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FORMALIZAÇÃO DO CONCEITO DE FUNÇÃO NO ENSINO MÉDIO:

UMA SEQÜÊNCIA DE ENSINO-APRENDIZAGEM

Maria Isaura de Albuquerque Chaves NPI-UFPA [email protected]

Hamilton Cunha de Carvalho SEDUC-PA [email protected]

Introdução O conhecimento matemático formalizado, que em tempos atuais

conhecemos e divulgamos em nossa prática docente, não foi concebido de uma hora

para outra, em um momento único e isolado.

Muitos estudiosos e pensadores, impregnados também por necessidades

conjunturais, contribuíram durante milênios para a formalização de saberes, oriundos,

muitas das vezes, de práticas instintivas e informais já desenvolvidas pelo homem de

cada tempo.

O conceito de função, tal qual como o conhecemos hoje, não fugiu à regra.

Assim, antes de apontar qualquer proposta metodológica para a iniciação do aluno em

tal assunto, faremos uma breve explanação cronológica da formalização desse conceito,

por entendermos que desta forma poderemos propiciar maior subsidio epistemológico

para as nossas propostas.

Da gênese à formalização do conceito de função

O homem como ser natural é parte integrante da natureza, e não se pode

conceber “o homem sem a natureza e nem a natureza sem homem” (Andery, et al, 1999,

p.9). Entendendo tal pressuposto como verdadeiro, afirmamos que, a necessidade

primeira da humanidade, desde os tempos mais remotos, foi certamente dominar a

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natureza numa perspectiva de estabelecer com a mesma uma parceria que viabilizasse a

manutenção e a perpetuação da espécie.

No entanto, a relação homem-natureza, se comparada à relação da natureza

com os outros animais, é ímpar, pois este não se limita à satisfação das suas

necessidades básicas, como se alimentar, por exemplo. Mas através de suas relações

com o meio social/cultural, investe em um processo de produção constante que visa o

provimento da sua geração e de todas as que virão, e por conseqüência modifica a

natureza e sua própria relação com ela.

Buscando então a compreensão dos fenômenos – suas razões e ligações,

logo os primeiros pensadores perceberam a dimensão da realidade plural que queriam

dominar, e que seria impossível tentar de uma vez só compreendê-la em sua totalidade.

Necessitaram então, recortar dessa totalidade um conjunto de elementos que fossem

bastante significativos para se realizar o estudo.

Observemos, por exemplo, o desenvolvimento de uma planta que, dentre

outros fatores, depende das condições do solo e do clima, que por sua vez dependem de

fenômenos atmosféricos e marinhos. Logo, para se realizar um estudo sobre a planta se

faz necessário “recortar” da realidade um conjunto de variáveis que influenciem de

forma significativa naquilo que se quer conhecer/inferir, e que se relacionam entre si,

como por exemplo: crescimento versus clima, ou crescimento versus quantidade de

calor, ou crescimento versus nutriente, ou etc.

Surgem com isso, “quadros explicativos dos fenômenos naturais que

possuem duas características essenciais: a interdependência e a fluência” (Caraça, 1989,

p.109). A interdependência é verificada no momento em que se observa que, no

Universo os fatos não ocorrem de maneira isolada, em todos eles há compartimentos

que se comunicam e participam da vida uns dos outros. A fluência é o movimento

natural e constante do mundo que não para de se transformar, de evoluir. No exemplo já

citado da planta, se tomamos o crescimento versus nutriente, e abstrairmos os demais

fatores, teremos que seu crescimento/fluência está condicionado aos nutrientes que a ela

forem oferecidos. Nutrientes selecionados e dosados proporcionam um melhor

desenvolvimento do vegetal, o que caracteriza a interdependência.

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Assim, pode se dizer que, partindo do interesse em resolver um problema de

ordem prática, brotou de forma intuitiva, o conceito de função em seu mais originário

sentido. Segundo Zuffi (2001, p.11),

não parece existir consenso entre os autores, a respeito da origem do conceito de função [talvez pelo seu próprio aspecto intuitivo]. Alguns deles consideram que os Babilônios (2000 a.C.) já possuíam um instinto de funcionalidade [grifos do autor] (...) em seus cálculos com tabelas sexagesimais de quadrados e de raízes quadradas (...) que eram destinadas a um fim prático. As tabelas, entre os gregos, que faziam a conexão entre a Matemática e a Astronomia, mostravam evidência de que estes percebiam a idéia de dependência funcional, pelo emprego de interpolação linear.

Nós, porém, reportamo-nos a tempos mais remotos, pois entendemos que

todas as relações criadas pelas civilizações antigas para a invenção do número,

necessidade primeira da matematização, já constituía o “instinto de funcionalidade”

citado anteriormente. Quando associaram os dedos às quantidades, e quando viram que

estes já não eram mais suficientes e buscaram outros elementos para contar/enumerar

estavam vivenciando a interdependência de variáveis que fluíam para a formação de

sistemas de numeração cada vez mais adequados/práticos.

Saindo das primeiras idealizações sobre o conceito de função e chegando na

Idade Moderna, temos que a palavra função foi usada pela primeira vez por Leibniz em

1694, para expressar quantidade associada a uma curva. Mais tarde, em 1718, Bernoulli

considerou função como uma expressão formada de uma variável e algumas constantes.

Nessa época a definição de função era uma conjectura puramente abstrata

voltada para o campo conceitual da matemática e “demonstrava um certo encantamento

pela álgebra onde função é dada como uma expressão algébrica” (Zuffi, 2001, p.12).

Bernoulli experimentou várias notações para uma função, das quais “fx” é a que mais se

aproxima da atual. Mas quem formalizou a notação “f(x)” para representar uma função

qualquer envolvendo variáveis e constantes, foi Euler (1707-1783) (Boyer, 1996).

Para descrever fenômenos da natureza através da matemática, Galileu

Galilei (1564-1642) utilizou grandezas físicas que se inter relacionavam como uma

maneira de modelar funções, de forma a ter uma variável que dependia da outra.

Diferentemente de seus contemporâneos, seu interesse não era descobrir a causa desses

fenômenos, mas descrevê-los algebricamente para que, de posse das condições iniciais,

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pudesse prever o comportamento de determinados acontecimentos mediante as

equações.

Numa tentativa de algebrizar a geometria, Descartes introduziu formas

euclidianas dentro de um plano bidimensional determinados por dois eixos

perpendiculares entre si, mais tarde chamado de plano cartesiano. Círculos, triângulos,

cônicas, etc., eram determinados por equações que mantinham dependência entre suas

variáveis.

Outros matemáticos tiveram sua parcela de contribuição para o

desenvolvimento do conceito de função como Newton, Dedekind, Cauchy, D’Alembert

e Fourier. É bem verdade que a formalização do referido conceito teve que ultrapassar

muitos obstáculos ferramentais, pois esses pensadores trabalhavam com linhas de

raciocínio não coincidentes muitas das vezes, mas conseguiram desenvolver idéias que

quando desembocadas no século XIX tiveram em Dirichlet a definição de função mais

próxima da que temos hoje.

A definição atual de função, usada nos meios matemáticos e científicos, que

utiliza a teoria dos conjuntos, é atribuída a Bourbaki (século XX)– grupo de

matemáticos franceses, cuja ocupação era estudar e desenvolver teorias matemáticas

(Eves, 2002). Dando maior ênfase à área da álgebra abstrata, esta definição que foi

proposta em 1939 e pode ser expressa por:

Sejam A e B dois conjuntos, uma relação entre uma variável de x ∈A, e uma variável y ∈ B é dita relação funcional se qualquer que seja x ∈ A, existe um único elemento y de B, que esteja na relação considerada1.

O ensino de função na escola atual: possíveis causas

Observa-se então que, o conceito de função de forma pronta e acabada,

como é tratado por muitos dos professores de matemática, no Ensino Médio (EM), é

fruto da conjunção/união de fatores históricos e sociais que, na forma de problemas, se

propuseram ao homem, como obstáculos necessários a serem vencidos.

Ao acompanhar de forma cronológica o desenvolvimento do conceito de

função, entendemos que o mesmo processo construtivo do saber, pode também se

1 http://orbita.star.média.com/escolaviva/função, acessado em 15/06/2003)

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desenvolver na aprendizagem na sala de aula onde, desta feita, cabe ao professor, a

partir dos conhecimentos já adquiridos por seus alunos, provocar questionamentos que

os levem, de forma gradativa, à elaboração de novos conceitos.

A “preocupação excessiva com apresentações formais é uma falha grave no

ensino, pois atrapalha o desenvolvimento do aluno já que obscurece o que há de mais

importante na Matemática: as idéias. Exemplo típico desse erro é o esforço que se faz

no 2° grau [sic] para apresentar o conceito de função como um caso particular de

relação”(Ávila, 1985). No entanto, essa é a prática mais comum entre os professores de

Matemática, em especial do EM, que, apoiados em livros didáticos e em sua própria

formação, transmitem um saber desconectado do contexto do aluno enquanto indivíduo

dotado de saberes, níveis de cognição e imaginação.

Zuffi & Pacca (2000), baseadas numa pesquisa realizada com professores do

EM sobre o ensino de funções verificou que, ao fazerem uso da linguagem matemática,

o “formal” é colocado a priori, onde idéias inerentes ao conceito de função, tais como,

noções de correspondência, domínio e imagem, observação de “leis” ou “regras” como

executante de transformações globais entre dois conjuntos, não ficavam devidamente

explicitadas nas expressões utilizadas pelos professores.

Não obstante, achamos necessário salientar que não se deve atribuir

exclusivamente aos professores a “culpa” por eventuais falhas conceituais na

aprendizagem, decorrente do mau uso da linguagem no ensino de função. Entendemos

que existe grande possibilidade de que os seus professores universitários, por sua vez,

também podem ter tido uma formação deficiente nesse sentido – devido aos seus

professores, estes pelos seus e assim por diante – e esta má formação provavelmente irá

refletir-se no seu desempenho em sala de aula.

Essas e outras observações relacionadas ao uso da linguagem para a

aprendizagem do conceito de função levaram Zuffi & Pacca (2000, p.25), “a questionar

se a formação” que a academia tem “proporcionado aos professores de Matemática, seja

ela inicial ou continuada, (...), tem conduzido estes professores a uma adequada reflexão

sobre o uso que fazem da linguagem matemática”. Questionaram ainda se, “a forma

como os professores dos cursos de licenciatura fazem uso da linguagem, tem sido capaz

de proporcionar claramente o intercâmbio social dos saberes matemáticos”, na formação

dos licenciandos.

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A queixa mais comum dos licenciandos em Matemática, é que o conteúdo

curricular que se estuda na Universidade está muito distante daquilo que se precisa para

lecionar. Quando se vêem frente a uma turma de alunos, sentem-se geralmente

despreparados. O que nos leva a concordar com Zuffi & Pacca (2000) no que diz

respeito à falta de intercâmbio existente entre o que se estuda e o que se irá ensinar, pois

a matemática do Ensino Superior, além de outras coisas, é um estudo mais profundo e

detalhado da matemática do Ensino Básico, só que, a tempo hábil, os licenciandos não

conseguem perceber isso.

Como resultado de todas as considerações acima levantadas por Ávila (1985),

Zuffi & Pacca (2000) e Lima (2000), com relação ao modo como usualmente os

professores de Matemática ensinam função, é comum encontrarmos alunos onde esse

conceito não possui qualquer significado, quer seja abstrato quer seja concreto, além de

tê-lo como um obstáculo de difícil transposição para a assimilação de outros conteúdos.

O conceito de função e as idéias de variável, domínio, imagem e contradomínio têm

sido apontado por diversos pesquisadores como de difícil assimilação tanto para alunos

de EM como para alunos universitários.

Os livros didáticos e o conceito de função

Como anteriormente já citado, sentindo-se despreparado para o exercício da

profissão, o professor vira uma “presa fácil”2 dos livros didáticos que se tornam os mais

fortes recursos. “Praticamente todos os textos escolares em uso no nosso país definem

uma função” f: A B como uma relação que a cada elemento x de A, faz corresponder

um único elemento y de B. “Essa definição apresenta o inconveniente de ser formal,

estática e não transmite a idéia intuitiva de função como correspondência,

transformação, dependência (uma grandeza em função da outra) ou resultado de um

movimento”(Lima, 2000, p.81), e ser extremamente abstrata do ponto de vista discente.

2 “O livro didático é o instrumento essencial utilizado pelo professor para realizar seu trabalho. Dele são tiradas as listas de exercícios, é nele que estão as definições, os exemplos, as observações, as demonstrações e a linguagem a ser usada na comunicação com a classe. Muitas vezes (quase sempre) o livro didático é onde o professor aprende aquilo que vai transmitir a seus alunos, pois, em geral não estudou na faculdade (...) um número considerável de conteúdos que fazem parte do currículo escolar”[15]. Contudo, é preciso que nos professores entendamos o livro didático como uma coletânea de propostas a serem seguidas, ou não, conforme o contexto de cada aluno/escola e não tê-lo como uma verdade a ser seguida de forma indiscriminada. Normalmente os livros vêm com propostas que uniformizam o conhecimento não levando em consideração o “para quem”, o “onde” e o “quando” esse conhecimento será trabalhado. Portanto, é competência do professor fazer as adequações necessárias.

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De fato, analisamos cinco dos mais atuais livros didáticos normalmente

indicados para o EM, Bucchi (2000), Iezzi (et al, 1997), Bezerra (2001), Marcondes (et

al, 2003), Dante (1999), e, apesar de já apresentarem alguns progressos no sentido de

definir função a partir de uma situação do contexto, explorando relações de

dependências entre duas variáveis, ainda é muito forte a preocupação com o formal em

detrimento da utilização da intuição.

Bucchi (2000, p. 61-64) começa o capítulo de função com expressões

matemáticas – “leis de formação” - que relacionam grandezas, para logo em seguida

formalizar e trabalhar com o conceito de função, bem como domínio e imagem, através

da utilização de diagramas de Venn e flechas. Os autores Iezzi e Marcondes, também se

utilizam tais recursos para formalizar o conceito de função embora comecem o capítulo

por tabelar situações do cotidiano.

Dante (1999) foi o único a começar por “explorar as idéias intuitivas de

função”, parte de duas tabelas para verificar as dependências entre as variáveis e

estabelecer a “lei da função”. Para fixar função como lei, associa metaforicamente

função à máquina de transformar3 (p.56). Oferece um grupo de exercícios que

trabalham essas idéias. Define função como: “dados dois conjuntos não vazios A e B,

uma função de A em B (...) é uma regra que diz como associar cada elemento, x ∈ A, a

um único elemento y ∈ B ”, reforçando imediatamente com “a função f transforma x de

A em y de B”. A seguir, trabalha a noção de função através de conjuntos e setas

definindo domínio, imagem e contradomínio, propõe problemas do contexto para

elaborar leis de formação e, fecha o capítulo, com estudo de gráficos e tipologias o que

já representa o aspecto mais formal do estudo de funções. A máquina f(x) = x2

Sai x2 Entra x

Transformação: elevar ao quadrado

3 A função como máquina é o que ocorre, por exemplo, quando imaginamos que uma função y = f(x) é uma máquina onde os elementos x são “transformados” nas imagens correspondentes.

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Os saberes pré-existentes: “âncoras” para novos conhecimentos.

“Para o bem ensinar” o professor deve fazer do “saber que seu aluno possui, a

âncora para novos saberes a serem trabalhados e relacionar os temas de suas disciplinas

às experiências das emoções ou do funcionamento do corpo de seus alunos” (Antunes,

2002, p.10). Verifica-se que muitos conteúdos estudados no Ensino Fundamental (EF)

servem de “âncora” para o ensino de funções, como por exemplo: i) a proporção, pois

trata de grandezas variáveis e interdependentes de forma direta ou indireta; ii) as

equações do 1° e 2 ° graus e os sistemas que modelam situações do cotidiano; iii) a

geometria onde perímetros e áreas dependem de medidas de lados, ângulos ou

diagonais.

Com relação a essas âncoras a experiência tem nos mostrado que: primeiro,

os alunos, por motivos afins, ao chegarem no EM não se recordam desses assuntos.

Segundo, pela “forma adestradora”, como equações e sistemas normalmente são

ensinados, é natural que os alunos não possuam as “noções de variável nem de

dependência básicas para a construção do conceito de função” (Trindade e Moretti,

2000, p.42) e, por fim a geometria, que se tem constituído em grande problema para

professores do EM. Normalmente os professores do EF, priorizam o ensino da álgebra,

deixando a geometria para depois, sobrando no ano letivo, pouco tempo para

desenvolvê-la. A geometria ensinada dessa maneira, de forma corrida ou inexistente, faz

com que a maioria dos alunos chegue ao EM, sem noções básicas em referido assunto.

Freqüentemente, as dificuldades variam conforme o contexto de cada

aluno/escola. Cabe ao professor sondar que “âncoras” os alunos já possuem e promover

caminhos para adquirirem as que não possuem. Não podemos ainda esquecer das

“âncoras” para a formação do conceito de função constante já da primeira série - EM,

que correspondem aos conhecimentos de número real/intervalos e plano/produto

cartesiano, que precisam estar muito bem “atracadas”.

Algumas dificuldades com relação a esses assuntos são previsíveis, tais

como o entendimento da densidade dos conjuntos dos números reais e a localização de

pontos no plano cartesiano em que somente a abscissa ou somente a ordenada vale zero.

Dada a importância que tais assuntos representam para o entendimento e a

representação das funções, recomendamos ao professor assegurar-se de que a

aprendizagem desses conteúdos tenham de fato ocorrido, antes de prosseguir.

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A construção do conceito de função: ensaiando um fazer diferente

Numa perspectiva de contribuir para uma aquisição significativa do conceito

de função, por parte do aluno da 1a série do EM, e entendendo a importância que esse

conceito tem para a formação de outros, tanto em nível Médio quanto em nível Superior

é que sugerimos uma abordagem de função para o EM que parta do intuitivo para o

formal, estabelecendo as devidas conexões entre o conhecimento escolar e o contexto

atual do aluno.

A vivência docente, além de várias pesquisas na área da Educação

Matemática, tem nos mostrado que a grande maioria dos alunos saem da primeira série

e chegam até a terceira série do EM, sem atribuir qualquer significação ao conceito de

funções. Entram na Universidade e se solicitados quanto a tais conhecimentos, o

resultado também não é nada satisfatório. Então, enquanto professores de Matemática o

que podemos fazer? Como levar o aluno ao entendimento do conceito de função? O que

há de errado com o ensino de funções?

Certamente, não deve ser só o ensino o grande “vilão”. Outros elementos

também colaboram para uma aprendizagem sem significados, tais como as condições

estruturais da escola ou físicas do aluno, ou ainda a falta de maturidade cognitiva4 do

mesmo. Mas, como o ensino é o que está, para nós, no momento, o mais passível de

mudanças, decidimos por um fazer diferente, embora a incerteza do novo nos

provocasse alguns receios.

Primeiro porque nosso fazer formal, seguindo a seqüência Conjuntos, Par

Ordenado, Produto Cartesiano, Relações e Funções, já remonta algum tempo, em que

erros e acertos já são bastante previsíveis, ao mesmo tempo em que representa um lugar

comum.. Segundo, porque entendemos que inovar em processos educacionais, significa

dentre outras coisas, correr riscos desconhecidos e nos mostrar aos alunos, aos nossos

colegas e aos nossos superiores, como também aprendizes, o que requer tato. Mas, a

esperança em mudar o cenário no qual a principal atriz –função– não arranca aplausos

entusiasmados de seu público – os alunos – nos motivou e encorajou.

Importante é, salientar aqui, que não estamos sugerindo que o professor

deixe de trabalhar nenhum dos conteúdos citados (Conjuntos, Par Ordenado, Produto 4 “A estrutura cognitiva é sempre uma variável relevante e decisiva na aprendizagem significativa. È conceitualizada como um corpo de conhecimentos adquiridos cumulativamente, organizado hierarquicamente. È ela quem favorece a aprendizagem devido à possibilidade de, organicamente [grifos nossos], relacionar os aspectos do novo com o conhecimento existente” (BARALDI, 1999, p.39).

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Cartesiano, Relações) - pois eles são “âncoras” para o estudo das funções, como já

mencionamos - mas sim, que esses conceitos sejam trabalhados de forma a preparar o

caminho para o estudo das funções, ao mesmo tempo em que permeiem constantemente

tal assunto. Entretanto, devemos “descolar” o conceito formal de função do conceito

formal de relação, pois no momento em que estabelecemos função como um

subconjunto de uma relação, que por sua vez é um subconjunto de um produto

cartesiano privilegiando apenas o formal, o aluno perde-se em meio às abstrações.

Para melhor avaliar e investigar a nossa proposta, decidimos desenvolvê-la

em uma turma de 35 alunos da 1a série do EM de uma escola da rede pública federal de

ensino. Elaboramos em fichas mimeografadas o conteúdo sob a forma de lacunas,

tabelas e diagramas para completar, problemas para traduzir e resolver, cujo objetivo era

levar o aluno a conceituar, identificar e aplicar funções em situações do cotidiano.

Nas fichas, inicialmente, os alunos foram convidados a observar frases,

onde aparece a palavra função, do tipo: “João é dependente químico. Ele vive em

função da droga”, ou “A cada dia menos mulheres vivem em função dos seus maridos”.

A seguir, com o objetivo de levar o aluno a concluir que função tem significado de

dependência, foi perguntado em que sentido a palavra função foi empregada.

Sabemos que esse é um conceito ainda bem restrito para função, mas a

nossa preocupação aqui não foi formalizar o conceito, mas estabelecer uma conexão

entre o conceito matemático e outro já conhecido pelo aluno, dando já ao conceito uma

idéia inicial, já que a “aprendizagem significativa ocorre quando o indivíduo estabelece

significados entre as novas idéias e as suas já existentes” (Baraldi, 1999, p.38).

Como y = f(x), é o mesmo que y depender de x – uma vez que y surge a

partir dos valores atribuídos a x, achamos que dar à função um sentido inicial de

dependência seria um modo de construir significativamente as bases para o conceito

formal de função, haja vista que o aluno, nesse nível, já confere significado a palavra

“dependência”.

Ao mesmo tempo, entendemos que,

a identificação de regularidades em situações reais, em seqüências numéricas (...) é uma habilidade essencial à construção do conceito de função. Por meio da produção e interpretação de tabelas, os alunos podem construir o conceito de função como uma série de operações aritméticas realizáveis sobre quantidades dispostas horizontal e verticalmente na tabela. Podem calcular imagem de números dados, números que têm dadas imagens, e até procurar a regra que determina a relação entre os valores dados e as imagens desses valores. Atividades com tabelas são

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portanto, de fundamental importância para o aprendizado de funções. (Trindade e Moretti, 2000, p.46-47)

Por isso, para inferir um pouco mais na compreensão de que y é uma

variável cujo valor depende da variável x, propomos algumas tabelas do tipo

apresentado na Fig. 1, para que o aluno completasse, onde além do objetivo primeiro,

estabelecer relações de dependência, implementamos um segundo, que seria a

percepção de generalizações e regularidades, que geram as formas algébricas das

funções, avançando, dessa forma um pouco mais no caminho do conceito formal de

função.

Pensei no n°

-3 -4 7 x

Transformei o n° pensado em -6 -20 14 1000

Sabendo que o preço médio do litro do açaí é de R$ 3,00, complete a tabela:

Litros comprados 1 2 3 4 5 l

Valor gasto

Fig. 1

Em nível mais avançado, depois de trabalhar várias tabelas, propomos

problemas do tipo exposto na Fig. 2, onde o contexto é mais explorado:

= V

= y

associ

gráfic

José vem para a escola de bicicleta. O espaço (S) que ele percorre em função do tempo (t)está descrito na tabela abaixo:

Com base na tabela, determine: a) S(t) = .......................... b) S(90) = ...................... c) O que significa o resultado obtido no item

anterior? d) Se José gasta 20 minutos para chegar na escola, calcule a distância de sua

casa até a escola (supondo sua velocidade constante).

t (segundos) 10 20 30

S (metros) 2 4 6

Fig. 2

Partindo das habilidades adquiridas pelos alunos com plano cartesiano e tabelas,

amos os elementos das tabelas a pares ordenados e partimos para a construção de

os, definindo paralelamente domínio, contradomínio e imagem. Acrescentando

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com isso, à relação de dependência, a idéia de que o y e o x pertencem a conjuntos

diferentes.

Percebemos, a dificuldade que os alunos apresentam em traçar gráficos

quando as funções estão definidas de R em R. Dizer apenas para eles, que quando a

função está definida de N em N, temos apenas pontos no plano cartesiano e que quando

for definida de R em R temos que ligar os pontos desse plano, não nos parece que

conduzimos o aluno a uma aprendizagem significativa.

Levá-los à compreensão, nesse caso, significa um retorno ao estudo da

densidade do conjunto dos números reais, onde se encontra um conceito que por si só, já

é bastante complicado ao aluno dar algum sentido.

O infinito nos parece ser uma noção de difícil aquisição para o aluno, até

mesmo quando se trata do conjunto dos números naturais. Números naturais muito

grandes dão aos alunos a impressão de não serem números naturais, o que foi observado

na turma quando propusemos o seguinte exercício/sondagem5:

Dada a função f : IN IN , tal que f(x) = 4x + 6, resolva os problemas abaixo:

a) Entre os números abaixo circule os que fazem parte do domínio.

2 -1 0 11,5 1267

b) Entre os números abaixo circule os que fazem parte do contradomínio.

-2 10 8 46 23

c) Entre os pares ordenados abaixo circule qual ou quais fazem parte da função.

(5,26) (0,5;8) (2,10)

Dos trinta e quatro alunos participantes da atividade, apenas dois

circularam o número 1267, por entenderem tal número como pertencente ao conjunto

dos números naturais. Com isso concluímos, o grande cuidado que devemos ter ao

ensinar conjuntos numéricos, pois o reconhecimento dos números enquanto

pertencentes a esse ou aquele conjunto, ou ainda as especificidades de cada conjunto,

podem se transformar em obstáculo para a aquisição de novos conhecimentos

matemáticos.

Outra situação que nos chamou atenção foi a dificuldade de alguns alunos

entenderem um ponto como um par ordenado. Muitas vezes, quando se pedia para que

eles colocassem no plano cartesiano um ponto, por exemplo (2,3), eles tendiam a

colocar o 2 no eixo x e o 3 no eixo y. Na verdade, essa dificuldade, persistiu desde o 5 Elaborado segundo proposta de MARKOVITS, EYLON e BRUCKHEIMER.

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começo do trabalho com plano cartesiano, que mesmo tendo dedicado algum tempo

para tentar saná-la, ainda persistiu, o que nos sugere que alguns alunos têm obstáculo

didático para trabalhar com espaços bidimensionais6.

Ainda com relação ao exercício/sondagem citado, enquanto nos itens a) e b)

os alunos precisaram apenas verificar se os números pertenciam ao Domínio e/ou ao

Contradomínio (números Naturais), no item c), além disso, deveriam verificar se o y é

imagem do x dado, o que implica em uma situação mais abrangente de raciocínio.

No entanto, este raciocínio linear-crescente, de um modo geral, não foi

notado na turma. Para um pouco menos da metade dos alunos, o ponto (2,10) pertence a

função, porque tanto x quanto y são números do domínio e do contradomínio. Em

contrapartida, somente 10 alunos circularam o ponto correto, não ignorando portanto,

nenhuma etapa do raciocínio. Isso nos mostra que compreender função, nas suas

diferentes formas, como um todo que envolve, dentre outras coisas, Domínio, Imagem e

Contra-domímio, parece ser difícil para o aluno.

6 Essa situação já foi observada inclusive em avaliações de alunos do 3° ano do EM.

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Para fortalecer a idéia de função como relação de dependência entre duas

variáveis e desenvolver no aluno habilidades em transformar uma situação do cotidiano

em uma fórmula/modelo. Propomos aos alunos problemas com duas variáveis, onde se

pedia uma em função da outra. Na (fig.3) apresentamos alguns exemplos. A idéia aqui

seria revisar conceitos já vistos no Ensino Fundamental e ao mesmo tempo usá-los

como “âncora” para conhecimentos novos, fazendo com que o ambiente de

aprendizagem de função parecesse um lugar familiar ao aluno.

ped

um m

explor

é leva

uma in

existe

modos

e desc

Moret

Traduzindo cada situação abaixo para a linguagem matemática escreva as relações

idas:

1) Quando João nasceu, Téo tinha 3 anos. Escreva a idade de João ( j ) em função da idade de Téo (t ).

2) Preço (P) a pagar em função da quantidade de litros (l) de gasolina se for comprada a R$ 2,15 o litro.

3) Um retângulo tem comprimento c, largura b e perímetro 20. Determine a fórmula que dá o valor de c em função de b.

4) O preço a pagar ( P ) por uma mercadoria (x) que teve 12% desconto.

5) A Organização Mundial de Saúde recomenda que cada cidade tenha no mínimo 14 m2 de área verde por habitante. Escreva a área verde mínima (A) de uma cidade em função do número de habitantes ( n ).

6) Numa gráfica, x máquinas de mesmo rendimento imprimem um certo número de

cópias em 8 horas de funcionamento. Se duas delas quebrassem, em quanto tempo

(T) de funcionamento as máquinas restantes fariam o mesmo serviço?

Fig.3

Traduções contribuem também para que os alunos entendam função como

odelo/fórmula que representa uma situação do cotidiano. Pode-se dessa forma,

ar a manipulação de variáveis com significados, ao mesmo tempo em que o aluno

do a perceber “que uma equação pode ser interpretada como uma condição sobre

cógnita ou como uma regra com a qual algumas variáveis se relacionam; que

uma diferença entre considerar letras em equações e funções; que esses são dois

de pensamento matemático diferentes: um em termos de quantidades conhecidas

onhecidas, o outro em termos de quantidades variáveis e constantes”(Trindade e

ti, 2000, p.45).

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Anais do VIII ENEM – Comunicação Científica GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 15

Dando continuidade ao processo de construção do conceito formal de

função, perguntamos ao aluno se toda relação de dependência entre duas variáveis

representa uma função.

Para conduzi-los à resposta, fornecemos funções reais do tipo: y = 2x; y= x2;

y = x± e pedimos que armassem seus respectivos diagramas de setas e observassem

as diferenças. Pedimos, também, que no primeiro conjunto (domínio) os alunos

colocassem números positivos, negativos e o zero e que esses números fossem os

mesmos para as três relações.

Após a realização da tarefa, verificaram que tanto no diagrama da primeira

função como no da segunda não sobravam elementos no primeiro conjunto (Domínio),

enquanto que no diagrama do terceiro sempre sobravam os negativos e, além disso,

neste diagrama, dos positivos sempre partiam duas setas.

Com tais observações definimos as relações y = 2x e y = x2, como funções

de R em R, ao mesmo tempo em que cada aluno escreveu em seu caderno as condições

para que uma relação de dependência entre duas variáveis seja função.

Aproveitamos ainda o momento para discutir novamente os conceitos de

Domínio, Contradomínio, Imagem e as características do conjunto dos números Reais,

enquanto conjunto denso e infinito, na tentativa de mais uma vez superar as dificuldades

em trabalhar com tais conjuntos.

Mostramos por exemplo, que se eles continuassem insistindo em usar

apenas números naturais7 em seus diagramas eles poderiam tirar conclusões erradas

quanto a relação ser ou não função. Da mesma forma, mostramos que se restringirmos o

“conjunto de partida” e/ou o “conjunto de chegada” de uma relação, esta, se não for,

poderá se transformar em função.

A seguir trabalhamos o reconhecimento de funções através de gráficos,

fazendo com que o aluno não se limitasse a um “sim” ou “não”, mas explicasse porque

quando uma reta é traçada paralela ao eixo y e toca dois pontos do gráfico, este não

representa função.

7 Na montagem de diagramas de setas os alunos apresentam uma forte tendência em usar somente números naturais.

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Considerações finais.

A idéia de uma metodologia diferenciada para o ensino de funções foi a

tônica deste trabalho. Desde o começo, nos baseando nas recomendações feitas pelos

autores pesquisados e nas experiências que normalmente vivenciamos na sala de aula,

pensamos em novos caminhos que conduzissem o aluno a uma aprendizagem

significativa do conceito de função.

O conceito de função é por si só bastante complexo para o aluno, pois

envolve outros conceitos igualmente abstratos como domínio, contradomínio, conjunto

imagem e regra de correspondência. Além disso, não podemos esperar que o nosso

aluno o apreenda em poucas aulas visto que a própria humanidade levou séculos para

formalizar e entender tal conceito.

Analisando ainda a história da matemática, em especial no que diz respeito a

formação do conceito de função, verificamos que em sua gênese, a primeira idéia

associada a função foi a de dependência, para depois, ao longo de décadas ser refinado

e assumir novas formas de representação.

Assim, se pretendíamos inicialmente conceituar função de maneira

“informal”, por quê não começar pela idéia de dependência? E foi o que procuramos

fazer ao utilizar a semântica. Por outro lado, como os autores aqui pesquisados, são

unânimes em afirmar que restringir funções à forma analítica ou algébrica pode se

constituir num obstáculo à aprendizagem do conceito de função, também propomos aos

alunos atividades em que eles tiveram oportunidade de se familiarizar com tabelas e

gráficos que reconhecidamente são de fundamental importância para a formação do

conceito.

No currículo da 1a série do EM, após esse contato inicial/geral com o

conceito, seguem as funções polinomiais, modular, exponencial e logarítmicas, onde

sugerimos que os conceitos aqui destacados sejam novamente trabalhados de forma

constante. Assim, ao abordar cada uma das funções acima, sugerimos não deixar de usar

tabelas, diagramas, gráficos e leis de correspondências, nem deixar de chamar atenção

para os conjuntos Domínio, Contradomínio e Imagem. Dessa maneira, entendemos que

o aluno poderá aprender função de forma conceitual ampliada e significativa, ao mesmo

tempo em que lhe será proporcionado uma constante articulação entre as funções, suas

diferentes formas e seus elementos.

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Sugerimos também não esquecer dos problemas contextualizados que além

de, dentre outras competências, re/conferir utilidade à matemática, tendem a ser mais

motivadores para os alunos, do que os problemas formulados da matemática pela

matemática. Entretanto, os problemas contextualizados na própria matemática não

devem ser ignorados, pois, do contrário, o saber escolar fica restrito ao saber do

cotidiano, o que pode comprometer a capacidade do indivíduo em

ler/entender/explicar/interpretar/transformar o próprio cotidiano de forma crítica e

consciente, levando em conta o bem comum. Há portanto, necessidade de se saber dosar

a contextualização em nossas seqüências de ensino.

Chegando ao final, deste trabalho, entendemos que o tema não está esgotado

e nem a proposta metodológica se encontra pronta e acabada. Pois qualquer “fazer”

diferenciado pede muita pesquisa antes de sua validação, além de coragem para

ultrapassar os obstáculos previsíveis ou não que se configuram no nosso dia-a-dia, tais

como a falta de “âncoras” no aluno, o pouco tempo que temos para desenvolver cada

conteúdo ou ainda a constatação da presença de alunos que parecem não estarem

dispostos/preparados para aprender. Porém, sentimo-nos gratificados pelos níveis de

aprendizagem apresentados nas avaliações pela turma que trabalhou conosco e, pelo

nosso aprendizado enquanto professores/pesquisadores da própria prática.

Palavras-chave: Conceito de função, intuição, formalização.

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