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  • MARCEL MAUSS OU A DDIVADE SI Marcel Fournier

    Metade da dcada de 1930. Marcel Mauss tem sessenta anos. No plano profissional o "sucesso": acaba de ser

    nomeado professor do Collge de France depois de uma luta acirrada que o ops ao cl dos catlicos e a todos aquelesque no queriam ver a sociologia (durkheimiana) entrar na fortaleza. Mauss tambm directeur d'tudes na EcolePratique des Hautes Etudes, Seo de Cincias Religiosas, e secretrio do Instituto de Etnologia de Paris, fundado porele em 1926. Aquele que nunca quis ser um modelo faz "escola" diante de alunos fascinados e desconcertados: "Elesabe tudo", dizem eles. Nunca ele ensinou tanto: mais de nove horas de aula por semana. Seu brilho internacional:convite para apresentar a Oxford Lecture, correspondncia com antroplogos e socilogos do mundo inteiro,principalmente ingleses e americanos, etc. "a glria", como reconhece Paul Fauconnet quando Mauss convidadopara ir a Copenhague em 1938.

    Em meados da dcada de 1930 d-se a vitria - por longo tempo esperada - dos socialistas, o Front Populaire.Mauss conhece Lon Blum desde a dcada de 1900. Fiis a Jaurs, Mauss e Blum militaram no Partido Socialista; noimediato ps-guerra opuseramse criao do PCF e lutaram para conservar a herana de Jaurs no interior da SFIO.Mauss foi jornalista e administrador do Humanit, colaborou no La Vie Socialiste e participa ativamente, com Blum,da aventura do Populaire. A chegada de Lon Blum ao poder vem de alguma maneira coroar trinta anos de luta.

    Tanto no plano profissional como no poltico, a dcada de 1930 pode parecer, para Mauss, uma espcie deapogeu. E no entanto... Fissuras aparecem, numerosas: um encargo pedaggico e administrativo muito pesado,problemas de sade - seus e sobretudo de sua mulher-,dissenses no interior da SFIO e, como pano de fundo, aascenso do fascismo. No seio de seu partido Mauss est entre os minoritrios, com Renaudel e Dat, mas nopretende afastar-se nem filiar-se ao novo Partido Socialista da Frana em 1935. J bem menos ativo, o "velhomilitante" encontra-se imobilizado, paralisado. Por outro lado, as obras que Mauss empreende - a que trata da Prece,mas tambm as que versam sobre o Bolchevismo e a Nao - ficam inacabadas. Seus trabalhos esto dispersos: "provisrio", queixa-se ele. Mesmo o relanamento do Anne Sociologique fracassou e o futuro da nova frmula dosAnnales Sociologiques parece muito duvidoso. O herdeiro Mauss - ele sobrinho de Durkheim - no consegue fazerfrutificar sua herana. Finalmente, no plano pessoal, Mauss defronta-se com numerosos problemas: casa-setardiamente em 1934 e pouco tempo depois do casamento sua mulher tem de ser hospitalizada devido a um acidentecom gs. Mauss, tambm doente, transforma-se em enfermeiro. Em suma, de um lado a glria; de outro asdificuldades, para no dizer os fracassos.

    No momento estou concluindo a redao da primeira biografia intelectual daquele que aparece como o pai daetnologia francesa. Esse trabalho me permitiu descobrir um grande nmero de textos pouco conhecidos (artigos dejornais e revistas) ou inditos (conferncias, manuscrito sobre A Nao) e tambm tomar conhecimento dacorrespondncia pessoal (inclusive mais de quatrocentas cartas de Durkheim)(1). Gostaria hoje de 1) traar um retratoto completo quanto possvel de Mauss - o erudito e o militante - e 2) isolar um dos "fios condutores" de sua vidaintelectual e poltica. Esse fio, como indica o ttulo de minha conferncia, a Ddiva, a ddiva de si.

  • 1. Marcel Mauss, o erudito e o militante

    Marcel Mauss espontaneamente identificado a Emile Durkheim, de quem sobrinho, discpulo e alter ego."A sombra de Durkheim", dizem aqueles que querem qualificar uma atividade intelectual realizada em estreitacolaborao: compilao das tabelas para o Suicdio, atividade na revista Anne Sociologique, fundada em 1896,redao do ensaio sobre "Algumas formas de classificao primitiva". Desse excesso de trabalho em colaborao,Mauss afirma: "Colaborei em tudo o que (Durkheim) fez, como ele colaborou comigo e mesmo reescreveu pginasinteiras de meus escritos."

    Certamente colaborao, mas tambm dependncia. O tio forma seu sobrinho; exerce tambm sobre ele umavigilncia estreita, muitas vezes enervante, e no somente sobre o seu trabalho mas tambm sobre sua vida privada. ,alis, "a partir das indicaes de Durkheim" que Mauss se orienta, depois de sua agrgation* de filosofia em 1895,para a sociologia religiosa, e que realiza estudos sobre histria das religies na Ecole Pratique de Hautes Etudes.

    O destino social do tio e do sobrinho semelhante: estudos de filosofia, agrgation, carreira no ensino e napesquisa. Itinerrio tpico de jovens judeus provincianos que "subiro" para Paris: "O judeu procura", escreveDurkheim em O Suicdio (1897), "se instruir, no para substituir seus preconceitos coletivos por noes refletidas, massimplesmente para estar melhor armado na luta. para ele um meio de compensar a situao desvantajosa que lhereserva a opinio pblica e, algumas vezes, a lei."(2)

    Os dois nasceram em Epinal, na regio dos Vosges, Durkheim em 1858 e Mauss em 1872. Os dois recebemuma slida educao judaica. Durkheim tem como outro prenome Mose e Mauss, Isral. Pesada herana. Ambos sedistanciam em relao religio - alimentao no casher, casamento laico da filha de Durkheim - mas continuammuito ligados sua comunidade e participam das festas familiares. Mauss segue ento os passos de Durkheim, assistetambm s aulas de seu tio na Universidade de Bordeaux. Outro ponto em comum: Mauss perde o pai no mesmo anoem que Durkheim perde o seu. 1896, preciso lembrar, o ano da criao da Anne Sociologique; 1895 e 1896 sotambm, segundo Bernard Lacroix(3), os anos do verdadeiro incio da sociologia (durkheimiana) das religies: "(...)Em 1895 tive a noo clara do papel capital desempenhado pela religio na vida social. Foi nesse ano que, pelaprimeira vez, encontrei o modo de abordar sociologicamente o estudo da religio. Isso foi para mim a revelao"(4).No mesmo ano, depois de ter passado na agrgation (3e), Mauss se orienta para o estudo das religies dos povos ditosno civilizados.

    Portanto, mesmo destino social. Mas, em um e em outro caso, uma maneira diferente de realiza-lo. Em mais deum plano Mauss se distingue de fato de seu tio:

    a) Antes de tudo, no plano da personalidade e do modo de vida. Durkheim um homem de aparncia severa,que impe respeito: fisionomia plida, fronte alta e desnuda, barba curta e bigode cerrado, nariz forte de rabino, olhosprofundos (5). Sua vida asctica, inteiramente voltada para o trabalho intelectual: labor imenso, grande ansiedade emrelao ao sucesso de suas aulas. Com a idade de 29 anos ele se casa - um "belo casamento"(6) - com Louise Dreufus,mulher de boa famlia que lhe inteiramente devotada e que lhe d dois filhos, uma menina, Marie, e um menino,Andr.

    Mauss o oposto de seu tio: celibatrio at os 62 anos, ou seja, a idade em que, segundo sua me, correse orisco de realizar um "casamento insensato", vida de bomio, pouco entusiasmo pelo trabalho, perdulrio. Tudo issodesespera o tio, que o recrimina por "perder tempo com bagatelas" e procura por todos os meios "sacudir essa beladespreocupao que se tornar rapidamente apatia ou indolncia"(7). 0 efeito conjugado do "idealismo exigente defazer bem feito" e da "necessidade de levar uma existncia docemente embalada" conduz o sobrinho "impotncia". "0mal no tem remdio", conclui Durkheim; "tratamos com um incurvel. Para mitigar os efeitos do mal, no posso fazermais do que fao - a saber, cham-lo sem cessar a seu dever e fazer uma parte do seu trabalho"(8).

    Mesma queixa por parte da me, que lhe escreve todas as semanas. Mme. Mauss uma "mulher forte", deidias firmes, dir Durkheim; ela administra energicamente a empresa familiar - um ateli de bordado a domiclio - esegue atentamente a carreira escolar e profissional do filho. Trs grandes temas esto presentes na correspondnciaentre me e filho: o casamento, a tese (sobre a Prece) e o dinheiro. "Eu sofro", escreve ela, "ao ver esse pobre dinheiro

  • fugir to depressa quando preciso tanto sacrifcio para ganh-lo"(9).

    b) Em seguida, no plano da carreira profissional. Os itinerrios profissionais do tio e do sobrinho so, como eudizia, semelhantes: agrgation, temporada de estudos no estrangeiro, ensino. Mas suficiente uma anlise rpida paraperceber as diferenas: Mauss obteve sua agrgation mas no foi aluno da Ecole Normal Suprieure; Mauss leciona,mas no defendeu a tese de doutorado e como agreg no trilha o caminho clssico (liceu, universidade). Mauss estem uma instituio um tanto marginal, menos prestigiosa que as faculdades universitrias: trata-se da Ecole Pratiquedes Hautes Etudes, uma escola de erudio que acentua a pesquisa e que para Mauss se torna rapidamente, segundo aexpresso de sua me, uma ratoeira. (O que um bom trocadilho quando se sabe que Maus quer dizer camundongo emalemo). Mauss logo procura escapar, apresentando em 1909 sua candidatura a uma cadeira de histria das religies noCollge de France. Derrotado por Alfred Loisy, o abade excomungado em razo de seus escritos herticos e de suainsubmisso Igreja, Mauss deve "ter pacincia" durante quase trinta anos para entrar na "fortaleza".

    posio que Mauss ocupa no campo universitrio, e que o coloca do lado da pesquisa e no do ensino,associa-se todo um conjunto de atributos (salrios inferiores) e de disposies intelectuais: frmula do seminrio(pequeno grupo)/curso magistral (grande grupo); trabalhos de erudio/trabalhos "dogmticos" ou de sntese. Essaoposio se encontra no seio mesmo da Anne Sociologique: de um lado Hubert, Mauss e Simiand; de outro, Bougl eFauconnet. Se h uma coisa em Durkheim que enerva seu sobrinho o tempo que este perde com suas aulas: a relaoque Mauss mantm com seu trabalho intelectual traduz bem o ethos do pesquisador:

    "No estou interessado", confia ele a E. E. Eubank, "em desenvolver teorias sistemticas (...) Trabalhosimplesmente com os meus materiais e se, ali ou acol, aparece uma generalizao vlida, eu a estabeleo e passo aqualquer outra coisa. Minha preocupao principal no elaborar um grande esquema terico geral que cubra todo ocampo - tarefa impossvel -, mas somente mostrar algumas das dimenses do campo do qual apenas tocamos asmargens. Conhecemos alguma coisa - tudo. Tendo trabalhado assim, minhas teorias so dispersas e no sistemticase no h em parte alguma algum que possa procurar resumi-Ias (...) H tantas coisas a fazer que me parecem maisimportantes que repisar o que j foi visto! Depois de ter terminado completamente um trabalho eu o esqueo, coloco-ode lado e vou em direo a qualquer outra coisa"(10).

    Que seus prprios trabalhos sejam "muito dispersos" e freqentemente, como no caso das prestaes totais (edo "Ensaio sobre a ddiva"), "fragmentrios", o prprio Mauss reconhece; alis, ele no acha muito importantepublic-los. Essa relativa indiferena coma publicao tambm uma caracterstica do sistema universitrio francs,onde encontramos vrios pesquisadores que publicam pouco ou nada. O que faz a fora desse sistema , pensa Mauss,ter universitrios que "amam o trabalho cientfico e fazem pesquisa por ela mesma (...), que pensam e sabem."

    c) Finalmente, no plano do compromisso poltico, Mauss um erudito, mas que, na tradio de Lucien Herr,no se desinteressa do que se passa em torno dele: tambm um militante. Desde seus estudos universitrios, ele estdiretamente envolvido na ao poltica, do lado dos dreyfusards e dos socialistas: membro do Grupo dos EstudantesColetivistas, do Partido Operrio Francs e, em seguida, do Partido Operrio Socialista Revolucionrio; colabora nasrevistas Le Devenir Social e Le Mouvement Socialiste e participa com Lucien Herr, Charles Andler e outros camaradasda implantao da Socit Nouvelle de Librairie de l'Edition e da formao de militantes no mbito das universidadespopulares. Uma vez professor, Mauss prossegue suas atividades no seio do Partido Socialista e do movimentocooperativo e publica numerosos artigos no jornal L'Humanit, de cujo conselho de administrao membro.

    Tudo isso para grande desespero de seu tio, que mesmo sendo amigo de Jaurs, se manteve longe da aopoltica partidria. A recriminao que faz a seu sobrinho a seguinte: "(...) Voc tem uma falta total de modstia.Voc no recua diante de nenhuma tarefa; voc se cr adequado para todas, mesmo para aquelas para as quais perfeitamente inadequado"(11). Mauss faz parte dessa gerao de jovens intelectuais que se encontraro no Grupo daUnidade Socialista e mais tarde no Grupo de Estudos Socialistas (1908): Franois Simiand, Robert Hertz, MauriceHalbwachs, etc. Esses jovens intelectuais entendem colocar a sociologia, aquela de Durkheim, a servio do socialismo:seu objetivo fornecer uma documentao mais precisa, encontrar solues mais concretas e prticas para osproblemas imediatos e elaborar uma doutrina melhor adaptada realidade(12).

    Entretanto, em Mauss, cincia e poltica no se confundem. O que no o impede de extrair trabalhos eruditos

  • das leis gerais e algumas concluses de ordem moral. Pensemos na concluso a que ele chega no final de seu "Ensaiosobre as variaes sazonais das sociedades esquims" (1906): a vida social passa por fases sucessivas de intensidade edeclnio, repouso e atividade, disperso e concentrao, vida individual e vida coletiva.

    A seus alunos Marcel Mauss d o conselho de "no fugir, apesar de todos os riscos, dos objetos de estudo arespeito dos quais os partidos se opem e as paixes se inflamam"(13). "O pblico", precisa ele, "no permite que nosocupemos exclusivamente do que fcil, divertido, curioso, bizarro, passado sem perigo, porque se trata de sociedadesmortas ou longnquas das nossas. Ele quer estudos concludentes quanto ao presente"(14).

    Seja voltados para a histria das religies, para a etnologia dos povos ditos no-civilizados ou para a sociologiageral, os trabalhos de Mauss se inscrevem, mais ou menos explicitamente, nos grandes debates que dividem asociedade francesa: a religio, a unidade nacional, o socialismo (e o bolchevismo), etc. Seus trabalhos contmfreqentemente uma dimenso claramente "moral" ou poltica.

    2. Do Sacrifcio Ddiva

    O primeiro grande trabalho de Mauss o "Ensaio sobre a natureza e a funo do sacrifcio", que ele publicouein 1899 em colaborao com Henri Hubert, seu amigo e seu "gmeo de trabalho". Baseada no estudo minucioso ebem documentado de duas religies, o hindusmo e o judasmo, essa "brilhante anlise" permite extrair o esquema geral- a gramtica, dir Evans-Pritchard - do ritual de sacrifcio: um preldio, a entrada; um drama, a destruio da vtima;uma concluso, a sada(15). Analisando assim "um caso claro do funcionamento da idia de sagrado"(16), essa idiabsica que "o fenmeno central entre os fenmenos religiosos", Hubert e Mauss demonstram que "as coisas sagradasso coisas sociais". "Em nossa opinio", reafirmaro, " concebido como sagrado tudo o que, para o grupo e seusmembros, qualifica a sociedade"(17).

    Falar de sacrifcio tambm falar de ddiva: o sacrifcio, por exemplo o sacrifcio totmico, uma ddivainteressada que fazemos para ganhar os favores dos deuses ou desviar a sua clera? A resposta de Hubert e Mauss aseguinte:

    "(...) Em todo sacrifcio h um ato de abnegao, pois quem se sacrifica se priva e se d. Essa abnegao lhe mesmo freqentementeimposta como um dever. (...) Mas essa abnegao e essa submisso no deixam de ter um lado egosta. Se o que sacrifica d algufna coisa de si,ele pio se d; ele se reserva prudentemente. que se ele d, em parte para receber. 0 sacrifcio se apresenta, ento, sob um duplo aspecto. Eum ato til e urna obrigao. 0 desinteresse se mescla ao interesse. Por isso ele foi freqentemente concebido sob a forma de um contrato"(18).

    E no fim da concluso os autores acrescentam:

    "De resto, pudemos ver, ao longo do estudo, quantas crenas e prticas sociais que no so propriamente religiosas se encontram emrelao com o sacrifcio. Tratamos sucessivamente da questo do contrato, da redeno, do castigo, da ddiva, da abnegao, das idias relativas alma e imortalidade que so ainda a base da moral comum. Isso comprova a importncia da noo de sacrifcio para a sociologia" (19).

    Castigo, ddiva, contrato, etc... Esses so os temas centrais da obra de Mauss. Do "Ensaio sobre o sacrifcio"retivemos sobretudo sua dimenso polmica. "A imaginao crist edificou sobre plantas antigas", escrevem Hubert eMauss. 0 simples fato de aproximar assim os rituais de sacrifcio e a cerimnia do sacrifcio cristo ou comunhoconstitui um escndalo para as "boas almas mal informadas". Os autores querem, verdade, "banir a teologia" dacincia das religies.

    Mas esquecemos uma outra dimenso, mais propriamente poltica. O "Ensaio" comporta uma concluso que naorigem deveria, como indica Mauss em uma carta a Durkheim, ser mais geral. E nessa "concluso sociolgica e moral(relao entre indivduo e sociedade)", Mauss queria abordar um outro tema, o do "sacrifcio pela ptria". Naquele fimde sculo, no contexto poltico da Terceira Repblica, a questo do "sacrifcio cvico" - e mais amplamente de umamoral laica - central: o indivduo deve se anular frente nao ou ptria? A questo ainda mais importantequando pensamos que ela voltou a colocar-se, em outros termos, no momento do Caso Dreyfus: preciso sacrificar uminocente para salvar a nao ou o exrcito? Hubert e Mauss no do uma resposta explcita a essas questes,limitando-se a defender um equilbrio entre o individualismo e o altrusmo: deve-se dar de si (give of himself) sem sedar (give up himself). Ns somos, poderamos acrescentar, cidados e no santos !(20)

  • O tema do sacrifcio, e tambm da ddiva de si, ademais onipresente na vida do jovem Mauss. Durkheim,antes de todos, est l para lembrar a ele seus deveres: em relao sua me e sua famlia, em relao AnneSociologique, etc. Os longos anos de estudo so em si mesmos, como sublinha um de seus professores, Silvain Lvi,"anos de sacrifcio". Enfim, seu engajamento poltico fez-se, desde o incio, sob o signo do altrusmo: suas convicespolticas se traduzem em "deveres socialistas". "Todas as minhas economias vo passar para o Partido", confia ele aHenri Hubert em 1898. 0 socialismo para Mauss antes de mais nada um "esprito" (socialista), quer dizer, uma "novamaneira de se conduzirem relao aos fatos", um "novo sistema de valores", um "novo sistema moral de castigos erecompensas". Eln seu primeiro texto poltico, publicado em 1899, no Mouvement Socialiste, Mauss escreve: "A aosocialista essencialmente uma ao consciente voltada para o interesse da coletividade"(21). Os dois campos de aoque Mauss privilegia so o sindicalismo e a cooperao: aes que no somente "melhoram a sorte do indivduo"como tambm "solicitam de cada um a subordinao e o sacrifcio e o fazem sentir a coletividade". Para o movimentosocialista e cooperativo, Mauss no hesita em dar seu tempo e seu dinheiro: por exemplo, criao, em 1900, daCooperativa Socialista La Boulangerie, para a qual fornece no ano seguinte uma cauo de 20 mil francos (soma quenunca ir rever).

    Sociologia e poltica, A Ddiva

    Dentre todos os escritos de Mauss, o "Ensaio sobre a ddiva" sem dvida o mais conhecido, o mais "famoso": a sua "obra central", afirma Maurice Leenhardt em 1950 e, por que no, sua "obra prima", como declara StephenLukes vinte anos mais tarde. O "Ensaio" foi publicado em 1925, no primeiro tomo da segunda srie da AnneSociologique que Mauss conseguiu "relanar" com a colaborao de uma equipe de "trabalhadores desinteressados"composta por Clestin Bougl, Henri Hubert, Paul Fauconnet e Franois Simiand.

    No mesmo tomo Mauss publica um longo texto "In memoriam. Obra indita de Durkheim e seuscolaboradores": "Estamos reduzidos a uns poucos, escreve Mauss. (...) Tratemos de fazer alguma coisa que honre aInetnria de todos eles, algo que no seja muito indigno do que inaugurou nosso Mestre"(22). Mauss retoma ento a"tocha". Com a idade de 53 anos, ento diretor da cadeira de "Religies dos povos no civilizados" na EcolePratique des Hautes Etudes; participa tambm com seus amigos Lucien Lvi-Bruhl e Paul Rivet da implantao donovo Instituto de Etnologia de Paris, que abrir suas portas no incio de 1926.

    O "Ensaio sobre a ddiva" to importante e central na obra de Mauss que constitui 1) um ponto de encontroentre suas preocupaes cientficas e polticas e 2) um prolongamento-renovao da teoria durkheimiana da coesosocial, da relao indivduo-sociedade. A publicao desse ensaio aconteceu, preciso lembrar, no contexto dos anosdo ps-Primeira Guerra - questes de ordem e de paz, etc. - e em um momento em que Mauss prossegue a redao deseu ensaio sobre A Nao.

    Em primeiro lugar, o contexto intelectual. No imediato ps-guerra, uma tragdia vitima Durkheim, seu filhoAndr e vrios colaboradores da Anne Sociologique (Robert Hertz, Antoine Bianconi, Jean Reynier, R. Gelly). Maussv cair sobre si o peso enorme da publicao de uma obra considervel e indita. O herdeiro tem "o dever para com amemria de Durkheim" de prosseguir sua obra. Mesma obrigao em relao a Hubert, que morre em 1927.

    O "Ensaio sobre a ddiva" faz parte de uma srie de pesquisas que Mauss encetou pouco antes da guerra sobreas formas arcaicas de contrato e, em particular, sobre o podatch. H uma referncia ao ensaio na resenha escrita porMauss para o Anne Sociologique (1913) sobre o livro The Melanesians of British New Guinea, de autoria de seuamigo ingls C. G. Seligman. No imediato ps-guerra, Mauss consagra a esse tema vrias palestras para os membrosdo Instituto de Antropologia: "A extenso do potlatch na Melansia", "A obrigao de dar presentes". O texto que eleapresenta no Les Mlanges dedicado a Charles Andler tem por ttulo "Gift-gift": em diversas lnguas germnicas, opresente tambm um veneno. Diante disso, nada de surpreendente no fato de que todo presente provoque naqueleque recebe ao mesmo tempo agrado e desagrado. Enfim, nos cursos que ministra na Ecole Pratique em 1923-24,Mauss discute os trabalhos de Malinowski e, estudando a instituio do potlatch, apresenta os primeiros resultados desua pesquisa sobre as noes de ddiva, de compensao e de penhor. Um outro interesse de Mauss - e que erapartilhado por Robert Hertz - o estudo dos fatos de sugesto coletiva, do que alguns chamam ento "desrazocoletiva", por exemplo a crena na eficcia das palavras, como podemos ver na sua palestra para os membros daSociedade de Psicologia em 1926 sobre o "Efeito fsico no indivduo da idia de morte sugerida pela coletividade".

  • O "Ensaio sobre a ddiva" se inscreve, portanto, em um verdadeiro programa de pesquisa ao qual estoassociados alunos e colaboradores: Marius Barbeau, Maurice Cohen, Georges Davy, Robert Hertz, Paul Huvelin, HenriLvi-Bruhl, Ren Maunier, etc. O incidente da tese de doutorado de Georges Davy, La foi jure, atesta a importnciado trunfo que representa o estudo do potlatch. Membro da banca, Mauss se desculpa no ltimo momento: sofreu umaqueimadura no p. Mas, como confia a Hubert, no est contrariado por "se eximir da tese", pois tem objees graves,que prefere manifestar em privado: anlise superficial, confuses freqentes, informao insuficiente. A disputa seagrava quando Marcel Granet, que substituiu Mauss na banca, publica no Journal de Psychologie Normale etPathologique uma crtica severa da tese de Davy. Uma das recriminaes feitas a Davy no ter reconhecido o quedevia sociologia e a Mauss em particular.

    De sua parte, Mauss no pensa recriminar seu antigo aluno por ter "queimado seu campo" utilizando suadocumentao sobre o potlatch; ao contrrio, aceita publicar a tese de Davy na coleo dos Trabalhos da AnneSociologique e logo que publica o "Ensaio sobre a ddiva", sublinha a contribuio de Davy. verdade que Maussdeve ento procurar "acalmar os espritos" se quiser manter a unidade no seio do grupo de colaboradores da nova srieda Afuie Sociologique. Mas tambm um trao de seu carter: ele no entra nas lutas pela prioridade. De seu pontode vista, o trabalho cientfico sempre um trabalho de equipe.

    O contexto poltico. Durante a guerra, Mauss se alistou como voluntrio e foi designado intrprete junto sunidades combatentes inglesas e australianas. Ali permanece, "sacrifica-se", podemos dizer, durante mais de trs anos.Com o fim da guerra, o difcil retorno s atividades profissionais - grave doena em 1920-21; tambm a retomadadas atividades polticas em um contexto difcil (dissidncia de Tours e criao do PCF, numerosas divises internas).O engajamento poltico de Mauss mais intenso que nunca: publicao de artigos sobre o movimento cooperativo ecriao da Revue des Etudes Coopratives, membro do conselho de administrao do Populaire, dirigido por LonBlum, onde publica uma longa srie de artigos sobre as "Mudanas", colaborao no hebdomadrio La Vie Socialiste,redao de suas "Observaes sobre a violncia", etc...

    Mauss, o "velho militante", tenta realizar a juno entre preocupaes intelectuais e seus compromissospolticos, como vemos em seus dois projetos de obra: a primeira sobre o bolchevismo e a segunda sobre a nao. Sotrabalhos onde "se mesclam e exaltam o ardor do erudito e o do homem poltico"(23).

    O "Ensaio sobre a ddiva" manifestamente a obra de um sbio: slida erudio em etnologia, domnio devrias lnguas, estudo comparativo minucioso. Mas, como veremos, o "ardor do homem poltico" no est totalmenteausente.

    O que diz Mauss nesse Ensaio? Ele analisa a ddiva, a reciprocidade e a troca nas "sociedades arcaicas",principalmente na Melansia e no noroeste americano; estabelece tambm uma comparao com "alguns traos dosdireitos indo-europeus" (direito romano, hindu clssico e germnico). Sua ateno se volta para um conjunto deprestaes aparentemente livres e gratuitas, mas que so, como ele demonstra, obrigatrias e interessadas: os presentes.

    Procurando encontrar uma explicao, Mauss se refere noo de hau, do esprito da coisa. Ele tambmutilizou em seus trabalhos sobre a magia uma outra noo indgena, a de mana. Haveria uma fora das coisas queobriga a dar presentes, pois "apresentar alguma coisa a algum apresentar alguma coisa de si".

    O "Ensaio" de Mauss bem recebido no momento de sua publicao: uma "dissertao muito importante", um"artigo admirvel" (Malinowski), um "estudo muito interessante" (Boas). Mas desde 1929, em Primitive Economics ofthe New Zealand Maori, R. Firth contesta a utilizao de Mauss da noo de hau. o incio de uma longacontrovrsia... Mauss ter-se-ia deixado enganar pelos indgenas? No exatamente, concluir um Lvi-Strauss poucosatisfeito com tal explicao: perigoso, pensa ele, "reduzir a realidade social concepo que o homem, mesmoselvagem, tem dela"(24).

    Lembremos que esse estudo permite a Mauss ao mesmo tempo tocar o "concreto", pr em evidncia omecanismo central de solidariedade que a reciprocidade, criticar o utilitarismo das teorias econmicas e extrair umprincpio heurstico que consiste em estudar os fatos como "fatos sociais totais". para ele uma maneira de "tocar umadas rochas humanas sobre as quais se assentam nossas sociedades". O "mrito" de Mauss , como sublinha Ren

  • Maunier na resenha que far do "Ensaio sobre a ddiva" para a Anne Sociologique, demonstrar duas coisas: 1) "a vidados primitivos mais complexa, mais ativa, mais dinmica que acreditamos: preciso no represent-la comoesttica; 2) "a vida econmica est profundamente ligada moralidade e religiosidade. Tudo est em tudo"(25).

    Sobre a noo de totalidade, muitas coisas foram ditas. Mauss fala ora de "homem total", ora de "fato socialtotal". No primeiro caso trata-se da natureza indissociavelmelite psico-orgnica e social do homem. Aqui Mauss fiel tese durkheimiana do homo duplex. No segundo caso, trata-se do carter indissociavelmente jurdico, econmico,esttico, morfolgico, etc. de todo fenmeno social.

    Mas aos numerosos "mritos" de Mauss eu acrescentaria umoutro: ao contrrio do que deixa entender umaleitura simplista de Durkheim, a sociedade no uma massa homognea: toda coletividade uma realidade maiscomplexa com, precisa Mauss, "grupos e subgrupos que se imbricam, se entrecruzam e se soldam". A coeso social-um tema caro a Durkheim e a Mauss-no repousa somente sobre uma comunidade (de lngua, de valores, detradies); ela exige tambm a reciprocidade e todo um conjunto de laos contratuais.

    Na concluso de seu Ensaio, que uma concluso moral e poltica, Mauss estende suas observaes a nossasprprias sociedades: os convites devem ser formulados; preciso ser "senhorial" por ocasio das festas, doscasamentos, das comunhes; as coisas vendidas tm, como vemos na regio dos Vosges, uma "alma". Em resumo,nem tudo relao mercantil, nem tudo clculo utilitrio: "uma parte considervel de nossa moral e de nossa prpriavida detm-se sempre nessa mesma atmosfera da ddiva, da obrigao e da liberdade mescladas"; existe sempre a"despesa pura e irracional".

    Para Mauss, a importncia de sua descoberta tal que no suficiente constatar o fato, preciso tambm tirarconcluses morais. Voltemos ao "arcaico", reinventemos costumes de "despesas nobres", reencontremos a "felicidadede dar em pblico; o prazer do gasto artstico generoso, aquele da hospitalidade e da festa privada e pblica".Rejeitando igualmente o "egosmo de nossos comtemporneos e o individualismo de nossas leis" e o "excesso degenerosidade e o comunismo", Mauss defende uma "nova moral" baseada no respeito mtuo e na generosidaderecproca e que assegure a redistribuio da riqueza acumulada: est a, pensa ele, a condio da felicidade dosindivduos e dos povos. O respeito aos princpios de honra, desinteresse e solidariedade , como preconizado porDurkheim, possvel e desejvel no nvel dos grupos profissionais. E tambm possvel conceber o que seria umasociedade onde reinassem tais princpios: adoo de legislao de seguro social (contra o desemprego, a doena, avelhice), criao de caixas de assistncia social pelas empresas, estabelecimento de medidas para limitar os frutos daespeculao e da usura, desenvolvimento da solidariedade corporativa (26). Aqui etnografia e poltica se encontram.

    3. Algumas concluses (de moral e de poltica, maneira de Mauss)

    Por ocasio do lanamento do "Ensaio sobre a ddiva", Mauss prepara para a PUF uma obra sobre obolchevismo, obra que ficar inacabada. Acaba de publicar no Le Populaire suas "Observaes sobre a violncia", cujosubttulo "Fascismo e bolchevismo".

    Socialista sem doutrina, defensor da tese das "maiorias ativas", amigo fiel de Jaurs e Renaudel, Mauss, aocontrrio de seu amigo de longa data Marcel Cachin, negou-se a aderir Terceira Internacional; muito crtico emrelao revoluo bolchevique: como "socilogos ingnuos", os bolcheviques acreditaram poder construir umasociedade "a golpes de decreto, a golpes de violncia". um erro, pensa Mauss: "A violncia estril em nossassociedades modernas"(27). Mauss entende assim "julgar" a experincia bolchevique e fazlo de um ponto de vistasociolgico. Da decorre o ttulo de seu artigo publicado em 1924 na Revue de Mtaphysique et de Morale:"Apreciao sociolgica do bolchevismo". No ano seguinte, publicado na Revue Slave um outro artigo, "Socialismoe bolchevismo".

    A "Apreciao sociolgica do socialismo" inclui importantes "concluses prticas": quem quer "refoil-nar" umasociedade deve: 1) respeitar a "a troca como natureza do homem" e preservar o mercado e a liberdade comercial eindustrial que o acompanha; 2) deve tambm manterum equilbrio entre coletivismo e vida associativa, desenvolvendotodas as instituies coletivas possveis de tipo intermedirio, como grupos profissionais e cooperativas: 3) deve enfimevitar se iludir e acreditar que podemos "suprimir todas as formas de propriedade para substitu-las por uma s", poisno h sociedades exclusivamente capitalistas ou puramente socialistas. Os "possveis" situam-se nas economias

  • mistas, com capitalismo, socialismo, coletividades livres e individualismo. Como bom durkheimiano, Mauss adverteque a liberdade e o controle coletivo no so contraditrios.

    Correndo o risco de "passar por antigo e repetidor de lugares comuns", Mauss volta aos antigos conceitosgregos e latinos de "caridade", "amizade" e "comunidade": nisso est, conclui ele, "a essncia da Cidade"(28). A moralque ele prope uma moral de "doura e legalismo". Ademais, est consciente de que prega muito generosamente a"doura, a paz, a previdncia". Mauss deseja que a Poltica se torne "positiva", que ela seja uma "arte racional": "Oprimeiro momento de uma poltica positiva : saber e dizer s sociedades em geral e a cada uma etn particular o queelas fazem, para onde elas vo. E o segundo momento da moral e da poltica propriamente ditas consiste ein lhes dizerfrancamente se elas fazem bem, praticamente e idealmente, em continuar a ir em tal ou qual direo"(29). No se trata,evidentemente, de apresentar a sociologia como panacia e como "meio de tornar os homens mais felizes", mas elapode fornecer uma "conscincia precisa dos fatos" e constituir um "meio de educao da sociedade".

    Em 1939, novamente a guerra. Com o nazismo e o anti-semitismo. O socilogo v a confirmao, pelo pior, decertas teses durkheimianas: o "retorno ao primitivo" e a valorizao excessiva do coletivo constituem de fato gravesperigos. Mauss no deixa Paris: precisa cuidar de sua mulher doente. demitido de suas funes, seu apartamento requisitado. Mauss usa com orgulho a estrela amarela e sai em defesa dos colegas do Museu do Homem que sopresos. E, no fim da guerra, a diminuio das faculdades intelectuais, a perda da memria. A guerra e seus horroresvm, como sublinha Henri Lvi-Bruhl, "suprimir uma das mais belas inteligncias deste tempo"(30).

    O que resta de uma vida marcada pelo esprito de sacrifcio (generosidade, devotamento para com seus alunos,para com os amigos, engajamento social)? "Poucos livros, artigos dispersos", responde sucintamente seu sucessor naEcole Pratique, Maurice Leenhardt, que acrescenta imediatamente: "E um brilho imenso".

    Terminando, pennitam-me "tirar algumas lies":

    1) Mercado, dernocracia e socialismo. Mauss foi um observador muito perspicaz. Sagaz mesmo.Evidentelnente, suas anlises valem hoje para os pases da Europa do leste mas tambm para outros pases, emparticular para aqueles que conheceram ou conhecem o totalitarismo e a ditadura. A vida social exige, evidentemente,obrigaes e disciplina, mas ela repousa tarnbm sobre a troca, a reciprocidade e as relaes contratuais. Isso valetambm para as relaes entre as sociedades, entre as naes.

    2) Individualismo e coletivismo. Ser que cada um de ns obrigado a se dar, a se sacrificar pelos outros,(aptria, os deserdados, uma causa poltica, etc.)? E preciso, responderia Mauss, dar qualquer coisa sem (muito) dar desi. O indivduo tem necessidade da coletividade para se afirmar enquanto tal, mas no deve se perder no Todo coletivo.Dessa forma, no necessariamente uma terceira via entre o liberalismo e o comunismo, mas um justo equilbrio, umamistura de um pouco de tudo: do capitalismo, do estatismo, das cooperativas, etc. Alguns ideais coletivos e umpragmatismo saudvel, portanto.

    3) Cincia e poltica. Como concluso de seu ensaio preciso queimar Dumzil? (1992), Didier Eribonformula a questo: " assim to evidente que preciso sempre procurar poltica nos livros de cincia?" E em setratando de Dumzil, responde: "No a poltica que constitutiva de sua obra"(31). No assim to simples,sobretudo durante os anos entre as duas guerras. A obra de Marcel Mauss atravessada por questes, temas polticos;seus projetos de livros sobre nao e bolchevismo so "chamados" por problemas especficos. Mas ele jamaissubordina a sociologia poltica, a idias polticas. Em Mauss, o cientista e o militante coabitam sem que um negue ooutro: o mais "poltico" dos acadmicos dedica tempo e energia conquista para o campo cientfico e universitrio desua autonomia (atividade em trs revistas cientficas, criao do Instituto de Etnologia, organizao do auxlio pesquisa atravs da Fundao Rockefeller, etc.). "Longe de existir, como acreditamos comumente, uma antinomia entrea procura da autonomia (...) e a procura de eficcia poltica", escreve Bourdieu em As regras da arte, " aumentandosua autonomia (e, com isso, entre outras coisas, sua liberdade de crtica em relao aos poderes), que os intelectuaispodem aumentar a eficcia de urna ao poltica cujos fins e meios encontram seu princpio na lgica especfica doscampos de produo cultural."(32). A esse respeito, a vida de Mauss - vida poltica, intelectual e administrativa - umexemplo. E, ao morrer, a Escola Sociolgica Francesa d origem antropologia francesa moderna.

    a

  • Conferncia proferida na 16 reunio nacional da ANPOCS. Caxambu, outubro de 1992.

    Traduo de Cntia vila de Carvalho

    Notas

    1. Fundo Hubert Mauss, Arquivos do Collge de France. * Exame realizado pelo governo francs e que habilita os aprovados a assumirem os mais altos postos de ensino nos liceus ou a lecionar emdeterminadas faculdades. (N.T.) 2. DURKHEIM, Emile. (1973), Le Suicide (1897). Paris, Presses Universitaires de France, p.169. 3. LACROIX, Bernard. (1981), Durkheim et la politique. Paris, Presses de la Fondation Nationale des Sciences Politiques. 4. DURKHEIM, Emile. (1975), "Lettre au directeur de la Revue Noscolastique" (1907), in E. Durkheim, Textes, Paris, Editions de Minuit, vol. 1,p. 404. 5. BOURGIN, Hubert. (1938), De Jaurs Lon Blum, L'cole normale et la politique, Paris, Librairie A. Fayard. 6. CHARLES, Christophe. (1984), "Le beau mariage d'Emile Durkhcicn", Actes de la recherche eti scietices sociales, n 55, novembro de 1984,pp. 44-49. 7. Carta de E. Durkheim a M. Mauss, sal. (1988). 8. Carta de E. Durkheim a H. Hubert, sal. (1901). 9. Carta de Rosine Durkheim-Mauss a M.Mauss, 6 de abril de 1898. 8. Carta de E. Durkheim a H. Hubert, s.d. (1901) 9. Carta de Rosine Durkheim-Mauss a M. Mauss, 6 de abril de 1898. 10. Conversa de M. Mauss com E.E. cubank, 1934. 11. Carta de E. Durkheim a M. Mauss, sal. (1906). 12. PROCHASSON, Christophe. (1989), Place et rle das intellectuels dais le mouvement socialista franais, 1900-1920. Tese de doutorado,Universidade de Paris 1 - Panthon - Sorbonne, US.R. Histria, p. 155. 13. ARON, Raymond. (1971), Dela condition historique du sociologue, Paris, Gallimard, p. 8. 14. MAUSS, Marcel. (1969), "Divisions et proportions das divisions de la soeiologie" (1927), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 3, Paris, Editions deMinuit, p. 340. 15. MAUSS, Marcel. (1968), La Prire, 1, Les origines (1909), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris, Editions de Minuit, p. 154. 16. MAUSS, Marcel. (1979), "L'oeuvre de Mauss parlui-mme" (1930), in Reme franaise de sociologia, janeiro-maro 1979, XX-1, p. 217. 17. HUBERT, H. e MAUSS, M. (1968), "Introduction l'analyse de quelques phnomnes religieux" (1908), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris,Editions de Minuit, p. 16. 18. HUBERT, H. e MAUS S, M. (1968), "Essai sur la nature et la fonction du sacrifice" (1899), in M. Mauss, Oeuvres, vol. 1, Paris, Editions deMinuit, p. 304. 19. Ibid., p. 307. 20. A esse respeito ver os trabalhos de Ivan Strenski, "Between opportunism and altruism: liberal protestants, free thinkers and sacrifice", SantaBarbara, UCSB, 1991, 45 pp. 21. MAUSS, Marcel. "L'aetion socialiste", Le rnouvement socialiste, 15 de outubro de 1899, p. 460. 22. MAUSS, Marcel. (1969), "In memoriam. l'oeuvre indite de Durkheim et de ses collaborateurs" (1925), in M. Mauss, Oeuvres, vol 3, Paris,

  • Editions de Minuit, p. 499. 23. MAUSS, Marcel. (1924), "Apprciation sociologique du bolchevistne", in Revue de metaphysique et de morale, 31, p. 121. 24. LEVI-STRAUSS, Claude. (1966), "Introduction loeuvre de Marcel Mauss" (1950), in M. Mauss, Sociologie et anthropologie, Paris, PressesUniversitaires de France, Paris, p. XLIV. 25. MAUNIER, R. Resenha do L'anne sociologique, in Revue philosophique, CIV, julho-dezembro 1927, pp. 305-306. 26. MAUSS, Marcel. "Essai sur le don. Forme et raison de 1'Echange dans les socits archaques" (1925), in M. Mauss, Sociologie etanthropologie, op. cit., pp. 143-279. 27. MAUSS, Marcel, "Contre la violence. Pour la force", La vie socialiste, 5 de maro de 1923, p. 2. 28. MAUSS, Marcel. "Apprciation sociologique du bolchevisme", op.cit., p. 116. 29. MAUSS, Marcel. "Divisions et proportions des divisions de la sociologie", op. cit., p. 243. 30. LEVY-BRUHL, Henri. (1950), "In memoriam. Marcel Mauss", L'anne sociologique, 3a. srie (1948-1949), Paris, 1950, p. 4. 31. ERIBON, Didier. (1992), Faut-il brler Dumzil?, Paris, Plammarion, p. 300. 32. BOURDIEU, Pierre. (1992), Les rgles de l'art, Paris, Editions du Seuil, p. 462.

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