FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um...

10
55 ANO VI / Nº 11 Paulo Roberto Rodrigues Teixeira FOTOS: ALCINO CAMPOS o período colonial, os portugueses buscavam uma área ao norte da colônia brasileira, para se defender contra os franceses, que domina- vam a Guiana, instalados à margem esquerda do Rio Oiapoque, configurando o grande interesse geo- político lusitano em garantir o domínio sobre as terras conquistadas. Nessa busca, escolheram um local que não oferecia as melhores condições para a construção, po- rém, estrategicamente, facilitava a defesa. Uma região pantanosa de difícil acesso e debruçada sobre o Rio Amazonas. Era preciso vigiar e manter a segurança de Macapá, fundada em 1758, e impedir que o inimigo pe- netrasse no interior da Amazônia. A primeira edificação foi no ano de 1761 e era mui- to rudimentar e frágil, em condições precárias de cum- prir a missão. Passados 21 anos, foi construída a instalação atual. Austera, majestosa e com grande poder de fogo, agora em condições de repelir qualquer ameaça do invasor. Entretanto, apesar de todos os requisitos de defesa, a N “Praça de Macapá – sua posição é a mais vantajosa e interessante, por estar situada na foz do norte do Amazonas e se bem não defenda totalmente a entrada deste Rio, contudo é esta considerada como o fecho do Império por aquela parte.” Relatório que examinou as fortificações do Brasil – 1803

Transcript of FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um...

Page 1: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

55ANO VI / Nº 11

○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○ ○

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira

FOTOS: ALCINO CAMPOS

o período colonial, os portugueses buscavam

uma área ao norte da colônia brasileira, para

se defender contra os franceses, que domina-

vam a Guiana, instalados à margem esquerda

do Rio Oiapoque, configurando o grande interesse geo-

político lusitano em garantir o domínio sobre as terras

conquistadas. Nessa busca, escolheram um local que não

oferecia as melhores condições para a construção, po-

rém, estrategicamente, facilitava a defesa. Uma região

pantanosa de difícil acesso e debruçada sobre o Rio

Amazonas. Era preciso vigiar e manter a segurança de

Macapá, fundada em 1758, e impedir que o inimigo pe-

netrasse no interior da Amazônia.

A primeira edificação foi no ano de 1761 e era mui-

to rudimentar e frágil, em condições precárias de cum-

prir a missão.

Passados 21 anos, foi construída a instalação atual.

Austera, majestosa e com grande poder de fogo, agora

em condições de repelir qualquer ameaça do invasor.

Entretanto, apesar de todos os requisitos de defesa, a

N

“Praça de Macapá – sua posição é a mais vantajosa e interessante, por estar situada na

foz do norte do Amazonas e se bem não defenda totalmente a entrada deste Rio,

contudo é esta considerada como o fecho do Império por aquela parte.”

Relatório que examinou as fortificações do Brasil – 1803

Page 2: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

56 ANO VI / Nº 11

fortaleza, no decorrer da história, nunca

entrou em combate.

A beleza arquitetônica impressio-

na os que a visitam, rememorando a so-

berania da coroa portuguesa e a capa-

cidade da engenharia militar nas cons-

truções que planejavam e executavam,

em que pesem as restrições para a ob-

tenção do material usado na obra, co-

mo, por exemplo, as pedras, retiradas a

32km de distância, no Rio Pedreira.

A sua concepção foi de Eurico An-

tonio Galluzi, inspirado em normas cons-

trutivas estabelecidas por Sebastian Le

Prestes, Marquês de Vauban, e Manoel

de Azevedo Fortes.

Atualmente é a maior referência

histórica cultural do Estado do Amapá.

História

A Amazônia sempre despertou o interesse e a cobi-

ça internacional desde o período da colonização do Bra-

sil. Portugueses, franceses, ingleses e holandeses tenta-

ram se estabelecer nessa área a partir do início do sécu-

lo XVI. Muitas fortificações foram erguidas na região

amazônica por diferentes nações. Algumas edificadas

em madeira e terra, outras, de maior porte, foram cons-

truídas em pedra, obedecendo a critérios impostos pela

engenharia militar, e, ainda, aquelas que iniciaram com

uma estrutura rudimentar e fo-

ram, mais tarde, transformadas

em compactas construções. A

Fortaleza de São José de Macapá

é uma delas.

Localizada à margem esquerda

da foz do Rio Amazonas, sua cons-

trução se estendeu por 18 anos,

sendo inaugurada no ano de 1782,

no dia do santo padroeiro da ci-

dade de Macapá.

No reinado de D. José I (1750-

1777), cujo primeiro-ministro era

o Marquês de Pombal, autorizou-

se a sua edificação. A obra foi ad-

ministrada diretamente pela ca-

Galeão Holandês do final do século XVI. Embarcações desse tipo foram usadaspelos invasores que tentaram se estabelecer nessa área

O projetoarquitetônico teve ainfluência francesa.Bases defensivasde guerra de posição,usando um quadrocom quatrobaluartespentagonaisnos vértices.

Page 3: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

57ANO VI / Nº 11

pitania do Grão-Pará e Maranhão e iniciou

em 29 de junho de 1764.

A missão da fortaleza era impedir a

entrada de naus invasoras, assegurar a ex-

ploração dos produtos regionais e o seu co-

mércio com a metrópole e defender a cidade

de Macapá. A França representava a maior

ameaça. Era preciso manter a hegemonia

da soberania portuguesa. Além disso, São

José constituía um elo forte entre as demais

fortificações espalhadas pelo interior e pe-

las fronteiras.

Com a morte de D. José I, assumiu o

trono sua filha, D. Maria I, que, por ques-

tões políticas, exonerou e perseguiu o Mar-

quês de Pombal. A obra foi interrompida,

uma vez que foram suspensos os recursos,

sob a alegação de que os gastos estavam so-

brecarregando a coroa portuguesa. A inau-

guração oficial ocorreu em 19 de março de

1782, com a obra ainda incompleta.

A fortaleza destacou-se por todo o pe-

ríodo imperial como a principal defesa da

Amazônia, todavia, com a Independência

do Brasil, em 7 de setembro de 1822, o go-

verno do Império relegou-a ao esquecimen-

to e abandono. Em 1857, foi considerada

fortificação de primeira classe pelo Mi-

nistério do Exército. Nada adiantou. Não

recebeu recursos para a sua manutenção.

Em 1863, novamente repetiu-se a ava-

liação anterior, porém o pouco recebido,

ainda que liberado, não foi suficiente para

modernizá-la e restaurá-la como se espera-

va. Era usada pelos pelotões portugueses

e imperiais apenas como prisão para civis

e militares até ser desativada pelo gover-

no em 1908.

No início do século XX, a Marinha do

Brasil, por intermédio do serviço de sinali-

Baluarte São José, em 1907 (acima) e entrada da Fortaleza, em 1944 (abaixo).

Rua da Praia (acima) e Porto de Macapá (abaixo), tendo ao fundoa Fortaleza de São José de Macapá, em 1907.

Page 4: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

58 ANO VI / Nº 11

zação Náutica do Canal Barra Norte, assentou uma torre

com farolete sobre o baluarte Nossa Senhora da Con-

ceição, visando facilitar a navegação.

Com a criação do Território Federal do Amapá, o

forte recebeu reparos urgentes no segundo semestre de

1944. O objetivo do Governador Janary Nunes era ocu-

pá-lo com instituições públicas e, em 1945, passou a

sediar a Imprensa Oficial e, até 1975, funcionou como

quartel da Guarda Territorial.

Em 22 de março de 1950 foi tombada pelo Insti-

tuto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan). En-

tre os anos de 1950 e 1960, as instalações da fortaleza

serviam provisoriamente como hospedagem a famí-

lias que imigravam para Macapá e ainda foi utilizada

como cadeia pública aos presos

da Justiça sob vigilância da Guar-

da Territorial. Posteriormente

outras instituições vieram a ocu-

pá-la, como o Museu Territorial.

Além disso, transformou-se, nes-

se período, em um centro sócio-

cultural e de lazer, onde ocorriam

comemorações de datas cívicas,

salvas de tiro, desfiles escolares,

festas, casamentos e outras ati-

vidades desta natureza. Em 1975,

58

O acesso principal da fortaleza era feito por duas pontes que interligavama esplanada e o revelim, e este ao seu interior.

A capela. Ao lado a casa do comandante, onde hojefunciona a administração da fortaleza.

Page 5: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

59ANO VI / Nº 11

a Guarda Territorial foi transformada

em Polícia Militar, permanecendo na

fortaleza apenas o pelotão da banda

de música, que, além das atividades de

ensaio, passou a realizar o serviço de

guarnecê-la.

Em 1978, foram contratados para

a elaboração de um projeto de restau-

ração do forte os arquitetos Pedro e Do-

ra Alcântara, que concluíram as etapas

de pesquisa iconográfica e documental.

Em 1989, o governo do estado con-

tratou uma empresa de arquitetura para

a elaboração de um novo projeto de res-

tauração e revitalização, baseada na

pesquisa realizada anteriormente pelo

casal Alcântara. No período de 1995 a

1996, a Fundação Estadual de Cultura

do Estado do Amapá (Fundecap) e a

Secretaria de Obras e Serviços Públicos

(Sosp) retornaram o Projeto de Restau-

ração e Revitalização da Fortaleza, bus-

cando parcerias com instituições na-

cionais e internacionais.

Em 2001, teve início o projeto de

urbanização e paisagismo da área do en-

torno da fortaleza que, por um ano, foi

paralisado. Em 2003, o Governador

Waldez Góes retornou as obras, obten-

do excelentes resultados que até hoje

se refletem na beleza desse patrimônio.

A Fortaleza

O projeto arquitetônico teve a in-

fluência da engenharia militar francesa

do século XVII expressada pelo cons-

trutor Marquês de Vauban, com bases

defensivas de guerra de posição, usando

um quadro com quatro baluartes penta-

59

Lateral da casados oficiais

No vértice do baluarte, a guarita, por ondea sentinela observava o rio.

Page 6: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

60 ANO VI / Nº 11

A canhoneira em posição de tiro.

gonais nos vértices. No pátio, oito pré-

dios distribuídos em pares, duas ca-

samatas com 12 celas cada uma e o

revelim a oeste. Cada baluarte foi proje-

tado com a capacidade para 14 canho-

neiras, somando-se a mais 11 situadas

no revelim, no total de 67 canhoneiras.

O seu sistema de construção cons-

tituiu-se basicamente de alvenaria mis-

ta de pedra e tijolo, argamassada com

barro e cal. Todos os acessos da for-

tificação deveriam possuir elementos

construtivos à frente, compondo uma

cobertura de segurança. O revelim foi

construído com essa finalidade e dava

proteção à porta principal, com todos

os elementos necessários ao abrigo da

guarda que ali se alocava. É uma obra

exterior composta de duas faces. O

revelim na lateral esquerda não che-

gou a ser construído.

As baterias baixas, no acesso pos-

terior, davam a proteção de fogos, face

ao Rio Amazonas. O antigo forte loca-

lizava-se neste local. O acesso princi-

pal da fortaleza era feito por duas pon-

tes que interligavam a esplanada e o

revelim, e este ao seu interior.

O interior da fortaleza, circun-

dado por terraplenos, apresenta a pra-

ça central composta por oito blocos

distribuídos aos pares, anteriormente

Vista parcial do pátio interno.

Alvenaria mista de pedra e tijolo.

O revelim dava proteçãoà porta principal.

Onze canhoneiras guarneciam o revelim.

A canhoneira em posição de tiro.

Page 7: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

61ANO VI / Nº 11

destinados ao alojamento de oficiais, casa do médico,

casa do capelão, capela, casa do comandante, arma-

zéns para pólvora, munição de guerra e mantimentos.

Nos armazéns de munição, observam-se as prin-

cipais características do desenho de Vauban para um

paiol, presentes na cobertura de alvenaria mista de

grande inclinação sobre a abóbada de berço, descarre-

O Rio Amazonas durante o período da maré alta.Ao fundo a fortaleza.

A imponência da fortaleza é atração para os turistas eorgulho para o povo do Amapá.

A porta de entrada.

Page 8: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

62 ANO VI / Nº 11

gando seu peso nas paredes e contrafor-

tes. A ventilação ocorre por meio de ca-

nais construídos de forma tortuosa nas

paredes, evitando que fagulhas de explo-

sões do lado de fora atingissem o mate-

rial armazenado.

O armazém de pólvora diferencia-

se dos demais edifícios pela presença de

um muro de proteção, para contenção de

uma explosão em direção à praça central.

Sob os terraplenos sul e leste encon-

tram-se as casamatas, que serviam para

o abrigo da guarnição no caso de uma

invasão. Esses espaços são divididos por

12 celas, além do acesso secundário à for-

taleza, interligados por um único corre-

dor interno.

Nas celas estão fogões de alvenaria

dispostos alternadamente, complemen-

tados por aberturas verticais que funcio-

nam como chaminés. A cobertura de cada

cela é constituída por uma abóbada que,

em conjunto, cria a sustentação do terra-

pleno e também o sistema de drenagem for-

mado por canaletas localizadas no ponto

de encontro de cada abóbada. Essas cana-

letas direcionam as águas da chuva para

Corredor interno. Ao longo,12 celas das casamatas.

Alameda dos paióis.

Fogão de alvenaria emuma das celas.

Page 9: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

63ANO VI / Nº 11

a praça central, finalizando a drenagem geral através

do fosso central. O piso apresenta-se em tijoleiros, e a

ventilação e circulação são proporcionadas pelas

aberturas da fachada, arrematadas por grades.

Encerramento

A fortaleza foi envolvida pela cidade de Macapá.

Ainda que nunca tenha tido experiência de com-

bate, guarda as marcas daqueles que a construíram e

a conservaram durante o decorrer destes anos, desde

a construção inicial, em 1761, até os dias atuais.

Suas instalações, na maior parte desse tempo,

serviram de aquartelamento aos efetivos militares que

a guarneceram, sempre prontos para responder con-

tra qualquer tentativa dos invasores.

Na casa do comandante, hoje funciona a admi-

nistração da fortaleza que, sob excelente trabalho de-

senvolvido por sua diretoria, tem conseguido mantê-

la nas melhores condições de limpeza e conservação.

Além disso, as instalações são usadas para realização

de atividades culturais e sociais.

Conhecer a Fortaleza de São José de Macapá é

rememorar a história do Brasil. É valorizar o que

fizeram os nossos antepassados que, além do cumpri-

mento da missão, não permitiram que o patrimônio

fosse destruído pelo tempo. Atualmente, o governo

Exposição temporária

Aproveitamento do espaço para exposiçãode precioso acervo regional.

Do armazém, a visão da portade entrada ao fundo.

Page 10: FOTOS: ALCINO CAMPOS Paulo Roberto Rodrigues … · cidade da engenharia militar nas cons- ... um quadro com quatro baluartes penta-Lateral da casa dos oficiais No vértice do baluarte,

64 ANO VI / Nº 11

estadual dá continuidade a esse trabalho, proporcio-

nando alegria para os que a visitam e orgulho para o

povo do Amapá.

Encerramos a nossa reportagem com as palavras

do Arqueólogo Marcos Pereira Magalhães:

“A Fortaleza de São José de Macapá, em relação a sua

importância para a formação de cidade e identidade de po-

pulação local, pode ser comparada ao que o Pão de Açúcar

representa para o Rio de Janeiro, ao que a Torre Eiffel re-

presenta para Paris, ao que o Coliseu representa para Roma.

Portanto, sua preservação e conservação são a preservação

e conservação da própria identidade do povo macapaense.

Além do mais, dada sua importância histórica, a Fortaleza

de São José de Macapá é um importante testemunho de

formação social brasileira no período colonial...”

Paulo Roberto Rodrigues Teixeira – Coronel de Infantaria e Estado-Maior, é

natural do Rio de Janeiro. Tem o curso de Estado-Maior e da Escola Superior de Guerra.

Atualmente é assessor da FUNCEB e redator-chefe da revista DaCultura.

A fortaleza foi envolvida pelacidade de Macapá.

A guarita debruçada sobreo Rio Amazonas