Formação em Saúde · 2013-07-05 · rio de Saúde do estado de São Pau-lo, ... ganização...

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O SUS CRIATIVO Seminário Nacional de Experiências Inovadoras SÚMULA DA IMPRENSA Cresce a hipertensão entre os jovens Nº 3 ! Outubro de 2002 Av. Brasil 4036/515, Manguinhos Rio de Janeiro, RJ ! 21040-361 Formação profissional em Saúde Aspecto crítico da construção do sistema de saúde brasileiro SÉRGIO AROUCA Reforma Sanitária e o umbigo do SUS

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O SUS CRIATIVOSeminário Nacional de

Experiências Inovadoras

SÚMULA DA IMPRENSACresce a hipertensão

entre os jovens

Nº 3 ! Outubro de 2002

Av. Brasil 4036/515, ManguinhosRio de Janeiro, RJ ! 21040-361

Formaçãoprofissionalem Saúde

Aspecto crítico daconstrução do sistema

de saúde brasileiro

SÉRG

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memóriamemóriamemóriamemóriamemória

Há 16 anos, Arouca já alertava paraa necessidade de uma Reforma Sanitária

Como relembrar é viver, o Radis foibuscar em seus arquivos a en-

trevista de Sérgio Arouca, publicadahá 16 anos na extinta Revista Tema(número 07, de agosto de 1986). Naépoca, esse médico sanitarista ocu-pava o cargo de presidente daFiocruz e tinha acabado de presidira VIII Conferência Nacional de Saú-de (CNS). Na entrevista, Arouca fa-lou sobre o processo de convoca-ção e de realização da VIII CNS, suaimportância para a história da Saú-de no Brasil, como foi o momentoque sucedeu o evento e sobre a ne-cessidade de uma reforma sanitáriano país. Para reviver esse instantehistórico, o Radis selecionou algunstrechos da entrevista.

Várias das propostas

discutidas e aprovadas

na Conferência têm longa

trajetória e muitos anos

de amadurecimento.

A 8ª Conferência, pelonúmero de pessoas queparticiparam, representouo evento mais significativoem termos de debate dapolítica de saúde jáacontecido na históriadeste país.

A 8ª Conferência colocouclaramente uma tese: (...)todos querem reformular osistema de saúde, mas issonão é o suficiente. Nãoconseguiremos avançarenquanto a conquistada transformação não foro resultado de um movimentosocial que, organizado, ganheforça política.

É sempre fundamentalestar trabalhando comutopias; entretanto, numadeterminada conjunçãode forças políticas, essaspropostas ganham forçae acabam se tornandorealidade.

Quem pensasse,alguns meses atrás, quea Conferência aconteceriacomo foi, seria consideradoum alucinado, um sonhador.Eu me lembro que asestimativas avaliavam que,com sucesso, conseguiríamosa presença de cerca de1.200 pessoas e na horaapareceram 5.000.

A 8ª CNS apontou para

a necessidade de uma

Reforma Sanitária, ou seja,

a um processo de mudanças

semelhante ao que foi

o choque heterodoxo

na área da economia.

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Memória 2

! Sérgio Arouca, há 16 anos

Editorial 3

! Descobrindo e construindo caminhos

Caco 3

Cartas 4

Homenagem 4

! João Yunes, generoso e entusiasta

Premiação 4

! Ensp recebe prêmio da Opas

Súmula da Imprensa 5

Experiências inovadoras 7

! Seminário nacional celebra acriatividades dos que fazem o SUS

!Subprojeto Fomento, Análise,Avaliação e Disseminação deExperiências Inovadoras: áreastemáticas

!A Noas nas palavras de Maria HelenaBrandão de Oliveira

Tema Especial 11

! Fôrma, forma, formar

! Formação profissional em Saúde:histórico, contexto atual, as mudan-ças no mercado de trabalho, habilida-des e competências, os grandestemas, os atores, os principaisprogramas e os maiores desafios

Entrevista: Sérgio Arouca 18

! O eterno guru da Reforma Sanitáriafala sobre os rumos e o saldo domovimento, as grandes questões naatualidade, biotecnologia, políticaindustrial na área de medicamentos esobre a necessidade de mudança domodelo assistencial do SUS

Serviços 22

Pós-Tudo 23

! Quanto vale o meu rim?

Ora, Pílulas... 23

Nº 3 — Outubro de 2002Descobrindo e construindo caminhos

cacocacocacocacocaco

editorialeditorialeditorialeditorialeditorial

Capa: Aristides Dutra

Nos tempos do filósofo e políticoromano Sêneca, no Século I dC,

‘profissão’ se chamava officium, pa-lavra que designava a execução decerta tarefa ou a própria tarefa a serexecutada, também contendo o sen-tido de ‘dever, obrigação moral’. A pa-lavra podia ainda designar um cargopúblico, e dela igualmente deriva-seofficina, que tem o sentido tanto de‘fábrica, local de trabalho’, quantode ‘escola’. Já o termo professionis(de onde vem a nossa ‘profissão’) ti-nha o sentido de ‘declaração, teste-munho’, e de sua raiz provém tambéma palavra ‘professor’.

Este é o ambiente em que o Radisinaugura uma série de cinco reporta-gens sobre um tema que tem ocupa-do espaços de discussão, planejamen-to e ação cada vez mais extensos eurgentes: a Formação profissional emSaúde. Tudo mudou da Constituição de88 para cá, quando as diretrizes bási-cas do Sistema Único de Saúde foramtraçadas. Tudo se tornou novo, e ne-cessariamente tinha de tornar-se: asinstituições, a assistência, os proces-sos de trabalho, os trabalhadores e atémesmo os usuários, que deixaram deser ‘aqueles que têm carteira assina-da’ para serem cidadãos que detêmum direito, o de ter acesso à saúde.Uma nova assistência à saúde (basea-da na eqüidade, na integralidade e nauniversalidade) pressupõe novos tra-balhadores e novos processos de tra-balho que, por sua vez, pressupõemuma nova formação profissional. Quaissão os princípios, critérios e deman-das desta nova formação? Qual é o seucontexto? Estaria ela vinculada a no-vos princípios e dimensões mundiais e

locais da Educação, do mercado detrabalho, das funções do Estado? Es-tas são as questões a responder.

Neste primeiro bloco da extensareportagem que se estenderá pelaspróximas quatro edições da Radis, tra-çamos um panorama geral da área noBrasil, tentando identificar os grandestemas, a agenda de debates e políti-cas, os atores envolvidos e também asquestões mais importantes, os ‘nós’ eobstáculos presentes quando se falaem Formação Profissional. Nos próxi-mos meses, aprofundaremos cada umadas áreas temáticas que escolhemospara organizar o assunto: Graduação,Nível Médio, Educação a Distância ePós-Graduação.

Não foi por acaso, por outro lado,que nesta revista entrevistamos o sa-nitarista Sérgio Arouca e realizamos acobertura do Seminário sobre Experi-ências Inovadoras de Gestão de Servi-ços e Novas Tecnologias Assistenciaisno SUS. Arouca, oportunamente, de-safia o SUS a enxergar-se segundo oprisma da Reforma Sanitária “e não deseu próprio umbigo”, e as experiênci-as inovadoras compõem o aspectopragmático dessa visão. Sênecatampouco foi escolhido por acaso paraabrir esta conversa e também parafechá-la. Pensando na Formação pro-fissional em Saúde, lembrando-nos deSérgio Arouca e também do amigo JoãoYunes, que nos deixou este ano, aspalavras do filósofo são mais do queapropriadas e desafiadoras: “Descubraum caminho, ou então construa um”.Estamos trilhando caminhos já aber-tos, com certeza. Mas, se quisermosmesmo ‘chegar lá’, ainda temos ou-tros tantos a construir.

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RADIS 3 ! OUT/2002

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USANDO E ABUSANDO DAS PUBLICAÇÕESDO RADIS

Recebi 40 exemplares da RevistaRadis, nº 1 (agosto/2002) que fo-

ram distribuídas para os alunos doCurso Gerus de Aperfeiçoamento eDesenvolvimento Gerencial de Unida-des Básicas do Sistema Único de Saú-de, realizado para profissionais desaúde da rede básica do municípiodo Rio de Janeiro. Achei de grandeimportância a matéria sobre XVIII Con-gresso Nacional de Secretários Mu-nicipais de Saúde e a divulgação dacarta dos secretários aos candidatos.O conteúdo da revista veio ao encon-tro do que vem sendo trabalhado nocurso. As revistas Tema nos 21 e 23foram encaminhadas para a Coorde-nação Geral de Desenvolvimento deRecursos Humanos do Ministério daSaúde, que havia solicitado materialsobre os assuntos tratados.

Gosto das publicações Radis e asutilizo em diferentes momentos domeu trabalho, repassando para outraspessoas revistas cujo tema seja dointeresse delas. Parabéns pelos vinteanos do Radis.

Elizabeth RomeiroRio de Janeiro / RJ

As publicações do Radis são de altonível e trazem assuntos atuais,

abordados com grande profundidade.Dou muito valor aos documentos pro-duzidos por vocês e em minhas ativi-dades docentes sempre recomendoa leitura e a assinatura das publica-ções. Gostaria de parabenizá-los pelaperseverança e pela continuidade dotrabalho (20 anos), que não é comumem nosso país e, ainda mais, no servi-ço público. Minha sugestão é que,sempre que possível, sejamdisponibilizadas referências bibliográ-ficas sobre o assunto tratado.

Vitor Hugo Della ValentinaPorto Alegre / RS

Em comemoração ao seu centená-rio, a Organização Pan-americana

da Saúde (Opas) premiou quatro ins-tituições e dois médicos que tiveramimportante atuação na Saúde Públi-ca brasileira. A entrega das medalhascomemorativas foi realizada emBrasília, no dia 4 de outubro, duran-te a abertura do seminário internaci-onal ‘Os desafios para uma Assistên-cia Farmacêutica Integral’. Além do

No dia 26 de setembro morreuJoão Yunes, diretor da Faculda-

de de Saúde Pública da Universidadede São Paulo (USP). Oficialmente, tal-vez bastasse uma nota de falecimen-to. Mas o Radis perdeu um grandeamigo e colaborador, e a saúde públi-ca perdeu uma de suas grandes figu-ras. Estas linhas, para nós, equivalema uma homenagem, ainda que infini-tamente pequena frente ao que elerealizou durante a sua vida profissio-nal e ao ser humano que foi. Médico-sanitarista, João Yunes exerceu inú-meros cargos importantes no Brasil eno exterior. Entre outras coisas, foisecretário de Políticas de Saúde do

Núcleo de Assistência Farmacêuticada Escola de Saúde Pública da Fiocruz(NAF/Ensp/Fiocruz/), foram premia-dos o Ministério da Saúde, a AgênciaNacional de Vigilância Sanitária(Anvisa), a Sociedade Brasileira deVigilância de Medicamentos, o Dr.Omilton Visconde (in memorian),pelo seu trabalho no Conselho Naci-onal de Saúde (CNS), e o Dr. Mozartde Abreu e Lima, da Opas.

Ministério da Saúde (MS), secretá-rio de Saúde do estado de São Pau-lo, coordenador dos Programas deSaúde Materno-Infantil e de Saúdeda Família e diretor da Divisão dePromoção da Saúde do Ministério daSaúde. Além disso, representou oBrasil no Conselho Executivo da Or-ganização Pan-Americana de Saúde(Opas) e da Organização Mundial deSaúde (OMS).

O currículo extenso reflete umaprofunda dedicação às questões daSaúde e sua capacidade profissional,mas não serve nem de longe paramostrar o entusiasmo com que eleexercia cada uma dessas funções ou adisponibilidade que ele demonstravanas diversas vezes que foi procuradopelo Radis. Entrevistá-lo era certa-mente uma diversão, porque Yunesnão se limitava a responder pergun-tas. Havia sempre algo mais: uma in-formação extra, uma curiosidade, umarisada relaxante, uma dica importan-te. Convidar uma repórter iniciantepara participar de uma reunião daOMS, coisa impensável para muitas‘cabeças coroadas’, era algo que elefazia com naturalidade e generosida-de, marcas de sua existência nessemundo. João Yunes morreu de cân-cer no pulmão, aos 66 anos, e suamorte fez bater uma tristeza danadaaqui no Radis.

Escola Nacional de Saúde Públicarecebe medalha da Opas

Algumas linhas para João Yunes,generoso entusiasta

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RADIS 3 ! OUT/2002

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SÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSASÚMULA DA IMPRENSA

CONTAMINAÇÃO POR CHUMBO É ALTANO PAÍS

AFundação Oswaldo Cruz divulgourecentemente o Estudo da

especiação química do chumbo emsangue para avaliação da exposiçãoocupacional, coordenada pela pes-quisadora Maria de Fátima RamosMoreira. A pesquisa começou em1996, quando o resultado de examede sangue feito com operários deuma empresa de baterias apontou umagrande quantidade de chumbo nosangue. A partir desses dados, o es-tudo teve como objetivo melhorar asituação dos operários que trabalhamdiretamente com o metal, apontan-do soluções e caminhos para a dimi-nuição da contaminação por chum-bo, que no país ainda é muito grande.

Na mesma época, o Jornal doBrasil (em 08/09/2002) também divul-gou uma nota sobre a contaminaçãopor chumbo em uma região do muni-cípio baiano de Santo Amaro da Purifi-cação, levantando a discussão sobrea necessidade de mobilizar a atençãodos órgãos públicos para o problemae relatando que, apesar do uso dometal ser extremamente tóxico, eleainda tem sido usado freqüentementepor empresas de ‘fundo de quintal’na fabricação de canalizações, bate-rias e tintas.

HIPERTENSÃO ENTRE JOVENS É TRÊSVEZES MA IOR

Uma pesquisa realizada pelaPontífica Universidade Católica

(PUC), em Sorocaba, mostra que en-tre os estudantes do ensino médioexiste uma alta incidência de hiperten-são arterial. O trabalho, que durou trêsanos, envolveu 542 alunos com idademédia de 17 anos e concluiu que 15%apresentavam hipertensão. A diminui-ção do número de casos está ligada,

entre outros fatores, às ações de edu-cação e saúde realizadas nas escolas eao atendimento médico específico aoshipertensos.

De acordo com o site do Ministé-rio da Saúde (www.saude.gov.br), asdoenças do aparelho respiratório cau-sam 225 mil mortes por ano e, dentrodesse grupo, 25% dos casos referem-sea problemas de hipertensão. Ainda se-gundo o site, o diagnóstico da hiper-tensão é feito por meio de medição dapressão. Se houver pessoas hipertensasna família, o cuidado deve ser maior ea pressão deve ser medida ao menosduas vezes por ano.

ONU CONCLUI DOCUMENTO SOBRE AFOME NO BRASIL

AOrganização das Nações Unidasconcluiu o primeiro Relatório In-

ternacional sobre a fome no Brasil, eque será lançado apenas no ano quevem. O documento foi preparado pelorelator da ONU para o direito à ali-mentação, o suíço Jean Zieglerm, eaponta não só que um em cada 10brasileiros sofre de desnutrição (umdos índices mais altos do mundo), mastambém que todos os dias 280 crian-ças brasileiras morrem por doençascausadas pela desnutrição antes decompletar um ano. A ONU mostra queesses números não são diferentes da-queles apresentados na década de80, quando 23 milhões de pessoas pas-savam fome.

Ao avaliar o fim da fome no país,o documento mostra que o Brasil éum dos maiores exportadores agríco-las do planeta e produz alimentos emquantidade suficiente para alimentartoda a população. Apesar da abun-dância de alimentos, as dificuldadespara fazer com que a população sejaalimentada estão ligadas ao baixo va-lor do salário mínimo e a falta de aces-so à terra. Outra preocupação é que,

segundo o documento, apesar do mo-delo econômico adotado nos anos 90ter trazido crescimento, não conse-guiu erradicar a pobreza e a fome.

PORTARIA CRIA REDE NACIONAL DEATENÇÃO À SAÚDE DO TRABALHADOR

Os acidentes de trabalho repre-sentam um problema de saúde

pública no país, com 390 mil ocorrên-cias todo o ano, e mobilizam as aten-ções do Governo para medidas de pre-venção e assistência à saúde dotrabalhador. Uma das iniciativas nes-se sentido é a Rede Nacional de Aten-ção à Saúde dos trabalhadores(Renast), que foi criada pela Portaria1669, publicada no Diário Oficial em20/09/02. Resultado de uma parceriado Ministério com segmentos organi-zados da sociedade civil, a rede temcomo meta combater os problemasgerados pelas condições de saúde noBrasil por meio de uma assistênciaintegral, ações de vigilância à saúdee registro dos casos de acidentes.Com a nova legislação, as pessoasterão acesso ao tratamento dosproblemas mais comuns geradospelo trabalho como as Lesões porEsforço Repetitivo (LER), doençasprovocadas por agrotóxicos e porinspiração de grãos de areia, entreoutros.Mais informações:Tel.: (61) 315-2098/2005/2784

FIQUE DE OLHO

FALTA LEGISLAÇÃO PARA PUBLICIDADEDE CIRURGIA PLÁSTICA

Uma chamada no site da RevistaCorpo a corpo (www.uol.com.br/

corpoacorpo) chama a atenção paranovas técnicas que permitem que o cor-po seja ‘corrigido’. — “Bumbumcaidinho? Levante com próteses maisseguras. Gordurinha nas axilas? Remo-va com cirurgia. Pregas no pescoço?Estique com botox.” — dizia a chama-da. A matéria levanta a discussão sobreos perigos da banalização da prática pro-movida por meio de propagandas e cam-panhas publicitárias. Segundo informa-ções do Disque ANS (0800-701656), apesardo grande número de intervenções ci-rúrgicas, ainda não há regulação espe-cífica sobre a propaganda de cirurgias

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RADIS 3 ! OUT/2002

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SÚMULA DA IMPRENSA é produzida apartir da leitura crítica dos principaisjornais diários e revistas semanais dopaís.Responsável pela seção:Daniela Sophia

RADIS é uma publicação da FundaçãoOswaldo Cruz, editada pelo ProgramaRadis (Reunião, Análise e Difusão de In-formação sobre Saúde), da Escola Nacio-nal de Saúde Pública (Ensp).

Periodicidade: MensalTiragem: 42 mil exemplaresAssinatura: GrátisPresidente da Fiocruz: Paulo BussDiretor da Ensp: Jorge Bermudez

PROGRAMA RADISCoordenador: Rogério Lannes RochaEditor: Caco XavierRedação: Ana Beatriz de Noronha,

Daniela Sophia e Katia Machado (re-portagem e redação) e Aristides Dutra(projeto gráfico)

Administração: Luis Otávio e VanessaSantos

Estudos, Pesquisas e Projetos: Justa He-lena Franco (gerência de projetos)

EndereçoAv. Brasil, 4036 sala 515 – ManguinhosRio de Janeiro – RJ / CEP 21040-361Telefone: (21) 3882-9118Fax: (21) 3882-9119

E-Mail: [email protected]/publi/radis/prgradis.htmImpressão e FotolitoEdiouro Gráfica e Editora S.A.

expedienteexpedienteexpedienteexpedienteexpediente

plásticas. Os interessados no acesso àlegislação sobre publicidade médicadeverão recorrer à Resolução CFM1.036, de 21 de novembro de 1980,que estabelece normas a respeito deanúncios, ao Decreto-Lei n° 4.114 de14 de fevereiro de 1942 que regula apropaganda de médicos, e ao CódigoBrasileiro de Auto-regulamentaçãoPublicitária (Conar).

US$ 68 MILHÕES PARA O PROGRAMASAÚDE DA FAMÍLIA

Foi divulgado recentemente na im-prensa que o Banco Mundial (Bird)

concedeu um empréstimo de U$ 68milhões para a ampliação do Progra-ma Saúde da Família (PSF) que seráinvestido em municípios com mais de100 mil habitantes para o treinamen-to de profissionais, alcançando na pri-meira fase aproximadamente 10 mi-lhões de pessoas. Em depoimentopara o Jornal Gazeta Mercantil (em26/09/2002), o Diretor do Banco Mun-dial para o Brasil disse que o objetivodo financiamento é ajudar o país amanter e expandir os avanços na áreada saúde, oferecendo serviços dequalidade para a população. O em-préstimo beneficiará diretamente asfamílias e comunidades pobres das zo-nas urbanas do Brasil. Os desembol-sos acontecerão ainda esse ano e irãoaté 2006.Mais informações sobre o PSF:Site: www.saude.gov.br/psf/

VIOLÊNCIA NO RIO E RELATÓRIO DAOMS

Divulgado em todos os veículos dagrande imprensa, o dia 30 de se-

tembro foi marcado pelo medo gene-ralizado que tomou conta da cidadedo Rio de Janeiro, quando uma or-dem vinda de traficantes de drogasteria fechado comércios e escola, fa-zendo o carioca antecipar o fim do

expediente. A imprensa atribuiu essemedo à violência, que hoje é um dosmaiores problemas na cidade.

A situação também nos remeteao Relatório Mundial sobre violênciae saúde (The World Report on Violenceand Health), o primeiro documentoque aborda o problema da violênciaem nível global, lançado recentemen-te pela Organização Mundial da Saú-de (OMS). Segundo o documento, emtodo o mundo, 1,6 milhões de pesso-as morrem todos os anos em decor-rência da violência. Para a diminui-ção do índice dessa epidemia, orelatório recomenda a formação deprogramas de apoio e medidas para ocontrole do porte de armas, o apri-moramento da vigilância para a cole-ta de dados sobre casos de violên-cia, entre outras medidas.Mais informações:Site: www5.who.int/violence_injury_prevention/main.cfm?p=0000000117

FAST FOOD ESTÁ NA MIRA

Aqueles lanchinhos nas conhecidaslanchonetes fast food, aparen-

temente inofensivos, estão contribu-indo para o aumento da obesidade,que hoje se apresenta como epide-mia no país atingindo 13% das mulhe-res, 6% dos homens e aumentando em240% a obesidade infantil nos últimos20 anos. Uma das soluções apontadaspara o problema é a criação de umalegislação (propondo que os alimen-tos prejudiciais estejam com uma tarjavermelha alertando para o perigo doconsumo em excesso) e o investimen-to em programas educativos.

CLONAGEM EM PAUTA

Já estão abertas as discussões na Or-ganização das Nações Unidas sobre

ética na clonagem de seres huma-nos. O tema gerou a criação de umcomitê da ONU para a produção de

um tratado com o objetivo de banira criação de seres humanos. Os 190países da ONU participam dessedebate. Segundo o Jornal Estado deSão Paulo, a produção do tratadopode levar anos, pois muitas ques-tões econômicas, religiosas e polí-ticas estão envolvidas.

SAÚDE MENTAL NO RIO DE JANEIRO

Dando continuidade aos debatesiniciados na Súmula n° 85 sobre

a III Conferência Nacional de SaúdeMental, o Radis segue noticiando osavanços e retrocessos da área. Ape-sar do intenso debate na área sobreas mudanças referentes ao modelohospitalocêntrico, um estudo feitopelo pesquisador João Paulo Lyra, daEscola Nacional de Saúde Pública(Ensp), concluiu que no Rio de Ja-neiro a maior parte dos doentes men-tais ainda continua internada em hos-pitais psiquiátricos. Dos 3223pacientes internados em manicômiosem 1995, apenas 20 estão atualmentematriculados nos Centros de ApoioPsicossocial (Caps). E isso pode estarrelacionado com a distribuição da ver-ba pública para o setor: 80% das des-pesas ainda são destinados aos mani-cômios, enquanto apenas 20% vãopara os Caps.

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eeeeexpxpxpxpxperiêneriêneriêneriêneriências incias incias incias incias inooooovvvvvadoadoadoadoadorrrrrasasasasas

Caco Xavier e Katia Machado

“Este Seminário é uma comemo-ração, uma celebração dacapacidade criativa dos quefazem o SUS no Brasil". Com

essas palavras, o secretário de Assis-tência à Saúde do Ministério da Saú-de (MS), Renilson Rehem, recebeu oscerca de 400 participantesdo Seminário de Dissemina-ção das Experiências Inova-doras, que aconteceu emBrasília entre os dias 9 e 12de setembro, coroandocom êxito o Subprojeto Fo-mento, Análise, Avaliação eDisseminação de Experiên-cias Inovadoras, criado pormeio da secretaria de As-sistência à Saúde (SAS) em conjuntocom a Secretaria de Gestão em In-vestimentos em Saúde, no âmbito doComponente II do Projeto Reforsusque, além do Experiências Inovadoras,abriga ainda outros 38 projetos, en-tre eles o do Cartão Nacional SUS e odo Treinamento de Gestores.

Seminário Nacional Experiências Inovadoras

Celebração da capacidade criativados que fazem o SUS

O Subprojeto, iniciado emagosto de 2000, convocou Secre-tarias Estaduais e Municipais deSaúde (SES e SMS) e também asInstituições de Ensino Superior(IES) a apresentarem propostas deexperiências inovadoras em vári-os campos de atuação, para fi-nanciamento e acompanhamento.Em janeiro de 2001, foram cria-

das comissões de sele-ção para avaliarem aspropos ta s e p ro je tosque seriam apresenta-dos. No total, e até no-vembro de 2001, foraminscritos 115 propostasrecebidas das SES/SMS emais 19 projetos de IES.

Classificaram-se, aprincípio, 60 propostas,

sendo 42 aprovadas para celebra-ção de convênios, mediante apontuação máxima decrescente devalor absoluto nos seguintes cri-térios: consistência da proposta,originalidade, caráter da inovação,relevância da proposta, qualifica-ção profissional, generalização da

experiência e sustentabilidade fi-nanceira. Com relação às IES, fo-ram selecionados quatro projetos(três de doutorado e um demestrado). O principal critério paraa aprovação das propostas foi a con-tribuição para a consolidação dosprincípios e diretrizes do SistemaÚnico de Saúde. O subprojeto con-tou com o apoio do Conselho Na-cional de Desenvolvimento Cientí-fico e Tecnológico (CNPq), no queconcerne à implementação de bol-sas de pesquisa e acompanhamen-to de resultados dessas atividadesjunto às IES.

Renilson Rehem lembrou ainda,em sua apresentação na aberturado Seminário, que o SUS tem a pe-culiaridade de "fazer muita coisacom poucos recursos", e que a di-versidade e a qualidade das experi-ências oriundas de vários estados emunicípios, abrangendo todas ascinco regiões do país, mais uma vezdemonstram que esse fato é verda-deiro. "O melhor vem agora", finali-zou o secretário, apontando para aetapa de divulgação e disseminaçãodas experiências.

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RADIS 3 ! OUT/2002

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Momento criativo e divertidodo Seminário: o grupo alagoanode Informação, Educaçãoe Comunicação Penedo, formadopor agentes comunitáriosde saúde, apresenta para umadisposta platéia uma "novelada vida real", a peça Saúde praVocê. Dois atores e duas atrizesengraçados revezam-sena veiculação de um programade rádio à moda antiga. Nele,em meio a inusitados reclamespublicitários, o grupo conta casosde necessidades de saúdeda população carente e ofereceinformações para a sua solução.O tema principal, claro,são as ações do SUS.

No Seminário Nacional,foram apresentadas

todas as propostas aprova-das no Subprojeto Fomen-to, Análise, Avaliação eDisseminação de Experiên-cias Inovadoras. Seis secre-tarias estaduais de saúdee 17 secretarias municipaisapresentaram os 42 rela-tos, e foras quatro as pro-postas das Instituições deEnsino Superior, sendo 17propostas provenientes daregião Sudeste, doze daregião Sul, nove da regiãoNordeste, cinco da regiãoNorte e uma da regiãoCentro-Oeste. Cada pro-posta das secretarias re-cebeu financiamento deRS 50 mil, ao longo de doisanos, e os projetos das IESforam contemplados combolsas de estudo.

Os trabalhos foramagrupados em duas áreastemáticas, e cada área sub-dividia-se em campos de atu-ação, da seguinte maneira:

— ÁREA TEMÁTICA II —Desenvolvimento/Incorporação

de Novas TecnologiasAssistenciais (NTA)

Sete campos de atuação, engloban-do ações voltadas para o desenvolvimentoe incorporação de novas tecnologiasassistenciais, que visem à melhoria doatendimento aos usuários nas unidadesambulatoriais e hospitalares das redes deserviços de saúde municipais ou estaduais.

1 — Internações domiciliares.2 — Alternativas para realização de par-tos assistidos, não hospitalares.3 — Desospitalização de pacientes crôni-cos ou de longa permanência.4 — Dispensação e suprimento de medi-camentos.5 — Atendimento a portadores de defici-ências.6 — Atendimento a idoso.7 — Cirurgias ambulatoriais.

Em razão da riqueza das experiên-cias, e também de seu caráter inovadore de suas condições de reprodução, oRadis propõe-se a, ao longo do próximoano, descrever em suas páginas algumasdelas.

— ÁREA TEMÁTICA I —Gestão da Rede de Serviços

de Saúde (GRS)Seis campos de atuação, engloban-

do ações relacionadas a iniciativas inova-doras em planejamento, organização,regulação, controle e avaliação das ativi-dades de atenção aos usuários nos servi-ços de saúde.

1 — Programação integrada e mecanis-mos de garantia de referência para acessoda população a serviços de níveis de com-plexidade secundário e terciário.2 — Controle, avaliação e auditoria.3 — Utilização integrada das bases dedados nacionais (SIH, SAI, SIAB, SIM,SINASC, SINAN) e de sistemas de informa-ções próprios das SES/SMS.4 — Mecanismos de programação de ati-vidades e regulação da oferta da redede serviços, para execução direta e/oucompra a terceiros.5 — Mudanças na organização loco-regi-onal de serviços, com ênfase na articula-ção entre atenção ambulatorial e hospi-talar em rede regionalizada.6 — Reorganização da oferta de serviçosde diagnose para suporte a atençãoambulatorial.

Áreas temáticas e campos de atuação

No Seminário, os participantespuderam assistir à apresentação detodas as 42 experiências aprovadas edos quatro projetos das Instituiçõesde Ensino Superior. Além disso, pude-ram ainda conhecer de perto comovão as habilitações de vários estadosdo país à Norma Operacional de As-sistência à Saúde (Noas - 2002), quereconfigura a gestão do SUS no Brasil(veja box). Apresentaram-se os se-guintes estados: Amapá e Pará (Re-

gião Norte), Rio de Janeiro, Paraná eSanta Catarina (Regiões Sul e Sudes-te), Distrito Federal, Goiás, Mato Gros-so e Mato Grosso do Sul (Região Cen-tro-Oeste) e Ceará, Paraíba, Alagoas eSergipe (Região Nordeste).

COMPONENTE DE INTEGRAÇÃOPara Gabriel Ferrato, secretário

de Gestão de Investimento em Saúdedo MS, o Componente II do Reforsusvem desenhando as inovações no pró-

prio processo de mudanças do SUS enos avanços da descentralização. "OReforsus só existe porque tem parce-ria importante com todas as secreta-rias estaduais e municipais do país.Este é um componente de integração",disse o secretário.

A palavra 'integração', como a pa-lavra 'criatividade', foi muito lembradadurante os pronunciamentos de aber-tura do Seminário, e este componen-te coletivo ficou muito evidente, comolembrou Otavio Mercadante, Secretá-rio Executivo do MS, representandona mesa inicial o Ministro da Saúde,Barjas Negri: "No SUS, é a partir dasexperiências locaisque as normas avan-çam. Esse processoé a grande riquezadessa construçãocoletiva". Com issoconcorda Maria He-lena Brandão de Oli-veira, diretora doDepartamento deDescentralização eGestão da Assistência à Saúde e geren-te do Subprojeto Experiências Inova-doras. Para ela, além dos benefícios e

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avanços que as secretarias estaduais emunicipais alcançaram com o financia-mento de suas propostas, o projetotrouxe também para o próprio Minis-tério da Saúde uma reflexãosobre a prática. "Foi um ba-nho de realidade", disse Ma-ria Helena.

Garantir o financia-mento de propostas, evi-dentemente, estimula aprodução em várias áreas.Roseni Pinheiro, coorde-nadora do Subprojeto eorganizadora do SeminárioNacional, afirma que, além do finan-ciamento, que permitiu a muitos es-tados e municípios uma oportunida-de única para levarem adiante suaspropostas inovadoras, o mais impor-tante, no entanto, é a comprovação"da capacidade e da criatividade quea idéia do SUS promove e estimula naspessoas". Na cerimônia de encerra-mento do Seminário, Roseni assegu-

Maria Helena Brandão de Oliveiraé diretora do Departamento de

Descentralização e Gestão da Assis-tência à Saúde (DDGA) e gerente doSubprojeto Experiências Inovadoras

Qual é a diferença básica entre aNorma Operacional Básica (NOB-96)e a Norma Operacional de Assistên-cia à Saúde (Noas - 2002), sabendo-se que ambas tratam da questão daoperacionalização do Sistema Únicode Saúde (SUS)?

Quando o SUS começou a serimplantado no Brasil, não se tinhacomo iniciar pela regionalização. OMinistério da Saúde precisou tra-balhar, primeiro, diretamente comos municípios. Isso foi um grandeavanço, porque a municipalizaçãocriou novos atores em cinco milmunicípios. O risco, nesse momen-to, era o de 'fechar fronteiras', masseria impensável um sistema ondeo município, sozinho, desse contade tudo. A principal diferença en-tre a NOB-96 e a Noas é que estaúltima instrumentaliza o papel doestado, por meio do Plano Diretorde Regionalização (PDR), da Programa-ção Pactuada e Integrada (PPI) e doPlano Diretor de Investimento (PDI).O estado, assim, ganha liderança

sobre o processo, e o município échamado a uma redefinição e a tra-balhar articuladamente.

Por que razão alguns estados estãobastante avançados na habilitação,enquanto outros não?

A Noas está centrada no estado.Então, quando o estado assume essacentralidade, a coisa anda; quando oestado não faz, os municípios não po-dem fazer. Acontece, também, quemuitos estados já tinham propostasde regionalização e a Noas veio for-talecer esse processo. Hoje, temostrês grupos de estados: aqueles quejá tinham projeto nesse sentido e in-corporaram a Noas; aqueles que não

tinham projetos mas abraçaram aNoas; e aqueles em que o processode habilitação enfrenta dificulda-des. Entre estes últimos, há dois ca-sos: há os estados que não concor-dam com o processo da Noas (emsua maioria, são estados que já têmoutros projetos, voltados para outrasdireções), e aqueles que têm atual-mente um projeto clientelista, quedificulta o processo.

Como a senhora vê os esforços, emtodo o país, em relação à habilitaçãodos estados na Noas? Que tipo deapoio o Ministério da Saúde prestaaos estados, nos processos de habi-litação?

Os primeiros estados habilitadossão aqueles que relataram seus pro-cessos no primeiro dia do Seminário(doze estados e mais o Distrito Fe-deral), porque a habilitação iniciou-se recentemente. A DDGA cooperacom os estados disponibilizando do-cumentos técnicos, apresentaçõese estudos, e também destacando umtécnico para cada estado do país,para promover trocas efetivas e es-clarecer sobre os processos dedescentralização.Mais informações no site:www. saude . gov.b r/ sa s/ddga/homeddga.htm

O estado deve assumir a centralidadeENTREVISTA: Maria Helena Brandão de Oliveira

rou que também ela aprendeu muitocom o processo de construção eacompanhamento do Subprojeto."Vesti a camisa de todos os projetos",

disse ela, "estamos todos deparabéns".

SISTEMATIZAÇÃODOS SERVIÇOSUm dos mais importan-

tes resultados do Subprojeto,na opinião de Sofia Daher,do CNPq, é a possibilidadeque se criou para que aárea da gestão seja vista

não apenas como ação ou política,mas também como objeto de pesqui-sa. "Há um volume enorme de infor-mações, no SUS, que precisa sertransformado em conhecimento", dis-se ela. Maria Helena, lembrando é esempre será uma "pessoa dos servi-ços", reconhece que quem é dos ser-viços nunca escreve, e que terminacabendo à Academia escrever sobre

o que se faz nos serviços. "Esse pro-jeto juntou as duas coisas", disse ela,acrescentando que o Subprojeto"permitiu a quem está nos serviçosescrever e publicar suas experiênci-as". Ela bem sabe as dificuldades quemuitos enfrentaram ("Muitos quiseramaté devolver o dinheiro, com a expe-riência já realizada, porque não que-riam escrever", disse), mas ressaltouque é preciso que os serviços se acos-tumem a sistematizar o que produ-zem. "Quando se escreve", diz ela, "aspossibilidades de vitalidade e de uti-lização pelos outros é bem maior".Maria Helena encerrou o Seminário,depois de três dias de intensas tro-cas de experiências, referindo-se no-vamente à construção coletiva em-butida no SUS:

— Quem acredita na produçãocoletiva tem que escrever, tem que sis-tematizar. As experiências são singula-res, e quem as registra contribui e muitopara o processo coletivo.

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tema especialtema especialtema especialtema especialtema especial

Caco Xavier

Aprimeira pergunta seria o bom e ve-lho ‘Ti estín’ grego, o que é isto,

o ‘formar’? A resposta, se não quere-mos aprofundar definições conceituais,remete-nos não ao grego, mas ao la-tim. A palavra deriva do verbo formare,que aparece — como no português —com o sentido de ‘dar forma a algo’,‘configurar’, ‘modelar’. A palavra inici-al, o substantivo que dá origem ao ver-bo, é ‘forma’, do latim forma. Se a grafiaé idêntica, o sentido nem tanto. Destapalavra, derivaram-se para o português‘forma’ e ‘fôrma’, distinção que nãoexiste no latim. Forma tem o sentidoprimário de ‘modelo, molde’ e, somen-te de modo figurado, ‘tipo ideal’. Apalavra latina era utilizada num contextobem menos abstrato do que o nosso:forma era o recipiente usado para acunhagem de moedas e de utensíliosde metal. Em português, destinamos a‘fôrma’ o sentido primeiro e mais con-creto do latim e a ‘forma’ um sentidomais abstrato de determinação, defini-ção de algo, que chega a confundir-secom este próprio algo, que somente équando possui uma forma.

Investigar origens e processos deformação de palavras é ter acesso aopensamento que as definiam. Contan-do com a ajuda de prefixos, derivam-se, no latim, algumas outras palavrassempre relacionadas ao contexto doformare, igualmente presentes no por-tuguês, nem sempre guardando o sen-tido original. ‘Reformar’, por exemplo,é uma dessas palavras. O re latino em-presta à palavra um novo sentido aoacrescentar um ‘tornar a fazer’, umaidéia de repetição. Mas a melhor in-terpretação da palavra originalreformare é não tanto pensá-la no con-texto de ‘melhorar’, mas no sentidoque lhe atribui o grande Ovídio (43 aC— 18 dC): ‘devolver à primeira forma,restabelecer’. Nesse caso, uma refor-ma ampla e densa como a Reforma Sa-nitária, por exemplo, não pode ser en-tendida como uma simples melhoria ou

repetição do mesmo, mas como umautêntico ‘re-formar’, ‘formar denovo’, restabelecer uma forma origi-nal e primeira da idéia de Saúde.

Outras duas palavras, ‘de-formar’e ‘con-formar’, devem ser também ana-lisadas no ambiente de formare. À pri-meira, o prevérbio de (‘afastamento,privação, separação’) confere o senti-do de ‘desfigurar a forma inicial’sem que se lhe dê outra. Uma de-formação é algo que já teve umaforma, uma definição, e agora nãotem mais, ou melhor, não é maisnada. A partícula con, ao con-trário,tem o sentido de ‘ajuntamento’,de con-junção. Con-formar,significa, portanto, adaptar,ajustar a um modelo.Conformare e formareeram, no latim, pratica-mente a mesma coisa.Uma forma é algo con-forme, con-formado se-gundo um modelo. Mas osentido mais comum dapalavra moderna ‘confor-mar’ não é mais o de‘ajustar, adequar’, e simde ‘resignar-se’ (que,por sua vez, deriva-sede resignare, ‘rasgar oselo, violar um segredo’ou, em sentido figura-do, ‘anular’ e ‘renunciar’. De-formação ou re-formação deuma palavra original latina?)

Uma das mais interessan-tes descobertas, nessa arque-ologia de palavras, é o sentidooriginal de ‘informar’ que, emseu prefixo in, traz para a ex-pressão formare o sentido pró-prio de ‘passagem a um novo es-tado’, ‘resultado de ummovimento’, e ‘movimento defora para dentro’. O sentido, por-tanto, de in-formar seria algocomo ‘formar-dentro’, ‘dar formaa partir de um certo movimento’.Cícero (106 — 43 aC) usa informarecomo quase um sinônimo de ‘edu-car’ ou ‘instruir’: “formar no espíri-

to” e “formar o espírito”. Bem dife-rente do que entendemos hoje porinformar, exemplo de palavra esvazia-da em seu sentido. In-formar, paranós, é mesmo ‘educar’, se acredita-mos que conhecimento não se limi-ta a ‘informações’ e sim a in-forma-ções. Conhecer não é acumulardados, mas tornar-se capaz de pro-

duzir mudanças, em si e nos ou-tros. Conhecer é in-formar-separa trans-formar-se. No nossocontexto da Formação Profissio-nal em Saúde, trans-formar signi-fica ‘passar de uma forma a ou-

tra, passar além, para o outrolado, ultrapassar uma ‘fôrma’,

mudar de forma a-través’.Casando o sentido pri-

meiro com o sentido re-cente de nossa palavra-ob-jeto, jamais poderíamosimpunemente dizer que‘formar’ pessoas é me-

ramente ‘encher um mol-de’ e cunhar moedas detroca (se bem que aindaexistem ambientes ondeela é vista exatamentedessa maneira), e este éo objetivo desta breve in-trodução etimológica:elevar o conceito de‘formação’ a uma real de-

terminação de identidade,a uma con-formação ondese dê o encontro do mun-do com o sujeito e destecom o mundo, por meio dain-formação, evitando de-formações e o ‘conformis-mo’ e sabendo que, ocasio-nalmente, são necessáriasverdadeiras e radicais re-for-

mas visando à constantes trans-formações. Se todos estes hí-

fens já não nos assustam mais e,ao contrário, nos estimulam a en-

xergar novos sentidos para an-tigas práticas e palavras, ésinal de que estamos pron-

tos para avaliar e discutir a Forma-ção Profissional em Saúde.

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sejam os olhares que tentam decifrá-las, como explica Ana Luiza Vilasboas,do Instituto de Saúde Coletiva da Uni-versidade Federal da Bahia (ISC/UFBA):

— A questão dos recursos huma-nos representa um aspecto crítico naconstrução do sistema de saúde bra-sileiro. A má distribuição da força detrabalho, determinada e condiciona-da pelas desigualdades inter e intra-regionais, o processo de formação fun-damentado ainda num modelo deensino que valoriza a formação em ci-ências básicas, desvalorizando os aspec-tos de promoção e prevenção da saú-

Ana Beatriz de Noronha, com cola-boração de Daniela Sophia e KatiaMachado

Formação Profissional. As pergun-tas são muitas e as respostasse tornam complexas, devido àsdiversas facetas que compõem

a questão e às infinitas opiniões que adiscussão suscita. Uma intrincada tra-ma que envolve não só um número enor-me de atores, mas de fatores que serelacionam de forma dinâmica, traçan-do talvez tantas configurações quantos

de, a desarticulação entre as institui-ções formadoras e de serviços, o ensinodissociado do trabalho e a ausência decontrole social na formulação eimplementação de políticas específicassão alguns dos problemas que expres-sam a complexidade da questão e alertampara a necessidade de uma ação políti-ca/técnica mais competente para os quedefendem um sistema de saúde baseadona eqüidade, integralidade e universali-dade da atenção, descentralização econtrole social da gestão.

A formação profissional do setorda saúde apresenta, no entanto, alémdos desafios específicos, outros co-muns a diversas áreas. Em geral, se-gundo Marise Nogueira Ramos, vice-diretora de Ensino da EscolaPolitécnica de Saúde JoaquimVenâncio (EPSJV/Fiocruz), os proces-sos de formação profissional não po-dem ignorar as atuais transformaçõeseconômicas, sociais, políticas e cul-turais pelas quais passa o mundo.

— Em relação ao mundo do traba-lho, por exemplo, temos o desempregoestrutural, a reestruturação dos merca-dos e a flexibilização dos processos, aterceirização das atividades, aprecarização dos empregos e a exclusãode amplos contingentes de trabalhado-res do mercado formal — diz Marise.

De alguns anos para cá, a discus-são ganhou maior visibilidade e impor-tância devido à definição de políticaspúblicas e à real possibilidade de in-vestimento para a formação, em largaescala, de recursos humanos maispreparados para lidar com as mudan-ças enfrentadas pelo setor da saúde.

Para Paulo Seixas, diretor técnicoda Coordenação Geral da Política de Re-cursos Humanos (CGPRH) do Ministérioda Saúde, o forte investimento que oMinistério vem realizando e a articula-ção com estados, municípios e institui-ções formadoras permitiram a constru-ção de uma política consistente esustentável nessa área, que se materia-liza na constituição dos Pólos deCapacitação em Saúde da Família, nacriação de programas de incentivo àsmudanças curriculares na graduação,num projeto nacional de qualificaçãopara gestão e gerência do SUS, nofomento e apoio à formação de pro-fissionais de nível médio requeridospelos serviços e na intervenção naregulação da oferta de profissionais.

Formação profissional em Saúde

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A REFORMA SANITÁRIAE O SUS

Durante a década de 70, o siste-ma público de saúde era organizadosegundo o modelo médico-assistenciale beneficiava somente os ‘trabalha-dores de carteira assinada’, que con-tribuíam para Previdência Social. Po-liticamente, o país vivia um regimeautoritário. Com a abertura política,iniciou-se um processo de reorgani-zação de movimentos sociais que lu-tavam pela melhoria das condições so-ciais. Entre esses estava o MovimentoSanitário, resultado de um grupo deprofissionais da saúde que se uniu parapropor alternativas para a construçãode um novo sistema de saúde com ca-racterísticas mais democráticas. Asconquistas do Movimento Sanitário fo-ram acontecendo gradativamente atéque, em 1986, foi convocada a VIII Con-ferência Nacional de Saúde (CNS), como objetivo de discutir mudanças naestrutura e na política de saúde dopaís. A Conferência resultou em di-versas propostas reunidas no proje-to da Reforma Sanitária Brasileira.

Em 1988, a nova Constituição Bra-sileira adotou a proposta da ReformaSanitária e criou o Sistema Único deSaúde (SUS), regulamentado em 1990pela Lei Orgânica da Saúde, eoperacionalizado pelas NormasOperacionais Básicas (NOB) de 1992e 1996, e pela Norma de Assistência àSaúde (Noas) de 2000.

A luta pela construção do SUSresultou em grandes conquistas,como o direito constitucional à saú-de. A efetivação do SUS, no entanto,ainda enfrenta uma série de dificul-dades. Apesar de todos os avanços, oacesso a serviços de saúde de quali-dade ainda não é considerado um di-reito real da maioria dos brasileiros.A mudança do modelo de atenção, ofortalecimento da participação popu-lar e a formação de profissionais comespírito crítico, capazes de refletir eatuar ativamente no aprimoramentodo Sistema, têm sido apontadas comoalgumas das diversas estratégias deresolução do impasse. Mas como serelacionam as discussões sobre a for-mação profissional, o movimento daReforma Sanitária e o SUS?

Para Tânia Nunes, vice-presiden-te da Fundação Oswaldo Cruz(Fiocruz), o fato de o Movimento Sa-nitário e mais tarde o SUS terem sur-gido a partir de um conjunto de pen-samentos presentes entre acadêmicos,profissionais de serviços e políticos,num contexto de redemocratizaçãodo país, fez com que ambos fossemimpregnados por um espírito que

não poderia se perder e que aca-bou refletido numa grande movimen-tação pelas mudanças na educaçãoprofissional.

— A questão da formação pro-fissional está na Reforma desde a suaorigem. Já naquela época se via anecessidade de um salto qualitativodado pela politização e pela inquie-tação que deveriam caracterizar umaeducação profissional mais compro-metida com o movimento típico dareforma da saúde. Na prática, issoacabou acontecendo à medida emque os quadros que originaram o mo-vimento e aqueles que foram forma-dos pelo grupo inicial foram repro-duzindo os fundamentos de umaformação profissional mais adequa-da às necessidades da Reforma e doSus — diz ela.

Muito tem sido feito nesse sen-tido, mas ainda há muito por fazer.Segundo Márcio Almeida, da Secre-taria Executiva da Rede Unida, é pre-ciso que os cursos universitários for-mem profissionais com novascompetências, novos compromissosético-profissionais e novas posturascomo cidadãos, capazes de interagircom os modelos de atenção e as mo-dalidades assistenciais que estão sen-do rapidamente incorporadas à reali-dade do mercado de trabalhobrasileiro, como a internação domi-ciliar, a estratégia do Programa Saú-de da Família, as cirurgiasambulatoriais e as ações de promo-ção e de prevenção.

A FORMAÇÃO PROFISSIONALEM QUESTÃO

A formação profissional assumiu umpapel de destaque no debate travadoentre todos que estavam envolvidostanto no processo de disseminação doMovimento Sanitário quanto no de cri-ação e implantação do SUS. O Sistemademandava uma mudança de referên-cia de formação e isso fez com que aeducação profissional começasse a serpensada dentro de um sentido maislibertador, incorporando as idéias dePaulo Freire, problematizando certasnoções e associando conteúdos derenovação à politização. Como expli-ca Tânia Nunes:

— A questão da formação profis-sional foi impregnando o movimentode reforma, e com várias traduções.

Criada em 1985, a Rede Unida reúnepessoas e grupos que executam

projetos ligados ao desenvolvimen-to de recursos humanos na área desaúde. Formada atualmente por 70instituições, a Rede atua principal-mente na discussão da reformacurricular dos cursos relacionadosao setor da saúde, defendendo a co-municação e o relacionamento efe-tivo entre a academia, os serviçose a comunidade.Mais informações: Rede UnidaRua Senador Souza Naves, 9/110Londrina / PR — CEP: 86010-921Tel.: (43) 324-2340E-mail: [email protected]: www.redeunida.org.br

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Alguns dos atores se preocuparammais com a educação formal. Outroscomeçaram a pensar o ensino de umaforma mais ampla, para além da salade aula, com a idéia de que quando agente informa por meio de publica-ções como as do Radis ou faz um pro-grama de rádio ou de TV, está, naverdade, fazendo educação. O impor-tante, nessa concepção, é fazer comque a relação ensino/aprendizagemse processe em vários meios.

A noção de ensino ampliado e omergulho na formação, mesmo no cam-po formal, com inúmeras novidades —projetos, cursos descentralizados,reforço das Escolas de Saúde Públicae posteriormente do nível médio —acabaram por materializar a idéia deIsabel dos Santos (atual consultora doProfae) e de José Paranaguá deSantana (atual consultor de RecursosHumanos da Opas no Brasil) de se tra-balhar em larga escala. “A idéia queeles tinham sobre formação profissio-nal e que, apesar de revolucionária,não era encampada pelos governos,começou a ser posta em prática naforma de projetos. Anos depois, deforma ampliada, essa idéia ganhastatus de política pública e entra naagenda de sa[ude, como, por exem-plo o Programa de Profissionalizaçãodos Trabalhadores da área de Enfer-magem (Profae)”, conta Tânia.

O tema da formação profissionalsempre gerou inúmeras discussões.Dentro do próprio movimento sanitá-rio, muitas vezes predominou a visãode que o mercado de trabalhocondicionaria e determinaria as dire-trizes do ensino. Essa visão, no en-tanto, foi muito combatida, pois seacreditava que ela pudesse levar àpriorização da ação na construção doSUS e ao enfraquecimento da luta pormudanças no processo de formação,que mudaria ‘naturalmente’ por pres-são do mercado de trabalho. Hoje,predomina a visão de que entre omercado de trabalho, a prática pro-fissional, a estrutura dos cursos deformação e a prática educativa seformam interrelações dinâmicas, obri-gando que as mudanças sejam feitassimultaneamente.

— Na década de 70, o CarlyleGuerra de Macedo, que era coorde-

nador do grupo de recursos huma-nos da Opas Brasil — um grupo depessoas extremamente capazes ecomprometidas ideologicamente comas mudanças — fez um discurso noCongresso de Higiene, em São Paulo,falando que o mercado de trabalhopuxava a formação. Na época, nós,que éramos muito jovens, fomos emcima dele, dizendo que tínhamos quefazer justamente o discurso contrá-rio. Ele disse que mais tarde a genteia ver que isso realmente acontece.Hoje, depois de exercer várias fun-ções de gestão e de ensino, eu achoque há uma conjunção de fatores,uma sinergia — lembra Tânia Nunes,acrescentando que a questão não éapenas formar e ter mercado ou termercado e fazer a formação adequa-da. “Existe, no meio disso, o fenôme-no do assalariamento do profissionalde saúde”, diz. Segundo Tânia, o mer-cado empobreceu, as pessoas nãotêm mais dinheiro para comprar ser-viços médicos. Muitos profissionais

tado. É preciso que se formem pro-fessores para uma possível graduaçãoem saúde pública e que a pós-gradu-ação em todos os níveis prepare paraessa dimensão educativa — diz.

De acordo com a Agenda Estra-tégica da Rede Unida para 2002-2003,a interdependência entre o mercadode trabalho, a prática profissional,os cursos de formação e a práticaeducativa ficou evidenciada com aimplantação do Programa Saúde daFamília (PSF), cuja maior dificuldadede ampliação e consolidação está naescassez de profissionais formados como perfil necessário. Segundo o relató-rio final da oficina de trabalho sobre aatuação dos membros da Rede Unidanos Pólos de Capacitação de Saúdeda Família, realizada em Londrina (PR),em agosto de 2001, “os Pólos deCapacitação em Saúde da Família têmsido a estratégia oficial para enfren-tar os problemas da formação de pro-fissionais adequados ao trabalho nes-sa nova modalidade de organização daatenção”. Os Pólos, que têm comotarefa principal a reconversão dosprofissionais que já estão atuando nomercado, estariam servindo tambémcomo “porta para uma ação estraté-gica junto às escolas, no sentido deincentivar as necessárias mudanças nagraduação universitária”.

O Programa de Interiorização doTrabalho em Saúde (Pits), desenvolvi-do pelo Ministério da Saúde para in-centivar a ida de médicos e enfer-meiros para municípios carentes ondenão há cobertura de assistência bá-sica a saúde, faz parte da estratégiade reorganização da atenção básicae de fortalecimento do PSF. Apesarde não ser um programa especificode formação, o Pits acaba por deman-dar cursos de especialização em saú-

Aárea de Recursos Humanos daOrganização Pan-Americana de

Saúde (Opas/RH) trabalha dentro dequatro áreas temáticas: políticas egestão, formação e capacitação,organização profissional e mercadode trabalho. A partir das quatro áre-as, a Opas divulga documentos e in-formações sobre o mercado de tra-balho na área da saúde, programasde qualificação profissional e discu-te estratégias de ação dos profissi-onais na área. Uma das iniciativasda área de recursos humanos são asredes colaborativas que, por meioda internet, ampliam o processo decomunicação entre instituições e pro-fissionais.Mais informações:Site: www.opas.org.br/rh

Hoje já existem 30 pólos distribu-ídos em 27 estados, reunindo

mais de 100 instituições de ensino su-perior — universidades, faculdades eescolas de medicina e enfermagem —,que estão organizados em uma redeenvolvida não só com a articulaçãodos participantes com as SecretariasEstaduais e Municipais de Saúde, mastambém com a qualificação dos pro-fissionais que atuam no Programa Saú-de da Família.Mais informações: Programa Saúdeda FamíliaEsplanada dos Ministérios, Bloco G7º andar — Brasília / DFCEP: 70058-900Tel.: (61) 321-3452 e 315-2546E-mail: [email protected]: www.saude.gov.br/psf

que eram arredios à idéia de saúdecoletiva porque acreditavam na pos-sibilidade de ter uma clientela parti-cular, hoje sabem que não é assim.

— Por causa da redução dos salá-rios, por um lado, e de uma substanci-al melhora do Sistema de Saúde, a po-pulação começa a procurar o SUS. Àmedida que o SUS avança, principal-mente nos pequenos municípios, ficainviável para o médico a manutençãode um consultório particular. O SUSganha adesões a partir de mudançasno mercado. Não é mais possível queas escolas formem profissionais com-pletamente distantes da situação real.É preciso adequar a formação à reali-dade. É preciso fazer com que o mé-dico de Saúde da Família seja respei-

Ator: conceito entendido, no âmbi-to da saúde pública, como um cole-

tivo de pessoas ou uma personalidadeque participa de determinada situa-ção, tem organização minimamente es-tável, é capaz de intervir nesta situa-ção e tem um projeto.

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de da família cujo objetivo é acapacitação dos profissionais contrata-dos pelo Programa. Atualmente, o Pits jáestá implantado em 239 municípios econta com 708 profissionais (259 médi-cos e 449 enfermeiros), totalizando 247equipes. Como explica Ana Luiza Vilasboas:

— A prioridade dada à Saúde daFamília reacende o debate sobre re-cursos humanos, especialmente noque se refere à formação e à perma-nência de profissionais nas equipes.Não é possível promover mudança al-guma, sem agir de modo responsável eenfático sobre a formação de recur-sos humanos. É importante conside-rar que a implementação de uma polí-tica de recursos humanos coerentescom a imagem de um ‘SUS democráti-co’ implica em ações articuladas esinérgicas nos campos da gestão, daorganização de serviços e de outrosaspectos de infraestrutura.

Para Marise Ramos, no entanto,pode ser um equívoco atrelar a forma-ção profissional ao mercado de traba-lho e ao “fetiche das novas competên-cias”. “É preciso”, diz ela, “consideraras especificidades dos processos de tra-balho na elaboração dos cursos de for-mação, mas a questão não pode se re-sumir a isso. A sociedade não pode sertratada como uma máquina que funcio-na de maneira previsível e os trabalha-dores não podem ser vistos apenas comoobjetos do processo de trabalho”. A for-mação profissional, segundo ela, deveseguir princípios científicos modernose universalmente desenvolvidos pela hu-manidade, podendo ter como referên-cia as tecnologias mais avançadas, semesquecer, no entanto, que a escola éincapaz de acompanhar todas as inova-ções, deve desenvolver plenamente ascapacidades humanas, potencializandoa apropriação pelos trabalhadores dossaberes construídos pela humanidadee, portanto, a reapropriação de seuspróprios saberes em benefício da soci-edade.

É Paulo Seixas que resume o fato:— Ao tratarmos da formação pro-

fissional, lidamos, na dimensão da cons-trução da política de recursos huma-nos, com a distribuição de três gruposde bens: diretamente, das oportuni-dades educacionais e de acesso ao sis-tema de profissões, e, indiretamente,do perfil profissional e, portanto, daqualidade (na medida em que esta de-pende de outros fatores que vão alémda preparação) da assistência presta-da à população, bem como das com-petências incorporadas pelos profissi-onais nesta relação, o que tambémimplica em redefinições sobre os cam-pos de prática.

AS MUDANÇAS NOMUNDO DO TRABALHOParalelamente a todas as mudan-

ças ocorridas no setor da saúde no Bra-sil, muitas outras coisas contribuem paraque a questão da formação profissionalganhe relevância. Vivemos um períodono qual o mundo do trabalho é marca-do, dentre outras coisas, pelo desem-prego, pela precarização dos vínculos tra-balhistas, pela falta de recursos parainvestimento em pessoal, por práticas deorganização da produção muito diferen-tes daquelas às quais estávamos acostu-mados, pela influência cada vez mais for-te das novas tecnologias decomunicação e pelo valor cada vez mai-or da informação.

Há 40 anos, a organização indus-trial ainda exibia fortes traços herda-dos do fordismo/taylorismo: produçãoem série, uso intensivo de materiais,capital fixo, domínio da eletromecânicae da petroquímica, base energéticaoriunda do petróleo e, o que mais nosinteressa no momento, gestão de mão-de-obra baseada na divisão do trabalhoe na fragmentação do saber, que torna-va estanques a teoria e a prática. Aindaera um tempo de Estados fortes e depolíticas de bem-estar social.

Nos anos 70, a crise do petróleoobrigou as empresas a repensarem seumodo de produção. A queda nos lucrosexigia produtividade máxima com o mí-nimo de custos. A entrada em cena damicroeletrônica também foi um fatorimportante nas mudanças. As relaçõesde trabalho entram em processo deflexibilização. A produção é descentra-lizada. Aos poucos, a crise no mundoocidental traz de volta as políticas libe-rais que enfraquecem e empobrecemo Estado, reduzindo os investimentosem programas sociais. Cresce no mun-do inteiro a desigualdade social. Surgeo desemprego estrutural, isto é, desa-parecem pouco a pouco os postos deserviço, enquanto cresce a população.

Por conta das mudanças na eco-nomia, surgem formas de gestão. O usocada vez mais intensivo de tecnologiasrefinadas obriga os trabalhadores a seatualizarem constantemente. Lado alado com o desemprego e com o au-mento do trabalho informal, despontaa demanda por trabalhadorespolivalentes, multiqualificados, aptos aexercerem funções cada vez mais inte-lectuais. Na atualidade, portanto, otrabalho torna-se cada vez maisintelectualizado, complexo, autônomoe coletivo, e o novo trabalhador deveser capaz de trabalhar em equipe, secomunicar, observar, problematizar,diagnosticar, propor soluções, anteci-par, prevenir, decidir e intervir em cada

uma das situações que surgem no seucotidiano profissional, característicasque dificilmente podem ser desen-volvidas no âmbito de uma formaçãobaseada na ‘pedagogia da transmissão’.

A base técnica e a organizaçãodo trabalho passam a exigir dos traba-lhadores novas competências, mas isso,no entanto, não pode ser aceito semalgumas reflexões. Ainda que se pro-fesse a importância de o trabalhadorsaber tomar decisões frente a situa-ções imprevistas, grande parte dos sis-temas automatizados já determinamprocedimentos a serem realizados oufalta autonomia ao trabalhador quedepende na maior parte das vezes daopinião ou permissão de seu superior.Como ressalta Marise Ramos:

— Por mais que se anuncie ahorizontalização das relações de tra-balho, no Brasil ainda predominam for-temente os princípios tayloristas-fordistas, que ratificam as hierarquias.

A QUESTÃO DASCOMPETÊNCIAS E HABILIDADES

A questão das competências tempermeado as discussões sobre a formaçãodo novo trabalhador. O dicionário Auréliodefine a palavra competência como “qua-lidade de quem é capaz de apreciar, resol-ver certo assunto, fazer determinada coi-sa”. De acordo com Lea Depresbiteris,professora da Universidade de São Paulo(USP), a competência é entendida comocapacidade para aplicar habilidades, co-nhecimentos e atitudes em tarefas ou com-binações de tarefas operativas; habilidadede alguém de utilizar seu conhecimentopara alcançar um propósito; capacidadede mobilização de um conjunto de sabe-res.

O modelo de competência come-çou a ser utilizado na Europa, em 1980,e tem origem nas Ciências das Organi-zações. Segundo Neide Deluiz, da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ), ele traz consigo o conceito daqualificação, seja do emprego (defini-da pela empresa), do trabalhador (queincorpora as qualificações sociais ouimplícitas) e operatória (potencialidadesdo trabalhador perante sua função),seja a qualificação como uma relaçãosocial. No setor da saúde, esse modelovem ganhando destaque, tanto em re-lação à técnica do trabalho quanto àposição ético-política, à comunicaçãoe às relações interpessoais. Mais do quenunca, os trabalhadores em saúde de-vem se perceber como sujeitos inte-grais do processo de mudança.

De acordo com Neide Deluiz, aformação do profissional da saúdedeve ter por base alguns níveis decompetências associados às respec-

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tivas categorias de capacidades ehabilidades. Entre elas, estão as com-petências: técnica (capacidade dedominar as tarefas, regras e procedi-mentos da área específica de traba-lho), organizacional (capacidade deauto-planejamento e de auto-organi-zação, na medida em que desenvolvea flexibilidade no processo de traba-lho), comunicativa (com seu grupo detrabalho), social (uso de conhecimen-tos adquiridos no mundo do trabalhoe na vida cotidiana no desempenhode sua função), pessoal (assumir a res-ponsabilidade sobre o trabalho), decuidado (capacidade de interagir como paciente, levando em consideraçãosuas necessidades e escolhas), de ser-viço (compreensão dos impactos quesuas ações terão direta ou indiretamen-te sobre os serviços ou usuários) e só-cio-política (capacidade de refletir so-bre a esfera do mundo do trabalho).

OS GRANDES TEMASQuando se fala em formação pro-

fissional na área de saúde, é impor-tante que se tenha em mente a exis-tência de inúmeros tipos detrabalhadores, de níveis de formação,de profissões que atuam no setor ede funções desempenhadas. Tambémnão se pode esquecer o número deprofissionais envolvidos, as dimensõescontinentais do país e até mesmo asdificuldades de acesso a instituiçõesde ensino formal, distribuídas desi-gualmente pelo território nacional. Asperspectivas, portanto, são muitas.Podemos, no entanto, para finsoperacionais, considerar quatro gran-des temas: a formação de Nível Mé-dio, a Graduação, a Pós-Graduação ea Educação a Distância.

No Nível Médio, temos questõesligadas às Escolas Técnicas do SUS, aodiálogo que está ocorrendo entre elaspor meio da RET-SUS (rede colaborativaformada para facilitar a troca de expe-riências entre as escolas que funcio-nam dispersas em todas as regiões dopaís) e a dois grandes programas deformação — em extensão e abrangência— Profae e Proformar. Ainda nesse gran-de tema, iremos considerar o Progra-ma Saúde da Família (PSF) dentro daperspectiva da formação dos AgentesComunitários de Saúde (PACs).

No ensino de graduação, as dis-cussões estão centradas principalmen-te na implantação de mudanças combase nas diretrizes curriculares, levan-do-se em conta que a mudança deveser orientada pela reorganização daspráticas de atenção à saúde e que aqualificação dos profissionais deve se-guir o princípio de humanização dos

serviços que norteia a estratégia desaúde da família. Ao falar do ensino degraduação, voltaremos também a tratardo Programa de Incentivo às MudançasCurriculares para as Escolas Médicas(Promed) e do Pits.

Na Pós-Graduação, a inovação ficapor conta da aproximação dos cursoscom os serviços, que ocorre principal-mente por conta do Mestrado Profissi-onal. Destaca-se, também a importân-cia das Escolas de Saúde Pública que,além de terem sido o berço do pensa-mento que animou tanto o MovimentoSanitário quanto as primeiras discus-sões sobre a educação profissional,têm um papel fundamental na área deformação de pessoal ligado ao planeja-mento em saúde. Dentro desse grandetema, incluiremos ainda o projeto de De-senvolvimento Gerencial de Unidades Bá-sicas de Saúde (Gerus).

A Educação a Distância (EAD) assu-me grande projeção por ser um tematransversal, comum e imprescindível aonovo processo de formação profissional,sendo utilizada por quase todos os pro-gramas da área. Mais do que uma meraferramenta, a EAD levanta discussões im-portantes sobre tutoria e sobre o uso dediferentes mídias — impressa, rádio, tele-visão e computadores — e de saberes decomunicação. Junto a esse tema, trata-remos do uso da internet na construçãode redes colaborativas, cujo objetivo é atroca permanente de informações e ex-periências na área de formação e o apri-moramento de recursos humanos para osetor da saúde.

OS ATORESAo falar de formação profissional,

podemos identificar inicialmente dois ti-pos de atores. Os sujeitos da ação, re-presentados por aqueles que discutem,planejam e implantam os programas. E,como não há ‘sujeito’ sem ‘objeto’, po-

deríamos supor os profissionais aos quaisos programas se destinam como o talobjeto. Acontece que tais profissionais,ao exercerem suas práticas de trabalho,são também sujeitos em relação a outroobjeto, a população atendida por eles.Esse público, por sua vez, a partir mes-mo de uma prática de trabalho baseadana construção compartilhada do conhe-cimento, torna-se sujeito de suas pró-prias transformações sociais. Finalmen-te, tais mudanças demandam novasdiscussões, novo planejamento e implan-tação de novas ações voltadas para umaformação contextualizada por elas. Estáassim fechado um grande círculo queconstantemente se auto-alimenta e seregenera.

Apenas para se ter uma idéia damagnitude de qualquer empreitada naárea de formação profissional no setorde saúde, basta se olhar os dados daPesquisa Assistência Médico-Sanitária(AMS), realizada pelo Instituto Brasilei-ro de Geografia e Estatística (IBGE). Se-gundo esses dados, em 1999, 1.891.552profissionais atuavam na área da saúde.Desse total, 1.472.617 prestavam servi-ços ao SUS, sendo cerca de 73% depessoal de saúde e 27% de profissionaisadministrativos e de serviços gerais. Dopessoal de saúde, cerca de 44% têmnível superior, 40% é de nível técnico/auxiliar e 16% é de nível elementar (Ta-bela 1). Com relação à distribuição noterritório nacional, dos 1.472.617 pro-fissionais do SUS, aproximadamente 6%trabalham na região Norte, 26% no Nor-deste, 7% na região Centro-Oeste, 47%no Sudeste e 15% no Sul (Tabela 2).

Além disso, não se pode deixarde pensar na massa de profissionaisque anualmente é acrescida a esseuniverso. De acordo com o InstitutoNacional de Estudos e Pesquisas Edu-cacionais do Ministério da Educação(Inep/MEC), em 1999 cerca de 7.700

Tabela 2 — PROFISSIONAIS DO SUS, POR REGIÃO DO PAÍS

Norte Nordeste Centro-Oeste Sudeste Sul Brasil87.009 384.198 98.979 688.269 214.162 1.472.617

Fonte: IBGE — Pesquisa Assistência Médico-Sanitária (AMS) — 1999

Tabela 1 — PROFISSIONAIS DO SUS, POR GRUPO DE OCUPAÇÃO

Pessoal nível superior . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 475.699de saúde nível técnico/auxiliar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 428.999

qualificação elementar . . . . . . . . . . . . . . . . . . 175.244

Subtotal 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.079.942

Pessoal administração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 186.730administrativo serviços de limpeza, conservação e segurança . 205.945

Subtotal 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 392.675

TOTAL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 1.472.617Fonte: IBGE — Pesquisa Assistência Médico-Sanitária (AMS) — 1999

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médicos, 8 mil odontologistas, 5.300enfermeiros, 6 mil farmacêuticos, 2.100nutricionistas e 5 mil fisioterapeutasconcluíram seus respectivos cursos,totalizando 34.400 formandos. Essenúmero é quase 52% maior do que ototal de 22.643 diplomados em 1992.

Não é à toa que a discussão des-perta as atenções de uma infinidadede especialistas e instituições, dentreas quais, o próprio Ministério da Saú-de, as Escolas Técnicas de Saúde, as

AAbrasco, fundada em 1979, é umasociedade científica não gover-

namental que apoia pessoas e insti-tuições envolvidas no ensino de pós-graduação por meio de comissõescientíficas, grupos de trabalho e con-gressos, tendo como proposta inten-sificar o intercâmbio entre os órgãose qualificar o corpo docente e de pes-quisa em Saúde Coletiva.Mais informações: AbrascoRua Leopoldo Bulhões, nº 1480sala 208 — Rio de Janeiro / RJCEP: 21041-210Tel.: (21) 2560-8699 / 2560-8403E-mail: [email protected]: www.abrasco.org.br

Criado em 1976, o Centro Brasileirode Estudos de Saúde (Cebes), uma

associação sem fins lucrativos, aglutinaprofissionais e estudantes e tem comoobjetivo a democratização da saúde.De âmbito nacional, o eixo central doCebes é a produção de conhecimentoligado a uma prática política. Dentresuas atividades, destaca-se a publica-ção da Revista Saúde em Debate.Mais informações: CebesAv. Brasil 4036, Sala 1010 — FiocruzRio de Janeiro / RJCEP: 21040-361Tel.: (21) 2590-9122 — R. 240/241Fax.: (21) 2270-1793E-mail: [email protected]: www.ensp.fiocruz.br/parcerias/cebes

de. Dentre eles, o Programa deProfissionalização dos Trabalhadores daárea de Enfermagem (Profae), o Pro-grama de Incentivo às MudançasCurriculares para as Escolas Médicas(Promed), o Programa de Formação deAgentes Locais em Vigilância em Saú-de (Proformar) e o Projeto Gerus, queserão tratados com mais profundida-de nas próximas edições.

O Profae foi criado pelo Ministérioda Saúde, em 2000, com a proposta deinserir uma nova cultura nos serviçosprestados pela rede de atendimentomédico-hospitalar e promover o exercí-cio da enfermagem com responsabilida-de. Além de qualificar cerca de 315 milprofissionais de nível médio (auxiliares etécnicos) que já trabalham no SUS, oPrograma vem fortalecendo instituiçõesdo SUS para promover a educação per-manente dos trabalhadores da saúde,com a modernização de escolas, forma-ção de docentes, avaliação de compe-tências e elaboração de material didáti-co. O volume de recursos previstos éda ordem de U$ 370 milhões, provenien-tes de um empréstimo feito junto aoBanco Interamericano de Desenvolvimen-to (BID), do Tesouro Nacional e do Fun-do de Amparo ao Trabalhador (FAT).

O Promed foi criado em abril de2002 e tem como eixo central a dis-cussão e implantação das DiretrizesCurriculares nos cursos de medicina,visando não apenas a mudanças decurrículo dos cursos e maiorintegração entre o ciclo básico e ociclo profissional, mas inclusão na for-mação do médico da importância dorelacionamento entre profissional ecomunidade. Segundo o coordenadordo Promed, Roberto Padilha, em no-vembro, das 48 escolas de medicinainscritas para participar do Programaserão selecionadas 20 que receberão,cada uma, R$1,2 milhão.

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Escolas de Saúde Pública, a AssociaçãoBrasileira de Pós-graduação em SaúdeColetiva (Abrasco), as faculdades e uni-versidades, os Pólos de Saúde da Fa-mília, o Centro Brasileiro de Estudosde Saúde (Cebes), diversas Associa-ções de Profissionais de Saúde, a RedeUnida e a Opas/RH.

A presença de tantos atores nasdiscussões sobre formação, apesar deser altamente positiva e representa-tiva, acarreta sempre alguns confli-tos oriundos, como acredita Ana LuizaVilasboas, de uma “delicada arquite-tura política” que envolve geralmen-te relações intra-institucionaisassimétricas tanto no âmbito do pró-prio Ministério da Saúde quanto narelação com outros atores pertinen-tes, como o Ministério da Educaçãoe Cultura (MEC), Conselho Nacionalde Secretários de Saúde (Conass),Conselho Nacional de SecretáriosMunicipais de Saúde (Conasems) e asentidades de classe.

OS PRINCIPAIS PROGRAMAS Muitos são os programas volta-

dos para a questão da formação derecursos humanos para a área da saú-

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O Proformar tem como meta acapacitação dos 66 mil trabalhadoresde nível médio que desenvolvem ativi-dades de campo no controle de doen-ças e em epidemiologia, transforman-do as práticas locais e desenvolvendoações de promoção e proteção à saú-de. Iniciado em 1999, a partir daestruturação do Sistema Nacional deVigilância em Saúde, o projeto estásendo desenvolvido em parceria com aFundação Nacional de Saúde (Funasa)e com a Escola Politécnica de SaúdeJoaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz). Acapacitação é feita em duas etapas:uma presencial e outra a distância.

O Projeto Gerus é uma estratégiado Ministério da Saúde para aumentara capacidade gerencial dos gestoresdas Unidades Básicas de Saúde, qualifi-cando-os técnica e administrativamen-te. O Projeto também apóia as Secre-tarias Municipais de Saúde na promoçãode cursos descentralizados de especi-alização em gerência de Unidades Bási-cas e contribui para a reorientação domodelo assistencial, segundo as dire-trizes da Estratégia Saúde da Família.Realizado em cooperação com a Opas-RH, e com amplo apoio da Ensp/Fiocruz,o Projeto Gerus já atendeu a 400 muni-cípios, formando 2.700 especialistas. Asatividades do projeto ocorrem em qua-tro etapas: sensibilização dos represen-tantes da Secretaria de Saúde, realiza-ção de oficinas com potenciaismonitores, capacitação técnica dosmonitores selecionados e realização docurso de especialização.

AS QUESTÕES,OS MAIORES DESAFIOSQuando a política de educação

profissional aponta para a fragmenta-ção, o desafio, para Marise Ramos, estáem se construir propostas político-pe-dagógicas e teórico-metodológicas querecuperem essa totalidade. “Um gran-de problema a ser enfrentado é a cons-trução de uma cultura, tanto nos ser-viços quanto na escola, que parta dacompreensão totalizante do processode trabalho e do pressuposto de queos trabalhadores são sujeitos dessesprocessos”, diz ela, destacando aindao problema do baixo nível de escolari-dade resultante do processo históri-co brasileiro de se negar às classespopulares — de onde advém a maioriados trabalhadores de nível médio emsaúde — o direito à educação básica.“Não se pode falar de formação pro-fissional plena e de qualidade quandonão se garante o acesso e a apropria-ção dos saberes considerados básicospara as pessoas viverem em sociedadee serem senhores de si”, completa.

Para Ana Luiza Vilasboas, um dosgrandes desafios seria o de ampliar aarticulação ensino-serviços medianteo trabalho em rede. Em sua opinião,a concepção de rede parece serapropriada para viabilizar a costura po-lítica entre atores que têm distintosinteresses, por conta mesmo da pró-pria idéia de rede que envolve os con-ceitos de articulação, conexão,heterogeneidade e cujo poder estána riqueza de seus vínculos.

— Acho importante priorizar oapoio financeiro e técnico dos três ní-veis de gestão do SUS e as iniciativasde formação e educação permanenteque adotem o formato de rede em seutrabalho e que incluam os gestores eas instituições de ensino na condução,programação, execução e acompanha-mento dessas ações. Creio também queo financiamento de ações de desen-volvimento de recursos humanos deveestar vinculado a incentivos em infra-estrutura, organização de serviços egestão. Esses recursos devem ser con-centrados em municípios que possamfuncionar como ‘efeito demonstrativo’,permitindo acúmulo de poder políticopara os que defendem um sistema desaúde mais eficiente e eficaz.

Apesar de tudo que tem sido fei-to com o intuito de se ampliar e pro-mover as interações entre os cursosuniversitários, os serviços de saúde eas comunidades, um obstáculo, na opi-nião de Márcio Almeida, tem sido a fal-ta de investimentos na área de forma-ção e a dificuldade de se implementarmudanças nas universidades sem quese considere apenas as alterações naspráticas profissionais e no mercado detrabalho.

— No caso da graduação, são ne-cessárias mudanças urgentes e em pro-fundidade para acabar com o predomí-nio da educação ‘bancária’, centrada napedagogia da transmissão e nos currícu-los cheios de disciplinas que fragmentamos processos de ensino/aprendizagem.Isso está comprovadamente superado, éanacrônico, sendo rejeitado por gran-des parcelas dos professores e dos alu-nos. Nesse sentido, é preciso estabele-cer novos modelos acadêmicos comênfase no papel dos alunos como sujei-

tos ativos do processo, na valorização dopapel ativo do professor, na interação comos serviços de saúde e com as comunida-des, nos novos instrumentos de avalia-ção do desempenho escolar, com pre-domínio da avaliação formativa e naaprendizagem do trabalho em equipemultiprofissional — diz ele.

Na opinião de José Paranaguá, háduas questões a serem enfrentadas. Aprimeira seria a garantia de infra-es-trutura para manutenção de um gran-de estoque de formação. A segunda éa ampliação do modelo do Profae paraoutras áreas da saúde. “O Profae jáestá fazendo sua parte, mas temos ain-da uma enorme demanda em relaçãoaos profissionais de nível médio. Esseprograma pode servir de modelo paraoutras iniciativas”, sugere.

Para Paulo Seixas, ainda que oacompanhamento e a avaliação das inú-meras iniciativas desenvolvidas venhasendo realizado com maior freqüên-cia, a incorporação sistemática da ava-liação de impacto nos processos depreparação ainda é pouco realizada.

— Isso implica na implementaçãode um sistema de registro e acompa-nhamento das ‘capacitações’. O Sis-tema de Informações Gerenciais emCapacitação (SIG-CAP), desenvolvidocom financiamento da CGPRH, repre-senta um importante instrumento paraeste processo — diz.

Para ele, é preciso ainda uma me-lhor articulação entre os Ministériosda Saúde e da Educação no que dizrespeito à discussão sobre os critéri-os para autorização e avaliação dosMestrados Profissionalizantes, por par-te da CAPES, e sobre a atuação maisativa dos gestores do sistema sobre asResidências Médicas, em particular naComissão Nacional de Residência Mé-dica e nas Comissões Estaduais.

Bem, o panorama geral está mini-mamente traçado ainda que falte algoaqui ou sobre algo ali. A tarefa mais ‘pe-sada’ começa agora, que é mergulharverticalmente em cada um dos quatrotemas que serão objetos das quatropróximas revistas. Pausa para respirar, ena Radis 4 retomamos o tema, enfocandoas questões que atravessam o nível daGraduação e suas implicações.

O RADIS ADVERTE:

Formar profissionais tecnicamente capazes deexercer sua função e conscientes da impor-tância de seu papel na humanização dos ser-viços faz bem para o SUS e para a saúde dapopulação.

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rrrrradadadadadiiiiis entres entres entres entres entrevivivivivistststststaaaaa

Antonio Sérgio da Silva Arouca épaulista de Ribeirão Preto, comu-

nista histórico, médico sanitarista edoutor em Saúde Pública. Foi presi-dente da Fiocruz entre 1985 e 1989,presidente da VIII Conferência Nacio-nal de Saúde em 1986, eleito deputa-do federal e exerceu ainda as funçõesde secretário municipal e estadual desaúde do Rio de Janeiro. A biografia‘oficial’, no entanto, não é capaz deespelhar a riqueza da vida e do pensa-mento de Sérgio Arouca, lembrandomesmo aquelas frias estatísticas do fu-tebol moderno, que registram quantosminutos uma equipe ficou com a pos-se da bola mas deixam de fora os lan-ces geniais e o drama do gol. O me-lhor a fazer, então, é passardiretamente ao ‘jogo’, mergulhar naleitura desta incisiva entrevista con-cedida à equipe do Radis e perceberque Arouca, como é bem do seu esti-lo, não deixa nenhuma bola quicandona entrada da área, mas permanecena ponta-de-lança do questionamentocrítico da Saúde brasileira. Entre oscompanheiros do ‘time da Reforma Sa-nitária’, Arouca era conhecido pelocarinhoso apelido de Rhalah Rikota, ohumaníssimo personagem-guru docartunista Angeli. O apelido pareceainda hoje mais do que justificado, deouvi-lo dizer que o SUS precisa ser re-pensado à luz da Reforma Sanitária e aSaúde, humanizada.

Participaram da entrevista AnaBeatriz de Noronha, Caco Xavier,Daniela Sophia, Katia Machado e Ro-gério Lannes Rocha. As fotos são deFrederico Rozário, cedidas peloOPasquim21.

A Saúde Pública mudou nesses últi-mos anos, quando muitas questõessociais e estruturais foram adiciona-das ao seu contexto. Em relação aessas mudanças, e mais de uma déca-da depois da implantação do SistemaÚnico de Saúde (SUS), tem sentidoainda falar em Reforma Sanitária?

A pergunta tem a ver com a ori-gem do movimento da Reforma Sanitá-ria, com a passagem do pensamento crí-

tico para uma proposta de ação. Omovimento da Reforma Sanitária nasceudentro da perspectiva da luta contra aditadura, da frente democrática, derealizar trabalhos onde existiam espa-ços institucionais. Na área da saúde,existia a idéia clara de que não poderí-amos fazer disso uma esquizofrenia, sermédico e lutar contra a ditadura. Erapreciso integrar essas duas dimensões.O espaço para essa integração era oda Medicina Preventiva, movimento re-cém-criado no Brasil, que começou naEscola Paulista de Medicina, em Ribei-rão Preto, e na Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ). A idéia eraque o Sistema de Saúde não precisavamudar em nada, que se poderia deixaras clínicas privadas e planos de saúde

como estavam e que bastava mudar amentalidade do médico. O movimentoda Reforma Sanitária cria uma outra al-ternativa, que se abria para uma análi-se de esquerda marxista da saúde, naqual se rediscute o conceito saúde/doença e o processo de trabalho, emvez de se tratar apenas da relação mé-dico/paciente. Discute-se a determi-nação social da doença e se introduz anoção de estrutura de sistema. Co-meçamos a fazer projetos de saúdecomunitária, como clínica de famí-lia e pesquisas comunitárias, e fize-mos treinamento do pessoal que fa-zia política em todo Brasil. No PCB, haviauma dinâmica para o debate sobre saú-de. Quando a ditadura chegou ao seuesgotamento, o movimento já tinha

O eterno guru da Reforma SanitáriaSérgio Arouca

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propostas. Não só criou quadros de pro-fissionais, mas também meios de comu-nicação, espaço acadêmico consolida-do, movimento sindical estruturado emuitas práticas. Assim, esse movimentoconseguiu se articular em um documen-to chamado Saúde e Democracia, quefoi um grande marco, e enviá-lo paraaprovação do Legislativo. Nós quería-mos conquistar a democracia para en-tão começar a mudar o sistema de saú-de, porque tínhamos muito claro queditadura e saúde são incompatíveis.Nosso primeiro movimento era, portan-to, no sentido de derrubar a ditadura,e não de melhorar a saúde. Tudo issoaconteceu antes da Constituinte.

O panorama, nessa época, parecia fa-vorável a essas mudanças?

Nessa época, eu me torno presi-dente da Fundação Oswaldo Cruz, oHésio Cordeiro se torna presidente doInamps, Renato Archer começa a atuarna Ciência e Tecnologia e Waldir Piresassume a Previdência Social. Há umnúcleo de pensamento da esquerda emconflito com um núcleo conservador.Carlos Santana, que ideologicamenteera considerado conservador, mas queera um radical na área da saúde, setorna Ministro da Saúde. Começa aí adiscussão em torno do primeiro passoa ser dado. O marco era transferir oInamps para o Ministério da Saúde, equalquer reforma deveria começarpela integração. Mas havia um proble-ma: a Saúde estava na mão de um con-servador e a Previdência com a oposi-ção. Até que, na calada da noite, oCarlos Santana consegue um decretoque autoriza o Sarney a passar o Inampspara o Ministério da Saúde. Waldir Pi-res então veta o decreto, dizendo que“o Inamps é um patrimônio dos traba-lhadores e que por isso essa decisãodeveria ser participada a eles”. Pen-samos em fazer isso convocando umaConferência. Mas, na época, as Con-ferências de Saúde eram espaços bu-rocráticos, onde os temas e os resul-tados já estavam pré-definidos.Propusemos então convidar a socie-dade para discutir a questão e reali-zar uma conferência com a participa-ção de 50% de usuários. A VIIIConferência Nacional de Saúde con-seguiu reunir, pela primeira vez, maisde 4 mil pessoas que trabalharam du-rante cinco dias consecutivos, produ-zindo relatórios diários e participan-do de uma assembléia final que duroumais de 24 horas. Da Conferência, sai omovimento pela Emenda Popular, a úni-ca emenda constitucional que nasce domovimento social. Esse foi o maior su-cesso da Reforma Sanitária, que enfren-tou mudanças de ministros e até de umpresidente da República (o ex-presiden-te Fernando Collor, que era absoluta-

mente contra o SUS). Para ele, segundoo pensamento da reforma neoliberal doEstado, o SUS era uma excrescência.Como presidente da Fiocruz, vivencieidiretamente alguns desses fatos. Apre-sentei o documento Saúde e Democra-cia, presidi a VIII Conferência Nacionalde Saúde, apresentei a Emenda Populare, como Deputado Federal, fui designa-do como relator da extinção do Inamps.Todos achavam que era um suicídio, poiseu estava propondo a extinção de umainstituição com mais de cem mil funcio-nários e que iria mobilizar tanto traba-lhadores quanto aposentados. De fato,sofri muita pressão. A surpresa é que,na hora da decisão final, as liderançasdo Movimento dos Trabalhadores doInamps eram favoráveis à extinção, emnome de um novo projeto.

na operação do modelo assistencial,segue a lógica do Inamps. O Ministé-rio da Saúde é organizado segundo estemesmo modelo do Inamps, segundo alógica hospitalar, com estruturamedicalizante. A grande vitória é quea Reforma Sanitária cria novos atoresna área da Saúde.

A Noas [Norma Operacional de As-sistência à Saúde] representa pro-gresso ou retrocesso na lei?

Nos últimos anos de gestão do JoséSerra, foram emitidos oito atosnormativos por dia. Houve secretariasde Saúde que contrataram assessorespara ler e interpretar esses atos, poisnão davam conta de seguir essa fúriaregulatória, que trata o Amazonas comoo Rio Grande Sul, a Saúde da Famíliaigual para todos, assim como o repassede recursos. Passamos a ter a regulaçãocomo ênfase, com bons ou maus regu-lamentos. A Noas, por exemplo, é umbom instrumento de regulação que pre-enche a lacuna de esvaziamento dopapel do nível estadual. Quando seperde o papel dos estados, se perdea possibilidade de planejamento re-gional. A Noas retoma o papel damunicipalização, mas dá ênfase à ques-tão da regionalização. A lacuna que ain-da resta é que o conceito da ReformaSanitária foi abandonado. Essa é mi-nha briga atual. Nós temos que reto-mar o conceito da Reforma Sanitária,para retomar políticas dentro do sis-tema sem burocratizá-lo. Ele já foi bu-rocratizado o suficiente.

Atualmente, qual é o pauta dessa luta?Retomar os princípios básicos da

Reforma Sanitária, que não se resu-miam à criação do SUS. O conceitosaúde/doença está ligado a trabalho,saneamento, lazer e cultura. Por isso,temos que discutir a saúde não comopolítica do Ministério da Saúde, mascomo uma função de Estado perma-nente. À Saúde cabe o papel desensor crítico das políticas econômi-cas em desenvolvimento. O conceitofundamental é o da intersetorialidade.Não basta aprofundarmos cada vezmais o modelo ‘Ministério da Saúdee Secretaria de Assistência à Saúde’,temos que discutir saúde segundopolíticas intersetoriais. O modeloassistencial é anti-SUS. Aliás, o SUScomo modelo assistencial está fali-do, não resolve nenhum problemada população. Essa lógica transfor-mou o governo num grande compra-dor e todas as outras instituições emprodutores. A Saúde virou um mer-cado, com produtores, compradorese planilhas de custos. O modeloassistencialista acabou universalizandoa privatização. O grande desafio quenós temos, imaginando o campo da

Depois da VIII Conferência Nacionalde Saúde, do texto da Constituição edo SUS implantado — objeto da LeiOrgânica 8080 —, qual é o saldo dehoje?

Conquistamos a universalização naSaúde (o princípio constitucional queestabelece que todo brasileiro tem di-reito à saúde), definindo com clarezao dever do Estado e a função comple-mentar da saúde privada. Conseguimosestabelecer que a Saúde deve ser pla-nejada com base nas Conferências econseguimos formalizar os Conselhosde Saúde como parte do SUS, tendo50% de usuários. O último passo dessemovimento pela Reforma Sanitária foia formação da Comissão Nacional daReforma Sanitária, que transformou otexto da Constituinte na Lei Orgânica8080. Dessa forma, todas as propostasreformistas de esquerda viraram Lei eisso acabou possibilitando a aprovaçãode outros projetos da esquerda.

Era preciso abrir canais para queo pensamento crítico da área da saúdealcançasse uma expressão própria, dan-do início à formulação setorial de no-vas políticas públicas. De um lado, o SUSavança por meio das Conferências, dosConselhos, da municipalização, dauniversalização dos direitos. Por outro,

Nós temosque retomaro conceito

da Reforma Sanitária,para retomar políticas

dentro dosistema sem

burocratizá-lo.

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oposição a esse modelo assistencial,é conseguir estabelecer um governoque tenha projeto e que não seja sim-plesmente um somatório de ministéri-os. Esse tipo de governo, onde socie-dade, ministérios e secretarias sãofraturados e onde cada um desses su-jeitos compete com os outros, é umafalência.

Qual é o ambiente em que pode sedar essa luta?

Primeiro, é preciso repetir que a‘inampização’ do SUS nunca vai resol-ver os problemas da população. Euestou propondo a convocação de umaConferência extraordinária, cujo temaé a mudança do modelo assistencialdo SUS, acabando com a Secretariade Assistência à Saúde (SAS) e com opagamento por prestação de serviços,que seria substituído por um contra-to global com metas de desempenho,qualidade e prioridades definidas pelapopulação. Podemos contratar o se-tor privado onde não existe o setorpúblico, mas definindo prioridades emetas. O PSF [Programa Saúde da Fa-mília], por exemplo, pode ser enten-dido de duas maneiras. Ele pode sersimplesmente mais um programa para-lelo, como no Rio de Janeiro, ondedez equipes de Saúde da Família nãorepresentam nada, ou pode ser um mo-delo reestruturante do sistema de saú-de, no qual uma equipe dará atendi-mento personalizado às famílias segundoo conceito de desenvolvimento local,integral e sustentável. É preciso queos programas de governo ganhemintersetorialidade nos municípios. Épreciso trabalhar a questão da huma-nização da saúde. Um Projeto de Leisobre os direitos do paciente rolouoito anos na Câmara, e eu não conse-gui aprovar. O projeto dizia simples-mente que o paciente tem direito aosseus dados e a optar por terapias, de-vendo ser tratado como cidadão —com nome e sobrenome.

Quando discutíamos a Reforma Sa-nitária e fazíamos crítica à prática damedicalização, já falávamos sobre aabertura às práticas alternativas de saú-de, como a fitoterapia, a acupuntura ea homeopatia. O genérico é um avan-ço, mas só atende a quem já tinha aces-so a medicamentos, diminuindo o cus-to. Cerca de 50 milhões de brasileirosnão chegam nem aos genéricos. Por isso,é necessário estabelecer uma políticaque pense na fitoterapia e em hortasde produção de medicamentos natu-rais, que trabalhe com práticas de pro-moção e prevenção da saúde e queparticipe das discussões sobre CidadesSaudáveis.

Como você vê os avanços datecnologia mundial de ponta, como a

biotecnologia e os transgênicos?Quando fui candidato a vice-presi-

dente da República, com Roberto Freire,a bandeira da candidatura era a ques-tão da revolução científico-tecnológica.Essa revolução tecnológica tem a ca-racterística de transformar grupos hu-manos em descartáveis e até mesmo umanação em algo descartável. Para se pro-teger da globalização, o Estado tem queser forte e muito mais competente. Nos-sa pergunta era: “Como entrar na re-volução científico-tecnológica? Na nos-sa área, a resposta para essa perguntaseria a biotecnologia, pois nós temosuma das mais ricas biodiversidades domundo. Nessa área de pesquisa, po-deremos trabalhar pela preservação ena produção de novos medicamentos,reagentes e novos alimentos, sem pre-cisar de grandes aparatos técnicos. Doato de protesto de José Bové — que éum conservador — destruindo umaplantação de transgênicos no Brasil,só restou uma discussão maniqueístae equivocada entre os que acreditamque a biotecnologia é solução paratudo e os que, vendo a biotecnologiacomo um demônio, querem proibir atéa pesquisa. A biotecnologia é um enor-me avanço, mas apresenta enormesriscos. O único experimento on-lineem massa é a alimentação comtransgênicos. Milhões de pessoas es-tão sendo submetidas a experimentosdos quais não se sabe o resultado eque não são controlados.

Há também um pensamento‘producionista’, no campo da ge-nética, querendo explicar que com-portamento é determinação gené-tica e esquecendo tudo o que jáfoi desenvolvido no campo da culturae da antropologia. A vida é uma rede.Você está em contato permanentecom vírus e bactérias que já vivemdentro do seu corpo e que fazem par-te do seu DNA. O organismo humanotem a capacidade de produzir mudan-ças para sobreviver e essas mudançassão geradas segundo as influências domeio em que vive. Quando eu especi-alizo uma planta, jogando sobre ela umúnico inseticida, qual será o impactona rede da vida que está embaixo da-quele solo? Para que eu possa interfe-rir no DNA, eu utilizo uma bactériacomo vetor para fazer a mudança, eas bactérias são seres vivos que tam-bém se modificam e se incorporam aseres mais complexos.

Dizer que a biotecnologia vai re-solver o problema da fome é uma fa-lácia. O problema da fome não estána produção de alimentos e sim nadistribuição deles. A discussão temque mostrar onde estão os avançose onde a sociedade civil pode exigiro controle social. A energia nuclearera contida no laboratório e o risco

era de haver uso político ou aciden-tes. A biotecnologia não tem paredes,ela está na rede da vida e exige,portanto, um controle social que nãopassa pelos pares da ciência. Está fal-tando uma Comissão de Bioética quetenha uma representação da socieda-de e que não seja só de pesquisado-res. Uma comissão que inclua tambémfilósofos, pensadores e usuários. O Es-tado tem que se capacitar para essemundo novo que nós estamos viven-do e a legislação brasileira não estánem chegando perto de começaressa discussão. Ela chegou à Lei deBiossegurança, mas não avançou. Épreciso começar a discutir a ques-tão da clonagem.

Hoje em dia, qual seria a política in-dustrial para a saúde? Em relação àsvacinas e aos medicamentos, a pro-posta ainda é ter autonomia na pro-dução?

Estamos cada vez mais ligados auma balança de pagamento em que épreciso ter o dólar, e por isso não po-demos nos relacionar com o mundoglobalizado sem estabelecer mecanis-mos de proteção. Precisamos de umapolítica de substituição de importação,que é possível, apesar da Lei de Pa-tentes. A Saúde é uma área privilegia-da, pois a grande maioria dos medica-mentos não está protegida. Se hojesomos um dos maiores compradoresde medicamentos do mundo, o Estadopode utilizar o poder de compra parafazer transferência de tecnologia,como fizemos com a [vacina] Sabin naFiocruz: “Compramos vacina de suaempresa desde que você me associe,me transfira tecnologia e me capacitepara produzir”.

Existem parceiros possíveis de se as-sociar?

Existem, sim. Em vez de entrarde uma forma suicida na Alca, nós po-demos nos associar a países comtecnologia de medicamentos. Isso sig-nifica fortalecer os laboratórios pú-blicos. Eu não posso simplesmentepermitir um fluxo de recursos e nãoatrasar o pagamento das bolsas de es-tudo se, quando uma pessoa terminao doutorado, não tem emprego. Deque adianta mandar pessoas para omundo inteiro para fazer mestrado edoutorado, se depois eles não sãoabsorvidos? Paralelamente à políticaindustrial, é preciso ter uma políti-ca agressiva na área da ciência etecnologia. Em vez de ser um expor-tador de cérebros, o Brasil tem queser um importador. Se quero profis-sionais em Biologia Molecular, pre-ciso saber quem é que está traba-lhando com isso no mundo e trazerpara o país. A política em Ciência e

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Tecnologia não pode ser esta que aCapes e o CNPq oferecem.

Independentemente de quem estaráno próximo governo, de seus erros eacertos, quais são os principais desa-fios apresentados à sociedade?

Eu tenho participado de debatesonde não se tem saída para nada.Mesmo no Conselho Nacional de Saú-de, onde estive recentemente, as úl-timas perguntas que eu respondi ma-nifestavam grande angústia. Este é umperíodo crítico, em que presenciamosinstituições internacionais perdendoespaço e Bush assumindo uniteralidadeem tudo, tanto no comércio quantona guerra. Você vê uma cultura guer-reira. É uma coisa horrível o que estáacontecendo nos EUA, é uma redu-ção dos direitos humanos. O que estásendo feito lá é um tremendo retro-cesso autoritário, digno de uma boaditadura. Por outro lado, você tempessoas que dão boas respostas. Euacredito que as lutas pela cidadania,expressas na defesa do consumidor, nadefesa de necessidades especiais, nasdiscussões sobre os direitos da mulhere dos novos temas envolvendo violên-cia e saúde pública, estão ganhandoforça. O Ministério Público tambémpropiciou enorme avanço na questãoda cidadania. O desafio é dar conteú-do a essas questões.

O momento que estamos vivendorevela a paralisia do pensamento críti-co nacional. O movimento sindical estáparalisado e a universidade não temfeito nenhum debate crítico mais avan-çado. Isso exige que retomemos a Re-forma Sanitária, enxergando o SUS apartir dessa reforma, e não vendo oSUS pelo umbigo do SUS. O umbigo doSUS vai apenas tentar regular o queestá aí. Outro dia, ouvi um médicodizer com maior orgulho que tinhatriplicado o número de amputaçõesde diabéticos. Se o conceito é de

produtividade e serviço, então ele am-puta mais para ganhar mais. Para mim,isso é a falência. O conceito funda-mental dessa última fase do SUS é ofaturamento. Foi uma distorção naimplantação do SUS.

Segundo a lógica de indução de mer-cado, quando pensamos em assesso-ria aos municípios, na formação pro-fissional e nas universidades, há umatendência de se direcionar pesquisaspara onde há recursos.

De um lado, a universidade tem opapel de Estado, deve estar preocu-pada com gerações futuras, com co-nhecimentos novos e que não são pri-vilegiados. Ela, no entanto, deve terliberdade de atuação. Não pode estarsubordinada a políticas de governo. Deoutro, o governo deve propor pactosà universidade. Nós queremos univer-sidade aberta para vários tipos de cur-so. Eu posso pactuar com a universi-dade para o ensino a distância etreinamento dos quadros atuais queestão nos serviços. Se a pública nãopactuar, pactue-se com quem faça,estipulando metas de desempenho erecursos. Desta forma, a universidadeganha uma dimensão de parceira dodesenvolvimento. O Carlos Lessa [rei-tor da UFRJ] diz que nós temos quevoltar a desenvolver o corporativismo,no sentido de autonomia, permitindo-nos pensar além da política conjunturalde governo.

Em relação ao mercado, o gover-no Fernando Henrique congelou os sa-lários de todo o setor público e co-meçou a dar aumentos indiscriminados(dentro da Reforma Bresser) por áre-as de atuação. O governo acabou cri-ando induções, e a maior delas foi ado mercado de projetos públicos,envolvendo cada pesquisador individu-almente em interesses personalizados.As instituições não têm mais projetoglobal, elas foram fragmentadas por

baixo. Cada pesquisador precisa tervários projetos individuais, para teracréscimo salarial e prestígio. Vocêacha que esse pesquisador vai quererparticipar de um projeto coletivo? Essaé a distorção máxima: o serviço públi-co vendendo serviços para o própriosetor público. É a privatização do mer-cado que se fez por baixo, privatizandoos desejos e as mentes das pessoas.Ela envolveu os prestadores de servi-ço, dizendo que o negócio é faturar,e os pesquisadores, dizendo que a coi-sa é projetar.

Como você analisa sua experiênciaparlamentar e suas experiências comosecretário de Saúde?

Eu sou muito mais identificadocomo sanitarista da Fundação OswaldoCruz do que como militante políticoou deputado, e é como eu me sintobem. Outro dia, brincando com umamigo, eu disse que meu tempo depermanência em alguns cargos execu-tivos nesses conflitos de poder temdiminuído radicalmente. Fui secretá-rio de saúde do estado do Rio duran-te nove meses, e meu período comosecretário municipal caiu para quatromeses. Como deputado federal, eu eralíder de um partido de três. Isso foium aprendizado fantástico, pois mepermitiu atuar não só na área da Saú-de. Eu fiz a Lei do Sangue, a Lei deSaúde de Populações Indígenas, parti-cipei da extinção do Inamps e da de-fesa dos direitos do paciente, fui ne-gociador da questão das patentes edas gratificações de desempenho eparticipei da reforma educacional jun-to com Darcy Ribeiro, entre outrascoisas. Nesse campo, penso que já deiminha contribuição. Vou estar na polí-tica sempre, mas não volto a mecandidatar. Sou muito mais sanitarista.

Em relação aos meios de comunica-ção, que caminhos você vê para a so-ciedade?

Eu acho que todas as experiên-cias, em nossa área específica, têm tidosucesso. Nós temos o Radis, o Saúdeem Debate, do Cebes, e as revistas daAbrasco, entre outras. Eu só tenhomedo que, em algumas delas, oacademicismo retire essa dimensão dopensamento crítico e a substitua pela‘lógica da epidemiologia’ para aceitarartigos. Nós temos espaço, e a ques-tão é como apresentar o debate. A dis-cussão substantiva que o campo dopensamento crítico da oposição deveassumir é a mudança do modeloassistencial, retomando a Reforma Sa-nitária e reformando o SUS. Esse se-ria o diferencial e também a nossagrande unidade. A possibilidade de re-pensar o SUS como Reforma Sanitáriapode ser nossa grande unidade.

Arouca, no início do movimento daReforma Sanitária, foi carinhosamenteapelidado de Rhalah Rikota, personagemdo cartunista Angeli. Por que será?

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ssssserererererviçviçviçviçviçososososos

FORMAÇÃO PROFISSIONAL

CONGRESSO DA REDE UNIDA

‘Governos novos, desafios antigos:investindo sempre nos processos

de mudança’ será o tema central doV Congresso Nacional da Rede Unida,a ser realizado de 27 a 30 de maio de2003, em Londrina/PR. Durante oevento, acontecerão ainda o I FórumNacional de Redes em Saúde e a IIMostra Paranaense de Produção emSaúde da Família. A inscrição de tra-balhos para o Congresso poderá serfeita entre os dias 10 de outubro e15 de dezembro.Mais informações: Rede UnidaR. Souza Neves, 9/110 — Londrina / PRCEP: 86010-921Tel.: (43) 324-2340E-mail: [email protected]: www.redeunida.org.br

SECRETARIA NACIONAL ANTIDROGASPROMOVERÁ DEBATES SOBRE TRATAMENTO

Já estão abertas as inscrições parao II Encontro da Rede Social de Tra-

tamento e Reinserção do Dependen-te Químico, que acontecerá entre osdias 26 e 27 de novembro, em SãoPaulo. Organizado pela SecretariaNacional Antidrogas, o evento temcomo meta a troca de informaçõesde representantes de federações,associações, entidades e profissionaisque atuam na área de tratamento eintercâmbio das comunidades tera-pêuticas com outros profissionais dosserviços psicossociais.Mais informações:Secretaria Nacional AntidrogasTel.: 0800-614321Site: www.senad.gov.br

V CONFERÊNCIA LATINO-AMERICANASOBRE MEIO AMBIENTE

Com o tema ‘Educação e informaçãoambiental’, a 5ª Conferência Lati-

no-americana sobre Meio Ambienteacontecerá entre os dias 24 e 27 denovembro em Belo Horizonte, MinasGerais. Promovida pela Organizaçãodas Nações Unidas, Ministério do MeioAmbiente e Governo do Estado de Mi-nas Gerais, o evento tem como pro-posta contribuir para a formação deuma consciência ambiental nas insti-tuições e promover ações efetivasque busquem o desenvolvimento sus-tentável.Mais informações:Rua Tomé Souza, 10651º andar — Belo Horizonte / MGCEP: 30140-131Tel.: (31) 3223-6251Fax: (31) 3225-7440E-mail: [email protected]

RIO DE JANEIRO – VIII FÓRUM ESTADU-AL DE HOMEOPATIA NA REDE PÚBLICA

Ainserção da homeopatia na RedeAssistencial de Saúde será debati-

da durante o VIII Fórum Estadual deHomeopatia na Rede Pública. O even-to acontecerá no dia 27 de novembrono Centro de Convenções do SouthAmerican Copacabana Hotel – Rua:Francisco Sá, 90 – Copacabana, no Riode Janeiro. Para dar continuidade àsdiscussões, no dia 4 de dezembro ocor-rerá uma reunião com representan-tes dos municípios que estejam de-senvolvendo ações em homeopatia outenham interesse em implantar.Mais informações:Tel.: (21) 2220-8488

I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE VIGILÂNCIASANITÁRIA

Para difundir a importância da Vigi-lância Sanitária na promoção da

saúde, será realizado em São Paulo,entre os dias 2 e 4 de dezembro de2002, o I Simpósio Brasileiro de Vigi-lância Sanitária (I Simbravisa). O even-to, que será realizado por meio doGrupo Temático de Vigilância Sanitá-ria da Associação Brasileira de SaúdeColetiva (Abrasco), tem como objeti-

vo promover intercâmbio de conhe-cimento e congregar profissionais daárea. O prazo para envio de traba-lhos já terminou, mas as inscriçõespara o Simpósio ainda estão abertas.Mais informações:Tel.: (11) 3256-2355 e 3256-2747Fax: (11) 3257-7611 ramal 1820E-mail: [email protected]: www.simbravisa.com.br.

PUBLICAÇÕES

OMS E OS MEDICAMENTOS ESSENCIAIS

AOrganização Mundial de Saúde pu-blicou a primeira edição do For-

mulário Modelo com informação sobreos 325 medicamentos contidos na lis-ta da OMS de medicamentos essenci-ais especificando-se em cada caso asindicações terapêuticas, a posologia,efeitos adversos e contra indicações.O documento tem o objetivo de ser-vir como modelo aos governos e insti-tuições nas elaborações de seus pró-prios formulário nacionais.Mais informações:Site: www.who.int/medicinesTel.: (4122) 791-3528 (telefone inter-nacional)E-mail: [email protected]

NA INTERNET

A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORESNA HISTÓRIA SOCIAL DO BRASIL

Para os interessados em material so-bre a participação de trabalhado-

res na história do país, foi lançadorecentemente o site ‘Arquivos da His-tória Social do Brasil’, produzido pelopesquisador da Fiocruz Eduardo Stotze pela professora da Universidade Fe-deral do Rio de Janeiro Eulália MariaLahmeyer Lobo. Na página estãodisponibilizados depoimentos, notíci-as, fotografias e estudos, entre ou-tros recursos sobre o tema.Site: www.arquivosdehistoriasocial.org

O RADIS VAI ESTAR:! No Congresso Mundial de Bioética(30/10 a 04/11)! Na Oficina para Implantação dePolítica Editorial e de Comunicaçãoda Anvisa (31/10 a 03/11)! No Seminário Acesso a Medica-mentos: direito fundamental, papeldo Estado (20 a 25/10)

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PÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDOPÓS-TUDO

Ana Beatriz de Noronha

Como em todo roteiro de cinema,a vida da gente vai bem até que

um evento qualquer ocorre paradesestabilizar o que, aparentemente,estava em equilíbrio. No meu caso, oevento foi uma crise renal, daquelasde bater com a cabeça na parede(quem já teve uma, sabe do que es-tou falando). De repente, lá estava eu,precisando de médicos, exames e tra-tamento. Mas, afinal, por que o dra-ma? Era uma simples crise renal e tudose resolveria facilmente...

A primeira visita ao urologista foifrustrante. O médico só olhava parao micro, como se a conversa fossevia internet. Tentei achar aquilo nor-mal, pois estamos na era das novastecnologias. O saldo da consulta? Al-guns pedidos de exames. Lá fui eupara uma urografia excretora (nomefeio, meu Deus!), que confirmou aexistência de uma pedra no ureterdireito. Na segunda consulta, fui ori-entada a procurar um médico que melivrasse da pedra com urgência, umavez que a minha função renal já esta-ria comprometida. Eu, assim comoEremildo, o Idiota, personagem assí-duo na coluna do Elio Gaspari, aindaacreditava que tudo seria fácil. Amedicina estava do meu lado. Enganomeu. Vinte dias depois da crise inici-al, vivendo à base de analgésicos eimpedida de trabalhar ou estudar re-gularmente, me transformei numa ‘ne-gociante’, tentando ‘comprar’ a mi-nha cura. Sem que eu soubesse, meurim foi a leilão.

Para o primeiro médico procura-do, meu rim valia R$2,2 mil sem reciboe cerca de R$3 mil, se eu fizesse ques-tão daquele papelzinho bobo do qualdepende o pagamento de impostos.

Quanto vale meu rim?

Nada feito. Minha consciência cidadãme impediu de ‘negociar’ com um pro-fissional que se propõe a “tungar oscofres da viúva”, como, mais uma vez,diria o irônico colunista. Uma semanadepois, para um segundo médico (afamosa ‘segunda opinião’), meu rim jávalia quase R$10 mil, numa valorizaçãode deixar o dólar com inveja. Para aCaberj, meu plano de saúde, meu rimparecia não valer nada. Ainda que umdos atendentes da Agência Nacionalde Saúde Suplementar (ANS) me ga-rantisse que, de acordo com a lei, “emcaso de possibilidade de perda da fun-ção parcial ou total de um órgão” acarência não deva ser considerada, adecisão da diretoria do plano foi deapostar que o meu rim resistiria até ofinal da carência. E se eu perdesse orim? Eles perderiam a aposta, mas quegraça tem a vida sem nenhum risco? Oque doeu, no entanto, não foi a ne-gativa de me atender, mas a covardiade não assumir isso por escrito. Semprovas, não há crime aos olhos da lei.

Mas e o SUS? Amparada pela Cons-tituição, lá fui eu, Eremilda, a Idiota,em busca dos meus direitos. Depois dedar entrada num pronto-socorro, fuiencaminhada para um dos centros dereferência em urologia do município

do Rio de Janeiro, onde foi marcadauma consulta para dali a quarenta dias.Nada mal para quem está bem, mas paraquem, segundo dois médicos, podeperder o rim em sessenta dias, é as-sustador. Tudo bem, eu entendo. Aequipe tem apenas quatro ou cincomédicos e atende gente de quasetodo o estado. Eles certamente nãopodem fazer milagres. Faltam médicos,equipamentos e leitos. Falta quasetudo. Sobra dedicação de idealistas‘eremildos’. Mas eu sou teimosa e, paramim, meu rim não tem preço. Acheique valia a pena brigar e briguei. Con-segui que um médico olhasse meusexames e me colocasse na fila de ci-rurgia, com a expectativa de ser ope-rada em três ou quatro meses. Desco-bri, então, que para o poder público,o meu rim (e a saúde de toda a popu-lação) também não vale grande coisa,pois o hospital não tem nem um equi-pamento de litotripsia externa, quecusta cerca de US$ 6 mil e que, se-gundo os médicos, pode resolver cer-ca de 40% ou mais dos casos de cálcu-lo renal, sem os gastos de internação.Descobri também que, na maioria dasvezes, o Sistema funciona pelo esfor-ço de alguns profissionais que, sem asmínimas condições de trabalho, con-tinuam lutando.

Esgotadas todas as possibilidades,só me restava a sorte. Felizmente, elanão me faltou. Um problema com ocomputador bagunçou a lista de espe-ra e possibilitou que eu fosse operadana rede pública em menos de quinzedias. Foi como ganhar a megassena. Parao Sobrenatural de Almeida, dessa vezparafraseando Nelson Rodrigues, meurim deve valer alguns milhões. Benditoo dia em que o rim (ou o corpo inteiro)de cada cidadão receba o devido va-lor, sem que seja necessário apostarna sorte.

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