FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL ...melhoria da qualidade da formação inicial e...
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FORMAÇÃO DE PROFESSORES DA EDUCAÇÃO INFANTIL:
IDENTIDADES, SABERES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL
Painel apresenta resultados de pesquisas de enfoque qualitativo, no campo da formação
de professores de educação infantil, incluindo a formação nos cursos de Pedagogia, o
desenvolvimento profissional considerando contextos políticos de aprendizagem da
profissão e a perspectiva de professores dessa área sobre a aprendizagem de
conhecimentos científicos. A primeira pesquisa analisou matrizes curriculares de 144
cursos de Pedagogia no estado de São Paulo, por meio de análise documental, no que se
refere à educação infantil. A segunda pesquisa buscou analisar o contexto sócio-
histórico-legal-cultural brasileiro e as questões relacionadas à formação e à atuação de
professores para a educação infantil, conjugada aos dados de pesquisa que buscou ouvir
as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade possível à
realização de seu trabalho pedagógico. A terceira pesquisa, investigou a concepção de
professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na
educação infantil. Em comum, as pesquisas apresentam a finalidade de contribuir para a
melhoria da qualidade da formação inicial e contínua de professores que educam e
cuidam de crianças pequenas em creches e pré-escolas, tanto no que se refere às
demandas formativas desses profissionais, como para a defesa do direito à educação de
crianças pequenas. Os resultados das pesquisas indicam: i) a fragilidade e a dispersão
curricular dos cursos de Pedagogia e a insuficiência da formação específica para a
educação infantil; ii) o não reconhecimento dos próprios professores como profissionais
da Educação, com fragilidades no discurso conceitual podendo colocar em risco o
compromisso com o desenvolvimento integral da criança; iii) a necessidade de que os
processos formativos de professores de educação infantil considerem a educação
científica com as crianças de modo a conciliar a socialização do saber e a participação
do educando nos processos de apropriação e de produção de cultura.
Palavras-chave: Professores de Ed. Infantil, Desenvolvimento Profissional.
Conhecimentos Científicos.
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EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEXTO POLÍTICO EDUCACIONAL DE
APRENDIZAGEM E ENFRENTAMENTOS PARA O DESENVOLVIMENTO
PROFISSIONAL
Profª Drª Maristela Angotti –
FCLAr/UNESP/Araraquara-SP-Brasil-
Resumo: Tem este trabalho a finalidade de analisar o contexto sócio, histórico, legal e cultural
brasileiro e as questões relacionadas à formação e atuação de professores para a Educação
Infantil, bem como identificar consequências para o processo de aprendizagem e
desenvolvimento desses profissionais para qualificar o atendimento oferecido, sobretudo a partir
do fortalecimento do ser pessoa que se constrói e se apresenta no ser profissional. Além da
análise do itinerário histórico das recentes perdas angariadas pela Educação Básica, utilizamos
como elemento para nossas análises dados oriundos de pesquisa de abordagem qualitativa, na
qual se buscou ouvir as "vozes" de professoras sobre seu fazer e as condições de qualidade
possível à realização de seu trabalho pedagógico. Incongruências no contexto da política
educacional favorecem a construção de uma imagem profissional duvidosa e a revelação de
procedimento de pouca importância ou não reconhecimento das professoras como profissionais,
gerando fragilidades identificadas no discurso conceitual em sua relação com as práticas
pedagógicas efetivadas, o que acaba por colocar em risco o compromisso com o
desenvolvimento integral da criança e a construção de seus processos identitários, além do não
estabelecimento de responsabilidade frente a um pacto social inerente a este fazer. Assim,
buscamos oferecer contribuições a partir da pesquisa sobre o como aprende e se desenvolve o
docente na Educação Infantil, com foco na especificidade desta etapa pertencente ao sistema
educacional brasileiro para que possamos pensar em como melhor formá-los.
Palavras chaves: Educação Infantil; identidade docente; aprendizagem e desenvolvimento
profissional.
Este trabalho tem por hipótese que as políticas públicas tem sido um entrave
para a atuação docente na Educação Infantil, uma vez que as mesmas têm provocado
frequentemente a ideia de que esta etapa educacional seja ou possa ser considerada
menor no contexto educacional, o que acaba por impactar negativamente a pessoa do
professor e sua condição de atuação. Fato continuo é que diante deste processo de
desvalorização que afeta a pessoa do professor e insistentes elementos de fragmentação
da etapa educacional, a formação de professores não revelam sensibilidade e
compromisso com esta questão, comprometendo a formação da pessoa, seu aprendizado
relativo às dimensões de atuação cidadã e profissional .
Parte-se do princípio de ser a formação elemento fundamental para que se possa
pensar sobre a melhoria da educação, e retorna-se a esta formação com a definição de
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ser necessário considerar na mesma a pessoa na qual habita o profissional, sobretudo na
perspectiva de um protagonismo cidadão e de um profissionalismo inovador, cuja
profissionalidade se estenda para além dos compromissos com a especificidade da
prática didático-pedagógica realizada junto à criança, para pensar também nas
consequências sociais, históricas e culturais deste fazer.
Muitos autores têm sustentado este princípio, como Nóvoa que, fundamentado
em Jeniffer Nias, defende que a formação da pessoa é importante para a elaboração do
profissional, para que possamos pensar em produzir a formação, as aprendizagens e o
desenvolvimento profissional de docentes. Assim os referidos autores defendem e
divulgam a premissa de que “O professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa
é o professor".( Jennifer Nias apud NÓVOA, 2000, p.9.).
Neste sentido, é fato reconhecido a necessidade de investimento na pessoa do
futuro professor que se encontra em processo formativo. Este investimento recairia nas
bases de conhecimento, inclusive do autoconhecimento para que a pessoa possa projetar
o profissional que pretenda ser, a delimitação das linhas teóricas com as quais se
identifica e assume do ponto de vista do desenvolvimento humano e de sua consequente
prática teórico metodológica.
O referenciado autoconhecimento é determinante também na identificação com
o objeto de interesse da educação: o ser humano e o conhecimento, bem como no caso
do professor que irá atuar na Educação Infantil com a criança menor de seis anos e a
especificidade do trabalho a ser realizado, reconhecendo sua forma de ser, agir, de
revelar interesses e necessidades perante o mundo e suas relações com ele. Portanto,
esta pessoa em seu processo de ser pessoa em permanente desenvolvimento e necessário
investimento constitui o filtro pelo qual será constituído o profissional docente.
Esta pessoa está inserida e faz parte de um determinado contexto sócio-histórico-
cultural e as relações constituídas no contexto social de pertença contribuem de maneira
bastante objetiva e significativa para a construção das imagens pessoais e profissionais.
As concepções que proliferam, as condições de valorização ou não da pessoa e do
profissional atuam sobre o ser e na elaboração de sua imagem, bem como definem suas
condições próprias de atuação. Vivemos em situação de conhecimento pessoal em que
uma das vias constitui-se o enxergar-se, o reconhecer-se no e pelo outro ou pela imagem
construída pelo outro na construção da estima, da autoestima que pode fortalecer ou
enfraquecer as condições do ser pessoa. Esta condição mantém relação estreita com a
atuação profissional, definindo seus "contornos" e essência.
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Precisamos nos ater em como o contexto tem contribuído para a construção de
imagens frágeis referentes à pessoa e a sua construção enquanto profissional; como as
contribuições podem ou têm se constituído em elemento negativo, nefasto e apassivador
de perspectivas inovadoras, criativas, produtivas, pois que deixem sempre entrever
que quem escolhe a docência o faz por falta de opções e tal fazer, sobretudo se realizado
com crianças menores, torna-se também um fazer menor, um ato determinante pela
condição de gênero feminino, instinto e condição natural da mulher com o ato de
educar, uma atitude de amor e cuidado para com a criança; a maternagem instalada e
não um fazer pedagógico, portanto profissional e necessário de ser reconhecido e
valorizado como qualquer outra profissão.
Sem querer teorizar de maneira profunda sobre, mas considerando necessário
destacar para a análise a ser realizada, atrevo-me a trazer para a discussão questões
teóricas sobre as representações sociais e para isso ancoro-me em um artigo bastante
interessante de Angela Arruda, que nos conduz pelo seu caminhar teórico ao
entendimento conceitual elaborado por Denise Jodelet, o qual assim se apresenta como
sendo “As representações sociais são uma forma de conhecimento socialmente
elaborado e compartilhado, com um objetivo prático, e que contribui para a construção
de uma realidade comum a um conjunto social”. (Arruda, 2002, p.138) Neste
entendimento nortearemos parte do nosso processo de análise no sentido de entender o
como imagens externas, percepções podem comprometer a autoestima de uma pessoa e
sua condição de ser e estar profissional, neste caso, profissional docente na Educação
Infantil.
Com este conceito analisaremos o quadro de referência legal no qual os
professores e profissionais da Educação Infantil estão inseridos para analisarmos o
como as aprendizagens e a construção da identidade docente podem estar sendo
influenciadas por elementos que contribuem para uma construção negativa, de
desvalorização da imagem e consequentemente da construção da identidade docente no
seio da categoria profissional.
Vejamos, em 1988 foi promulgada a Carta Constitucional da República
Federativa do Brasil, um marco no nosso contexto histórico que se caracterizou como
determinante para que um sentimento forte de esperança em relação ao reconhecimento,
valorização e crescimento quantitativo e qualitativo do atendimento pedagógico à
primeira infância pudesse acontecer.
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O fato de ter sido alterada a concepção e o estatuto de cidadania para o ser
criança ao ser reconhecida nesta nova Constituição como ser de direitos trouxe um novo
e difícil caminho social a ser percorrido para atendê-la. Os termos da Lei precisam de
crédito e definições estruturais para que possam ser implementados na dinâmica da
sociedade. Há que se reconhecer a importância e a legitimidade do interlocutor social e
cidadão para que a dinâmica, no caso sócio educacional possa ser redesenhada,
reformulada, recriada sob novas e determinantes posições conceituais com suas
derivações práticas.
A denominação Educação Infantil já revela expressão de nova concepção de
atendimento que atribui importância e reconhecimento de valor aos primeiros anos de
vida, não devendo ser considerado o melhor e/ou mais importante momento sobre os
demais que virão, mas tão importante e merecedor de atenção e investimentos como
qualquer outro atendimento de educação e ensino escolarizado.
Defende-se assim, em entendimento possível, o compromisso da educação como
elemento fundamental na sustentabilidade humana para prover a criança
desenvolvimento integral, pleno e prepará-la para uma vida sadia em sociedade, na qual
se insira como protagonista, ator principal da e na construção dinâmica do processo de
inovação, transformação social, cultural e histórica.
Há subjacente a esta defesa o princípio de que não somos apenas produto de
cultura, mas também produzimos cultura, somos positivamente transgressores no ato
criativo de participação/transformação/inovação na dinâmica do processo sócio-
histórico-cultural do qual e no qual estamos inseridos e a criança dele assim faz parte,
elaborando suas concepções e conhecimentos e criando dentro do possível o “novo
melhor” que permita qualificar a vida.
Tal colocação nos situa diante da condição de que, para que efetivamente
consigamos tal finalidade perante a Educação da primeira infância, importante também
seria a construção da identidade docente nesta mesma perspectiva. Portanto, a formação
de professores deve assumir importante papel no sentido de formar profissionais que
possam ser atuantes, protagonistas frente à sociedade e seu dinamismo.
Na sequência histórica legal, o passo subsequente à condição de direito
consignado aos menores de 6 anos de idade foi dinamizado com o reconhecimento de
que o atendimento à primeira infância estaria saindo definitivamente da área assistencial
e sendo incluído na educacional, assim assumido pela Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional de 1996, em seu artigo 29, que reconhece a Educação Infantil
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enquanto primeira etapa da Educação Básica no Brasil. Material rico e de profundo
conhecimento sobre a criança, respeitada em seu desenvolvimento, identidade singular e
coletiva e nas metodologias lúdicas e artísticas favorecedoras de seu desenvolvimento
integral, considerando-se os contextos específicos de pertença cultural.
Com advento do século XXI e as discussões sobre financiamento educacional,
nem tudo seguiu com o otimismo de conquistas; neste sentido delineia-se um cenário de
desconforto na desigualdade valorativa entre os níveis e etapas educacionais, revelando
na política um descrédito no conhecimento sobre a infância e a adequação do
atendimento pedagógico que a ela deveria ser oferecido em condições de qualidade.
O contexto sócio-histórico-legal-cultural brasileiro parece não estar muito
favorável e convicto da importância do atendimento educacional à crianças menores de
6 anos, e assim a educação para a infância sofre um duro golpe com a Lei nº 11.274, de
6 de fevereiro de 2006, que dispõe sobre a duração de 9 (nove) anos para o ensino
fundamental, com matrícula obrigatória a partir dos 6 (seis) anos de idade (muitas vezes
menores ainda). Quebra-se a concepção de primeira infância estruturada desde os
primórdios da psicologia estimulada por Frederico Froebel, na Alemanha (século XIX).
A implementação da referida Lei nos permite a consideração de que o
conhecimento sobre a infância e seu desenvolvimento em pouco importa para a
definição de políticas públicas e que o elemento norteador da mesma está respaldado
nas condições de financiamento. O que pode levar à interpretação de que o conquistado
após a Constituição (1988) em termos de atendimento à primeira infância pelas vias da
Educação Infantil é de pouca importância, até desnecessário, e assim o trabalho docente
pode ser considerado também como algo menor para esta fase da vida do ser e sem
muita contribuição para a formação da pessoa, do ser social, político, histórico e
cultural.
Com a Emenda Constitucional nº 53/ 2006, a criação do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação –
FUNDEB, ficam suficientemente claros os motivos da inserção da criança aos 6 anos de
idade no Ensino Fundamental de 9 anos, pois a renda per capita financiada nesta etapa é
superior a qualquer outra pertencente ao sistema educacional. Portanto, a Educação
Infantil novamente passa por um duro golpe de desvalorização e pouco reconhecimento
de importância, tendo quase ficado de fora do financiamento da Educação Básica a
creche, que no Brasil envolve o período etário dos 0 aos 3 anos de idade, não tendo sido
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consolidada tal situação em decorrência do reconhecimento de que seria um ato
inconstitucional, o que poderia significar a suspensão do FUNDEB.
Com a promulgação da Emenda Constitucional nº 59, de 11 de dezembro de
2009, que amplia o direito público subjetivo a toda a Educação Básica, tornando
obrigatória e gratuita a matrícula de crianças de idade entre 4 aos 17 anos, pode-se
constatar o ganho para a sociedade que amplia sua base de direitos e formação
educacional, indubitável, mas um duro golpe para a Educação Infantil que se fragmenta
e se define por etapas diferenciadas de importância perante a política educacional em
seu processo de financiamento. A não inclusão da creche enquanto direito público
subjetivo favorece sua não valorização e reconhecimento de importância menor para o
desenvolvimento humano.
Ações políticas por vezes interessantes à formação do cidadão podem estar
corroborando para a hierarquização das etapas educacionais e desqualificação de seus
profissionais, favorecendo concepções dúbias sobre a matéria para e perante a
sociedade. É a construção de um novo desenho social fundamentado em um ideário que
favorece a pauperização para o conhecimento pedagógico e suas áreas correlatas, bem
como favorece as representações sociais e menor reconhecimento para o profissional
que atua na Educação Infantil, contribuindo para que sua estima se enfraqueça e para
que sua dignidade se fragilize diante do não reconhecimento de sua importância na
promoção do desenvolvimento humano e na consolidação de uma sociedade mais
voltada ao processo de humanização. “Algo menor”, fazer qualquer que assim
entendido se torna socialmente menos valorizado, promovendo em seus profissionais
um sentimento de pequenez profissional e social, o que certamente poderia contribuir
para o mal estar docente pelas vias das mudanças sociais, segundo Esteves. (ESTEVES,
1994; ESTEVES; FRANCO e VERA, 1995).
A situação assim descrita está provocando sérias consequências para o processo
de construção das identidades profissionais, bem como para a aprendizagem e
desenvolvimento profissional de docentes na e da Educação Infantil. O que inclusive
vem favorecendo o enraizamento de uma cultura institucional hierarquizada,
competitiva e de desqualificação de pares que atuam com crianças menores: quanto
menor a criança atendida, menos crédito ao docente que com ela atua.
Pode-se, portanto, considerar que os mecanismos legais, institucionais, culturais
estejam coibindo a estruturação da autoestima e do processo de construção positivo da
identidade do docente que atua na Educação Infantil, o que faz dele um mero técnico e
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não um profissional com perfil e identidade marcadamente voltados ao compromisso
com a criança e com a sociedade de pertença, já que a legislação fragmentou esta etapa
educacional, criou processos de hierarquização pelo valor do financiamento per capita e
pela condição de direito público subjetivo a quase toda a Educação Básica, com exceção
da creche. Fatos significativos para comprometer a identidade profissional, bem como a
atuação dos docentes na Educação Infantil, bem como diante das famílias e
comunidade.
Portanto,
Tratar da identidade docente é estar atento para a política de
representação que instituem os discursos veiculados por grupos e
indivíduos que disputam o espaço acadêmico ou que estão na gestão do
Estado. É considerar também os efeitos práticos e as políticas de
verdade que discursos veiculados pela mídia impressa, televisiva e
cinematográfica estão ajudando a configurar. A identidade docente é
negociada entre essas múltiplas representações, entre as quais, e de
modo relevante, as políticas de identidade estabelecidas pelo discurso
educacional oficial. Esse discurso fala da gestão dos docentes e da
organização dos sistemas escolares, dos objetivos e das metas do
trabalho de ensino e dos docentes; fala também dos modos pelos quais
são vistos ou falados, dos discursos que os vêem e através dos quais
eles se vêem, produzindo uma ética e uma determinada relação com eles
mesmos, que constituem, a experiência que podem ter de si próprios.
(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p. 47)
[...]
A identidade profissional dos docentes é assim entendida como uma
construção social marcada por múltiplos fatores que interagem entre si,
resultando numa série de representações que os docentes fazem de si
mesmos e de suas funções, estabelecendo, consciente e
inconscientemente, negociações das quais certamente fazem parte suas
histórias de vida, suas condições concretas de trabalho, o imaginário
recorrente acerca dessa profissão — certamente marcado pela gênese e
desenvolvimento histórico da função docente —, e os discursos que
circulam no mundo social e cultural acerca dos docentes e da escola.
(GARCIA, HYPÓLITO e VIEIRA, 2005, p.54-55)
A construção das identidades, dos saberes, das aprendizagens e do
desenvolvimento profissional docente tem sido temática recorrente no trabalho de
pesquisa de autores que tratam a questão em profundidade, sendo Maurice Tardif um
deles. O autor revela a estruturação de relações entre os saberes por ele defendidos.
Pode-se definir o saber docente como um saber plural, formado pelo
amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação
profissional e dos saberes disciplinares, curriculares e experienciais.
(TARDIF, 2002, p. 36)
Saber eivado de vivência, marcado e decorrente da experiência, saber
experiencial que, para Tardif, se constitui na elaboração pessoal expresso nas condições
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práticas do fazer. O saber experiencial estará sendo aqui entendido de forma mais
ampla, para além da atuação circunscrita à prática do efetivo exercício profissional
envolvendo também as experiências de vida da pessoa do docente. Nesta perspectiva
será utilizado como fonte de saberes o contexto de pertença das professoras e dos
profissionais da educação infantil.
Assim se poderá analisar e confirmar o fato de que este saber experiencial pode
trazer contribuições bastante complexas e negativas à construção da identidade
profissional e de contribuições para este amálgama de saberes que constituem os saberes
docentes, podendo fragilizar as relações do docente na instituição e com a família, com
a sociedade, comprometendo o fazer pedagógico oferecido às crianças menores de seis
anos, bem como a participação política, histórica e social intencionada e definida pelo
docente, mantendo-o na condição de subserviência, heteronomia pessoal e profissional,
com consequências para exercer efetivamente a vida com protagonismo, com
determinação, convicção e compromissos, sobretudo com a infância e a etapa inicial
educacional na qual está inserida. Não cumprindo com as condições favorecidas pela
legislação em termos de uma educação possivelmente constituída pela participação,
envolvimento, diálogo entre pares docentes e profissionais, com as famílias e a
sociedade, inclusive para a estruturação de um possível pacto decorrente de um projeto
consensuado de sociedade.
A formação de professores também precisa tomar para si a pessoa, o professor
em sua essência singular de ser como elemento foco de preocupação, exigente de um
investimento na pessoa para que possa se constituir profissional enquanto laboratório de
profissionalidade, mas também um espaço de constituição da pessoa em formação para
buscar a sustentação para o desenvolvimento pessoal, filtro do profissional e estrutura
do cidadão que habita o docente.
O trabalho de pesquisa aqui referenciado e agora apresentado tem por
preocupação e intenção estabelecer critérios válidos e sustentáveis para a estruturação
de um nível de qualidade a ser oferecido no atendimento educacional à faixa etária
anterior aos seis anos de idade, efetivando-se o compromisso e o direito da criança com
o seu desenvolvimento integral. Neste sentido, constitui-se enquanto questão de
pesquisa, a investigação relativa ao como os critérios de qualidade, considerados
inquestionáveis no entendimento do grupo de pesquisa, estão sendo analisados pelos
profissionais que desempenham diferentes funções nas instituições de Educação
Infantil?
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A pesquisa realizada buscou ouvir as vozes dos profissionais que atuam na
Educação Infantil em município do interior do Estado de São Paulo, referente aos
critérios de qualidade para a Educação Infantil. Preocupação reside no como analisam
as condições existentes e reais para que se possa oferecer uma educação que atenda
efetivamente a um patamar de qualidade definidor da melhor situação para que o
desenvolvimento integral da criança possa se realizar.
A metodologia da pesquisa sustentou-se na abordagem qualitativa com a
ancoragem necessária também na quantitativa, portanto foi desenvolvida sob condições
de utilização que demarcam uma abordagem mista, tendo por amostra de sujeitos 79
profissionais que se apresentaram voluntariamente dentro das trinta e quatro (34)
unidades de educação infantil constituídas no município à época e se tornaram
respondentes de um extenso formulário eletrônico que abarcou perspectivas de
formação, atuação, concepções, infraestrutura, conteúdos e metodologias específicas,
projeções de melhoria do atendimento pedagógico oferecido à primeira infância.
A amostra de sujeitos ficou composta por: 32 agentes educacionais que atuam
com crianças na faixa etária dos 0 aos 3 anos; 25 diretores; e 22 professoras que atuam
com crianças na faixa etária dos 4 aos 6 anos, portanto, a categoria de docentes foi
composta pela menor amostra voluntária de sujeitos por segmento, dado relativo a
resistência à participações que já pode ser considerado como um elemento dificultador
da participação na dinâmica estrutural da educação.
A análise dos dados referentes à formação dos profissionais que estão atuando
na referida etapa educacional é bastante interessante, revelando um percentual
considerável de 72,15% (57 sujeitos dentre os 79) cuja formação ocorreu na Educação
Superior em curso completo de graduação. Porém é interessante colocar que corroboram
com esta análise a conquista de titulação subsequente, cuja situação revela que 34 deles
(43,04%) já completou um curso de especialização; 05 (6,33%) já têm o mestrado e 04
(5,06%) o doutorado concluídos.
Interessante destacar que, apesar desta condição tão favorecida em termos de
formação, a análise identifica um dado contraditório e preocupante, que revela uma
posição perigosa dos sujeitos em não considerar necessária a formação educacional
superior para atuação profissional. Quando perguntados sobre Como você
caracterizaria uma educação infantil de qualidade?, em primeira opção apenas 9,09 da
amostra relativa aos docentes (22 sujeitos), ou seja, duas professoras defendem que
professores bem formados constituem critério de qualidade ao atendimento educacional
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à primeira infância. O que permite considerar que há certa desconsideração em relação à
formação específica para o trabalho com crianças menores de seis anos, não
constituindo este elemento como prioritário na condição de se analisar e definir critérios
que poderiam qualificar a Educação Infantil.
Nesta mesma linha de reflexão, fato que os profissionais têm formação
diferenciada em nível superior, espera-se que sejam mais esclarecidos, atentos as
questões sociais, que sejam mais atuantes socialmente falando na defesa dos direitos
educacionais.
Apesar da docência na Educação Infantil ter que desenvolver integralmente a
criança e entendê-la em seu protagonismo social, histórico e cultural os docentes não
têm se constituído em modelo para tanto, nem revelam perspectivas de que vivenciam
esta condição em favor da infância, da criança e da etapa educacional na qual atuam.
O caminho da escola de Educação Infantil como espaço de ação e formação
entre contextos que precisam se integrar pela melhoria da qualidade do atendimento
pedagógico oferecido à criança menor de seis anos e garantir seus direitos ainda está
com pouca força e não começou seu processo de engatinhar. A cultura institucional
precisa ser transgredida, novos créditos precisam ser atribuídos aos pais e à comunidade
como parceiros colaborativos e cooperativos na busca por uma educação de qualidade,
mesmo que disso dependa uma profissionalidade docente ampliada que publicize a
importância e o papel da Educação Infantil para o favorecimento do desenvolvimento
pleno da criança extra muros.
A existência da normativa legal não garante a participação em defesa dos
direitos da criança, ser de direitos. A ampliação da condição de cidadania oferecida pela
Constituição reconhecida e definida como cidadão não favoreceu os processos de
participação em defesa dos direitos da criança, sobretudo à Educação.
Em relação ao critério de qualidade que envolve a participação das docentes na
melhoria de seu espaço de trabalho, condição favorecida pela própria autonomia
prevista na legislação, dezenove docentes (86,36%) acreditam que podem melhorar e
três dizem que não (13,64%). O interessante é que nas respostas abertas fica claro o tipo
de necessidade para a melhoria e que normalmente perpassa a um investimento pessoal
em relação ao trabalho de grupo, ao não ser individualista, à constituição de uma equipe
de fato na unidade educacional que possa colaborar e cooperar entre si até mesmo na
troca de conhecimento. Tais respostas permitem inferir a não participação na dinâmica
institucional por parte dos docentes de maneira a tornar a mesma uma unidade
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pedagógica, a realizar um protagonismo profissional enquanto critério para se pensar
coletivamente a melhoria da qualidade do atendimento. Então vejamos algumas
respostas das docentes em relação às contribuições para a melhoria do espaço de
trabalho:
.Mais autonomia para o professor e direção.;
.Em meio aos problemas e dificuldades não olhar apenas as minhas
dificuldades, mas a do grupo como um todo.;
. Colaboração, ética, organização do ambiente.
.Tempo para diálogos referentes ao trabalho e atividades
desenvolvidas entre os pares da unidade.
. Trabalhar em equipe.
.Partilhar com os colegas de trabalho, procurar manter um ambiente
de amabilidade tanto em relação aos educandos como com o corpo
docente e discente da escola. Demonstrar sempre disposição para
ajudar e compartilhar sempre.
.Bom humor (pois ele contagia), não reclamar por pouca coisa, não
falar mal dos colegas em geral, ser um ótimo profissional.
As falas das docentes (a composição deste segmento era em sua totalidade de
mulheres) permitem inferir que o espaço de trabalho, a unidade institucional não tem se
revelado em espaço prazeroso, coletivo, de participação e pertença com trocas e
gentilezas sendo necessário elevá-lo a um patamar diferenciado de respeito para se
conquistar o grupo, a coletividade e, porque não dizer, a unidade pedagógica
institucional. Revela-se a necessidade de participação e interveniência, um
disponibilizar-se pessoal para que o profissional possa aflorar de maneira a contribuir
para algo novo, melhor e comprometido com o fazer, com os pares, com a instituição,
consequentemente que acaba atendendo de maneira diferenciada as crianças em suas
necessidades e interesses.
À guisa de um encaminhamento, importante se faz colocar o crédito de que a
situação sócio, histórica, política, educacional e cultural inicialmente apresentada não é
condição única e ou via direta na determinação das condições pessoais e profissionais
de realização do fazer docente na educação infantil, porém deve se considerar elemento
absolutamente possível de contribuição para a não “consolidação” dos direitos da
infância, sobretudo de ter uma educação infantil oferecida com qualidade e que
promova desenvolvimento integral das crianças atendidas.
Talvez, pela baixa estima em relação ao seu fazer, apesar de índice alto em
termos de formação superior, este grupo de professores possa ter dificuldades em se
elaborar enquanto profissionais, uma vez que a sociedade não os reconhece
efetivamente e nem tampouco os trata com respeito devido, dignidade e valorização,
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considerando a educação infantil como algo menor no processo de formação de seus
filhos.
Como exemplo pode ser apresentada a seguinte situação. No final da aplicação
do questionário eletrônico para a coleta de dados da pesquisa realizada, uma das
profissionais veio ao encontro de um membro do grupo de pesquisa e, num ímpeto
extremo de ansiedade e necessidade, segurando-a em seus braços pediu para que "nós
da Universidade" fizéssemos algo pela Educação Infantil, pois ela acreditava que só
nós poderíamos conseguir isso, pois eles não tinham força nenhuma para tanto.
A situação revela em muito o sentimento da profissional, a condição de fraqueza
e impotência diante do que considera ser essencial realizar pela e para a busca da
qualidade na e da Educação Infantil. Revela sua autoimagem profissional frágil e de
limitações.
Portanto, temos muito que fazer em termos de formação para melhorar a imagem
da profissão e constituir estrutura diferenciada para pessoas que tenham interesse e
queiram, por identificação pelo objeto e pela atuação, se tornar pedagogos, professores
de Educação Infantil com claro compromisso pelo protagonismo profissional que
promova a profissionalidade docente e fortaleça os processos de profissionalização em
contexto sócio, histórico, cultural específico. Que consigamos forjar profissionais
atuantes politicamente na defesa da infância, da criança e de seus direitos já ou ainda
não consignados em Lei, mas que defendam a condição de atendimento pedagógico
adequado e de qualidade a todas as crianças menores de seis anos de idade, com o
intuito de que possam ter favorecido seus processos de desenvolvimento integral e de
identidade pessoal e coletiva, pelas vias do cuidar-educar-brincar com forte apelo as
atividades expressivas, em ambientes sustentados pela inserção no mundo da ética,
estética e da iniciação política.
Referências Bibliográficas:
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XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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CIÊNCIAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: O QUE DIZEM OS DOCENTES
Amanda Cristina Teagno Lopes Marques
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) –
Campus São Paulo – SP.
GEPEFE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Formação de Educadores) – FEUSP.
O presente artigo apresenta uma discussão sobre o trabalho com ciências na educação
infantil, o que certamente traz implicações aos processos de formação inicial e contínua
de professores. Para tanto, partindo da questão Qual a concepção do professor que atua
na educação infantil sobre o trabalho com ciências nessa etapa da educação básica?,
teve por objetivos: a) investigar a concepção de professores polivalentes sobre o papel
do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil; b) analisar, a partir das
falas de professoras e coordenadora pedagógica, o modo como são estruturadas as
práticas pedagógicas voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos científicos na
educação infantil; c) apontar indicadores de necessidades formativas a serem
contempladas nos processos de formação inicial e contínua de professores da educação
infantil. Como procedimento metodológico, foram realizadas entrevistas com três
professoras e coordenadora pedagógica de uma escola municipal de educação infantil de
São Paulo. Evidencia-se nas falas a existência de um trabalho assistemático com
ciências, permeado por uma pluralidade de concepções; elementos como “cotidiano”,
“interdisciplinaridade”, “investigação” foram associados ao trabalho com ciências na
educação infantil. Defender a necessidade de uma educação científica desde a educação
infantil não significa proceder à transmissão de conceitos aos moldes da denominada
“escola tradicional”, mas sim de possibilitar às crianças o acesso a saberes próprios do
campo, dentro de uma pedagogia da participação, pautada em uma concepção de criança
como agente, sujeito histórico, produtor de cultura. Conciliar esses elementos –
socialização do saber e participação do educando nos processos de apropriação e
produção de cultura – mostra-se tema controverso nas discussões atuais acerca de um
projeto político-pedagógico para a educação infantil, o que se reflete nas falas das
professoras entrevistadas, indicando demandas formativas.
Palavras-chave: ciências – educação infantil – concepções docentes.
1. Introdução
Diante do contexto de discussão sobre um projeto político-pedagógico para a
educação infantil, entendido como identidade da instituição e norteador de ações com
vistas à concretização de concepções e metas assumidas coletivamente, e sobre um
currículo para esta etapa da educação básica, compreendido como seleção cultural,
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“expressão da função social e cultural da instituição escolar” (SACRISTÁN, 2000, p.
26), pautamo-nos no entendimento de que cabe à escola – o que inclui a de Educação
Infantil – possibilitar a democratização do saber, conceituando-a como “instância
formativa, de aprendizagem e desevolvimento, de socialização e produção de bens
culturais” (MARQUES, GOMES, 2013, p. 61-2). Nesse sentido, a discussão sobre os
conteúdos culturais e seu modo de trabalho no contexto da educação infantil faz-se
necessária a fim de evitarmos o esvaziamento de experiências formativas – em um
entendimento equivocado acerca da concepção de criança como agente e produtor de
cultura – ou, ao revés, a centralização das práticas pedagógicas em um modelo
transmissivo, que desconsidera a criança em seu modo específico de ser e estar no
mundo.
No que se refere ao ensino de ciências, propomos uma concepção mais ampliada
que entende a educação científica como parte da educação geral (CACHAPUZ et al,
2011), processo que se desenvolve em espaços de educação formal e não-formal, e que
deve visar à democratização de conhecimentos no sentido de ampliação da leitura de
mundo do sujeito, o que inclui a criança. Acreditamos que o ensino de ciências não deve
se reduzir aos aspectos conceituais, e que o trabalho na Educação Infantil precisa estar
pautado em uma pedagogia da participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007),
considerando a criança como produtora de cultura (CORSARO, 2011) e sujeito ativo no
processo de aprendizagem. Nessa direção, algumas questões de fundo apresentam-se
como importantes: de que maneira é possível construir práticas pedagógicas na
educação infantil que promovam a aproximação da criança pequena à cultura científica,
sem que isso signifique orientar a ação pedagógica à preparação de futuros cientistas?
Como tem ocorrido o trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil? Que
concepções têm permeado as práticas pedagógicas?
Carvalho e Gil-Pérez (2011) apontam para a importância do conhecimento das
concepções espontâneas dos docentes no processo de formação e levantamento de
necessidades formativas; para os autores, trata-se de “conhecer e questionar o
pensamento docente espontâneo” (CARVALHO; GIL-PÉREZ, 2011, p. 27),
considerando que essas ideias, comportamentos e atitudes podem constituir “obstáculos
para uma atividade docente inovadora” (id: p. 30), o que indica a relevância de
pesquisas que visem a analisar e problematizar essas concepções.
À luz do contexto apontado, sintetizamos a questão que norteou a pesquisa ora
apresentada nesta Comunicação na seguinte questão: Qual a concepção do professor
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que atua na educação infantil sobre o trabalho com ciências nessa etapa da educação
básica? Como objetivos: a) investigar a concepção de professores polivalentes sobre o
papel do trabalho com conhecimentos científicos na educação infantil; b) analisar, a
partir das falas de professoras e coordenadora pedagógica, o modo como são
estruturadas as práticas pedagógicas voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos
científicos na educação infantil; c) apontar indicadores de necessidades formativas a
serem contempladas nos processos de formação inicial e contínua de professores da
educação infantil. Do ponto de vista metodológico, optamos pela realização de pesquisa
pautada na abordagem qualitativa (BOGDAN, 2010), considerando a complexidade do
fenômeno e sua contextualização. Como procedimento para coleta de dados, realizamos
entrevista semiestruturada com três professoras e a coordenadora pedagógica de uma
escola municipal de educação infantil de São Paulo, recorrendo à análise temática de
conteúdo (BARDIN, 1974) como procedimento de análise dos dados coletados.
2. Ciências na Educação Infantil? Controvérsias e perspectivas
A educação infantil, primeira etapa da educação básica, configura-se como
espaço de cuidado e educação de crianças de 0 a 5 anos de idade. De acordo com as
atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL, 2009), as
práticas pedagógicas desenvolvidas nas instituições devem ter como eixos norteadores
as interações e a brincadeira, garantindo às crianças experiências diversificadas de
aprendizagem, o que inclui o trabalho com conhecimentos científicos. Esse trabalho
deve ser realizado, conforme aponta a Resolução, de maneira integrada; não se trata,
portanto, de promover um ensino centrado na transmissão de informações pelo
professor, mas de criar de situações de aprendizagem nas quais a criança se mostre
protagonista.
É função da escola, nos diferentes níveis de ensino, possibilitar a
democratização do acesso ao conhecimento e o desenvolvimento da autonomia do
pensar como condição de humanização (FREIRE, 1974). Nesse sentido, o que justifica
o trabalho com conhecimentos das ciências naturais na educação infantil não é a
preparação da criança para o ensino fundamental, e sim o papel da escola na mediação
dos saberes e das experiências das crianças com os conhecimentos que circulam na
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cultura mais ampla (OLIVEIRA, 2010), ampliando as possibilidades de aprendizagem e
desenvolvimento, as quais, sem a mediação e intervenção da escola, não seriam
espontaneamente alcançadas.
Assim, as experiências vividas no espaço de Educação Infantil devem
possibilitar o encontro de explicações pela criança sobre o que ocorre
à sua volta e consigo mesma enquanto desenvolvem formas de sentir,
pensar e solucionar problemas. Nesse processo, é preciso considerar
que as crianças necessitam envolver-se com diferentes linguagens e
valorizar o lúdico, as brincadeiras, as culturas infantis. Nãos se trata
assim de transmitir à criança uma cultura considerada pronta, mas de
oferecer condições para ela se apropriar de determinadas
aprendizagens que lhe promovem o desenvolvimento de formas de
agir, sentir e pensar que são marcantes em um momento histórico.
(OLIVEIRA, 2010, p. 5)
Trata-se, pois, de possibilitar o acesso ao conhecimento através de uma
pedagogia da participação (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2007), tomando por
pressuposto uma concepção de criança como ser pensante, agente, sujeito de
aprendizagem e produtora de cultura. Isso implica a construção de situações de
aprendizagem nas quais as crianças sejam levadas a observar, formular hipóteses, expor
seu ponto de vista, buscar informações, produzir sínteses, aproximando-se de conceitos
científicos e de maneiras de pensar diferentes daquelas presentes em seu cotidiano.
Defender a presença de conhecimentos de ciências na educação infantil não significa
aderir a abordagens transmissivas, disciplinares e preparatórias para o ensino
fundamental; os conhecimentos dos campos científicos devem estar presentes nas
experiências de aprendizagem construídas em parceria com as crianças, de maneira
integrada e interdisciplinar.
No contexto da educação infantil, vale destacar que não basta inserir atividades
de experimentação e observação de fenômenos; é preciso ir além, promovendo a
construção do pensamento científico e a apropriação de conceitos próprios do campo
científico. O conceito implica um ato de generalização (VYGOTSKY, 1998), e sua
construção se dá em um processo de reelaboração sucessiva, ao longo da experiência da
criança. Ainda que o ensino de um conceito possa ser iniciado a partir do cotidiano,
cabe à escola ampliar as experiências de aprendizagem da criança; restringir-se ao
cotidiano significa limitar as possibilidades de conhecimento do mundo e de
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aprendizagem, e negar ao sujeito o acesso a outras formas de conhecimento. Além
disso, não se trata de um processo de substituição de concepções espontâneas por
conceitos científicos; as diferentes formas de compreender a realidade podem conviver.
Para Vygostky (1989), há que partir da premissa de que “o desenvolvimento dos
conceitos não-espontâneos tem que possuir todos os traços peculiares ao pensamento da
criança em cada nível do desenvolvimento, porque esses conceitos não são aprendidos
mecanicamente, mas evoluem com a ajuda de uma vigorosa atividade mental por parte
da própria criança” (id: 107). Para o autor, os dois processos – o desenvolvimento dos
conceitos espontâneos e o desenvolvimento dos conceitos não-espontâneos – são
relacionado e influenciam-se mutuamente, fazendo parte de um único processo: o
desenvolvimento da formação de conceitos. Acrescenta que o aprendizado representa
uma das principais fontes de conceitos, e estes impulsionam o desenvolvimento mental
(pautando-se na premissa de que todo bom ensino antecede o desenvolvimento e o
promove).
Na leitura de Vygotsky, o espontâneo é sinônimo de não-consciente, que implica
a não percepção, pela criança, da atividade do pensamento, e a incapacidade de
generalização. Trata-se, também, de um conhecimento não ordenado, caracterizado pela
ausência de um sistema. Para o autor, os conceitos científicos propiciam o acesso da
criança à sistematização, o que depois é transferido para os conceitos cotidianos,
alterando as estruturas psicológicas. Assim, a aprendizagem de conceitos científicos
transforma as estruturas dos conceitos espontâneos, e ajuda a criança a organizá-los em
um sistema, o que promove a ascensão a níveis mais elevados de desenvolvimento.
Ainda que os conceitos científicos não possam ser apreendidos de imediato e em
sua totalidade e complexidade, mostra-se importante iniciar o trabalho desde a educação
infantil, processo que será aprofundado e ampliado nas etapas seguintes, uma vez que a
construção do conhecimento não se dá por acumulação, mas via reorganização dos
esquemas mentais e aproximações sucessivas ao objeto. Mas é preciso ressaltar que não
se trata de reduzir o ensino de ciências ao trabalho com conceitos; faz-se necessário
promover ações no sentido da alfabetização científica, favorecendo o acesso a
elementos da cultura científica, fazendo-os dialogar com o senso comum e com os
conhecimentos dos variados grupos sociais (KRASILCHIK; MARANDINO, 2004).
Nas palavras de Cachapuz e Jorge (2004, p. 368):
O que importa fomentar, desde o início da escolaridade, é a
curiosidade natural dos alunos e seu entusiasmo pela Ciência/
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Tecnologia e, para tal, uma perspectiva sistêmica do conhecimento é a
mais indicada. Em particular, para os mais novos, trata-se de explorar
seus saberes do dia-a-dia como ponto de partida. (...) Trata-se, pois, de
contextualizar e humanizar a ciência escolar.
3. O trabalho com ciências na voz das professoras: concepções, práticas e
processos formativos
Cachapuz e Jorge (2004) alertam para o fato de que as imagens que os alunos
constroem de ciência apresentam relação com a visão de ciência dos professores, o que
justifica a importância de pesquisas que têm por escopo analisar as concepções
espontâneas sobre ciência e ensino de ciência apresentadas pelos docentes. Nas palavras
dos autores:
Dado que o modo como se ensina as Ciências tem a ver com o modo
como se concebe a Ciência que se ensina, e o modo como se pensa
que o Outro aprende o que se ensina (bem mais que o domínio de
métodos e técnicas de ensino), torna-se pertinente aprofundar aspectos
tendo em vista a formação epistemológica dos professores bem como
aspectos relativos à concepção de aprendizagem. (CACHAPUZ,
JORGE, 2004, p. 378)
Com vistas a analisar as concepções de docentes de educação infantil sobre o
ensino de ciências para crianças pequenas realizamos entrevista semiestruturada com
três professoras e a coordenadora pedagógica de uma Escola Municipal de Educação
Infantil da cidade de São Paulo. Optamos por entrevistar também a coordenadora por
compreendermos que a entrevistada poderia fornecer uma visão global do trabalho
realizado na escola. As entrevistas foram gravadas e transcritas, e procedeu-se à análise
temática de conteúdo (BARDIN, 1974) como procedimento de análise dos dados
coletados. Na apresentação e discussão dos resultados, optamos por fazê-lo com base
nos eixos sugeridos pelo objetivos da pesquisa, quais sejam: 1. Por que trabalhar
ciências na educação infantil?; 2. Como se estruturam as práticas pedagógicas no
trabalho com ciências?; 3. Que avaliação as entrevistadas fazem de seu processo
formativo em relação ao ensino de ciências? De cada eixo depreendemos categorias
temáticas, construídas a partir da identificação dos núcleos de sentido presentes nas
falas dos entrevistados, o que nos foi revelado no processo de leitura flutuante,
classificação e categorização dos dados (BARDIN, 1974).
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A título de contextualização, todas as entrevistadas têm formação em Magistério
(ensino médio técnico) e graduação em Pedagogia; a coordenadora pedagógica, além
desta, tem graduação em Biologia, mas não chegou a atuar como professora especialista
de ciências. Todas são efetivas na Rede Municipal de Educação de São Paulo, contando
com diferentes tempos de experiência na docência (de 7 a 31 anos). As professoras
foram identificadas como P1, P2, P3, e a coordenadora pedagógica pela sigla CP.
Por que trabalhar ciências na educação infantil?
No que toca à função do ensino de ciências na educação infantil expressa nas
entrevistas, pudemos identificar quatro categorias: 1. Construção de atitudes favoráveis
à preservação do meio ambiente, com destaque para a relação Ciência-Sociedade-
Ambiente (P1); 2. Acesso ao conhecimento científico como forma de incentivo ao
questionamento, à curiosidade e ao interesse por conhecer o mundo (P2); 3. Formação
de pesquisadores via trabalho com procedimentos científicos, com destaque para a
observação e a experimentação (P3); 4. Contribuição para o desenvolvimento da
imaginação, do raciocínio lógico e da autoestima (CP).
Nota-se, em primeiro lugar, a ausência de uma compreensão homogênea sobre o
papel do ensino de ciências na Educação Infantil; apesar de todas as entrevistadas
atuarem na mesma escola, cada uma delas apresenta uma visão particular sobre a
importância da inserção das ciências nessa etapa da escolaridade. Em segundo lugar,
evidenciam-se concepções pouco aprofundadas acerca do tema, o que inclui desde a
concepção do trabalho com conhecimentos científicos como auxiliar na promoção do
desenvolvimento da criança – desconhecendo, portanto, o papel específico da escola em
relação à educação científica –, até a ideia de que cabe à escola contribuir para a
formação de “pequenos cientistas”, em uma visão que associa o ensino de ciência ao
trabalho com procedimentos de pesquisa, tomando a observação e a experimentação
como estratégias privilegiadas para a construção de conhecimentos científicos.
Como se estruturam as práticas pedagógicas no trabalho com ciências?
Neste tópico identificamos algumas categorias inferidas das falas das
entrevistadas, quais sejam: 1. A integração do trabalho com ciências com outras áreas
do currículo; 2. A realidade como ponto de partida; 3. A investigação como estratégia
de trabalho, apresentadas na tabela abaixo.
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Tabela 1: Como ensinar ciências na educação infantil
Categorias Excertos das entrevistas
1. Interdisciplinaridade/
integração com outras
áreas
“Na educação infantil a gente trabalha muitas coisas ligadas também, a
gente não é como uma gavetinha, né? Agora vem a matemática, agora
vem a... Não é bem assim, as áreas são mais ligadas.” (P1)
2. Ensino ligado ao
cotidiano
“Está no cotidiano, que pega só o lúdico, vamos dizer quando a gente
trabalha bolinha de sabão e no fim... O encher a bexiga, vamos brincar
de bexiga? É só que não é o brincar de bexiga.” (CP)
3. Ensino por investigação
“Eu tento abordar a parte de pesquisa. Vou trabalhar animais, insetos,
por exemplo. Eu quero pesquisar mesmo, não só quantas partes, mas o
que ele faz, o que ele produz para natureza de bom ou de ruim.” (P3)
Fonte: elaborado pela autora a partir das transcrições das entrevistas.
Nas falas das professoras P2 e P3, a especificidade do conhecimento científico e
da metodologia para trabalhar com esse conteúdo mostra-se mais presente,
diferentemente do que acontece no discurso das outras duas entrevistadas. Indicam uma
série de elementos importantes a serem considerados pelo professor para o trabalho com
ciências na educação imfantil, quais sejam: a) consideração dos conhecimentos prévios
das crianças; b) intencionalidade na proposição das atividades; c) experimentação, roda
de conversa, registro como estratégias metodológicas; d) utilização de livros como
suporte de texto e imagem, ampliando o repertório das crianças; e) importância do
lúdico na aprendizagem (a ideia de que é possível brincar e aprender, ou aprender pela
brincadeira. Citam, inclusive, exemplos de atividades desenvolvidas junto a crianças de
3 anos, como o trabalho com cor e transformação (mistura de cores), horta e o preparo
do chá (transformação), experiências com o ar – bolinha de sabão, avião de papel,
experimento com levedo para encher a bexiga.
Verifica-se que os conteúdos trabalhados vinculam-se à realidade da criança e à
sua curiosidade, e têm como ponto de partida as experiências do cotidiano: a
observação das lagartas no parque – e a investigação sobre o processo de metamorfose,
a brincadeira com aviões de papel – e a discussão sobre a existência do ar –, a realização
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de mistura de tintas – e o trabalho com a transformação – foram algumas das atividades
citadas pelas professoras. Tal postura reflete a concepção de que as ciências nos
auxiliam a compreender os fenômenos presentes em nosso cotidiano, e a percepção da
importância de levar a criança a refinar a observação e encontrar explicações para a
realidade que a cerca, aproximando-a dos conceitos científicos via investigação.
Além da aproximação às experiências do cotidiano, a questão do lúdico se torna
muito presente: as experiências de aprendizagem muitas vezes acontecem via
brincadeira, como preparar gelatina na cozinha – e verificar o processo de
transformação da matéria –, brincar de bolhinha de sabão – e questionar-se sobre a
existência do ar –, entre outras. O interesse das crianças e sua curiosidade também são
pontos de partida para o trabalho; em muitas ocasiões, os temas discutidos partem de
indagações formuladas pelas crianças.
A interdisciplinaridade também é citada por P1, P2 e CP como característica do
trabalho pedagógico da educação infantil: os conhecimentos científicos estão presentes
não de maneira estanque, mas vinculados a outras áreas do saber, uma vez que a
realidade é una, não parcelada; o que as diferentes disciplinas fazem é possibilitar visões
próprias, especializadas sobre o mesmo objeto.
Que avaliação fazem de seu processo formativo em relação ao ensino de ciências?
Todas as entrevistadas apontam problemas em sua formação inicial. Também
não citam a contribuição da formação contínua, o que possivelmente é indicativo da
pouca importância atribuída a esse campo de conhecimento no contexto das políticas de
formação. Quer dizer, realizam-se atividades de formação voltadas à alfabetização, à
aprendizagem da matemática, ao brincar, mas pouco se discute ainda – e infelizmente –
o processo de alfabetização científica das crianças, e a didática específica para a
promoção dessas aprendizagens. Trata-se de falha grave dos cursos que se propõem a
formar o professor polivalente, ou seja, aquele habilitado a trabalhar com os diversos
campos do conhecimento – o que inclui o trabalho com as ciências naturais (percepção
esta mencionada apenas por P2: “A gente foi educada para ser polivalente, a gente não
pode reclamar porque realmente são todas as áreas”).
A professora P3 menciona em sua fala a passagem, como docente, por uma
escola na qual a discussão sobre o trabalho com ciências se fazia presente enquanto
prática pedagógica e reflexão teórica. Essa professora demonstrou, na entrevista, um
conhecimento mais ampliado acerca da especificidade do campo, descrevendo uma
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série de propostas desenvolvidas com as crianças. Vale destacar que a referida docente
trabalhava em parceria com a entrevistada P2, compartilhando propostas de trabalho,
projetos, atividades, o que explica a proximidade das concepções por elas apresentadas.
Esses dados nos trazem indicativos acerca da importância do reconhecimento da escola
como espaço de formação contínua de professores, e da prática pedagógica como
contexto de produção de saberes via processo de ação-reflexão-ação.
O problema na formação certamente produz limites à prática pedagógica, que
poderia ser aprimorada – e ampliadas também as aprendizagens das crianças – caso
houvesse uma apropriação, pelos docentes, de conteúdos específicos e da didática das
ciências naturais. Sem conhecer o modo de produção científica, o modo como as
crianças aprendem ciências, e o modo como podemos ensiná-las, as experiências de
aprendizagem ficam restritas, quando ocorrem.
A dicotomia teoria versus prática faz-se presente nas falas das entrevistadas;
prevalece a ideia de que a formação inicial privilegia o elemento “teórico”, que antecede
a “prática” e dela se distancia, o que conduz ao “aprender na prática”, no cotidiano de
trabalho. Nesse sentido, além da hierarquização da teoria e da prática, há uma separação
explícita dessas; além disso, as falas indicam a concepção de que se aprende a ser
professor na prática, como se essa prática fosse esvaziada de teor teórico.
4. Considerações Finais
No que toca ao primeiro objetivo da pesquisa (investigar a concepção de
professores polivalentes sobre o papel do trabalho com conhecimentos científicos na
educação infantil) podemos inferir da análise efetuada que não há uma homogeneidade
entre as entrevistadas, evidenciando-se desde concepções mais restritas sobre a ciência e
o ensino de ciências na educação infantil (associando-o apenas à questão do cuidado da
natureza) até entendimentos nos quais se propõe a ampliação da vivência da criança
para além de sua realidade imediata, o que inclui a inserção de situações investigativas
com vistas a fomentar a construção de conceitos, a curiosidade e o questionamento.
Quanto ao segundo objetivo (analisar, a partir das falas de professoras e
coordenadora pedagógica, o modo como são estruturadas as práticas pedagógicas
voltadas à promoção do acesso aos conhecimentos científicos na educação infantil),
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verificamos que o trabalho com ciências, na visão das entrevistadas, relaciona-se às
vivências cotidianas das crianças, seus interesses e curiosidades, integrando-se a outras
áreas do saber. Por outro lado, para algumas delas faz-se necessária a realização de um
trabalho mais intencional, considerando as especificidades do campo e do modo de
produção do conhecimento em ciências, o que inclui a realização de “pesquisa” com as
crianças.
Com vistas a atender ao terceiro objetivo (apontar indicadores de necessidades
formativas a serem contempladas nos processos de formação inicial e contínua de
professores da educação infantil), apresentamos alguns elementos a serem considerados,
construídos com base na problematização das falas das entrevistadas.
A questão da “ciência no cotidiano”. Ainda que a ciência apresente relação com o
cotidiano das crianças, e fenômenos naturais façam parte de sua experiência diária, cabe
ao professor realizar um trabalho intencional com vistas a ampliar as aprendizagens e
contribuir para seu processo de sua alfabetização científica. Faz-se necessário
problematizar a concepção de que a ciência “faz parte do cotidiano”; a ciência, enquanto
conhecimento que se expressa em linguagem e modos de raciocínio específicos não está
no cotidiano; os fenômenos que ela investiga podem estar, mas ela, em si, não, cabendo
à escola promover o acesso a esse saber. Isso não significa desqualificar o cotidiano e os
conhecimentos cotidianos; cabe à escola problematizar a realidade, tomando o cotidiano
como ponto de partida em direção à apropriação de outras linguagens e leituras de
mundo.
A questão da interdisciplinaridade. O trabalho sistemático com ciências não
significa necessariamente, do ponto de vista metodológico, a multidisciplinaridade.
Expliquemos: do ponto de vista da seleção de objetivos e conteúdos de aprendizagem,
cabe sua separação nas diferentes áreas do saber (língua portuguesa, matemática,
ciências, etc.), inclusive na educação infantil. Isto porque cada disciplina possui um
corpus próprio de saberes, uma linguagem própria, e um modo particular de produzir
conhecimento. Por outro lado, do ponto de vista das práticas pedagógicas, não é
adequado trabalhar de maneira estanque, fragmentada; é necessário que se trabalhe de
maneira interdisciplinar, buscando aproximações e interações entre os campos
disciplinares – isto porque a realidade é uma só, e não dividida em disciplinas. Superar a
fragmentação disciplinar não significa abrir mão das disciplinas e dos conteúdos, mas
torná-los instrumentos de análise compreensão e participação na realidade (ZABALA,
1998).
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A questão do ensino por investigação. Cachapuz et al (2011) alertam para a
limitação de uma educação científica centrada na mera transmissão de conhecimentos.
Esse tipo de ensino não possibilita aos estudantes a aproximação ao trabalho científico,
além de reiterar visões deformadas da ciência como algo descontextualizado, produto da
atividade de gênios isolados, inacessível às pessoas comuns, desvinculado da realidade,
neutro, objetivo, que se constrói de maneira linear e a-histórica (CACHAPUZ et al,
2011). A superação das limitações apontadas pelos autores implica a revisão das
concepções dos docentes, e a transformação do trabalho pedagógico: a atividade do
estudante no processo ensino-aprendizagem deve aproximar-se da atividade científica,
partindo de situações problemáticas, propondo a elaboração de hipóteses, construindo
explicações e aproximando-se do corpo de conhecimentos já produzidos (id). As
especificidades da educação infantil parecem favorecer a construção dessa postura,
permitindo um trabalho com ciências mais integrado a outros campos do conhecimento
e à realidade, com abertura à argumentação e ao pensamento da criança.
As falas das entrevistadas revelam a escassez ou mesmo a inexistência de
discussões nesse sentido em seu processo de formação, inicial ou contínua. Se
queremos, de fato, possibilitar à criança múltiplas experiências de aprendizagem,
vivência e apropriação de elementos culturais, faz-se necessário promover reflexões
sobre a epistemologia e a didática específica das diferentes áreas de conhecimento, sem
que isso signifique fragmentação disciplinar. Quer dizer, o professor precisa ter clareza
sobre as especificidades das ciências naturais em relação a outros campos do saber, o
modo de produção do conhecimento científico, o modo como as crianças aprendem, o
que não implica a construção de práticas pedagógicas fragmentadas. Em suma, conciliar
esses elementos – socialização do saber e participação do educando nos processos de
apropriação e produção de cultura – parece-nos ser o grande desafio aos processos de
formação de professores da educação infantil, o que implica refinar concepções de
ensino, de aprendizagem, de criança, de infância, de escola, de ciências e de ensino de
ciências.
5. Referências Bibliográficas
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
7158ISSN 2177-336X
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7159ISSN 2177-336X
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A FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE EDUCAÇÃO INFANTIL EM CURSOS
DE PEDAGOGIA: CONSIDERAÇÕES E INDAGAÇÕES
Marineide de Oliveira Gomes
Resumo
A pesquisa, ora apresentada, objetivou analisar as matrizes curriculares de 144 cursos de
Pedagogia no estado de São Paulo, no que se refere à formação de professores de
educação infantil e dos anos iniciais do ensino fundamental. Trata-se da primeira fase de
pesquisa interinstitucional de natureza qualitativa envolvendo pesquisadores de
instituições públicas e privadas de São Paulo, por meio de análise documental das
matrizes curriculares desses cursos. Os resultados desta fase da pesquisa, no que se
refere à educação infantil, indicam que: i) a formação do professor polivalente não é
intencionalizada na organização curricular dos cursos, prevalecendo uma formação de
natureza disciplinar; ii) há grande dispersão e fragmentação curricular nas matrizes dos
cursos pesquisados; iii) menos de 2% da carga horária total dos cursos são direcionados
à essa área; iv) os campos de conhecimento, de experiências, as linguagens expressivas
e as culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho educativo e
pedagógico na educação infantil, assim como as dimensões da educação e dos cuidados
estão dispersos ou não estão contemplados na maioria dos cursos pesquisados.
Buscamos problematizar tais achados, tecendo considerações e perguntas, a partir da
compreensão de ser a educação infantil um campo em consolidação e em plena
expansão no Brasil, com base nas metas do Plano Nacional de Educação e o fato do
curso de Pedagogia configurar-se hoje como uma Licenciatura. A pesquisa, em
andamento, na segunda fase, objetiva aprofundar a análise dos dados da primeira fase
por meio de estudos de caso de cursos que apresentam inovação curricular com a análise
de Projetos Pedagógicos de cursos escolhidos e entrevistas com os coordenadores
desses cursos. Os resultados da primeira fase da pesquisa podem contribuir para a
reflexão e a revisão das bases que sustentam os cursos de Pedagogia no contexto de uma
política nacional de formação de professores e de concretização de direitos das crianças
pequenas à uma educação de qualidade.
Palavras-chave: Cursos de Pedagogia; formação de professores de educação infantil;
professor polivalente.
Introdução
A pesquisa, em sua primeira fase, foi motivada pela baixa qualidade da educação
brasileira, publicamente reconhecida e que enseja, entre outras medidas, definições e
reformulações nos cursos de formação de professores. Intencionou apresentar um
panorama dos cursos de Pedagogia no Estado de São Paulo com um recorte específico
sobre a formação de professores para atuar na educação infantil e nos anos iniciais do
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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ensino fundamental, visando verificar o tratamento destinado aos conhecimentos
concernentes à formação profissional desse docente. Para efeito desta Comunicação
vamos nos restringir à formação para a educação infantil, pela análise documental das
matrizes curriculares de 144 cursos de Pedagogia, em um universo de 283 cursos
presenciais e em atividade, mantidos por instituições públicas e privadas paulistas,
obtidos por meio de visita às páginas eletrônicas das instituições mantenedoras dos
cursos e da página do E-MEC, em que constam os cursos reconhecidos no país.
Desse universo, 80,6% dos cursos pesquisados são de responsabilidade de
instituições de ensino superior privadas, sendo a imensa maioria (99%) dos cursos
oferecidos por Faculdades, corroborando com estudos anteriores nessa área (GATTI &
BARRETO, 2009), o que evidencia a predominância das ações de ensino, em
detrimento das ações de pesquisa e de extensão, que caracterizam a missão das
universidades brasileiras, em que pese que a exigência de nível superior para
professores de educação infantil represente um avanço histórico, se comparado às
exigências anteriores nessa área, especialmente para a atuação profissional em creches,
com crianças de 0-3 anos de idade.
Observamos, já de início na pesquisa, a tendência crescente dos conglomerados
econômicos como mantenedores de muitas Instituições de Ensino Superiores (IES)
pesquisadas (Faculdades), por meio de fusões e de aquisições de grandes empresas,
muitas empresas com capital aberto na Bolsa de Valores (casos das mantenedoras:
Anhanguera/Kroton, Estácio de Sá, Uniesp, entre outras). Tal quadro instituído pela
expansão do ensino superior privado no Brasil é observado desde os anos 1970, como
forma de limitação à oferta de ensino superior público em universidades.
Tratados como negócio no mercado educacional brasileiro, no que se refere à
organização curricular, os cursos dessas instituições apresentam-se padronizados e
fragmentados, não sendo observadas mudanças significativas nas matrizes curriculares
de uma IES para outra (inclusive fora do estado de São Paulo), exceto no período de
transição da aquisição do chamado ‘negócio’. Vale aqui ressaltar que a expressiva
expansão dos cursos de ensino superior no Brasil, notadamente oferecidos por
Faculdades, refere-se a cursos considerados de baixo custo de manutenção, entre eles
destaca-se o curso de Pedagogia, de maneira geral, oferecido no período noturno e com
duração inferior ao que preveem as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de
Pedagogia/ DCN Pedagogia (BRASIL, 2006) com uma carga horária total de 3.200
horas, preferencialmente oferecido ao longo de 4 anos de formação. Orientação
XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira
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semelhante é reforçada recentemente nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Formação Inicial e Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica
(BRASIL, 2015).
O problema de pesquisa se definiu como: estariam os cursos de Pedagogia no
estado de São Paulo formando adequadamente os professores polivalentes para atuar na
educação infantil, considerando as contribuições dos diferentes saberes, os meios e as
possibilidades de ensiná-los, assim como a identificação de quem são os sujeitos que
aprendem e se desenvolvem nesses ambientes educacionais e escolares? Objetivamos
com a pesquisa trazer novos elementos para a análise dos cursos de Pedagogia no estado
de São Paulo (e no Brasil) de modo a contribuir para a melhoria da qualidade dos
mesmos e para a atuação de gestores em geral e de coordenadores desses cursos e ainda,
para a melhoria da qualidade da educação básica.
Tais considerações também colaboram para melhor compreender o campo da
formação de professores de educação infantil, com uma função de polivalência, em um
contexto de ampliação dos direitos das crianças e de expansão da educação básica, com
maior oferta da educação infantil (pelo aumento da cobertura de atendimento em
creches e a obrigatoriedade de universalização da pré-escola, conforme prevê a meta n.
1 do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014) e da implementação do ensino
fundamental de nove anos.
Sendo o campo da educação infantil um campo ainda em consolidação no Brasil
consideramos importante buscar nexos entre a Formação Inicial (de nível superior) e a
Formação Contínua, pelo desenvolvimento profissional do professor ocorrer ao longo
da sua carreira profissional, na mira do entendimento de como se organizam essas
ofertas de formação de professores para um segmento etário em que a imbricação entre
as dimensões da educação e dos cuidados precisa estar presente.
Abordaremos a seguir a metodologia utilizada na pesquisa, ao lado da discussão
dos dados da primeira fase da investigação, seguida da apresentação dos resultados, por
meio de considerações e indagações e ao final, apresentamos uma síntese que, pretende-
se, venha a contribuir com a melhoria dos cursos de Pedagogia no Brasil.
Metodologia e discussão dos dados da pesquisa
A pesquisa, em sua primeira fase, contou com 17 pesquisadores vinculados a
universidades públicas e privadas do estado de São Paulo. De natureza
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quanti/qualitativa e exploratório-descritiva (CELLARD, 2008), fizemos uso de análise
documental das matrizes curriculares de 144 cursos presenciais e em atividade, colhidas
nas páginas na Internet das instituições mantenedoras dos cursos pesquisados.
Utilizamos para a análise dos dados um instrumento constituído de duas partes,
uma contendo informações gerais de cada instituição e outra, com as categorias de
análise das matrizes curriculares, na forma de conhecimentos relativos aos seguintes
temas: de Fundamentos Teóricos da Educação; Sistemas Educacionais; Formação
Profissional Docente; Gestão Educacional; Estágio Supervisionado; Pesquisa e
Trabalho de Conclusão de Curso/Monografia; Modalidades de Ensino, Diferenças,
diversidade e minorias linguísticas e culturais; Conhecimentos Integradores e Outros
Conhecimentos. A análise da educação infantil, constituiu-se como uma subcategoria da
categoria dos conhecimentos relativos à Formação Profissional Docente.
Com base nessa subcategoria de análise, constatamos que:
i) a formação do professor polivalente não é intencionalizada na organização
curricular dos cursos, prevalecendo uma formação de natureza disciplinar:
importante ressaltar as lógicas que estão presentes na organização curricular dos cursos
de formação de professores, com diferentes racionalidades (CONTRERAS, 2002).
Buscamos assim, na análise das matrizes curriculares dos cursos investigados, as
racionalidades predominantes e constatamos que a racionalidade técnica predomina nos
cursos de Pedagogia, ou seja, apresenta-se como intencional a aprendizagem de teorias
que se auto-aplicariam no exercício profissional docente em creches e pré-escolas, pela
síntese feita pelo estudante (e não intencionalmente pelos docentes do curso) dos
diferentes saberes acumulados ao longo do curso.
Observamos, dessa forma, pouca aproximação das disciplinas com as práticas da
polivalência que o professor de educação infantil precisará exercer no cotidiano das
instituições de educação infantil. Estruturados, de maneira geral, na forma de
Fundamentos da Educação, seguido das Metodologias e das Práticas de Ensino, tais
cursos distanciam-se da imprevisibilidade e da incerteza que marcam o ofício de
ensinar/apreender, em especial, com crianças pequenas.
A polivalência é um atributo fundamental da formação de professores em geral
e, em particular, de professores que atuam na educação infantil e nos anos iniciais do
ensino fundamental, ao articular saberes e conteúdos de áreas de conhecimento de
naturezas diversas, em uma formação profissional ampla (LIMA, 2007).
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E ainda, a docência caracteriza-se como uma profissão de desenvolvimento
humano (sendo que para alguns autores trata-se de uma semiprofissão), apresentando
como características componentes de cuidados e o caráter interativo e interpessoal,
havendo riscos na formação profissional sob uma lógica acadêmica tradicional
(FORMOSINHO, 2011).
No caso da educação infantil, a consideração das relações entre adulto-criança
(professor-criança), criança e criança, criança - materiais e ambientes e entre educadores
(professores, gestores e famílias) estimularia uma formação integral, preconizada nos
documentos orientadores dessa área.
ii) há grande dispersão e fragmentação curricular nas matrizes dos cursos
pesquisados: observamos um agigantamento das matrizes curriculares com uma
diversidade de disciplinas que refletem a dispersão e a imprecisão do perfil do egresso
desses cursos, com muitas disciplinas sem aderência com a docência nas etapas iniciais
da educação básica (PIMENTA & FUSARI, 2014). Assim, a fragmentação curricular
atua de forma oposta à uma formação polivalente e que se pretende integrada entre as
áreas do conhecimento e aos saberes necessários à ação educativa com crianças
pequenas (em creches e em pré-escolas) que envolve o entendimento de como as
crianças se percebem, são vistas e se veem no mundo, assim como o mundo que os
adultos/educadores apresentam a elas.
Contraditoriamente, o currículo da educação infantil apresenta-se de forma
global e não fragmentada, conforme enfatizam as Diretrizes Curriculares Nacionais para
Educação Infantil (Resolução n.5/2009 - Conselho Nacional de Educação):
Artigo 3º: o currículo da educação infantil é concebido como um conjunto de
práticas que busca articular as experiências e os saberes das crianças com os
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural, artístico, ambiental,
científico e tecnológico, de modo a promover o desenvolvimento integral de
crianças de 0-5 anos de idade (BRASIL, 2009, p.1).
Outro aspecto que salta aos olhos nesta análise diz respeito a carga horária
reduzida das disciplinas, contribuindo para segmentar saberes e possibilidades de
compreensão globalizada de conhecimentos.
Processos homólogos na formação de professores seria desejável para, de forma
coerente, contribuir com a autonomização dos professores visando a promoção da
autonomia das crianças. No caso da formação continuada de professores (educadoras
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cooperantes) e sua relação na formação dos estudantes de educação de infância Oliveira
- Formosinho acentua que:
Nos envolvemos num processo de autonomização das profissionais que
desempenham o importante papel de supervisoras cooperantes, permitindo-lhes no
acesso a quadros teóricos que passaram a ser partilhados, apoiando-as na construção
de saberes, repensando o significado das práticas e recriando a prática. Acredita-se
que isso é emancipar os profissionais, co-construindo uma autonomia teoricamente
suportada, como condição de promover a reconstrução do significado da educação
de infância (OLIVEIRA-FORMOSINHO, 2005, pg.27).
.
iii) menos de 2% da carga horária total dos cursos são direcionados à essa área:
identificamos uma presença pequena do campo da educação infantil nos cursos, com
uma diversidade de disciplinas em várias áreas de conhecimento, com nomenclaturas
também diversas. Aparentemente, a evolução do campo da educação infantil ainda não
foi apropriada pelos docentes dos cursos de Pedagogia, podendo tratar-se de uma
compreensão como formação menor, com valorização inferior, se comparada aos
conhecimentos relativos aos anos iniciais do ensino fundamental com estrutura
disciplinar. Das 144 IES examinadas, 22 não oferecem nenhuma disciplina com um
título que remeta diretamente à educação infantil. Nas demais 122 IES há disciplinas
oferecidas nessa área, com denominações variadas.
Considerando o perfil do egresso dos cursos de Pedagogia, parece-nos que a
formação no campo da educação infantil é reduzida, se comparada à formação do
professor dos anos iniciais do ensino fundamental, também objeto da formação nesses
Cursos.
De acordo com Campos (2008), as identidades profissionais dos professores de
educação infantil precisam ser revistas considerando que os objetivos da educação
infantil se relacionam ao que se pretende no trabalho com crianças pequenas nas
instituições de educação infantil, sendo necessário nesses cursos, uma dimensão mais
formadora que conteudista. Parece-nos oportuno perguntar: quais bases de
conhecimentos os professores iniciantes lançam mão para exercer o ofício de educar-
cuidar crianças pequenas em creches e pré-escolas? Como profissional de múltiplas
identidades, perguntamo-nos como será a atuação profissional desses profissionais com
tão pouca formação específica? Pode haver uma forte tendência do predomínio dos
saberes da experiência, ou seja, os (as) professores(as) reproduzirem o que ficou
marcado na sua condição de estudante, na forma de senso comum, sem possibilidade de
reflexões ou de problematizações teórico-práticas.
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iv) os campos de conhecimento, de experiências, as linguagens expressivas e as
culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho educativo e
pedagógico na educação infantil, assim como as dimensões da educação e dos
cuidados estão dispersos ou não estão contemplados explicitamente na maioria dos
cursos pesquisados: o campo da educação infantil nas últimas décadas no Brasil conta
com contribuições valiosas das áreas da Psicologia, da Sociologia, da Antropologia, da
História, da Filosofia e das Artes, com novos paradigmas sobre o significado da
educação infantil no âmbito da educação básica.
As produções teóricas acerca do currículo da educação infantil, ao contrário da
organização estanque por áreas de conhecimento dos demais níveis da educação básica,
atribuem importância aos campos de conhecimento, de experiências, das linguagens
expressivas e das culturas da infância que caracterizam a organização do trabalho
educativo e pedagógico na educação infantil. Uma organização que apresenta bases
teóricas fundamentadas e alicerçadas em uma compreensão de criança como sujeito de
direitos, protagonista de sua história e agente de seu próprio desenvolvimento e
aprendizagem.
Observamos uma tendência marcante nas matrizes curriculares com relação à
reprodução de áreas sedimentadas do ensino fundamental, que se organizam em torno
de grandes áreas de conhecimento (exemplo: Língua Portuguesa, por vezes,
denominado de outras Formas: Linguagem, Alfabetização e Letramento etc...;
Matemática/ Pensamento Matemático, entre outras denominações), mas também
observamos IES (em menor número) que organizam o currículo para dar conta da
especificidade e da natureza da educação infantil, com disciplinas ligadas à Literatura
Infantil ou Infanto-Juvenil e disciplinas que trazem a perspectiva do movimento, do
trabalho com o corpo da criança, da ludicidade, dos jogos e brincadeiras, além de outras
disciplinas tais como Políticas públicas para a infância, História da Infância. Poucas IES
pesquisadas apresentam disciplinas voltadas aos temas da saúde e nutrição da criança,
se considerarmos esse um saber importante – na relação entre educação e saúde nos
cursos de Pedagogia, sobretudo os saberes relacionados aos bebês.
Consideramos que o debate atual sobre a forma como as crianças pequenas
produzem suas culturas, traz uma outra perspectiva acerca dos conceitos clássicos de
criança, de infância e de socialização infantil. Tratar-se-ia hoje de atuar na formação de
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professores de educação infantil considerando uma concepção de criança como sujeito
de direitos, preconizado nas políticas públicas nessa área.
Isso não significa fragmentar a formação do trabalho docente, com uma
perspectiva de formação mais prática que teórica, com uma feição profissionalizante de
curso pós-médio, ou a defesa do praticismo. Entendemos que a dimensão da formação
profissional docente e a articulação entre teoria e prática precisaria ser assumida pelos
cursos de formação de professores de forma intencionalizada e em diálogo com as
demais dimensões formativas do curso, com destaque para o caráter de mediação
educadora, como desenvolvimento da ampliação da sensibilidade, dos espaços e das
linguagens (MARTINS, 2005), incluindo as diferentes formas de educação do olhar e
da escuta sensível, que passa por uma formação que não exclui o sujeito que aprende e
suas subjetividades, ao contrário, parte de sua visão de mundo, no caso dos estudantes
de Pedagogia, buscando ampliá-la.
Resultados: considerações e indagações
As DCN para os Cursos de Pedagogia trouxeram uma perspectiva formativa
generalizante, pois são formados nesses cursos tanto o(a) professor(a) para a educação
infantil e para os anos iniciais do ensino fundamental, como o(a) gestor(a) educacional
para atuar em ambientes escolares e não escolares, apresentando-se como uma formação
por demais generalizante e dispersa.
Considerando a formação polivalente do(a) professor(a) de educação infantil,
observamos, nas matrizes curriculares analisadas, a quase inexistência de uma
organização curricular que integre as áreas de conhecimento, por meio de projetos
integradores e/ou atividades em que os estudantes possam colocar em relação as
aprendizagens construídas nas diferentes disciplinas. A esse respeito, Formosinho
assevera que:
A cultura acadêmica tradicional tende a promover nos futuros
profissionais uma concepção do seu saber profissional como uma
justaposição de disciplinas e de práticas de trabalho fragmentado, não
favorecendo a análise interdisciplinar e o trabalho colaborativo
exigidos pelas características dos contextos de desempenho
profissional (FORMOSINHO, 2011, p.137).
Além desse aspecto há que considerar a existência de cenários em disputa no
campo das políticas de educação infantil, nas últimas décadas. De um lado políticas
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voltadas à garantia dos direitos das crianças, com centralidade na própria infância e nas
crianças como sujeitos desses direitos (com ações focadas na área da Educação) e de
outro lado, uma concepção de criança como vir-a ser, que se prepara para aprendizagens
futuras, a produção econômica e a empregabilidade, como medida de custo-benefício
(com ações fragmentadas e compensatórias em diferentes áreas). As agências
internacionais como a Organização para o Comércio e Desenvolvimento Econômico
(OCDE) e o Banco Mundial (entre outras), que têm orientado as políticas sociais nos
países menos desenvolvidos, se situam no segundo cenário (GOMES, 2014).
Das matrizes curriculares analisadas pode-se afirmar que há um início de
visibilidade das crianças pequenas em creches e pré-escolas. A relação desse trabalho
com os anos iniciais do ensino fundamental, contudo, merece análise, na perspectiva das
escolas da infância (0-10 anos) sem segmentações ou hierarquizações, garantidas as
especificidades, as necessidades e saberes das crianças. Com base nessas reflexões, o
que esses dados de pesquisa nos sugerem?
Em primeiro lugar o campo da educação infantil é um campo em
construção e em fase de consolidação como política pública – se considerarmos que
em termos de política pública educacional, a educação infantil, no âmbito da educação
básica, passados quase quatro décadas de conquistas, só agora aproxima-se de sua
maioridade. Dessa forma, os sistemas de ensino passaram a contemplar as creches (que
antes estavam abrigadas nas áreas da Assistência Social). Tal contexto alterou a
condição da educação infantil em nível municipal e, portanto, a profissionalidade
docente dos educadores dessa área.
Em segundo lugar: quem é o profissional da educação infantil e quais são
suas identidades profissionais? Babá, tia ou professora? Trata-se de uma profissão
também recente e em construção e com identidades plurais, construídas com base nas
relações de gênero. De um lado observamos discursos oficiais e acadêmicos que
indicam uma perspectiva mais técnica e prescritiva do que relacional, quando sabemos
que a relação adulto criança nas instituições de educação infantil requer uma grande
capacidade profissional de promover afetos e significações (OLIVEIRA-
FORMOSINHO; FORMOSINHO, 2001), de reflexão sobre a prática, por meio de
problematizações sobre concepções de criança, infância(s), educação infantil e papel
social do professor(a) que se concretizam no dia-a-dia de trabalho em creches e pré-
escolas (BARBOSA, 2009), com crianças reais que muitas vezes escapam à visibilidade
dos educadores. Os valores educacionais implícitos nas práticas e nas expectativas da
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sociedade e, sobretudo das famílias, implicam em práticas pedagógicas ora
escolarizantes, ora recreacionistas e/ou de ocupação das crianças pequenas.
Um olhar para essas dimensões na organização dos Cursos de Pedagogia
implicaria, entre outros aspectos, em uma reflexão sobre o campo das culturas em geral
e da relação com as famílias, na construção das identidades dos professores(as) de
educação infantil: uma profissão (ou meia profissão?) realizada em trabalho de meio
período, que acompanhou historicamente no Brasil os papéis domésticos femininos
tradicionais, contando por vezes, com duplas (ou triplas) jornadas de trabalho.
Observamos que ainda há uma grande distância entre as normas previstas na legislação
e o que ocorre de fato na realidade vivida pelas crianças pequenas em seu cotidiano nas
creches e pré-escolas brasileiras.
Em terceiro lugar: o que pode significar o predomínio, nas matrizes
curriculares pesquisadas, de disciplinas próprias do ensino fundamental (e da
cultura e formas escolares) na formação de professores para a educação infantil?
Sabemos existir, de um lado, a solidificação das áreas disciplinares e, por outro, a
(ainda) fragilidade dos campos de conhecimento/experiências na educação infantil,
como saberes válidos para a formação de professores e como organizador de currículos
na educação infantil. As crianças pequenas organizam suas formas de estar,
compreender e interagir no mundo por meio da ação, do movimento, da curiosidade, da
imaginação e das interações. A formação de professores para atuar com crianças
pequenas supõe trazer esses elementos formativos em diálogo com a pessoa, com o
sujeito que está sendo formado, de modo a implicá-lo nos planos individual, mas
também coletivo, com a formação das novas gerações, em especial, considerando que
trata-se de educação de adultos que carregam histórias de vida e experiências a serem
continuamente ressignificadas.
Considerações Finais
Tais considerações e indagações feitas ao longo deste trabalho nos levam a
refletir sobre as múltiplas capacidades exigidas do professor recem-egresso dos cursos
de licenciatura em Pedagogia para atuar na complexidade das instituições de educação
infantil. A organização didático-pedagógica dos cursos de Pedagogia não são neutras,
antes, traduzem concepções e perfis do profissional que se deseja formar (professor ou
pedagogo) e evidenciam contradições entre as previsões legais e a concretização real
dos cursos. A prática profissional ensejará outras reflexões e questionamentos no
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âmbito da Formação Contínua que sabemos envolver motivações, diagnóstico de
necessidades, entre outros aspectos.
Ao nosso ver, o que os dados de pesquisa revelam é uma oferta predominante de
formação em Faculdades, por instituições privadas e sobretudo, a homogeneização de
cursos de Pedagogia pelas fusões e aquisições de mantenedoras desses cursos no
‘mercado educacional’ por grandes corporações econômicas, contrariando a exigência
de Projetos Pedagógicos dos cursos elaborados de forma contextualizada e que
considerem as Necessidades Formativas dos estudantes, assim como de seus
professores. A relevância do critério econômico, nesse caso, traz por consequência, uma
padronização curricular que pode anular as diferenças e pulverizar as possibilidades de
criação na/sobre as realidades formativas. Como formar profissionais para atuar de
forma contextualizada e referenciada na realidade com cursos engessados do ponto de
vista curricular?
Respondendo à pergunta da pesquisa se os cursos de Pedagogia no estado de São
Paulo estariam dando conta de formar adequadamente os professores de educação
infantil, temos como resposta que - aparentemente não - pelas contradições aqui
enunciadas. Os cursos de Pedagogia analisados apresentam-se frágeis e com reduzida
base teórico-epistemológica, se comparados às demais Licenciaturas.
A segunda fase da pesquisa, em andamento, objetiva aprofundar as análises
realizadas na primeira fase com cursos de Pedagogia considerados inovadores,
assumindo que os cursos escolhidos para análise devam responder, de forma
propositiva, às indagações feitas na primeira fase da investigação, com estudos de caso
pela análise dos Projetos Pedagógicos dos Cursos (análise documental) e entrevistas
com os seus coordenadores.
Entendemos que a formação de professores de educação infantil nos cursos de
Pedagogia, ao se assumir como Licenciatura, envolve considerar a contribuição da
produção desse campo de estudos nas últimas décadas no Brasil e no mundo, como
campos específicos de conhecimento (entendidos também como espaços de disputas e
de poder), pela coerência do perfil do profissional que se quer formar, tendo como
suporte para essa definição as concepções de criança, infância, educação infantil e as
identidades profissionais plurais desses docentes, diferenciando-se de um viés
escolarizante, organizado em tempos e rituais que dificultam a criança ser criança e
viver seus tempos de infância.
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Este é um caminho que o processo de revisão das Diretrizes Curriculares
Nacionais para os cursos de Pedagogia, que neste ano de 2016 completará uma década,
poderá trilhar, em diálogo com as demais orientações legais sobre formação de
professores, em especial, as Diretrizes Curriculares Nacionais de Formação Inicial e
Continuada de Profissionais do Magistério da Educação Básica (BRASIL, 2015).
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