Formalismo Russo
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II por Leonardo Passos*
MEMRevolllção RussaA Revolução Russa (1917)foi um dos grandesacontecimentos políticosdo século XX. Ela culminoucom uma série de eventos
que marcaram o fim doczarismo absolutista e aimplantação do socialismono país, posteriormentesob o controle deum partido único, obolchevique. No processorevolucionário, foi criadaa União das RepúblicasSocialistas Soviéticas.Seus grandes líderesforam Lênin, Trotskye Stalin.
~
C\il(ubismoMovimento artísticonascido no início do
século XX. Seus principaisexpoentes foram PabloPicasso e Georges Braque.Caracteriza-se por trataras formas da natureza
por meio de figurasgeométricas, com arepresentação de todas aspartes de um determinadoobjeto em um mesmoplano, sem compromissocom a sua aparência real.
MEM@'RIAPrimeira Guerra MundialFoi o primeiro grandeconflito internacional
(1914-1918). A guerraenvolveu os países daTríplice Entente (GrãBretanha, França e Rússia,até 1917) e EUAcontra aTríplice Aliança (Alemanha,Império Áustro-Hungaro eImpério Turco-Otomano).Como resultado,aconteceram mudançasgeopolíticas na Europa eno Oriente Médio.
do de profundas mudanças em decorrência de
sua grande Revolução Russa~, quetambém afetava as produções artísticas, eferves
centes nesse período da história do país. Foi nes
se contexto que surgiu uma das mais importantes correntes críticas da literatura, o Formalismo
Russo, que daria o pontapé inicial para os estu
dos modernos no campo das Letras.Tzvetan Todorov, importante estudioso e
divulgador das ideias dos formalistas, assimcomo Roman Jakobson, um de seus mais cé
lebres membros, alegam que o nome dado
ao grupo advém de uma falácia, já que era
'utilizado por seus detratores de forma pejorativa. Apesar de rejeitado, o termo acabou
se consagrando.
eE SUAS (ONTI!IBUIÇÕES P11RA AMODERNA CRITICA LITERARIA
Asegunda década do século
XIX mostrava grandes trans
formações socioculturais aomundo. A mE!ir;aGue
Mundial~ alterava demaneira drástica as relações políticas entre
diversas nações, bem como todo o pano
rama cultural do globo; o rádio ampliava
as comunicações humanas; os automóveis
se expandiam; no campo das artes, alastra
vam-se movimentos de vanguarda, como or'\cubismo\i, dadaísmo e o jazz; CharlesChaplin encantava o mundo com seus filmes,
assim como o faziam outras produçÕ,es do!ci~nemamudo;AlbertEinstein tecia valiosas con
tribuições à ciência; e a Rússi~ vivia um perío-
-
'Leonardo Passos é professor de Literatura e Redação. @[email protected]
Conhecimento Prático I LITERATURA I 13
(Sociedade para os Estudos da Linguagem
Poética), da qual eram membros os dois au
tores supracitados.
A NATUREZA AUTÔNOMA DALINGUAGEM POÉTICA
O Formalismo Russo, pela sua diversida
de de pensamentos e análises, não produziu
uma doutrina unificada que servisse como
padrão para todos os seus estudos, comoatesta Eikhenbaum na mesma brochura cita
da: "Realmente, não falamos, nem discutimos
sobre nenhuma metodologia. Falamos e po
demos falar unicamente de alguns princípios
teóricos que nos foram sugeridos pelo estudo
de uma matéria concreta e de suas particula
ridades específicas, e não por este ou aquelesistema completo, metodológico ou estético:'
Desde seus primeiros estudos, o
Formalismo Russo caracterizou-se pela re
cusa de abordagens extrínsecas ao texto.
Psicologia, sociologia, filosofia ete., que ser
viam de base para muitos estudos literários
. realizados até então, não poderiam constituir
o escopo de análise da obra literária, que de-
o CíRCULO LlNGuíSTICO DEMOSCOU E A OPOJAZ
Alguns proeminentes alunos da Univer- Isidade de Moscou fundaram o Círculo ~"Linguístico de Moscou, no inverno de 1914,
com o objetivo de realizar estudos nos cam
pos da poética e da linguística. Tais estudos
foram inovadores desde o início por estabele
cerem análises paralelas entre a literatura e a
linguística, preocupação que seria dominante
nos trabalhos realizados pelo grupo. O termo
função poética foi cunhado nesta época, instituindo importantes considerações a respeito
da linguagem literária.
O Círculo Linguístico de Moscou tinha
entre seus membros importantes poetas,como Maiakovski, Pasternak, Mandelstam e
Assiéiev. Tal aliança não se deu ao acaso, mas
pelas intenções semelhantes dos formalis
tas e dos poetas vanguardistas, que estavamcansados da velha estética e buscavam novas
formas em meio às profundas alterações da
revolução. A poesia pretendia seguir por no
vos rumos estéticos enquanto a crítica já não
se importava mais com a dicotomia existente
entre os gêneros clássico e romântico, consi
derando tais preocupações ultrapa~sadas.A primeira publicação do grupo, A
Ressurreição da Palavra (1914), de Viktor
Chklovski, foi seguida da coletânea Poética
(1916), de Óssip Brik, que tencionava di
vulgar os primeiros trabalhos do grupo. Em1917 surgiu, em São Petersburgo, a OPOJAZ
Empiristas e positivistas~ ignoravampremissas filosóficas ou metodológicas e, portanto, toda conclusão abstrata. Por se tratar de
um grupo de críticos militantes, rejeitavam as
doutrinas simbolistas quase místicas que haviam influenciado a crítica literária e, muni
dos de grande vontade prática e científica, focaram a atenção para os aspectos intríns.ecos
do texto literário. Desejavam chegar a uma
ciência da Literatura, que tivesse por objetonão a Literatura, mas a literariedade do texto,
ou seja, aquilo que lhe confere caráter literário. Dentre os seus membros, destacavam
se Mikhail Bakhtin, Vladimir Propp, Viktor
Chklovski, Óssip Brik, Yuri Tynianov, BorisEikhenbaum e Boris Tomachevski, além do
já citado Jakobson.
" A Lingüística é aparte do conhecimentomais fortementedebatida no mundoacadêmico. Ela está
encharcada com o sanguede poetas, teólogos,filósofos, filólogos,psicólogos, biólogos eneurologistas além de,não importa o quãopouco, qualquer sanguepossível de ser extraído degramáticos?"Russ RYMER, JORNALISTA
AMERICANO
C~NCEITOPositivistaso positivismo, doutrinafilosófica e política, foium dos desenvolvimentos
sociológicos doIluminismo. Seu criador foio francês Auguste Comte(1798-1857), que pregavaa busca da explicaçãopelas coisas mais práticasna vida do ser humano,como no caso das leis,relações sociais e a ética,confinando-se ao estudo
das relações existentesentre fatos que sejamacessíveis à observação.
14 I Conhecimento Prático I LITERATURA
veria ser efetuada por meio dos constituin
tes estétic?s sem relevar aspectos externos.Em uma importante coletânea de textos
traduzida para o português como Teoria daLiteratura: Formalistas Russos (Globo, 1976),Boris Eikhenbaum descreve de forma sucinta
a premissa do grupo do qual fazia parte: "O
que nos caracteriza não é o formalismo en
quanto teoria estética, nem uma metodologia
representando um sistema científico defini
do, mas o desejo de criar uma ciência literária
autônoma a partir das qualidades intrínsecasdo material literário:'
As opiniões dos formalistas entraram em
conflito com os teóricos de inspiração mar
xista, pois estes consideravam que a nova poética não deveria ignorar as realidades sociais
e sua relação com as manifestações artísticas.
Os formalistas consideravam que a obra literária não era um mero veículo de ideias, tam
pouco uma reflexão sobre a realidade social:era um fato material plausível de análise. Era
formada por palavras, não por objetos ou sentimentos, e seria um erro considerá-la como
a expressão do pensamento de um autor.Os formalistas tencionavam criar uma
ciência da literatura, que deveria afastar-se
de quaisquer aspectos extraliterários, e para
que isso fosse possível, a literatura deveria ser
estudada por si só, daí a necessidade de con
ceitualização da literariedade, que daria o res
paldo necessário para aquilo que se almejava:
o estudo da natureza autônoma da linguagem
poética e sua especificidade como um objetode estudo da crítica literária.
A LlTERARIEDADERoman Jakobson cunhou uma das mais
importantes considerações da postura for
malista, que acabou se tornando quase ummanifesto do movimento:
'I\.poesia é linguagem em sua função esté
tica. Deste modo, o objeto do estudo literárionão é a literatura, mas a literariedade, isto é,
aquilo que torna determinada obra uma obra
literária. E no entanto, até hoje, os historiadores da literatura, o mais das vezes, asseme
lhavam-se à polícia que, desejando prender
determinada pessoa, tivesse apanhado, por via
das dúvidas, tudo e todos que estivessem num
apartamento, e também os que passassem ca
sualmente na rua naquele instante. Tudo ser
via para os historiadores da literatura: os cos
tumes, a psicologia, a política, a filosofia. Em
lugar de um estudo da literatura, criava-se um
conglomerado de disciplinas mal-acabadas.
Parecia-se esquecer que estes elementos per
tencem às ciências correspondentes: História
da Filosofia, História da Cultura, Psicologia,
etc., e que estas últimas podiam, naturalmente, utilizar também os monumentos literários
como documentos defeituosos e de segunda
ordem. Se o estudo da literatura quer tornar
se uma ciência, ele deve reconhecer o 'processo'como seu único 'herói'."
Acerca da literariedade proposta por
Jakobson, Eikhenbaum tece algumas consi
derações: "Estabelecíamos e estabelecemos
ainda como afirmação fundamental que o
objeto da ciência literária deve ser o estudo
das particularidades específicas dos objetos
literários, distinguindo-os de qualquer outra
matéria, e isto independentemente do fato de
que, por seus traços secundários, esta maté-
"Embora (Roman).Jakobson nem tenhateorizado diretamente
sobre os problemasda textualidade, paraesse tema contribui sua
concepção de poéticasincrônica que, no Brasil,
foi estudada 'por Haroldode Campos."IRENE MACHADO,
SEMIÓLOGA
Conhecimento Prático I LITERATURA I 15
Roland Bartheso francês RolandBarthes (1915-1980)é considerado umdos maiores e mais
importantes críticosliterários do Ocidente.Para ele. a unidade dotexto não se encontranasuaorigem,masemsua destinação. Umasde suas principaisobras é "Elementos da
Semiologia", escritaem 1964.
" A linguagem estásempre inserida em umdiálogo constante coma vida social e cultural;dessa forma ela se torna
viva, múltipla, porquemarcada pelas vozespresentes nas interaçõessociais."MIKHAIL BAKHTIN,
~INGUISTA RUSSO
ria pode dar pretexto e direito de utilizá-las
em outras ciências como objeto auxiliar:'
Viktor Chklovski diz que a língua poéti
ca difere da língua prosaica pelo caráter per
ceptível de sua construção. Jakobson afirmaque se a intenção da comunicação detém um
objetivo puramente prático, ela faz uso do
sistema da língua cotidiana (do pensamen
to verbal), na qual as formas linguísticas (os
sons, os elementos morfológicos ete.) não
têm valor autônomo e não são mais que um
meio de comunicação.
NARRATOLOGIA
Vladimir Propp foi um dos fundadores
da Teoria da Narrativa, ou Narratologia, ao
analisar os componentes básicos do enredo
dos contos populares russos visando a identificar os seus elementos narrativos mais sim
ples e indivisíveis. Seus estudos são um ótimo
exemplo de análise probabilística aplicada à
literatura, configurando o caráter puramente científico que os formalistas pretendiam
atribuir aos seus estudos. Propp encarava os
contos como algo ritmos combinatórios, em
que os nomes e os atributos dos personagens
constituem valores permutatórios, enquantosuas ações ou funções permanecem constan
tes, ou seja, nos tais contos, as mesmas his
tórias eram repetidas, alterando-se apenas os
personagens.
Em 1928, Propp publicou o livro AMOIialagia dos Contos de Fadas, no qual estabelecia os elementos narrativos básicos que elehavia identificado nos contos folclóricos rus
sos. Basicamente, Propp identificou sete clas
ses de personagens ("agentes"), seis estágios de
evolução da narrativa e 31 funções narrativasdas situações dramáticas. A linha narrativa
que ele traça, ainda que flexível, é fundamen
talmente uma só para todos os contos.
LEGADO
Além dos já citados autores que permearam sobre os estudos da Teoria da Narrativa,o Formalismo Russo influenciou muitos
estudiosos e deixou um enorme legado
aos estudos literários e linguísticos. Entre
seus sucessores está a Escola de Praga, ou
Círculo Linguístico de Praga, fundado em
1926 por Roman Jakobson, que se mudou
para a Tchecoslováquia após a dissolução do
Círculo de Moscou, acusado de ser burguês
e reacionário pelo novo regime comunista.
O grupo adotava uma perspectiva semiótica
geral para o estudo científico da literatura e,
em outro campo, a fonologia viria a tornar-se
sua base paradigmática num diferente número de formas.
Também fortemente influenciado pelo
Formalismo Russo, o Estruturalismo, surgi
do na França, alcançou grande repercussãono fim da década de 1960 graças aos escritosde Roland Barthes . A crítica estrutu
ralista distinguia-se por analisar as obras li
terárias por meio da Semiótica, ou ciência
dos signos.Os conceitos de Mikhail Bakhtin a res
peito de dialogismo, polifonia (linguística),
heteroglossia e carnavalesco, bem como osconceitos de análise estrutural da linguagem,
poesia e arte realizados por Roman Jakobson,
foram de extrema importância para os estu
dos modernos nos campos da Linguística eda Teoria da Literatura, influenciando umsem-número de autores .•
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