela uma relação intrínseca entre a leitura e a linguagem. Com isso, pode-se dizer
que ler não se refere meramente à alfabetização, ou melhor, à decodificação dos
sinais gráficos, mas à compreensão da leitura efetuada. A este ato de ler mais do
que as letras, Soares (2003), denominou de letramento. Segundo a autora,
letramento é: “estado ou condição de quem não apenas sabe ler e escrever, mas
cultiva e exerce as práticas sociais, que usam a escrita. Dedica-se a atividades de
leitura e escrita” (SOARES, 2003, p.47).
Então, no que tange aos dois processos – de alfabetização e de
letramento – Soares defende que estes não são dissociáveis, pois:
152
Dissociar alfabetização e letramento é um equívoco porque, no quadro das atuais concepções psicológicas, lingüísticas e psicolingüísticas de leitura e escrita, a entrada da criança (e também do adulto analfabeto) no mundo da escrita se dá simultaneamente por esses dois processos: pela aquisição do sistema convencional de escrita – a alfabetização, e pelo desenvolvimento de habilidades de uso desse sistema em atividades de leitura e escrita, nas práticas sociais que envolvem a língua escrita – o letramento. Não são processos independentes, mas interdependentes, e indissociáveis: a alfabetização se desenvolve no contexto de e por meio de práticas sociais de leitura e de escrita, isto é, através de atividades de letramento, e este, por sua vez, só pode desenvolver-se no contexto da e por meio da aprendizagem das relações fonema-grafema, isto é, em dependência da alfabetização (SOARES, 2003, Anped, CD-ROOM).
Soares (2004, p.30), denomina letramento o mesmo que alfabetismo, que
segundo a autora, se caracteriza por um conjunto de comportamentos que podem
ser agrupados em duas grandes dimensões: a dimensão individual e a dimensão
social.
Assim ler, sob a perspectiva de uma dimensão individual, é um conjunto de habilidades e conhecimentos lingüísticos e psicológicos, estendendo-se desde a habilidade de codificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos. Não são categorias polares, mas complementares: ler é um processo de relacionamento entre símbolos escritos e unidades sonoras, e é também um processo de construção da interpretação de textos escritos (SOARES, 2004, p.31).
Conforme alertam Simons e Murphy (2002, p.220), a sensibilidade das
crianças às diferenças entre a linguagem oral e escrita e a sua consciência sobre as
características textuais da linguagem escrita podem influenciar na aquisição da
habilidade de leitura. Estes autores citam fatores importantes na aquisição da leitura
ligadas à linguagem oral e um desses fatores é a consciência fonológica que se
relaciona à consciência que a criança tem da natureza de divisão dos segmentos
das palavras (fonemas e sílabas). Segundo os autores, essa consciência é importante na aquisição inicial da leitura porque envolve o aprendizado de mapear
seqüências de segmentos sonoros em seqüências de unidades gráficas.
No entanto, não basta à criança a identificação das unidades gráficas,
estas não são suficientes para o sujeito inserir-se no mundo da escrita.
De forma mais complexa e abrangente Soares (2004), explicita que:
153
ler estende-se desde a habilidade de simplesmente traduzir em sons sílabas isoladas, até habilidades de pensamento cognitivo e metacognitivo; inclui, entre outras habilidades, a habilidade de decodificar símbolos escritos; a habilidade de captar o sentido de um texto escrito; a capacidade de interpretar seqüências de idéias ou acontecimentos, analogias, comparações, linguagem figurada, relações complexas, anáforas; e ainda habilidades de fazer predições iniciais sobre o significado do texto, de construir o significado combinando conhecimentos prévios com as informações do texto, de controlar a compreensão e modificar as predições iniciais, quando necessário, de refletir sobre a importância do que foi lido, tirando conclusões e fazendo avaliações (SOARES, 2004, p.31).
Vygotsky (2000) afirma, com segurança, que “é no significado da palavra
que o pensamento e a fala se unem em pensamento verbal”, portanto, o significado
é quem nos revela essa relação entre pensamento e fala.
Visto isto, se as crianças do estudo não conseguem dizer com clareza e
objetividade o significado das palavras lidas, pode-se deduzir que essa conexão
entre pensamento e fala não está ocorrendo adequadamente, ou que a criança
ainda não faz o uso adequado da metalinguagem que, segundo Roazzi e Carvalho
(1995), refere-se à habilidade de saber a diferença entre o que é dito e o que é
significado, saber lidar com as diferenças. Para esses autores, quanto mais a
criança possui experiências com a linguagem e quanto mais refletem sobre o seu
uso, maior será sua consciência metalingüística.
Na avaliação da linguagem oral, especificamente quanto ao uso das
funções da linguagem, o que se pode observar nas crianças do estudo é uma
dificuldade bem maior do que em relação à leitura, indicando mais uma vez que a
compreensão do que é lido está mais comprometida do que a própria leitura.
Então, retomando a primeira questão fundamental – os problemas no
desenvolvimento da linguagem oral têm implicações sobre as dificuldades de
aprendizagem da leitura? – a resposta é que se a leitura não se refere à mera
decodificação da escrita, mas ao uso desse sistema nas diversas práticas sociais,
envolvendo o uso da língua através da linguagem e do letramento e não
simplesmente a alfabetização, é seguro que o desenvolvimento da linguagem tem
implicações diretas ou indiretas, visíveis ou invisíveis, imediatas ou mediatas ao
desenvolvimento da aprendizagem da leitura.
154
Segundo Simons e Murphy (2002), as habilidades sofisticadas de
linguagem que a criança adquire no curso do desenvolvimento da linguagem não
são suficientes para a transição para a alfabetização. A criança necessita, na relação
com o texto escrito, tornar-se consciente de sua linguagem falada e de suas
unidades, desenvolvendo assim estratégias diferentes no processamento do
discurso. Essas estratégias são importantes e necessárias, pelas diferenças
existentes entre linguagem oral e linguagem escrita.
Um fator de desenvolvimento citado pelos autores está relacionado ao
conhecimento pragmático do mundo e dos usos da linguagem, que é necessário
tanto para os ouvintes quanto para os leitores, para interpretação da linguagem.
Segundo eles, tanto a linguagem oral quanto a escrita exigem a existência de um
contexto real ou imaginário para a interpretação. E o contexto pode ser tanto verbal
quanto situacional de um enunciado. Neste item, em relação à avaliação das
crianças do estudo, observou-se uma grande dificuldade nas crianças em perceber o
contexto. Essa dificuldade aplicou-se não só à linguagem oral, na descrição das
figuras, como na interpretação do texto lido. Os textos todos eram narrativos,
histórias que apresentavam contextos situacionais. Já nas figuras escolhidas para a
descrição, existiam contextos mais imaginários, pois as figuras representavam uma
ação, e, portanto, davam margens para o desenvolvimento do imaginário.
Todavia, nestas atividades, poucas foram as crianças que ousaram
imaginar baseadas no contexto, preferiam descrever o óbvio, ou melhor, o
imediatamente visível, e algumas tiveram dificuldade até mesmo em descrever o
aparente. Algumas crianças destacaram mais o fundo do que a figura. Então, com
base em tudo que foi discutido até aqui, é possível se pensar que, se as crianças
com dificuldades de aprendizagem apresentavam dificuldades no uso da linguagem
oral, embora fossem capazes de ler, palavras soltas e textos, um maior
desenvolvimento da linguagem oral não lhes conduziria a uma melhor condição, ao
desenvolvimento da aprendizagem da leitura?
Com relação aos fatores de ajuda da família detectou-se que os fatores se
resumem em ajuda simples na realização das tarefas, cobrança na realização, tomar
a lição, incentivar a criança, entre outros, podendo essa ajuda ser interna ou externa
à família.
155
Observou-se também que as famílias das crianças tentam, de alguma
forma, ajudar as crianças através da própria família ou através de outras pessoas; e
quando não ajudam, pelo menos apresentam ter consciência das dificuldades das
crianças e se preocupam com a sua aprendizagem.
O estudo mostrou, deste modo, que a família, ainda que de maneira
reduzida, realiza a mediação e não é apática ou omissa diante do desenvolvimento
dos seus filhos. É em face desta mobilização da família que Lahire (1997) afirma que
a omissão parental é um mito, e o mito é produzido pelos próprios professores ao
ignorar a lógica das configurações familiares, passando a deduzir a partir dos
comportamentos e do desempenho escolar das crianças que os pais não se
incomodam com os filhos e, portanto, deixam de intervir nas coisas que eles fazem.
Com base em suas experiências de pesquisa, Lahire afirma que os pais, “cuidam da
escolaridade, controlam as tarefas, explicam quando podem, fazem repetir em voz
alta as lições, compram cadernos de exercícios durante as férias escolares de verão
para que os filhos continuem a exercitar” (LAHIRE, 1997, p. 334).
A questão é, essa ajuda da família tem sido suficiente para mudar a
realidade da criança em relação às dificuldades de leitura?
Se, como já dissemos, a linguagem é determinante na aprendizagem da
leitura, e se as crianças aprendem inicialmente a linguagem com a família e o grupo
social ao qual pertence, é provável que a linguagem possa interferir na forma de
ajuda empreendida pela família às crianças.
Simons e Murphy (2002), relatando as exigências da escola quanto à
linguagem, através de conceituações anteriores defenderam que:
O ingresso na escola marca transições sociais, lingüísticas e cognitivas importantes para as crianças. As crianças que chegam à escola devem aprender a comunicar-se e a cooperar como os adultos e colegas, fora de suas casas, e eles não compartilham seus backgrounds comunicativos. Elas devem desenvolver habilidades de utilização de uma nova linguagem a fim de participarem nas atividades de sala de aula, para terem acesso às oportunidades de ensino, e para demonstrarem que aprenderam. (SIMONS e GUMPERZ, 1980).
A essa nova linguagem a qual Simons e Gumperz fazem referência,
Bernstein denomina de “significados universalistas”, característicos do código
156
elaborado, que a criança deve aprender a dominar ao ingressar na escola, um
sistema simbólico que não oferece ligações com o seu mundo familiar e comunitário,
como descrito por Domingos et.al. (1986).
De fato, as crianças do estudo são, em sua maioria, pertencentes a
famílias da classe trabalhadora, de comunidades rurais ou religiosas restritas, mães
trabalhadoras domésticas ou do lar, com baixo grau de escolaridade, baixa renda, e
metade delas, oriundas de famílias de constituição familiar não nuclear.
Essas crianças, como observamos na avaliação, fazem uso de uma
linguagem com características particularistas, com tendência ao uso do código
restrito, portanto, diferente do código normalmente solicitado como preferencial nas
escolas, que é o código elaborado.
Isso não quer dizer que elas não possam fazer uso do código elaborado.
Quanto a isso, Bernstein (1996) esclarece que a modalidade de código dominante
utilizado pela escola regula as relações comunicativas, suas exigências, suas
avaliações, e também, o posicionamento da família e de seus alunos. Portanto,
A teoria do código afirma que existe uma distribuição social desigual, determinada pela classe social, de princípios privilegiantes de comunicação, de suas práticas interativas gerativas e da base material, com respeito às agências primárias de socialização (por exemplo a família), e que a classe social afeta, indiretamente, a classificação e o enquadramento do código elaborado transmitido pela escola, de forma a facilitar e perpetuar sua aquisição desigual. Assim, a teoria do código não aceita nenhuma das duas posições – a de déficit e a da diferença – mas chama a atenção para as relações entre as macro-relações de poder e as micro-práticas de transmissão, aquisição e avaliação e para o posicionamento e a oposição a que essas práticas dão origem (BERNSTEIN, 1996, p.167).
Assim sendo, o autor descarta a possibilidade de que o fracasso escolar
esteja relacionado com o déficit cultural ou às diferenças culturais, teorias difundidas
por outros autores, mas não nega as diferenças sociais de classe, afirmando que
essas diferenças afetam indiretamente o enquadramento e classificação do código
elaborado que é transmitido pela escola, comprometem a aquisição dos conteúdos
escolares pelas crianças e causam desigualdades. Bernstein questiona, ainda, a
relação existente entre as macro-relações de poder e as micro-práticas realizadas na
escola.
157
A análise da pesquisa apresenta indícios de que, de fato, a escolha que a
criança faz do uso do código interfere no seu desempenho escolar. A linguagem é
um fator determinante no aprendizado escolar.
As crianças do estudo, no processo de avaliação da aprendizagem da
leitura e linguagem, não fizeram escolhas adequadas na maioria das suas respostas
de fala espontânea ou em situação de avaliação, não alcançando assim um bom
desempenho nas atividades propostas.
Diante desta situação, é importante lembrar que Bernstein (1985) afirmou
que devemos compreender a linguagem das crianças antes de transformá-la.
Embora a cultura e suas formas de integração social gere um código restrito, isto
não significa que o discurso e o sistema de significante dele resultante sejam
desfavorecidos do ponto de vista lingüístico e cultural ou que as crianças nada
tenham a dizer na escola. Segundo o autor,
não há nada, absolutamente nada em sua linguagem como tal, que impeça uma criança de interiorizar e aprender o emprego das significações universalistas. Mas se os contextos de aprendizagem – os exemplos, os livros de leitura – não são, realmente, contextos que sirvam como desencadeadores para projetar a imaginação das crianças, para excitar sua curiosidade e favorecer suas explorações na família e no meio comunitário, então a criança não se sente à vontade no mundo educativo (BERNSTEIN, 1985, p.55).
Para o autor, em educação, deve-se seguir um princípio básico e
reconhecido: deve-se trabalhar com o que a criança pode oferecer. Portanto,
“introduzir a criança nas significações universalistas das formas de pensamento
utilizadas por todo o mundo, não é educação compensatória; é educação”.
(BERNSTEIN, 1985, p.56).
Retornando, então, às crianças do estudo, com dificuldades reais de
leitura, linguagem oral e de aprendizagem, a pergunta que se levanta é: quem
poderá introduzir essa criança das camadas mais pobres da população, que faz
maior uso dos significados particularistas do código restrito, no mundo dos
significados universalistas?
Se a família, pelas suas próprias limitações impostas pela escolaridade, e
pela linguagem não encontra meios para fazê-lo, caberá ao professor, pela sua
função, introduzir a criança no mundo do conhecimento científico e ao uso do código
elaborado. Por isso, o estudo procurou observar os fatores de ajuda do professor em
158
relação ao aprendizado escolar das crianças do estudo. O professor, também como
adulto, poderá intervir na zona de desenvolvimento proximal das crianças, para que
a partir do desenvolvimento real, elas possam alcançar o desenvolvimento potencial.
Quanto aos fatores de ajuda da escola, o estudo revelou que
contrariamente ao que se espera, os professores pouco falam com as crianças
sujeitos da pesquisa, não executam tarefas diferenciadas, quase não fazem
perguntas pertinentes aos conteúdos escolares, não solicitam ajuda das crianças em
atividades de sala de aula, e poucas explicações dão às crianças.
Falando especificamente da leitura, os resultados encontrados
demonstram que, de fato, o que os professores indicaram, é também o que os pais
perceberam em seus filhos. O que, porém, os professores não identificaram foi, qual
o grau de dificuldade e quais as dificuldades reais de aprendizagem as crianças
apresentam.
O professor, talvez, muitas vezes, por falta de um instrumental adequado
para avaliar as crianças, faz uma avaliação empírica, que lhe impede de fazer uma
apreciação mais realista do problema descrito por ele como dificuldade de
aprendizagem ou de leitura.
Por outro lado, poucas, também, foram as crianças que nas atividades de
avaliação ou nas filmagens em sala de aula, fizeram uso da função heurística da
linguagem no seu sentido investigativo, como uma forma de aprender, perdendo a
oportunidade de receber as explicações necessárias, para uma melhor realização da
atividade.
Por que em sala de aula, as crianças quase nunca perguntam, e poucas
utilizam a função heurística da linguagem? O que as impede de se tornarem mais
investigativas? Acredita-se que essa também é uma função da linguagem importante
que precisa se aprendida pela criança, e que a escola pode promover incitando-a a
perguntar mais, questionando as crianças, levando-as a buscar respostas e
tornando-as capazes de generalizações sobre a realidade.
A criança, por sua vez, às vezes, não se sente à vontade para perguntar,
porque na sua relação social e familiar, não existe essa prática de conduta em
relação à linguagem, são pouco questionadas, ou quando questionam, não recebem
respostas adequadas, o que pode gerar nelas uma insatisfação ou apatia quanto ao
questionamento e a obtenção de respostas.
159
Esse tipo de relação, no estudo, foi observada nas escolas, em que o
professor pouco fala com as crianças, e as crianças pouco perguntam, criando assim
um círculo vicioso e dificultando o uso adequado da função heurística, tão
importante para o desenvolvimento das funções psicológicas das crianças.
Estudos de Vygotsky demonstraram que o intelecto das pessoas não é
somente a reunião de um certo número de capacidades gerais – observação,
atenção, memória, juízo, etc – mas a soma de muitas capacidades diferentes, cada
uma de certa forma independente das outras. O que representa que cada uma deve
ser desenvolvida independentemente, mediante um exercício adequado. E nesse
campo,
a tarefa do docente consiste em desenvolver não uma única capacidade de pensar, mas muitas capacidades particulares de pensar em campos diferentes; não em reforçar a nossa capacidade geral de prestar atenção, mas em desenvolver diferentes capacidades de concentrar a atenção sobre diferentes matérias. (VYGOTSKY, 1988, p.108).
Transferindo as descobertas de Vygotsky para a realidade das crianças
analisadas quanto à leitura e à linguagem, nota-se pela fala das mães e professoras,
e pela própria avaliação, que muitas crianças não apresentam as capacidades
gerais de atenção, memória, observação, concentração, suficientemente
desenvolvidas para que possam obter sucesso no aprendizado escolar. O pouco
desenvolvimento dessas funções interfere tanto na linguagem quanto na
aprendizagem da leitura.
Para Vygotsky (2000), o crescimento intelectual da criança depende de
seu domínio dos meios sociais do pensamento, isto é, da linguagem. Contudo, se as
crianças, mesmo utilizando um tempo para pensar, não se expressam de forma clara
e competente, os indícios revelam que essas crianças ainda não apresentam o
domínio da linguagem tão crucial para o crescimento intelectual.
Segundo Bernstein (in DOMINGOS et.al, 1986), o tipo de relação social
que o indivíduo estabelece com o seu meio, atuará seletivamente no que é falado,
quando é falado e como é falado. Os códigos sociolingüísticos aprendidos deste o
início da sua fala são os reguladores dos atos verbais. As experiências das crianças
são transformadas em aprendizagem, geradas pelos atos de fala que
aparentemente são voluntários, mas estão ligados às exigências da estrutura social.
160
A cultura, o modo de vida, as relações com o meio, vão sendo construídos
ao longo da história de cada criança, de cada indivíduo, a cultura oral ainda é um
fator de transmissão de saber, de prazer, de doutrina entre os grupos sociais, em um
dado momento, no período da escolarização da criança, esses dois mundos se
fundem – o social e cultural e o letrado –, e exige uma adaptação dos indivíduos, e o
professor é a ponte, a interligação entre os dois mundos.
Fica claro, a partir de tudo que foi discutido até o momento, que o
desenvolvimento da linguagem é de fundamental importância no processo de
aprendizado escolar, no caso específico, da leitura. A mediação do adulto que é
essencial desde o nascimento, no desenvolvimento da linguagem o é,
posteriormente, no processo de escolarização.
Para Vygotsky (2002), “o aprendizado humano pressupõe uma natureza
social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida
intelectual daquelas que a cercam”. Segundo o autor, o aprendizado vai despertar
vários processos internos de desenvolvimento, que ocorrem somente quando a
criança interage com pessoas do seu ambiente ou com companheiros. À medida que
esses processos se internalizam, tornam-se parte das aquisições, e do
desenvolvimento da criança. O aprendizado é o aspecto necessário e universal dos
processos de desenvolvimento das funções psicológicas superiores.
Outro autor, Bakhtin (2004), também estudioso da ciência da linguagem,
revela numa definição sobre a língua que:
A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2004, p.123).
Como se viu, Vygotsky, Bernstein, Feuerstein, Bakhtin se reportam ao
meio social como o principal fator de desenvolvimento e de aprendizagem. E neste
sentido, cabe agora refletir sobre a segunda questão fundamental do trabalho – os
fatores de ajuda têm sido implementados pela família e pela escola no sentido de
mobilizar o desenvolvimento da linguagem e da leitura pelas crianças com
dificuldades de aprendizagem?
161
Quanto aos pais, pela própria inexperiência no uso da linguagem, e da sua
base de conhecimento escolar, mesmo reconhecendo as limitações das crianças,
não têm contribuído muito para sanar as dificuldades de aprendizagem de seus
filhos.
A pesquisa revelou na entrevista com as mães ou responsáveis que essas
pessoas percebem claramente as reais limitações das crianças em relação à
aprendizagem, apontam as áreas onde o aprendizado da crianças foi menor, se
leitura, escrita ou matemática. Revelam também uma preocupação com a
memorização, atenção, a hiperatividade ou de adaptação das crianças relacionadas
ao aprendizado e à escola. Algumas dão mostras de suas insatisfações relacionadas
ao ensino e à escola, e da dificuldade em ajudar os filhos.
O professor reconhece as áreas de menor aproveitamento das crianças,
é capaz de descrever quais as crianças com problemas de aprendizagem e quais as
áreas em que o aluno demonstra menor habilidade.
O estudo revelou com relação à mediação do adulto, mais
especificamente do professor, no processo de aprendizagem das crianças é que, da
forma como vem ocorrendo, não tem sido suficiente para modificar os resultados
apresentados pelas crianças quanto às dificuldades de linguagem e de leitura.
Traçando um paralelo entre as dificuldades de leitura apresentadas pelas
crianças do estudo e os dados mais recentes do SAEB (2003), e os níveis de
competências adotados pelo órgão, observou-se que as crianças analisadas
apresentam respostas compatíveis com o nível crítico, e dessa forma, engrossam o
número de crianças que estatisticamente encontram-se na faixa dos 55% que ainda
se encontram em estágios inferiores quanto às habilidades de leitura e a
interpretação de textos.
Enfim, para encerrar, restaria dizer duas palavras.
Primeiramente, que há poucas crianças, em cada sala, com dificuldades
de leitura, isto é, uma média de 2 a 5 crianças, embora os fatores limitantes e reais
de trabalho do professor devam ser reconhecidas, o que não se pode deixar de ver,
é que este não é um número elevado que impeça uma atuação mais efetiva por
parte do professor, no sentido de proporcionar uma maior mobilização, por parte da
criança, em prol do desenvolvimento das suas diversas zonas proximais.
162
Em segundo lugar, que a pouca mediação do professor no processo de
desenvolvimento da criança com dificuldades de aprendizagem não pode ser tratada
apenas como um mero resultado de pesquisa. Este deve se notadamente ponto de
partida para uma reflexão muito séria acerca dos fatores de ajuda que têm sido
colocados à disposição do professor no sentido de permitir-lhe a) a construção de
um processo de avaliação mais precisa dos fatores que interferem no aprendizado e
de seus alunos; e b) a superação de suas próprias limitações no entendimento e no
uso da linguagem como dispositivo de comunicação e de construção do
pensamento, seu mesmo e de seus alunos.
Finalmente, o estudo abre as portas para se recomendar novas pesquisas
principalmente um aprofundamento das questões referentes à linguagem.
Também, recomenda-se como um dos pontos de ajuda ao professor, a
formulação de meios de socialização dos instrumentos utilizados na presente
pesquisa como um passo inicial para se discutir e pensar a criação de novos
instrumentos, adaptados à realidade brasileira.
Para finalizar, Feuerstein (in GOMES, 2002, p.66) denominou de fator de
modificabilidade, dois paradigmas fundamentais: “A modificabilidade é uma
condição filogenética da espécie humana, pertinente a todos os seres humanos
(exceto em raríssimas situações). A modificabilidade é proporcionada pelo fator
sociocultural”.
Então, para que se possa mudar, é preciso, primeiro, conhecer melhor a
nossa própria prática, as reais dificuldades das crianças que levam ao fracasso
escolar. Nos programas de formação continuada, investe-se muito nas metodologias
e práticas de ensino, sem antes conhecer a realidade, porém, não se modifica algo
que não se conhece. As crianças têm sim, dificuldades de aprendizagem, incomum
seria não ter, não seria humano. Mas para intervir, mediar, é preciso antes,
conhecer, não empiricamente, mas o real, com a pretensão de alcançar o potencial.
Só será possível modificar, rompendo a barreira do desconhecido, perder
o medo de revelar as fraquezas, reconhecer as próprias limitações, dispostos a
recomeçar, a mudar.
163
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170
QUADRO 5 – LEVANTAMENTO INICIAL DAS CRIANÇAS
PROFESSOR: A CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 1 Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
Emi * 11 Muita dificuldade de leitura lê silabas simples, em matemática é mais desenvolvida, aprende hoje amanhã já esquece, troca as letras na
leitura, mora com a família, mãe analfabeta, falta muito. Nay * 10 Copia bem, não tem problema de comunicação, troca letras na leitura,
não lê, não tem problema de relacionamento, é participativa, mora com a avó.
PROFESSOR: B CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 2 Nº de ordem
Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
01 Car * 9 Dificuldade na leitura e produção de texto, maior facilidade na matemática. Tem bom relacionamento
02 Evi 9 Dificuldade na produção de texto, não finaliza as atividades, consegue ler bem.
03 Luc * 9 Muita dificuldade na leitura e produção de texto 04 Mat Lê bem, porém produz muito pouco. 05 Lui * 12 Dificuldade na produção e leitura. Aluno transferido
recentemente para a escola. 06 Dio
(1ª fase do 1º ciclo, é repetente) 8 Não lê, conhece pouco as letras, demonstra às vezes
reconhecer e outras vezes não. Não se mostra motivado.
07 Wil * 9 Dificuldade na leitura e produção, matemática é excelente
171
PROFESSOR: F CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 2 (EXCLUIDA)
Nº de ordem
Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
01 Fran
11 Problema na fala, troca o /p/ pelo /b/, lê e copia, o problema está nos sons da fala
02 Gus * 9 Lento para escrever, Lê pouco, conhece as letras, mas é lento. É calado, fica mais isolado, brinca um
pouco mais é parado
PROFESSOR: C (matutino) CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 3
Nº de ordem
Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
01 Ada * 9 Problema na leitura e escrita, dificuldade de escrever, lê pouco tem bom relacionamento. Conversa com a
professora, pergunta, fala bem. 02 Bru * 9 Problema na escrita e leitura também. É muito tímida.
03 Cri * 10 Não escreve e não lê, mora com o padrasto e a mãe, fala bem, e muito, conversa, pergunta, bom
desenvolvimento, porém não se interessa pelas atividades de sala de aula.Falta muito, mãe não se
importa. 04 Gra * 9 Problemas na escrita e na leitura, fala muito baixo, é
super tímida, não se expressa, é muito parada. 05 Jos *
(desistente) 12 Aluno com dificuldades de aprendizagem, esquece o
que aprende, dificuldades de leitura 06 Jsi * 10 Irmã de Jos , praticamente as mesmas dificuldades
172
PROFESSOR:D (vespertino) CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 3 Nº de ordem
Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
01 Ala * 10 Letra bonita, porém só copia, leitura ruim, a professora ensina e pouco tempo depois não sabe mais. É retraída, não pergunta, falta às aulas. Tem problemas familiares,
não progrediu, não tem amigos, lê muito pouco. 02 Mar 11 Fala normal, mas retraído, não participa da aula,
agressivo, não tem amigos, agride as outras crianças, a professora acha que ele não tem muita dificuldade, mas não se interessa por nada, chama para o reforço, mas
ele não vem. 03 Cla * 11 Transferida, mora na zona rural, tem dificuldade de
leitura, escreve bem, não tem consistência na aprendizagem.
04 Cro * 13 Dificuldade na interpretação, letra bonita, dificuldade na leitura.
05 Mat 9 Pais são separados, problemas familiares, mora com a tia e a avó, tem dificuldade de leitura e escrita, mas
participa e tem amizade com outras crianças. 06 Lua 8 Dificuldade de leitura, hiperativo, mãe mora na
Inglaterra, está morando com a tia, teve na Inglaterra por 6 meses, troca letras na escrita.
07 Ale* 10 Dificuldade de leitura, retraído, não participa na sala de aula. Mora na zona rural. Dificuldade na escrita, (não
tem dificuldade em aprender e gosta da matemática, não tem muitos amigos. Tem um irmão na 2ª fase do 2º ciclo
com dificuldade (Arlindo).
173
PROFESSOR: E (vespertino) CLASSE: 1ªfase do 2º ciclo ESCOLA: 3
Nº de ordem
Nome do aluno Idade Dificuldades de aprendizagem
01 And * 9 Agora que está desenvolvendo a leitura, não lia nada até o ano passado, escreve muito pouco, em matemática até que é um pouco melhor, gosta mais. Fala bem, é ativo e desinibido.
02 Âng * Foi transferida
10 Tem 4 irmãos, todos com dificuldade de aprendizagem. Esquece o que aprende, não desenvolve, escreve bem e pinta bem, lê pouco, fala bem,porém inventa histórias que
parecem não corresponder á realidade. 03 Eli *
11 Problemas na escrita e na leitura é tímido, não faz perguntas,
chorava muito na escola no ano passado, está mais ativo e alegre.
04 Lea * (mudou-se)
11 Problema na escrita e leitura, não lê bem, só soletra, é tímido, brinca com os amigos, mas não tem interesse em sala de aula, não pergunta, a professora precisa estar chamando
para te sua atenção. 05 Reg 9 Lê bem, escreve mal, letra feia, desatento, bom
relacionamento com todos. 06 Ana * 11 Irmã gêmea da Ana Claudia, apresenta dificuldades de leitura
Observação: *dificuldades de leitura.
180
PERFIL DAS CRIANÇAS – SUJEITOS DA PESQUISA
1. Emi
Emi tem 11 anos, e segundo a professora apresenta muita dificuldade de
leitura (lê sílabas simples); em matemática é mais desenvolvida, mas normalmente o
que aprende hoje, esquece no dia seguinte. Troca letras na leitura, falta muito, mora
com a mãe.
A mãe informou que a menina é a primeira filha de um casal de filhos. A
mãe teve ameaça de aborto na gestação da criança, que “passou da hora de
nascer” (sic), nascendo de parto cesariana, cianótica; não chorou ao nascer e logo
após o nascimento esteve internada com pneumonia e bronquite. Foi amamentada
até o 3º mês. Não come bem, não gosta de verduras. Engatinhou com 8 meses e
andou com 1 ano e 2 meses. Acha que falou com 1 ano mais ou menos, não teve
problemas de fala.
A criança é desatenta, às vezes parece não ouvir quando a mãe fala com
ela. Tem amigos, e boa socialização, gosta de dançar e ouvir música com a mãe e o
irmão. Gosta de jogar bola. Como a mãe trabalha, quando não está na escola fica na
casa da avó ou da tia, que moram perto. Quanto à escola, a mãe relatou que Emi já
reprovou dois anos. Quando lhe é ensinada uma frase, ela lê, mas quando logo
depois é perguntada diz que já não sabe mais. Na escola às vezes era discriminada
pelas crianças pela sua descendência indígena.
2. Nay
A criança Nay tem 10 anos, e segundo a professora, copia bem, não tem
problema de comunicação, é participativa, não lê (troca letras na leitura), mora com
a avó.
Na entrevista a avó disse que cria a menina e mais outra neta. São sete
pessoas na casa. A mãe é mãe solteira e teve 5 filhos, sendo Nay a 3ª, criada pela
avó desde pequena. Há outro irmão que também tem dificuldades na escola.
Nasceu de parto normal, bem pequena, mamou no peito 1 ano, se alimenta bem,
andou com 10 ou 11 meses, falou cedo, mas acha que ela fala meio enrolado,o que
dificulta o entendimento; tem problema de adenóide.
Faz facilmente amizade, porém é nervosa e chora com facilidade. Gosta
de brincar de boneca e bola, assistir desenho e às vezes ajuda nas tarefas
181
domésticas. Tem dificuldades na escola, a irmã ajuda e até mesmo faz as tarefas
por ela, pede às vezes para a avó comprar livros e esta diz comprar, porém a
criança lê com dificuldade, gaguejando, e as pessoas não conseguem entender o
que ela lê.
3. Car
Segundo a professora, Car tem dificuldade na leitura e produção de texto,
maior dificuldade também em matemática, e um bom relacionamento com os
colegas. Ele tem 9 anos.
A criança mora com a avó, com quem foi feita a entrevista. A mãe estuda
em Cuiabá e a avó cuidar de Car e de mais um irmão menor. O menino nasceu de
parto cesariana, sem intercorrências, e foi amamentado até os 3 meses. Teve
icterícia com dezessete dias e passou 10 dias na UTI, em Cuiabá. Andou com 1 ano
e 6 meses, por causa de umas feridas e bolhas que tinha no pé. Falou com 1 ano e
6 meses e fala bem; chupou chupeta até os 2 anos. A criança parece revoltada com
o pai, que tem outra família. Gosta de andar de bicicleta e jogar bola. A avó trabalha
e ele fica 3 vezes por semana no Projeto - “AABB Comunidade”. Quando estão em
casa assistem filmes e a avó o coloca para estudar tabuada e leitura, mas ele ainda
não está lendo direito; a avó refere que a letra da criança é feia e não está
desenvolvendo. Tem amigos, mas é tímido.
4. Luc
Luc tem 9 anos, e segundo informação da professora tem muita
dificuldade na leitura e produção de texto.
A criança é o 2º de três filhos, nasceu de parto cesariana; a mãe teve
queda de pressão na gestação e complicações e hemorragia no parto. A criança
nasceu cianótica, teve problemas de desmaio até os 2 anos, não podia chorar que
desmaiava. Apresenta enurese noturna (faz uso de falda) e ás vezes não controla e
defeca na roupa durante o dia. Mamou até os 4 meses, engatinhou pouco pois a
mãe tinha medo de colocá-lo no chão, e andou com 1 ano e 2 meses. Apresenta
também tremor nas mãos.
Fez exames neurológicos que não constataram nenhum problema. È
bastante falante, nervoso em casa, ás vezes mal educado. A mãe refere que a
criança é muito paparicada e não sendo muito corrigida devido ao receio de
182
desmaios. Participa do Projeto “AABB Comunidade”. Gosta de jogar bolinha de gude
no quintal com os colegas e jogar bola na praça, além de jogar mini-game e
desenhar. A mãe acha que a criança está fraca na escola, não está lendo direito, lê
gaguejando, não gosta de escrever, é desorganizada em casa e com o material
escolar; é bom em matemática.
5. Lui
Lui tem 13 anos, é o primeiro de 3 filhos, e a professora apontou
dificuldades de produção de texto e leitura. O aluno foi transferido recentemente
para a escola.
Segundo a mãe, que não fez pré-natal, Lui nasceu de parto normal, foi
amamentado até os 2 meses e chupou chupeta até os 3 anos. Andou com 1 ano e 2
meses, teve dificuldades na fala, começando a falar melhor com 3 anos e meio. Foi
levado ao médico, que disse ser normal; em outro momento a mãe disse que o
médico passou um remédio por pouco tempo e a médica disse que ele era normal,
porém não havia desenvolvido algo no cérebro. Tem dois tios paternos com
gagueira.
Em casa, às vezes tem bom comportamento e às vezes é muito nervoso;
quando contrariado jogava pedras na porta e batia nas irmãs. Morava antes na
fazenda, e 2004 a mãe e as crianças passaram a morar com uma cunhada na
cidade, retornando para a fazenda em 2005. Lui sempre teve muita dificuldade na
escola, 3 anos atrás foi levado para a APAE para encaminhamento ao neurologista,
que não constatou nenhum problema.
Já passou por várias escolas no município e uma em Sorriso. Gosta de
jogar bola, tem bastantes amigos, mas é fechado em casa, não gosta muito de
conversar, fica mais sozinho. No pré, fugia da escola, e a mãe por vezes ficava junto
na sala, mas mesmo assim ele se recusava a fazer as atividades.
6. Wil
A criança tem 9 anos, é o 2º de três filhos. A professora disse que ele
apresenta dificuldades na leitura e produção de texto, mas em matemática é
excelente aluno.
Segundo a mãe, apesar de duas ameaças de aborto na gravidez o filho
nasceu de parto normal, não foi amamentado no seio. Come bem, andou antes de 1
183
ano de idade, não engatinhou, mas arrastava-se no chão. Esteve internado uma vez
com bronquite (tem bronquite asmática). Gosta de jogar videogame e brincar de
bicicleta ou “bolita” com o irmão, a mãe não gosta que ele brinque com outras
crianças da vizinhança. A criança convive mais com adultos, pais e avós. Fala bem,
a mãe considera-o lento para leitura e refere que ele teve um atraso na leitura; acha
que a criança teve uma regressão na passagem pré para o ciclo, pois já lia e
escrevia o nome e das pessoas da casa e depois no ciclo, iniciou novamente a
alfabetização, a mãe acha que houve algum bloqueio, além de dificuldades de
adaptação na nova escola. Tem dificuldades de comunicação fora de casa.
7. Ada
Ada tem 9 anos, é o 2º de dois filhos, segundo a professora apresenta
problemas de leitura e escrita, dificuldade de escrever, lê pouco, tem bom
relacionamento, conversa com a professora, pergunta e fala bem.
Segundo a mãe, a sua gestação foi normal, parto cesariana; teve icterícia
ao nascer, quando tomou medicamentos; foi amamentado por 6 meses, andou com
1 ano mais ou menos, falou na época certa, mas um pouco errado, ainda troca
algumas palavras, costuma perguntar para a mãe como é que se fala. Tem boa
socialização, tem amigos na escola e na vizinhança. A criança nasceu com problema
de adenóide e operou as amídalas aos 2 anos. Costuma pedir que a mãe conte
histórias, pois quando vai à casa da avó ela costuma contar.
Gosta de jogar bola e bolinha de gude. Na escola, desde o início no pré,
teve problemas. Era hiperativo, gostava de andar, e a mãe acha que ele teve um
bloqueio porque a professora era muito rígida com ele e disse na frente da criança
que ele não aprendia por ser hiperativo. Desde então não quis mais ler. A criança já
reprovou na II fase do I ciclo.
Ele lê apenas palavras mais fáceis, não tem interesse nas atividades que
mandam para casa, faz obrigado pela mãe; gosta de matemática e tem dificuldades
em produção de texto. Tem pouco relacionamento com o pai, que é alcoólatra, e às
vezes responde de modo rude para as outras crianças.
8. Bru
A criança tem 9 anos e apresenta dificuldade na leitura e escrita, é muito
tímida, segundo a professora.
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A mãe teve uma gestação tranqüila, porém ao término teve uma
hemorragia, ficou nervosa e precisou fazer cesariana. A criança nasceu bem, foi
amamentado até os 3 anos, teve desenvolvimento motor normal; foi internado
apenas uma vez com diarréia. Começou a falar cedo, mas ainda tem dificuldade
para pronunciar algumas palavras, é uma criança frágil, emburra e chora com
facilidade.
É carinhosa e conversa bastante, na escola tem amigos. Tem um caso de
deficiência na família do pai. Gosta de ajudar a lavar louça e brincar de pular
elástico. Na escola tem dificuldade, principalmente para ler. Gosta muito de cantar o
hino; como tem dificuldades nas palavras, fica nervosa e os colegas riem-se dela.
9. Cri
Tem 10 anos, é filha única, vive com a mãe e o padrasto, seu pai é
falecido. A professora argumentou que a criança não escreve e não lê, fala bem e
muito, conversa, pergunta, tem um bom desenvolvimento, porém não se interessa
pelas atividades de sala de aula, falta muito, sendo que a mãe parece não se
importar.
Segundo a mãe, a criança nasceu de parto normal, saudável, foi
amamentada por 6 meses e não teve nenhum problema de saúde grave, apenas
ficou uma vez internada por 3 dias com pneumonia. Falou cedo e é muito faladeira,
sempre conviveu muito com adultos.
Tem bom relacionamento com as pessoas. Quando estão em casa gostam
de assistir filme ou visitar a casa de alguém. Gosta de jogar bola e “beti” (jogo com
taco e bola, jogado na rua). Tem dificuldade em matemática e não lê. Começou a
fazer tratamento hormonal com 8 anos, pois estava tendo um desenvolvimento
precoce. É nervosa, irritada, não gosta de ser contrariada. Em 2005, ficou retida na I
fase do II ciclo e faz aulas de reforço no período vespertino.
10. Gra
Gra tem 9 anos, é a 3ª de sete filhos, e segundo a professora apresenta
problemas na leitura e na escrita, fala muito baixo, é super tímida, não se expressa,
é muito parada.
Na entrevista a mãe relatou que Gra nasceu de parto normal, mas ela teve
que tomar remédio, pois a criança ameaçou nascer de 8 meses, teve que ir e vir do
185
hospital várias vezes. Quando nasceu, ficou na incubadora por meia hora. Foi
amamentada por 1 ano e meio, andou na época certa e não teve problemas no
desenvolvimento motor ou de fala. Tem uma tia com dificuldade de aprendizagem.
Ela é chorona, muito nervosa e ciumenta com os irmãos, quer a atenção da mãe
para ela. Seu lazer é ir à igreja Assembléia de Deus; costuma brincar sozinha de
boneca. Parece ter problemas de atenção quando a mãe tenta lhe ensinar.Troca as
letras na escrita e não lê bem.
11. Jsi
Jsi tem 10 anos, segundo a professora apresenta dificuldades de
aprendizagem, esquecendo o que aprende, e tendo dificuldade de leitura.
A mãe da criança, na entrevista declarou que a gestação correu bem,
apesar de ter que controlar a pressão para fazer cesariana e laqueadura. A criança
nasceu um pouco inchada e “passou um pouco da hora de nascer”. Sempre teve
saúde e foi gordinha. Mamou no seio, não teve problemas na fala, falou cedo. Teve
um bom desenvolvimento. Gosta de fazer amizades, pergunta as coisas para a mãe,
é uma criança comunicativa. Gosta de brincar com as primas e chupar frutas no
quintal. É responsável, se empenha para realizar as tarefas da escola. Mãe diz que
agora é que ela está lendo alguma coisa, mas tem dificuldade nos grupos
consonantais. Pede ajuda para a mãe e para a prima nas tarefas escolares, tem
vontade de aprender.
12. Cla
A criança tem 11 anos, é gêmea com Ana, e tem mais um irmão menor.
Pelas informações da professora, destacamos que a criança foi transferida, no 2º
semestre de 2004 para a Escola Castorina Sabo Mendes, mora na zona rural, tem
dificuldade de leitura, escreve bem, mas não tem consistência na aprendizagem.
Segundo a mãe, seu parto foi complicado, sofrido, e as meninas nasceram
de 8 meses. Cla nasceu com 2, 700 Kg, teve que ir para a incubadora, mamou até 9
meses. Andou com um ano e três meses, demorou a começar a falar (mãe acha que
falou com mais ou menos 2 anos). Quando as crianças nasceram o médico disse
que elas teriam problemas de aprendizagem devido ao parto. Mãe ameaça levá-la à
psicóloga, pois lhe responde e não obedece. Em casa, a criança gosta de jogar
dominó, de ir com a família pescar, de pular corda e elástico. A família mudou-se
186
várias vezes nos dois últimos anos, o que a mãe acha que tem influenciado nos
estudos da criança. A Cla tem mais dificuldade que Ana.
13. Ana
Tem 11 anos e é irmã gêmea de Clã; tem mais um irmão menor. Segundo
a professora, a criança apresenta principalmente problemas na leitura.
Para a mãe, Ana tem menos dificuldade de aprendizagem que a irmã,
nasceu de 8 meses, depois de um parto difícil, não precisou de incubadora, nasceu
com 2,600 Kg, mamou até 6 meses, andou com 1 ano e 3 meses, começou a falar
com 2 anos, mais ou menos. Ana é mais calma que a irmã e mais esforçada na
escola, tem procurado estudar mais, para passar de ano. Elas se ressentem um
pouco por estudar em salas separadas. Ana já consegue ler melhor que Cla.
Mudaram muito de escola nos últimos 2 anos por causa do emprego do pai.
14. Cro
A criança tem 13 anos, já com sinais claros de desenvolvimento da
puberdade, e é a terceira de quatro filhos. A professora relatou que ela tem
dificuldade na interpretação, tem uma letra bonita, mas tem dificuldade na leitura.
Entrevistamos o pai, pois as crianças foram abandonadas pela mãe ainda
pequenas e criadas por ele. Segundo o mesmo, a criança nasceu de parto normal,
bem, e seu desenvolvimento de fala também foi normal. A menina é tímida, um tanto
fechada, não gosta de sair de casa. Costuma brincar com os irmãos. Quando não
está trabalhando, leva as crianças para nadar no rio, onde passam o dia todo.
Ela sempre teve dificuldades na escola, mais em matemática, e lê pouco.
Já reprovou um ano, na 2ª série, em outra escola. O pai acha que o problema da
mãe causa problemas na criança. Está casado recentemente, e a ex-esposa tem
perturbado a família. Quando a mãe foi embora a maior tinha 12 anos e Cro era
praticamente um bebê.
15. Ale
Ale tem 10 anos, é o caçula de 10 filhos. Para a professora as dificuldades
da criança estão no comportamento, é muito retraído, não participa na sala de aula,
também na leitura e na escrita, é melhor em matemática. Não tem muitos amigos,
tem um outro irmão na escola que também tem dificuldade de aprendizagem.
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Segundo a mãe, nasceu de parto cesariana, mas porque ela queria fazer
laqueadura, pois os outros nove filhos foram todos partos normais. Teve um
desenvolvimento motor e de fala normal, alega que a criança tem muito problema de
estômago. Gosta de andar de bicicleta e ajuda a mãe varrendo o terreiro e pegando
água. Lê um pouquinho segundo a mãe, acha que ele está pior na matemática. Ele é
uma criança alegre com a mãe e o pai, mas fica zangada com os irmãos, brigando
com eles. Tem amigos na escola.
16. Ala
Ala tem 10 anos, é a mais velha de 5 filhos. Segundo a professora, a
criança tem uma letra bonita, mas só copia, a professora ensina e pouco tempo
depois não sabe mais. É retraída, não pergunta, falta às aulas. Tem problemas
familiares, não progrediu, não tem amigos, lê muito pouco.
Nasceu de parto normal, que correu bem, pesando 3,700 Kg. Andou aos 9
meses e falou na época certa. Não tem bom relacionamento com o padrasto, mas
brinca normalmente com os irmãos. Ela é muito nervosa. Gosta de andar de
bicicleta, ela está fraca na escola, ela não conhece as letras. É revoltada por causa
do pai, sente falta do pai, que segundo a mãe tinha também dificuldade de
aprendizagem e era analfabeto.
17. And
And tem 9 anos, é o 2º de quatro filhos. Para a professora, somente agora
no final do ano está desenvolvendo a leitura, pois não lia nada até o ano passado.
Escreve muito pouco, em matemática é um pouco melhor, gosta mais. Fala bem, é
ativo e desinibido.
Segundo a mãe, ele nasceu de parto normal, correu tudo bem. Seu
desenvolvimento motor e de fala foram normais, não foi amamentado no seio. A
criança não teve nenhum problema de saúde, e tem dois irmãos deficientes que
freqüentam a APAE. Para a mãe, o que tem melhor desempenho escolar é ele, e
sua outra irmã também tem problemas de aprendizagem. Quando está de folga, a
criança gosta de ir para a casa da avó. Acha que a maior dificuldade dele é na
leitura.
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18. Eli
A criança tem 11 anos e tem somente uma irmã mais velha. As
dificuldades do Eli, segundo a professora, são tanto na escrita como na leitura. É
tímido, não faz perguntas, chorava muito na escola no ano anterior. Em 2004, esteve
mais ativo e alegre.
A mãe relatou que ele nasceu de parto normal e correu tudo bem, nasceu
com 2,800 Kg, mamou um ano no seio, não teve nenhum problema de saúde,
esteve internado apenas uma vez por intoxicação alimentar. Seu desenvolvimento
motor foi normal e o de fala também. Onde moram não há crianças da idade dele,
que gosta de jogar bola com os adultos. Reprovou em 2003. A mãe teve um irmão
com dificuldade na escola. Gostam de ir ao rio perto de onde moram para tomar
banho e andar de bicicleta. Segundo ela, sua maior dificuldade é a leitura. Eles
mudam muito de lugar, ele tem dificuldade em se adaptar. Tem amigos na escola.
A seguir, serão apresentados alguns dados complementares que ajudarão
a compor o quadro correspondente ao contexto familiar que as crianças vivem,
importantes para se conhecer um pouco mais as crianças, suas condições sociais e
familiares.
190
Fotos das Atividades Propostas
Atividade 3 Atividade 4
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Atividade 1 Atividade 2
LLeeii ttuurraa iinniicc iiaall
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